A BUFONARIA, A ZOMBARIA, O TEATRO PROFANO-CARNAVALESCO E A ÓPTICA DA SOCIEDADE MEDIEVAL A PARTIR DAS MANIFESTAÇÕES POPULARES

July 9, 2017 | Autor: Andrew T. Silva | Categoria: Theater and film, Teatro, História da Idade Média, Theater
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a bufonaria, a zombaria, o teatro profano-carnavalesco e a óptica da sociedade medieval a partir das manifestações populares

Longe da concepção pejorativa de "Idade das Trevas", a idade média foi um período de florescimento cultural, de um teatro popular altamente rico e de tantos carnavais quanto possível se observar atualmente; O mimo, a sottie, as farsas, os bufões, saltimbancos, os escritos jocosos – onde se inclui o aclamado escritor português Gil Vicente, conhecido pelos seus autos – dentre outros estilos surgem nesse período como resposta ao formato de sociedade presente na época, e como forma de revidar todas as injustiças e imposições sobre as classes populares, já "oposta" a essa se encontrava a igreja, a qual dominava o poder e as riquezas da sociedade, essa estava inclusive acima da própria nobreza e possuía suas formas artísticas próprias, os vitrais, as igrejas romântica e gótica e sua forma de teatro sacro, surgido inicialmente como forma de catequização, e ensinamento aos analfabetos que não possuíam acesso ao conhecimento escrito, além de moralização do povo em relação aos saberes bíblicos e ideologias católicas.
Após um longo período de silêncio artístico, na Plena (Média) Idade Média ressurge timidamente dentro da igreja a representação teatral, não extravagante, complexa e altamente rica em dramaturgia e recursos como durante a Antiguidade Clássica, mas sim simplista e com um propósito de ensinar à população analfabeta os princípios e saberes bíblicos de modo didático e acessível; durante as celebrações de páscoa e natal então começa a dar-se encenações, as quais tem os próprios padres como atores e a própria igreja como local de representação, essas apresentações acabam obtendo sucesso na catequização e logo se popularizam, passando deste modo a surgir a teatralização de outros trechos bíblicos, estes que foram cada vez ganhando um caráter mais realista, e consequentemente mais humorístico; ao mesmo tempo devido à grande popularização, o espetáculo vê necessidade em sair da igreja e ganhar o espaço das ruas, essa seria uma possível abertura para o surgimento do teatro profano, alguns estudiosos porém discordam quanto à origem deste, relatando que este se deu dado independentemente do teatro sacro, afirmação bastante fundamentada, já que desde a Roma Clássica se notava a presença dos mimos, artistas também presentes no teatro medieval.
Enquanto estilos teatrais sacro-litúrgicos como: o Milagre, a Moralidade, o Auto e o Mistério se desenvolviam de um modo diferente em cada nação europeia – e até mesmo em cada feudo – dentro dos feudos se podia observar há tempos a presença de bobos da corte e bufões resguardados pelas famílias para seu deleite e diversão; apesar da visão esdruxula de um teatro popular que servia meramente para diversão e era caracterizado como rebaixado, podemos perceber desde aí que tanto as manifestações populares quanto as sacras possuíam o mesmo nível de importância e de respeito na sociedade, sendo que além disso, a imaginária alta divergência entre o teatro devoto-religioso e o profano-carnavalesco não existia, ambos os gêneros se complementavam, ou seja, dentro do teatro profano havia ainda resquícios do teatro sacro e vice-versa, podendo-se ver a consequência dessa aglutinação no período entre a idade média e a renascença, quando o sacro e o profano, a tragédia e a comédia são então unidos em uma mesma obra artística.
O teatro popular-profano-pagão-burlesco-carnavalesco-jocoso já era possível de se observar em determinadas manifestações populares, tais como as festas dos loucos – onde se elegia um papa e todo o ritual sacro católico era encenado de modo satírico – as Chivari, festas do asno, além dos carnavais; estes eram festividades periódicas onde se observava o burlesco, o obsceno, o palavreado de baixo calão, a zombaria, o escracho, a quebra de regras e de paradigmas com os quais a população estava acostumada a aceitar de modo imposto, estas atitudes porém não era tomadas de um modo gratuito – como muitas vezes acontece na contemporaneidade – pelo contrário, tais libertinagens aconteciam como uma espécie de renascimento e reflorescimento da população, esta comumente aceitando leis e regras muitas vezes injustas e autoritárias ao suspender estas leis criava uma segunda realidade, onde as relações humanas se alteravam completamente, além de haver o desaparecimento da estratificação e divergência de classes, era como um "momento para espírito respirar após passar um longo tempo trancafiado"; estes carnavais, mais do que espetáculos eram experiências no sentindo mais amplo da palavra, não havia a dualidade ator-espectador, todos experimentavam, todos agiam e assistiam ao mesmo tempo, assim como se dava o teatro na Antiguidade Clássica antes da separação entre os que assistem e os que fazem (e posteriormente a própria estratificação dentro do teatro entre o coro e os protagonistas e antagonistas). Os carnavais devido ao seu caráter popular acabavam por se opor à chamada "arte oficial", eles criavam um âmbito de realismo exagerado e grotesco que davam espaço para o surgimento da figura do bufão. O bufão surge entre a realidade medieval e a carnavalesca como uma persona caracterizada como louca, mas que por traz da sua suposta loucura guardava uma grande sabedoria e crítica sócio-política, sobre o pressuposto de insano o bufão ganhava liberdade para criticar e zombar de modo escrachado de tudo de todos, ele ganhava a simpatia do público e ao conquistar este lançava suas críticas afiadas e grosseira, o bufão conseguia expressar aquilo que o povo em um viés geral tinha desejo de manifestar, porém não podia devido à censura e ao medo que a igreja e o estado implantavam, ele era uma simbologia das características carnavalescas, como o desbocamento, a sexualidade acentuada, a grosseria, a sinceridade, a comilança, o realismo altamente exagerado entre outros.
Além da bufonaria e de outros tipos de teatro profano, a literatura também continha textos que faziam sátiras da liturgia bíblica. A farsa, o sottie, o monólogo-dramático, o sermão jocoso, o entremez, a fabliaux, o interlúdio, os momos e as trovas eram outros tipos de teatro pagão altamente ricos em realismo grotesco e farsesco onde se observava os bufões, charlatões de feira, histriões, pelotiqueiros, anões, habilidosos e defeituosos fisicamente, fazendo contraponto com o teatro profano que relata sobre o homem decaído, sobre o pecado e a redenção. O riso, ao contrário do que se imagina através da imagem hoje em dia construída da idade média, era bastante presente no cotidiano, o que criava mais pilares para o teatro profano se estabelecer, este mesmo que através da blasfêmia conseguia completar o ciclo tirando mais risos da população. Além da crítica, da zombaria, do escrachamento e da relação com o sagrado, o ilusionismo, a manipulação de bonecos, o ventriloquismo, o uso de máscaras, rica cenografia e indumentária eram outras características presentes no teatro profano medieval, além da frequência da utilização de "tipos" – tais como: o médico, o padre, o advogado, o rei e etc.
A universidade que havia surgido há pouco se interessa rapidamente pelo teatro pagão, adotando os autos camponeses e posteriormente os burlesques, sendo que inclusive Gil Vicente foi um dos intelectuais que aderiu à este estilo com seus textos repletos de jocosidades, burlesques, tolices, sensualidades, além de uma forte influência dos momos. Por resumo, pode-se caracterizar os principais tipos de manifestação popular do seguinte modo:
FARSA: apresenta forte e agressiva crítica explicita, uso da ironia, da zombaria e da crítica de todos (inclusive da nobreza que chegou a castigar autores) A farsa se ramificou em tons cortesãos e bufonescos, o princípio da forma cômico-popular chamada farsa era de ridicularizar e criticar a sociedade e o cotidiano contemporâneo através de ações realistas, as quais eram transpostas de modo altamente exagerado provocando o riso crítico, era uma espécie de comédia de costumes, ganhou gosto popular, porém foi proibida pela igreja por ser considerada baixa e vulgar;
MONÓLOGO-DRAMÁTICO: forma teatral provavelmente provinda dos jograis (saltimbancos) que parodiava os sermões religiosos;
SERMÃO JOCOSO/SERMÃO BURLESCO: durante a festa dos loucos era eleito um papa que então parodiava toda a instituição religiosa, havia também os jogos de escárnio (zombarias);
SOTIE/SOTTIE: com a presença de bobos da corte na função libertaria, irresponsável e inconsequente era possível se "dizer verdades" e criticar os representantes do poder, este bobo da corte é a imagem a qual estamos acostumados com roupas de duas cores e guizos; o caráter da sotie era principalmente político, altamente semelhante a farsa, heróis em vestimenta de bobos, crítica à sociedade (igreja, estado, população) amostrando essa em trajes bufonescos;
ENTREMEZ: a atual esquete, era uma peça curta geralmente com um número musical, burlesca, caricata e jocosa era apresentada entreatos (semelhante ao lazzo);
FABLIAUX: espécie de fabulação onde se conta e vive as histórias, havia uma forte presença de mulheres atuando, sendo que estas além de um caráter jogral possuíam uma forte presença sensual;
INTERLUDIO: espécie de leitura dramática, os textos eram criados para ser lidos, não encenados, não havia ação;
MOMOS: representações mascaradas de escárnio ou de aventuras "heroicas", devido ao caráter estético das máscaras e fantasias, acabam influindo nas mascarada;
UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA "JÚLIO DE MESQUITA FILHO"



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