A Belle Époque sentida: diálogos travados entre a obra O Caxeiro do Rodolfo Teófilo e Classe Média do Jáder de Carvalho

June 4, 2017 | Autor: Thiago Nobre | Categoria: History, Historia, História do Brasil, História, Historia Cultural, História Do Ceará
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XVII Encontro de Iniciação à Pesquisa Universidade de Fortaleza 17 a 21 de Outubro de 2011

A Belle Époque sentida: diálogos travados entre a obra O Caxeiro do Rodolfo Teófilo e Classe Média do Jáder de Carvalho.

Thiago da Silva Nobre Universidade Estadual do Ceará - PIBIC/CNPQ (IC)*, Gleudson Passos Cardoso Universidade Estadual do Ceará - Curso de História (PQ) Palavras-chave: Cultura Capitalista, Belle Époque, Literatura Cearense

Resumo Este trabalho tem como objetivo compreender o período histórico conhecido como Belle Époque e influência capitalista na sociedade fortalezense da época, fazendo-se uso duas obras literárias, uma do Jader de Carvalho e a outra do Rodolfo Teófilo. De acordo com a documentação histórica manuseada, foi percebido que os dois autores percebem diferentemente a dinâmica civilizadora que vai se impondo no Estado do Ceará. Neste sentido, pretende-se entender em que medida eles entendem esse processo civilizador, resignificando e reutilizando o discurso que vem de fora. A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo foi análise do discurso, leitura e análise dos documentos de época. As fontes históricas manuseadas foram o romance Classe Média do Jader de Carvalho e o livro de memórias da juventude O Caixeiro do Rodolfo Teófilo. Acredita-se, portanto, que esses intelectuais não ficaram suspensos em relação ao que estava ocorrendo na época e que suas produções literárias se mostram altamente importantes para se compreender a dinâmica e processo civilizador que se impõe fortemente. Esta pesquisa integra o eixo temático “práticas letradas e urbanidades” pertencente ao projeto maior “Cultura Capitalista e Civilização nas Cidades do Ceará (1860 – 1960)”.

Introdução Neste artigo, pretende-se compreender o período histórico conhecido como Belle Époque em Fortaleza e como os escritores Jader de Carvalho e Rodolfo Teófilo sentiram, perceberam e produziram acerca dela em suas obras literárias Classe Média e O Caixeiro. Dentre a bibliografia utilizada a que serviu como pedra basilar para a feitura desse artigo foi o livro Fortaleza Belle Époque do Sebastião Rogério Ponte. Em sua obra Rogério Ponte vai discorre sobre surto aformoseador e as reformas urbanas empreendidas na cidade de Fortaleza a partir do final do século XIX e começo do XX, visando o ordenamento, a higienização, o disciplinamento da população. Tudo isso para atingir os status de cidade civilizada. Porém, esse movimento de aformoseamento civilizador não ocorreu apenas em Fortaleza, bem como em várias capitais brasileiras da época. Para melhor se trabalhar é preciso delimitar precisamente o que se pode ser entendido com o termo Belle Époque. Rogério ponte na introdução do seu livro vai afirmar que: “O período que compreende o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX,assinala um conjunto de relevantes transformações na formação histórica do Brasil. Acontecimentos como a abolição da escravatura, a implantação do trabalho assalariado e a instauração do regime republicano, em grande parte desencadeados pela emergência de novas forças e valores sociais e das injunções demandadas pelo capitalismo que então se mundializava, foram alguns dos marcos decisivos ao processo de construção de uma nova ordem política, social e econômica no País.[...] as principais cidades brasileiras atravessaram uma série de intensas reformas urbanas reformas urbanas e sociais. Efeitos práticos dos anseios dominantes de modernização da sociedade, tais reformas visavam ISSN 18088449

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alinhar os centros urbanos locais aos padrões de civilização e progresso disseminados pelas metrópoles européias. ” (PONTE, Sebastião Rogério, 2010, p. 17)

Como se pode perceber, a transição do século XIX para o XX trouxe várias mudanças acima citadas. Tais mudanças eram encaradas como o caminho irremediável rumo à civilização. Os exemplos urbanísticos e sanitários das cidades européias, mais especificamente da França, eram tidos como o objetivo final de desenvolvimento. Os principais agentes que investiram e incentivaram na “febre aformoseadora” da capital alencarina foram as classes sociais ligadas ao comércio, enriquecidas pelo desenvolvimento das transações comerciais de importação e exportação. As elites intelectuais também tiveram a sua contribuição para formação da mentalidade racional, cientificista e progressista, como bem afirma Rogério Ponte também na introdução que elas “[...]desempenharam papel fundamental na construção daquela nova ordem urbana. Assinaladas pela racionalidade cientificista em voga na Europa, formaram instituições de saber, compartilharam dos mesmos anseios civilizatórios das classes dominantes, e colaboraram estreitamente com o Estado ao prestar a competência técnica de que o Poder então carecia. Ao mesmo tempo que galgavam prestígio científico e político, os grupos de letrados pretenderam instaurar novos conhecimentos e representações sobre a cidade, fazendo circular um diversificado campo de verdades e medidas voltadas para o ajustamento da população às novas regras de vida e de trabalhos urbanos.” (PONTE, Sebastião Rogério, 2010, p. 18)

Esse período conhecido como Belle Époque, segundo Rogério Ponte, vai ser de 1860 a 1930. A meu ver um corte nada arbitrário, pois em 1860 Fortaleza ganha a disputa de capital contra Aracati, recebendo vários investimentos, melhoria nos aparatos urbanos, dinamizando a produção e a exportação de algodão. Encerra-se em 1930 pelo motivo da influencia européia decair, sendo substituída pela norte americana que vai se consolidar plenamente a partir da Segunda Guerra Mundial. As preocupações governamentais também não vão ser tão intensas em relação ao ordenamento, higienização e disciplina em que outrora ditavam e guiavam as ações governamentais. Aos olhos menos atentos e aos anseios mais precipitados, pode-se dizer que nessa época não ocorreram tensões e conflitos, ledo engano. Apesar de todo o desenvolvimento atingido na época, as mudanças empreendidas foram feitas para atender a demanda das classes dominantes, que era a minoria da população. A grande maioria da população era excluída de tudo isso e as melhorias e mudanças se concentravam no perímetro central da cidade de Fortaleza, por conter as principais casas comerciais e também por concentrar as moradias dos grupos abastados. Enquanto Fortaleza vivia a febre a da Belle Époque em 1877 começa a estiagem que vai ser conhecida como a Grande Seca de 1877 (1877 – 1880). Por motivo dela, a bela e afrancesada cidade de Fortaleza vai ter seus logradouros, suas ruas e suas praças tomadas por retirantes maltrapilhos e famintos. O Governo, mesmo que despreparado, vai tentar amenizar tal afronta a seu objetivo civilizacional. Para isso, vai tentar manter o numero crescente de flagelados longe do perímetro central da cidade, construindo hospícios, campos de concentração, hospitais para os alienados, vai também manter os retirantes trabalhando em obras púlbicas em troca de comida para evitar insurreições e saques aos armazéns, no entanto, sabe-se que tais movimentos aconteceram. O livro A Multidão e a História do Frederico de Castro Neves fala muito bem das estratégias governamentais para tentar domesticar o povo faminto.

Metodologia A metodologia utilizada foi a analise do discurso documentação histórica, a contextualização da produção letrada e o estudo breve sobre a trajetória de vida dos autores. As fontes foram as obras literárias Classe Média do escritor Jader de Carvalho e O Caixeiro do escritor Rodolfo Teófilo. Essa documentação foi obtida nas investidas no setor de Ceará e no setor de obras raras da Biblioteca Pública Menezes Pimentel.

Resultados e Discussão Antes de se entrar propriamente nas fontes pesquisadas, saber um pouco da trajetória de vida dos autores enriquece em muito a análise. Jader de Carvalho nasceu em 1901 em Quixadá (CE) e faleceu em Fortaleza em 1985. Participou ativamente do movimento do movimento modernista literário, fazendo parte com outros poetas do livro O Canto Novo da Raça de 1927, que no dito de Sânzio de Azevedo, inaugurou o modernismo cearense. Foi bacharel em Direito e pertenceu a Academia Cearense de Letras. Rodolfo Teófilo nasceu em Salvador (BA), em 1853, mas logo veio para o Ceará. Foi farmacêutico, sanitarista, ISSN 18088449

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intelectual, industrial e divulgador científico. Foi membro fundador da Academia Cearense de Letras e participou da segunda fase da Padaria Espiritual. Faleceu em Fortaleza, em 1932. A escolha desses autores e das suas obras não foi por acaso. O livro intitulado O Caixeiro apesar de ter sido publicado em 1927, o autor vai fazer o exercício memorialístico da sua juventude trabalhando como caixeiro nos idos de 1868. Data não menos emblemática, pois na década 60 desse século se inicia os furores aformoseadores na capital cearense e o autor vai viver justamente esse inicio, registrando em seu livro de memórias. Já Jáder de Carvalho em sua obra Classe Média publicada em 1937, pegando assim os últimos ecos da Belle Époque. Rodolfo Teófilo logo no inicio de suas reminiscências registrava informações interessantíssimas sobre como era feito a limpeza pública na época, dizendo: “A limpeza publica era melhor e mais barata do que actualmente. Pela manhã era varrida a cidade pelos proprietarios ou inquilinos, varriam até o meio da rua cada um do seu lado. O lixo era conduzido pelas carroças contractadas com particulares. A limpeza publica hoje é um cargo politico e rendoso.” (TEÓFILO, 1927, p. 8)

Como se pode perceber, a limpeza publica que hoje é entendida como encargo e obrigação governamental eram responsabilidades dos particulares e o autor acha que era mais dinâmico e barato do jeito que era em sua juventude. Prosseguindo, o autor vai comentar sobre a situação auspiciosa que estava o comercio de algodão do Ceará por causa da Guerra de Secessão nos Estados Unidos da América, afirma que “O Ceará inteiro estava coberto por um immenso algodoal por causa do elevado preço devido á guerra da Seccessão.” (TEÓFILO, 1927, p. 36). Ele também vai registrar como eram feito os tratos com o algodão comentando que “Os fardos de algodão eram pesados ao tempo à beira – mar. A balança suspensa a uma tripéça de madeira, o caixeiro ao lado com um caneco de tinta e um pincel examinava o peso da saca de lã[...].” (TEÓFILO, 1927, p. 37). O escritor também vai registra em suas páginas a falta ou inexistência de manufaturas para o beneficiamento do algodão na província. “Assim mesmo sem porto, peior do que hoje, todo esse algodão embarcou para Europa, pois as fabricas brazileiras de tecidos ainda não existiam.” (TEÓFILO, 1927, p. 38). Adiante, ele vai fazer menção as intensas trocas comerciais feitas entre a vila de Pacatuba e Fortaleza. Para facilitar o transporte, os comerciantes de fortaleza “mandaram vir da Europa um omnibus. Chegou o vehiculo. Sua lotação era de 12 pessoas.” (TEÓFILO, 1927, p. 45). O dia da inauguração foi marcado e tudo era festa, mas os incautos passageiros não esperavam por um imprevisto. Como foi discutido mais acima, as melhorias e mudanças trazidas ao lume com a Belle Époque se restringiam ao perímetro central de Fortaleza e essa passagem cômica, mas não menos importante confirma isso: “O omnibus sahiu da Capital ás tres horas da tarde rumo Pacatuba, puchando por quatro possante burros. Tudo foi bem emquanto houve estrada empedrada. Quando chegamos ao banco de areia de Maraponga as rodas se atolaram, e o omnibus parou, mas parou de todo. Baldados foram os esforços para faze-lo seguir.” (TEÓFILO, 1927, p. 46)

Passar-se-á agora, a obra Classe Média de Jáder de Carvalho. Logo no início do romance, o autor fala do caso de uma família de uma cidade do interior chamada Itaúba, que enriqueceu com o comércio de algodão se mudando para a capital para desfrutar todas as possibilidades de uma cidade civilizada. Sobre isso o autor escreve no romance: “Chegam-se noticias da vida de Consuelo em Fortaleza. A sua limousine roda continuamente. Consuelo integrou-se no grand monde da capital. E’ hoje pessoa obrigatória nos clubes de dansa. A família recebe convites especiais do Salão José de Alencar. [...]Consuelo misturada com as inglesas do Contry Club. Jogando tênis e pingpong. Lamentava-se a cada instante do tempo perdido em Itaúba. Na casa de Honório , vive-se a vida moderna. As meninas saem sozinhas. Fazem exercícios de equitação. Nas partidas de futebol, Consuelo aparece de livro francês na mão, para ler nos intervalos. (CARVALHO, 1937, p. 41)

O autor relata bem como era feito os divertimentos das classes abastada da época. Mais adiante, o escritor vai falar da decadência dos comerciantes de algodão, que outrora viviam o paraíso na terra. “Honório Martins, durante dez anos, comprou e descaroçou mais da metade do algodão de Itaúba e municípios adjacentes. Enriquecendo as firmas da capital, também juntou o seu pecúlio. De tal maneira consolidou a sua fortuna, que um ano de baixa não o ISSN 18088449

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esmoreceu. Agora, porém, tudo mudou. As próprias firmas exportadoras de Fortaleza sofrem uma concurrência desigual. Afastam-se do mercado, diantes das companhias estrangeiras, beneficiadas pelos governos. Resultado: o comprador se arruína. Nas cidades e vilas, as pequenas fábricas de descaroçar vão se fechando, um após outras. na capital, os intermediários metem dó.” (CARVALHO, 1937, p. 49)

Como se pode ver, no início da comercialização do algodão os comerciantes da terra se beneficiaram muito da grande demanda por esse produto no mercado externa. Porém, com chegada das empresas estrangeiras dominando o mercado interno, os comerciantes não tinham chance alguma de disputar com elas. Nos próprios ditos de Jáder de Carvalho: “[...]Os gringos tomaram conta do mercado. Teem dinheiro: podem comprar melhor. O maquinismo não pagou na Alfandega. [...]Nem o próprio governador resolveria o caso. Trouxeram o estranjeiro para dentro de casa. O estranjeiro dispõe de mais recursos que nós. Aumenta o preço e nós não podemos acompanhá-los.” (CARVALHO, 1937, p. 50)

A divergência de opiniões entre os autores é gritante em relação a essa dinâmica capitalista que parece ser irremediável. Rodolfo Teófilo é mais entusiasta do progresso e das mudanças, ele realmente acreditava que o modelo civilizacional estava no exemplo europeu. Enquanto Jáder de Carvalho é mais arredio a esse avanço. Como se vê, o autor registra e critica a influência da cultura estrangeira no dia a dia e as conseqüências nefastas a economia interna da província com a chegada plena dos estrangeiros.

Conclusão Poder-se-á concluir o quão diferente eram as visões dos dois autores. A literatura como fonte literária pode trazer para a pesquisa várias informações interessantes e relevantes que geralmente fontes oficiais não trazem. A Belle Époque em Fortaleza foi sentida, entendida e compreendida de diferentes formas por esses dois escritores cearenses. Com isso, ter-se-á o intuito de mostrar as diferenças de percpeção entre o ínicio e os últimos ecos da Belle Époque em Fortaleza.

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Agradecimentos Gostaria de agradecer ao professor doutor Gleudson Passos Cardoso pela orientação paciente e disponibilidade, aos colegas de pesquisa Neto Cavalcante e Luís Eduardo pela amizade e pelas discussões sempre produtivas e ao CNPQ pelo financiamento da bolsa de pesquisa que permite ao bolsista manter o trabalho plenamente.

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