a busca da beleza na antiguidade

June 3, 2017 | Autor: Amanda Vitória | Categoria: Mitology
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Descrição do Produto

Vol. I - Arquitectura Grega

José Ribeiro Ferreira Rui Morais

A Busca da Beleza

A arte e os artistas na Grécia Antiga

VOL. I ARQUITECTURA GREGA

Colecção

Fluir Perene - nº 9

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Autores: José Ribeiro Ferreira, Rui Morias. Título: A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga Editor: José Ribeiro Ferreira Edição: 2008 Design Gráfico: Fluir Perene Ilustração da capa: Olimpieu de Atenas. Fotografia de Albino Urbano Tiragem: 200 exemplares Impressão: Simões & Linhares, Lda. Av. Fernando Namora, n.º 83 - Loja 4 3000 Coimbra ISBN: 978-989-96078-0-4 Depósito Legal: 286830/08

Vol. I - Arquitectura Grega

PREFÁCIO O estudo sobre A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga destina-se fundamentalmente ao ensino universitário e aos alunos que estudam a arte grega e romana, embora não desdenhe o interesse de público mais vasto. E de certo modo os alunos também são credores desta obra, face aos muitos contributos que deles recebemos e aos caminhos que percebemos, nas sugestões, nas perguntas, nas dúvidas. Por isso não podemos deixar de expressar o nosso agradecimento. Arquitectura Grega é o primeiro de três volumes que a obra apresentará. Suceder-se-ão, pelo menos, outros dois para abordarem a escultura e a pintura. Trata-se de projecto conjunto em que trabalharam, em estreita colaboração, quatro autores: eu próprio, Rui Morais, Luísa Ferreira e Carlos de Jesus – para não destoarmos da ordenação da antiguidade académica. Embora seja natural que a parte mais significativa me pertença – fruto de mais anos a leccionar a matéria –, todos são verdadeiramente autores em pé de igualdade, já que contribuíram de forma empenhada na elaboração do livro: redacção, sugestões, discussão franca, formatação e tratamento das imagens. Este volume sobre A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia antiga 1- Arquitectura Grega foi terminado com alguma celeridade para ir ao encontro das necessidades dos alunos de Arte da Antiguidade Clássica que em janeiro de 2009 se submetem a exames escritos. É bem possível que por isso aqui e além não tenha sofrido o acuramento exigido nem a vigilância que aconselhava Horácio. Além disso, «errare humanum est» e, humanos que somos, temos consciência de que a infalibilidade não pertence à nossa condição. Com estas palavras, pretende o livro dizer que naturalmente aceita conter lacunas 5

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e que pode até enfermar de um ou outro lapso. As deficiências serão corrigidas em possíveis futuras edições. É que, se o erro acompanha a condição do homem, também a busca da perfeição deve ser uma das suas qualidades. Com certa alegria dizemos que, numa obra sobre os monumentos arquitectónicos da Hélade Antiga, o azul que serve de fundo à capa e contracapa é o do céu da Grécia que nos trouxe a objectiva do excelente fotógrafo que é Albino Urbano. E boa parte das fotografias dos monumentos, quando não haja especificação, são nossas ou de amigos que no-las cederam. Daí que com dever gostoso agradeçamos ao Albino Urbano, à Maria Alegria Marques, à Helena Rainha Coelho, a vários outros. A minha maior gratidão – e aqui falo em nome pessoal – dirige-se à Senhora Doutora Maria Helena da Rocha Pereira que muito me ensinou sobre Arte Grega, e sempre se mostra disponível a esclarecer dúvidas. Não há consulta que se lhe faça a que não acorra de imediato. Nela encontramos sempre um apurado sentido académico e uma postura de verdadeiro Mestre. A todos os nossos agradecimentos sinceros. Coimbra, 8 de dezembro de 2008 José Ribeiro Ferreira

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ADVERTÊNCIA PRELIMINAR No aportuguesamento dos nomes próprios, mitónimos, antropónimos, topónimos e corónimos, adoptámos a forma daqueles que já têm tradição literária em Português, designadamente camoniana, e transliterámos outros, sem deixar de ter em conta propostas F. Rebelo Gonçalves, no Vocabulário da Língua Portuguesa (Lisboa, 1966), de Maria Helena Ureña Prieto et alii, em Índices de Nomes Próprios Gregos e Latinos (Lisboa, 1995) e da tradução portuguesa do Dicionário de Mitologia Grega e Romana, de Pierre Grimal (Lisboa, 1992). Nos termos técnicos e palavras gregas, optámos pela forma portuguesa, sempre que já consagrada em dicionários: e. g.: opistódomo, ábaco, equino, ginrceu, mégaron. Em boa parte dos casos, porém, os termos não deram ainda entrada na língua portuguesa, ou apresentam sentido diferente: caso, por exemplo, de ‘nau’ (do grego naós ‘templo’), ou ‘demo’ que, além de significar demónio (do grego daimon ‘divindade’), designa a circunscrição mais pequena na antiga Atenas (grego dêmos). Nesses casos, optámos apenas pela pura transcrição do termo grego ou latino, sem outra adaptação, apesar das inconsistências ocasionais que daí possam derivar. Assim podem ocorrer ao mesmo tempo – com origem no mesmo termo grego dêmos – ‘demo’ (ciscinscrição de Atenas) e dêmos quando usada no sentido de ‘povo’ (elemento que está na formação de palavras como democracia). Mantivemos todavia a acentuação do grego para evitar que a adaptação às regras da prosódia portuguesa deturpe a sua pronúncia: e tal aconteceria se se não colocasse o acento em naós (‘templo’) e prónaos (‘vestíbulo’ ou pórtico). Sempre que o acento recai sobre um 7

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eta ou um ómega, optámos pelo acento circunflexo sobre a vogal — aqui também no caso de palavras graves —, para fechar os timbres e e o, como aconteceria em grego: e. g., andrôn (aposento da casa grega onde se realizavam os banquetes ou sympósia), Herôon, skenê. ‘Bulê’ (do grego boulê ‘conselho’) já surge nos dicionários, embora grafada, quanto a nós, de forma incorrecta com acento agudo (bulé), em vez de circunflexo, como convém a termo que termina em eta acentuado.

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INTRODUÇÃO Manifestação cultural de grande perfeição, beleza estética e requinte, a arte grega apresenta, como escreve M. H. Rocha Pereira, «as qualidades do povo que as criou: racionalismo, clareza, sentido da harmonia e da proporção»1. Podemos distribuir a arte grega por três grandes épocas: a Arcaica (sécs. VII e VI a.C.), que tem como característica mais saliente o esforço pelo inteligível; a Clássica (sécs. V e IV a.C.) que se salienta pelo sentido de superação da matéria, idealismo e transparência; e Helenística (sécs. III-I a C.) que se distingue pelo poder de observação, pelo gosto do concreto e do real, pelo individual, pelo singular. A arte grega é uma das principais manifestações da pólis e aparece em função da vida dessa cidade-estado e da sua população. Se é certo que, para os Gregos a pólis era, acima de tudo, o concreto dos cidadãos e não propriamente o espaço – ou, como sublinha Tucídides (7.77.7), «a pólis são os cidadãos e não as muralhas nem os barcos viúvos de homens» –, não deixam de ter importância os edifícios e locais onde a população habitava e se reunia, onde dirimia as suas contendas e tomava as suas decisões políticas, onde administrava o Estado e recebia os embaixadores e delegações estrangeiras, onde prestava culto aos seus deuses e lhes dirigia preces, onde convivia ou realizava manifestações culturais, onde vibrava ou competia nos jogos, onde assistia e se deliciava com o canto e a dança. Justificam-se por isso algumas notas sobre a pólis, cujo aparecimento, por meados do século VIII a. C., se combina

1 Estudos de História da Cultura Clássica 1- Cultura Grega (Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 102006), p. 565.

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cronologicamente com as origens do templo grego. Com o declínio micénico no século XII a. C. e a longa movimentação populacional que se lhe seguiu, acompanhada de intensas lutas, a ausência de um poder centralizado forte leva os habitantes a protegerem-se e a acolherem-se em pequenas comunidades, no cimo de colinas que rodeavam de muralhas e a que davam o nome de acrópole. A partir de determinada altura, para melhor resistirem aos ataques constantes, essas pequenas comunidades agrupam-se em unidades mais amplas, através de sinecismo, e contribuem, desse modo, para a formação das póleis (plural de pólis) que não conseguiram ultrapassar o seu individualismo e nunca atingiram uma unidade política1. De espírito particularista, o Grego considerava a pólis a única base possível de uma existência civilizada e livre2. Mesmo quando faziam alianças, como é o caso das simaquias, os seus membros eram considerados Estados soberanos. Foi esse particularismo que os envolveu em conflitos constantes uns com os outros. Para o Grego, a pólis ou Estado tinha no povo ou dêmos a sua soberania e dava primazia às tradições e normas, que a regiam e a que dava o nome de lei (thesmós ou nomos)3 e que eram exercidas e postas em prática pelas instituições — um grupo estrutural de três instituições base, com funções idênticas

1 Apesar de várias tentativas e passos nesse sentido, o particularismo foi sempre mais forte. Vide J. Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga. Sociedade e Política (Lisboa, Edições 70, 22004), pp. 13-35. 2 Um facto acentuado com vigor por Platão e Aristóteles. O primeiro toma a pólis como modelo do seu Estado ideal, o segundo ocupa-se do assunto no livro I da Política. Por dois elucidativos passos de Platão (Críton 50a sqq. e Leis I, 625e), vemos quanto a pólis era apaixonadamente sentida. Vide Ferreira, (1992a) 96-103 e (1992), cap. 1. 3 Thesmós e nomos são dois termos que significam lei, mas que designam realidades diferentes, pelo menos quanto à origem e autoridade. Vide infra pp. 13-14 e J. Ribeiro Ferreira, Hélade e Helenos I – Génese e Evolução de um Conceito (Coimbra, 1993), pp. 151 sqq.

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de início. Estou a referir-me à Assembleia do povo, ao Conselho e aos Magistrados, cujo poder relativo vai variando ao longo dos tempos com o evoluir dos Estados. Esta trilogia constitucional já se encontra constituída e em funcionamento, quando, no fim da Época Obscura (sécs. XI-VIII a.C.), a pólis aparece. No entanto, uma evolução mais ou menos violenta, a cada passo em luta com os condicionalismos de cada pólis, gera profundas transformações e origina sociedades diversas, com constituições e modos de vida diferentes, criando instituições novas ou alterando mais ou menos substancialmente as existentes. Os Estados gregos, durante a época arcaica (sécs. VIII-VI a.C.), para resolver problemas demográficos, vão lançarse na colonização que espalha os Gregos e o sistema de pólis por todo e Mediterrâneo e Mar Negro. Em consequência, desenvolvese o comércio e a indústria artesanal, sobretudo de cerâmica e de armas; surgem profundas alterações agrícolas na Hélade, com a substituição dos cereais pelo cultivo da oliveira e da vinha, por o vinho e o azeite serem produtos mais competitivos. Aparece uma nova táctica militar, a hoplitia, que se baseia na infantaria que lança para segundo plano a cavalaria, e portanto os nobres, e põe a tónica no cidadão comum que desse modo ganha poder militar. Dá-se, no séc. VII a.C., a introdução da moeda que vai permitir acumular riqueza. Estas transformações e inovações originam uma nova classe de enriquecidos, os plutocratas – havia nos nobres o preconceito contra o trabalho manual e o comércio –, aumentam as desigualdades, acentuam a pobreza, causam o desfasamento entre detentores de poder político, militar e económico. Daí resultam graves lutas sociais que os Estados gregos, de modo geral, tentam resolver pela nomeação de estadistas, os legisladores (sécs. VII-VI a.C.), que, aceites pelas diversas facções, compõem códigos de leis e encetam reformas sociais, económicas e políticas que quase nunca conseguem resolver os conflitos. Por isso, as cidades acabam, 11

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na generalidade, por desembocar em regimes autocráticos, as tiranias (sécs. VII-VI a.C.), que centralizam os poderes e se mantêm duas ou três gerações. Ao desaparecerem, quase todas antes de terminar o séc. VI a. C., qualquer que seja o regime instaurado – ora oligarquias (tenham elas por base o nascimento, a riqueza ou os dois), ora democracias, mais ou menos evoluídas –, as póleis que elas deixam já não são as mesmas: os poderes não estavam nas mãos dos aristocratas, mas centralizados nas diversas instituições que passam daí em diante, quer se trate de uma oligarquia, quer de uma democracia, a dirigir a pólis1. Foram mais de dois séculos de evolução e de inovações, às vezes com transformações profundas. Durante esse tempo aconteceram criações e realizações culturais de grande relevo e significado. Desenvolveu-se a poesia grega arcaica, com suas novas formas e géneros, com os seus hinos aos deuses e cantos em honra dos homens que sobressaíram pelo seu mérito e excelência. Surge a filosofia e a ciência, com as suas escolas e formulações novas e com as sucessivas tentativas de explicação da origem do mundo; aparece a história, depois de passar por narrativas genealógicas, como desejo de compreender as acções dos homens e conservar na memória os seus feitos. Cria-se o teatro que não mais deixou de expor perante o público a actuação de poderosos e pessoas comuns, com os seus actos de doação e altruísmo, suas insolências e excessos, cobardias e fraquezas. Verifica-se um aceso confronto político que se traduz, quer nas realizações práticas na própria pólis, quer nas formulações teóricas que se tornaram clássicas e influenciarem de forma determinante o pensamento posterior. Os Gregos viram-se constrangidos a combater contra os povos seus vizinhos, em especial contra os Persas, pela sua liberdade (490 e 480-479 a.C.) e, vitoriosos, dessas lutas retiraram força

1 Para esta evolução dos Estados gregos ao longo da época arcaica vide J. Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga. Sociedade e Política, pp. 37-70.

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moral e empreendedora que os motiva e lança nas grandes criações artísticas e culturais do século V a.C. Outra anotação gostaríamos de fazer, ou convém que se faça, antes de abordar a arte grega propriamente dita: a referência – necessariamente rápida, é evidente – a alguns aspectos da realização artística minóico-micénica. Os Minóicos e os Micénios construíram grandiosos palácios e túmulos, ornamentavam as paredes das casas com belos frescos que ainda hoje encantam os olhos de quem os admira, usavam uma cerâmica profusamente decorada e jóias artisticamente trabalhadas. A cultura micénica, sobretudo no Heládico Recente III B (c. 1300-1200 a.C.), à luz dos dados arqueológicos, aparece com relativa homogeneidade, a ponto de encontrarmos nos diversos sítios micénicos um tipo de arquitectura comum, em que sobressaem os palácios fortificados com o característico mégaron (figura 1, 2 e 3), que não surge entre os Minóicos ( figura 4) ; verificamos acentuada identidade de estilo nas pinturas murais (figuras 5, 6) e na cerâmica; observamos a mesma perfeição no trabalho do ouro, prata, pedras preciosas e nas obras de incrustação, a mesma variedade de jóias e adornos para o vestuário; é idêntico o armamento e há similitude nos abjectos de culto, com relevo para as figurinhas em T, F e Y que têm aparecido em número considerável e amplamente distribuídas ; os mesmos tipos de túmulos, onde são feitos vários enterramentos em gerações sucessivas, com especial realce para a tholos, de que é bom exemplo o chamado Tesouro de Atreu (figuras 7 e 8). Nas pinturas murais dos palácios, a uniformidade manifesta-se em certo tradicionalismo de motivos, temas e estilos, surgido a partir do século XV; e na cerâmica, em decoração progressivamente mais abstracta e convencional (figura 9)3. Esta, na transição do Heládico Recente II para o III (c. 1500-1450 a.C.), 13

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evoluciona no sentido de um crescente estilizar na decoração, com o aparecimento frequente de barras horizontais pintadas mecanicamente, enquanto a roda se movia, e com os motivos naturalísticos a tornarem-se lineares e a entrarem na construção de novos temas abstractos, até se atingir um tipo de cerâmica bastante uniforme, com pequenas variações locais (figura 10)4. Estes gostos, ao que parece, estenderam-se a todo o Egeu e à Ásia Menor como sugere, por um lado, a importação e imitação por Ílion da cerâmica do Heládico Recente IIIB até ao saque de Tróia VI, por outro, o aparecimento, em Rodes e Chipre, de uma cerâmica que dificilmente se distinguia da de Micenas, mas com diferenças suficientes que permitem afirmar tratar-se de um produto local e não de uma importação 1. Mas a “Época Obscura” como que passou uma esponja sobre tudo isso. E assim, se no domínio artesanal, sobretudo no que respeita à cerâmica, se verifica uma continuidade, Martin Robertson1 considera que, na arte propriamente dita (arquitectura, escultura e pintura), há um hiato total, com o recomeço do impulso estético por volta de 1000 a. C. que leva à arte arcaica e clássica, algo de totalmente novo e distinto em relação à arte micénica. Apesar desta afirmação, verifica-se uma estranha similitude entre os capitéis da colunas da porta do Tesouro de Atreu e o das colunas dóricas, como veremos.

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A History of Greek Art (Cambridge, 1975), vol. I, p. XVII. 14

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Figura 1

Planta de Micenas 15

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Figura 2

Mégaron de Micenas

Figura 3

Reconstituição do Mégaron de Pilos

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Figura 4

Planta do Palácio de Pilos 1: Entrada 2: Pátio interior 3: Mégaron 4: Trono 5: Banhos dos quartos 6: Armazéns 17

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Figura 5

Friso de mulheres de Cnossos

Figura 6

Friso processional, encontrado em Pilos, no Palácio de Nestor.

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Figura 7

Entrada do Tesouro de Atreu

Figura 8

Câmara do Tesouro de Atreu (Reconstituição) 19

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Figura 9

Cerâmica micénica (séc. XIII a.C.)

Figura 10

Cerâmica micénica (séc. XII a.C.) 20

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Funcional, a arquitectura grega não prescinde da beleza, da proporção e da medida e fugia dos grandes edifícios. É evidente que, como as arquitecturas de outros quaisquer povos, apresentava edifícios públicos e privados, civis e religiosos, mais ou menos sumptuosos, mas privilegiando de modo geral a simplicidade e a harmonia. Perante a arquitectura grega, ao contrário do que acontece com a egípcia, em especial ao contemplar os templos, parecem-nos construções à nossa dimensão e mais pensados para elevar o homem ao nível da divindade do que a fazer-lhe sentir a sua pequenez, fragilidade e insignificância. A arquitectura grega recorria a diversos materiais: a pedra, de modo geral a da região, de que se deve realçar o mármore; a madeira que era especialmente utilizada nas estruturas que seguravam os telhados, mas também nas colunas e paredes dos tempos mais antigos; os adobes e o tijolo, quase sempre seco ao sol; a terracota que foi muito usada como material de ornamento (e. g. antefixas, métopas). Arrancados a cada passo em pedreiras que se situavam em locais elevados, os blocos de pedra ou mármore eram depois penosamente transportados, às vezes por mar, para lugares mais ou menos distantes (figura 11).

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Figura 11

Transporte dos blocos de pedra e mármore

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Ordens e estilos Caracterizam a arquitectura grega estruturas de linhas rectas, horizontais e verticais. E, como o solo da Hélade era quase todo ele declivoso, a construção necessitava previamente de planificar os locais escolhidos, erigindo uma plataforma, às vezes elevada (estereóbata), em que assentava o edifício. Podiam entrar como elementos dessa construção, funcionais ou mais ou menos ornamentais, – além das paredes, telhado, portas e janelas, é evidente – o estilóbata, as colunas e o entablamento (arquitrave, friso e cornija). Dava-se o nome de estilóbata ao rectângulo delimitado pelo degrau superior de estereóbata em que assentam as colunas do templo grego. Estas, constituídas de modo geral por base, fuste e capitel, podiam ser quadradas ou cilíndricas (as mais usuais), lisas ou sulcadas por caneluras que, como veremos, variavam em número e execução conforme as ordens; eram formadas, no seu fuste, por tambores, no centro de cada um dos quais se talhava, na parte superior e inferior, um buraco que, para os fixar e lhes dar consistência, era cheio por um espigão ou batoque de madeira (figura 12); uma camada de calcário moído ocultava as fissuras da acoplagem, ou junturas. A arquitrave assenta directamente nos capitéis das colunas e é lisa ou ligeiramente ornamentada, ao contrário do friso que, geralmente, aparece mais profusamente carregado de elementos decorativos: pode ser constituído por grupos de três colunelos (os triglifos) e por quadrados ou rectângulos, quase sempre esculpidos em relevo (as métopas), que se sucedem alternadamente; ou pode ser também todo ele ocupado, sem interrupção, por escultura em relevo. No caso da sucessão de métopas e triglifos, estes – que medem o mesmo que a espessura da arquitrave – dispõem-se a partir dos cantos, de modo a situarem-se sempre nos intercolúnios 23

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e sobre as colunas; assim os ângulos terminam sempre em triglifos. No esquema da sucessão de triglifos e métopas, os arquitectos, para solucionar as exigências dos ângulos da colunata – o triglifo devia, ao mesmo tempo, estar sobre o eixo da coluna e formar o ângulo do entablamento – optaram por um encurtamento no entre-eixo nas colunas das extremidades do edifício. Por baixo dos triglifos havia uma régula de que pendiam, na parte inferior, pequenas saliências em denticulado, as gútulas ou gotas. A cornija, de modo geral saliente, ora corre sobre o friso (cornija horizontal), ora dispõe-se ao longo da franja lateral das empenas (cornija inclinada). Por baixo da parte saliente da cornija havia placas ou modilhões (os mútulos) com o mesmo denticulado das régulas, ou seja com as mesmas gútulas. Como o telhado se dispunha em duas vertentes, o espaço delimitado por elas e pela parte superior do friso e cornija tem o nome de pedimento ou frontão, quase sempre decorado com escultura de vulto ou em relevo. A utilização ou ausência dos elementos acabados de referir, bem como a sua disposição nos edifícios, determina o seu estilo ou a ordem que o caracteriza. Assim na ordem dórica (figura 13), ao que parece a mais antiga, além de certa parcimónia nos enfeites decorativos, a coluna não tem base e pousa directamente no estilóbata, tem arestas vivas no fuste e é encimada por um capitel simples (ábaco e equino), para o qual faz transição uma espécie de gola que do fuste o separa. A arquitrave apresentase quase sempre lisa e o friso aparece dividido pela sucessão de triglifos e de métopas, a maioria das vezes esculpidas. A ordem iónica era mais ornamentada e delicada. Nela, a coluna apresenta as arestas boleadas, assenta numa base relativamente elaborada (toro, escócia e plinto) e tem capitel de volutas (ábaco e volutas), como se pode ver num capitel de Ilissos (figura 14). A arquitrave não é lisa e aparece seccionada em ligeiros degraus ou percorrida por um ou mais filamentos, em relevo; por 24

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seu lado, o friso apresenta decoração contínua (figura 15). Aponta-se ainda a ordem coríntia, muito usada entre os Romanos, que é todavia uma variante da iónica, da qual difere apenas no capitel: substituição das volutas por um elemento decorativo vegetal – as folhas de acanto que brotam em filas sobrepostas e vão, por sua vez, enrolar-se em pequenas volutas nos quatro cantos do capitel, volutas essas que sustentam o ábaco. Esta solução permite uma transição perfeita entre o fuste e a arquitrave e resolve o problema dos ângulos dos edifícios, já que o capitel iónico não oferecia, nesses casos, uma solução perfeitamente conseguida (figura 16). A invenção do capitel coríntio, apesar do nome, surgiu em Atenas, nos finais do século V a.C., atribuída pela tradição ao escultor ateniense Calímaco. Variante também do iónico será a utilização de figuras femininas em vez de colunas, ou talvez mais precisamente em vez de fustes – as chamadas Cariátides ou Kórai (Figura 17)1. Se, em vez de femininas, forem utilizadas figuras masculinas, teremos então os Atlantes. As duas ordens ainda se distinguiam pelo número e tratamento das caneluras do fuste das colunas. Assim a dórica tinha geralmente vinte caneluras com arestas vivas, ao passo que a coluna iónica, apesar de o seu fuste ser mais delgado e delicado, ostentava vinte e quatro. Essas caneluras eram executadas depois de montados os tambores do fuste, como se vê pelos templos inacabados (e.g. em Selinunte e em Segesta) (imagem 18). Quando se utilizava a pedra local, esta é depois coberta por uma camada de gesso e pintada para imitar o mármore (imagem 19). Foi descoberto em Sveshtari, na Bulgária, em 1982, um túmulo helenístico que tinha a câmara funerária decorada com colunas dóricas acostadas, no meio das quais se encontram nove de tipo cariátide que apresentam um tratamento rudimentar e, de braços erguidos, seguram a arquitrave.Vide R. A. Tomlinson, rec. E. Schmidt, Geschichte der Karyatide: Funktion und Bedeutung der menschlicher Träger- und Stützfigur in der Baukunst (Würzburg, 1982), Journal of Hellenic Studies 104 (1984) 254; M. H. Rocha Pereira, Cultura Grega, p. 582 nota 15. 1

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 12

Espigão de madeira que unia os tambores.

Figura 14

Capitel iónico, visto de lado e do lado do juste 26

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Figura 13

Esquema da ordem dórica

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Figura 15

Esquema da ordem iónica 1: plinto; 2: tróquilos; 3: toro; 4: equino com coxim e volutas; 5: ábaco; 6: arquitrave; 7: friso decorado; 8: ulvas e dardos; 9: cornija horizontal; 10: tímpano; 11: cornija oblíqua; 12: remate côncavo cimeiro; 13: frontão; 14: acrotério que oculta o telhado.

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Figura 16

Capitel coríntio

Figura 17

Cariátides do Pórtico Sul do Erectéion

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Figura 18

Templo de Segesta 30

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Nas duas ordens, tendo como modelo o templo, verifica-se uma alternância entre as superfícies lisas e as decoradas: assim, se exceptuarmos as colunas que eram caneladas, temos zonas lisas na base e na arquitrave e decoração no capitel e no friso. Embora durante muito tempo se considerasse que as cores estavam ausentes da arquitectura grega, hoje, graças à arqueologia e aos vestígios de cor que ela tem revelado, sabemos que assim não acontecia: que, pelo contrário, a cor era usada (diversas cores) e predominava em determinadas partes dos edifícios. Apesar de a disposição e localização dessas cores no edifício variarem, a cada passo, de um estudioso para outro, e conforme as reconstituições, sabemos que o vermelho e o azul predominavam. Arriscamos a seguinte distribuição: os colares do fuste e a base do equino estavam pintados a vermelho ou amarelo; a parte plana das métopas e o tímpano do pedimento apresentavam-se geralmente em vermelho; o azul era mais frequente nos triglifos, nas régulas e nos mútulos (figura 20). A utilização das duas ordens definem outros tantos estilos: o dórico e o iónico que apresentam uma distribuição geográfica, à semelhança dos dialectos. O primeiro era usado de preferência na Grécia continental e nas colónias ocidentais; o segundo predominava na Iónia e nas ilhas do Mar Egeu. Na Ática, em especial na Acrópole (como veremos em «Atenas, escola da Hélade»)1, e nos grandes santuários (como Delfos, Olímpia, Epidauro), verificou-se uma junção dos dois: o dórico no exterior e o iónico no interior.

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Vide infra, pp. 209-230. 31

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 19

Coluna do Templo E de Selinunte, em que o tufo siciliano aparece recoberto com estuque.

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Figura 20

Mútulos (cima) e regula (baixo), alinhada pelos triglifos e pelo capitel. Templo da Concórdia em Agrigento.

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Tipologia dos edifícios Os edifícios gregos têm diversas aplicações e funções, desde o uso religioso ao civil e do público ao privado.

Edifícios religiosos Na arquitectura grega, entre os edifícios religiosos sobressaem os templos que, após adquirirem o seu pleno desenvolvimento, eram de modo geral perípteros — ou seja, com colunata ou peristilo a rodeá-lo pelo exterior. Se essa colunata é dupla ou há duplo peristilo, estamos perante um templo díptero. De acordo com o número de colunas que se dispunham nos lados menores, adquiriam nomes diferentes. Assim temos dístilos, se apenas há duas colunas nesses lados ou fachadas; tetrástilos, se sobem para quatro; hexástilos, se é de seis o número de colunas, o modelo de templo mais frequente na ordem dórica; octástilos, quando a fachada se apresenta com oito, usual na ordem iónica; decástilos, se o número é de dez; e dodecástilos, se sobe para doze. Edifício-tipo por excelência, o templo é assim caracterizado por M. H. Rocha Pereira: «É uma unidade, cujo exterior é delimitado pela linha ondulante das colunas que o cercam, e traçado em íntima união com a escultura que adorna os seus frisos e pedimentos; [....] as várias rectas que o definem prendem nele o olhar, circunscrevendo ao seu espaço a atenção, sem que, no entanto, ela se perca no pormenor»1. Apresenta um esquema bem definido, geralmente com uma orientação este/oeste e a fachada principal virada a oriente (figura 21): de 1

Estudos de História de Cultura Clássica 1, p. 584. 33

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

forma geralmente rectangular, podia ser períptero (colunas à volta ou peristilo) ou ter colunas apenas nos dois lados menores, formando um pórtico em cada extremo (ou seja, era anfiprostilo). Ao entrar nele, o visitante encontrava, de modo geral, o pronaos (vestíbulo) que dava para o naos ou cella, local da estátua do deus, ao fundo, de frente para a entrada; e por fim o opistódomo, onde se guardava o tesouro da divindade. A cada passo, também havia colunas no interior, cuja função principal seria o suporte da cobertura, de início colocadas em fiada axial, na cella, e depois dispostas em U. O templo, nas suas características essenciais, já estava desenvolvido nos fins do período geométrico (fins do séc. VIII a. C.), como mostram os alicerces encontrados e os fragmentos de terracota da mesma época que os representam. É possível que mesmo cerca de dois séculos mais cedo, se se pode interpretar como templo a estrutura, datável do séc. X a.C., encontrada recentemente em Lefkandi1. Por aí se vê que, embora faltem traços do edifício clássico, já tinha o naós, rodeado por um peristilo e precedido por um pórtico de colunas. Abandonada a construção de madeira e adquirido o cânon acima referido, nos fins do século VII a. C., os templos começam a ter grandiosidade nos inícios do século VI a. C., geralmente construídos em mármore (ou pelo menos revestidos com esse material) e pintados em certas partes, como já foi referido. Os templos são inseparáveis da sua decoração escultórica que, considerável, os embelezam e os tornam monumentos de grande harmonia estética. Essa decoração, que pode ser de vulto ou em relevo, aparece na ponta da cumeeira e nos extremos das empenas de cada fachada, os chamados acrotérios (figura 22); ornamenta as métopas, no estilo dórico, ou preenche o friso Vide Alan Johnston, «Pre-classical Greece», in John Boardman (ed.), The Oxford History of Classical Art (Oxford, 1993), pp.15 e 25. Vide infra p. 89-90. 1

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por inteiro, no caso do iónico, como se pode ver no templo de Atena Nike (figura 23); ocupa todo o espaço do pedimento, com as esculturas a disporem-se de modo a situar-se a divindade (segundo os Gregos, os deuses tinham o dobro da altura dos humanos) sob o ângulo central do triângulo isósceles e as dos cantos laterais aparecerem deitadas ou inclinadas (figura 24). Os templos tinham a função apenas de guardar a imagem das divindades, sobretudo do deus a que era dedicado. As cerimónias, rituais e sacrifícios realizavam-se no exterior, num altar que, para esse efeito, se erguia em frente ou próximo do templo (figura 25). Os altares podiam ser grandes ou pequenos, despidos ou profusamente ornamentados, simples ou de grande exuberância decorativa. O mais imponente que conhecemos é o Grande Altar de Zeus, em Pérgamo, que actualmente se encontra em Berlim, no Pergamon Museum.

Figura 21

Planta de templo grego

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Figura 22

Parte do Grande Altar de Zeus em Pérgamon, onde se vêem dois acrotérios nos cantos do telhado.

Figura 23

Friso contínuo do Templo de Atena Nike (Acrópole de Atenas).

Imagem 22

Fachada ocidental do Pártenon. 36

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Figura 25

Altar encontrado em Atenas. Muneu Nacional de Atenas

Tesouros Além dos templos e altares, havia outros edifícios religiosos, alguns de significativa importância, que merecem realce, como os tesouros, as thóloi. Os Tesouros (grego thesauroi, nome que lhe vem pelo facto de no seu interior serem conservadas preciosas ofertas votivas), frequentes sobretudo nos grandes santuários, como Delfos e Olímpia, consistiam num compartimento rectangular precedido por um pórtico, espécie de pequeno templete de estilo dórico ou iónico; destinavamse a guardar as ofertas das cidades à divindade. Nos grandes santuários pan-helénicos, ganhamos consciência do esplendor e do refinamento da arquitectura grega – esplendor e refinamento que não está apenas presente nos sumptuosos templos dedicados às divindades tutelares mas também nos pequenos templos votivos erigidos pelas cidades gregas, do continente e das colónias, como agradecimento por benefícios particulares obtidos. 37

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Os Tesouros de Olímpia encontram-se alinhados de forma ordenada na zona norte da área sacra (temenos), sobre um socalco nas encostas do Krónion (figura 26). Em Delfos, pelo contrário, esses pequenos templos não estavam dispostos segundo uma ordem pré-estabelecida, mas antes adaptados aos diferentes desníveis no terreno, dado o recinto rochoso do Parnasso. E em Delfos contam-se pelo menos vinte e três de tais edifícios, construídos entre os inícios do século VI a. C. (o primeiro parece ser o tesouro oferecido pelos habitantes de Corinto, sob a forma de uma simples sala rectangular) e a época clássica. Entre eles destacam-se, pela sua graciosidade e refinamento, os edifícios votivos doados pelos Atenienses e pelos habitantes das ilhas de Cnidos e de Sifnos, idênticos na planta, em forma de pequenos templos in antis, e na rica decoração em relevo. Do mais antigo dos três, o de Cnidos, resta uma inscrição que recorda uma edificação em honra de “Apolo Pítico”, datada de cerca de 560 a. C. O edifício em causa surgia logo após a primeira curva da Via Sacra, com orientação para este e construído com blocos quadrangulares bem talhados, dispostos em faixas alternadas, e na fachada principal duas estátuas de jovens cariátides (em vez das habituais duas colunas), apoiadas em altas bases, ricamente vestidas com o chitôn iónico (figura 27). A invenção e o conjunto agradam aos Sífnios que, poucos anos mais tarde (em 525 a. C.), com os lucros das suas minas de ouro e prata, edificaram – à direita do traçado da Via Sagrada e na parte interior do cotovelo que ela faz no seu caminho para o templo – um tesouro análogo na sua estrutura, mas bem mais rico na sua ornamentação. No entablamento corre um friso iónico que apresenta, nos lados menores, a assembleia dos olímpicos que, hieráticos, assistem aos acontecimentos de Tróia e ao combate entre Gregos e Troianos e, nos lados maiores, uma Gigantomaquia (imagem 28) e talvez o rapto das Leucípides por parte dos Dioscuros. No frontão ocidental deveria ainda estar representada a contenda 38

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entre o herói Hércules e o próprio deus Apolo, pela posse do tripé sagrado deste deus. Mais sóbrio mas não menos elegante, numa posição privilegiada imediatamente após a primeira curva da Via Sacra, situava-se o tesouro dos Atenienses (restaurado nos inícios do século XX). Sobre este diz-nos Pausânias (10.11.5) que foi dedicado com o dízimo da vitória de Maratona, pouco depois de 490 a. C., embora as característica da decoração escultórica nos remetam para data anterior, talvez entre 510 e 500 a.C. De ordem dórica, como impunha a tradição da Grécia peninsular, tem forma in antis, como todos os outros tesouros, mas com duas colunas dóricas insolitamente elegantes (figura 29). O friso do entablamento era decorado com métopas em relevo que representavam feitos de Teseu e trabalhos de Héracles. Dividia a ornamentação escultórica entre trabalhos de Héracles e igual número de feitos de Teseu e perece ter a intenção de aproximar os dois heróis e estabelecer certa emulação: tinha no frontão oriental o encontro de Teseu com Héracles ou Pirítoo; as seis métopas do mesmo lado representavam a vitória contra as Amazonas que haviam atacado Atenas, a que correspondiam seis trabalhos de Héracles na fachada oposta; ao longo da lado sul sucediam-se nove métopas com empresas do Teseu, a que se contrapunham outras nove no lado norte com feitos de Héracles.

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Figura 26

Olímpia (reconstituição do Museu Arqueológico). Os tesouros vêem-se no lado direito da reconstituição, ao longo da via que conduz ao estádio 40

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Figura 27

Fachada principal do Tesouro dos Snífios em Delfos.

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Figura 28

Monumento da Titanomaquia. Museu de Delfos

Figura 29

Tesouro dos Atenienses em Delfos. Reconstituição realizada pela cidade de Atenas, em 1906. 42

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Thóloi A tholos, edifício redondo, por vezes em círculos concêntricos de colunas, em vários estilos, apareceu em vários contextos e santuários. A arquitectura grega não amava as linhas curvas, privilegiadas e consolidadas apenas nas edificações teatrais. As construções sagradas e civis raramente recorreram a este tipo de estruturas, mas quando utilizadas atingiram níveis de extrema coerência formal. Teve papel significativo na arquitectura tumular dos Micénios e encontramo-lo, por exemplo, em locais sagrados como Delfos, Epidauro e Olímpia, mas desconhecemos exactamente a sua função. O mais antigo testemunho de um edifício de planta redonda encontrava-se provavelmente no santuário de Delfos, construído ainda nos inícios do século VI a. C., graças a um donativo de que apenas restam fragmentos, reutilizado no Tesouro de Sícion. Seria ainda em Delfos que, nos inícios do século IV a. C., este tipo de edifício é novamente retomado, graças à fantasia inventiva do arquitecto Teodoro da Fócida. Aí se edificou a conhecida tholos, construída no terraço do santuário de Atena Pronaia (figura 30). No exterior o edifício apresentava um círculo de vinte colunas dóricas de acentuada beleza, que suportavam um friso com triglifos e métopas, esculpidas com temas de lutas (Amazonas e Centauros). No interior da cella existiam nove colunas coríntias, apoiadas na parede e colocadas sobre um plinto em pedra negra de Elêusis. O mesmo material foi também utilizado para o pavimento, formando um acentuado contraste com a brancura do mármore. Particularmente cuidada era ainda a decoração, que parecia inspirar-se na experiência do Erectéion na precisão dos entalhes da cornija, da qual é justamente famosa a decoração com folhas estilizadas que circundam o plinto da cella no exterior. A estrutura de planta redonda é retomada poucos decénios depois em Epidauro onde, entre 360 e 320 a.C., se procede à construção de um edifício projectado pelo arquitecto 43

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Policleto (figura 31). Este edifício, conhecido por thymele (assim recordado pelas fontes, o nome significa “lugar de sacrifício”), surgia nas traseiras do templo de Asclépios. A ela se acedia mediante uma rampa, depois de vencer um desnível de três degraus. No plinto repousava um círculo de vinte e seis colunas dóricas com triglifos e métopas, desta vez não decoradas com as tradicionais representações figuradas mas adornadas por grandes páteras em relevo realçadas a dourado. Na goteira estendia-se, entre cabeças de leão, um elegante friso com motivos vegetais. No interior, elevavam-se catorze colunas coríntias destacadas do muro, formando um corredor encimado por um telhado construído com caixotões finamente decorados com elementos florais. Particularmente requintado era o motivo decorativo do pavimento, constituído por triângulos com lados côncavos de pedra negra e mármore que criavam um jogo de perspectiva de grande elegância. Desconhece-se, no entanto, a função deste edifício. Nas fundações da sala central três muros concêntricos individualizavam uma espécie de labirinto em caracol: talvez fossem aí guardadas as serpentes sagradas do deus da Medicina, ou seria neste espaço que se celebravam as cerimónias dos mistérios, como parece sugerir o nome do edifício transmitido pelas fontes que, de facto, alude a ritos sacrificiais. Um dos últimos êxitos desta refinada, mas pouco difundida, tipologia monumental foi o dito Philippeion de Olímpia (figura 32). Este tem o nome do seu comitente, Filipe de Macedónia, o qual depois da batalha de Queroneia decidiu dedicar na área sagrada do santuário uma espécie de sacelo para si e para a sua família. A sua morte precoce impediu-o de finalizar o projecto, posteriormente ultimado pelo seu filho, Alexandre. O edifício apresentava no exterior dezoito colunas dóricas, enquanto no interior possuía oito semi-colunas coríntias, apoiadas num alto plinto. A decoração em losangos nos caixotões do telhado era extremamente rica. No interior da construção, sob uma base 44

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de hemiciclos dispunham-se estátuas de Alexandre e de seus pais e avós, todas esculpidas por Leócares na preciosa técnica crisoelefantina (em ouro e marfim). Deparamos todavia também com thóloi com funções civis, de que o exemplo mais conhecido e relevante é o Pritaneu da pólis ateniense, que se situava no oeste da Ágora, ao lado do Buleutérion (figura 33).

Figura 30

Figura 31

Tholos em Athena Pronaia. (reconstituição)

Planta da tholos de Epidauro

Figura 33

Figura 32

Reconstituição da tholos do Prianeu, em Atenas

Philippeion de Olímpia

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Propileus Templos e Tesouros faziam parte essencial, sobretudo o primeiro, dos recintos sagrados ou santuários, nos quais, de modo geral, se entrava por vistosa porta, o Propileu (do grego própylon) – nome que, na Grécia antiga, se dava à entrada monumental, ornamentada com colunas, que acedia a edifícios e recintos ou santuários. Podia limitar-se a um simples pórtico com uma única porta, o propileu, ou, mais sumptuosa e elaborada, apresenta uma estrutura de vários pórticos com mais de uma porta, os propileus. O mais famoso e monumental exemplo é a entrada na Acrópole de Atenas (figuras 34 e 35), que é constituído por quatro pórticos e cinco portas. Mas o propileu é, evidentemente, também um edifício civil, pois serve a cada passo de entrada nas cidades, em ágoras e outros recintos.

Figura 34

Propileus da Acrópole de Atenas. 46

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Figura 35

Planta dos Propileus. 1: Sala da Pinacoteca 2: Colunata central, a ladear a passagem oxial.

Arquitectura doméstica No domínio das construções civis, começo pelas casas que adquirem, é evidente, importância fundamental para as populações e que, como em qualquer outro lugar, na Grécia antiga eram mais ou menos simples. Viviam, contudo, para o interior, não visavam o aparato externo. A arqueologia tem escavado número significativo de casas, em diversas cidades, e reconstituído algumas delas. A partir desses dados e reconstituições, podemos deduzir que a casa tipo possuía dois pisos. Um átrio dá para uma porta de duplo batente, como de modo geral acontecia, mesmo nas do interior. Nas casas de campo ou vivendas, como acontece nestas reconstituições de casas de Olinto (figura 36) e da Ática, como se pode ver na reprodução da casa de Kourouniotis (figura 37) e de outra na Via Panatenaica (figura 38), o átrio dava para um 47

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vestíbulo de recepção, a que se seguia um pátio central interior, aberto, com pórticos e três alas a darem para esse pátio. Aí se situava o altar doméstico. No piso inferior ou térreo ficavam as dependências sociais: a sala de estar, ao fundo, de modo a receber a luz do pátio; o andrôn ou sala dos symposia, a sala de jantar, anexa aos aposentos do banho e à cozinha; todas elas, de modo geral, com pavimentos em mosaico. Uma escada levava ao piso superior, onde se encontravam o tálamo ou quarto conjugal, o gineceu, sala destinada às mulheres, e os aposentos destinados aos escravos domésticos. A arquitectura doméstica sofreu todavia, como seria de esperar, uma evolução mais ou menos significativa. Saída de um período de obscuridade, nos primeiros tempos do período arcaico a arquitectura doméstica era extremamente simples. Apenas nos finais do século VII a. C. as casas passam a ter estruturas mais complexas, com destaque para o desenvolvimento de espaços abertos com um pátio central. No século VI a. C., com o aparecimento dos tiranos dá-se a construção de sumptuosos palácios fortificados, conhecidos especialmente através das fontes escritas e de representações em vasos pintados. Mas também as casas da aristocracia deveriam mostrar uma notável transformação, com aposentos à volta de um corredor e um átrio fechado. O aposento mais característico estava destinado a um típico uso grego, o sympósion ou banquete. Já descrita pelos líricos gregos, esta sala, chamada andrôn, abria-se directamente para o átrio e era caracterizada pela presença de leitos ao longo das paredes. As mulheres (das classes mais altas, entenda-se) eram excluídas da vida social, e a elas estava destinada uma parte separada da casa, o gineceu. Os testemunhos arqueológicos dos primeiros tempos são parcos. Algumas casas escavadas perto do Areópago, em Atenas, contemporâneas do período de Péricles, possuem vários ambientes que se desenvolvem à volta de um pátio 48

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central (normalmente com um poço), ao qual se acede através de um pequeno corredor. A vida gravitava toda no seu interior, isolada do mundo exterior, prestando-se, inclusivamente, pouca atenção ao aspecto das fachadas, a não ser que se situassem nalguma via principal com forte actividade artesanal. Temos no Protágoras de Platão uma óptima descrição da casa de Cálias, no Pireu: através de um vestíbulo o prothyron, para o qual dava o quarto do porteiro, acedia-se a um amplo espaço aberto que dava luz a toda a casa, o pátio ou aulê. Aí se expunham dois pórticos, o do lado norte com dupla planta. No rés-do-chão dispunham-se vários compartimentos, entre os quais o andrôn, onde se desenvolve grande parte do diálogo. Os do andar superior (que estavam destinados aos hóspedes), deviam ser reservados às mulheres. Á volta de toda a aulê abriam-se várias lojas e zonas de serviço. Tratava-se, certamente, de uma casa muito rica. A casa comum devia, todavia, ser de estrutura muito simples: um pátio interior, onde se desenvolvia um pórtico de madeira com dupla planta. No inferior existia o andrôn, a cozinha e os serviços com água. No plano superior (onde não chegava a água) estavam os espaços destinados às mulheres, com thálamos e áreas para as servas. Cerca de cem casas idênticas a esta foram encontradas nas escavações de Olinto, uma cidade da Calcídica, fundada em 423 a.C. e destruída por Filipe II em 348 a.C. Os quarteirões dispostos de modo regular estavam divididos em casas modelares construídas em madeira e tijolos, com muretes de pedra. Todas tinham um pátio central com um pórtico de madeira de dupla planta (pastás) no lado setentrional: nesse lado abriam-se pequenos ambientes, entre os quais o andrôn, com cerca de uma dúzia de metros quadrados, e a cozinha com a zona do fogo. Da outra parte do pátio, pequenas construções de uma só planta que deviam ser destinadas a lojas ou locais de serviço. No curto espaço de tempo de sobrevivência da cidade, algumas 49

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destas casas foram sendo ampliadas, anexando-se unidades habitacionais contíguas e alargando a pastás, transformando-o num verdadeiro peristilo. Muitos espaços foram ornamentados com pinturas parietais e com mosaicos figurativos realizados com pequenos seixos. A evolução para casas mais airosas, mais ornamentadas e complexas, dá-se com as mudanças sociais características do período helenístico, como se deduz de vestígios escavados nas cidades de Abdera e Kossope. Para este período, o exemplo que melhor ilustra a evolução pode ser visto em Delos. A cidade mostra, ao lado de casas mais pobres, grandes vivendas com pátios adornados por um peristilo, ricamente ornamentados, que serviram de modelo a muitos espaços patrícios romanos do período tardo-republicano.

Figura 36

Reconstituição de casa de Olinto. 50

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Figura 37

Reconstituição de casa de Kourouniotis, em Atenas.

Figura 38

Reconstituição de casa na Via Panatenaica, em Atenas. 51

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Edifícios políticos, administrativos e sociais São também construções civis, embora algumas delas possam aparecer em recintos sagrados, os pórticos, os pritaneus, os buleutérios, os ekklesiastéria – os principais, entre outros edifícios civis públicos ou privados. No período arcaico foi a edificação religiosa a responsável pelo desenvolvimento da arquitectura grega, enquanto a arquitectura dos edifícios públicos civis se limitou a reproduzir as formas típicas dos ambientes domésticos. Mas já para os finais do século VI a. C. começou a manifestar-se um maior interesse pela criação de ambientes adaptados às necessidades das funções políticas e administrativas das cidades, o que levou, já no decurso da centúria seguinte, à criação de algumas estruturas “especializadas” para as actividades públicas. Buleutérios e Pritaneus O buleutério, edifício em que se reunia o conselho, tinha praticamente presença assegurada em cada pólis. Com uma tribuna para os oradores em um dos lados, podia ter bancadas em anfiteatro ou em forma de U, como se vê nas ruínas do Pritaneu de Mileto (figura 39). O Pritaneu era o edifício ou local onde se reuniam os Prítanes – nome que designava magistrados importantes em várias das cidades gregas. De etimologia obscura, aparece na literatura a designar o ‘chefe’, o ‘mestre’ (prytanis no grego moderno é o nome do reitor de uma universidade); aplicase a divindades como Zeus e Apolo; dele deriva o verbo denominativo prytaneuo, que significa ‘ser o chefe’, ‘presidir’. Os testemunhos mais antigos de edifícios civis com carácter 52

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monumental e função político-administrativa encontram-se em Atenas e em Olímpia. E Prítanes era, em Atenas, o nome dos cinquenta buleutas de cada tribo que durante uma décima parte do ano estavam em serviço permanente, preparavam os trabalhos da Bulê e da Assembleia e executavam as decisões de um e de outro desses órgãos. A evolução da pólis ateniense no sentido da democracia tornou instituições principais do regime a Assembleia, constituída por todos os cidadãos, o Conselho dos Quinhentos ou Bulê, transcrevendo o grego, e a Helieia, para que eram escolhidos à sorte, respectivamente, cinquenta e seiscentos de cada uma das dez tribos.

Figura 39

Pritaneu de Mileto

No lado oeste da Ágora ateniense existia já nos inícios do século VI a. C. uma construção com vários compartimentos que se apresentava com um pátio trapezoidal porticado, identificado como o primitivo pritaneu: aí se conservava o fogo sagrado da deusa Héstia e se reuniam os cinquenta magistrados (Prítanes) que aí presidiam durante um décimo do ano. 53

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Em cima deste modesto edifício foi construído, por volta de 465 a. C., um outro de planta central, a tholos, chamada também skiás (quer dizer guarda-chuva), talvez pela forma do seu teto cónico que recordava, de facto, aquele objecto (cf. figura 33). No interior estavam dispostos, contra a parede e à volta das pilastras, os leitos conviviais, nos quais se estendiam para comer os pritaneus com os seus convidados, embaixadores estrangeiros ou mesmo cidadãos dignos de tais honras. A norte do pritaneu construiu-se já nos inícios do século V a. C. um buleutério, edifício destinado a acolher os cinquenta boleutas (conselheiros): de forma quadrangular, com escadarias em três lados, este edifício inaugurou uma tipologia que teve muito sucesso sobretudo na época helenística, como demonstra, por exemplo, o sugestivo e bem conservado edifício de Priene. A função desta sala, destinada à assembleia, teria naturalmente condicionado a forma do edifício, muito próxima de estruturas do tipo teatral. Diferente foi a solução adoptada em Olímpia, onde à volta de meados do século VI a. C. foi edificado na parte meridional do santuário um buleutério de forma rectangular, com entrada pelo lado oriental e com abside no lado oposto. A escadaria do buleutério, provavelmente em madeira, dispunha-se ao longo das paredes, enquanto que a abside tinha funções de arquivo. No início do século V a. C. foi construído, a norte do anterior, um segundo edifício, deixando livre o espaço reservado a um altar provavelmente dedicado a Zeus. Ekklesiastéria Os ekklesiastéria eram edifícios para funcionamento da Assembleia (Ekklésia) que reunia todos os cidadãos da pólis na Grécia antiga. A política foi um elemento fundamental da cultura helénica, explícito desde os Poemas Homéricos. Como se deduz de um passo célebre da Ilíada (9. 443), Fénix ensinara Aquiles também 54

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a fazer discursos e não apenas a praticar nobres feitos. Ora com a afirmação da pólis ou cidade-estado ao longo da época arcaica — ou seja no decurso dos séculos VIII a VI a. C. — a necessidade de intervir no Conselho e na Assembleia, um órgão colegial o primeiro e constituído por todos os cidadãos a segunda, obriga o dirigente a ter de usar da palavra e a saber convencer os seus concidadãos. Embora a Magna Grécia não tenha sido um foco de democracia, a presença aí de ekklesiastéria — recente descoberta de um em Paestum (figura 40) e de outro na Ágora de Metaponto (figuras 41 e 42) — atesta que o povo era consultado. No de Metaponto, descobriu-se uma estrutura de filas concêntricas cujos assentos rodeiam uma espécie de pódio central. Construído no 1º quartel do século V a. C., este edifício podia albergar cerca de 8.000 cidadãos para as suas deliberações. Estes edifícios circulares, a céu aberto, prestavam-se às confrontações de opiniões, tal como acontece nas salas do bouleutérion. Em Atenas a Assembleia funcionou primeira na Ágora e depois numa colina próxima, a Pnix (figura 43), para onde foi transferida na primeira metade do séc. V a.C., de que se dá a reconstituição colhida em P. Connolly, La ciudad Antiqua (Madrid, 1998) p. 28.

Figura 40

Planta do Ekklesiastérion de Paestum. Colhida em Taschen, pág. 99.

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Figura 41

Ekklesiastérion de Metaponto

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Figura 42

Planta do Ekklesiastérion de Metaponto. Colhida em Taschen, pág. 99.

Figura 43

Planta da Pnix (Atenas) A: tribuna B: escadarias originais de acesso C: Restos da escadaria de acesso da ampliação.

Pórticos Além dos edifícios claramente conotados – no sentido funcional – com a vida política, como é o caso do pritaneu e o buleutério, não se pode deixar de referir uma outra importante tipologia monumental, a do pórtico ou stoa, que terá grande êxito quer em contextos religiosos quer civis. Muito frequentes em recintos religiosos, os pórticos não se limitavam apenas a esse uso. O clima da Grécia oferecia claridade, limpidez de céu, mas tinha sol inclemente. Em tais circunstâncias, a sombra acolhedora aparecia como bálsamo. Por isso os pórticos surgiram a unir 56

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edifícios, a ladear e ornamentar santuários, a rodear a ágora, local onde se encontravam ainda outros edifícios públicos, como buleutérion (onde funcionava o conselho), tribunais, mercado, banhos, fontes (figura 44).

Figura 44

Stoa de Átalo na Ágora de Atenas.

São particularmente numerosos e significativos os testemunhos da Ágora de Atenas, local onde já nos inícios do século VI a. C. foi construída a Stoa Balileios, o pórtico do rei, onde o arconte rei desempenhava a suas funções administrativas. Esta estrutura original bastante simples, com oito colunas na frente, é melhorada com o acrescento de corredores porticados que permitem criar um espaço adaptado para reuniões de assembleias. Por volta de 425 a. C., a sul do pórtico do rei, é construída uma mais harmoniosa e imponente Stoa, denominada de Zeus Eleuthérios (Zeus libertador), e a si destinada pelo facto 57

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de este ter libertado a cidade do jugo e ameaça persa. Tratase de um edifício da ordem ática, provavelmente atribuído a Menésicles – o mesmo arquitecto responsável pelos propileus - que reunia no exterior a ordem dórica e no interior a ordem iónica. Da ordem ática refira-se ainda a Stoa Poikile (pórtico com pinturas), um dos mais antigos exemplos desta ordem na Ágora de Atenas, designativo que advém do facto de este edifício estar decorado no seu interior com as famosas pinturas de Polignoto de Tasos e de Mícon, descritas por Pausânias e alusivas à Batalha de Maratona, à destruição de Tróia (Ilioupérsis) e à Amazonomaquia.

Figura 45

Planta do Teatro de Tóricos 58

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Edifícios culturais e desportivos Neste grupo incluímos os edifícios destinados às representações dramáticas, ao canto e à dança, ao exercício físico e à competição desportivo: os teatros, os odéons, os ginásios e palestras, os estádios, as léschai e as termas. Teatros Os teatros, no aspecto arquitectónico, são edifícios adequados para as representações dramáticas. Se os primitivos espectáculos teatrais se devem ter realizado em locais públicos, provavelmente na Ágora de Atenas, o teatro, como edifício próprio à apresentação dessa manifestação cultural, acaba por surgir, com naturalidade, no séc. V a.C. Normalmente aproveitam-se os declives das encostas para se construírem bancadas em anfiteatro; procurava-se assim obter boas condições acústicas. Além do anfiteatro, que se encontrava dividido em sectores (ou kerkides), no teatro devemos distinguir ainda os seguintes componentes: a orquestra (local onde evoluía o coro), a skenê (inicialmente uma espécie de tenda para os actores, mas que depois se transforma numa estrutura mais complexa, representando normalmente as fachadas de um templo ou de um palácio), os parodoi (local para as entradas laterais do coro). Em Atenas foi, construído um teatro, nas vertentes da acrópole, em honra de Diónisos Eleuthereus. Foi esse o lugar privilegiado das representações dramáticas e foi aí que os Atenienses assistiram à maioria das peças dos três grandes trágicos (Ésquilo, Sófocles e Eurípides), às comédias de Aristófanes e às obras de muitos outros, de que pouco mais conhecemos do que seus nomes. A construção de áreas preparadas para receber espectáculos 59

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sagrados e acolher os espectadores remonta ao período micénico. No período arcaico, especialmente a partir do século VI, a construção de edifícios para espectáculos é já uma regra. Mas nos seus inícios, nem sempre o espaço reservado à representação do coro, a orquestra, tinha a forma circular, ou não a teria sempre, como pensaram alguns quando apareceu o teatro de Tóricos, na Ática, cuja primeira edificação deve ser de meados do século VI a. C. e é um dos mais antigos conhecido (figura 45)1. Apresenta uma cávea trapezoidal e orquestra quadrangular com os lados arredondados; o mesmo parece ter ocorrido nos primeiros edifícios em Tasos, Delfos, Argos e Siracusa. Mesmo em Atenas os primeiros edifícios estavam situados em plena Ágora onde se realizavam as competições dramáticas e musicais. Edifícios possivelmente associados à reorganização dos cultos por parte de Pisístrato, em 530 a. C., os espectadores sentavam-se numa espécie de bancadas em madeira (íkria), como se pode observar num célebre fragmento de Sófilo (figura 46). Em 498 a. C. a estrutura das bancadas ruiu e as competições foram transferidas para o santuário de Diónisos, na encosta sud-oriental da Acrópole. Aqui, junto ao templo do deus, construiu-se nos finais do século VI a. C. um muro circular destinado a regularizar a orquestra, enquanto os espectadores se sentavam na encosta da Acrópole. No decurso do século V a. C. foi também escavada e regularizada a encosta, de forma côncava (Kóilon), e atrás da orquestra foi construído um edifício destinado a conter os apetrechos da cena (skenoteka), que podia também servir de camarote para os actores e de guarda roupa para os espectadores. Este foi o teatro de Sófocles e de Eurípides. Durante a paz de Nícias (421-415 a. C.), a cena torna-se elemento fixo, com uma frente em pedra e uma stoa, ou pórtico, na parte posterior (figura 47). Na segunda metade do século IV a. C., entre Pensou-se, ao aparecer esse teatro com uma orquestra aparentemente trapezoidal, que a forma inicial pudesse ser rectangular. Hoje as dúvidas acumulam-se. 1

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338 e 330, dá-se a reconstrução do teatro por parte do orador e estadista Licurgo, e constrói-se a cena, a orquestra e a cávea (kóilon) em pedra. Nos finais do século IV a. C. foi construída uma nova cena, acrescentando-se corpos laterais (paraskênia) ornados com colunas e tábuas de madeira pintadas com cenas de paisagem ou de cidade, as pinakes, que quando substituídas em plena actuação permitiam uma rápida mudança de cena. Pouco depois do teatro de Licurgo foi erigido o famoso teatro do santuário de Epidauro, que foi desde logo considerado como perfeito e o mais belo de entre os teatros da Grécia. Ainda hoje é o teatro grego antigo mais bem conservado, que chegou até nós em mais perfeitas condições e melhor nos dá a ideia do que era o edifício. É especialmente conhecida a sua surpreendente acústica graças – sabe-se hoje – a cálculos matemáticos usados propositadamente para a sua construção. A orquestra, circular e com o altar (thymele) de Diónisos no centro, é rodeada pelo grande semi-círculo da cávea ou kóilon. Com capacidade para mais de 14 mil espectadores, a cávea é dividida por uma passagem horizontal, o diázoma que divide as bancadas em dois sectores, o superior com 24 degraus e o inferior com 34 (figura 48). O edifício cénico, rectangular, tinha as funções de cenário e estava separado dos muros de suporte do kóilon por acessos descobertos, as entradas ou párodoi, através dos quais se acedia à orquestra. Construído em finais do séc. IV a. C., a majestade das suas linhas, a harmonia das suas proporções, a sua impressionante acústica (o rasgar de um papel ou o riscar do fósforo na orquestra pode ser facilmente ouvido na mais afastada das bancadas) — tudo isto faz do teatro de Epidauro o mais representativo que hoje possuímos do mundo antigo. Depois da segunda metade do século IV a. C. todos os edifícios de teatro serão deste tipo, incluindo o de Megalópolis, o maior de todos, destinado a conter 21 mil espectadores. A construção de numerosos teatros por todo o mundo 61

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helénico - reproduzimos imagens dos teatros de Delfos e de Éfeso (figuras 49 e 50, respectivamente) - demonstra a enorme influência exercida por essa manifestação cultural que é o teatro, uma criação de Atenas, surgida na segunda metade do séc. VI, talvez por alturas da passagem do terceiro para o quarto quartel, no âmbito de um dos mais importantes festivais atenienses, as Grandes Dionísias, celebradas nos inícios da primavera, em honra de Diónisos Eleuthereus, ou seja Libertador .

Figura 46

O fragmento vascular mostra uma cena da Ilíada: os jogos fúnebres em honra de Pátroclo. Vê-se bem a reacção do público.

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Figura 47

Teatro de Diónisos em Atenas.

Figura 48

Teatro de Epidauro.

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Figura 49

Teatro de Delfos.

Figura 50

Teatro de Éfeso. 64

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Odéons Os odeons, também em anfiteatro, mas mais pequenos do que os teatros, são edifícios destinados ao canto e à dança – aliás de acordo com o seu nome que deriva do termo grego odê ‘canto’ ou ‘hino’. Neles também se faziam conferências e leituras públicas. As origens mais remotas do odeon, usado para espectáculos musicais, pode ser encontrada em Esparta, cidade onde se teria construído um edifício para essa finalidade no séc. VII ou VI a. C. Em Atenas o mais antigo odeon foi mandado construir por Péricles na proximidade do Teatro de Diónisos; era rectangular (62,40 x 68,60 m) e a sua cobertura era suportada por uma fila de colunas. Dado que os gregos usavam o sistema de coluna e lintel os edifícios não podiam suportar grandes superfícies com cobertura sem recorrer a construções do tipo rectangular. Outro tipo de edifícios que requeriam largos espaços cobertos, como o Telestérion em Elêusis, usado para os mistérios Eleusinos, e o Tersílion em Megalópolis (c. 66 x 52 m) construído em meados do século V a. C. como um local de encontro para a Liga Arcádica, tinham soluções arquitectónicas idênticas (Sear 2006, 39). Mais tarde, em Atenas do século II a. C., Herodes Ático manda erigir um novo edifício deste tipo, edifício que apesar de várias alterações que sofreu ao longo dos tempos, ainda hoje é utilizado para espectáculos musicais (figura 51). Os odéons mais tardios foram construídos segundo dois planos distintos: ou tinham paredes exteriores rectangulares como os boleutéria, ou uma cávea semi-circular como nos teatros. Em época romana este tipo de edifícios teve largo sucesso, conhecendo-se exemplos daqueles tipos em várias cidades do Império, em particular na parte oriental do Mediterrâneo. Como exemplo de edifício com paredes exteriores rectangulares refira-se o que foi mandado construir por Agripa na própria Ágora de Atenas; mas também os edifícios de tipo semi-circulares 65

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como teatros tiveram grande sucesso. Refira-se, entre outros, o odéon mandado construir por Domiciano em Roma, talvez o mais amplo de todos com um diâmetro de cerca de 100 m, e o de Cartago, construído no século III, com um diâmetro de 96 m (Sear 2006, 39).

Figura 51

Odéon de Herodes Ático em Atenas.

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Léschai As léschai (plural de lesche) eram, na Grécia antiga, algo que correspondia aos actuais clubes e serviam para reuniões informais. Um dos mais famosos desses edifícios é a Lesche dos Cnídios, em Delfos, de que apenas restam os alicerces. Era aí que se encontrava a famosa pintura de Polignoto relativa à catábase de Ulisses e à Ilioupersis. Pausânias descreve essa Lésche dos Cnídios e os frescos de Polignoto: a queda de Tróia (10.25.1-26.9) e descida de Ulisses ao Hades (10.28.1-31.12), de que damos o início da descrição do primeiro e do segundo frescos (respectivamente 10.25.1-2 e 10.28.1), em tradução de Maria Helena da Rocha Pereira (Hélade, 92005, p. 515): Acima da fonte de Cassótis fica o edifício que contém pinturas de Polignoto, oferta dos Cnídios. Os Délfios chamam-lhe Lesche, porque outrora era aí que se reuniam para discutir os assuntos mais sérios e histórias de antanho […] Para quem entrar neste edifício, fica à direita toda a parte de pintura que representa a tomada de Tróia e o embarque dos Helenos. No barco de Menelau preparam-se para se fazerem ao largo. Está pintado um navio, e marinheiros e, no meio deles, crianças. A meio do navio está o piloto Frôntis, com duas varas. […] A outra parte da pintura, a que fica do lado esquerdo, tem Ulisses na sua descida ao lugar chamado Hades, a fim de interrogar a alma de Tirésias sobre a maneira de regressar a casa salvo. A pintura é do modo que se segue. Está representada água que parece de um rio, evidentemente o Aqueronte; nele cresceram canas e umas formas um tanto ou quanto vagas de peixes; dir-se-iam mais sombras do que peixes. No rio há uma embarcação, e o barqueiro está aos remos […]

Ginásios e Palestras Os ginásios e as palestras, sem curarmos aqui da discussão 67

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sobre a diferença e relação que possa existir entre os dois1, eram espaços, ao ar livre e rodeados de pórticos, que se destinavam ao ensino da ginástica e aos exercícios físicos, em especial desportos como lançamento do disco e do dardo, corrida, luta (pale). Aliás os seus nomes apontam precisamente para essas actividades. Ginásio deriva do grego gymnós ‘nu’ e palestra tem a sua etimologia ligada ao termo grego que designava luta e ao verbo palaio ‘lutar’. Nesses espaços, ministrava o mestre de educação física — o paidotriba, como lhe chamam os Gregos — o ensino da ginástica; aí praticavam os Gregos, em especial os jovens, o exercício físico, essencial para a guerra e para os jogos, que são duas actividades de grande importância e prestígio na Hélade (figura 52). Frequentados pelos jovens para os seus treinos e exercícios de ginástica, ginásios e palestras eram também procurados por muitos que, além de admirarem a beleza e agilidade dos mais novos, com eles conviviam e davam-lhes conselhos. A darmos crédito a Platão e Xenofonte, Sócrates procurava com frequência esse local para ensinar2. Ocupavam assim lugar importante no seio das cidades gregas: além de local de treino dos atletas, era também aí que filósofos e oradores afluíam, pois lá encontravam ouvintes. Não convém esquecer ainda que a escola de Aristóteles surgiu num ginásio, o Liceu – assim chamado por estar junto do templo de Apolo Lykeios –, onde o filósofo costumava reunir com os discípulos, e que Liceu, do nome do ginásio, se passou a designar.

1 Discute-se se o ginásio era para os mais velhos e a palestra para os mais novos, se esta era uma parte daquele e se o primeiro era público e a segunda particular. Vide J. Delorme, Gymnasium. Étude sur les monuments consacrés à l’ éducation en Grèce, des origines à l’ empire romain (Paris, 1960); M. H. Rocha Pereira, Estudos de História da Cultura Clássica 1 - Cultura Grega, p. 370, nota 2. 2 Alguns dos diálogos de Platão — caso de Laques, Lísis, Cármides — passam-se no ginásio. Isso tem o seu significado, mesmo que se admita alguma idealização do filósofo.

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Estádios O estádio (nome que também constituía uma medida grega de 600 pés = 192,27m em Olímpia) destinava-se a corridas pedestres (figura 53). Havia estádios em muitas cidades e em todos os santuários que incluíam provas desportivas nas suas actividades: e. g., Dodona, Olímpia, Delfos, Nemeia, Ístmia, Atenas, cujo estádio tomou o nome de Panatenaico, por nele se realizarem os Jogos Panatenaicos, integrados nas Grandes Panateneias, um festival em honra da deusa Atena. Foi nesse Estádio, reconstituído, que Pierre de Coubertin inaugurou e realizou os primeiros Jogos Olímpicos da Era Moderna, em 1896. Data da época micénica a celebração de jogos e competições atléticas em ocasiões especiais, especialmente quando relacionados com rituais fúnebres. Foi no exercício físico para a guerra e também como forma de honrar os deuses que os gregos encontraram um motivo para celebrar aquelas competições. Mas é com o aparecimento da polis que o desporto passa a fazer parte da vida diária dos gregos e a ser actividade integrante da educação dos jovens. Os jogos são celebrados nos grandes santuários pan-helénicos: o de Zeus em Olímpia e Nemeia, o de Apolo em Delfos e de Poséidon em Corinto. Os mais celebres decorriam em Olímpia e, segundo a tradição, foram fundados em 776 a. C. em honra da divindade máxima, Zeus. Celebrados de quatro em quatro anos, tinham lugar durante cinco dias com a participação da grande maioria das cidades do continente e ilhas e de algumas das colónias asiáticas e da Magna Grécia e Sicília. Os mais antigos estádios foram construídos no período geométrico, que abrange parte da Época Obscura e inícios da Época Arcaica. Estes eram constituídos por uma pista rodeada por taludes de terra, onde se sentavam os espectadores (os degraus em pedra nestes edifícios são de época romana). O cumprimento da pista, percorrida uma só vez na corrida principal, deu lugar à medida grega de distância, o estádio (c. 192 metros). 69

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Os estádios do continente grego mais bem conservados são os de Olímpia e Delfos (imagem 42b), embora se conheçam outros igualmente importantes, como os de Nemeia e Epidauro. Estes edifícios lúdicos situavam-se no interior dos santuários de modo a manter o carácter sagrado destas celebrações. Às competições de corrida, que incluíam provas de velocidade, meio-fundo e fundo, seguiam-se as provas de pentatlo, onde se realizavam, para além das provas de corrida, o salto em comprimento, o lançamento de disco e dardo e a luta. Nestas competições eram ainda praticadas outras especialidades mais violentas, caso do pugilato e do pankration (um misto de pugilato e luta). As disciplinas mais ligeiras, que incluíam a corrida, o salto em comprimento e o lançamento do disco e do dardo, eram praticadas no ginásio; o pugilato e o pankration eram praticados na palestra, ainda que nem sempre seja possível distinguir nas fontes literárias a utilização dos termos “palestras” e “ginásios”. Acrescente-se ainda as corridas com quadrigas, que tinham lugar nos hipódromos.

Figura 52

Ginásio e Palestra de Olímpia. 70

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Figura 53

Estádio de Olímpia.

Figura 54

Estádio de Delfos. 71

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Hipódromos Nos hipódromos, realizavam-se as corridas de cavalos e carros de cavalos, em especial as corridas de quadrigas. Para isso, na pista eram colocadas duas metas à volta das quais corriam os competidores. Menos frequentes do que o estádio, existiam, contudo, nos santuários em que decorriam os grandes Festivais Pan-helénicos: Olímpia, Delfos, Nemeia e Ístmia. Ginásios, palestras, estádios e hipódromos eram fundamentais nas grandes manifestações desportivas, em especial os festivais pan-helénicos (Jogos Olímpicos, Jogos Píticos, Jogos Nemeus e Jogos Ístmicos) que, ao mesmo tempo manifestações religiosas, se realizavam em santuários e se integravam no culto às respectivas divindades titulares. Nas provas atléticas encontravam os Gregos, sobretudo os da classe nobre, um campo para mostrar a sua superioridade e excelência. Como os Jogos mais antigos, mais importantes e mais famosos eram os Olímpicos, vamos descrever, de forma rápida e a título de exemplo, os referidos edifícios no santuário de Olímpia, cujo núcleo se encontrava no Áltis ou bosque sagrado, no centro do qual ficava o templo de Zeus, construído entre 468 e 456 a. C., o primeiro que ao deus supremo aí foi especificamente erigido1; à entrada, do lado esquerdo, ficava o Pritaneu (local dos banquetes oficiais), junto do qual se encontrava o templo de Hera (erigido por volta de 600 a. C.). Interessam-nos aqui sobretudo o ginásio e a palestra, colocados à entrada do recinto, do lado direito. Com lugar de relevo na vida do santuário de Olímpia, era aí que os jovens, com a ajuda dos treinadores ou “paidotribas” se exercitavam e 1 Não há vestígios de um templo de Zeus anterior. Se uns especialistas se inclinam para a sua existência, outros pensam — talvez acertadamente — que o de Hera funcionou até essa data como um templo comum de Zeus/ Hera.

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se preparavam para a luta ou para os jogos. Não menos importante era o estádio que inicialmente ficava situado dentro do santuário; o actual foi construído apenas em meados do século IV a. C. fora dele. Ao lado do estádio dispunha-se o hipódromo. As provas, designadas agônes ou athla, incluíam corridas equestres (de carros e de cavalo de sela), corridas pedestres (estádio, diaulós ou duplo estádio, o dolichos, equivalente a 24 estádios, e a corrida com armas); a luta, o pugilato e o pancrácio (uma combinação da luta com o boxe)1; e ainda o pentatlo que, um pouco diferente do actual, incluía o salto em comprimento, a corrida de estádio, o lançamento do disco e do dardo, a luta. Os Jogos Olímpicos alcançaram enorme projecção e exerceram grande influência. Celebravam Zeus, como divindade tutelar, Héracles, como seu criador, e Pélops, como primeiro vencedor. A sua origem perde-se nas brumas da «Época Obscura» e a tradição coloca o seu início sistemático em 776 a. C., embora a lenda faça remontar a épocas anteriores, até ao século IX, a celebração de competições em Olímpia2. Termas As termas, destinadas a banhos, sobretudo dos jovens depois dos exercícios físicos nos ginásios e palestras, apareciam a cada passo integradas em tais edifícios. Foram descobertas as termas redondas em Atenas, fora da Porta Dípylon, e outras com estrutura idêntica, que faziam parte de um ginásio de Erétria, na ilha de Eubeia. Eram constituídas por pequenas banheiras, com pequenos nichos por cima para colocar a roupa (figura 55). 1 No pugilato ou boxe, os atletas usavam uma espécie de protecção nas mãos, designada himantes — antecedente das actuais luvas. Quanto ao pancrácio, os Gregos atribuiam a sua invenção a Teseu, quando enfrentou o Minotauro, ou a Héracles, na sua luta contra o leão de Nemeia. 2 J. Ribeiro Ferreira, Hélade e Helenos 1 - Génese e Evolução de um Conceito (Coimbra, 1993) pp. 147-148.

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Muitos dos exemplares até agora encontrados não revelaram qualquer sistema de aquecimento, apenas braseiras. Façamos um pouco de história sobre as termas no mundo grego ou no espaço em que os Gregos habitaram. Na sociedade micénica, de que os Poemas Homéricos reflectem as principais características, o banho frio no rio ou no mar parece constituir um hábito frequente: Homero, por exemplo, descreve o banho de Nausícaa e das suas companheiras nas águas de um rio, onde tinham lavado as suas vestes (Odisseia 6. 96): “E depois de tomarem banho e de se ungirem com azeite, comeram a sua refeição junto às margens do rio, enquanto esperavam que as roupas secassem ao sol” (trad. Frederico Lourenço). O banho de mar está, por sua vez, descrito na Ilíada quando aí se refere a expedição nocturna de Ulisses e Diomedes (10. 572-573), logo após o roubo dos cavalos do rei Reso: “Eles próprios entraram no mar para lavar das pernas, das coxas e do pescoço o suor abundante. Depois que a onda do mar lavara o suor abundante dos seus corpos e lhes refrescara o coração, foram tomar banho em banheiras polidas. Tendo tomado banho e ungido com azeite, sentaram-se a jantar. E da taça repleta tiraram vinho doce como mel e ofereceram libações a Atena” (trad. Frederico Lourenço) Bem documentados nos Poemas Homéricos são quer as abluções parciais – por exemplo a lavagem dos pés ou das mãos, antes das refeições –, quer o banho completo que era oferecido aos hóspedes. O recipiente utilizado para as abluções era uma pia de terracota ou pedra, mas sobretudo de metal, muitas vezes sem pé ou com uma base plana, que era colocada sobre uma trípode móvel quando se destinava a recipiente para aquecer a água; o banho completo era tomado numa banheira, de madeira ou terracota (figura 56), ou de metal precioso, colocada num compartimento, como se aprecia nos palácios minóicos e micénicos. No mesmo ambiente ou nas proximidades devia 74

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existir uma lareira sob a qual se punha a água a aquecer num pequeno recipiente (a água seria posteriormente despejada na cabeça e nas costas do banhante). No que respeita aos banhos nas habitações privadas dos Gregos da época arcaica e clássica, em algumas localidades foram encontradas pias de fundo plano e horizontais, em terracota, de dimensões bastante reduzidas – um testemunho de que ainda se não diferenciava o banho de asseio do de relaxamento. Apenas na época helenística encontramos verdadeiros compartimentos apenas destinados aos banhos, para além das habituais pias grandes e profundas para o banho de repouso. Desde a época arcaica, como natural consequência da difusão do atletismo e do conhecido gosto pelo banho de limpeza depois do exercício físico, os ginásios – locais de grande relevo na vida e educação na pólis grega (figura 57) – possuíam termas. Esses banhos, na sua primeira fase (até finais do século V a. C.), caracterizam-se pela sua extrema simplicidade: o único instrumento físico é a pia circular sobre um alto pedestal ou colunelo; o banho faz-se numa área aberta e não num ambiente propositadamente preparado para o efeito. A transformação dos ginásios, que se verifica a partir de finais do século V a. C., pressupõe a introdução de condições e de instrumentos mais cómodos para os banhos. As abluções são feitas em compartimentos separados, normalmente bem isolados; são utilizadas banheiras rectangulares que eram dispostas ao longo de uma parede alimentadas por água proveniente de condutas. Nos ginásios são, todavia, pouco frequentes as piscinas para banhos de imersão, provavelmente por razões económicas ou talvez por preferirem os banhos de limpeza. Os banhos praticados nos ginásios eram banhos frios, excepto quando reservados, segundo as palavras de Platão (Leis X, 761 s), aos velhos, aos doentes e aos camponeses cansados pelas fadigas agrestes. Nos ginásios está documentada a presença de um compartimento para o banho a vapor, na qual 75

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os atletas, no final do seu exercício e depois de uma limpeza parcial do corpo por meio de vários produtos, se recolhiam para abrir os poros da pele através de uma transpiração intensa e em seguida untar-se com óleo. Além de compartimentos para o banho nas habitações privadas e dos banhos nos ginásios, existem ainda testemunhos arqueológicos de estabelecimentos públicos com zonas de banhos, datados da época clássica e sobretudo do período helenístico. O proprietário ou administrador cobrara uma taxa de ingresso e cuidaria da segurança pública do local; ou mesmo, se necessário, forneceria aos clientes o azeite e os vários produtos usados na higiene pessoal. No século V a. C. estes estabelecimentos começaram a difundir-se nas grandes cidades e tornaram-se verdadeiros centros sociais, lugar de conversação e de prazer para todas as classes, sobretudo as populares. De acordo com as fontes literárias, é possível deduzir, para a época helenística, uma clientela dos banhos extremamente variada. Por norma o banho era tomado todos os dias antes da ceia principal, isto é a meio da tarde; os mais ociosos utilizavam estes estabelecimentos mais de uma vez por dia! Embora sobre a estrutura interna dos complexos termais gregos tenhamos menos informação do que das termas romanas, parece poder afirmar-se, de acordo com os vestígios arqueológicos, que, além dos vestíbulos e da zona onde se despiam, esses locais possuíam uma série de salas rectangulares ou circulares, em que as pias com o fundo plano eram alinhadas ao longo da parede ou dispostas em coroa. Em alguns estabelecimentos o banho a vapor fazia-se num compartimento circular com dupla cúpula e uma abertura central, que permitia a iluminação e o abrigo das altas temperaturas. O que distingue os banhos públicos dos ginásios é a presença de sistemas de aquecimento: se inicialmente a água era aquecida ao fogo em recipientes de bronze ou de cobre e depois despejada nas pias, a 76

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partir da época helenística já existia um sistema de aquecimento subterrâneo, o chamado “hipocausto”, utilizado sobretudo nas salas de banhos a vapor. É certo que nos não devemos ainda esquecer dos locais próximos de águas termais, normalmente situados em santuários, como o de Asclépios, em Epidauro, onde o poder do deus estava ligado às propriedades curativas das águas. Posta essa ressalva, os mais antigos banhos públicos gregos conhecido encontravam-se em Olímpia, situados na proximidade do ginásio e datados da primeira metade do século V a. C. O edifício sofre uma evolução: de início consiste apenas numa construção rectangular com um poço. Mais tarde, por volta de meados desse século, foi anexado, a sul, um edifício em que havia onze pequenos tanques de forma quadrangular e, no ângulo sudoeste, um tanque para banhos de imersão – complexo este aquecido por uma caldeira a partir de 400 a. C. Ao lado deste segundo edifício será ainda instalada uma piscina a céu aberto, coberta por um pavimento impermeável e à qual se acedia mediante degraus. Na época clássica é construído o chamado Heroon, um banho a vapor situado a sudoeste do precedente edifício. Mais tarde, por volta de 100 a. C., anexa-se ainda uma nova sala rectangular, desta vez equipada com banhos aquecidos pelo sistema de hipocaustos. De qualquer modo, de modo algum os banhos gregos apresentam a grandeza e a opulência que depois adquiriram as termas romanas.

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Figura 55

Reconstituição de banhos gregos. Imagem colhida in P. Connolly e H. Dodge, La Ciudad Antigua (Madrid, 1998), p. 35.

Figura 56

Banheira encontrada em Pilos (sécs. XIV-XII a.C.). Museu Nacional de Atenas 78

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Figura 57

Taça ática de figuras vermelhas (c. 510-500 a.C.). Exterior decorado com três jovens a banharem-se em grande bacia ao centro. Colecção D. Manuel de Lancastre.

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Outros edifícios e contruções Fontes As fontes públicas situavam-se quase sempre na Ágora. Apareceram nos séculos VII-VI a.C., de modo geral durante os governos dos tiranos, que por vezes executaram vultuosas e complexas obras de engenharia para trazer a água até ao centro da cidade. É famoso e conhecido o aqueduto de Samos, mandado construir por Polícrates, grande obra de engenharia, traçada e executada por Eupalinos de Mégara, que ainda funcionava, em parte, em meados do séc. XX (figura 54). Fonte importante, pela função que tinha no Santuário de Apolo em Delfos, era a Fonte Cassótis. Embora as fontes falem dessa fonte como existente no interior do templo, para onde teria sido canalizada, parece que – segundo hipótese aceite por J. Pouilloux –, vinda de local elevado junto ao estádio, era em parte subterrânea e teria sido desviada pelos arquitectos do séc. IV a.C., porque em contacto com a camada de xisto em que assentava o templo a transformava em lama escorregadia. O novo percurso, no entanto, teria sida realizado de modo a dar a ideia de que a água continuava a atravessar o templo e a brotar no lado oposto1. Famosa na antiguidade foi a nascente Castália, situada no desfiladeiro formado pelas duas Fedríades, isto é, no local mais sugestivo do santuário de Delfos. Foi um elemento essencial do oráculo délfico, fornecendo água para lavar o santuário. Aí se depunham oferendas à ninfa homónima da fonte, nos nichos da parede rochosa. Famosa era também a fonte de Atenas, a Enneakrounos ou 1 Vide G. Roux, Delphes. Son oracle & ses dieux (Paris, 1976), pp. 136144; M. H. Rocha Pereira, Cultura grega, p. 327 e nota 24.

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‘Fonte das nove bicas’, situada na Ágora de Atenas, mandada construir pelos Pisístratos – aí se descobriram as suas canalizações e os alicerces da chamada Casa da Fonte (figura 59). Famosa ainda a de Corinto, a Fonte de Pirene (figura 60 e 61) que tem conhecido mito a ela associado. Utilizada desde a época arcaica, foi célebre pelas suas águas. Segundo Pausânias (2.3.2-3), serviu também para a preparação do famoso bronze coríntio. Com várias modificações ao longo dos tempos até ser monumentalizada por Herodes Ático, no século II a. C., a Fonte de Pirene incluiu um enorme pátio com três ábsides e um recinto rectangular ao ar livre. Refira-se ainda os restos de um ninfeu em Olímpia, obra também de Herodes Ático. Esta fonte monumental foi erguida por volta de 160 a. C. para abastecer de água toda a zona do santuário. Aí foi recuperada uma escultura de um touro de mármore, que certamente ocupava o lugar central, com a seguinte inscrição: «Regila (esposa de Mecenas) consagra a Zeus as águas e as estátuas.» Famosa foi também uma fonte situada em Halicarnasso, cidade situada na Cária, na costa da Ásia Menor. Na cidade existia uma fonte perigosa, a Sálmacis, cuja fama é conhecida de Vitrúvio. Segundo a lenda, banhar-se nas suas águas transformava os homens em homossexuais passivos. Deste perigo nos dá conta Ovídio nas Metamorfoses (4. 285-388). O mito conta que Sálmacis, a ninfa da fonte, tinha um desejo arrebatado por jovem filho de Afrodite e Hermes. Tal era a paixão que queria a todo o custo possuí-lo. Para o efeito aproveita o momento em que o jovem se banha na sua fonte, envolvendo-o como uma serpente. Perante a oposição do jovem a ninfa decide implorar aos deuses para nunca mais os separar. Eis que os deuses se apiedaram da agonia amorosa da ninfa, unindo-os para todo o sempre e criando a personagem híbrida de Hermafrodita.

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Figura 58

Figura 59

Aqueduto subterrâneo de Samos, mandado construir por Polícrates e da autoria de Eupalinos de Mégara.

Casa da Fonte. Imagem colhida em P. Connolly e H. Dodge, La Ciudad Antigua (Madrid, 1998), p. 15.

Figura 60

Fonte de Pirene na Ágora de Corinto. Vestígios da Época Imperial Romana. Ao fundo, vêem-se ainda os arcos que davam para as bacias de que se tirava a água.

Figura 61

Fonte de Pirene na Ágora de Corinto. Reconstituição do edifício do Período Helenístico.

Fortalezas 82

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As fortalezas, frequentes na Grécia antiga, sobretudo a partir de determinada altura, eram testemunhas das constantes guerras entre as cidades. Não estão em causa tanto as cidadelas ou acrópoles, existentes a bem dizer em todas as póleis, que de modo geral eram defendidas por muralha, mas outros edifícios e sistemas defensivos. A construção de fortalezas no mundo grego remonta ao período micénico. Micenas, Tirinto, Mídea, Pilos, entre outras localidades do Peloponesso e da Tessália, erigiram fortes muralhas que delimitavam áreas urbanas e incluíam o símbolo central do poder, o Palácio. Estas fortificações eram construídas com blocos de pedra de grandes dimensões (daí o termo ciclópicas)1 que podem alcançar a espessura de dez metros; por vezes, como no caso de Tirinto, os muros eram completados com uma parte levantada de tijolos crus e torres. Este tipo de muralhas era reforçado por torreões e portas maciças bem protegidas na parte côncava de uma cavidade. É o caso bem conhecido da entrada principal de cidadela de Micenas, conhecida como a “Porta das Leoas”, que manteve o seu pesado lintel monolítico encimado por um triângulo de suporte ou descarga ornamentado com duas feras em relevo afrontadas, mediadas por uma coluna, e que apoiam as suas patas anteriores no pedestal da referida coluna que por cima do seu capitel sustenta uma espécie de friso. Regra geral as fortalezas inserem-se no âmbito da arquitectura militar,construídasparaprotegerascidades,queassimseapresentavam como espécie de praça-forte com muralhas reforçadas por torreões redondos ou quadrados. As portas são ocasião para um ordenamento não apenas protector mas também artístico e ideológico. Este tipo de construções teve no período arcaico e clássico uma especial concentração nas regiões da Ática e da Beócia (fortalezas A designação advém-lhes do facto de se julgar que esses blocos de pedra de grandes dimensões só poderiam ser deslocados pelos Ciclopes – só eles teriam força suficiente para lá as colocarem. 1

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de Egóstena, de Eleutéria, de Ramnunte). As fortificações não eram apenas modelos defensivos das cidades, pois também faziam parte de uma rede local e regional que, integradas, definiam um sistema que visava atrasar, imobilizar e enfraquecer o inimigo invasor. O poderio de Atenas esteve sempre ligado ao seu grande porto, o Pireu. Depois da retirada dos Persas, Temístocles preocupouse em proteger Atenas de novas invasões: entre 479 e 460 a. C. mandou construir muralhas para proteger a cidade e fortificou as três entradas naturais do porto do Pireu. As “grandes muralhas”, uma via fortificada que unia a cidade ao porto, foram reforçadas por Péricles e, mais tarde, derrubadas pelos Espartanos no fim da Guerra do Peloponeso (404 a.C.) e posteriormente pelos Romanos. Como as fortificações tinham também em parte a função de servir de obstáculo àqueles que pretendiam pela força dominar determinada cidade, necessitavam os invasores de desenvolver meios e processos capazes de as destruírem. São conhecidas, para o período clássico, as escadas de assalto ou os “lança-chamas”, já utilizados na Guerra do Peloponeso, segundo a descrição de Tucídides (4.100.2-4)1. Mais tarde, na época helenística, ficou conhecida a torre de assalto, também designada por “destruidora de cidades”, concebida por Demétrio o Poliorcetes (termo que significa “o sitiador de cidades”) para cercar e conquistar cidades fortificadas. Este monarca helenístico, filho de Antígono, foi um general especializado em guerra de cerco e um dos maiores estrategas do seu tempo no emprego de catapultas e aríetes, ficando famosa a sua máquina designada por helepolis (“a destruidora de cidades” já acima referida), de enormes dimensões, armada com catapultas e “escorpiões”, um pesado aríete e várias rampas de acesso às muralhas (Varandas 2006: 141). É conhecida a tentativa deste jovem monarca de sitiar 1 José Varandas, ‹‹O punho dos deuses. Maquinaria de cerco grecoromana (século IV a.C.-sécilo IV d.C.)››, in A. R. Santos e J. Varandas (cord.), A Guerra na Antiguidade (Lisboa, 2006), p. 128 apresenta um esquema desta máquina.

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a ilha Rodes com cerca de 40 mil soldados e a mais poderosa máquina secreta, a referida helépolis, máquina com uma altura de nove pisos e extensível até 50 metros de altura (cf. Diodoro Sículo 20. 81-100). Apesar da derrota, este monarca, desejoso de alcançar fama, mesmo a qualquer preço, oferece a torre de assalto e demais armas aos Ródios, para que estes a vendessem com o propósito de erigir um monumento comemorativo no sítio da batalha. Como nos informa Plínio (História Natural, 34. 18. 41-42), assim o fizeram os Ródios: decidiram construir uma colossal escultura no valor de 300 talentos em honra da divindade padroeira da ilha, ao deus Sol, Hélios; tratava-se, naturalmente, do famoso Colosso de Rodes, considerado uma das Sete Maravilhas da Antiguidade, obra de Chares de Lindos, aluno do famoso escultor Lisipo. Ainda existem vestígios dessas fortalezas em vários locais: por exemplo, as defesas de Egóstena, no Golfo de Corinto (figura 62), e as de Messénia eram constituídas por muralhas ponteadas de torreões, dispostos estrategicamente. Por outro lado, as fortalezas na Ática formavam uma poderosa cadeia defensiva, datada do séc. IV a. C.

Figura 62

Sistema defensivo de Epóstena. 85

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Aspectos do urbanismo grego No âmbito desta tipologia dos edifícios gregos mais significativos, parece conveniente fazer referência a dois ou três aspectos do urbanismo grego. Gostaria em primeiro lugar de sublinhar a importância na pólis da acrópole e da agora que em todas elas existem e que têm papel marcante na sua vida. A acrópole era a parte alta da cidade, de uma maneira geral amuralhada. Era, portanto, uma cidadela a que se recolhia a população em caso de um ataque inimigo. Aí se erigia o templo à divindade políade ou protectora da cidade; aí se guardava o tesouro público. É com frequência o centro religioso mais importante da pólis, ou pelo menos o mais significativo. A mais famosa acrópole é a de Atenas, que tratamos com algum pormenor mais adiante. A Ágora era um recinto público, uma ampla praça que ocupava um local central da cidade. Foi sempre um dos locais nucleares da vida da pólis: vida política e cultural, vida lúdica e económica, e também vida religiosa. As condições especiais do clima na Grécia permitia ou convidava à vida ao ar livre. Era por isso um centro cívico de grande importância. Podemos mesmo afirmar que, praticamente, entre a ágora e a casa o Grego dividia a sua vida. Tenha-se em conta que, terminada a formação básica, a grande escola era o convívio social que tem significativa importância educativa em qualquer pólis, mas com particular saliência em Atenas. Ora a Ágora constituía um ponto fulcral para esse o convívio – para não dizer o mais importante. Em Atenas – para dar apenas o exemplo mais significativo – a Ágora era um importante centro cívico, religioso e comercial (figura 63). Na Ágora ficavam vários templos, altares, estátuas e edifícios públicos de grande importância religiosa, política e social; nela se realizavam as sessões da Assembleia (Ekklesia), antes de ser 86

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transferida no século V a. C. para a colina da Pnix, e as reuniões do Conselho dos Quinhentos, ou Bulê (no Buleutério), dos tribunais da Helieia; se encontrava o Pritaneu — ou Tholos — em que os prítanes se reuniam e viviam permanentemente; num dos seus pórticos, a Stoa basileios, exercia o seu magistério o arconte-rei — julgar os casos relacionados com a religião e impiedade — e num outro e no Pritaneu se encontravam gravados em pedra diversos documentos, como o código de Sólon; aí, separado por um pórtico central, decorria diariamente o mercado. Era, portanto, a ágora um local de grande afluência, que os Atenienses procuravam para conversar e discutir sobre diversos assuntos. No domínio do urbanismo adquire importância uma inovação surgida no séc. V a.C., devida a um famoso arquitecto de Mileto, Hipodamo – o plano hipodâmico de urbanização, em que as ruas se abriam, paralelas umas às outras, e se cruzavam na perpendicular, de modo a formar quadrículas onde os edifícios eram construídos. Dou como exemplos desse tipo de urbanização Mileto e Priene, duas cidades da Iónia, na Ásia Menor. O plano hipodâmico da cidade de Mileto (figura 64), reconstruída depois de 479 a. C., mostra a aplicação do traçado em tabuleiro de xadrez, com as suas vias ortogonais, tal como tinha proposto o arquitecto teórico da sociedade grega. Qualquer que seja o recorte da margem, o sistema rectilíneo aplica-se à organização espacial que se desenrola em terreno plano. Caso peculiar de urbanismo é o da cidade de Priene (figura 65), igualmente na Iónia, onde a aplicação do plano hipodâmico atingiu os seus limites. Para determinar o traçado das ruas desta cidade o arquitecto aplicou o seu esquema de ângulos rectos a um relevo ao mesmo tempo inclinado e ondulado. Assim, certas ruas, no sentido norte sul, transformaram-se em escadaria, num sítio de acentuado desnivelamento, entre a parte baixa da cidade e o topo da acrópole. A encosta era entrecortada por longos pórticos (as stóai). 87

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Nestas duas cidades encontramos, como não podia deixar de ser, os edifícios emblemáticos de qualquer pólis da Grécia antiga: acrópole, ágora (as vezes mais do que uma), templos, propileus, buleutério, pórticos, termas, teatros, ginásio e palestra, estádio, etc.

Figura 63

Planta da Ágora de Atenas. 1: Estrategéion; 2: Tholos ou pritaneu; 3: Antigo Buleutério; 4: Buleutério; 5: Templo da deusa Mãe; 6: Templo de Apolo Patroos; 7: Pórtico ou Stoa de Zeus Eleuthérios; 8: Pórtico Real; 9: Hefestéion; 10: Via das Panateneias ou de Elêusis; 11: Stoa Poikile ou Pórtico com pinturas; 12: Altar dos Doze Deuses; 13: Praça com Peristilo; 14: Casa da Moeda; 15: Pórtico sul; 16: Monumento aos Heróis epónimos; 17: Helieia; 18: Prisão. 88

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Figura 64

Plano hipodâmico de Mileto 1: Porta dos Leões; 2: Termas Romanas; 3: Ágora Norte; 4: Teatro; 5: Palestra; 6: Ágora Sul; 7: Ágora Oeste; 8: Templo de Atena; 9: Estádio; 10: Porta Sagrada. 89

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Figura 65

Plano hipodâmico de Priene. 1: Acrópole; 2: Templo de Deméter; 3: Teatro; 4: Templo de Atena; 5: Buleutério; 6: Stoa ou Pórtico; 7: Ágora e Templo de Zeus; 8: Ginásio; 9: Estádio. 90

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Santuário de Apolo em Delfos Concluímos esta parte com a descrição de um santuário onde encontramos exemplificados e concentrados praticamente todos os edifícios referidos – Delfos, um santuário que adquire importância pan-helénica desde cerca de 750 a.C.1 Do oráculo fala a Odisseia (8. 79-81) que nos dá a informação de aí haver já um templo («quando transpuseram a pétrea soleira»). O Hino Homérico a Apolo, na sua segunda parte (séc. VI a. C.), descreve a fundação do templo pelo deus: alicerces, a “pétrea soleira” e, em volta, um templo construído em pedra, «digno de ser cantado para sempre». Provavelmente entre os dois fica Hesíodo (Teogonia 499) que fala da pedra engolida por Cronos, julgando ser o filho. Foi essa pedra que Zeus, depois de vencer o pai, colocou na divina Pytho, nos recessos do Parnaso (a pedra também é descrita por Pausânias 10. 24. 6). Quando se dirigia para o santuário de Apolo, antes de lá chegar e em plano ligeiramente inferior, ao visitante deparava-se o de Atena Pronaia, “a que se encontra diante do templo” e que guardava o santuário do deus com a ajuda do herói Fílaco. Refere Ésquilo, nas Euménides 21, que Palas Pronaia era honrada de modo especial nas tradições délficas. Aí se erguia uma tholos (figura 66), dois templos dóricos a Atena (um de c. 510 e outro de c. 360 a. C.) e dois tesouros. (figura 67) Chegados ao santuário de Apolo e transposta a entrada principal ou Propileu, deparávamos com diversificados grupos escultóricos, nichos e edifícios, dispostos ao longo de uma via 1 Sobre o Santuário e Oráculo de Apolo em Delfos vide Jean-François Bommelaem, «La construction du temple classique de Delphes», BCH 17 (1983) 191-215  ; M. Maass, «Wirtschaffliche und politische Umstände der delphischen Tempelbauten», Ktema 13 (1988) 5-11.

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que subia em ziguezague – a Via Sagrada (figura 68). Os vestígios de numerosos Tesouros, espalhados por diversas partes, são o testemunho da fama de que o santuário gozava. Os mais famosos situavam-se ao longo da Via Sagrada. Todas as cidades gregas faziam gala de enviar oferendas a Delfos e de aí construir edifícios. Merecem menção especial os Tesouros de Sícion, talvez o mais antigo (de que se conservam métopas esculpidas no museu de Delfos, por exemplo, Javali de Cálidon e um episódio da expedição dos Argonautas); o dos Sífnios e o dos Atenienses. O Tesouro dos Sífnios, construído em 525 a. C., encontravase ornamentado com esculturas e era um dos mais elegantes Tesouros iónicos de Delfos, com as duas colunas de entrada substituídas por Cariátides. O frontão e o friso ostentavam soberbos relevos, que serão analisados ao tratar da escultura do período «Arcaico tardio». O Tesouro dos Atenienses, reconstituído recentemente (1906), era um edifício dórico, talvez de 507-500 a. C., a que já nos referimos (vide supra, p. 34). O frontão e as métopas ainda chegaram até nós bem conservadas: numa delas, do lado sul, temos a luta de Teseu com a rainha das Amazonas Antíope (c. 500-490 a. C.). Dos muitos outros edifícios são de salientar ainda o Buleutérion de Delfos, os rochedos da Sibila e de Latona, a Esfinge dos Náxios, o Pórtico dos Atenienses; a Trípode de Plateias, onde estavam inscritos os nomes dos guerreiros caídos na batalha; o Carro do Sol, oferenda dos Ródios; o Grande Altar de Apolo, oferta de Quios; a Coluna de acanto com mulheres a dançar. Acedia-se enfim ao recinto do Templo de Apolo que se erguia numa vasta esplanada conseguida na encosta através de um muro poligonal. Os templos de pedra, na época histórica, foram três. O primeiro, construído no século VII a. C. (talvez por 650 a.C.), foi destruído por um incêndio em 548 a. C. Segundo templo se edificou, entre 520 e 510 a.C., graças à subscrição 92

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internacional de Helenos e não Gregos, o chamado templo arcaico dos Alcmeónidas (Heródoto 5. 62), de que restam fragmentos do friso no Museu de Delfos. Templo dórico períptero, com seis colunas nos lados menores e quinze nos maiores, representava no frontão em mármore a epifania do deus, quando se revelou aos homens ao chegar a Delfos no seu carro acompanhado da mãe, Latona, e da irmã, Ártemis. Destruído em 373, foi reedificado entre 369 e 330 a. C. um outro, um pouco maior do que o anterior. Da autoria dos arquitectos Espíntaro de Corinto, Xenódoro e Ágaton, era um templo dórico, períptero, com seis colunas nas fachadas e quinze nas partes laterais. O frontão oriental retomava o tema da epifania do deus, o ocidental ostentava o pôr-do-sol, Diónisos e as Tíades. São deste templo do século IV a. C. as colunas que ainda subsistem no local. (figura 69). Era no pronaos do Templo de Delfos que estavam as máximas dos sete sábios (Pausânias 10. 24. 1). No Templo havia um altar de Poséidon, imagens de duas Parcas e, na vez da terceira, Zeus Moiragetes e Apolo Moiragetes (ou ‘que guia o destino’). Lá se encontrava também a cadeira de ferro de Píndaro, onde o poeta compunha cantos ao deus. Na parte mais recôndita, onde poucos entravam, encontrava-se uma imagem de ouro de Apolo (Pausânias 10. 24. 4-5). No santuário, corria também a fonte Cassótis (Pausânias 10. 24. 7), de que já tratámos (vide supra, p. 73). Plutarco também fala dela. No Santuário de Delfos decorre a acção de duas tragédias, ou parte dela: o início das Euménides de Ésquilo e o Íon de Eurípides. E nesta última peça o coro de mulheres atenienses admira a beleza desse lugar sagrado, sublinhando que não é só na divina Atenas que há templos com belas colunatas. E descrevem o que observam: os trabalhos de Héracles (hidra de Lerna) e com ele seu amigo Iolau; Belerofonte, montado em Pégaso, a matar a Quimera (um e outro nas métopas). Depois avistam o pedimento oeste, 93

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com a Gigantomaquia (párodo, 184-218). Nessa Gigantomaquia figuravam Atena e Brómio; e Zeus a lançar o raio. Em plano superior ao templo, com uma magnífica visão para o Vale do Pleistos, ficava o teatro e a famosa Lesche dos Cnídios, decorada com frescos de Polignoto que representavam o saque de Tróia e a descida de Ulisses ao Hades. Mais acima encontrava-se o estádio, onde se realizavam as corridas dos Jogos Píticos, ainda hoje bem conservado. Esses jogos começaram por ser apenas um hino ao deus (Pausânias 10. 7. 2). Passam a incluir provas atléticas, desde 582 a. C., que duravam seis a oito dias e se celebravam de quatro em quatro anos, em Agosto-Setembro, em anos intercalares dos Olímpicos. O prémio era uma coroa de louros (Pausânias 10. 7. 8). No Museu encontram-se algumas estátuas de atletas, entre elas o famoso auriga e a do lutador Agias, vencedor do pancrácio — esculturas referidas mais adiante. O Santuário foi saqueado várias vezes – e até a “universal irreverência de Nero” roubou a Apolo 500 estátuas de bronze, umas de deuses, outras de homens, como sugestivamente anota Pausânias 10. 7. 1.

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Figura 66

Vêem-se a base e três colunas da tholos. Em primeiro plano, a plataforma de um tesouro.

Figura 67

Reconstituição do Tesouro de Massália (fins do séc. VI a.C.), no santuário de Atena Pronaia. 95

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Figura 68

Planta do Santuário de Delfos.

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Figura 69

O que subsiste do Templo de Delfos do séc. IV a.C.

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O problema das origens Discutem-se as origens da arquitectura grega. Não relacionada, de modo algum, com a arte minóica, têm-se apontado influências egípcias, para a coluna dórica, e orientais, para as volutas iónicas – hipóteses muito duvidosas, para não dizer inviáveis. Para Tomlinson, o templo não tem origem simples. Admite inspiração oriental, no conceito de templo, e compara as semelhanças e diferenças nos kouroi: «Não há, de facto, uma origem simples para o templo grego clássico». Quanto à origem micénica, pensa que durante quatro séculos houve tempo para o desconhecimento total1. Apesar desta opinião do conceituado especialista, hoje verifica-se uma tendência para sublinhar alguns pontos de contacto e similitudes com a arquitectura micénica que não podem deixar de ser tidas em conta: em especial, no que respeita à coluna dórica e ao plano do templo, que se parece com o mégaron2. Se as incertezas continuam muitas e exigem que mantenhamos reservas, apesar de tudo é digno de nota que se verifique uma estranha similitude entre os capitéis das colunas da porta do Tesouro de Atreu ou Túmulo de Agamémnon (figuras 70 e 71) e os das colunas dóricas. O túmulo tinha na fachada, ou porta de entrada, colunas que podem tomar-se por antepassadas das dóricas. Quanto ao iónico, a base é criação nova e o toro parece derivar da arte do Próximo Oriente3.

1 R. A. Tomlinson, Greek Architecture (Bristol Classical Press, John H. Betts, 1989) p. 13. 2 Vide G. M. A. Richter, A handbook of Greek art (London, 81983), p. 22 (trad. esp., El arte griego, Barcelona); M. Robertson, «The visual arts of the Greeks», in Lloyd-Jones (ed.), The Greeks (London, 1962), p. 172 (trad. port.: O mundo grego, Rio de Janeiro, 1965); M. H. Rocha Pereira, Cultura Grega, pp. 566-567. 3 Cf. Wesenberg, Kapitelle und Basen (Düsseldorf, 1971).

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Figura 70

Reconstituição da porta do chamado Tesouro de Atreu, em Micenas. Repare-se no capitel das colunas.

Figura 71

Reconstituição de capitel das colunas da porta do Tesouro de Atreu, em Micenas. Por outro lado, não podemos também deixar de observar que a 99

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sequência átrio / mégaron do palácio micénico (figura 72) – estrutura que encontramos mesmo nas casas mais simples – não parece muito distante do esquema do templo grego (figura 73). E neste aspecto é de sublinhar a descoberta recente do chamado Herôon de Lefkandi – uma povoação da costa ocidental da Eubeia que parece ter sido próspera entre 1100 e 750 a.C. –, onde foi encontrado um túmulo com as cinzas de um guerreiro e o esqueleto da mulher adornado com jóias de ouro. Num fosso ao lado, estavam os esqueletos de cavalos 2. Descoberto em 1980, este notável edifício – o mais impressionante edifício que até agora nos chegou dessa Época Obscura ­– mede mais de 45m de comprimento e cerca de 10m de largura e tem como data provável o séc. X a.C.1 Segundo Tomlinson, parece ter sido construído para servir de sumptuoso túmulo, apenas para exposição. E, nesse caso, esta descoberta, além de mostrar a coexistência dos ritos de inumação e cremação, lado a lado, parece oferecer um suporte de riqueza para o ambiente homérico. Não é esse, porém, o aspecto que aqui nos interessa, mas antes a sua planta (figura 74). Trata-se de um Herôon — não sabemos se palácio funerário ou templo, e vamos chamar-lhe, por comodidade, ‘santuário funerário’ — cujo plano absidal, alongado, tem cabeceira em curva, apresenta uma sala com colunata axial, para colocação do morto, tem divisões ou salas que se explicam por um ritual específico que aí se realizaria e que desconhecemos. O interesse desta grande construção, e o seu grande significado, além do tamanho e do material, reside na adição de uma colunata externa, feita de fustes de madeira, que contava, se incluirmos a cabeceira absidal, uns cinquenta suportes. Não podemos deixar de ficar surpreendidos pela semelhança que apresenta com os futuros templos, embora não tenhamos ainda dados e achados arqueológicos que permitam fazer a ligação destes com esse 1 Vide M. Popham, P. Calligas e L.H. Sackett, Lefkandi II. 2 The Protogeometric Building at Toumba: Excavation, Architecture and Finds (London, 1983); A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), tradução da edição revista por R. A. Tomlinson (51996), p. 62.

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edifício surpreendente: uma estrutura que afinal talvez queira apenas reproduzir ou imitar a casa de um governante local e fazer dela sua morada na morte. O edifício de Lefkandi parece ter tido uma curta vida, talvez não mais de 50 ou 55 anos. Nota Tomlinson que, além desse edifício, nada se conhece, proveniente da Época Obscura, que se possa definir com qualidade arquitectónica1.

Figura 72

Planta do Mégaron de Pilos. 1 e 2: Entrada; 3: Pátio; 4: Pórtico; 5: Vestíbulo; 6: Mégaron; 7 e 8: Armazéns; 9: Divisões para arquivo; 10: Sala da raínha; 11: Banhos.

1 R. A. Tomlinson, Greek Architecture (Bristol Classical Press, John H. Betts, 1989), p. 13.

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Figura 73

Plantas de casas do Heládico Médio e do Heládico Recente, escavadas em Korakou, perto de Corinto.

Figura 74

Herôon de Lefkandi, em Eubeia. 1: Ábside; 2: Passagem; 3 e 4: Salas rituais; 5: Colunata axial; 6: Sepulturas; 7: Vestíbulo; 8: Pórtico.

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Se é correcta a data do séc. X a.C., o Herôon de Lefkandi antecipa, em quase dois séculos, uma similar construção em Thermon, na Etólia (Grécia Ocidental), que foi subsequentemente demolida e substituída por um templo dedicado a Apolo. Aí encontramos o chamado Mégaron A, dos tempos micénicos, que, ao contrário do que se pensou inicialmente, parece tratar-se, não de local de culto, mas de uma casa. A esta estrutura arquitectónica sobrepôs-se mais tarde um edifício de estrutura rectangular, o Mégaron B – possivelmente o edifício mais antigo dedicado ao culto de Apolo (talvez da segunda metade do séc. VIII a.C.), cuja cella, com um longo vestíbulo e um opistódomo, se fecha ao fundo por um muro arredondado e está rodeada por um períptero em forma de grampo de cabeceira absidal, feito com colunas ou postes de madeira que assentavam em bases de pedra (figura 75). Esta estrutura foi substituída pelo chamado Templo III (fins do séc. VII a.C.), um edifício já de alvenaria dedicado a Apolo e Mégara. Rectangular, era constituído por uma cella alongada, com uma fiada axial de colunas que suportariam um telhado de colmo, e por um opistódomo in antis que não comunicava com a cella. Tinha cinco colunas nos lados menores e quinze nos maiores, primeiro de madeira e depois substituídas, num prazo curto, por fustes de pedra. Decoração em cerâmica recobriria o vigamento das partes altas, cujos fragmentos mostram antefixas de cabeças masculinas e femininas em estilo coríntio, e ornamentaria as métopas do friso com representações mitológicas: Perseu com a cabeça de Medusa, Héracles, talvez a morte de Ítilo assassinado pela própria mãe Aédon e sua tia Quélidon (figura 76) e duas mulheres sentadas (figura 77). Por outro lado, numa povoação perto de Corinto, Perachora, foi encontrada a estrutura de um templo dedicado a Hera, provavelmente do séc. VIII a.C., de planta absidal (figura 78). Com um aposento único, pouco mais comprido do que largo, era arredondado na cabeceira e tinha uma porta a separá-lo do pórtico, cuja frente era sustentada por dois pares de colunas ou postes quadrados. O edifício 103

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

apresenta semelhanças com as casas da época – não muito distanciadas, na forma, das dos tempos micénicos – e dele se pode ter uma ideia por quatro reproduções em cerâmica (séc. VIII a.C.) desse templo que à deusa foram oferecidas como ex-votos. Por estes modelos parece poder deduzir-se que o telhado seria de colmo e tinha forma parecida com o fundo de barco emborcado1. Um outro exemplo destes templos primitivos de planta arredondada na cabeceira, quase com a forma de ferradura, é o de Apolo Daphnephoros (“Portador de coroa de Louros”) em Erétria, na ilha de Eubeia (figura 79), cujas paredes em curva se apoiam em postes que assentam em bases de pedra e sustentam o telhado. O pórtico, em frente da porta, situava-se do lado sul.

Figura 75

Santuário de Termos. Vários edifícios arcaicos. A: Templo I, com forma absidal (séc. IX a.C.); B: Templo II: Já tem cella rectangular, precedida de prónaos e seguida de opistódomo (séc. VIII a.C.); C: Templo III, chamado de Apolo e Mégaron de planta rectangular, longa cela e colunata axial (fins do séc. VII a.C.). 1 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), p. 62.

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Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 76

Métopa do friso do Templo III de Termos. Talvez Quélidon.

Figura 77

Duas mulheres sentadas. Métopa do Templo de Apolo em Termos. 105

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Figura 78

Plantas e modelos de templos primitivos: do Heráion de Argos (à esquerda) e do de Perachora.

Figura 79

Templo de Apolo Daphnephoros (estrutura de madeira), em Erétria (séc. VIII a.C.).

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Vol. I - Arquitectura Grega

Os Gregos posteriores, além das thóloi, algumas de função religiosa, construíram poucos edifícios com paredes curvas1. Se bem que, em Creta, as escavações tenham revelado templos de planta mais ou menos quadrada (talvez ainda resíduo de influência minóica), datáveis dos tempos mais recuados2, a forma e estrutura que vingou foi a rectangular. E, desses edifícios primitivos dedicados ao culto, apareceram modelos em cerâmica dos fins da Época Obscura, a partir dos quais parece poder deduzir-se que os primitivos templos apresentavam, ora telhados planos, ora em declive pronunciado com cumeeira. O Heráion de Argos é um bom exemplo da utilização desse duplo método arquitectónico, como se pode ver pela reprodução oferecida ao próprio santuário (c. 700 a. C.), hoje no Museu Nacional de Atenas (figura 80). Se o modelo reproduzido é fiável, o edifício primitivo desse santuário tinha um telhado de cumeeira, talvez de taipa, a cobrir um tecto plano, com uma projecção em pala para a frente para cobrir o pórtico, que era sustentado por duas colunas redondas, uma de cada lado. Também datável da primeira metade do séc. VIII a.C. – pelo menos a deduzir da cerâmica aí encontrada – será o primitivo dos sucessivos templos de Hera, em Samos, que, ao contrário dos anteriormente descritos, apresenta um estrito esquema rectangular alongado, o mais comum na história do templo grego. É por volta de 800 a.C. que se constrói uma longa sala (6,5m X 32,86m) – ou seja, media 20 por 100 pés sâmios, o célebre Hecatômpedon, que, de início tinha uma colunata axial e perece não ter sido um edifício períptero: apenas uma cella rectangular, estreita e desproporcionada (comprimento de 32,86m e largura de 6,5m), cuja entrada, aberta e com apenas três colunas em vez de parede, estava voltada para oriente, como a grande maioria dos

1

Um exemplo, encontramo-lo em Delfos, num pequeno templo dedicado à Terra, construído cerca de 500 a.C. Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), p. 63. 2 Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), pp. 64-65. 107

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

templos gregos (figura 81). Em breve, porém, essa cella primitiva foi rodeada – não mais do que cinquenta anos depois – por uma fiada de colunas de madeira a toda a volta, dando-lhe uma estrutura períptera e fazendo dele, tudo parece indicar, o mais antigo templo períptero conhecido e transmitindo-lhe uma proporção mais aceitável (36,86 X 9,5, o que dá uma proporção de cerca de 4:1). Às três colunas da entrada referidas opunham-se as três colunas centrais no períptero da fachada oriental, a que se seguiam duas outras no enfiamento das paredes da cella e mais duas nos cantos, o que dava sete colunas nesse lado menor. Possivelmente na primeira metade do séc. VII a.C., esse templo foi alterado – ou melhor, substituído por outro, hexástilo: se todas as colunas eram ainda de madeira e continuou períptero, perdeu a colunata axial, substituída por pilares colocados nas paredes laterais da cella. Adquiriu todavia um pórtico, a sua largura quase dobrou (11,7m) e as três colunas da entrada foram substituídas por apenas duas, colocadas entre as antas. O telhado devia ser de duas águas. Também o primitivo Templo de Ártemis Órthia, em Esparta, provavelmente datado de pouco depois de 700 a.C., parece ter apresentado uma fiada axial de colunas e outras a reforçar as paredes da cella, no interior e no exterior1 Assim podemos concluir que a forma que os templos posteriormente terão deve ter começado a surgir e a afirmar-se com os começos do nascimento da pólis, primeiro numa estrutura ligeiramente diferente, que se aproximaria da da casa comum. As escavações de algumas das cidades gregas mostram que começam a aparecer — primeiro nas cidades da Ásia Menor e ilhas adjacentes — fortificações a defenderem as povoações e um templo: as muralhas construídas na segunda metade do século IX e ao longo do VIII a. C., e o templo de data ligeiramente mais tardia. Se o aparecimento de muralhas não é a garantia de se ter

1 Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998), p.64.

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atingido uma pólis independente, a existência de templo, ao reconhecer e eleger uma divindade protectora, será uma prova física de que a emergência da pólis se verificou ou está em curso1. Em regra os templos primitivos não tinham períptero, que aos poucos vai aparecendo e se torna uma característica distintiva da arquitectura grega2.

Figura 80

Reprodução do Heráion primitivo de Argos. Oferenda ao próprio santuário (c. 700 a.C.).

Figura 81

Santuário de Hera em Samos. Evolução dos primeiros tempos.

1 A. Snodgrass, Archaeology and the rise of the Greek state (Cambridge University Press, 1977), p. 24. 2 Vide Henri Stierlin, Arquitectura Universal Taschen. A Grécia de Micenas ao Pártenon (trad. port. Colónia, Taschen, 1998), pp. 41-46.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Evolução dos estilos Tanto o estilo dórico como o iónico tiveram um caminho longo de amadurecimento, com ligeira precedência do dórico. É precisamente pelo estilo dórico que vamos começar. De início evoluíram em regiões separadas da Grécia: o dórico desenvolveu-se mais no continente grego e na Magna Grécia; o iónico nas ilhas do Mar Egeu e na Ásia Menor. Não significa isso que não pudessem ter convivido, desde muito cedo, na mesma cidade, ou até no mesmo edifício.

Figura 82

Templo de Hera em Olímpia (c. 600 a.C.).

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Estilo Dórico Dórico arcaico Os templos mais antigos, como o de Hera em Olímpia, de c. 600 a. C. (figura 82) e o de Apolo em Corinto (figura 83) (de meados do século VI a. C.), dão a sensação de solidez: colunas grossas, pesadas e relativamente baixas; equino desenvolvido e bulboso; espaço entre as colunas reduzido. O Templo de Hera apresenta as características típicas do templo grego períptero: peristilo, naós, pronaos e opistódomo. Tem, além disso, duas filas de colunas no interior do naós (ou cella) e exibe seis colunas nas fachadas ou lados menores – ou seja é um templo exástilo – e dezasseis nas partes laterais (figura 84). O plano do Templo de Hera em Olímpia mostra hesitações do arquitecto quando optou por dupla fila de colunas interiores em vez de uma colunata axial, já que um fuste em cada dois foi substituído por uma pequena parede avançada, fazendo com que a cella ficasse rodeada de nichos. A cella é um hekatómpedon, isto é, mede cem passos de comprimento. Hera, esposa de Zeus, cujo culto se impôs em Olímpia, possuía um templo anterior a 600 a. C. Crê-se que de início as colunas eram de madeira e foram sendo substituídas por outras de pedra. No tempo de Pausânias (séc. II A.D.) ainda restava uma dessas de madeira no opistódomo. Assim este Heráion que tem seis colunas na fachada permite que se siga a “petrificação” do pórtico exterior, construído inicialmente em madeira e cujos fustes foram progressivamente substituídos por colunas dóricas de pedra. As colunas dóricas, que se podem ver na fachada oriental do templo, são atarracadas: fustes caracterizados por um grande diâmetro (variam 111

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

entre 1m e 1,28m) em relação à sua altura. As mais antigas colunas do Heráion de Olímpia mostram um largo capitel de equino bolboso e transbordante que parece estar esmagado sob o peso da cobertura suportada pelo ábaco quadrado (figura 85).

Figura 83

Templo de Apolo em Corinto.

Figura 84

Figura 85

Planta do Templo de Hera em Olímpia (c. 600 a.C.).

Duas colunas do Templo de Hera em Olímpia. 112

Vol. I - Arquitectura Grega

Como consequência dessas diversas fases de substituição (de inícios do séc. VI a.C. à época romana), as colunas diferem quanto ao diâmetro, número de tambores, de estrias, método de ajuste, forma de equino. O templo tinha decoração e revestimento em terracota nas métopas, nos acrotérios. Os pedimentos, possivelmente, seriam também em terracota. O templo arcaico de Árte­mis (585-580 a.C.), em Corcira, é provavelmente o mais antigo em pedra que conhecemos1. Com uma largura de cerca de 24m e um cumprimento de pouco mais do dobro, apresenta proporções idênticas às de outros do continente e aparentemente possuía duas fiadas de colunas no interior do naos. O frontão oeste – que, reconstituído com os restos aparecidos, se encontra em evidência no Museu de Corcira, a ocupar uma sala quase por inteiro – representava uma Górgona na parte central, rodeada por dois leopardos e na posição de ajoe­lhada que simboliza rapidez de movimento (figura 86). Os cantos apresen­tam duas cenas da Titanomaquia: Zeus, de raio na mão, submete o Titã Jápeto, no direito, e Poséidon, de lança em riste, no es­querdo, apresta-se a atingir uma figura sentada, talvez Cronos ou Reia. Parece ter constituído uma das primeiras tentativas de colocar escultura em relevo (estilo coríntio) num frontão. As cornijas estavam revestidas de terracota e certas partes do trabalho em pedra encontravam-se pintadas (figura 87). O Templo de Apolo em Corinto (c. 540 a.C.) é um edifício dórico, com pronaos, naos e opistódomo, períptero, com seis colunas nas fachadas e quinze nos lados maiores: as quinze de cada um destes lados maiores, em relação às das fachadas, tinham 5cm menos de grossura e estavam 28cm mais próximas umas das outras, o que faz com que o cumprimento do templo seja duas vezes e meia a largura. Datável da segunda metade do século VI a. C., foi consVide Robertson, Greek and Roman Architecture (Cambridge, 21943, repr. 1974), gravura 26; Lawrence, Arquitectura Grega (São Paulo, 1998), p.77 e figs. 103 e 104. 1

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truído entre 550 e 525, no local de um outro anterior do século VII a. C. É dos templos mais antigos da Grécia e o monumento mais antigo e espectacular de Corinto. Embora o plano geral do edifício seja visível a partir das bases das colunas entalhadas nas rochas, do peristilo (6x15) restam hoje de pé sete colunas dóricas, monolíticas (quase 6,5m de altura), com vinte estrias e com afunilamento rectilíneo, que seguram ainda parte da arquitrave. A pedra utilizada é o calcário local que foi recoberto por estuque branco feito com pó de mármore. Os intercolúnios dos cantos estreitam, mas apenas ligeiramente, pelo que as métopas contíguas tinham 5cm mais para chegarem aos triglifos que faziam ângulo. Uma parede, o que não é usual, divide o naos em duas partes desiguais – duas espécies de celas, de costas uma para a outra, que tinham duas fiadas de colunas no interior e para que se entrava por um pórtico com duas colunas in antis (figura 88). O mais antigo dos templos perípteros da Sicília é o de Apolo, em Siracusa, do séc. VI a.C. (figura 89), com seis colunas nas fachadas e dezassete nos lados – este comprimento anormal do períptero devese a uma colunata que se encontra no vestíbulo e começa na terceira coluna de cada lado1 (figura 90). São monolíticas (7,98cm de altura) que afunilam de forma abrupta e se apresentam irregulares quanto ao tamanho – de extremidade a extremidade, as colunas podem ter uma diferença de trinta centímetros. Os capitéis, feitos em peça separada, ultrapassam muito a largura do fuste, mesmo na sua base. Com um diâmetro médio de 1,8m nos lados, as colunas apresentam um espaçamento tão pequeno que de capitel a capitel nos resta apenas um intervalo de 45cm (figura 91). 1 Mais três templos da Sicília apresentam uma segunda colunata, também depois do segundo intercolúnio: o Olimpieu de Siracusa e os Templos C e F de Selinunte. Vide Dinsmoor, Architecture of Ancient Greece (New York, 1975), gravura 26 (planta do Olimpieu de Siracusa).

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Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 86

Fontão do Templo de Ártemis, em Corcira (585-580 a.C.). Museu de Corcira.

Figura 87

Reconstituição da cornija e sugestão das partes pintadas do Templo de Ártemis em Corcira.

Figura 88

Planta do Templo de Apolo (c. 540 a.C.), em Corinto.

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Figura 89

Ruinas do Templo de Apolo em Siracusa (séc. VI a.C.)

Figura 90

Planta do Templo de Apolo em Siracusa.

Figura 91

Esquema, colhido em A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 83, que mostra a grossura e proximidade das colunas e dos capitéis. 116

Vol. I - Arquitectura Grega

Da mesma época é o chamado Templo C de Selinunte, na Sicília, com seis colunas nos lados menores e dezassete nos maiores (construído durante o segundo quartel do séc. VI a. C.), o mais antigo templo períptero dos vários que nessa cidade foram edificados, de entre os quais se deve destacar o templo F (de 500 a. C.)1. O Templo C de Selinunte situava-se na parte mais elevada da acrópole e era dedicado a Héracles, divindade e símbolo de Selinunte. Períptero dórico arcaico (c. 64 x 24m), edificado sobre uma plataforma de quatro degraus, tem um prónaos mais longo do que é hábito, era o templo maior e mais antigo da acrópole. Das 46 colunas que possuía (6 x 17), 13 foram reconstruídas no início do séc. XX (1929) (figuras 92 e 93). Como o de Apolo em Siracusa possuía uma dupla colunata depois do segundo intercolúnio. Com um friso excepcionalmente alto, as métopas – que eram esculpidas – apresentavam-se mais compridas do que largas; três delas podem ser admiradas no Museu de Palermo. O frontão ostentava uma cabeça de Górgona (figura 94). As cornijas, também muito altas, estavam parcialmente recobertas com terracota. Ainda da época arcaica, mas mais recentes e mais bem conservados, são dois dos três templos de Paestum, na Itália do sul, — cidade grega de Posidónia, ao sul de Nápoles, que oferece um traçado regular com a sua avenida principal, ladeada dos três templos dóricos: a chamada «Basílica», que hoje se pensa ter sido um templo dedicado a Hera, o Heráion I (c. 540-530 a. C.) (figura 95); um templo em honra de Atena, o Athenáion (figura 96), que é conhecido, erradamente, como «Templo de Ceres» (c. 510a. C.). O terceiro, o suposto «Templo de Poséidon», que estava consagrado a Hera, o Heráion II (c. 460 a. C.), o único de que se conserva parte do segundo piso de colunas do interior no naós, já pertence à primeira fase do dórico clássico (figura 97).

Havia duas edificações anteriores (de fins do séc. VII a.C.), não perípteras – o chamado Mégaron (c.600 a.C.) e o templo de Gaggera (c. 628 a.C.), no santuário de Deméter –, mas o seu aspecto é muito primitivo e deles pouco mais se conhece do que alicerces. Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 82. 1

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Figura 92

Planta do Templo C de Seliunte (segundo quartel do séc. VI a.C.), dedicado a Héracles.

Figura 93

Templo C de Selinunte (c. 560 a.C.). As 13 colunas reconstruídas.

Figura 95

Heráion I, em Paestum (c. 530 a.C.) 118

Figura 94

Reconstituição da Górgona que figurava na parte central do frontão do Templo C de Selinunte.

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 96

Athenáion em Paestum (c. 510 a.C.)

Figura 97

Heráion II, em Paestum (c. 460 a.C.) 119

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

O Heráion I (c. 530 a.C.), bem conservado, mostra ainda de pé o perímetro inteiro, encimado pela arquitrave, que dá a sensação de solidez a quem o olha (figura 98). Os fustes afunilam à medida que sobem até um terço, os seus lados curvam convexamente e as fortes caneluras, que sublinham esse acentuado encurvamento do dórico original, terminam em semicírculo, como o iónico. Os capitéis mostram o equino largamente esmagado sob o ábaco quadrado (figura 99) e apresentam influência iónica por conterem, na junção com o fuste, um estrangulamento ou colarinho abaixo do equino, cuja base, em vez de aneletes, ostenta uma decoração formada de folhagem, flores de lótus, modelagens que, nas colunas da fachada posterior ou ocidental, que dá para a via principal de Paestum, variam de uma para outra (figura 100). Possivelmente possuía um friso com triglifos e métopas, de que nada se encontrou. Também da cella não possuímos as paredes laterais, mas estas, a julgar pelos alicerces, erguiam-se a cerca de dois intercolúnios do períptero. O náos continha uma fiada de colunas axial com o mesmo diâmetro e altura das do perímetro (figura 101), como se pode ver por um desenho da obra de Lagardette, Les Ruines de Paestum ou Posidonia (Ano II, folio), publicada em 1791, colunata essa que comandava a estrutura simétrica do edifício. Com nove colunas nas fachadas, que é sobrevivência das fórmulas arcaicas, e dezoito nos lados maiores, foge ao tipo usual dos templos dóricos, além de possuir uma proporção que não é comum num templo (24,51 X 54,27) (figura 102). O Athenáion, cuja data de construção se situa entre 520 e 490 a.C. (talvez de c. 510 ou 500 a.C.), tem seis colunas nas fachadas e treze nos lados maiores – é, portanto, um templo hexástilo (figura 103). A sua construção, cronologicamente situada entre o Heráion I e o Heráion II, apresenta traços tipicamente arcaicos: forte encurvamento e largos capitéis dóricos. Em especial, está provido, por debaixo dos altos frontões, de um entablamento com triglifos e métopas bastante pesados. O templo hexástilo marca uma diminuição de peso das co120

Vol. I - Arquitectura Grega

lunas em relação aos fustes mais atarracados do Heráion I. Mas tudo ainda traduz o estilo arcaico próprio da escultura contemporânea que ornamenta geralmente as métopas. O templo de Atena, em Paestum, mistura estilos. Se a ordem da colunata períptera externa é dórica, em contrapartida — sob a influência da arquitectura da Ásia Menor — este templo oferece um dos primeiros exemplos de mistura entre estilo dórico e estilo iónico: adoptou-se um estilo iónico para as oito colunas do pórtico interior. Assim as colunas do prónaos são mais finas e têm a encimá-las capitéis com volutas, como se vê no esquema (figura 104). Os capitéis são ornamentados como os do Heráion I, também com estrangulamento inferior; mostrava a cornija inclinada, a única que existia no templo, mais larga do que o normal e profusamente ornamentada, cornija que continuava pelos lados maiores a formar uma espécie de beiral; e no prónaos apareciam quatro colunas iónicas na entrada (figura 105). Tem um entablamento original: por cima da arquitrave, em vez das régulas, corre uma sequência ornamental de óvalo/seta de tipo iónico; os triglifos sobressaem na parede que aparece entre eles como métopas; por cima do friso, a toda a volta, aparecia outra sequência ornamental em duas tiras. Nas fachadas não havia cornija horizontal nem, portanto, frontão. Assim o que corresponde ao tímpano era em alvenaria lisa (figura 106). Não se conservam esculturas ornamentais do templo.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 98

Secção do Heráion I. Nota-se a solidez da arquitrave.

Figura 99

Capitel do Heráion I. Nota-se o equino bolboso e esmagado sob o ábaco quadrado, além de aneletes da passagem do fuste para o capitel. 122

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 100

Representações de folhagem, flores de lótus e rosetas nos capitéis do Heráion I, em Paestum.

Figura 101

Desenho do Heráion I, que saiu na obra de Lagardette, Les ruines de Paestum ou Possidonia (1971). 123

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Figura 102

Planta do Heráion I (c. 530 a.C.)

Figura 103

Athenáion de Paestum.

Figura 104

Athenáion de Paestum. Esquema colhido em Taschen, p. 74. 124

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Figura 105

Planta do Athenáion de Paestum.

Figura 106

Fachada do Athenáion de Paestum. 125

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Dórico clássico Nos inícios do século V a. C., a ordem dórica aproximou-se do ideal clássico. Embora as soluções essenciais estavessem encontradas e os passos mais significativos houvessem sido dados até aos inícios do séc. V a.C., o dórico evoluciona ainda ao longo da primeira metade dessa centúria e atinge a perfeição nos seus meados. Verifica-se uma relação ideal entre as colunas das fachadas ou lados menores com as dos maiores de um templo – seis por treze –, as colunas passam a ter todas, de modo geral, o mesmo diâmetro e o espaçamento normal do intercolúnio nos quatro lados torna-se homogéneo, equivalendo praticamente a duas vezes e meia o diâmetro da coluna. Esta relação já se encontra num templo do Cabo Súnion, dedicado a Poséidon, que, antes de concluído, foi destruído nos inícios do séc. V a.C. – talvez pela invasão persa de 490 – e cujos alicerces foram descobertos junto do seu sucessor, edificado em meados do século1. Comecemos pelo Templo de Afaia, em Egina, dos inícios do séc. V a. C. – o terceiro construído no local – que se encontra situado em cenário magnífico, em ponto elevado, com vista panorâmica sobre o mar azul e sobre boa parte da ilha (figura 107). O Templo é um modelo perfeito da ordem dórica. Foi construído pelos habitantes desta ilha por volta de 500 a. C. em honra de Atena Afaia – Afaia, divindade local de origem cretense que veio depois a assimilar-se com a deusa Atena. Trata-se de um templo planeado com naós e com prónaos e opistódomo adossado, cada um com duas colunas in antis, embora depois – talvez durante a construção – se tivesse aberto uma porta levemente descentrada entre a cela e o opistódomo que fez deste uma espécie de áditon. Possui uma planta períptera, com as dimensões de 13,77m por 28,82m, 1

Vide A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 99. 126

Vol. I - Arquitectura Grega

que se orienta no sentido leste oeste e compreendia seis colunas nas fachadas e doze nos lados maiores, todas com uma altura de 5,272m, com diâmetro e espaçamento uniformes, excepto nos cantos (figura 108). Grande parte da colunata que o rodeia ainda hoje é visível até ao nível da arquitrave. A colunata interior que divide a cella em três naves apresenta dois níveis. Embora as dimensões do Templo de Afaia em Egina, que são reduzidas, não exigissem a solução em causa, trata-se de uma das primeiras utilizações do sistema de dois andares, aplicado ao espaço interior de um templo. Pelos fragmentos descobertos podemos ter a ideia da sua reconstituição quase total. Construído em calcário local, as partes lisas e as colunas eram recobertas a estuque e realçadas com cores em que predominava um fundo creme. Um estudo sobre a sua policromia revelou o uso da cor azul nas linhas verticais do templo e vermelha nas horizontais. Nos frontões estavam esculpidos temas da Guerra de Tróia, designadamente os eventos da segunda e terceira geração, de acordo com o mesmo esquema cromático, como se pode ver na reconstituição a partir de desenho do templo efectuado por Blouet e Trezel, arquitectos franceses do século XIX (Paris, Biblioteca de Artes Decorativas) (figura 109). Um dos elementos mais importantes deste edifício é a existência de dois pisos de colunas que formavam as três naves do naós, que fazem dele o único exemplo deste tipo dos finais da época arcaica. No seu conjunto, este templo representa um exemplo paradigmático do uso da ordem dórica, muito próximo da concepção do Templo de Zeus em Olímpia. As telhas eram de terracota, embora as das bordas fossem de mármore esculpido em forma de cabeça de leão que serviam de gárgulas. Templo dos inícios do dórico clássico, ou melhor, da transição do arcaico para o clássico, nele a coluna tornou-se mais fina abaixo do entablamento e mais perfeito o ritmo da sequência de triglifos e métopas (figura 110). No esquema dessa sucessão de triglifos e métopas, os arquitectos, para solucionar as exigências dos ângulos da colunata – como vimos, o triglifo devia, ao mesmo 127

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

tempo, estar sobre o eixo da coluna e formar o ângulo do entablamento – optaram por um encurtamento no entre-eixo nas colunas das extremidades do edifício. O estilo dórico ganhou rigor e elegância. A arquitectura adquire ritmo.

Figura 107

Templo de Afaia em Egina (c. 500 a.C.).

Figura 108

Planta do Templo de Afaia em Egina. 128

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Figura 109

Reconstituição do frontão do Templo de Afaia, que representa cena da Guerra de Tróia..

Figura 110

Ângulo do Templo de Afaia, em que se nota uma mais perfeita sequência de colunas, métopas e triglifos.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

O Templo de Zeus em Olímpia foi construído por Líbon entre 470 e 456 a. C. – a última data provém de uma inscrição que se encontrava na gabla de um escudo de ouro (457 a.C.) e diz ter sido dedicado pelos Espartanos, como dízimo dos despojos da luta contra os Argivos, Atenienses e seus aliados, em Tanagra. Antes só havia o Altar que se localizava do lado direito do templo, entre ele e o de Hera, como se pode ver na reconstituição que reproduzimos (figura 111). O edifício em si foi pago pelos despojos da guerra em que a Élide conquistou Pisa (470 a. C.). Incendiado em 426 A. D. e destruído por tremor de terra no século seguinte, as escavações revelaram as suas medidas e proporções. Trata-se de um templo dórico períptero, constituído por naós, pronaós e opistódomo, hexástilo (6 por 13 colunas), com mais de 27m de largura (precisamente 27,66m) e com 64,12m de comprimento (o Pártenon tem mais uns três metros) (figura 112). Em 2005, foi feita a anastilose de uma das muitas colunas, cujos tambores se encontram estendidos no solo em fiadas (figura 113). A estátua criselefantina de Zeus, patrono do templo, que era obra de Fídias, só foi executada uns 20 anos depois da decoração em mármore, que estava no lugar em 456 a.C. As esculturas eram de mármore de Paros e representavam, nos dois frontões e nas doze métopas, cenas de grande significado mitológico e cultural. Executados talvez entre 465 e 457 a.C., os grupos dos frontões e das métopas do templo de Zeus em Olímpia são dos mais importantes da escultura arquitectónica conservada, pertencente ao chamado período severo, por mostrar um significativo número de estátuas individuais em diversas atitudes e por permitir ter uma ideia da composição de conjunto. Os frontões – estruturas de 26,5 por 3,5 metros – contêm esculturas de grande significado simbólico, cujo autor é ainda desconhecido (figura 114). O pedimento oriental representa os preparativos para a disputa de carros entre Pélops e Oinómao. Figura o momento que antecede a corrida e sugere o castigo que Zeus infligirá ao segundo. A sua figura está ao centro (media 3,15m de altura) e segurava o raio na mão esquerda, enquanto com a direita sustém o manto que lhe cai e deixa o torso nu, 130

Vol. I - Arquitectura Grega

como se pode ver na imagem (figura 115). De um e outro lado do deus, estão Oinómao e Estérope, Pélops e Hipodamia e as quadrigas. O frontão ocidental apresenta a luta dos Lápitas contra os Centauros (seres primitivos que, convidados por Pirítoo para o seu casamento com Deidamia, violam as leis da hospitalidade, ao embriagarem-se e tentarem raptar as mulheres lápitas). Apolo – que ocupa o centro do pedimento – embora não tome parte na luta, tem o braço direito erguido em ar de comando e em gesto imperioso do braço direito, impõe a ordem e castiga a violência e insolência dos Centauros. À sua direita, Pirítoo procura impedir que Eurítion lhe rapte a noiva Deidamia (figura 116). Do lado oposto, Teseu apoia a investida. As métopas eram as do friso interior e representavam os Doze Trabalhos de Héracles – e talvez tivessem contribuído para fixar definitivamente esse número de feitos principais (figura 117). Na fachada oriental, havia o javali de Erimanto (o 7º), os cavalos de Diomedes da Trácia (o 8º), luta contra Gérion em Eritia (o 9º), Héracles a segurar o fardo de Atlas (o 10º), a trazer o cão do Hades (o 11º) e a limpar os estábulos de Augias (o 12º). Na fachada ocidental, o leão de Nemeia (o 1º), a hidra de Lerna (2º), as aves Estinfálias (o 3º), o touro de Creta (o 4º), o veado de Cerineia (o 5º), a Amazona (o 6º). Destruído por um sismo, os arqueólogos deixaram as ruínas várias e os materiais de construção como os encontraram: plataforma do templo, tambores dos fustes das colunas e gárgulas em forma de cabeça de leão. E a maior parte ainda hoje lá se encontra no solo como caíram, os tambores das colunas, qual um baralho de cartas, embora em 2006 os arqueólogos tivessem procedido à anastilose de uma delas que lá se encontra agora como exemplo e para dar uma ideia como seria o templo. Mais pormenores sobre este templo serão dados no volume relativo à escultura, quando analisarmos a sua decoração escultórica, de grande significado na evolução e aperfeiçoamento formal e de composição e simbolismo da composição de cenas. 131

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Figura 111

Reconstituição do Templo e altar de Zeus em Olímpia, colhida in E. Spathari, The Olympic Spirit (Athens, 1992), p. 82.

Figura 112

Olímpia. Ruínas do Templo de Zeus.

Figura 113

Secção do Templo de Zeus em Olímpia, com coluna reconstruída. 132

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Figura 114

Templo de Zeus em Olímpia. Reconstituição do Frontão oriental e corte no prónaos.

Figura 115

Figura de Zeus que se encontrava ao centro do Frontão oriental do Templo de Zeus. 133

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Figura 116

Templo de Zeus em Olímpia. Duas imagens do frontão ocidental, que representa a luta de Centauros e Lápitas.

Figura 117

As doze métopas do Templo de Zeus em Olímpia, com os doze trabalhos de Héracles. 134

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Vejamos agora o terceiro templo de Pestum, o Heráion II (c. 460 a.C.). Embora já quase de meados do séc. V a.C. e quase contemporâneo do Pártenon, o Heráion II tem ligação com os dois anteriores templos de Pestum, já descritos, e também chegou até nós bastante bem conservado (figura 118). Com ele aproximamonos do apogeu do dórico clássico e, ao contemplar este templo de Hera – que substituiu o anterior Heráion I, mais espesso e mais volumoso –, apercebemo-nos da harmonia de linhas e da sobriedade que os construtores gregos procuravam. O templo assenta num estilóbata de 24,3 por 59,93 metros, tem prónaos, naós e opistódomo e circunda-o um períptero de 6 colunas nas fachadas e 13 nos lados maiores – ou seja é um hexástilo como é habitual nos templos dóricos (figura 119). Trata-se de um templo cujo naos ostenta dupla colunata de dois pisos sobrepostos, à semelhança dos que encontrámos já no Templo de Afaia, em Egina, que precede este Heráion quase meio século. Deste modo o templo oferece um segundo piso, e é o único que o conserva no interior do naós. (figura 120) Ainda se conservam, no lado leste da cella, restos de uma escadaria que lhe dava acesso. De perfeição majestosa e silhueta harmoniosa e firme, embora um pouco pesada, alia a força com a estabilidade. As trinta e seis colunas apresentam capitel estreito e poderoso para o qual, das estrias do fuste, se passa com suavidade através de aneletes, como costuma o estilo dórico (figura 121). Construído em tufo (marga calcária), cobria-o uma camada de estuque branco, a imitar o mármore, que jogava e contrastava com a policromia dos azuis e vermelhos das métopas e triglifos do friso. E esse contraste fazia sobressair a pintura sobre o estuque branco que ocultava as imperfeições da pedra porosa das paredes e fustes das colunas. Assim o que hoje contemplamos e apreciamos não era visível aos olhos dos Gregos e Romanos. Na frente do templo, no lado oriental, ergue-se o grande altar, ainda conservado.

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Figura 118

Heráion II, em Paestum (c. 460 a.C.).

Figura 119

Planta do Heráion II.

Figura 120

Colunata do Heráion II de Paestum. Nota-se a colunata do 2º piso. 136

Figura 121

Heráion II de Pestum. Parte superior do fuste e capitel.

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O Hefestéion (figura 112), sito na Agora de Atenas e construído entre 449 e 444 a.C., e o Templo de Poséidon do Cabo Súnion (c. 440 a.C.) – os dois da autoria do mesmo artista de que desconhecemos o nome – situam-se quase no fim da linha que levará ao apogeu do Dórico Clássico com o Pártenon, embora ainda sem a perfeição deste. O Hefestéion é um templo dórico no exterior e iónico no interior, períptero, hexástilo (seis colunas nos lados menores e treze nas partes laterais) e anfipróstilo – ou seja com um pórtico na fachada anterior e outro na posterior (figura 123). O prónaos do Hefestéion mostra o aligeiramento de estruturas a que procedeu o dórico clássico: verifica-se a ausência de suporte na segunda fila de colunas, libertando e ampliando o espaço (figura 124). Subsistiu até aos nossos dias a armação em mármore por cima da colunata que dá a volta ao edifício (figura 125). São trinta e quatro fustes, ao todo. Também a cella se encontra intacta, com excepção das duas fiadas de colunas interiores que desapareceram. Dedicado a Hefestos, deus do fogo e das forjas (ou deus dos artífices), as métopas representavam os trabalhos de Héracles e os feitos de Teseu; o friso interior dá-nos o combate de Teseu contra os Palantidas e uma Centauromaquia. Os frontões, de cujas esculturas existem fragmentos no Museu da Ágora, mostrariam provavelmente uma Centauromaquia e a apoteose de Héracles. Como a decoração escultórica representava vários dos feitos de Teseu, foi designado também, erradamente, Teséion. Do mesmo artista é o Templo de Poséidon do Cabo Súnion que em local deslumbrante domina o mar azul e assiste ao fascínio do pôr do sol (figura 126). Sophia de Mello Breyner Andresen caracteriza deste modo esse sítio (Geografia, p. 63): Na nudez da luz (cujo exterior é interior) Na nudez do vento (que a si próprio se rodeia) Na nudez marinha (duplicada pelo sal) Uma a uma são ditas as colunas de Sunion.

Construído por volta de 440 a. C., trata-se de um templo da 137

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

ordem dórica e de planta períptera. A arquitrave de influência iónica e o friso em mármore com cenas relativas à Gigantomaquia testemunham uma clara evolução e apontam para um artista aberto a esse estilo (figura 127).



Figura 122

Hefestéion, construído na Ágora de Atenas, entre 449 e 444 a.C.

Figura 124

Prónaos do Hefestéion de Atenas.

Figura 125

Peristilo do Hefestéion de Atenas. 138

Figura 123 Planta do Hefestéion

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Figura 126

Templo de Poséidon, no Cabo Súnion (c. 440 a.C.).

Figura 127

Outra vista do Templo de Poséidon, no Cabo Súnion. 139

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Entre 450 e 410 a. C., Atenas lança-se na reconstrução da Acrópole, cujos edifícios tinham sido destruídos, ou muito danificados, pelas Guerras Pérsicas1. A reconstituição que damos da Acrópole (figura 128) já contém edifícios posteriores, como o Odéon de Herodes Ático (em primeiro plano, à esquerda) e, também em primeiro plano, o pórtico que o unia ao Teatro de Diónisos, que se vê à direita. O apogeu do Dórico Clássico nasce com essa reconstrução que é fruto da associação e planeamento felizes e produtivos de Péricles e Fídias. Essa reedificação parece colidir com um juramento que todas as cidades gregas participantes na luta contra os Persas teriam feito em Plateias, depois da batalha aí travada em 479 a.C. que afastou definitivamente a ameaça do exército de Xerxes. Estamos perante o designado “Juramento de Plateias”, que é controverso e tem suscitado muita discussão2. Esse juramento, que conhecemos por passos de Licurgo (séc. IV a. C.) e Diodoro (séc. I a. C.)3, principia «Não darei mais valor à vida do que à liberdade» e conclui «e dos monumentos queimados ou derrubados pelos Bárbaros não reerguerei um único, mas deixá-los-ei ficar como memorial, para os vindouros, da impiedade dos bárbaros». Além destas informações temos ainda uma paráfrase em Isócrates (Panegírico 155) que diz: Por isso merecem elogios os Iónios, porque amaldiçoaram quem tocasse ou quisesse reconstituir como eram anteriormente os templos queimados, não porque tivessem dificuldade em consegui-lo, mas para ficarem como monumento para os vindouros da impiedade dos Bárbaros. Essa reconstrução e o seu sentido são tratados no capítulo «Atenas, escola da Hélade». 2 Sobre esta juramento vide D. R. Burn, Persia and the Greeks (Oxford, 1962), pp. 522-525; E. D. Francis and Michael Vickers, JHS 103 (1983) 54; R. Meiggs, Parthenos and Parthenon (Supp. to Greece & Rome 10, 1963) pp. 36-40; R. Meiggs, The Athenian Empire (Oxford, 1972), pp. 504-507; T. L. Shear Jr., Studies in the Early Projects of the Periklean Building Program (Diss. Princeton, 1965), pp. 16-65; P. Stewert, Der Eid von Plataias (München, 1972). 3 Respectivamente, Licurgo, Contra Leócrates 81 e Diodoro 11. 29. 1

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Vol. I - Arquitectura Grega

Na versão epigráfica de Acharnae – versão “que os Atenienses juraram” e que também nos chegou – não está incluída a cláusula da reconstrução. Daí que se discuta a autenticidade do juramento, além de não sabermos ao certo se alguma vez foi efectivado. É provável, contudo, que o tenha sido, porque esse motivo foi depois lembrado como uma das finalidades de Filipe quando fundou a liga de Corinto, após a vitória de Queroneia (Diodoro 16. 89. 2). Pelo facto também de Alexandre Magno ter justificado o incêndio de Persépolis com o acto dos Persas de outrora, ao destruir e queimar vários santuários e cidades gregas1. De qualquer modo, devido ao pacto secreto de Plateias de não reconstruir os edifícios profanados pelos Persas para que as ruínas restassem como advertência da violência pelo bárbaro invasor, a efervescente actividade de edificação sagrada que caracterizou o arcaísmo grego sofreu, no Continente grego, um decréscimo nos trinta anos que se seguiram às Guerras Pérsas. Como consequência, enquanto no ocidente se realizou um vasto programa de monumentalização das áreas sagradas, das quais temos consideráveis testemunhos (Selinunte, Agrigento), na Grécia continental a única grande iniciativa de edificação sagrada parece ter sido o grande templo de Zeus em Olímpia, cujos trabalhos iniciados à roda de 470 a. C., se arrastaram por mais de quinze anos. Tenha ou não infringido um juramento feito em Plateias, o certo é que Atenas, dando execução a um planeamento de Péricles e Fídias, se abalançou à reconstrução da Acrópole que tinha sido incendiada e destruída em 480 a.C. São então erigidos vários templos e edifícios que marcam uma evolução na arquitectura grega e utilizam novas soluções que lhes dão maior leveza, harmonia e proporção, embora algumas delas já tivessem sido utilizadas na época arcaica. Além de as colunas perderem espessura e se tornarem mais esbeltas, os edifícios apresentam compensações ópticas que são verdadeiros requintes de construção, com evidência para a êntasis, de que nos informa Vitrúvio (3.3.13), que 1

Diodoro 17. 72. 6; Plutarco, Alexandre 38; Arriano, Anábase 3. 18. 12. 141

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

a teria aprendido com os arquitectos dos sécs. IV e III a.C.: espessamento do fuste da coluna a dois terços da sua altura; ligeira curvatura, ao centro, nas linhas horizontais; leve inclinação das colunas para dentro. Damos dois esquemas desses requintes, um de A. Orlandos (figura 129) e outro colhido em Ian Jenkins (figura 130)1. Assim os templos passam a apresentar, com frequência, determinados requintes de construção que visam corrigir as ilusões de óptica, alguns do quais já usados na época arcaica: as linhas horizontais têm todas uma ligeira curvatura no centro: estilóbata e entablamento convexos. Na foto que damos (figura 131) nota-se essa leve convexidade do estilóbata do Pártenon. O afunilamento das colunas não se faz segundo uma linha recta: as caneluras não são tão fundas em cima como em baixo e o fuste tem uma curva levemente convexa e apresenta ligeiro espessamento a cerca de dois terços da altura — a êntase propriamente dita de que fala Vitrúvio. Outro requinte reside no ângulo de colocação das paredes da cela e das colunas, já que nenhuma tem uma postura estritamente vertical, mas todos se inclinam levemente para dentro, as dos cantos com inclinação a dobrar, além de serem mais espessas. Se assim não fosse, o estilóbata pareceria côncavo, o entablamento reentrante, as colunas dos ângulos mais finas2. É discutida a utilização da êntase no iónico, e a sua presença é por vezes negada. É certa todavia no pórtico norte do Erectéion, embora esteja ausente do pórtico oriental e do templo de Atena Nike3. Com estes requintes de construção, o edifício amplia-se, torna-se vivo, ganha harmonia e leveza. São inovações presentes, de modo especial, no Pártenon, mas também utilizadas em vários outros edifícios: por The Parthenon Sculptures (British Museum, 2007, p. 20). Para uma mais pormenorizada explicação do fenómeno vide D. S. Robertson, A handbook of Greek and Roman architecture (Cambridge, 1943, repr. 1969), pp. 117-118; M. H. Rocha Pereira, Cultura grega, pp.560-564. 2 Vide Susan Woodford, The Parthenon (Cambridge, 1981), pp. 26-27. 3 Vide D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture (Camb. Univ. Press, repr.1969), p. 116, nota 2 1

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exemplo, o Hefestéion que, como vimos, foi construído entre 449 e 444 a. C. por artista desconhecido, autor também do santuário de Poséidon do Cabo Súnion, datado de c. 440 a. C. (figura 132). A reconstrução da Acrópole verifica-se numa época em que Atenas estava no seu apogeu. A guerra contra os Persas ia já longe e a cidade de Palas dominava os mares. Péricles tenta convocar um congresso pan-helénico de todas as cidades gregas, cerca de 450 a.C., e para isso remete emissários a todas as cidades da Hélade a solicitar o envio de delegados a Atenas (Cf. Plutarco, Pér. 17): Péricles, para exaltar ainda mais a confiança do povo e persuadi-lo de que está destinado a grandes feitos, propôs um decreto a convidar todos os Helenos, fosse qual fosse o lugar da Europa ou da Ásia em que habitassem, e todas as cidades, pequenas ou grandes, a que enviassem delegados para um congresso em Atenas, com o fim de deliberarem sobre os templos gregos que os Bárbaros haviam incendiado, sobre os sacrifícios que eram devidos aos deuses em consequência dos votos feitos pela Hélade, quando estavam em luta contra os Bárbaros; e, no que respeita ao domínio do mar quanto aos meios de assegurar que todos naveguem nele com segurança e vivam em paz. Para esse fim foram enviados vinte homens que já tivessem feito 50 anos [….] Tentaram pela persuasão convencê-los a vir participar nos debates sobre a paz e sobre os interesses comuns da Hélade. Nada se realizou, contudo, nem as cidades se reuniram, já que os Lacedemónios, ao que se diz, se opuseram secretamente, sendo no Peloponeso que a tentativa primeiro fracassou. Só respondem as que já faziam parte da Simaquia de Delos. As cidades do Peloponeso e, na maioria, pertencentes a sua Simaquia não compareceram – como acabámos de ver pelo texto –, por pressão de Esparta, talvez por pensar que aceitar o congresso seria reconhecer

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

a pretensão de Atenas a liderar a Hélade1. Assim o congresso contou apenas com as cidades da Europa e da Ásia que não faziam parte da Simaquia do Peloponeso. As que compareceram discutiram uma acção comum que assegurasse a manutenção da paz, examinaram os meios de preservar a segurança na navegação e a paz nos mares, votaram também medidas para restaurar os santuários destruídos pelos Persas. Consciente do seu valor e do papel que desempenhara nas Guerras Pérsicas, capital artística e literária, centro comercial e industrial, Atenas aspira naturalmente, sobretudo na época em que Péricles a chefiava, a ser a capital política, a realizar à sua volta a unidade da Hélade. Daí, é evidente, a convocação do congresso2. Depois da Paz de Cálias em 449 a. C., que sancionava o predomínio ateniense sobre o Egeu, a cidade, libertada do pesadelo persa e rica pelo tesouro da Liga que tinha sido transferido de Delos para Atenas em 454 a. C., assiste a um poderoso programa de reconstrução, iniciado na Acrópole. Péricles faz aprovar na Assembleia, com recurso aos fundos da Simaquia, a reconstrução desse centro sagrado da pólis, em especial de novo templo em honra de Atena, a divindade protectora da cidade – o Pártenon (figura 133). Confiou a Fídias o trabalho de supervisão da totalidade das obras, em cujo projecto trabalharam os arquitectos Ictinos e Calícrates que souberam fundir os aspectos da tradição dórica (sobretudo pela personalidade de Ictinos) e iónica (desta vez com Calícrates), dando origem a um novo estilo que reúne as duas ordens, que passou a designar-se por estilo ático. Além de superintender nas obras e de se encarregar de boa parte da ornamentação escultórica do Pártenon, Fídias executa a estátua da deusa que custou quase o dobro do resto da construção do templo. Era uma imagem criselefantina. 1

Sobre os motivos de Esparta vide B.D. Meritt, H.T. Wade-Gery and M.F. McGregor, The Athenian Tribute Lists III (3 vols Princeton, 1950), p. 280. 2 Vide Jardé, La formation du peuple grec (Paris, 1923), pp. 346-353. 144

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 128

Reconstituição da Acrópole de Atenas.

Figura 129

Esquema de A. Orlandos. 145

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 130

Esquema de Ian Jenkins.



Figura 131

Imagem do estilóbata do Pártenon. Nota-se a convexidade. 146

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 132

Hefesteion de Atenas (449-444 a.C.).

Figura 133

Pártenon (448/447- 438 a.C.).

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Marcando o apogeu do estilo dórico, embora o combinasse com o iónico – era um templo em estilo dórico no exterior e iónico no interior –, o Pártenon (figura 134) impôs-se pela harmonia de proporções, pela beleza, qualidade estética e simbologia das esculturas que o ornamentavam1. Templo em honra de Atena Virgem — Parthenos —, é um símbolo de grandeza e prosperidade (figura 135)2. Péricles pretendeu com ele glorificar não apenas a deusa Atena, mas também a pólis que ela protegia e o mundo helénico em geral. Iniciada a sua construção no ano 448/447 a.C., a sua dedicação verifica-se e 438, embora só em 432 a. C. se concluísse a sua decoração arquitectónica. Foram escolhidos Ictinos e Calícrates, como seus arquitectos. Embora Rhys Carpenter suponha ter havido um plano de Ictinos e outro de Calícrates, devem ter trabalhado em conjunto. Temos informação de que Ictinos escreveu um livro a teorizar e a explicar a sua construção, mas dessa obra nada resta. Trata-se de um templo períptero, com prónaos, naós e opistódomo, oito colunas de frente e na parte posterior (à moda iónica) e dezassete nos lados (figura 136); utilizou, além disso, todos os requintes de construção, a que a evolução técnica da arquitectura tinha chegado em meados do séc. V a.C. As oito colunas de frente permitem um naós mais largo, para mostrar a imagem de Atena. Tem, além disso, uma colunata interior em forma de U, em volta da estátua. Possuía dois frisos: o exterior, dórico, estava dividido em métopas e triglifos; e o interior, iónico, era contínuo e esculpido em relevo. O Pártenon distinguia-se pela grande a riqueza da sua decoração escultórica, de que não há paralelo em outro templo do mundo grego: estátuas de vulto nos pedimentos e relevos no friso iónico e nas métopas, que são decoradas nos quatro lados, quando habitualmente o eram apenas em dois (figura 137). Sobre o significado do templo vide capítulo «Atenas, escola da Hélade». A figura 135 é uma reconstituição dessa estátua, que se encontra no Royal Ontario Museum de Toronto. 1 2

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Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 134

Reconstrução do Pártenon, da autoria de G. P. Stevens.



Figura 135

Athena Parthenos. Reconstituição do Royal Ontario Museum de Toronto. 149

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Figura 136

Planta do Pártenon. 1: Prónaos; 2: Cella ou naós; 3: Estátua criselefantina de Atena; 4: Opistódomo / Sala das Virgens; 5: Pórtico Oeste.

Figura 137

Reconstituição do Pártenon, colhida em P. Connolly e H. Dodge, La Ciudad Antigua (1998), pp. 72-73. 150

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Templo todo em mármore do Pentélico, um monte que fica a 16km de Atenas – na figura 138 o contraste de sombras e de luz sublinha a cor do mármore e as caneluras e arestas dos fustes das colunas do lado norte –, tinha também a cobertura, em duas águas como habitualmente, em telhas de mármore (neste caso, de Paros), de que apareceram algumas, em vez das de terracota feitas em moldes (figura 139). Toda esta fábrica ocupava um considerável número de pessoas e artistas. Plutarco, na Vida de Péricles 12.5-14.3, descreve a variedade e quantidade de artífices que nesse grandioso empreendimento trabalharam. A Assembleia vigiava as obras, como fazia com qualquer monumento que fosse pago com dinheiros públicos (5 epístatas nomeados para isso respondiam perante a Assembleia). As contas eram gravadas em lajes de pedra de que nos chegaram fragmentos. Votados os fundos no início do ano, eram no final examinados. O Pártenon apresentava medidas excepcionais: o estilóbata tinha 30,88m de frente e 69,50m de comprido1; e as colunas (8 por 17) tinham um diâmetro de 1,91m na base e 10,43m de altura. Estas dimensões levavam a relações subtis entre as diversas partes do templo. Assim o comprimento é um pouco mais do que o dobro da largura: uma proporção de 9 para 4. A distância entre as colunas (medida de eixo para eixo) é um pouco mais do que o dobro do diâmetro das colunas: exactamente 9 para 4. Do mesmo modo e como consequência, a frente do Pártenon, sem contar o pedimento e os degraus, forma um rectângulo, cuja proporção entre a largura e a altura é 9 para 4. Assim a altura, largura e comprimento do templo estão na proporção de 9 para 4. É por isso ajustada a afirmação de S. Woodford: «Todo o edifício, embora construído de uma maneira simples a partir de partes simples, tem uma coerência enraizada na matemática»2 (figura 140). O Pártenon caracterizava-se por se centrar em Atena, deusa da sa-

1 2

Templo de Zeus em Olímpia: 27,68m X 64,12m. The Parthenon (Cambridge, 1981) p. 17. 151

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

bedoria, e na sua missão particular de civilizar a humanidade. Como referimos, o interior guardava a famosa estátua criselefantina de Atena Parthenos, da autoria de Fídias— de que infelizmente apenas nos chegaram péssimas cópias. A deusa, na sua qualidade de defensora da cidade, estava armada e tinha na mão direita a Vitória, como se pode ver na cópia de Atena Varvakeion, de que se reproduz a estátua completa e um pormenor lateral da cabeça (figuras 141 e 142). O escudo, ao que parece, representava o combate dos deuses Olímpicos contra os Gigantes e a luta com as Amazonas (figura 143). A base da estátua figuraria os deuses a adornarem Pandora, a primeira mulher por eles criada, fonte originária das dores e dos sofrimentos humanos que necessitam de ser superados pelo esforço, luta, energia, controlo de si, de que Atena é o símbolo. A reconstituição de Alan LeQuire, Nashville Parthenon, Tennessee, que reproduzimos, procura mostrar a complexidade de elementos e símbolos que a imagem continha (figura 144)1.

Figura 138

Contraste de sombras e cor nas colunas do Pártenon.

Figura 139

Fragmentos das telhas de mármore que cobriam o Pártenon.

In Ian Jenkins, The Parthenon Sculptures in the British Museum (London, 2007), p. 21, fig. 15. A reconstituição do escudo reproduzido na imagem 120 é de E. B. Harrism, AJA 85 (1981) 281-317. 1

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Vol. I - Arquitectura Grega



Figura 140

Pártenon. Lados oriental e norte.

Figura 141

Atena Varvakeion. Cópia no Museu Nacional de Atenas.

Figura 142

Atena Varvakeion. Pormenor da anterior 153

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 143

Reconstituição do Escudo da estátua de Athena Parthenos, in: E. B. Harrison, AJA 85 (1981), pp. 281-317.



Figura 144

Athena Parthenos. Reconstituição de Alan LeQuire. 154

Vol. I - Arquitectura Grega

A decoração escultórica, executada por Fídias ou sob a sua direcção, era abundante e cobria os frontões, as métopas e o friso iónico interior. De certo modo, à imagem da estátua de Athena Parthenos, o seu objectivo é também narrativo e didáctico. As métopas revelam, nos temas tratados, um motivo central que denuncia a intenção de Péricles e de Fídias em ilustrar, de modo simbólico, a luta vitoriosa dos Gregos contra os Bárbaros, ou melhor a vitória da ordem e da justiça contra a violência e a desordem. As da fachada oriental representam a Gigantomaquia; as do lado norte a tomada de Tróia; as de oeste a Amazonomaquia, ou combate dos Atenienses contra as Amazonas; e as do sul a luta dos Lápitas, povo da Tessália, contra os Centauros, ou seja uma Centauromaquia (figura 145). O friso iónico interior, executado sob a direcção de Fídias, patenteia a solene procissão das Panateneias, na qual se integravam todas as forças vivas da pólis: os portadores dos líquidos e dos vasos sagrados, os que conduzem os animais (figuras 146 e 147), os cidadãos, os carros, os cavaleiros (figura 148): uns que se aprestam para montar, outros que se lançam a galope ou tentam sofrear o ímpeto dos cavalos. Todos em fluxo ininterrupto e cadenciado, solenes e hieráticos, se dirigem para a fachada oriental onde heróis atenienses e os deuses olímpicos Poséidon, Apolo e Ártemis (figura 149), descuidados ou atentos, contemplam a

cerimónia da entrega do peplos: a cena central (figura 150). Os frontões contêm elucidativas cenas simbólicas que estão relacio-

nadas, no oriental, com o nascimento de Atena, deusa da sabedoria, directamente da cabeça e mente de Zeus (figura 151), fazendo com que simultaneamente Hélios, o Sol, surja no canto esquerdo e o carro de Selene, a Lua – símbolo da noite e das sombras –, de que reproduzimos uma bela cabeça de um dos cavalos do seu carro, desapareça no canto direito (figura 152); o ocidental representa a deusa na qualidade de protectora da cidade, em disputa com Poséidon pelo lugar de divindade políade de Atenas, oferecendo respectivamente um ramo de oliveira e uma fonte de água salgada, como símbolo da principal riqueza da terra e do domínio do mar (figura 153). 155

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Figura 146

Figura 145

Pártenon. Friso iónico. Condução do boi para o sacrifício.

Métopa do lado sul. Centauro e jovem lápida. British Museum.

Figura 147

Pártenon. Friso iónico. Ovelhas para o sacrifício. Museu da Acrópole.

Figura 148

Pártenon. Friso iónico. Dois cavaleiros. Museu da Acrópole. 156

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 149

Pártenon. Friso iónico. Os deuses assistem: Poséidon, Apolo e Ártemis.

Figura 150

Pártenon. Friso iónico. Cena da entrega do peplos a Atena.

Figura 151

Pártenon. Reconstituição do frontão oriental. Atena nasce da cabeça de Zeus. 157

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 152

Cabeça do cavalo do carro de Selene que desaparece no lado direito do frontão. British Museum.

Figura 153

Reconstituição do lado ocidental e respectiva decoração. 158

Vol. I - Arquitectura Grega

Quando a construção do Pártenon terminou, e este estava no seu esplendor e glória, Péricles terá dito aos Atenienses: “Poderosos são os marcos e monumentos do nosso Império. As idades futuras irão imaginar-nos assim, como o presente nos vê agora”. As suas palavras revelaram-se proféticas. No final do séc. IV a.C., Alexandre Magno mandou alguns escudos, que tinha capturado aos Persas numa batalha, para decorar o Pártenon e para relembrar as guerras Pérsicas, um século e meio antes, que ele considerava ter vingado. Esses escudos foram ligados à arquitrave do Pártenon. Infelizmente o Pártenon e a Acrópole passaram por vicissitudes várias ao longo da história – descritas no capítulo “Atenas, Escola da Hélade” – que lhe retiraram muita da sua harmonia, cor e imponência. Hoje, apesar de se impor ainda pelas suas linhas, proporções e simplicidade, dele podemos apenas fazer uma pálida ideia do que foi na Antiguidade grega. Depois de finalizado o Pártenon, foi necessário construir uma nova entrada monumental para a Acrópole, os Propileus. Esta entrada monumental sobrepôs-se a uma estrutura precedente da época arcaica, constituída por quatro colunas dóricas na frente e limitada lateralmente por muros. O novo modelo é reelaborado por Mnésicles de modo a adaptá-lo à nova orientação de construções na Acrópole que privilegiava o eixo este-oeste. Assim, como o Pártenon, apresenta um grupo de pórticos com duas frentes: a ocidental, com um amplo vestíbulo, dividido em três naves de duas séries de colunas jónicas, que se abre sobre a rampa de acesso (figura 154), e a oriental, que dá para os monumentos da Acrópole; este pórtico oriental apresenta o aspecto da fachada de um templo hexástilo (figura 155). A parede central tem cinco portas que, gradativamente, aumentam em altura da periferia para o centro (figura 156). Dos lados da estrutura ocidental abrem-se duas alas com fachada e pórtico: uma (a meridio159

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

nal) destinada a um átrio e a outra (a setentrional) formava duas câmaras, uma das quais era a Pinacoteca, referida por Pausânias 1. 22. 6-7. Neste projecto deve realçar-se o expediente encontrado por Mnésicles para vencer os desníveis através de uma série de degraus, colocando o chão dos dois pórticos a alturas diferentes. E assim os Propileus – combinando, como o Pártenon, o estilo dórico, utilizado no exterior, e o iónico, no interior – usaram colunas dóricas para o exterior dos pórticos oriental e oeste e colunas iónicas, mais altas, para o interior, para compensar o desnível do terreno. Segundo M. Robertson, A Shorter History of Greek Art (Cambridge, 1991) , as obras nos Propileus, o último edifício ateniense do tempo de Péricles, foram interrompidas pela Guerra do Peloponeso, e nunca acabadas (p. 120). Em sua opinião, as colunas iónicas no interior resultam do facto de o recomeço das obras, durante a Paz de Nícias (421-418 a.C.), ter abandonado o dórico em favor do Iónico. O dórico estava conotado com o Peloponeso, e a referida Guerra travava-se entre uma coligação de cidades fundamentalmente dóricas e do Peloponeso, reunidas em volta de Esparta – a Simaquia do Peloponeso – e uma outra de póleis iónicas e unidas a Atenas na Simaquia de Delos 1. Talvez as ordens tenham adquirido os seus nomes nesta altura, embora o dórico ainda tivesse sido usado em Atenas, por exemplo, na Stoa de Zeus, na Ágora. Os Propileus foram construídos em mármore do Pentélico, com pedra negra de Elêusis nalguns pontos. O tecto, em mármore branco e em caixotões, era famoso pela sua beleza já no tempo de Pausânias 1. 22. 4. Alguns mármores conservam-se.

1 Vide J. Ribeiro Ferreira, A Grécia Antiga. Sociedade e Política (Lisboa, Edições 70, 22004), pp. 129-149.

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Vol. I - Arquitectura Grega

Jos de Waele, partindo do princípio de que havia diferentes medidas para os pés (30,2cm) — o que é confirmado pelo recente achado do relevo metrológico de Salamina, que mostra uma unidade de 30,1cm —, procura explicar melhor o planeamento arquitectónico dos Propileus e o seu controverso desenho e sublinha novas subtilezas1. Assim considera que todo o edifício se organiza em volta de proporções de múltiplos de sete. Aproximadamente da mesma época dos Propileus da Acrópole de Atenas é um templo que foi edificado nos remotos montes da Arcádia – o de Apolo Epicúrio. A cerca de 1000 metros acima do nível do mar, são ainda visíveis os vestígios desse templo de Apolo Salvador (Epikourios), que Pausânias (8.41.7-10) cita como o mais belo do Peloponeso e o mais valioso pelo requinte da pedra e a exactidão da construção (figura 157). O edifício, erigido depois da peste de 429 a. C., é um dos mais singulares do mundo clássico. A originalidade da sua concepção deve-se à criatividade de um arquitecto de grande personalidade, Ictinos. Trata-se do genial projectista do Pártenon, a aceitar a referência de Pausânias (8.41.9)2. O edifício, orientado a norte, estava construído com material local, uma pedra compacta negra trabalhada com minuciosa precisão (figura 158). O mármore, dificilmente transportável para aquele local inacessível, foi utilizado com muita parcimónia no friso, nos capitéis e no telhado em caixotões. Um certo gosto pelo delineamento arcaico verifica-se no alongamento das proporções: o templo é hexástilo e períptero, com seis colunas nas partes anterior e posterior e quinze em cada lado (figura 159). O arcaísmo desta construção contrastava com a acentuada estreiteza das colunas da ordem dórica, de acordo com as sugestões da arquitectura ática do período entre 450 e 425 a. C. A este também se deve o alargamento do pórtico na frente e nas traseiras, provavel-

The Propylaia of the Akropolis in Athens. The Project of Mnesikles (Amsterdam, 1990). Recensão de Susan E. Alcott, CR 92,2 (1992) 472-473. 2 Vide comentário de M. Moggi e M. Osanna in M. Moggi, Pausania, Guida della Grécia. Libro VIII – L’ Arcádia (Milano, Fond. Lorenzo Valla, Mondadori, 2003), pp. 485-486. 1

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

mente inspirado na solução adoptada no Hefestéion da Ágora de Atenas. O templo possuía um prónaos profundo, com opistódomo e cella ou naós independentes. Em cada uma das paredes do interior da cella sobressaem perpendicularmente uns pequenos muros, ao modo de pequenas naves laterais, que apresentam no seu extremo uma coluna iónica adossada. Apresentamos na imagem a base de uma delas (figura 160). Mas a novidade mais significativa deste espaço, depois de algumas modificações, residiu na colocação de uma coluna independente coroada com um capitel coríntio, situada do lado oposto à entrada - primeira vez que é utilizada na arquitectura grega -, situada do lado oposto ao ingresso, como se pode ver nas reconstituições reproduzidas nas imagens (figuras 161 e 162). No século IV a. C., os principais templos dóricos eram o de Asclépios em Epidauro, dos começos do século, da autoria de Trasímedes (um hexástilo sem opistódomo, que tinha seis colunas nas fachadas e onze nos lados maiores) (figura 163); o de Atena Álea em Tégea que, atribuído a Escopas, era um dos mais famosos, onde os estilos dórico, iónico e coríntio apareciam combinados (figuras 164 e 165).

Figura 154

Propileus da Acrópole de Atenas. Lado ocidental. 162

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Figura 155

Propileus da Acrópole de Atenas. Pórtico oriental.

Figura 156

Propileus da Acrópole. Lado ocidental. Reconstituição colhida em G. Dontas, L’Acropole et son Musée (1979), p. 23. 163

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 157

Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Figura 158

Outra vista do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

164

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 159

Planta do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Figura 160

Base de coluna do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

Figura 161

Reconstituição da cella do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae, com a coluna coríntia ao fundo (in A. W. Laurence, p. 209) 165

Figura 162

Reconstituição do capitel coríntio do Templo de Apolo Epicúrio, em Bassae.

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 163

Planta do Templo de Asclépios, em Epidauro.

Figura 164

Figura 165

Planta do Templo de Atena Álea, em Capitel coríntio do Templo de Tégea. Atena Álea, em Tégea.

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Vol. I - Arquitectura Grega

Estilo iónico O estilo iónico é de formação mais lenta do que o dórico: principia cerca de 600 e só c. 450 a. C. atinge a forma definitiva (2 ou 3 gerações mais tarde do que o dórico). O chamado eólico é antes um proto-iónico, e os exemplos até nós chegados são do último quartel do século VI a. C. e vêm da Ásia Menor e de Lesbos. Assim «a chamada coluna eólica, com um capitel de dupla espiral, é considerada por muitos uma forma antiga do iónico, e chamado proto-iónico»1. Reproduzem-se dois esquemas desse tipo de capitel, ambos encontrados na Ásia Menor: um proveniente de Larissa, na Eólia, junto de Esmirna (figura 166); e o outro descoberto numa cidade da Tróade, Neândria (figura 167). Entre o século VI e meados do séc. V a.C., passa por um período de formação, durante o qual encontramos colunas (as mais antigas conhecidas) ainda de arestas vivas e capitéis de volutas muito desenvolvidas e salientes, como se vê no exemplar dos fins do séc. VII a.C., pertencente ao templo de Apolo em Naxos (figura 168). As arestas das caneluras nos fustes só começaram a ser cortadas e boleadas por volta de 500 a.C. Um dos primeiros edifícios que mostra o iónico já na sua maturidade é a stoa dos Atenienses em Delfos, construído em 478 a.C., que estava adossada ao muro da plataforma do Templo de Apolo. É um dos monumentos que já nos dá a subtileza e a elegância do iónico clássico. Destinava-se a abrigar os troféus das vitórias navais dos Atenienses contra os Persas. Na parede havia numerosas inscrições. No estilóbata pode ler-se: «Os Atenienses consagraram a stoa e também os calabres e os acrotérios tomados aos inimigos». São apresentadas

1 G. Richter, A Handbook of Greek Art (London, Phaidon, 31987, repr. 1994), p. 26.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

duas imagens, uma com o estado actual do Pórtico (figura 169) e outra com uma reconstituição (figura 170). Antes, porém, procuremos seguir os primeiros passos do iónico. Nas ilhas e nas colónias da costa da Anatólia, o templo da época geométrica sofrerá um desenvolvimento análogo àquele documentado no continente grego, embora com frequentes características próprias, sobretudo no que diz respeito aos elementos decorativos. Comecemos por dois famosos santuários, o de Hera, em Samos, e o de Ártemis, em Éfeso, onde os templos se sucederam. Heráion ou Santuário de Hera: no local apareceram vestígios que vão do período neolítico e tempos micénicos até uma basílica que, em honra da Virgem Maria, os Cristãos construíram ao lado do templo, no séc. V. Com a chegada dos Micénios, a deusa da fertilidade, aí adorada desde tempos neolíticos, é substituída por Hera, ou os novos colonos dão-lhe esse nome. Sítio já dedicado a uma divindade da Terra e da fecundidade pelo menos desde o II milénio a.C., evoluiu no I milénio para o culto a Hera, inicialmente venerada sob a forma de uma tábua de madeira.

Figura 166

Figura 167

Capitel de Larissa, na Eólia (Ásia Menor).

Capitel de Neândria, na Tróade (Ásia Menor).

168

Vol. I - Arquitectura Grega



Figura 168

Capitel do Templo de Apolo, em Naxos (séc. VII a.C.).

Figura 169

Pórtico dos Atenienses, em Delfos (478 a.C.).

Figura 170

Reconstituição do Pórtico dos Atenienses. 169

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Aí os templos foram-se sucedendo. O processo começou no séc. X com um altar de pedra erigido ao lado da árvore sagrada. Entre 800 e 750 a.C., é construída uma longa sala (6,5m X 32,86m) ou seja 20 por 100 pés, o célebre hekatômpedon – a que já nos referimos no capítulo relativo às origens – que, de início, tinha uma colunata axial e recebe forma períptera nos fins do séc. VIII a. C.: colunata de dezassete elementos nos lados longos, seis na fachada posterior e sete na da frente. Por volta de 650 a.C. este templo do séc. VIII é destruído e em substituição, nas suas fundações, é construído um novo (cf. terceira planta da imagem 65). A cella foi encurtada, as colunas da fiada axial são desdobradas e adossadas às paredes (como ocorrerá depois no Heráion de Olímpia). Isto permite colocar duas e não três colunas entre os muros, e dotar a perístase com 17 x 6 colunas. Entre 570 e 550 a. C. também este segundo templo cai em ruínas e é substituído por um terceiro em estilo iónico, em pedra, dirigido por um arquitecto local, Roikos. Nas suas dimensões inusitadas (105 x 52,50 m), esse Heráion devia querer simbolizar a importância atingida pela cidade, no séc. VI a.C. Esse templo, devido a incêndio ou por outro motivo, desmoronou-se no tempo de Polícrates, que mandou construir um outro, entregando a direcção dos trabalhos a Teodoro, filho de Roikos (figura 171). Templo monumental que se situava 40 metros a oeste do anterior. Em determinadas listas aparece como uma das maravilhas do mundo antigo, pelo tamanho e beleza. A imensa cella, dividida em três pequenas naves de duas filas de colunas, foi circundada por um duplo circuito de colunas (figura 172), dando assim a impressão de uma floresta petrificada de pelo menos centro e quatro fustes, de metro e meio de diâmetro, sob os quais repousavam elegantes capitéis com volutas, como se vê na reconstituição da fachada (figura 173). Os capitéis ornados com volutas, certamente de origem oriental, parecem já ter sido utilizados em vários edifícios menores pouco depois de 600, como por exemplo em Delos. Soluções paralelas, mas independentes, foram adoptadas na Eólia (Larissa, Neandros, Mitile170

Vol. I - Arquitectura Grega

ne); estes eram, no entanto, mais próximos de protótipos persas, com elementos verticais aproximados às pétalas de uma flor fechada (cf. figuras 167 e 167). Desse templo em honra de Hera de Samos, o maior ou dos maiores da época (52,5m x 105m), com dupla colunata que atingia 20m de altura, ainda persistem vestígios: bases e tambores das colunas (figura 174). Das 120 delicadas colunas estriadas, foi pelo menos reconstituído um dos fustes (figura 175). Muito procurado por peregrinos, o santuário encheu-se de ex-votos, datados sobretudo do séc. VIII ao VI a.C., tempos do seu apogeu, cuja maior parte se encontra no Museu Arqueológico em Vathy. O santuário era amuralhado e tinha outros templos dedicados a outras divindades. Mas só o altar de Hera era sacrificial. Uma Via Sagrada de 4 800 metros, pavimentada na época romana, ligava a antiga capital ao santuário. Tornado pedreira, utilizada desde a época bizantina e medieval, hoje entre os muitos alicerces e ruínas, desse grandioso santuário resta de pé apenas uma coluna, a que significativamente é dado o simples nome de ‘Colonna’. E uma povoação – que ao lado das ruínas do santuário nasceu – recebeu e detém hoje o nome de Heráion, em homenagem a esse mesmo santuário dedicado à deusa do casamento que tinha o gosto de passear-se num carro puxado por pavões. O Artemísion de Éfeso é outro templo que surge nos inícios do iónico e acompanha toda a sua evolução até ao período romano. Sítio de uma povoação micénica, Éfeso foi uma das cidades fundadas pelas chamadas Migrações gregas e sua ocupação da zona costeira da Ásia Menor, formando as três regiões designadas, de norte para sul, de Eólia, Iónia e Dória – colonização que estava realizada já no séc. X a.C.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Figura 171

Ruínas do Heráion de Samos.

Figura 172

Planta do Heráion de Samos (séc. VI a.C.).

Figura 173

Reconstituição da fachada do Heráion de Samos. Imagem colhida em Taschen, p. 105. 172

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Figura 174

Bases e tambores do Heráion de Samos.

Figura 175

Heráion de Samos. Único fuste que resta, e reconstituído. 173

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

O culto de Ártemis, deusa grega da pureza, dos animais selvagens e dos espaços exteriores, aí se deve ter misturado com o da deusa asiática Cibele, transformando-se na famosa Ártemis Efésia, a tão adorada deusa da fecundidade, representada com inúmeros seios e rodeada de leões e veados. O seu templo, o Artemísion, cresceu e aumentou a sua esfera de influência, a ponto de, com o andar dos anos, se ter tornado o factor mais importante do desenvolvimento da cidade: funcionou como banco, aceitava dádivas, emprestava dinheiro do tesouro do templo. Os sondáveis — mas nem sempre bem perceptíveis — caminhos do cruzamento de povos, de interesses, de crenças. Como a deusa asiática Cibele tinha a forma de xóanon, ou seja era esculpida ou gravada sobre madeira, a mais antiga estátua da Ártemis de Éfeso devia ser também, possivelmente, de tipo xoânico, traçada sobre madeira sem grande pormenor. Depois a representação iconográfica da Ártemis Efésia acompanhou a evolução da escultura grega. E a análise atenta das muitas estátuas que a representam – sitas no Museu de Éfeso ou em outros – dános a prova de que a fusão Cibele-Ártemis obteve morada definitiva na Ásia Menor (figura 176). As pernas não têm movimento, como se estivessem unidas, ou melhor, fundidas. Por outro lado, se os muitos nódulos que apresenta no peito já foram por vezes considerados seios, não deixa de ser surpreendente a semelhança que aparentam com os testículos de touro, dos touros que lhe são sacrificados – interpretação que também já tem sido avançada e que a liga à fertilidade da Grande Mãe, já que produzem sémen. Os leões, touros e esfinges que pendem das suas vestes indicam-na como protectora dos animais. Por outro lado, os leões, que encontramos nos relevos de um e outro lado da deusa Cibele, são nestas estátuas representados nos braços ou nas mangas (figura 177). A hierarquia dos sacerdotes no templo era diferente da usada nas outras cidades gregas. Variavam mesmo os termos usados para os 174

Vol. I - Arquitectura Grega

designar. O templo era administrado por poucos sacerdotes, de que era feita a ablação dos órgãos masculinos. Recrutados esses sacerdotes no interior da Anatólia, especialmente na parte oriental, segundo Estrabão, o seu chefe chamava-se Megabysos – escolha e função que significavam assumir cargo de grande honra. Quem assistia ao Megabysos eram virgens semelhantes às Vestais em Roma. Consideram alguns estudiosos que o culto da Ártemis Efésica, o seu templo e a hierarquia religiosa eram modelados à imagem da estrutura social das abelhas – abelha que era um símbolo de Éfeso, com presença frequente em moedas e estátuas. Também os Curetas serviam Ártemis Efésia como sacerdotes, de início seis e depois aumentados para nove. Essa casta sacerdotal, primeiro, apenas actuava no Artemísion, mas mais tarde passaram também a ter à sua guarda o fogo sagrado de Héstia, no Pritaneu. Retiram o nome de figuras míticas, semi-divinas, relacionadas com Zeus1 Havia outra espécie de sacerdotes, em número de vinte, que, segundo parece, dançavam e saltavam durante as cerimónias – eram, portanto os Corybantes “acrobatas”. E os Coribantes estavam relacionados com Cibele – e essa é mais uma prova do sincretismo das duas divindades. Sacerdotes, sacerdotisas, guardas do templo chegaram a atingir o número de centenas. O Artemísion gozava de certos privilégios. Por exemplo, quem procurasse refúgio no santuário usufruía de imunidade (direito de asilo). Por essa razão, muitas pessoas procuraram refugiar-se na área sagrada que o rodeava. Essa área de protecção foise ampliando com Alexandre Magno e no tempo de Mitridates, até

Quando Zeus, retirado à fúria devoradora de Cronos, foi levado por sua mãe Reia (confundida a cada passo com Cibele), os Curetas cuidaram dele no monte Ida e com o barulho dos seus escudos evitavam que o pai ouvisse o seu choro. Barulho teriam feito também enquanto Latona dava à luz Ártemis e Apolo. 1

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

atingir a extensão que um dardo arremessado do pedimento do templo abrangesse. Marco António duplicou essa área, englobando nela uma parte da cidade. Não são raras as críticas dos cidadãos de que dessa forma muitos criminosos aí se acolhiam. Pediam por isso que o direito de asilo fosse abolido. Mesmo assim, embora o Imperador Tibério, em 22 A.D., depois de discutir o assunto com os seus representantes, tivesse retirado tal direito a outros famosos locais que também o possuíam, o Artemísion continuou com a prerrogativa de servir de refúgio a quem nele se acolhesse. As escavações arqueológicas detectaram quatro construções sucessivas, com inícios no séc. VII a.C., como o revelam os achados arqueológicos dessa época: cerâmica geométrica, objectos em ouro e marfim.

Figura 176

Ártemis Efésia. Museu de Éfeso. 176

Figura 177

Ártemis Efésia. Pormenor.

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Assim o primeiro e mais antigo templo em Éfeso, que dataria talvez do séc. VII a. C., deve ter sido destruído pelos Cimérios, durante o seu ataque a Éfeso, e reconstruído depois por duas vezes entre os reinados de Giges e de Creso e por uma terceira em meados do século VI, mas as obras parece não terem ainda terminado por volta de 430 a.C. É deste último, edifício grandioso, de que fala Heródoto (1. 26.2, 92.1; 2. 148. 2). Trata-se do chamado Templo de Creso – nome que lhe advém do facto de este monarca lídio ter ajudado na sua construção em meados do séc. VI, antes de ter sido derrotado por Ciro da Pérsia, em 546 a. C. No primeiro quartel do séc. VI a.C., os arquitectos Rhoikos e Teodoro erigiram em Samos – ilha que se situa mesmo defronte da cidade de Éfeso – um grandioso templo em honra da sua deusa protectora, Hera. Esse Heráion, em estilo iónico, ganhou muita popularidade e incitou os Efésios a empreenderem a construção de um templo a Ártemis que superasse em magnificência o da cidade rival. Entregaram essa tarefa aos arquitectos Quérsifron (Chersiphron) e seu filho Metágenes, naturais de Cnossos, Creta. Mas, ao que parece, porque o local escolhido era pantanoso como o de Samos, foi também convidado Teodoro, um arquitecto de grande sabedoria e engenho que trabalhara no santuário rival, o Heráion de Samos. Conceberam um templo díptero – aliás o Artemísion e o Heráion de Samos parecem ter sido os primeiros a serem cercados por um períptero duplo –, cuja edificação não durou menos de 120 anos. Como foi totalmente destruído por um incêndio e as ruínas arrasadas para nova construção, apenas parcialmente se podem refazer os planos e dimensões. Damos a reconsti-

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

tuição recolhida em D.S. Robertson (figura 178)1. De qualquer modo, como os construtores posteriores utilizaram blocos seus nos alicerces do novo templo, muitos dos detalhes do edifício de Creso foram preservados. Parece que a plataforma do estilóbata se elevava dois degraus, em vez dos usuais três do dórico. O templo, com base apenas no perímetro do estilóbata, devia medir, possivelmente, 55,1m de largura e 109,2m de comprimento. Todavia, como parece ter possuído um áditon, na parte de trás, teria uma maior extensão. Media 125m por 60m. As paredes eram de calcário local, embora recobertas a mármore. Ao contrário do que é tradição nos templos gregos, não estava orientado para o nascer do sol, ou seja não tinha a fachada principal voltada para oriente, mas para oeste, talvez seguindo uma prática anterior da Ásia Menor2. Na frente do templo havia duas fiadas de 8 colunas. Assim a colunata exterior teria 8 colunas de frente, talvez 9 na fachada traseira e, embora o seu número seja incerto, possivelmente 21 nos lados. As colunas eram de mármore. Possivelmente havia mais dois renques de colunas no interior, quer no prónaos, quer no naós ou cela, que talvez formasse um átrio aberto em volta de outro templo primitivo mais antigo3. O seu total devia ultrapassar a centena (tal como em Samos). A entrada no templo fazia-se por um pórtico com considerável número do colunas, de base ornamentada com relevos, que devia causar profunda impressão no visitante (figura 179). A altura total dessas colunas do Artemísion, segundo Vitrúvio (3.3.12), deveria ser oito vezes o diâmetro mais baixo do fuste, exceptuada a base que era acrescentada e tinha altura 1 Cf. D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture, gravura 39. 2 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 91. 3 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 92.

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Vol. I - Arquitectura Grega

equivalente a metade do diâmetro do fuste. Este apresentava caneluras em estilo dórico em número de quarenta e quatro a quarenta e oito. Os capitéis eram refinados, longos, com certos pormenores pouco elaborados e as volutas a projectarem-se como simples nervuras (figura 180) e decoradas com rosetas, em lugar das habituais espirais – pelo menos algumas delas (cf. figura 181)1. Em consequência do volume e alcance dessas volutas, o ábaco, muito baixo, é mais longo do que largo, na proporção de dois para um, e tanto ele como o equino continham vários padrões de ornamentação (figura 182). Parece ter havido um espaçamento graduado das colunas na fachada principal, de modo a realçar a entrada no templo: assim as duas colunas centrais, de eixo a eixo, distavam 8,62m uma da outra; o par seguinte cerca de 7,4m e os dois pares das extremidades 6, 12m. O diâmetro das colunas do par central excedia o 1,72m, mas parece ter-se reduzido, lateralmente, por esta sequência: 12,5cm, 15cm e 2,5cm. Assim os espaços dos intercolúnios eram diferentes: aos 5,5m do central seguia-se para cada lado a sucessão de 4,41m e 4,5m. As colunas, inteiramente de mármore, tinham bases que assentavam em plintos quadrados altos, pelo menos algumas delas, e que eram constituídas por toro e espira, mais ou menos elaborados, por vezes com caneluras horizontais feitas ao torno, tanto um como a outra. Em algumas colunas, em especial as do prónaos, o tambor inferior do fuste tinha entalhe em relevo, de que W. B. Dinisdmoor e D.S.Robertson nos dão reconstituições (cf. figuras 180, 183 e 184). 1 Esquemas e reconstituições das bases e capitéis da imagen 151 foram colhidos em W. B. Dinisdmoor, The Architecture of Ancient Greece (New York, 1975) fig. 48 (p. 129); os das imagens 152 e 154 são de D. S. Robertson, A Handbook of Greek and Roman Architecture, gravura 39.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 178

Planta do Artemísion de Éfeso (séc. VI a.C.).

Figura 179

Reconstituição das colunas do prónaos do Artemísion de Éfeso. 180

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 180

Esquema de capitel e base do Artemísion de Éfeso (séc. VI a.C.).

Figura 181

Reconstituição de capitel do Artemísion (séc. VI a.C.). 181

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Figura 182

Capitel de coluna do Artemísion de Éfeso (séc. VI a.C.).

Figura 183

Base com relevos do Artemísion. Restaurada no British Museum. 182

Figura 184

Base esculpida de coluna do Artemísion. British Museum.

Vol. I - Arquitectura Grega

Havia friso? Parece que o templo possuía antefixos com palmetas em cerâmica. Entre a arquitrave e a cornija parece ter havido uma moldura com o padrão ‘óvalo-e-seta’ e uma calha parapeito com uma procissão em baixo-relevo. O telhado do templo era de telha de mármore nos rebordos; no resto estava coberto de telha de terracota. Primeira grande estrutura a ser completamente construída em mármore e o maior edifício do mundo grego antigo, o Templo de Ártemis era quatro vezes maior do que o Pártenon. As centenas de milhar de peregrinos que anualmente acorriam ao santuário aumentaram de tal modo a sua importância e riqueza que o primeiro banco do mundo parece ter surgido aí. A partir do séc. IV a. C., o Artemísion converteu-se no maior banco da Ásia e a cidade num centro de empresas económicas com consideráveis propriedades rurais. Esse grandioso templo do séc. VI foi destruído no séc. IV a. C. Depois de destruição parcial por incêndio em 395 a.C. (cf. Aristóteles, Meteor. 3, 371a30), sofreu ruína completa devido mais uma vez a incêndio, mas agora provocado por Heróstrato (356 a. C.), um pirómano louco que dessa forma buscava notoriedade. O fim do Templo de Creso em 356 a. C. é lembrado na última estância do Canto II de Os Lusíadas (2. 113):

Queimou o sagrado templo de Diana, Do sutil Tesifónio fabricado, Horóstrato, por ser da gente humana Conhecido no mundo, e nomeado.

No mesmo dia em que se verificou o incêndio, diz a tradição que nasceu Alexandre Magno. Teria sido por isso, diz a lenda, que o pirómano conseguiu levar a cabo os seus nefastos intentos: Ártemis, ausente, a prestar assistência e a vigiar o nas183

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

cimento da criança, não protegeu o seu templo. Rapidamente os Efésios empreenderam a reconstrução, no mesmo local, de novo templo iónico que se estende ao longo da segunda metade do século IV e entra na primeira do III a.C.: refere Plínio que teria demorado 120 anos a ser concluído – tempo que talvez se aplique melhor ao templo de Creso1. E assim, sobre os alicerces do anterior e parte da superestrutura, se ergueu aos poucos outro templo grandioso, totalmente em mármore, que durou até ao final do paganismo e foi considerado a Sétima Maravilha do Mundo, cuja reconstituição, com soluções diversas, tem sido tentada, como a de Henderson (figura 185)2, ou a de T. Spawforth (figura 186). Os arquitectos originais desse templo parecem ter sido Paiónios de Éfeso e um escravo desse local sagrado, o chamado Demétrio, embora haja a possibilidade de acréscimo posterior de que se encarregou Dinócrates. Subsiste, contudo, alguma dúvida sobre o nome do arquitecto desse magnificente templo helenístico. Apesar de Estrabão atribuir os seus planos a Quirócrates, desconhecido das outras fontes, deve tratar-se de confusão com Dinócrates que era o arquitecto oficial de Alexandre Magno. Nele teriam trabalhado também os escultores Escopas e Praxíteles – talvez, nas colunas e relevos, o primeiro e, no altar, o segundo. Na sua construção, foram aproveitados os alicerces e os materiais e ruínas do edifício anterior, o que obrigou à elevação da plataforma (figura 187). Assim, passou a ter mais do que os dois degraus do templo arcaico e um plano sensivelmente igual ao do anterior, apenas com o acrescento de um opistóA. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 148. Reconstituições, respectivamente, Henderson e de T. Spawforth, The Complete Greek Temples (Londres, Thames & Hudson, 2006), p. 35 1 2

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Vol. I - Arquitectura Grega

domo e de uma terceira fiada de colunas na parte da frente, embora seja possível que essas inovações fossem já acrescento da restauração subsequente ao incêndio de 395 a.C. Além das dimensões, o projecto do séc. IV a.C. mantém também a peculiaridade de as colunas com relevos no prónaos, além de esculpidas em relevo nas bases cilíndricas, estarem também postadas sobre pedestais quadrados – duas formas talvez usadas em locais diferentes do prónaos ou do templo e não juntas na mesma coluna. Esses relevos representam cenas várias relacionadas com a deusa Ártemis: por exemplo, a que parece apresentar as figuras de Calcas, Clitemnestra, Hermes Psicopompo, Thánatos e Ifigénia (figura 188) e talvez aluda ao sacrifício da filha de Agamémnon, para que a armada dos Aqueus pudesse partir para Tróia1. Plínio (NH. 36.95), referindo-se talvez ao edifício do séc. IV a.C., fala em 36 colunas de bases esculpidas e informa que a sua altura era de 60 pés – ou seja, de 17,65m. O frontão – e parece ser novidade do último templo – apresentava três aberturas no tímpano. Possivelmente um expediente para reduzir o peso da pedra do grande vão central. É pouco provável que nessas aberturas, ou na sua frente, houvesse esculturas, como indicam algumas reconstituições2. Considerado uma das sete maravilhas do mundo no período helenístico, o Artemísion estava colocado numa plataforma a que se acedia por uma escadaria de treze degraus. Era um templo períbolo, constituído por uma dupla fiada de colunas — cento e vinte e sete, ao todo — que enquadravam um peristilo e um espaço interior de 105X55m. Impressionado com a sua beleza e magnificência quando por ali passou a caminho da Pérsia, Alexandre Magno manifesVide A. Stewart, Greek Sculpture (London, Yale Univ. Press, 1990), Volume I, p. 198; e volume II, fig 595-596. 2 A. W. Lawrence, Arquitectura Grega (trad. port. São Paulo, 1998), p. 148 1

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

tou o desejo de tomar a seu cargo e de financiar a prossecução dos trabalhos e seus custos (334 a.C.), com a condição de nele poder gravar o seu nome. Segundo Cúrcio Rufo, numa biografia de Alexandre, não teria agradado aos Efésios tal intenção e preferiram renunciar à sua oferta, mas para evitar afrontar o imperador com uma recusa, com recurso à adulação, alegaram que um deus não podia erigir um templo ou dedicar oferendas a outro deus (cf. Estrabão 14. 1. 22). Então Alexandre estipula que os impostos que os Efésios tinham pago até aí aos Persas fossem devolvidos para financiar a construção do novo templo. Colocado sobre uma plataforma ou estrado, a que se acedia por uma escadaria de 13 degraus, circundava a cella uma dupla fiada de colunas (de quase 18m de altura). Este amplo conjunto media 105 x 55m (ou 155?). Algumas das colunas, as do pronaos, apresentavam as bases esculpidas com baixos-relevos, que Plínio atribui a Escopas, pelo menos uma delas, mas deve ser erro de transcrição dos códices. Nas figuras existem com certeza elementos de Escopas, mas aparecem contaminados por traços e reelaborações de outras obras clássicas de autores como Policleto e Lisipo – etilo eclético e linguagem compósita de que é exemplo o relevo conservado no British Museum. O templo manteve as características do anterior, inclusive a disparidade do número de colunas nas duas fachadas: oito na ocidental e nove na oriental. Manteve também o pormenor das colunas esculpidas na parte inferior (16 ou 36 ao todo, distribuídas pelas duas primeiras filas da fachada principal). Este terceiro templo duplicava o plano do anterior, até nos relevos das colunas, e era o maior de todos os templos gregos. Infelizmente nunca foi completado.

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Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 185

Artemísion de Éfeso. Reconstituição de Henderson.

Figura 186

Artemísion de Éfeso. Reconstituição colhida em T. Spawforth, The Complete Greek Temples (London, 2006), p. 35. 187

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Figura 187

Planta do Artemísion de Éfeso (séc. IV a.C.).



Figura 188

Base do Artemísion de Éfeso (séc. IV a.C.), esculpida em relevo. Representa possivelmente Thánatos, Ifigénia e Hermes Psicopompo. British Museum

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Vol. I - Arquitectura Grega

Segundo Plínio, tinha 127 colunas, das quais 36 adornadas com relevos (columnae caelatae). Alguns capitéis encontramse em Viena. Considera D. S. Robertson que «os escassos restos deste edifício (a maioria deles agora no British Museum) são inultrapassáveis pela força e grandeza»1. No tempo de Vitrúvio (3.2.7) e de Plínio, História Natural 36.95 — que o não distinguem do da altura de Creso —, era um templo períptero iónico de 155 X 55 metros, rodeado de cento e vinte e sete colunas2. Antípatro de Sídon (Antologia Palatina 9.58) considerava o Artemísion a mais bela de todas as maravilhas do Mundo Antigo, já que, depois de nomear os Jardins Suspensos, as Pirâmides, a Estátua de Zeus, o Colosso de Rodes e o Mausoléu, observa que contemplar a mansão de Ártemis que sobe até às nuvens tudo suplanta (Antologia Palatina 9. 58). Por seu lado, Pausânias, um viajante da antiga Grécia, atento, sensível e bem informado, refere que o templo suplanta todos os outros pelas suas dimensões e riquezas (7.5.4) e alude à fama da deusa e do santuário, atribuindo-a à celebridade das Amazonas, que teriam erigido a estátua, à antiguidade do santuário e à «grandeza do templo que supera todas as criações da mente humana» 4. 31.8). Por isso os Efésios sentiam certa relutância em deslocarem-se para mais perto da costa. Lord Byron, nos seus versos, dá notícia do abandono a que o templo fora votado no seu tempo:



Contemplei o milagre efésio; suas colunas cobrem o deserto a hiena e o chacal habitam suas sombras.

A handbook of Greek and Roman Architecture, p. 147. Sobre este santuário vide W. B. Dinsmoor, The architecture of ancient Greece (New York, 1975), pp. 38, 40, 127-135 e 222-225; A. Bammer, Das Heiligtum der Artemis von Ephesus (Graz, 1984). 1 2

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

O santuário tinha, como qualquer outro, junto ao templo, um altar e estava ornamentado com grande quantidade de obras de escultura e pintura: imagens da deusa, a Ártemis Efésia, conhecida por moedas dos sécs. II-I a.C. e por muitas estátuas das épocas helenística e romana, cujos adornos peitorais que ostenta – significativo número de nódulos – têm sido interpretados, ora como seios, ora (explicação que tem sido atestada, mas que nos parece muito duvidosa) como representação de testículos de touro. Famosa pintura de Apeles que representava Alexandre na figura de Zeus a lançar o raio – pintura em que Lisipo se teria inspirado para modelar a escultura de Alexandre armado com a lança. Ornamentado com esculturas de Praxíteles, segundo Estrabão, esse altar – que tinha sido procurado, sem êxito, nos finais do séc. XIX (O. Benndorf) e de 1904 (D.G. Hogarth) – foram encontrados os alicerces e outras ruínas desse grande altar, durante as escavações do Instituto Arqueológico Austríaco em 1965. E foi possível confirmar que a esse altar pertencia um relevo com representação de Amazonas que tinha sido descoberto, em 1900, perto do teatro, como material reutilizado. Este achado concorda com a tradição lendária transmitida por Pausânias e por Calímaco, de que precisamente as Amazonas teriam sido as fundadoras do templo de Éfeso. Era um altar monumental, com decoração e ornamentação escultórica – a julgar pela reconstituição de A. Bammer –, semelhante aos de Magnésia do Meandro e do Grande Altar de Zeus em Pérgamo. Os sacrifícios eram realizados numa plataforma elevada, a que se acedia por ampla escadaria frontal e que era rodeada, nos outros três lados, por colunatas de estilo iónico. O altar seria profusamente decorado com relevos e escultura de vulto. Entre os ossos encontrados, as escavações revelaram, e de forma surpreendente, também ossos humanos. Será que tem algo a ver com o testemunho de Hipónax que, numa descrição da “festa da primeira colheita”, celebrada em Éfeso, se refere a 190

Vol. I - Arquitectura Grega

um homem que foi passeado pela cidade como bode expiatório e que depois foi lapidado e queimado? Desse edifício, hoje apenas algumas ruínas restam dessa magnificente estrutura. O templo foi saqueado e destruído pelos Godos no século III (263 A.D.). Reconstruído de novo, foise depois arruinando aos poucos e tornou-se pedreira utilizada para a construção da bela Basílica de S. João Evangelista, que se erguia na colina sobranceira. Muitos dos seus elementos foram levados pelos Bizantinos para Constantinopla e ainda hoje embelezam a harmónica basílica de Hagia Sophia em Istambul, sobretudo algumas das suas colunas originais. Do Artemísion do período helenístico subsiste hoje, no local, apenas a solidão persistente de uma coluna (figura 159). As numerosas obras de arte que decoravam o edifício dispersam-se, pelo museu local, pelo de Londres e pelo de Viena. O Templo nos tempos mais antigos situava-se junto ao mar. Hoje as suas ruínas encontram-se a 6km de distância, entre Selçuk e Kusadashi.

Figura 189

Artemísion. Única coluna que resta no local, e fruto de anastilose. 191

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

O iónico na Acrópole de Atenas Apesar de o Artemísion de Éfeso ter sido considerado uma das sete maravilhas da Antiguidade, não podemos deixar de realçar e dar destaque, entre os edifícios iónicos, a dois edifícios da Acrópole ateniense: o pequeno templo de Atena Nike (5,39 x 8,16m), da autoria de Calícrates, uma pequena obra prima de proporção e beleza (figura 190); e o Erectéion (figura 191), com uma estrutura complexa que não apresenta a harmonia habitual de conjunto, mas é o mais requintado dos monumentos helénicos1. O templo de Atena Nike, a deusa sempre vitoriosa que protegia a cidade de Atenas, encontra-se num esporão artificial que ultrapassa os Propileus, para ocidente da Acrópole, e é guarda avançada do último troço da Via das Panateneias. Na sua plataforma elevada, olha superiormente, à direita, para quem se dirige aos Propileus para entrar na Acrópole (figura 192). Pequeno e harmonioso tetrástilo da autoria de Calícrates (427-424 a.C.), surpreende-nos pela sua delicadeza (figura 193). E, ao olhá-lo naquele esporão desguarnecido, temos a sensação de fragilidade. O templo estava erigido sobre uma plataforma de três degraus (recortados em baixo, como é próprio do iónico) e acedia-se ao naós, quase quadrado (figura 194), por um portal que se rasgava entre dois pilares monolíticos – damos do prónaos a reconstituição de uma secção e do tecto (figura 195)2. Em cada canto exterior do naós era também ornamentado e re1 Sobre estes dois templos vide infra pp. 215-216 e 218-219, respectivamente. 2 Reconstituição de A.W. Lawrence, Greek Architecture (1983), p. 212, fig. 183.

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Vol. I - Arquitectura Grega

forçado por uma anta. Em cada fachada, as quatro delicadas colunas que suportam o entablamento têm fustes monolíticos de 3,96m de altura – 7,82 vezes o diâmetro da parte inferior, o que dá uma proporção pesada para o iónico1 – e sofreram o desgaste do tempo, a que estão expostas no esporão (figura 196). O entablamento contém uma arquitrave ornamentada e entalhada em três facetas; um friso iónico esculpido (figura 197), a rodear o templo, cujo assunto é guerreiro em três dos seus lados, embora se discuta a que acontecimentos específicos diz respeito. Andrew Stewart, no volume I de Greek Sculpture, fala da noção de vitória e da sua personificação, simbolizada no Templo de Atena Nike; no volume II, no esquema da figura 414 e nas legendas das 413 e 415-418, identifica a cena do lado oriental com uma assembleia dos deuses; a do ocidental com lutas entre Gregos e Gregos; as esculturas do sul, considera-as relativas ao confronto entre Gregos e Persas na Batalha de Maratona, embora sob interrogação (figura 198). Também N. Spivey admite que o lado sul representa conflito entre Gregos e Orientais (talvez Maratona) e a oriental assembleia dos deuses; mas considera a hipótese de os relevos de ocidente e de norte mostrarem lutas entre Gregos, quer se trate do confronto de Atenienses com Mégara (458 a.C.), quer da Guerra do Peloponeso . Além da cornija, do friso e da arquitrave, entalhada em três facetas, parece ter havido esculturas nos frontões – pelo menos há fixações para figuras – e sabe-se da existência de acrotérios. Quem olha o ângulo nordeste do Templo de Atena Nike pode observar como os arquitectos tentaram solucionar a posição dos capitéis dos cantos (cf. figura 197). 1 A. W. Lawrence, p. 118 presume que o motivo possa estar na tentativa de evitar que o contraste com os Propileus fosse muito pronunciado, já que aí as colunas dóricas visíveis apresentam apenas uma altura de cera de cinco vezes e meia o diâmetro inferior do fuste. 193

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Em volta do parapeito do esporão do Templo de Atena Nike corria, na parte externa, um friso com relevos de Atena e de Vitórias (Nikai), de grande beleza e perfeição formal. Realce para a chamada ‘Nike a desatar a sandália’ que se encontra no uséu da Acrópole (figura 199).

Figura 190

Templo de Atena Nike. Acrópole de Atenas (427-424 a.C.). 194

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 191

Figura 192

Erectéion, na Acrópole de Atenas (421-406 a.C.).

Figura 193

Templo de Atena Nike. Capitéis e friso iónico.

Templo de Atena Nike, em seu esporão, e Propileus.

Figura 194

Planta do Templo de Atena Nike.

Figura 195

Templo de Atena Nike. Secção e tecto do prónaos.

195

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 196

Colunas e entablamento do Templo de Atena Nike. Desgaste do tempo nas colunas.

Figura 197

Templo de Atena Nike. Canto sudeste.

Figura 198

Friso do Templo de Atena Nike. Lado sul, que talvez represente a Batalha de Maratona. British Museum. 196

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 199

“Nike a desatar a sandália” (420-400 a.C.). Museu da Acrópole.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

O Erectéion teve uma construção prolongada – entre 421 e 406 a. C. Interrompidos talvez devido às incidências da Guerra do Peloponeso, os trabalhos firam recomeçados em 409 a.C. e concluídos três anos depois. Foi o último a ser edificado na Acrópole (figura 200). Alguns autores mantêm que a autoria do Erectéion pertence a Mnésicles, mas muitos duvidam, entre os quais famosos especialistas, como David Robertson diz que diz ser difícil acreditar nessa paternidade; Lawrence todavia aceita-a1. Muitos outros nem sequer discutem a questão. Perfilhamos a opinião de lawrence. Curioso será notar que hoje se conhecem as contas da parte final (depois de 409 a. C.), através das quais se vê que nele trabalhavam livres, metecos e escravos, a ganharem o mesmo (1 dracma por dia), num total de cerca de 130. E do número não se exclui o arquitecto. O Erectéion tem muitas singularidades que passamos a especificar. a) Apresenta planta irregular com níveis diferentes e com três salas. Dessas três divisões, a oriental talvez seja a cella de Athena Pólias; a central era subdividida em duas partes; não havia comunicação entre as salas. b) Tinha três pórticos: o oriental possuía seis colunas iónicas. A norte, o pórtico era uma espécie de baldaquino tetrástilo avançado com colunas muito altas e uma grande porta de entrada; o pórtico apresentava a estranha característica de ultrapassar, em cerca de 2.7m, a parede ocidental do templo e ter nesse espaço uma pequena porta que dava para o Pandrósion. A sul, um outro chamado das Cariátides, por ter 1 D. S. Robertson, Greek and Roman Architecture (Cambridge, 21943), p. 135, escreve que ‹‹alguns arqueologistas sustentam que Mnésicles foi o primeiro arquitecto do Erectéion, mas tal é difícil de acreditar››. A. W. Lawrence, Greek Architecture, revised with additions by R.A. Tomlinson (London, 1983), p. 221, depois de anotar a estrutura incomum do Erectéion, refere que o facto de o templo ser dedicado a outras divindades, alem de Atena, talvez possa explicar as anomalias do projecto adoptadas pelo arquitecto, que seria provavelmente Mnésicles.

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Vol. I - Arquitectura Grega

donzelas ou kórai, a substituir as colunas; do lado ocidental, como o nível era mais baixo, teve o tratamento raro de colunas em parte acostadas. Havia janelas a nascente e poente. c) Possuía portas em três lados que abriam para os três pórticos (o do lado sul sem acesso externo). O arquitecto J. Travlos, apresenta a reconstituição da planta do Erectéion e do Pandrósion com sugestões novas para a distribuição das salas e a arrumação interior (figura 201): o interior tinha três divisões, graças a duas paredes, no sentido norte/sul, uma mais a oriente e outra nos fundos; uma outra parede, mais ou menos a meio, subdividia o espaço central em dois compartimentos, como se pode ver na reconstituição dos lados oriental e ocidental. Na reconstituição desenhada por G. Stevens do lado oriental (figura 202), nota-se a delicadeza das seis colunas da fachada e a diferença de níveis, em que o templo assenta, indicando-se o desnível do lado norte com linha tracejada. Na do lado ocidental (figura 203), nota-se, ao lado esquerdo, o pórtico norte e, à direita, o pórtico sul ou das Cariátides, além da diferença de níveis, em que o templo assenta. Esta planta pouco comum em templos tem suscitado algumas teorias para a explicar: segundo D.S. Robertson, a complexidade da planta derivaria das tradições religiosas do local e da necessidade de unir diversos santuários antigos, num terreno muito desnivelado (pp. 131-132). Para Dörpfeld, a obra teria ficado incompleta por falta de recursos ou por superstição e possivelmente o Pórtico das Cariátides tivesse ficado incompleto. Lawrence, por seu lado, considera que houve necessidade de contrabalançar o Pártenon e de atender aos lugares sagrados anteriormente existentes no local onde foi erigido1.O arquitecto J. Travlos, a propósito da reconstituição da planta por si executada, 1

Arquitectura Grega, pp. 120-123. 199

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

é de opinião que o templo seria aberto para os quatro lados e, possivelmente, tem esta forma, porque procurou combinar lugares de cultos diversos, relacionados com rituais de Atena. Estreitamente ligado às origens da cidade e dos Atenienses, procuraria assim albergar locais de culto em honra de Atena, Poséidon e Erecteu. Pensa-se que a sala do lado oriental era o naós de Atena Pólias e que a central, como vimos dividida no sentido longitudinal, estava consagrada a Poséidon/Erecteu. Alguns vestígios aí encontrados têm sido interpretados como o poço de água do mar de Poséidon, de que fala Pausânias (1. 26. 5). O Erectéion apresentava dimensões modestas, comparado com o Pártenon e outros templos iónicos, como o Artemísion de Éfeso e o Heráion de Samos. Por exemplo, tem menos de metade do tamanho do Pártenon. Mas, vistos de perto, os pórticos apresentam grande equilíbrio, harmonia e proporção.

Figura 200

Erectéion (421-406 a.C.), na Acrópole. Lado ocidental.

200

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 201

Planta do Erectéion (de J. Travlos).

Figura 202

Lado oriental do Erectéion. Reconstituição de G. Stevens.

Figura 203

Lado ocidental do Erectéion. Reconstituição de G. Stevens. 201

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

A fachada ocidental do Erectéion tem colunas adossadas e janelas (figura 204). Da autoria de Mnésicles, esta composição assimétrica do Erectéion contrasta com a sobriedade dórica. O edifício apresenta um espírito novo e a sua forma escapa à lógica. Este lado ocidental permite ver os níveis diferentes em que se encontra construído (figura 205). A fachada oriental, que era a frente do templo, com suas seis elegantes colunas – fustes a assentar em finas bases com moldura e a terminarem em capitéis de suaves volutas –, apresenta o aspecto de um hexástilo e mostra o estilo iónico na sua pureza e delicadeza e contrasta fortemente com o lado ocidental (figura 206). Por trás dessa fiada de colunas, abria-se uma porta alta entre duas janelas (figura 207). Pórtico norte: espécie de baldaquino tetrástilo avançado (figura 208). É o maior dos pórticos do templo: projecta para norte dois intercolúnios e tem considerável elevação, a ponto de o seu telhado estar ao nível do do bloco central. O lado sul distingue-se pelo Pórtico ou stoa das Cariátides que está fora do eixo desse lado e aparece saliente do muro, sem ornamentação (figura 209). O pórtico tem menos de metade da altura do Pórtico Norte, mas, construído num terraço com parapeito, o seu telhado dispõe-se praticamente à altura dos capitéis do setentrional; o parapeito interrompe-se no lado oriental para dar lugar à porta. A substituir as colunas tem estátuas de mulheres jovens de elegantes – as Cariátides: seis korai que são atribuídas à oficina do escultor Alcâmenes (figura 210). Versão iónica do tetrástilo humanizado, essas jovens, que vestem peplos pesados, parecem sustentar sem esforço a cobertura em forma de baldaquino; e as pregas dos peplos, que caem pesadamente, assemelham-se às nervuras das fronteiras colunas do Pártenon. Do pórtico descia uma escadaria para uma antecâmara que ficava a oeste e parece ter sido o local do túmulo de Cécrops. 202

Vol. I - Arquitectura Grega



Figura 206

Figura 204

Lado ocidental do Erectéion. Colunas adossadas e janelas.

Lado oriental do Erectéion.

Figura 205

Lado ocidental do Erectéion. Desnivelamento dos Pórticos.

Figura 207

Erectéion. Lados oriental e sul. 203

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 208

Erectéion. Pórtico norte.

Figura 210

Pormenor das Cariátides do Pórtico Sul do Erectéion.

Figura 209

Erectéion. Pórtico sul ou das Cariátides.

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Vol. I - Arquitectura Grega

A decoração era abundante e a ornamentação meticulosamente entalhada. Além de dourados, bronzes também dourados e contas de vidro de quatro cores, cada pórtico possuía tecto de artesões trabalhados, de que – no do norte – pendiam rosetas de bronze (figura 211). O friso – que ainda mostra as marcas e de que há escassos restos da última fase (409-406 a. C.) – era em pedra negra de Elêusis em que se encontravam colocadas figuras em mármore branco. Corria à volta de todo o corpo central e dos três lados do Pórtico Norte, embora este ligeiramente mais estreito (cf. figuras 202 e 203). O Pórtico Norte apresenta o umbral da porta muito ornado (figura 212) e os capitéis e bases das suas colunas são os mais elaborados da arquitectura grega. O Pórtico Sul, em vez de friso, apresenta dentículos e a parte superior da arquitrave está decorada com rosetas (cf. figura 210). Pela perfeição do trabalho e da execução, o Erectéion nunca foi ultrapassado. Segundo D. Robertson, profusamente decorado quer com ornamentos em relevo, quer pelo estudado contraste entre a pedra negra de Elêusis e o mármore branco, a elaboração dos aneletes das colunas e dos capitéis são sempre diferentes e foi rejeitada pelo gosto estético em geral dos séculos seguintes (figuras 213 e 214). Na opinião desse especialista, o Erectéion é um edifício que, pela sua forma, deixa a desejar. E um arquitecto, como Mnésicles, embaraçado por exigências religiosas, sem esperança de produzir um conjunto harmonioso, concentrou-se no pormenor e no elaborado ornamento com excessiva profusão1. As decorações e pormenores arquitectónicos são de cuidada e complexa elaboração e executadas com grande delicadeza e precisão. As mais notáveis são as do pórtico norte: os motivos de entrecruzado das bases das colunas, o antémio sob os capitéis e os ornatos da porta2. 1 D. Robertson, Greek and Roman Architecture (Cambridge, 21943, repr. 1974), pp. 127-134. 2 Vide G. Richter, A Handbook of Greek Art (London, 91987), pp. 36-38. Há tradução espanhola, pelas Ediciones Destino (Barcelona, 1980, repr. 1990).

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Templo estranhamente belo, assimétrico (imagem 181), a sua ordem iónica, o delicado gravado floral nos anéis da coluna e nas paredes, o relevo do friso externo serve como contraste à austeridade do dórico Pártenon que dele dista menos de cinquenta metros. Os capitéis têm canalículos côncavos nas volutas, em vez dos convexos primitivos, têm mesmo canalículos duplos e os óvalos entre as volutas têm uma banda florida por baixo como em Samos1. O interior do templo, dividido nas suas quatro salas, foi destruído para ser transformado numa igreja e mais tarde num harém do governador turco de Atenas.

Figura 212

Figura 211

Porta do Pórtico Norte do Erectéion.

Erectéion. Tecto e porta do Pórtico Norte. 1

Vide John Boardman, Greek Art (London, 31996), pp. 150-153. 206

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 213

Figura 214

Capitel do lado oriental do Erec- Erectéion. À esquerda, parte de téion. Delicadeza do trabalho capitel do lado oriental e cornija; dos aneletes. à direita, de cima para baixo, capitel de anta, capitel e ângulo de capitel do Pórtico norte. In A. W. Lawrence, Arquitectura Grega, p. 123.

Figura 215

Assimetrismo do Erectéion de Atenas.

Figura 216

Templo de Atena Pólias, em Priene.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Os mais famosos templos iónicos do século IV a. C. encontravam-se na Ásia Menor, edificados na segunda metade do século: o de Ártemis em Éfeso, que substituiu um outro (c. 550 a. C.) destruído por um incêndio em c. 356 a. C., de que já tratámos; o de Atena Pólias, em Priene, começado em 340 e dedicado em 334 a. C. (figuras 216 e 217); e o de Apolo em Díndima (figuras 218 e 219). O capitel coríntio, no início, era utilizado apenas no interior dos edifícios, como parece ter acontecido em Epidauro (tholos, propileus, por exemplo). A tholos do santuário de Epidauro (séc. IV a.C.) era um edifício redondo que tinha a ordem dórica no exterior e a iónica no interior, na sua variedade coríntia, como mostra a tentativa de reconstituição, que utiliza os elementos encontrados (figura 220). O mais antigo exemplo de estilo coríntio no exterior parece ter sido o monumento corégico a Lisícrates (334 a. C.), em Atenas (figura 221). Tem a forma de tholos e foi erigido por Lisícrates, para comemorar a sua vitória no concurso coral de ditirambos. Corria a toda a volta do monumento um friso continuo e encimava-o uma sequência de palmetas, como se pode ver na reconstituição (figura 222). É também da cidade de Atenas um dos mais famosos templos em estilo coríntio (figura 223): o de Zeus Olímpico, com uma colunata tripla nos lados menores e dupla nos maiores, de oito e vinte colunas, respectivamente (figura 224). Apesar de iniciado nos tempos dos Pisístratos (em estilo dórico), veio a ser retomado em 175-164 a. C., em estilo coríntio, mas apenas é concluído no século II da nossa era, na época do imperador Adriano. Restam hoje de pé quinze colunas (figura 225).

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Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 217

Esquema do entablamento do Templo de Atena Pólias, em Priene (in Lawrence, Arquitectura Grega, p. 146, fig. 228).

Figura 218

Templo de Apolo, em Díndima.

Figura 219

Planta do Templo de Apolo, em Díndima. 209

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 221

Figura 220

Monumento corégico a Lisícrates (334 a.C.), Atenas.

Reconstituição de partes da tholos de Epidauro. Museu de Epidauro.

Figura 223

Olimpieu, em Atenas (175-164 a.C. e séc. II A.D.)

Figura 222 Monumento corégico a Lisícrates.

Reconstituição do capitel e do entablamento (in Lawrence, Arquitectura Grega, p. 140). 210

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Figura 224

Planta do Olimpieu, em Atenas.

Figura 225

Olimpieu de Atenas. As colunas que se conservam. 211

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Arquitectura Helenística A arquitectura helenística, malgrado a sua importância, o número e amplitude dos edifícios realizados, ainda é frequentemente apresentada como uma produção de pouca originalidade e como resultado de um progressivo empobrecimento das obras clássicas. Posição injusta, dado que os arquitectos da época helenística bem souberam conciliar as tradições clássicas com as inovações, criando uma arquitectura adaptada a um mundo novo e a estruturas socias e políticas diferentes das da época clássica. Deve, no entanto, realçar-se que a arquitectura helenística, em particular no campo religioso, ainda segue os cânones clássicos. O mesmo não se poderá dizer de outras manifestações arquitectónicas, com destaque para a disposição das cidades que seguem um traçado hipodâmico, assim chamado a partir do já referido Hipodamos de Mileto, arquitecto que supostamente teria desenvolvido ideias de urbanismo em que as ruas se cruzam perpendicularmente e correm paralelas umas às outras. De acordo com estas novas regras se irão construir novas plantas de cidades, tais como Mileto (figura 226), Priene (cf. figura 65), a nova Éfeso, Cnidos (figura 227), o Pireu recém-construído e muitas outras, tanto da Jónia, como na Grécia continental e Magna Grécia. De entre estas, destaca-se Priene, por apresentar uma planta completamente disposta segundo um rigoroso método de reticulado, apesar da forte inclinação do terreno que levou à realização de terraços artificiais, de modo a ultrapassar o desnível do terreno. As profundas transformações políticas e sociais do mundo grego, no decurso do século III e II a.C., constituíram sem dú212

Vol. I - Arquitectura Grega

vida as causas principais de um forte crescimento construtivo. À arquitectura da cidade sucede uma arquitectura principesca e monárquica. Se urbes como Atenas e Mileto mantêm algumas das estruturas antigas da pólis, outras mais recentes, tais como Alexandria, Pérgamo e Antioquia, assistem a um forte dinamismo construtivo. Este momento de grande vigor arquitectónico é em parte resultante da repartição do império pelos generais de Alexandre: os Antigónidas na Macedónia, os Selêucidas na Ásia, os Atálidas nas regiões ocidentais da Anatólia, os Lágidas no Egipto. Todos se consideram herdeiros da tradição clássica bem presente, por exemplo, na acção diplomática com os grandes santuários: Delos, Delfos, Olímpia, Samotrácia. Neste movimento de expansão, os centros de inspiração e de criação mudam. Os arquitectos viajam em missões diplomáticas e como emissários políticos. As inovações e os projectos de grande importância estão agora associados aos grandes centros com importância militar e política, na Macedónia, na Ásia Menor, na Síria, no Egipto. Os arquitectos, como os mestres, quando os conhecemos, são provenientes das costas orientais do mar Egeu. Nasce uma nova estética arquitectónica. O ponto de partida parece ser a adopção do princípio da perspectiva. Segundo Vitrúvio (VII. praef. II), esta invenção deve-se a Agatarco de Atenas que a teria adoptado na pintura, o mesmo que teria sido responsável pelo cenário de uma das tragédias apresentadas por Ésquilo (cf. Rocha-Pereira, 2006: 623), deixando também um comentário escrito. Esta descoberta que em breve irá revolucionar a pintura grega é mais tarde transferida para o plano arquitectónico e conduz a organização totalmente nova dos edifícios num espaço definido. De facto, enquanto a disposição espacial dos complexos arquitectónicos arcaicos e clássicos (santuários, praças públicas, conjuntos urbanos) é linear, de acordo com alinhamentos e justaposições sucessivas dos edifícios, a sugerir 213

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

uma apresentação processional, o espaço dos complexos helenísticos fecha-se: é previamente seleccionado um ponto privilegiado a partir do qual se desenvolvem todas as construções, tornando-as complementares no seu todo. O santuário de Atena em Pérgamo, o quadro de conjunto do bouleutérion de Mileto com os seus edifícios anexos, as transformações da Ágora de Atenas ilustram alguns dos exemplos desta evolução. Essas mudanças são também perceptíveis nas próprias plantas dos templos. Aos volumes tradicionais da planta clássica, reconhece-se uma nova estética que acentua os efeitos de luz e de sombra, numa perspectiva mais pictórica do que arquitectónica. Entre outros, um bom exemplo é o Templo de Ártemis em Éfeso, já acima tratado. Ainda mais complexos são os monumentos dedicados aos cultos heróicos, em que passa a estar incluído o culto dos soberanos helenísticos. Entre estes, escolhemos como exemplo o Mausoléu de Halicarnasso, outro dos monumentos listados de entre as sete maravilhas do mundo antigo, de que só restam escassas ruínas (figura 228). Os dados resultantes das descrições das fontes, dos elementos arquitectónicos e escultóricos que têm sido recuperados na cinta da fortaleza e no espólio das diferentes escavações, permitem fazer uma ideia aproximada de como seria o Mausoléu. Uma das reconstituições mais fidedignas énos dada por Geoffrey B. Waywell (figura 229). Segundo este autor (2002: 103-104), o Mausoléu era de planta rectangular, com os lados ao nível do solo provavelmente de 120 e 100 pés, ou seja, no seu todo formava o perímetro de 440 pés indicado por Plínio (História Natural 36.30-31). A altura era de 140 pés e resultava de três elementos principais: uma base elevada que Plínio define simplesmente como “a parte inferior”, com cerca de 60 pés de altura; sobre esta base uma colunata, provavelmente de trinta e seis colunas, com cerca de onze metros de altura, 214

Vol. I - Arquitectura Grega

onze sobre cada um dos lados mais longos e nove nos lados mais curtos (11 x 9). Acima destas colunas, que pela escavação parecem ter sido da ordem iónica, existia um tecto em forma de pirâmide com vinte e quatro degraus que estreitavam à medida que nos aproximávamos do topo. No topo da estrutura estava um pedestal encimado por uma quadriga colossal. Além dos templos e dos edifícios sepulcrais, a arquitectura helenística é essencialmente civil e directamente relacionada com a paisagem urbana e os problemas urbanísticos; ao passo que os edifícios administrativos, ligados com a cidade comercial ou agonística, não mais têm de estar exclusivamente associados a lugares de culto. É de assinalar um notável enriquecimento das formas das estruturas dos edifícios; ainda que topograficamente ligados aos centros cívicos e políticos, estes adquirem uma maior independência. Nesse sentido, a ágora, as salas de reuniões – por exemplo os bouletérios – adaptam-se melhor às suas funções. Mileto fará do seu buletério um complexo autónomo, ainda que na proximidade da grande ágora meridional. O mesmo fenómeno, de edifícios de grandes proporções internas, encontrar-se-á em numerosas outras cidades da Ásia Menor. Nesta rápida alusão aos diferentes tipos de edifícios da época helenística poder-se-ia ainda referir outro tipo, ainda que mais raros, os palácios principescos. Maria Helena da Rocha Pereira (1993-94, 57-74), num estudo intitulado “O Palácio do mundo minóico ao helénico: mito e realidade”, demonstra que, nesta época os palácios se tinham tornado um símbolo de prestígio e poder (figura 230). Estes estão especialmente concentrados no reino da Macedónia, com especial espectacularidade do palácio de Vergina que, ao que tudo indica, teria sido a morada dos novos reis da Macedónia, os Antigónidas. Trata-se de um edifício com um grande pátio central, com dezasseis colunas de cada lado e uma larga entrada de porta tripla ao centro da 215

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

fachada oriental, da qual saíam múltiplos compartimentos, alguns dos quais possivelmente destinados a salas de banquetes solenes. Igualmente soberbos terão sido os palácios do reino de Pérgamo ou o famoso palácio de Alexandria, este último apenas referido nas fontes escritas, em particular Teócrito (XV. 78-83) e Estrabão (Geografia XVII. 1.8). Todos eles reflectem uma mensagem em particular: a política de prestígio e o movimento helenizador que caracterizam as fundações urbanas de Alexandre e seus sucessores.

Figura 226

Plano hipodâmico da cidade de Mileto. 216

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Figura 227

Plano da cidade de Cnidos.

Figura 228

Sítio arqueológico do Mausoléu de Halicarnasso. 217

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 229

Mausoléu de Halicarnasso. Reconstituição de G. B. Waywell.

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Figura 230

Fragmento de kalyx-kratêr de Tarento. Museu de Würzburg. Dá a ideia do aspecto do palácio. 219

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ATENAS, ESCOLA DA HÉLADE Espécie de conclusão Estranha cidade parece a antiga Atenas! Racionaliza a ar­quitectura e submete os templos a proporções matemáticas, mas o seu amor pela igualdade, a sua busca constante para a obter acabam por entregar à sorte, à tiragem à sorte, a escolha dos governantes. Com um alto conceito da missão de Atenas, Péricles – aqui representado por um busto que é cópia de original da autoria de Crésilas (figura 231) – en­tendia que, pelas realizações culturais, pelas festas, pelas inova­ções políticas, a cidade se tornara e devia ser a “Escola da Hé­lade”, o centro de onde irradiava a liberdade, o progresso, a cultura, a arte. O projecto monumental que, com Fídias, conce­beu para a Acrópole é disso uma prova. São estas as palavras que Tucídides coloca na sua boca num discurso proferido no início da Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), em que o estadista refere que os Atenienses amam o belo com simplicidade e prezam a cultura sem moleza, servem-se da riqueza mais como meio de trabalho do que como objecto de presunção, não consideram vergonha a pobreza mas sim não a evitar pelo trabalho (2, 40. 1). E o historiador atribui a Péricles a seguinte coclusão do discurso: Em resumo, direi que esta cidade, no seu conjunto, é a es­cola da Hélade, e cada um de nós em particular, ao que pa­rece, se mostra mais apto, para as mais variadas formas de actividade e para, com a maior agilidade, unida à graça, dar provas da sua perfeita capacidade física. É a própria força da 220

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cidade que, em virtude destas qualidades, que possuímos, bem demonstra como o que acabo de dizer não é um dis­curso forjado para estas circunstâncias, mas a verdade dos factos.1

Atenas era uma democracia aberta, dinâmica e empreen­ dedora. Construíra, com base na Simaquia de Delos, um impé­rio que se estendia por todo o mar Egeu, como sublinha o mesmo Estadista no citado discurso que lhe atribui Tucídides: «Devido à grandeza da cidade, afluem aqui todos os produtos da terra inteira, e acontece que dis­frutamos dos bens locais com não menos familiaridade que dos dos outros países.»2 Além de modelo nas realizações políticas e institucionais, Atenas era, por outro lado, a cidade dos festivais e como tal paradigma para as outras. Com orgulho o sublinha Isócrates no Panegírico 45-46, ao explicitar que os muitos espectáculos, variados e belos – «notáveis uns pelas despesas», diz o orador, «outros famosos pela arte» e outros ainda pelas duas coisas – atraem grande número de visitantes e contribuem para a aproximação entre povos e para a unidade de todos os Gregos. E conclui: É sobretudo no nosso meio que se encontram amizades mais fiéis e relações mais variadas, e ainda por cima se podem ver competições, não só de velo­cidade e de força, mas também de eloquência, de inteligên­cia e de todas as outras actividades, para cada uma das quais existem os mais elevados prémios. Efectivamente, além dos que ela mesma propõe, também induz outros a dá-los. E o que nós escolhemos adquire tal fama, que é apreciado em toda a parte. Além de que os outros festivais realizam-se de tempos a tempos e depressa se dissolvem, ao passo que a nossa cidade é para os seus visitantes um festival contínuo.

1 Tucídides 2. 41. 1-2. Tradução de M. H. Rocha Pereira, Hélade, 92005, p. 327. 2 Tucídides 2. 38.1. Tradução de M. H. Rocha Pereira, Hélade, 92005, p. 325.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Cidade das Panateneias, das Antestérias, das Leneias, das Grandes Dionísias, dos Mistérios de Elêusis, de festas rurais e citadinas, Atenas era um festival contínuo. Daí que as Nuvens, «as virgens portadoras da chuva» – como lhe chama o dramaturgo –, ao dirigirem-se à «terra es­plendorosa de Palas», na comédia homóloga de Aristófanes (vv. 302-313), celebrem a cidade «que venera ritos inefáveis», em que se recebem os iniciados, se realizam «sacras cerimónias» e «se fazem oferendas aos deuses celestiais». Uma cidade Onde há templos de altos tectos, estátuas e mui sagradas procissões dos bem-aventurados, sacrifícios aos deuses, com belas coroas, e festins em todas as estações do ano, a festa de Brómio, quando chega a primavera, a excitação dos coros melodiosos, e da flauta a música altissonante.1

Por considerar Atenas a «escola da Hélade», o centro de onde irradiava a liberdade, o progresso, a cultura, a arte, Péricles procurou, com o contributo imprescindível de Fídias, que o conjunto monumental idealizado para a Acrópole traduzisse essa sua visão (figuras 232 e 233). A colina sagrada de Atenas! O local onde Péricles quis tornar patente que era missão da cidade e da Grécia ilumi­nar! Aí, no frontão oriental do Pártenon, a deusa políade, Atena, nasce florescente da inteligência de Zeus e obriga as sombras da noite a desaparecerem do lado direito, enquanto o sol desponta no canto oposto, espalhando luz pela humanidade (figura 234). A tradução das citações de Isócrates e de Aristófanes pertence a M. H. Rocha Pereira, Hélade, 92005, p. 330 e 347-348, respectiva­mente. 1

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Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 231

Busto de Péricles (4215 a.C.) da autoria de Crésilas. Cópia romana. Museu do Vaticano.

Figura 232

Maquete da Acrópole.

Figura 233



Planta da Acrópole de Atenas.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Figura 234

Pártenon. Reconstituição do lado oriental.

Situada numa colina rochosa de cerca de 156m de altura, a Acrópole ateniense domina toda a cidade e nela, desde tempos recuados, lenda, religião e política entrelaçaram as mãos. Para entrar na Acrópole — para usar as palavras de Pausânias (1. 22. 4) — «só existe uma entrada; não deparamos com nenhuma outra, pois é um sítio abrupto por todos os lados e que apresenta uma sólida muralha» (figura 235). As vicissitudes da Acrópole de Atenas são o reflexo do curso da história. Habitada nos tempos micénicos, transformase em centro religioso exclusivo, durante a Idade das Trevas. Atena, a deusa protectora da cidade, é a divindade desse lugar desde remotos tempos. Aí venerada, desde o período geomé­ trico, num pequeno templo, depois substituído por outros em épocas sucessivas, Atena torna-se então a deusa protectora da pólis. E, segundo a tradição, teve de lutar por essa honra com Poséidon, como Fídias traduziu no pedimento ocidental do Pártenon (figuras 236 e 237). 224

Vol. I - Arquitectura Grega

Muito danificado esse local durante as Guerras Pérsicas, com a maioria dos edifícios destruídos, por incêndio e vanda­ lismo, os Atenienses empreendem a reconstrução da sua cida­ dela sagrada, entre 450 e 410 a. C. Péricles, o governante de então, sonha fazer da Acrópole o centro monumental de uma capital da Grécia: um símbolo da missão proeminente que pen­sava ser a de Atenas. O Estadista considerava-a a «escola da Hélade», o centro de onde irradiava a liberdade, o progresso, a cultura, a arte. E tal ideia está bem traduzida no conjunto mo­numental que ele, coadjuvado por Fídias, pensou e planeou para a Acrópole. Foi a seguinte a ordem dos principais edifícios aí erigidos, todos em mármore do Pentélico (alguns acrescentos em pedra negra de Elêusis nos Propileus):

Pártenon — 447-430 A. C. Propileus — 437-432 a. C. (inacabado) Atena Nike — 427-424 a. C. Erectéion — 421-406 a. C.

E assim o Erectéion foi o último a ser edificado na Acrópole, e talvez nunca concluído. Os novos edifícios então erigidos marcam uma evolução na arquitectura grega que, com a utilização de novas soluções e requintes, adquire maior leveza, harmonia e proporção. Além de as colunas perderam espessura e se tornarem mais esbeltas, os edifícios apresentam compensações ópticas que são verdadeiros requintes de construção, com evidência para a já referida entasis: espessa­mento do fuste da coluna a dois terços da sua altura; ligeira con­vexidade, ao centro, nas linhas horizontais; leve inclinação das colunas para dentro. Desse modo o edifício amplia-se, ganha harmonia, torna-se vivo. Tais inovações estão 225

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

presentes, de modo especial, no Pártenon (da autoria de Ictinos e Calícrates), mas são também utilizadas no Hefestéion. Além disso, na Acrópole convive em harmonia uma mistura de estilos. O Pártenon marca o apogeu do estilo dórico, mas combina-o com o iónico no seu interior; os Propileus ofe­recem a mesma combinação. São edifícios apenas iónicos o pequeno templo de Atena Nike, da autoria de Calícrates, uma pequena obra prima de proporção e beleza; e o Erectéion, de estrutura complexa que, embora não apresente a harmonia ha­bitual de conjunto do templo, é o mais requintado dos monu­mentos helénicos. Propileus, Templo de Atena Nike, Pártenon, Erectéion — um vasto conjunto de monumentos, que transfor­maram a Acrópole num hino à beleza e à proporção. Um des­lumbramento para o olhar dos que nela entram. É 28 de julho, dia do nascimento de Atena e dia da pro­cissão das Panateneias. Estas festas, realizadas por Atenas em honra da sua divindade políade, tinham como ponto fulcral a procissão que, nesse dia, levava à deusa o peplos te­cido pelas jovens atenienses. Das festividades faziam parte competições várias, com destaque para as regatas, concursos de música, recitação dos Poemas Homéricos e, de quatro em qua­tro anos, jogos atléticos. Integremo-nos na celebração e entremos na Acrópole. O caminho, contornando a encosta, vai passar junto ao bastião em que se ergue o pequeno templo iónico de Atena Nike, da autoria de Calícrates (figura 238). Ponto de passagem obrigatória para quem ata­casse a cidadela, é natural a dedicação à deusa que assegura a Vitória sobre os agressores. Com quatro colunas na fachada oriental e quatro na face posterior, o templo de Atena Nike tinha um friso contínuo que, como vimos, na fachada oriental, ostentava o concílio dos deuses olímpicos e, nas zonas laterais, representava cenas de combate dos Gregos contra os 226

Vol. I - Arquitectura Grega

Persas. (Maratona?) e de Gregos contra Gregos. Um parapeito, com relevos de Atena e de Vitórias ou Níkai, ladeava o esporão onde se erguia o templo. Em frente da escadaria que sobe em ziguezague encontramos os Propileus (figura 239), entrada monumental constituída por três partes, como já atrás referimos: a central e duas alas laterais salientes. Obra do arquitecto Mnésicles, trata-se de um edifício em estilo dórico nos pórticos externos e iónico no interior. A parte central era constituída por dois corpos, a níveis diferentes, separados por cinco portas.

Figura 235

A colina da Acrópole de Atenas e as fortes muralhas que a defendiam.

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga



Figura 236

Pártenon de Atenas. Reconstituição da fachada ocidental.

Figura 237

Pártenon. Frontão Ocidental. Disputa de Atena e Poséidon. Pormenor.

Figura 238

Esporão com o Templo de Atena Nike. À esquerda, parte dos Propileus. 228

Vol. I - Arquitectura Grega

Figura 239

Propileus da Acrópole de Atenas.

Passados os Propileus, deparávamos outrora de imediato com a estátua de Atena Prómachos. Depois o olhar, embora atraído pelo Pártenon, detinha-se em numerosos ex-votos, templos e edifícos que enchiam o recinto da Acrópole — com destaque para o santuário de Ártemis Braurónia, Calcoteca, Arreforéion, Pandroséion, Erectéion. Hoje surpreende os sentidos do visitante, a sobressair da massa dispersa de restos de monumentos e a dominar a parte central da Acrópole, a majestade e harmonia do Pártenon e a complexa, mas discreta, forma do Erectéion. Este, talvez obra de Mnésicles, como já foi referido, estreitamente ligado às origens da cidade e dos Atenienses, é o mais requintado dos monumentos helénicos (figura 240). Acabado de construir em 406 a. C. em estilo iónico, não apresenta contudo a harmonia habitual de conjunto que costuma ter um templo. De 229

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

estrutura complexa, tem o tratamento pouco usual de colunas adossadas no lado ocidental e exibe uma planta com três salas, em níveis diferentes, e três pórticos (cf. figura 201): o da parte norte, com culunas muito altas e uma grande porta; o do lado oriental, com seis colunas esbeltas; e o de sul, o mais famoso, o das Cariátides (figura 241). Estreitamente ligado às origens da cidade e dos Atenienses, alberga locais de culto em honra de Atena, Poséidon e Erecteu. Pensa-se que a sala do lado oriental era o naós de Atena Pólias e que a central, dividida no sentido longitudinal, estava consagrada a Poséidon/Erecteu. Alguns vestígios aí encontrados têm sido interpretados como o poço de água do mar de Poséidon, de que fala Pausânias (1. 26. 5). Talvez a intenção de contrabalançar o Pártenon justifique a invulgar elevação que o seu arquitecto lhe deu (Lawrence); talvez a necessidade de reunir nele diversos santuários primitivos explique a sua estrutura incomum (Robertson)1. O Pártenon (figura 242) é o monumento mais importante da Acrópole e símbolo da grandeza da cidade. Com ele pretenderam Péricles e Fídias glorificar a deusa Atena, a pólis que ela protegia e Hélade em geral. Centrado na figura de Atena, como vimos, e na sua missão particular – deusa da sabedoria que é – de civilizar a humanidade, a estátua criselefantina da deusa, da autoria de Fídias, que guardava no seu interior, apontava nesse sentido: a deusa estava armada e detinha a Nike ou Vitória na mão direita; no escudo, parece ter estado representados o combate dos deuses contra os Gigantes e as lutas de Atenienses com as Amazonas; e na base a criação da primeira mulher, Pandora, pelos deuses; ou seja exemplos de ordem que supera a desordem e o primitivismo. Igual propósito tinham as métopas – 92 1

Apud M. H. Rocha Pereira, Cultura grega, p. 579. 230

Vol. I - Arquitectura Grega

ao todo – que denunciam a intenção de ilustrar, de modo simbólico, a luta vitoriosa da moderação e da justiça contra a violência e o primitivismo ou excesso: Titanomaquia (oriente), Guerra de Tróia (norte), Amazonomaquia (oeste) e Centauromaquia (sul).

Figura 240

Erectéion de Atenas. Lados oriental e norte.

Figura 241

Erectéion de Atenas. Pórtico das Cariátides. 231

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Figura 242

Pártenon de Atenas.

O friso iónico interior (esquema 1), pelo seu significado - a que vamos fazer referência mais pormenorizada, correndo mesmo o risco de repetição -, executado por volta de 440 a. C. sob a direcção de Fídias, inspira-se na vida social e religiosa de Atenas: representa a solene procissão das Panateneias que in­ corporava todas as forças vivas da pólis e levava à deusa pro­ tectora da cidade o peplos tecido pelas Ergastinas e transportado pelas Arréforas. Aí estão representados os portadores dos líquidos para as libações; os que transportam vasos sagrados e outros apetrechos para as cerimónias; os que conduzem os animais (cordeiros e bois) para os sacrifícios (figura 243); os cidadãos, alguns em amena conversa (figura 244); os carros com aurigas e guerreiros; os cavaleiros nas poses mais variadas (figura 245).

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Vol. I - Arquitectura Grega



Esquema 1

Todos se dirigem sem interrupção e com solenidade para a fachada oriental onde heróis atenienses e os deuses olímpicos (cf. figura 149)1 — Poséidon, Apolo, Ártemis, Hera, Zeus, Atena, Hefestos, Hermes, Diónisos, Deméter, Ares —, todos numa postura informal prestam atenção e contemplam a cerimónia da entrega do peplos: a cena central, para que converge a procissão. Os frontões, esculpidos entre 438 e 432 a.C., estão relacionados com o nascimento de Atena e com a sua qualidade de protectora da cidade. É elucidativo o simbolismo das cenas. Se o do lado oeste - com Atena e Poséidon a disputarem a posse da Ática, rodeados por deuses e heróis locais, alegando uma que é a sua a terra, e o outro que lhe pertence o mar que quase 1

A imagem representa Poséidon, Apolo, Ártemis. 233

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por inteiro a rodeia -, simboliza tanto o poder terrestre como o marítimo de Atenas, o do lado oriental quer trasnmitir a ideia de que a cidade seria a luz, a que guiaria e iluminaria. Atena nasce armada da cabeça de Zeus, no momento em que a luz do dia surge e as trevas da noite desaparecem: os cavalos do Sol, Hélios, sobem no canto esquerdo, enquanto os da Noite, da Lua, descem no canto da direita, de que se reproduz a famosa cabeça do cavalo de Selene, a Lua, que ocupava o ângulo direito ou norte do frontão oriental e que agora se encontra no British Museum (vd. supra, figura 152). Os deuses despertam do sono e contemplam cheios de assombro a nova divindade: uma expressão, em termos mitológicos, do que Atenas significava para o mundo de então. Símbolo da pólis ateniense, o Pártenon é sinal visível dessa época de glória. Símbolo da pólis ateniense, o Pártenon é sinal visível da época de glória de Atenas — época de busca da igualdade e de conquista da beleza. Tucídides, em palavras que atribui a Péricles (2. 40. 1 e 41. 1), dá-nos bem uma ideia do que o estadista pensava da sua cidade e do que ela significava para o mundo grego de então, ao referir que Atenas, «no seu conjunto, é a ecola da Hélade» (vide texto das pp. 208-209). Infelizmente a história da Acrópole e do Pártenon, após a Antiguidade, não foi a mais risonha, já que o local e o edifício passaram por vicissitudes várias. Em finais do séc. II a.C., Atenas, tal como o resto da Grécia, tinha sido incorporada no Império Romano, perdendo a sua importância política, mas continuava a ser centro cultural importante, visitada pelos intelectuais romanos. Só o imperador Nero deixou uma inscrição em bronze na frente Este do Pártenon, fixada na arquitrave. O edifício era muito admirado. Ocasionalmente, os Romanos faziam cópias das esculturas do Pártenon para decorarem templos públicos importantes, assim 234

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como esculturas menores da estátua da deusa Atena, para serem levadas pelos turistas romanos. Com as invasões Bárbaras, no séc. II A.D., Atenas ficou ameaçada, pois em 267 A.D., os Godos governavam a cidade, tendo a Acrópole sido transformada em fortaleza – tal como acontecera antes de ter sido utilizada apenas como espaço de veneração dos deuses. Até aí, o Pártenon tinha permanecido intocável. Com a divisão do império romano, Atenas ficou a pertencer ao Império Romano do Oriente (império Bizantino). A primeira grande mudança no Pártenon ocorreu no séc. III A.D., quando foi transformado em igreja cristã, dedicada à Virgem Maria. A entrada foi transferida de Oriente para Ocidente e a pequena sala a Oeste foi transformada em nártex (átrio de entrada) da igreja. Por finais do séc V A.D., a estátua já tinha sido removida. Foram cortadas portas nas paredes, separando o nártex do naos, que foi transformado no corpo principal da igreja. Foi substituído o antigo por novo telhado, para uma maior luminosidade. Após a Quarta Cruzada, em 1204, caiu sob o domínio dos senhores feudais da Europa Ocidental, e o Pártenon foi de novo transformado numa igreja católica romana. No segundo quartel do séc. XV, um italiano visitou Atenas, elaborando alguns desenhos do Pártenon tal como era nessa altura. E felizmente em 1670, já no tempo do domínio turco, outros se fizeram. Não muitos anos depois da queda do império bizantino e da tomada de Constantinopla pelos Turcos Otomanos (1453), Atenas foi conquistada pelos Turcos e o Pártenon foi novamente transformado, agora numa mesquita. Mais tarde passa mesmo a paiol de pólvora. Em 1687, já com o Pártenon como arsenal de pólvora, os Venezianos, na sua luta contra os Turcos, sitiaram a Acrópole. 235

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Durante o bombardeamento, acertaram com uma granada no templo e causaram a explosão do Pártenon. Todo o centro do edifício foi pelos ares e lançou em estilhas boa parte da sua escultura ornamental. Pouco mais se quedou de pé, além de frontões e lados – e mesmo destes o de sul com grande brecha ao meio. O magnífico templo que fora o Pártenon tornara-se uma ruína! Os Venezianos tinham como tradição levar obras de arte das cidades conquistadas para adornar as suas cidades, pelo que actuaram de forma semelhante em Atenas, levando os grandes cavalos de mármore do frontão ocidental em triunfo para Veneza, mas ao serem carregados partiram-se.



Figura 243

Pártenon. Friso iónico: bois levados para o sacrifício (lado norte). Museu da Acrópole.

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Figura 244

Pártenon. Friso iónico norte: cidadãos a conversar. Museu da Acrópole.



Figura 245

Pártenon. Friso iónico ocidental: formação da procissão. 237

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Pouco tempo depois os Venezianos retiraram e os Turcos reocuparam a cidade e construiram uma pequena mesquita no interior das ruínas do Pártenon. Um desenho de 1766 representa a Acrópole nesse tempo e outro desenho de 1804 dá uma visão dessa mesquita e mostra o estado de devastação do Pártenon. E aos poucos as esculturas do Pártenon iam desaparecendo. Lord Elgin, que toma posse como embaixador na Turquia em 1799, estava convencido de que deveria tentar salvar as estátuas que restavam, antes que fossem destruídas pelo vandalismo e pelo clima. Além de juntar um grupo de artistas a quem manda desenhar os monumentos de Atenas e catalogálos, particularmente o templo de Athena Parthenos – muitos desenhos perderam-se mais tarde num naufrágio, mas o catálogo sobreviveu – tenta conseguir permissão do governo turco para começar a retirar as esculturas e relevos do Pártenon. A autorização para o projecto foi concedida, sob condição de não interferir com nenhuma fortificação turca. A oportunidade foi aproveitada por Lord Elgin e a recuperação das esculturas começa em 1801-1803. Como as métopas foram colocadas no seu lugar antes de serem instalados os suportes do telhado, para serem removidas, muita da superestrutura do edifício tinha de ser retirada, pelo que algumas das suas partes foram destruídas. Os chamados ‘Elgin marbles’ foram doados ao seu país, em 1816, e passaram a constituir - juntamente com os vasos que os precederam - o núcleo inicial do British Museum. Mas não é apenas este museu que detém a glória de possuir esculturas do Pártenon. Mais dez ou onze se gabam dessa honra: Acrópole (Atenas), Louvre, Museo delle Terme (Roma), de Palermo, de Würzburg, de Heidelberg, de Munique, de Viena, de Copenhaga, de Estocolmo, do Vaticano. Cinco anos após a doação por Lord Elgin da sua colec238

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ção de mármores do Pártenon à nação britânica em 1816 e da sua instalação no British Museum, os Gregos revoltaram-se, iniciando uma guerra de libertação nacional contra os Turcos que se retiraram de Atenas em 1833 e os Gregos decidiram que a Acrópole nunca mais seria usada como fortaleza (como o fora pelos Turcos), nem como resistência. Os Gregos, livres de qualquer dominação estrangeira, destruíram todos os edifícios pósclássicos da Acrópole (as adições bizantinas, francas e turcas foram destruídas), entregaram o cojunto ao serviço da arqueologia grega, que procedeu a escavações e reconstruções. Esses trabalhos arqueológicos, em particular após 1885, trouxeram à superfície estátuas e ruínas anteriores ao século de Péricles, recuperando peças da escultura do Pártenon que tinham caído do edifício séculos antes. Foi decretada uma lei que proibia a retirada de antiguidades para fora da Grécia. Os fragmentos descobertos na área seriam mantidos no Museu da Acrópole. O mesmo aconteceu com as estátuas que ainda ficaram (quer no Pártenon quer no Erectéion), após a recolha de Lord Elgin: substituídas por moldagens, foram já todas recolhidas no Museu, na tentativa de ainda salvar – as do frontão Ocidental, foram estas removidas em 1976. Reergueram-se as colunas do Pártenon, e barras de aço foram utilizadas para reforçar o edifício, mas os resultados foram desastrosos. Em 1970, os ganchos de metal colocados no início do século começaram a derreter e a vergar, ameaçando quebrar o mármore onde estavam colocados. Os que foram encontrados foram substituídos por ganchos de bronze ou de aço inquebrável ou soldados. Actualmente há outro problema a ameaçar o Pártenon: a poluição do ar. Edifícios que resistiram a 2500 anos de chuvas começam a cair sob a acção do dióxido de enxofre dos gases industriais e dos fumos dos sistemas centrais de aquecimento. As 239

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leis que surgiram para o controlo da poluição do ar à volta da Acrópole apareceram tarde de mais, pois os estragos já tinham sido feitos. Em 1977 a UNESCO lançou uma campanha internacional para salvar os monumentos históricos da Acrópole, ameaçados pelos turistas e pela poluição que os rodeia (figura 246). O novo Museu da Acrópole, localizado na área histórica de Kakryianni, apenas a trezentos metros a sodeste da Acrópole, tem inauguração marcada para 20 de julho de 2009.

Figura 246

Acrópole de Atenas.

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GLOSSÁRIO Ábaco, ou plinto: elemento da parte superior do capitel dórico, com forma de paralelepípedo, colocado entre a arquitrave e o equino. Acanto: ornato de capitel que representa uma folha estilizada de acanto (planta de folhas grandes, própria dos países mediterrâneos, cultivada com fins ornamentais). Acrópole: parte mais elevada, geralmente fortificada, das antigas cidades gregas. Acrotério: elemento decorativo colocado no topo do templo. Áditon: lit. lugar inacessível, a parte mais secreta do mégaron, que também se encontra atrás da parede de fundo da cella do templo dórico. Ágora: praça principal da cidade grega com funções políticas e/ou comerciais. Amazonomaquia: combate entre gregos e amazonas. Anastilose: nome técnico para restauro ou reconstrução de monumento ou estrutura, em que se utilizam os elementos originais das partes arruinadas, encontrados no local, a que se pode associar também materiais novos. Andrôn: ambiente de representação da casa grega, reservado aos homens e destinado ao simpósio. Com frequência tinha peitoris para os leitos do banquete ao longo das paredes, com excepção daquela onde se situava a porta de acesso. Anelete: pequena moldura ou ranhura que rodeia a base de um capitel dórico. Anfipróstilo: templo ou edifício sem colunas nos lados, com dois vestíbulos (ou fila de colunas) na fachada e no lado posterior. 241

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Anta: elemento da parede que prolonga os muros laterais da cella de um templo, que terminava em pilastra. Quando entre as antas se encontram duas colunas, a cella, ou o templo, diz-se distili in antis. Antefixa: ornamento em terracota policromática, colocada nas extremidades das fileiras de telhas no telhado. Antémio: motivo ornamental formado de folhas e flores em relevo. Antis (templo in): vide Anta. Aresta: em arquitectura corresponde a um ângulo saliente formado pelo encontro de duas superfícies planas ou curvas. Arquitrave: elemento horizontal, apoiado em duas ou mais pilastras, ou colunas. Constitui a parte inferior do entabelamento. Na ordem dórica não é decorado; na ordem iónica está dividido em três faixas; na ordem coríntia também, mas estas são decoradas. Asna: espécie de armação em madeira ou pedra, de forma triangular, que forma o sistema de suporte da cobertura onde assenta um telhado. Atlas ou Atlante: estátua masculina com função de apoio da arquitrave, com origem no mítico gigante que suportava o peso do mundo nos seus ombros. Átrio: o m. q. vestíbulo. Aulê: o pátio à volta do qual se desenvolvem as dependências da casa grega. Base: corresponde à parte inferior de uma coluna que se apoia directamente na estilóbata. A ordem dórica não tem base, ao contrário das ordens iónica e coríntia cuja base é composta por várias molduras sobrepostas. Bastião: baluarte ou muro levantado que forma uma saliência num forte ou recinto amuralhado. Buleutério: conselho ou edifício no qual se reuniam os conselheiros da cidade. 242

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Caixotão: elemento que ornamenta a parte inferior de um tecto. Canelura: estria vertical ao longo de todo o fuste. Pode ser de secção elíptica ou circular. Cânone: o m. q. norma ou regra. Capitel: parte superior de uma coluna, sobre a qual se apoia a arquitrave. O capitel dórico é constituído por ábaco e equino; o capitel iónico por ábaco e volutas e o coríntio, variante desta última, por folhas de acanto. Cariátide: estátua feminina utilizada como suporte na arquitectura; assim chamada em evocação da escravidão a que foram condenadas as mulheres da Cária, uma região costeira da Ásia Menor. Cávea: lat. cavea; no teatro grego correspondia à escadaria em semicírculo, reservada aos espectadores. Em grego kóilon. Cella: a parte mais recôndita do templo, onde se exibia a estátua da divindade. Em grego naós. Centauromaquia: batalha entre os Lápitas e os Centauros, seres lendários, metade homens e metade equinos. Chitôn: peça de vestuário grego, espécie de túnica. Coluna: conjunto formado por base, fuste e capitel. Colunelo: pequena coluna. Corbelha: principal elemento de um capitel coríntio em forma de cone invertido; da corbelha saem as folhas de acanto. Cornija ou géison: parte saliente do entablamento que tinha a função de proteger o friso e o epistilio da chuva. Correcções ópticas: alterações das linhas rectas, de modo a corrigir os efeitos deformadores da visão à distância. Crepidoma ou plinto: envasamento escalonado do templo, abaixo do estilóbata. Criselefantina: estátua feita em ouro e marfim, numa urdidura de madeira. Decástilo: fachada de templo grego com dez colunas. Demo: a mais pequena unidade territorial e circunscrição administrativa da antiga Grécia, em que se baseava a ordenação social. 243

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Dentículos: elementos que decoram uma cornija formados por uma série de dentes cúbicos, salientes e espaçados. Diázoma: passagem horizontal que dividia a cávea teatral facilitando a passagem aos espectadores. Díptero: templo grego circundado por uma dupla fileira de colunas. Dístilo: templo com duas colunas na fachada da frente. Dodecástilo: fachada de templo grego com doze colunas. Dromos: corredor central de acesso a uma tumba micénica. Ekklésia: o m. q. Assembleia. Ekklesiastéria: edifícios para funcionamento da Assembleia. Empena: parede do topo, rematada em triângulo, de edifício coberto por telhado de duas águas. Emplécton: enchimento desordenado de pedra e terra colocado entre dois paramentos de um muro. Entablamento: conjunto de três elementos arquitectónicos, constituído por arquitrave, friso e cornija, sobrepostos. Êntasis: estreitamento da coluna dórica a cerca de um terço da altura a partir da base, para corrigir a sensação óptica de um adelgaçamento. Envasamento: parte inferior da base de um edifício. No caso de um templo corresponde ao conjunto dos alicerces e das escadas chamadas estereóbatas – as duas inferiores – e estilóbata, sobre a qual se apoiam as colunas. Eólico: capitel arcaico ornado com dupla espiral em forma de volutas, separadas por uma folha de palma. Epístata: O presidente dos prítanes, que era tirado à sorte, diariamente, de entre os cinquenta buleutas — os prítanes — de cada pritania. Epistílio: o m. q. arquitrave. Equino: parte do capitel dórico que ligava o fuste da coluna ao ábaco, a sua curvatura foi variando com o tempo: muito acentuada na época arcaica e de forma troncocónica nos mais recentes. 244

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Escócia: moldura côncava na base de uma coluna. Estádio: edifício para a realização de competições desportivas e exercícios atléticos. Estereóbata: plataforma elevada onde assentava um edifício, em particular os templos. Estilóbata: plinto do templo no qual se apoiavam as colunas. Êxedra: pórtico circular ou rectangular. Fonte: dispositivo arquitectónico e/ ou escultórico, destinado a providenciar o abastecimento de água. Fortaleza: o m. q. fortificação; normalmente envolvendo estrategicamente o espaço de uma cidade. Friso: a parte compreendida entre a arquitrave e a cornija. Na ordem dórica é constituído por métopas e triglifos, nas ordens iónica e coríntia por uma faixa contínua, frequentemente esculpida. Frontão: conjunto dos elementos triangulares que compõem o coroamento da fachada anterior e posterior de um templo, constituído por cornija oblíqua, sima e tímpano. Frequentemente adornado com esculturas e coberto com um telhado de vertente dupla. Fuste: parte central e maior de uma coluna. Nas ordens gregas é sempre canelado: o fuste dórico tem arestas vivas, os fustes iónicos e coríntios têm arestas cortadas ou boleadas. Géison: o m. q. cornija. Gigantomaquia: combate entre os deuses do Olimpo e os Gigantes. Ginásio: espaço ao ar livre rodeado por pórticos, que se destinava ao ensino da ginástica e aos exercícios físicos. Gineceu: ambiente reservado às mulheres, situado no andar superior, para onde se subia por uma escada interior. Gútulas ou gotas: elementos de forma cilíndrica ou troncocónica colocados sobre os mutuli e as regulae, provavelmente inspirados nos pregos utilizados em templos de madeira. Herôon: sepulcro de um herói, tornado objecto de culto. 245

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Hexástilo: fachada de templo grego com seis colunas; o mais frequente na ordem dórica. Hipodâmico: traçado urbano em tabuleiro de xadrez, com vias ortogonais. Hipódromo: recinto desportivo onde se realizam as corridas de cavalos e carros de cavalos. Hipogeu: edifício subterrâneo, geralmente destinado a uma sepultura. Hipostilo: compartimento cujo tecto é suportado por filas de colunas ou pilares. Íkria: bancada ou armação em madeira. Ilioupérsis: a conquista ou destruição de Tróia. In antis: vide Anta. Intercolúnio: espaço existente entre duas colunas próximas, medido pela altura do diâmetro inferior. Inter-eixo: distância entre os centros de duas colunas contíguas. Isódomo: modo de dispor os blocos de pedra ou mármore em fiadas de altura e espessura iguais. Kerkides, ou cunhas: divisão vertical da cávea do teatro que apresenta a forma de um gomo limitado pela escadaria. Klímakes: escadaria interna do teatro grego. Koilon: parte do teatro reservada aos espectadores, em latim cavea. Lápitas: mítica população da Tessália que combateu contra os centauros. Lesche (plural Léschai): sala pública para reuniões. Lintel: elemento de suporte horizontal em pedra ou madeira que se coloca na parte superior de uma porta ou janela. Logéion: parte do teatro destinada ao diálogo. Mausoléu: tumba monumental; o nome provém do monumento fúnebre construido em Halicarnasso (Cária) para o rei Mausolo, considerado uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Mégaron: aposento de planta rectangular, de origem micéni246

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ca. Vide Palácio. Métopa: placa de forma rectangular ou quadrada que ocupa no friso dórico o espaço entre dois triglifos. Metrópole: cidade mãe de onde partiram os fundadores das colónias gregas. Modilhão: ornato em forma de suporte colocado sob a cornija de um friso ou sob o desnível de um frontão. Módulo: na arquitectura corresponde à medida que regulas as proporções das partes de um edifício. Moldura: elemento decorativo, mais ou menos elaborado e de forma variável, acrescentado a um elemento arquitectónico. Monóptero: templo de planta circular com uma só fila de colunas em redor da cella. Mútulo: placa que adere à parte inferior da cornija, da qual pendem filas de três ou seis gotas. Naós: lit. o próprio templo; vide cella. Nike: deusa que personifica a vitória, sob a forma alada. Octástilo: fachada de templo grego com oito colunas. Odéon: edifícios em forma de pequeno “anfiteatro” destinado ao canto e à dança. Oikos: casa. Omphalós: pedra que simbolizava o centro do mundo, colocada no santuário de Apolo, em Delfos. Opistódomo (grego Opisthódomos): vão posterior do templo grego, situado entre os prolongamentos das paredes da cella, em que muitas vezes se armazenavam as oferendas à divindade, ou vão também posterior. Ordem: conjunto formado por base, coluna e arquitrave. Orquestra: no teatro grego é o espaço circular ou semicircular, situado entre a escadaria e a cena, onde se exibia o coro. Óvalo: ornato oval de uma moldura em relevo presente nos capitéis das ordens iónica e compósita. Palácio: especialmente frequente no mundo minóico, corres247

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ponde a edifício de planta muito complexa, de dois a três pisos, com um sem número de divisões em volta de um pátio central rectangular. No mundo micénico tem os mesmos princípios gerais de construção, mas distingue-se por possuir um aposento central, o mégaron, dotado de uma ante-câmara com uma entrada única e uma lareira ao centro, flanqueada por quatro colunas. São também conhecidos palácios da Época helenística (os da época arcaica e clássica constam de referências literárias – de Píndaro aos trágicos - e em pinturas de vasos). Palestra: vide ginásio. Panataneias: festa que se celebrava em Atenas de quatro em quatro anos em honra da deusa Atena. Paraskênia (apenas no plural): partes laterais do edifício cénico a partir do séc. IV a. C.; espécie de bastidores. Parastás, ou pilar: pilastra que se salienta levemente do muro de fundo. Párodoi (plural de párodos ‘entrada’): lit. acessos, que canalizam os espectadores à volta da orquestra; no teatro grego dividiam o edifício cénico do kóilon. Pastás: galeria com dupla planta, direccionada a sul, que caracterizava a casa grega. Geralmente correspondia na parte inferior ao andrôn, e no primeiro andar ao tálamo. Pedimento: o m. q. frontão. Pentélico: do monte Pentélico, famoso na antiguidade pelas pedreiras de mármore branco. Períptero: templo com colunata (ou fileira de colunas) à volta da cella. Perístase: fila de duas colunas que circunda a cella de um templo ou todo ele, no seu exterior. Peristilo: a colunata que circunda um edifício ou o espaço aberto circundado por pórticos colunados. Pilar: suporte vertical em pedra, de secção quadrada, rectangular ou cruciforme, que serve de apoio a uma edificação ou a uma estrutura; geralmente inclui base e capitel. 248

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Pilastra: pilar de quatro faces, integrado na alvenaria de um muro ou parede; geralmente inclui base e capitel. Plinto: elemento da base da coluna; presente nas ordens iónica e coríntia (raro na ordem dórica). Pólis: a cidade-estado grega. Portal: porta monumental e ornamentada de uma edificação. Pórtico: átrio ou galeria guarnecidos de arcadas ou colunas. Usa-se comummente para designar o mesmo que Portal. No mundo grego, corresponde com frequência a corredores porticados que uniam edifícios e especialmente usados em recintos religiosos. Pritaneu: edifício destinado a acolher o fogo sagrado da cidade e os prítanes, magistrados que detinham o poder num décimo do ano. Prónaos: lit. antes do templo: vestíbulo da cella do templo grego, geralmente com duas colunas in antis. Propileu: ingresso monumental coberto. Consta de dois muros paralelos; no seu interior outros muros sustentam as portas. O telhado é sustentado por colunas. Proscénio (do grego proskênion): parte anterior do palco entre a parede da cena e a orquestra. Prostilo: templo com uma fila de colunas antes da cella. Pseudodíptero: edifício circundado por uma fileira de colunas, colocadas a certa distância da cela, de forma a deixar espaço para uma segunda fileira. Pyrgos: bastião. Régula: placa em forma de paralelepípedo que adere ao tenio em correspondência do triglifo e da qual pendem as gotas. Sacelo: pequeno templo. Sima: bordo do tecto que servia para recolher as águas e direccioná-las para os locais opostos de descarga que tinham a forma de cabeça de leão. Skenê: estrutura complexa, representando normalmente a fachada de um templo ou de um palácio. 249

A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

Stoa: pórtico monumental com uma fachada de colunas e um muro postrior. Tálamo: sala principal da parte reservada às mulheres na casa grega, destinada também ao leito conjugal. Tambor: cada um dos blocos que, sobrepostos, forma a coluna. Teatro: edifícios para representações dramáticas construídos em encostas. Télamon: elemento arquitectónico antropomórfico, com função de apoio. Telestérion: edifício hipóstilo usado nos rituais de iniciação do santuário de Elêusis. Témenos: muro de um santuário que assinala o terreno sagrado onde só podem erigir-se templos, objectos de culto e oferendas à divindade. Ténia: lista contínua colocada entre a arquitrave e o friso. Termas: edifícios destinados a banhos. Tesouro: pequeno edifício construído num santuário dentro do qual se conservavam os bens votivos oferecidos por uma cidade. Tetrástilo: fachada de templo grego com quatro colunas. Tholos: edifício de planta redonda com cobertura cónica. Tímpano: parte do frontão compreendida entre a cornija horizontal e as duas cornijas oblíquas. Toro: moldura circular da base de coluna. Triglifo: elemento arquitectónico canelado verticalmente, que no friso dórico possui três faixas verticais em relevo que se alternam com as métopas. Tróquilo: elemento da base iónica, constituído por uma espécie de almofada. Vestíbulo: o m. q. prónaos. Voluta: ornato em forma de espiral de um capitel.

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ÍNDICE Prefácio Advertência preliminar Introdução

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Ordens e estilos Tipologia dos edifícios Edifícios religiosos Arquitectura doméstica Edifícios políticos, administrativos e sociais Edifícios culturais e desportivos Outros edifícios e construções Aspectos do urbanismo grego Santuário de Apolo em Delfos O problema das origens Evolução dos estilos Estilo Dórico Dórico arcaico Dórico clássico Estilo iónico O iónico na Acrópole de Atenas

23 33 33 47 52 59 80 86 91 98 110 111 111 126 167 192

Arquitectura Helenística Atenas, escola da Hélade: espécie de conclusão

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Glossário Bibliografia selecta Índice

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A Busca da Beleza. A arte e os artistas na Grécia Antiga

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