A BOA-FÉ NO PROCESSO CIVIL E O ABUSO DE DIREITOS PROCESSUAIS

June 5, 2017 | Autor: Rafael Pinter | Categoria: Processo Civil, Good faith, Abuse of rights, Abuso De Direito, Boa-Fé Objetiva
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A Boa-Fé no Processo Civil e o Abuso de Direitos Processuais

A BOA-FÉ NO PROCESSO CIVIL E O ABUSO DE DIREITOS PROCESSUAIS The Good Faith in Civil Procedure and the Abuse of Procedural Rights Revista de Processo | vol. 253/2016 | Mar / 2016 DTR\2016\4313 Rafael Wobeto Pinter Acadêmico da Faculdade de Direito da UFRGS. Membro do Grupo de Pesquisa CNPQ/UFRGS Processo Civil e Estado Constitucional, sob a orientação do Professor Daniel Mitidiero. [email protected] Área do Direito: Processual Resumo: O presente artigo pretende sistematizar o princípio da boa-fé processual, correlacionando-o com o abuso de direitos processuais. Abstract: The present paper pretends to systemize the principle of good faith in civil procedure, correlating it with the abuse of procedural rights. Sumário: 1Considerações Introdutórias - 2O princípio da boa-fé processual - 3O abuso de direitos processuais - 4A boa-fé processual e a sua relação com o abuso de direitos processuais - 5Aplicação da boa-fé processual pelos tribunais brasileiros - 6Conclusões 1 Considerações Introdutórias A boa-fé 1 objetiva encarna, em si, a noção contemporânea da Ciência do Direito.2 Entendida não apenas como instituto jurídico comum, mas como um verdadeiro fator cultural, ligado a certo entendimento do jurídico,3 a boa-fé objetiva espalhou-se por todo o ordenamento. No âmbito do direito processual civil, o primeiro setor do direito público atingido pela boa-fé objetiva, o instituto já era estudado em meados do século XIX, detendo certa tradição literária e sendo aplicado desde cedo pela jurisprudência alemã.4 Com base no § 242 do BGB, a doutrina processual alemã operou o desenvolvimento de quatro tipos de casos de aplicação da boa-fé: a proibição de consubstanciar dolosamente posições processuais; a proibição do venire contra factum proprium; a proibição do abuso de poderes processuais; e a supressio.5 No direito brasileiro, em que a introdução da boa-fé objetiva processual se deu a partir da primeira década do século XXI, o instituto ganhou destaque principalmente com os estudos de Fredie Didier Júnior e Brunela de Vincenzi, os quais, inspirados no êxito da doutrina civilista em lançar as bases da boa-fé objetiva no país, passaram a se debruçar sobre o instituto (previsto no art. 14, II, do Código Buzaid) e adaptar a doutrina de origem civilista à realidade do direito instrumental. Não obstante seja recente a introdução da boa-fé objetiva no direito processual civil brasileiro, verifica-se cada vez mais a interpretação e consequente aplicação da cláusula-geral da boa-fé processual pelos juízes brasileiros. Tal fato, contudo, não é de surpreender - haja vista ser a boa-fé objetiva um princípio cujo conteúdo é desenvolvido pelo direito jurisprudencial - e exige que a doutrina cumpra com seu papel, a saber, ordene, explique e reduza dogmaticamente o material oriundo das decisões judiciais. Destarte, tendo por base o atual desenvolvimento doutrinário da boa-fé objetiva, o presente artigo tenciona sobretudo sistematizar o princípio da boa-fé processual, especificamente no que diz respeito à sua função de baliza para a averiguação da licitude no exercício de posições jurídicas processuais. Para tanto, são conceituados e relacionados o abuso de direitos processuais e a boa-fé objetiva processual e analisadas as manifestações do venire contra factum proprium e do tu quoque, as quais já vêm sendo expressamente mencionadas pela jurisprudência brasileira em várias decisões. Por fim, faz-se a análise crítica da aplicação do venire contra factum proprium e do tu quoque em recentes julgados do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região. 2 O princípio da boa-fé processual 2.1 Fundamento constitucional do princípio da boa-fé Página 1

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Existe grande divergência na doutrina processualista no que tange ao fundamento constitucional do princípio da boa-fé. Nesse sentido, vale mencionarmos aqui o entendimento de Antônio do Passo Cabral, Carlos Alvaro Alberto de Oliveira, Brunela de Vincenzi, Didier Jr. e Picó i Junoy. Antônio do Passo Cabral, em interessante estudo, aponta que "devemos pensar este dever [de boa-fé], no Brasil, como cláusula-geral constitucional, diretamente decorrente do contraditório".6 Para Carlos Alvaro Alberto de Oliveira, a boa-fé processual deriva do princípio da colaboração, "na medida em que tanto as partes quanto o órgão judicial, como igualmente todos aqueles que participam do processo, devem nele intervir desde a sua instauração até o último ato, agindo e interagindo entre si com boa-fé e lealdade".7 O princípio da colaboração, por sua vez, encontra guarida constitucional no direito fundamental de participação no processo, previsto no art. 5.º, LV, da CF/1988 (LGL\1988\3). Já Brunela de Vincenzi, analisando os contornos da boa-fé processual, escreve que "quando o constituinte estabeleceu que são princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (art. 1.º, IV) e que constitui objetivo fundamental da República, entre outros, construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3.º, I), está elevando a um grau máximo o dever de cooperação e lealdade no trato social, no desenvolvimento da economia por todos os seus meios."8 Assim, a boa-fé objetiva também estaria prevista na Constituição da República Federativa do Brasil, decorrendo do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Em artigo escrito na Revista Autônoma de Processo no ano de 2007, Fredie Didier Jr. manifesta entendimento semelhante ao de Brunela de Vincenzi, pontuando que "[a] cláusula geral da boa-fé objetiva está em consonância com o princípio da solidariedade, objetivo fundamental da República (CF/1988 (LGL\1988\3), art. 3.º, I), e tem profundo conteúdo ético".9 Anos mais tarde, contudo, estudando os Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português, o processualista baiano, acompanhando decisões do Supremo Tribunal Federal10 de relatoria do Ministro Gilmar Mendes, entende que "[é] mais fácil (...) a argumentação da existência de um dever geral de boa-fé processual como conteúdo do devido processo legal".11 Defende, portanto, que "[a] estruturação de um processo leal e cooperativo parece ser uma nova etapa na concretização do conteúdo do devido processo legal."12 Joan Picó i Junoy, por sua vez, analisando os fundamentos do princípio da boa-fé processual, também entende que a boa-fé objetiva processual compõe o devido processo legal, defendendo que a boa-fé visa a um processo que assegure não apenas as garantias legais, mas também de ética e lealdade, falando em "devido processo leal".13 Para início de reflexão, importa observar que se, por um lado, a doutrina processualista demonstra grande interesse no desenvolvimento da boa-fé em seu âmbito processual, atrelando-a ao devido processo legal,14 ao contraditório ou à colaboração, de outro, falha ao desconsiderar que a boa-fé constitui um instituto que permeia todo o ordenamento jurídico, não se resumindo, portanto, ao campo do direito processual.15 Além do mais, cabe reiterar que a boa-fé objetiva não é fórmula tipicamente instrumental, tendo sido desenvolvida primeiramente - e majoritariamente - pela doutrina civilista. É certo que o princípio da boa-fé processual mantém relação com o devido processo legal, com o contraditório e com a colaboração, imbricando-se em relações diversas de complementaridade. Contudo, o que se defende aqui é que não há entre tais princípios uma relação de subordinação, cuja existência exige que um princípio seja norma de execução ou concretização de outra.16 Assim, diferentemente dos processualistas mencionados, entendemos que a boa-fé processual deriva de um princípio geral da boa-fé , com forte conteúdo ético-moral, opção que fazemos com o intuito de não relegar a boa-fé a aspectos restritos ao âmbito processual, pensando em um desenvolvimento doutrinário compartilhado, ou seja, em um verdadeiro "vector geral de todo o sistema jurídico",17 conforme escrito pelo jurista português Menezes Cordeiro. 18 Daí se concluir que a boa-fé processual constitui subprincípio do princípio geral da boa-fé , Página 2

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entendido aqui como um instituto que se ramifica por todas as áreas do Direito, não se cingindo apenas ao campo do direito processual civil ou, inclusive, do direito civil.19 A despeito de tal conclusão, ainda resta encontrar o fundamento constitucional do princípio geral da boa-fé, do qual decorre o subprincípio da boa-fé processual. O princípio geral da boa-fé não está subordinado ao princípio da solidariedade nem à dignidade da pessoa humana,20 prevista no art. 1.º, III, da CF/1988 (LGL\1988\3). No que tange à dignidade humana, insta observar que nada tem a boa-fé a acrescentar-lhe e parece-nos pouco proveitosa, senão prejudicial,21 a associação de princípios, em tese, sem base constitucional ao espectro normativo da dignidade da pessoa humana, norma fundante do Estado Constitucional brasileiro. Já em relação à associação do princípio geral da boa-fé com o princípio da solidariedade, retirado do art. 3.º, I, da CF/1988 (LGL\1988\3), a negativa parece exsurgir pelo simples fato de que a noção de solidariedade envolve a comunhão de atitudes e sentimentos a fim de criar identidade ou mutualidade entre as pessoas,22 afastando-se, portanto, da ideia de confiança e equilíbrio nas relações interpessoais, que norteia toda a disciplina da boa-fé objetiva. Diante disto, não parece restar outra alternativa senão recorrer ao sobreprincípio da igualdade (art. 5.º da CF/1988 (LGL\1988\3)) como base constitucional para o princípio geral da boa-fé, conforme sustentado por Menezes Cordeiro. Nesse sentido, escreve o estudioso da boa-fé objetiva: "Juridicamente, a tutela da confiança acaba por desaguar no grande oceano do princípio da igualdade e da necessidade de harmonia, daí resultante: tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença. Ora, a pessoa que confie, legitimamente, num certo estado de coisas não pode ser vista se não tivesse confiado: seria tratar o diferente de modo igual."23 Tal entendimento remete à chamada segunda fase de evolução do princípio da igualdade, aquela em que "o princípio é entendido fundamentalmente como proibição do arbítrio ou proibição de discriminações",24 encarnada sob o axioma de que "o igual deve ser tratado igualmente e o desigual, desigualmente, na medida exata da diferença".25 A igualdade, a partir desta concepção, "funciona de modo independente e possui, assim, um sentido autônomo"26, constituindo-se em "instrumento para garantir tratamento antidiscriminatório: uma vez descoberto algum sujeito que tenha obtido algum tipo de tratamento vantajoso, a mera comparação com ele já proporciona a expectativa de tratamento igualitário".27 O princípio da igualdade também se aproxima da boa-fé por intermédio da noção de equilíbrio, que consiste aqui na necessidade de adequação de determinada relação interpessoal em decorrência da alteração de circunstâncias pré-estabelecidas. A respeito disso, assevera Maria da Glória Garcia que "[a] igualdade é, em si mesma, entendida como uma procura de equilíbrio, de harmonia, de eliminação de excessos e defeitos".28 Daí ser possível dizer que o princípio da igualdade "adquire uma intenção normativa, correctora das tendências abusivas da liberdade de cada um, apresentando-se quer como programa de acção (...), quer como expressão da justiça material (...)".29 Em seu aspecto processual,30 por sua vez, explica Rafael de Abreu, o princípio da igualdade "funciona como norma (...) que impõe a promoção de equilíbrio das posições processuais de todos os sujeitos do processo, mediante o nivelamento da potencialidade de influência de cada um, em concreto".31 Tal equilíbrio, vale dizer, "não pode ser dado a priori, mas depende justamente das atividades desempenhadas por cada um, do fato de terem ou não [os sujeitos do processo] se desincumbido de determinados ônus, por exemplo",32 havendo uma correspondência entre os direitos das partes relativos à igualdade e os poderes, deveres e proibições ao juiz. Conclui-se, nessa senda, que o princípio geral da boa-fé atua como mecanismo de efetiva compensação da desigualdade entre todos os participantes de uma relação interpessoal, reestabelecendo o equilíbrio e protegendo as situações de confiança.33 2.2 A boa-fé no Código de Processo Civil A boa-fé objetiva está prevista em uma cláusula-geral (texto) e constitui um princípio processual Página 3

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(norma).34 Em sendo um princípio, a boa-fé objetiva processual é uma norma finalística que exige a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização.35 A cláusula-geral da boa-fé processual consta no inc. II do art. 14 do CPC/1973 e no art. 5.º do NCPC. Estabelece o art. 14, II, do CPC/1973, que "são deveres da parte e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo proceder com lealdade e boa-fé". Do mesmo modo, apenas suprimindo a expressão "lealdade", o art. 5.º, do NCPC, estabelece que "aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé". A respeito da previsão legal do dever de boa-fé no Código Buzaid, esclarece Didier Jr. que "[a]o tempo da edição do Código de Processo Civil de 1973, a doutrina brasileira ainda não tinha o conhecimento ou não dominava o repertório teórico da boa-fé objetiva. O texto normativo, à época, era encarado como uma proibição geral de comportamentos dolosos e apenas isso."36 Possível dizer, portanto, que, nada obstante a previsão legal dos deveres de lealdade e boa-fé, expressões ricas de significados e com grande importância doutrinária, seu conteúdo não restou preenchido pelos processualistas, assemelhando-se à concha de marisco abandonada na beira da praia que espera tornar-se a morada de novos habitantes, conforme a metáfora do alemão Walther Rathenau citada por Judith Martins-Costa.37 Com o desenvolvimento da boa-fé objetiva no direito privado,38 especificamente no campo do direito das obrigações, não demoraria para que seus reflexos fossem percebidos no âmbito do processo civil, passando a doutrina processualista39 a interpretar cada vez mais a proposição normativa do art. 14, II, do Código de Processo Civil, atribuindo-lhe diversas eficácias normativas. 2.3 O conceito de boa-fé processual Escrevendo sobre a boa-fé em seu célebre Da boa fé no Direito Civil, Menezes Cordeiro já advertia que "[a] boa fé continua indefinida, incapaz de delimitação conceitual e com largo espaço a construir".40 Em que pese a advertência do jurista português, será proposto a seguir um conceito para o princípio da boa-fé processual, a fim de delimitar, ainda que em termos amplos, o que se entende por boa-fé processual. Para tanto, partimos dos estudos realizados por Judith Martins-Costa no âmbito do direito privado, especificamente no campo do direito contratual. Nesse sentido, ensina a referida autora: "Já por 'boa-fé objetiva' se quer significar - segundo a conotação que adveio da interpretação conferida ao § 242 do Código Civil alemão, de larga força expansionista em outros ordenamentos, e, bem assim, daquela que lhe é atribuída nos países de common law - modelo de conduta social, arquétipo ou standard jurídico, segundo o qual cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando, como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade. Por este modelo objetivo de conduta levam-se considerações os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica do standard, de tipo meramente subsuntivo."41 Pode-se dizer, assim, que a boa-fé objetiva processual estabelece um standard de conduta fundado, principalmente, na lealdade e na consideração para com as expectativas legítimas das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo, incluindo-se, aí também, o juiz. Por fim, vale acentuar, ainda que já bastante repisado pela doutrina, a diferença entre boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva. Conforme escreve Didier Jr.: "Não se pode confundir o princípio (norma) da boa-fé com a exigência de boa fé (elemento subjetivo) para a configuração de alguns atos ilícitos processuais. A "boa fé subjetiva" é elementos do suporte fático de alguns fatos jurídicos; é fato, portanto. A boa fé objetiva é uma norma de conduta: impõe e proíbe condutas, além de criar situações jurídicas ativas e passivas."42 Página 4

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3 O abuso de direitos processuais 3.1 O abuso de direito no âmbito processual Fórmula já consagrada no direito civil, o abuso de direito ganhou destaque na esfera processual a partir do início do século XXI.43 Contudo, dadas as particularidades do direito instrumental, a receita esbarrou em diversas dificuldades doutrinárias, a saber: como permitir a restrição de determinadas garantias processuais em prol da lisura no procedimento? Como evitar possíveis exageros dos juízes na análise do abuso? Até que ponto parece ser interessante a interferência do magistrado na estratégia das partes? Como poderia o juiz abusar de direitos processuais? Quais seriam os direitos processuais dos juízes? Advertimos, de boa-fé, que a lista é infinda, e não temos a menor pretensão de exauri-la. Manifestando-se sobre o abuso de direitos processuais, Francisco Méndez escreve: "Las normas procesales no deben tener un carácter represivo. Configurar las conductas pautadas en un Código procesal basándose en multas, sanciones o amonestaciones, es desproporcionado. El Tribunal que tiene que recurrir sistemáticamente a tales medidas, probablemente, ha perdido el control del propio juicio."44 O jurista espanhol sustenta basicamente que, em caso de dúvida entre o abuso de determinadas garantias processuais e a liberdade do sistema processual, é preferível potencializar as garantias constitucionais, ainda que com a existência de determinados abusos. Nesse sentido, conclui: "El proceso no es un juego de niños, ni un ejercicio académico. Es un instrumento para la creación del derecho. No hay razón alguna para implantar en este sector normas de cortesía o comportamiento distintas de las que rigen en otros sectores sociales."45 De maneira diametralmente oposta a Méndez, Menezes Cordeiro entende que "[o]s excessos de garantismo complicam, em geral, os diversos Direitos europeus".46 E prossegue: "No imaginário legislativo, há que se proteger as pessoas das medidas tomadas pelo poder, neste se incluindo os tribunais. Aos arguidos em processos penais ou aos demandados em ações cíveis, concedem-se todos os direitos. As vítimas de crimes e os queixosos em Justiça são vistos com desconfiança. Apenas as necessidades de eficiência econômica têm vindo a contrabalançar esta curiosa postura Ocidental."47 Destarte, nada obstante o chamado "garantismo processual", perante os abusos de toda a ordem perpetrados nos processos, cabe, sim, a interferência do juiz. A pergunta que fica, pois, é como dotar o juiz de meios legítimos e adequados para pôr termo a tais abusos? É desta interrogativa que surge a possível solução advinda da fórmula do abuso de direito processual. Insta observar, contudo, conforme adverte Michele Taruffo, que os direitos processuais também podem ser abusados pelos juízes.48 À questão que se coloca a respeito de que direito abusaria o juiz, Menezes Cordeiro responde que "não há, no abuso do direito, nem 'abuso' nem, necessariamente, um 'direito' subjetivo: apenas uma atuação humana estritamente conforme com as normas imediatamente aplicáveis, mas que, tudo visto, apresenta ilícita por contrariedade ao sistema, na sua globalidade."49 Assim, diferentemente do entendimento de Brunela de Vincenzi em seu A Boa-Fé no Processo Civil, 50 a fórmula tradicional e consagrada a que chamamos "abuso do direito" não diz respeito tão somente ao exercício de direitos subjetivos e está longe de se tornar ultrapassada diante do princípio da boa-fé, porquanto, como veremos adiante, abuso do direito e boa-fé estão intrinsecamente ligados. A respeito de tal imbricação, importa estudar as raízes germânicas do abuso de direito. Por ora, cabe a conclusão de que o abuso de direitos processuais longe está de "poner trabas al uso libre del sistema";51 pelo contrário, põe travas ao abusolivre do sistema processual, constituindo óbice não somente aos abusos cometidos pelas partes, mas, também, aos abusos realizados por aquele que exerce o poder jurisdicional: o juiz. Página 5

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3.2 O modelo alemão do abuso de direito Na Alemanha, a fórmula do "abuso do direito" ganhou contornos diferentes daqueles desenvolvidos na França. O fenômeno foi estudado pela pandectística do século XIX, a qual recorreu ora à exceptio doli,52 ora à noção de chicana. A respeito da chicana, esclarece Menezes Cordeiro: "Em sentido amplo, a chicana traduzia o exercício do direito para prejudicar outrem. Em sentido estrito, teríamos um exercício sem interesse próprio, para prejudicar terceiros. Sem uma opção clara entre as duas hipóteses, a pandectística tardia admitia, como vigente e na base do Direito comum, a simples proibição de chicana."53 Nesse sentido, o § 226 do BGB prevê: "O exercício de um direito é inadmissível quando só possa ter o escopo de provocar danos a outrem."54 Contudo, tal proposição normativa restou pouco utilizada, haja vista a inexistência de casos em que o exercício de um direito apenas tenha como finalidade prejudicar terceiros. Daí que coube à doutrina e, principalmente, à jurisprudência, procurar vias alternativas para a configuração do abuso de direito, sendo esta reconduzida, por fim, à cláusula-geral da boa-fé, prevista no § 242 do BGB.55 Procedeu-se, assim, à dessubjetivação do abuso de direito, estando este vinculado à conduta do sujeito e ao exercício inadmissível de posições jurídicas. 3.3 O conceito de abuso de direitos processuais Estudada a fórmula do abuso de direito com tradição alemã, não será difícil estabelecer um conceito-base do que estamos chamando de abuso de direitos processuais. Na concepção de Menezes Cordeiro, "[o] abuso do direito constitui uma fórmula tradicional para exprimir a ideia do exercício disfuncional de posições jurídicas, isto é: de um concreto exercício de posições jurídicas que, embora correto em si, seja inadmissível por confundir com o sistema jurídico na sua globalidade."56 De forma distinta, escrevendo sobre o abuso de direitos processuais no sistema norte-americano, Geoffrey Hazard Jr. define-o como "o direito de não sofrer com um desvio grosseiro e prejudicial dos padrões processuais geralmente reconhecidos".57 Explica, ainda, o jurista estadunidense, que, no direito norte-americano, o abuso de direitos processuais tem raiz na garantia constitucional do due process of law (prevista nas V e XIV Emendas Constitucionais). Desta feita, partindo das noções do jurista português e do jurista norte-americano, o abuso de direitos processuais pode ser conceituado como o desvio grosseiro e prejudicial dos padrões geralmente reconhecidos no exercício de posições jurídicas processuais. Tal definição permite que se acentue o caráter excepcional do abuso de direito, bem como especifica, ainda que pouco, o termo "inadmissível" utilizado pelo jurista português. Além do mais, evita-se o conceito negativo e, de certa forma, confuso atribuído por Hazard Jr. ao abuso de direitos processuais calcado no due process of law do direito norte-americano. 4 A boa-fé processual e a sua relação com o abuso de direitos processuais 4.1 A boa-fé como baliza para a averiguação da licitude no exercício de posições jurídicas: as manifestações da boa-fé objetiva A relação entre o princípio boa-fé processual e a fórmula do abuso de direitos processuais se estabelece por intermédio das manifestações da boa-fé objetiva. Como ensina Menezes Cordeiro,58 foi com o desenvolvimento de um grupo de casos típicos - ou manifestações - que finalmente a doutrina e a jurisprudência alemãs concretizaram a figura do abuso de direito. Tais manifestações da boa-fé objetiva constituem, principalmente, o venire contra factum proprium, o tu quoque, a supressio, a surrectio e a inalegabilidade formal. Foram obras, sobretudo, do direito jurisprudencial, correspondendo à resposta dos tribunais, em sua maioria alemães, aos casos concretos.59 Página 6

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É com base nas manifestações da boa-fé objetiva que se verifica a licitude no modo de exercício de posições jurídicas processuais, analisando se tal exercício constitui, ou não, um desvio grosseiro e prejudicial dos padrões processuais geralmente reconhecidos, ou seja, se é um exercício abusivo ou regular de determina posição jurídica processual. A respeito de tal função atribuída à boa-fé objetiva, escreve Judith Martins-Costa: "É, pois, a boa-fé um bem jurídico-cultural operativo, isto é, um valor dotado de realizibilidade, isto significando dizer que, em cada Ordenamento, a confiança encontra particular e concreta eficácia jurídica como fundamento de um conjunto de princípios e regras, entre os quais está justamente a boa-fé como baliza das situações de exercício jurídico inadmissível. Na função de baliza da licitude, confiança e boa-fé (ideias já unidas etimologicamente pela noção de fides) conectam-se funcionalmente, uma sintetizando a proteção das legítimas expectativas, outra traduzindo as exigência de probidade e correção no tráfego jurídico. Atuam, pois, coligadamente para coibir condutas que defraudem a expectativa de confiança (...)"60 Verifica-se, portanto, que com o estudo de certos casos típicos operados judicialmente - ou manifestações da boa-fé objetiva - foi possível estabelecer um fio-condutor entre o abuso e a boa-fé, figuras que, a princípio, estão longe de encontrar qualquer imbricação. Procedida tal conclusão, ainda é preciso estudar a partir de que institutos se dá a ligação entre os casos típicos e a boa-fé objetiva. Ou seja, cabe estudarmos sobre os subprincípios mediantes da boa-fé objetiva, conforme denominados por Menezes Cordeiro, os quais estabelecem verdadeira ponte entre o grupo de casos elencados pela jurisprudência e o princípio da boa-fé, determinando quais comportamentos são dignos do amparo legal fornecido pela boa-fé objetiva. 4.2 Os subprincípios mediantes da boa-fé objetiva 4.2.1 Proteção da confiança A boa-fé está intimamente ligada à confiança, servindo de base juspositiva para a proteção de tal comportamento - que não se resume à mera esperança - quando falte, para tanto, uma proposição normativa específica.61 Aqui exsurge, novamente, o caráter subsidiário da boa-fé. O subprincípio da confiança aparece como uma mediação entre a boa-fé e os casos concretos analisados judicialmente. Tal subprincípio "exige que as pessoas sejam protegidas quando, em termos justificados, tenham sido levadas a acreditar na manutenção de um certo estado de coisas".62 É justamente por isso que o princípio da boa-fé processual está fundado na consideração para com as expectativas legítimas das partes e de todos aqueles que participam do processo, conforme proposto páginas acima, atuando subsidiariamente na proteção da confiança depositada em juízo por todos os partícipes processuais. A tutela da confiança, apoiada na boa-fé objetiva, opera-se perante quatro proposições: (i) uma situação de confiança marcada pela ignorância de determinado estado de coisas; (ii) uma justificativa objetiva pra esta confiança; (iii) a efetivação da confiança caracterizada pela manifestação do sujeito; (iv) a imputação da situação de confiança criada à pessoa que vai ser atingida pela proteção dada ao confiante.63 Entre tais proposições, não há hierarquia, e a ausência de uma delas não impede a proteção da confiança pelo princípio da boa-fé processual, mas exige "que a intensidade assumida pelas restantes seja tão impressiva que permita, valorativamente, compensar a falha".64 4.2.2 A materialidade subjacente O subprincípio da materialidade subjacente, figura de certa forma confusa, diz respeito basicamente ao equilíbrio existente em determinadas situações jurídicas. Conforme explica Menezes Cordeiro: "a pessoa que viole uma situação jurídica perturba o equilíbrio material subjacente".65 Assim, exigir aos demais membros da relação processual uma conduta equivalente à que se seguiria se nada tivesse ocorrido equivaleria ao predomínio de meros padrões formais em relação à materialidade da relação. Página 7

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Tal subprincípio encarna o aspecto da lealdade dentro do princípio da boa-fé processual, evitando que qualquer dos partícipes de determinada relação processual, ao agir em descompasso com a situação jurídica pré-estabelecida, prejudique ou prevaleça injustificadamente a todos os demais membros da relação processual. A materialidade subjacente configura, assim, acima de tudo, norma de caráter ético-jurídico a promover a lealdade no âmbito das relações interpessoais, servindo como fonte mediadora entre a boa-fé objetiva e os casos concretos analisados judicialmente. Vale advertir que a lealdade também estabelece conexão com o subprincípio da confiança; no entanto, está intimamente ligada ao equilíbrio nas relações caracterizado pelo subprincípio da materialidade subjacente. 4.3 Análise de duas manifestações da boa-fé objetiva 4.3.1 Venire contra factum proprium A manifestação do venire contra factum proprium - a que representa o mais impressivo tipo de atos abusivos - traduz o exercício de uma posição jurídica em contradição direta com o comportamento assumido anteriormente pelo exercente. Para Menezes Cordeiro, "o venire ficou a dever boa parte da sua carreira à musicalidade da sua fórmula latina".66 O venire deriva do subprincípio mediante da confiança e só deve ser aplicado em circunstâncias especiais, que atendam à tutela da confiança, e subsidiariamente. A esse respeito, insta esclarecer que a manifestação do venire contra factum proprium não permite, de forma alguma, concluir pela natureza inadmissível do comportamento contraditório, inexistindo na ordem jurídica uma proibição genérica de contradição. Em sendo uma vedação de aplicação subsidiária, o venire só deve ser aplicado quando não haja normas específicas que atribuam à situação gerada pelo comportamento contraditório quaisquer outros efeitos,67 descabendo a prática de tornar tal manifestação da boa-fé objetiva um instituto jurídico "iluminador" de determinadas proposições normativas. Há venire contra factum proprium em duas situações68: (i) quando uma pessoa, em termos que especificamente não a vinculem, manifesta a intenção de não praticar determinado ato e, depois, pratique-o; e (ii) quando uma pessoa, de modo, também, a não ficar especificamente vinculada, demonstre pretender avançar com certa atuação e, depois, não o faça. "Desse modo - explica Menezes Cordeiro-, só se considera como venire contra factum proprium a contradição directa entre a situação jurídica originada pelo factum proprium e o segundo comportamento do autor".69 O factum proprium dá o critério de imputação da confiança gerada e das suas consequências, não se requerendo culpa, por parte da pessoa que pratique o comportamento contraditório, na ocorrência da contradição. Destarte, a vedação do venire contra factum proprium representa um modo de exprimir a reprovação do sistema jurídico a determinados comportamentos contraditórios que violem a confiança - e não mera expectativa - dos demais sujeitos da relação, constituindo concretização do princípio geral da boa-fé. 4.3.2 Tu quoque O tu quoque (de tu quoque, Brutus!) exprime a máxima segundo a qual a pessoa que descumpra uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso, ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio, ou exigir a outrem o acatamento da situação jurídica violada.70 Em suma, adotando os ensinamentos de Menezes Cordeiro, "o titular que, em comportamento prévio, altere a figuração do complexo em causa e pretenda, depois, contrapor o seu direito a atuações de outras pessoas, pode abusar do direito".71 Diferentemente do venire, que se prende à proteção da confiança, o tu quoque visa promover a substancialidade no exercício de posições jurídicas, relacionando-se, portanto, com o subprincípio Página 8

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mediante da materialidade subjacente, que, por sua vez, relaciona-se intimamente com a promoção da lealdade nas relações interpessoais. Não há, desta forma, no tu quoque, a proteção da confiança da pessoa que se fiou no factum proprium; há, por outro lado, a promoção da lealdade por intermédio da manutenção do equilíbrio pré-existente em determinada situação jurídica, equilíbrio este que deve prevalecer a meros arranjos formais em determinado caso concreto. Esta manifestação se aproxima do brocardo oriundo dos sistemas jurídicos de common law que diz " equity must come with clean hands"72 e sua aplicação, além de ser subsidiária como o venire, exige muita cautela, haja vista que, se por um lado é desleal que uma pessoa descumpra uma norma jurídica prejudicando outrem ou prevalecendo-se de tal violação, "não é líquido, contudo e sempre a priori, que um sujeito venha eximir-se aos seus deveres jurídicos alegando violações perpetradas por outra pessoa".73 4.4 A vedação ao abuso de direito como concretização da boa-fé Ao estabelecer que o sistema processual deve coibir o desvio grosseiro e prejudicial dos padrões jurídicos geralmente reconhecidos no exercício de posições jurídicas processuais, está se abrindo as portas para o desenvolvimento e a concretização da boa-fé objetiva, especificamente no que tange à sua função de baliza para a averiguação da licitude no modo de exercício de posições jurídicas processuais. Dizer que aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé equivale a exprimir a ideia de que, no exercício de posições jurídicas processuais, "se devem observar os vetores fundamentais do próprio sistema que atribui os direitos em causa".74 Assim, as manifestações da boa-fé objetiva e a proibição de condutas abusivas constituem maneira pela qual a doutrina e, principalmente, a jurisprudência, encontraram para preencher a previsão legal constante no inciso II do art. 14 do Código de Processo Civil. A opção pelo uso de uma cláusula-geral de boa-fé como baliza para detectar e coibir as práticas abusivas parece fórmula eficiente pela maior flexibilização75 que dá ao controle dos abusos nos exercícios de posições jurídicas processuais,76 possibilitando, para além do mero verbalismo jurídico, 77 o desenvolvimento do dever de atuação segundo a boa-fé objetiva. Passa-se, por conseguinte, a preencher, ainda que pouco, a concha de marisco jogada na beira da praia (recordando novamente a imagem de Rathenau), visando atribuir a máxima carga de sentido, e, com isso, a máxima normatividade, ao dever de proceder com boa-fé previsto no art. 14, II, do CPC/1973. Com isso, são sancionadas uma série de condutas abusivas - desvios grosseiros e prejudiciais -, as quais encontram um sem número de consequências, tais como nulidade, preclusão, rejeição, supressão,78 dentre outras que, in concreto, são valoradas pelo juízo a quo ou pelo tribunal quando da análise das condutas daqueles que participam de qualquer forma do processo.79 A respeito de tais sanções, serão estudados adiante alguns casos concretos julgados pelos tribunais brasileiros. 5 Aplicação da boa-fé processual pelos tribunais brasileiros Os avanços da boa-fé objetiva no campo do direito civil, caracterizados por um amplo desenvolvimento jurisprudencial e doutrinário, não demorariam a influenciar a jurisprudência nas decisões que versam sobre os deveres de atuação segundo a boa-fé e a lealdade dentro do âmbito do processo civil. Nesse sentido, ainda que as decisões que mencionem as manifestações da boa-fé objetiva no processo civil não constituam número surpreendente na jurisprudência brasileira, verifica-se a existência de casos bastante ricos - e elucidativos - para o estudo e crítica doutrinários. Vale aqui acentuar novamente a crucial importância que possui a jurisprudência para o desenvolvimento daquilo que Menezes Cordeiro chama de casos típicos e que está sendo abordado no presente artigo sob a denominação de manifestações da boa-fé objetiva. Página 9

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Sobre isso, escreve o jurista português: "I. A concretização da boa-fé e do abuso de direito, levada a cabo pela jurisprudência nos finais do século XX e prosseguida no atual século XXI, constitui um acontecimento jurídico-científico da maior importância. Neste momento, ele decorre ainda no dia-a-dia sob os nossos olhos: torna-se difícil fixar-lhe os contornos. (...) VII. A jurisprudência tem sido inexcedível na concretização do abuso do direito. Com isso põe em prática uma Ciência jurídica avançada, ainda há alguns anos pensada inviável. Cabe agora à doutrina, sem complexos, ordenar, explicar e reduzir dogmaticamente o vasto material disponível."80 Tentemos, portanto, adiante, analisando as aplicações jurisprudenciais das manifestações da boa-fé objetiva, desincumbir-nos do papel que toca à doutrina. Para tanto, serão analisadas decisões que tratam dos casos típicos do venire contra factum proprium e do tu quoque, manifestações que já foram expressamente citadas pelos tribunais em suas decisões, constituindo a causa de decidir do caso julgado. 5.1 Venire contra factum proprium Os casos de venire são os mais abundantes na jurisprudência brasileira. Em uma breve pesquisa jurisprudencial no sítio do Superior Tribunal de Justiça81, constata-se a existência de 65 casos em que constam as palavras-chave "venire contra factum proprium processual civil". Expandindo-se um pouco a pesquisa jurisprudencial para a expressão "venire contra factum proprium processual", são encontrados 90 acórdãos julgados pelo Tribunal. Dadas as proporções das manifestações da boa-fé objetiva, o venire constitui fórmula já consagrada, a qual é utilizada muitas vezes desnecessariamente e sem o devido cuidado que qualquer sanção82 implica. O sucesso parece ser fruto do maior desenvolvimento doutrinário desta manifestação e da musicalidade de sua fórmula latina.83 Contudo, e quanto a isso não parece haver dúvidas, não se pode deixar seduzir pela musicalidade da fórmula, é preciso que o magistrado aplique-a com consciência. Passemos, assim, à análise de dois casos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. 5.1.1 REsp 1.116.574/ES No Recurso Especial 1.116.574/ES,84 de relatoria do Ministro Massami Uyeda, a Corte decidiu que a conduta do Juízo a quo que extinguiu o feito sem resolução de mérito, com base no art. 267, IV, do Código de Processo Civil, após a intimação da parte para recolhimento do preparo em embargos à execução ser prontamente atendida; revelou-se contraditória, ferindo a expectativa legítima da parte e violando o princípio insculpido na máxima nemo potest venire contra factum proprium. Assim, nada obstante o entendimento do Tribunal de que na hipótese de oposição de embargos do devedor sem a comprovação do recolhimento de preparo, o juiz deve determinar o cancelamento da distribuição do processo e o arquivamento dos respectivos autos independentemente de intimação pessoal, a intimação já determinada pelo magistrado criou, na parte, a legítima expectativa de que, após o recolhimento do preparo, dentro do prazo estabelecido pelo juiz, suas razões iniciais seriam examinadas. O referido caso parece-nos emblemático sob a ótica do princípio da boa-fé processual. Trata-se de aplicação que, além de ser dirigida ao Estado-juiz, se mostra técnica do ponto de vista doutrinário. Na ausência de norma específica para a solução do caso, o princípio da boa-fé processual incide com o fito de proteger a confiança da parte contra o abuso cometido pelo Juízo a quo. Fácil perceber, no referido caso, a existência das quatro proposições que ensejam a tutela da confiança, a saber: (i) uma situação de confiança marcada pela ignorância da parte acerca do suposto "equívoco" cometido pelo magistrado; (ii) uma justificativa objetiva para esta confiança configurada pela intimação da parte; (iii) a efetivação da confiança por intermédio do recolhimento do Página preparo 10

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procedido pela parte; (iv) a imputação da situação de confiança ao Juízo a quo. O venire aparece aqui dando ensejo à chamada preclusão lógica, consoante já estudado por Didider Jr. em artigo publicado na Revista Autônoma de Processo.85 Neste caso, a manifestação do venire contra factum proprium foi muito bem aplicada pelo Superior Tribunal de Justiça, protegendo suficientemente a expectativa legítima da parte que procedeu ao recolhimento do preparo conforme a determinação do Juízo a quo. 5.1.2 RMS 33.204/RJ No Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 33.204/RJ,86 de relatoria do Ministro Marco Buzzi, a Corte analisou suposto cerceamento de defesa por inobservância de requerimento de publicação de intimação em nome de advogado específico. No caso concreto, a parte requereu ao Juízo a quo a intimação em nome de advogado específico, contudo, durante o lapso temporal de oito meses, foram realizadas e atendidas intimações de maneira distinta da requerida. Posteriormente, a parte se ausentou da audiência de instrução, alegando a impossibilidade de comparecimento a audiência de instrução e julgamento, em face da ausência de comunicação adequada. Analisando o caso, o STJ entendeu que a parte incorreu em venire contra factum proprium, haja vista ter restado caracterizado o comportamento processual contraditório da parte, afastando a tese de nulidade por inobservância do pedido de publicação de intimação em nome de determinado advogado pelo fato de o interessado comparecer aos autos e atender as diversas intimações realizadas de modo diverso daquele pleiteado. O acórdão também ressalta entendimento da Corte no sentido de que "eventual vício existente na regularidade da intimação deve ser alegado e provado no devido tempo, ou seja, deve ser apresentado pela parte interessada na primeira oportunidade de se manifestar nos autos, sob pena de preclusão".87 Parece-nos que, neste caso, o venire contra factum proprium foi utilizado como mero reforço argumentativo, servindo a musicalidade da fórmula do venire como forma de justificar, ainda mais, a preclusão já prevista na legislação processual e consolidada no entendimento da Corte. Nesse sentido, vale recordar o que dispõe o art. 245 do Código de Processo Civil a respeito das nulidades processuais: "A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão." Ora, é inegável que a proposição normativa do art. 245, CPC, deva ser interpretada à luz do postulado normativo da razoabilidade88 e da proporcionalidade,89 atendendo-se, assim, ao devido processo legal.90 Ocorre que, no caso, decorridos oito meses do requerimento de intimação em nome de advogado específico, tendo a parte atendido regularmente às intimações realizadas pelo magistrado sem se manifestar a respeito do requerimento anterior, resta caracterizada a preclusão prevista na referida proposição, não havendo que se falar na manifestação do venire contra factum proprium. Como dito anteriormente, já existe norma específica que determina a preclusão da alegação de nulidade dos atos processuais quando não procedidas em momento oportuno, descabendo o uso do venire e, consequentemente, do princípio da boa-fé processual em sua função de baliza na averiguação da licitude no modo de exercício de posições jurídicas processuais. Tal uso, reiteramos, é subsidiário. Ademais, não há, no caso, situação de confiança a ser tutelada. O venire deve ser aplicado não apenas quando ocorrer determinado comportamento contraditório, mas, ainda, quando haja desrespeito à expectativa legítima de algum sujeito que participa de qualquer forma do processo. Ainda que o resultado seja o mesmo e a proposição do art. 245 do Código de Processo Civil tenha sido utilizada pela Corte, cabe à doutrina a crítica. Imperioso dizer, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça aplicou incorretamente a manifestação do venire contra factum proprium ao caso. 5.2 Tu quoque Página 11

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A manifestação do tu quoque não dispõe de toda a fama do venire contra factum proprium nem de todo o desenvolvimento doutrinário que este possui. Trata-se, ainda, de fórmula confundida muitas vezes com o venire, quando a musicalidade desta fórmula parece se sobrepor ao tu quoque. Justamente por isso o tu quoque é pouco aplicado pelos tribunais brasileiros, ou, muitas vezes, aplicado conjuntamente com o venire contra factum proprium, como se fosse espécie do gênero comportamento contraditório. Em pesquisa jurisprudencial realizada no sítio do Superior Tribunal de Justiça91 com a palavra-chave "tu quoque processual", são encontrados dois (2) acórdãos que expressamente trataram desta manifestação, os quais possuem pouca relevância para o presente estudo. Em razão de não terem sido encontrados casos de interesse doutrinário julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, foram feitas pesquisas jurisprudenciais nos sítios do TJRSl92 e do TRF-4.ª Reg.93 Pesquisando pela expressão "tu quoque" no sistema do TJRS, são encontrados 14 acórdãos que trataram da manifestação, sendo 8 deles sobre o tu quoque processual. No sistema do TRF-4.ª Reg., ao pesquisar pela palavra-chave "tu quoque", encontram-se 64 acórdãos, dentre eles muitos que sequer fazem uso da manifestação. Passemos, assim, à análise de um caso julgado pelo TJRS e de um caso julgado pelo TRF-4.ª Reg. 5.2.1 AI 70026076927 No Agravo de Instrumento 70026076927,94 de relatoria do Des. Umberto Guaspari Sudbrack, o TJRS analisou alegação de cerceamento de defesa por intimação de assistente técnico em endereço desatualizado nos autos do processo. No caso concreto, o assistente técnico da parte mudou de endereço antes da realização da perícia, não tendo a parte se desincumbido do ônus de informar ao juízo sobre a alteração de endereço do seu assistente. Após a realização da perícia sem a presença do assistente técnico, a parte se insurge contra a perícia ultimada, alegando cerceamento de defesa. Analisando o caso, o TJRS entendeu que "competia às agravantes informar oportunamente ao Juízo acerca da alteração cadastral do assistente técnico, sob pena de, ventilada a informação após a atividade pericial, configurar-se a vedação ao tu quoque, limitação do exercício de direito subjetivo ou formativo, decantada da boa-fé objetiva". Assim, a parte não se desincumbiu do ônus que lhe cabia e, posteriormente, quis beneficiar-se de sua própria torpeza, ou melhor, prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, atuando de maneira abusiva, com deslealdade. No caso, a parte, em conduta omissiva prévia, alterou a configuração da relação processual, pretendendo, em conduta subsequente, contrapor o seu direito de defesa a atuações das demais pessoas que participam do processo, causando um desvio grosseiro e prejudicial dos padrões geralmente reconhecidos no exercício desta posição jurídica processual, ou seja, abusando do direito. Como se vê, não há situação de confiança a ser protegida, o que configuraria a aplicação do venire contra factum proprium ao caso, mas, sim, uma situação de desequilíbrio caracterizada pelo fato de a parte ter se mantido silente a respeito da alteração cadastral do seu assistente técnico, posicionando-se posteriormente no sentido de obter prevalecimento de seu interesse com base em sua própria omissão. Cabe observar, ainda, que não há norma específica atribuindo quaisquer efeitos ao caso, atuando o princípio da boa-fé processual, subsidiariamente, como baliza para a averiguação da licitude no modo de exercício de posições jurídicas processuais. Por conseguinte, a manifestação do tu quoque foi muito bem aplicada pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul ao caso, privilegiando-se o equilíbrio e a lealdade no âmbito da relação processual. 5.2.2 AC 5001986-54.2012.404.7203/SC Na Apelação Cível 5001986-54.2012.404.7203,95 de relatoria do Desembargador Fernando Quadros Página 12

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da Silva, o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região analisou cerceamento de defesa decorrente de suposta ausência de intimação regular da parte. No caso concreto, a parte foi regularmente intimada para oferecer alegações finais, não tendo se manifestado dentro do prazo. Posteriormente, a parte se insurgiu alegando que não foi devidamente intimada sobre a realização dos memoriais. Analisando o caso, o TRF-4.ª Reg. entendeu que: "o decurso do prazo sem manifestação da parte não pode, por esse mesmo motivo (ausência de manifestação), acarretar nulidade processual que a beneficie, sob pena de manifesta ofensa à boa-fé objetiva e aos consectários do venire contra factum proprium e do tu quoque, tendo em vista que a ninguém é dado beneficiar-se da própria torpeza em juízo." Trata-se de aplicação bastante confusa do tu quoque, nada obstante tenha sido conjuntamente aplicada a manifestação do venire contra factum proprium. Primeiramente, insta observar que somente a fórmula do tu quoque processual prevê que "a ninguém é dado beneficiar-se de sua própria torpeza em juízo". Não há que se falar, portanto, na manifestação do venire. Contudo, impõe-se também que não há situação a ser tutelada pelo tu quoque e, consequentemente, pelo princípio da boa-fé processual. Ora, o art. 177 do CPC é claro ao estabelecer que "[o]s atos processuais realizar-se-ão nos prazos prescritos em lei. Quando esta for omissa, o juiz determinará os prazos, tendo em conta a complexidade da causa." No caso, verifica-se a ocorrência da preclusão temporal, que nada tem a ver com a fórmula do tu quoque processual. Não há abuso a ser combatido pelo magistrado nem atuação desleal. O decurso do prazo sem manifestação da parte não causa desequilíbrio na relação processual a ensejar a aplicação da manifestação do tu quoque, a qual, reiteramos, é subsidiária e deve ser aplicada com cautela, porquanto constitui fórmula que visa impedir condutas abusivas - que são, via de regra, exceção. Parece-nos que o tu quoque e o venire contra factum proprium foram aplicados ao caso como forma de reforço argumentativo, conquanto se deva reconhecer que a aplicação, e o caso em si, resultaram demasiado confusos. Mister reconhecer, por conseguinte, que o Tribunal aplicou incorretamente as fórmulas do tu quoque e do venire contra factum proprium ao caso. 6 Conclusões 6.1. O princípio da boa-fé processual constitui a aparição, no âmbito do direito instrumental, do princípio geral da boa-fé, visto como uma das vias mais eficazes para introduzir um conteúdo ético-moral no ordenamento jurídico. O princípio geral da boa-fé encontra guarida constitucional no sobreprincípio da igualdade, segundo o qual se deve tratar o igual de modo igual e o diferente de forma diferente, de acordo com a medida da diferença, ainda mais se esta diferença resulta do rompimento de circunstâncias pré-estabelecidas ou da desconsideração das expectativas legítimas do alter. 6.2. O princípio da boa-fé processual constitui um standard de conduta fundado, principalmente, na lealdade e na consideração para com as expectativas legítimas das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo. Tal princípio encontra-se intrinsecamente ligado ao abuso de direitos processuais, estabelecendo a medida e a forma deste. 6.3. O abuso de direitos processuais deve ser entendido como o desvio grosseiro e prejudicial dos padrões geralmente reconhecidos no exercício de posições jurídicas processuais. 6.4. As manifestações da boa-fé objetiva estabelecem as conexões entre a boa-fé processual e o abuso de direitos processuais, atuando como balizas para a averiguação da licitude no exercício de posições jurídicas processuais. Tais manifestações - ou casos típicos - relacionam-se com a boa-fé através dos subprincípios mediantes da proteção da confiança e da substancialidade material, os quais promovem a confiança e a lealdade no modo de exercício de posições jurídicas. 6.5. A manifestação do venire contra factum proprium - aplicada subsidiariamente e apenas em Página 13

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casos que atendam aos requisitos da tutela da confiança - representa um modo de exprimir a reprovação do sistema jurídico a determinados comportamentos imediata e diretamente contraditórios que firam as expectativas legítimas dos demais sujeitos da relação. Já o tu quoque aplicado subsidiariamente e com a cautela exigida na interpretação do desatendimento a uma norma - exprime a máxima segundo a qual a pessoa que descumpra uma norma jurídica não pode, depois e sem abuso, ou prevalecer-se da situação jurídica daí decorrente, ou exercer a posição jurídica violada pelo próprio, ou exigir a outrem o acatamento da situação jurídica violada. 6.6. A jurisprudência brasileira ainda se mostra vacilante na aplicação do princípio da boa-fé processual, alternando entre boas e más interpretações da cláusula-geral prevista no inciso II do art. 14 do Código de Processo Civil. A boa-fé processual parece servir, em alguns casos, como reforço argumentativo das decisões, em especial daquelas que dizem respeito à nulidade ou preclusão de determinados atos processuais. Contudo, deve-se acentuar o caráter subsidiário do referido princípio, que constitui instrumento de grande utilidade para a caracterização do abuso de direitos processuais, demarcando, no caso concreto, a extensão das posições jurídicas que não foram objeto de maior precisão legislativa. 6.7. O venire contra factum proprium e o tu quoque constituem manifestações da boa-fé objetiva que, se aplicadas tecnicamente e com o devido cuidado, mostram-se aptas a impedir um desvio grosseiro e prejudicial dos padrões processuais geralmente reconhecidos, contribuindo com a maximização da confiança e da lealdade dentro do âmbito do processo civil brasileiro. 6.8. Preenche-se, assim, ainda que pouco, a concha de marisco abandonada na beira da praia,96 a demonstrar que o processo definitivamente não está livre de moralidade, como propunha Goldschmidt,97 servindo a cláusula-geral de boa fé, prevista no art. 14, II, do CPC/1973, e art. 5.º, do NCPC, como instrumento de combate ao abuso de direitos processuais.

1 Revisão técnica de Daniel Mitidiero e Ronaldo Kochem. 2 A respeito disso, escreve Judith Martins-Costa: "Com efeito, no exame da boa-fé objetiva o primeiro tom é o da estupefação. No seu trato, não se poupam os exclamativos, até os superlativos: um tema que mais se assemelha a 'une mer sans rivages', na opinião de Simone David-Constant, uma concepção que origina um importante 'revirement doctrinal' no direito obrigacional, nas palavras de Ludo Cornelius, que constitui, enfim, a legítima expressão da pós-modernidade do direito, na leitura que lhe é feita por Marcel Storme. É preciso ver, portanto, no que consiste este 'espantoso fenômeno', esta 'subversão' que é atribuída a uma das vertentes a boa-fé, a objetiva, o seu caráter de signo da pós-modernidade (...)" (MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Ed. RT, 1999, p. 409-410). Ainda, sobre o caráter contemporâneo da boa-fé objetiva, escreve Menezes Cordeiro: "A boa fé objectiva não comporta uma interpretação aplicação clássica. Desde cedo, tem sido traçado o seu paralelo com as lacunas. A disposição que remeta para a boa fé não tem, ela própria, um critério de decisão: a interpretação tradicional deste preceito não conduz a nada. Na sua aplicação, o processo subsuntivo torna-se impossível. (...) O desenvolvimento, com base na boa fé, de um Direito jurisprudencial que, ainda quando à revelia das doutrinas comuns, demonstrou, numa experiência temperada pelo corrigir dos desvios, sempre possíveis, capacidade dogmáticas reais, permite atingir um dos níveis mais nobres e delicados da cultura jurídica actual: o da correção das leis injustas ou inconvenientes.". E conclui o jurista português: "A boa fé tem, em si, os paradoxos, as conquistas e as aspirações da cultura jurídica contemporânea" (CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984, v.1, p. 41 e ss.). Sobre a relação entre as cláusulas-gerais - como a da boa-fé objetiva - e a contemporaneidade, v. MARTINS-COSTA, op. cit., p. 273 e ss. 3 Conforme escreve Menezes Cordeiro: "A boa-fé traduz um estádio juscultural, manifesta uma Ciência do Direito e exprime um modo de decidir próprio de certa ordem sócio-jurídica." (CORDEIRO, op. cit., v.1, p. 18). 4 CORDEIRO, op. cit., v. 1, p. 375. 5 CORDEIRO, op. cit., v. 1, p. 377-378. Página 14

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6 CABRAL, Antônio do Passo. "O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva". Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2005, n.126, p. 76. 7 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 2009, 3. ed., p. 167-168. Ainda, sobre a participação no processo, escreve o autor: "A matéria vincula-se ao próprio respeito à dignidade humana e aos valores intrínsecos da democracia, adquirindo sua melhor expressão e referencial, no âmbito processual, no princípio do contraditório, compreendido de maneira renovada, e cuja efetividade não significa apenas debate das questões entre as partes, mas concreto exercício do direito de defesa para fins de formação do convencimento do juiz, atuando, assim, como anteparo à lacunosidade ou insuficiência da sua cognição.". E arremata: "Faceta importante a ressaltar é que a participação no processo para a formação da decisão constitui, de forma imediata, uma posição subjetiva inerente aos direitos fundamentais, portanto é ela mesma o exercício de um direito fundamental. Tal participação, além de constituir exercício de um direito fundamental, não se reveste apenas de caráter formal, mas deve ser qualificada substancialmente." (OLIVEIRA, op. cit., p. 167). Visão semelhante possuem Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni, para quem "o processo pautado pela colaboração é um processo orientado pela busca, tanto quanto possível, da verdade, e que, para além de prestar relevo à boa-fé subjetiva, também exige de todos os seus participantes a observância da boa-fé objetiva, sendo igualmente seu destinatário o juiz." (SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2012, p. 625). 8 VICENZI, Brunela Vieira de. A boa-fé no processo civil. São Paulo: Atlas, 2003, p. 162-163. 9 DIDIER JR., Fredie. "Alguns aspectos da aplicação da proibição do venire contra factum proprium no Processo Civil". Revista Autônoma de Processo. Curitiba: FADISP, 2007, n. 3, p. 203. 10 O jurista baiano cita as seguintes decisões: STF, 2.ª T., RE 4649632/GO, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 14.02.2006, publicado no DJ de 30.06.2006; STF, 2.ª T., AI n. 5297331/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, j. em 17.10.2006, publicado no DJ de 01.12.2006. Para mais informações, v. DIDIER JR., Fredie. . Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 88. 11 DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 90. 12 DIDIER JR., op. cit. p. 79. 13 JUNOY, Joan Picó i. "El debido proceso 'leal'" - Reflexiones en torno al fundamento constitucional del principio de la buena fe procesal.Revista Peruana de Derecho Procesal. Lima: Palestra, 2006, v. IX, p. 331. 14 Sobre o devido processo legal, esclarece Humberto Ávila: "[o] dispositivo relativo ao 'devido processo legal' deve, portanto, ser entendido no sentido de um princípio unicamente procedimental. A Constituição, para não deixar dúvidas com relação à existência de um direito à proteção de direitos, resolveu explicitar o direito a um processo adequado ou justo. Nesse sentido, a expressão composta de três partes fica plena de significação: deve haver um processo; ele deve ser justo; e deve ser compatível com o ordenamento jurídico, especialmente com os direitos fundamentais." (ÁVILA, Humberto Bergmann. "O que é 'devido processo legal'?". Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2008, n.163, p. 57). Ainda, sobre o devido processo legal, escreve Luigi Comoglio: "Anche oggi, di conseguenza, 'processo dovuto', 'processo in forma legale', 'processo stabilito' o 'regolato' da forme 'legali', sono tutti sinonimi di un modello fondamentale di processo, che in tanto può dirsi 'legale', in quanto sia conforme alle garanzie di giustizia procedurale, scaturenti dalle consolidate tradizioni di common law, e sia quindi adeguato al proprio fine primario (vale a dire, al fine di garantire 'la tutela della persona umana per mezzo della giustizia') Si badi, peró, che, secondo il significato più moderno, in tali formule finiscono con il confluire, ad un tempo, sia garanzie di legalitá procedurale, sia garanzie di giustizia sostanziale.". Conclui, assim, que "il processo, dunque, è due (od, a seconda delle versioni linguistiche, 'dovuto', debido, devido), non perché sia compiutamente regolato da norme di legge rigide e precostituite, ma piuttosto in quanto rappresent la garanzia positiva di un 'diritto naturale' del signolo ad un processo 'informato a principi superiori di giustizia', sendo i canoni Página 15

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fondamentali della common law." (COMOGLIO, Luigi Paolo. "Il 'giusto processo' civile nella dimensione comparatistica". Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2002, n. 108, p. 133-183). Vale asseverar, também, que Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni defendem o abandono do uso da expressão devido processo legal, sob os argumentos de que a locução "remete ao contexto cultural do Estado de Direito (...), ao passo que hoje o Estado Constitucional tem por missão colaborar na realização da tutela efetiva dos direitos mediante a organização de um processo justo"; e "porque dá azo a que se procure, por conta da tradição estadunidense em que colhida, uma dimensão substancial à previsão" (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, op. cit., p. 615 e ss.). 15 Nesse sentido, vale observar que, no direito alemão, a boa-fé processual vem sendo interpretada - de forma suplementar - a partir da proibição geral do abuso de direito constante no §242 do BGB, conquanto haja uma tendência da literatura pós-1945 em fundamentar a boa-fé objetiva processual nas garantias constitucionais processuais (v. HESS, Burkhard. "Abuse of procedure in Germany". Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural fairness. The Hague - Holanda: Kluwer Law International, 1999, p. 153-155). O jurista alemão ressalta ainda que, após 1933, durante o período do regime nazista, a cláusula-geral do § 242 do BGB passou a ser interpretada no sentido de estabelecer a predominância do interesse público dentro do litígio, de forma que a doutrina processual pós-1945 menciona a referida cláusula-geral com cautela. 16 Sobre as relações que os princípios mantém entre si, v. ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. São Paulo: MalheirosEd, 2012, 12. ed. p. 130 e ss. 17 CORDEIRO, op. cit., v.1, p. 395. 18 Explica Humberto Ávila que a eficácia interna indireta dos princípios "traduz-se na atuação com intermediação ou interposição de um outro (sub-)princípio ou regra" (ÁVILA, op. cit., p. 105). 19 A respeito disso, escreve Didier Jr. que "[a]té na guerra a proteção da boa-fé objetiva se impõe. O Estatuto de Roma, que criou o Tribunal Penal Internacional, reputa crime de guerra (art. 8.º, 2, 'b', vi e vii) 'provocar a morte ou ferimentos a um combatente que tenha deposto armas ou que, não tendo mais meios para se defender, se tenha incondicionalmente rendido e utilizar indevidamente uma bandeira de trégua, a bandeira nacional, as insígnias militares ou o uniforme do inimigo ou das Nações Unidas, assim como os emblemas distintivos das Convenções de Genebra, causando deste modo a morte ou ferimentos graves'. São, como se vê, condutas abusivas, que ferem a ética da guerra. Hastear 'bandeira branca', incentivando o avanço das tropas adversárias direto para uma emboscada, é venire contra factum proprium, conduta intolerável mesmo na guerra. A leitura do rol dos crimes de guerra previsto neste artigo revela, com alguma facilidade, a preocupação com a preservação e o incentivo à boa-fé e à cooperação em períodos de guerra" (DIDIER JR., op. cit., p. 33). 20 Conforme escreve Didier Jr., "há quem veja a cláusula-geral de boa-fé como uma especificação da proteção constitucional à dignidade da pessoa humana" (Op. cit., p. 87). Nessa senda, cita ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no Código Civil (LGL\2002\400). São Paulo: Saraiva, 2005, p. 186 e ss.; NEGREIROS, Teresa. Fundamentos para uma interpretação constitucional do princípio da boa-fé. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 224-274. 21 Nesse sentido, discorrendo sobre o art. 1.º da Lei Fundamental alemã, o qual prevê que "a dignidade humana é intangível", Dieter Grimm observa que "a garantia da dignidade exige uma definição estrita do seu conteúdo", considerando a trivialização de tal conceito tão danosa quanto a superlativização da linguagem (GRIMM, Dieter. "A dignidade humana é intangível". Revista de Direito do Estado, 2010, n. 19-20, p. 9-11). 22 HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2009, 1. ed., p. 1766. 23 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção E Culpa "in Agendo". Coimbra: Almedina, 2011, 2. ed. p. 93. Do mesmo autor, prolongadamente, v. CORDEIRO, op. cit., v.2, p. 1271 e ss. 24 GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias. Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra:

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Ed. Almedina, 2005, p. 36. 25 GARCIA, op. cit., p. 40 e ss. 26 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria da igualdade tributária. São Paulo: Malheiros ED, 2009, 2. ed. p. 143. 27 ÁVILA, loc. cit. 28 GARCIA, op. cit., p. 33. Conforme explica a autora, trata-se de ideia latente desde o primeiro momento, mas recentemente redescoberta, correspondendo à terceira fase de evolução do princípio da igualdade, aquela em que o princípio alia aos conteúdos anteriores uma intencionalidade material, visando à igualdade da própria lei (v. GARCIA, op. cit., p. 36). 29 GARCIA, op. cit., p. 64. 30 Vale asseverar que não resulta difícil transpor o princípio da igualdade ao processo civil e, ainda, à boa-fé processual. Nesse sentido, refletindo sobre a visão cooperativa do processo, escreve Carlos Alvaro Alberto de Oliveira, em brilhante artigo: "Ora, a ideia de cooperação, além de implicar, sim, um juiz ativo, colocado no centro da controvérsia, importará senão o restabelecimento do caráter isonômico do processo pelo menos a busca de um ponto de equilíbrio. Esse objetivo impõe-se alcançado pelo fortalecimento dos poderes das partes, por sua participação mais ativa e leal no processo de formação da decisão, em consonância com uma visão não autoritária do papel do juiz e mais contemporânea quanto à divisão do trabalho entre o órgão judicial e as partes." (OLIVEIRA, Carlos Alvaro Alberto de. "Poderes do juiz e visão cooperativa do processo". Revista da AJURIS. Porto Alegre: AJURIS, 2003, n. 90, p. 62). Abordando o modelo cooperativo de processo, escreve Daniel Mitidiero: "Dentro do processo civil contemporâneo, informado pelo formalismo-valorativo, o ativismo judicial aparece como algo irreversível, sendo essa posição mais diretiva e engajada do Estado-juiz um componente essencial do modelo cooperativo de processo. Ao adjudicar-se iniciativa oficial ao magistrado no terreno probatório, além de superar-se uma visão individualista e privatista do processo, própria da cultura jurídica francesa do século XIX, prestigia-se ao máximo a igualdade efetiva entre as partes." (MITIDIERO, Daniel. Colaboração no processo civil. São Paulo: Ed. RT, 2011, 2. ed., p. 110). Ainda, sobre a relação entre o modelo cooperativo de processo e a boa-fé objetiva, v. MITIDIERO, op. cit., p. 105 e ss. 31 ABREU, Rafael Sirangelo Belmonte de. Igualdade e processo civil: perfis conceitual, funcional e estrutural do direito fundamental à isonomia no processo civil do Estado Constitucional. 2014. 284 f. Dissertação (Mestrado em Direito)-Faculdade de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014, p. 107. 32 ABREU, op. cit., p. 82. 33 Impende ressalvar que, nada obstante a exposição procedida no presente estudo, o tema ainda aguarda maior desenvolvimento doutrinário. Nesse sentido, o próprio Menezes Cordeiro adverte que continua a aguardar explicações alternativas (CORDEIRO, op. cit., p. 93). 34 Consoante o célebre ensinamento de Riccardo Guastini de que o texto difere da norma, que constitui o resultado da interpretação do sistema normativo. Para maiores informações, v. GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Edson Bini (trad.). São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 23 e ss. 35 ÁVILA, Humberto Bergmann. Teoria dos princípios. São Paulo: MalheirosEd, 2012, 12. ed. p. 98-99. 36 DIDIER JR., op. cit., p. 92. 37 Sobre a metáfora de Rathenau, escreve Judith Martins-Costa: "Numa concha de marisco que se encontra jogada na areia da praia, o primitivo habitante que lhe recheava o conteúdo de há muito pode ter desaparecido e gerações de outros habitantes podem ali ter encontrado a sua morada. O mesmo ocorre com as instituições jurídicas e as palavras que as designam" (MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso de direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: TEPEDINO, Gustavo

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(org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional. Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008, p. 57-58). 38 O desenvolvimento da boa-fé objetiva no âmbito do direito privado está expresso, sobretudo, nos estudos de Menezes Cordeiro e de Judith Martins-Costa. 39 Vale recordar aqui os estudos de Brunela de Vincenzi, Didier Jr. e Antônio do Passo Cabral, já citados anteriormente. 40 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984, v.1, p. 44. 41 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. São Paulo: Ed. RT, 1999, p. 411. 42 DIDIER JR., op. cit., p. 81. 43 Nesse sentido, v. MOREIRA, José Carlos Barbosa (coord.). Abuso dos direitos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2000; TARUFFO, Michele (edit.). Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural fairness. The Hague - Holanda: Kluwer Law International, 1999. 44 MÉNDEZ, Francisco Ramos. "¿Abuso de Derecho en el Proceso?". In: BARBOSA MOREIRA, José Carlos (coord.). Abuso de direitos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.5. 45 Idem, p.6. Semelhante entendimento foi manifestado por Goldschmidt em 1925 ao formular que o comportamento processual é "livre de moralidade" (GOLDSCHMIDT, Der Prozess als Rechtslage, 1925, p. 292 apud HESS, op. cit. p. 155). 46 CORDEIRO, Antonio Manuel da Rocha e Menezes. Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção E Culpa "in Agendo". Coimbra: Almedina, 2011, 2. ed. p. 23. 47 CORDEIRO, loc. cit. 48 Nesse sentido, escreve Michelle Taruffo: "In a sense, every subject involved in a judicial proceeding may make a bad use of power or of discretion and may then commit any sort of abuse. [...] A first point that is worth stressing is that procedural rights may be abused also by judges. [...] The abuse committed by judges is typically an abuse of discretion that is committed mainly by a bad use of the judge's managerial powers concerning the development of judicial proceedings (undue delays, violation of the parties' rights to a correct and speedy process, and so forth), but also by making evidently wrong decisions [...]" (TARUFFO, Michele. General Report. In: Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural fairness. The Hague - Holanda: Kluwer Law International, 1999, p. 19). 49 CORDEIRO, op. cit., p. 75. 50 Escreve a autora: "A aplicação corretiva da regra da boa-fé objetiva diz respeito não só ao exercício de direitos subjetivos, como de um sem-número de posições jurídicas exercidas numa relação jurídica: poderes, faculdades, ônus, direitos potestativos e deveres. Por tal razão, transcendeu-se da nomenclatura de origem jussubjetiva - abuso do direito - para o exercício inadmissível de posições jurídicas." (VINCENZI, op. cit., p. 164). 51 MÉNDEZ, op. cit., p.5. 52 Sobre a exceptio doli, escreve Menezes Cordeiro: "A exceptio doli, particularmente possível nos bona fidei iudicia, permitia deter certas pretensões. A tradição do Direito romano comum reconhecia um papel duplo na excptio doli (...) Nuns casos, o defendente alegava a prática, pelo autor, de dolo, no momento em que a situação jurídica levada a juízo se formara: era a excptio doli praeteriti ou specialis. Noutros, o réu contrapunha, à ação, o incurso do autor em dolo, no momento da discussão da causa: era a exceptio doli praesentis ou generalis. Esta tinha aplicação relativamente a atos de processo." (CORDEIRO, op. cit., p. 76).

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53 CORDEIRO, op. cit., p.81. 54 CORDEIRO, op. cit., p.81. 55 HESS, op. cit., p. 153. 56 CORDEIRO, op. cit., p. 75. 57 HAZARD JR., Geoffrey. "Abuse of Procedural Rights: Regional Report for the U.S.A.". In: Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural fairness. The Hague - Holanda: Kluwer Law International, 1999, p. 45. 58 CORDEIRO, op. cit., p.81. 59 Esclarece Menezes Cordeiro que "[e]stamos, pois, perante um instituto que se desenvolveu na periferia, em face de questões concretas. Ele veio, depois, a ser acolhido, disciplinado e aprofundado no núcleo do sistema, através do recurso à boa-fé." (CORDEIRO, op. cit., p. 82). 60 MARTINS-COSTA, Judith. Os avatares do abuso de direito e o rumo indicado pela boa-fé. In: TEPEDINO, Gustavo (org.). Direito civil contemporâneo: novos problemas à luz da legalidade constitucional.Anais do Congresso Internacional de Direito Civil-Constitucional da Cidade do Rio de Janeiro. São Paulo: Atlas, 2008, p. 82-83. 61 CORDEIRO, op. cit., v.2, p. 1250. 62 CORDEIRO, op. cit., p. 93. 63 Conforme estabelece Menezes Cordeiro em seus estudos sobre a boa-fé objetiva (1984, p. 758, 822 e 1248; 2011, p. 93-94). 64 CORDEIRO, op. cit., p. 94. 65 CORDEIRO, op. cit., p. 102-103. 66 CORDEIRO, op. cit., p. 91-92. 67 CORDEIRO, op. cit., v.2, p. 759. 68 CORDEIRO, op. cit., v.2, p. 746-747. 69 CORDEIRO, loc. cit. 70 CORDEIRO, op. cit., p. 102. 71 CORDEIRO, op. cit., v.2, p. 852. 72 CORDEIRO, op. cit., v.2, p. 837. 73 CORDEIRO, loc. cit. 74 CORDEIRO, op. cit., p. 118. 75 A respeito desta maior flexibilização, Menezes Cordeiro pondera que "[o]s grupos tísicos de atuação abusiva usualmente referidos e os próprios princípios mediantes de concretização da boa-fé não esgotam as possibilidades criativas do sistema nem, consequentemente, as possibilidades do abuso do direito. Quer os grupos típicos, quer os princípios mediantes são simples instrumentos linguísticos, de base histórico-cultural, para a concretização da ideia de sistema. (...) Devemos, pois, manter aberto o espírito, dispensando sempre, ao círculo sistema/problema, a necessária atenção." (CORDEIRO, loc. cit.).

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76 Nesse sentido, escreve Michelle Taruffo: "(...) general clauses of fairness, due process, good faith or alike, may be used as an interpretative canons in order to detect and to asses abusive practices even when they are 'hidden' behind the breach of procedural rules that do not refer explicitly to APR, or even behind the veil formally legitimate procedural act" (TARUFFO, op. cit., p. 8-9). 77 Consoante o ex-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça português, Cardona Ferreira, citado por Menezes Cordeiro: "O princípio da boa-fé tem de ser algo mais, muito mais do que idílico verbalismo jurídico" (CORDEIRO, op. cit. p. 121). 78 TARUFFO, op. cit., p. 24. 79 Nesse sentido, escreve Cunha de Sá que a sanção ao abuso do direito "deverá ser feita em função e de acordo com as circunstâncias específicas do comportamento concretamente assumido pelo titular do direito" (SÁ, Fernando Augusto Cunha de. Abuso do direito. Coimbra: Almedina, 2005, p. 649 apud DIDIER JR., Fredie. Fundamentos do Princípio da Cooperação no Direito Processual Civil Português. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 72). 80 CORDEIRO, op. cit., p. 120-123. 81 Disponível em: [www.stj.jus.br/SCON]. Pesquisa realizada em: 23 dez. 2014. 82 Consoante estudado páginas acima, os chamados casos típicos são standards de conduta, com fundamento no dever de atuação segundo a boa-fé, que visam coibir o abuso de direitos processuais. 83 Nesse sentido, escreve Menezes Cordeiro: "De origem canônica e com raízes controversas, o venire ficou a dever boa parte de sua carreira à musicalidade de sua fórmula latina" (CORDEIRO, op. cit., p. 91-92). 84 STJ, REsp 1116574/ES, rel. Min.Massami Uyeda, 3.ª T., j.14.04.2011, DJe 27.04.2011. 85 Escreve Didider Jr.: "No sistema das invalidades processuais, vige a regra que proíbe o comportamento contraditório (vedação ao venire contra factum proprium). Considera-se ilícito o comportamento contraditório, por ofender os princípios da lealdade processual (princípio da confiança ou proteção) e da boa-fé objetiva. (...) Trata-se de lição velha, embora aplicada com outros termos. Na sistematização do instituto da preclusão (perda de poder jurídico processual), a doutrina refere-se à preclusão lógica, que consiste na 'impossibilidade em que se encontra a parte de praticar determinado ato ou postular certa providência judicial em razão da incompatibilidade existente entre aquilo que agora a parte pretende e sua própria conduta processual anterior'. A ideia da preclusão lógica é a tradução, no campo do direito processual, do princípio do nemo potest venire contra factum proprium." (DIDIER JR., Fredie. "Alguns aspectos da aplicação da proibição do venire contra factum proprium no Processo Civil". Revista Autônoma de Processo. Curitiba: FADISP, 2007, n. 3, p. 204-205). Ressalta, ainda, que "[t]ambém há preclusão lógica em relação ao magistrado" (DIDIER JR., op. cit., p. 211). 86 STJ, RMS 33.204/RJ, rel. Ministro Marco Buzzi, 4.ª T., j. 02.04.2013, DJe 01.07.2013. 87 Conforme entendimento firmado no REsp 1336340/PE, rel. Min. Herman Benjamin, 2.ª T., j. em 25.09.2012, DJe 03.10.2012. 88 Explica Humberto Ávila que "[o] postulado da razoabilidade aplica-se, primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral. Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequado a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir. Terceiro, como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas." (ÁVILA, op. cit., p. 173 e ss.). Ademais, não pode ser olvidado que "[o]s postulados normativos são normas Página 20

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imediatamente metódicas, que estruturam a interpretação e aplicação dos princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações entre elementos com base em critérios." (Idem, p. 163 e ss.). 89 Escreve Humberto Ávila que "[o] postulado da proporcionalidade aplica-se nos casos em que exista uma relação de causalidade entre um meio e um fim concretamente perceptível. A exigência de realização de vários fins, todos constitucionalmente legitimados, implica a adoção de medidas adequadas, necessárias e proporcionais em sentido estrito." (Idem, p. 182 e ss.). 90 Discorrendo sobre o devido processo legal, Humberto Ávila conclui que "só se sabe se um processo é adequado ou justo se os atos praticados no processo forem proporcionais e razoáveis ao ideal de protetividade do direito alegado." (ÁVILA, Humberto Bergmann. "O que é 'devido processo legal'?". Revista de Processo. São Paulo: Ed. RT, 2008, n.163, p. 55). 91 Disponível em: [www.stj.jus.br/SCON/]. Pesquisa realizada em: 23 dez. 2014.

92 Disponível em: [www.tjrs.jus.br/busca/?tb="jurisnova&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%2520Justi%25C3%25A7a%2520do Pesquisa realizada em: 23.12.2014 93 Disponível em: [http://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/pesquisa.php?tipo="1]." Pesquisa realizada em: 23 dez. 2014. 94 TJRS, AI 70026076927, 5.ª Câm. Civ., rel. Des. Umberto Guaspari Sudbrack, j. 26.11.2008, DJ 04.12.2008. 95 TRF4, AC 5001986-54.2012.404.7203/SC, rel. Des. Fernando Quadros da Silva, 3.ª T., j. 28.05.2014, DJe 29.05.2014. 96 Vide nota 37. 97 Vide nota 45.

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