A câmara virtual animada e a câmara escura

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CONFIA . International Conference on Ilustration & Animation Barcelos. Portugal . June 2016 . ISBN: 978-989-99465-6-9

A câmara virtual animada e a câmara escura

José Pedro Teixeira1, Pedro Mota Teixeira2 e António Ferreira3 {Jteixeira, Pmteixeira, Amferreira}@ipca.pt

Keywords

3D, Animação, Câmara, CGI, Cinema, Imagem, Vídeo.

Abstract Para o desenvolvimento de um filme é necessário compreender todos os aspetos técnicos imprescindíveis para a realização do mesmo, bem como todos os detalhes fulcrais no que toca à estética e narrativa. Desta forma, o recurso às câmaras de filmar nem sempre consegue responder às necessidades para a realização de um filme, sendo necessário recorrer à utilização dos meios digitais, desenvolvendo ambientes em computador (CGI) e captando os mesmos com câmaras virtuais animadas. Neste sentido o presente artigo pretende explorar diversos contextos e diferentes soluções na utilização de câmaras reais, câmaras virtuais e um efeito hibrido, solucionando as dificuldades técnicas do sistema oposto.

1. Introdução

O Cinema é a técnica e arte de fixar e reproduzir imagens que suscitam impressão de movimento, assim como a indústria que produz estas imagens. As obras cinematográficas são produzidas através da gravação de imagens do mundo com câmaras adequadas, ou pela criação utilizando técnicas de animação ou efeitos visuais específicos. Segundo Stanley Kubrick “If it can be written, or thought, it can be filmed.” (Halliwell, 1995) a barreira para a realização e desenvolvimento de um filme é a imaginação, sendo que todos os detalhes técnicos são meras etapas passiveis de escolher e controlar. Após o desenvolvimento de um argumento e passando para o processo de produção, é necessário procurar e encontrar os melhores métodos que solucionem e respondam da melhor forma ao problema, neste caso a recolha do conteúdo visual, a imagem. Muitas vezes, fazer uma captura de imagens do mundo real não soluciona completamente o problema, devido às limitações existentes, sejam elas causadas por orçamentos reduzidos, inexistência dos ambientes e personagens pretendidos, limitações da física, perigo e risco inerentes à cena, entre outras. Desta forma, tem-se verificado um aumento do recurso às soluções digitais e virtuais, sendo estas cada vez mais exigente na resposta. Neste artigo, irão ser abordados os princípios base da câmara escura para captura de imagem estática (câmara fotográfica) e a câmara escura de captura de imagem sequencial (câmara de filmar), características e possibilidades das câmaras reais no cinema, no mundo virtual e na fotografia. 1, 2 e 3 Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, Campus do IPCA Vila Frescaínha S. Martinho 4750-810 Barcelos, Portugal.

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2. A câmara escura e a história da sua evolução

Em primeiro lugar devemos conhecer a origem da câmara escura e o seu funcionamento. Indícios apontam que o primeiro aparecimento da câmara escura e dos seus efeitos se deu durante o século V A.C. na China, pelo filósofo Mozi, que pretendia determinar a forma como a luz se propaga, tendo chegado à conclusão que esta viaja em linha reta devido ao efeito gerado no interior da câmara, no qual a imagem aparece invertida e enantiomorfa. Mais tarde, no século IV A.C., também o filósofo grego Aristóteles registou as capacidades da câmara escura durante a observação de um eclipse solar, e durante os séculos seguintes, muitos foram os usos atribuídos à câmara escura. Mas apenas em 1826 ou 1827, cerca de 2200 anos depois do seu aparecimento, se conseguiu fazer o primeiro registo permanente de uma imagem obtida através de uma câmara escura. Este feito foi conseguido pelo francês Joseph Nicéphore Niepce. No decorrer deste período de tempo até aos tempos vindouros, muitos estudos foram feitos na área do campo visual, tanto da projeção da imagem, quer estática quer sequencial, como da persistência da imagem na retina, tendo dado origem a diversas ferramentas para a observação destes efeitos. A lanterna mágica, inventada no século XVII por Athanasius Kircher, servia para a projeção de imagens estáticas, pintadas em lâminas, numa parede. O taumatrópio, inventado em 1824 por Peter Mark Roget, foi a primeira ferramenta utilizada para explicar a persistência das imagens na retina. Este consiste num disco com duas imagens, uma em cada face, que se fundem quando este gira a uma grande velocidade. O fenacistoscópio, inventado em 1829 por Joseph Plateau, é outro dispositivo desenvolvido com a finalidade de demonstrar a teoria da persistência da imagem na retina. O zootrópio, na sua forma mais rudimentar data do ano de 180 na China, tendo sido reinventado e melhorado em 1834 por William George Horner, instrumento que criava a ilusão de movimento. O praxinoscópio, inventado pelo francês Émile Reynaud em 1877, trata-se de uma evolução do zootrópio, projetando a imagem numa tela, refletida por um espelho e utilizando um jogo de luzes que cria uma ilusão de movimento mais refinado e dando a sensação cintilante aos desenhos. Em 1868, o inglês John Barnes Linnett, patenteia o kineograph, também conhecido por flip book (folioscópio), um instrumento que também ele dá a ilusão de movimento a uma sequência de imagens estáticas através da persistência da imagem na retina. No seguimento da história da imagem sequencial, surgiu uma questão sobre a forma de galope dos cavalos. Pretendia-se saber se nalguma fase do galopar, as quatro patas do cavalo se manteriam em simultâneo no ar sem qualquer contacto com o solo. Surgiu a oportunidade para o inglês Eadweard Muybridge comprovar e chegar a uma resposta definitiva, e em 1877 assim o fez, obtendo uma única fotografia na qual o cavalo apresentava as quatro patas no ar, sem qualquer contacto com o solo. Porém, no ano seguinte de 1878 após a conclusão, Muybridge pretendeu estudar o ciclo de marcha do galopar do cavalo com uma sequência de imagens que o ilustrassem. Utilizando uma série de 12 câmaras, dispostas lado a lado em intervalos regulares, foi obtida a sequência há tanto desejada (Meurer,

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2014). Em 1891, o escocês William Kennedy Dickson desenvolveu o cinetoscópio enquanto empregado de Thomas Edison, tendo este patenteado a invenção. Este mecanismo possibilitava a visualização da sequência de imagens por um único individuo de cada vez, mas garantindo uma boa qualidade de movimento da imagem, pelo facto de esta passar as imagens a uma velocidade superior à capacidade de perceção da retina. Esta invenção foi a mais aproximada ao cinema até então. Em 1895, dois irmãos de nome Auguste Lumière e Louis Lumière, aperfeiçoaram o cinetoscópio dando origem ao cinematógrafo, dando assim início à história do cinema. Este aparelho permitia a captação e registo de sequências de imagem e posterior projeção em tela ou parede para uma plateia. Desde então, as evoluções foram constantes no melhoramento e aperfeiçoamento da câmara escura tanto a nível da qualidade de imagem como a passagem de imagens a preto e branco para imagens a cores, captura e cobertura de acontecimentos distantes para transmissão, a captura e atribuição de som sincronizado com as imagens, redução no tamanho das câmaras e preço permitindo o desenvolvimento de vídeos caseiros, alteração da forma de captura de imagem analógica para imagem digital e desenvolvimento de sequências de imagem em movimento através de computadores. As câmaras são compostas por elementos únicos e característicos que, independentemente da sua origem ou fabricante, estão sempre presentes e funcionam segundo a mesma lógica. Elas são constituídas por uma câmara escura, zona onde a imagem captada será processada, seja através da utilização de pelicula (no caso da imagem analógica) ou através da utilização de um sensor de imagem que converte a luz em cargas elétricas (nas câmaras digitais). Um obturador que controla o tempo que o sensor ou a película vão estar expostos à luz. Uma objetiva, sendo este elemento constituído por uma série de lentes que convergem a luz captada até ao sensor/pelicula da câmara, permitindo alterar o tipo de foco entre objetos mais próximos ou mais afastados da câmara e também aumentar ou diminuir o tamanho dos mesmos (conforme as características e capacidades da objetiva), e por um diafragma que permite controlar a intensidade da luz que atravessa o obturador e que é captado pela pelicula/sensor. Diferentes tipos de câmaras (fotográficas ou de filmar) podem permitir a alteração de lente e das suas características conforme as necessidades.

3. A câmara escura e as diferentes aplicações

A câmara escura tem sido um marco, quer na história do cinema quer na forma de comunicar visualmente, e os fins atribuídos a esta são diversos. Fotograficamente falando, a imagem é usada para diversos fins como a fotografia de retrato, sendo uma das mais antigas com a finalidade de registar as feições de um individuo, personalidade e essência. A fotografia arquitetónica serve para captar obras arquitetónicas ou projetos de design de interiores. A fotografia publicitária ou de produto com o objetivo de mostrar e apelar à compra do mesmo. A fotografia gastronómica, com o fim de apelar o espectador a deliciar-se com um prato culinário apenas com um único sentido: a visão. O fotojornalismo onde a informação é clara e objetiva. A fotografia desportiva abrange todos os tipos de desportos e tenta

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captar os momentos mais intensos. A fotografia turística com a finalidade de registar lugares, pessoas e ambientes num contexto de lazer. A fotografia de moda com o intuito de exibir roupas e acessórios de forma apelativa. A fotografia infantil, com uma crescente procura nos últimos anos por parte de pais que pretendem fazer o registo fotográfico dos filhos, desde o período de gestação no útero da mãe (gravidez) até à sua adolescência. A macrofotografia com a finalidade de captar objetos muitos pequenos e próximos com grande detalhe e textura. A fotografia documental serve para contar uma história, sendo muito semelhante com o fotojornalismo, mas fazendo um registo maior e continuo. Existem ainda outros tipos de fotografia utilizada profissionalmente como a fotografia industrial, cientifica, espionagem, militar, abstrata, médica, subaquática e aérea. Da mesma forma que existem diferentes tipos de finalidades para o registo fotográfico, também existem diferentes aplicações para o tipo de vídeo registado: artístico, arquitetónico, publicitário e produto, gastronómico, jornalístico, desportivo, turístico, moda e glamour, registo infantil com a mesma finalidade que a fotografia infantil, documental, industrial, cientifica, espionagem, militar, abstrata, médica, vigilância, subaquática e aérea, tal como na fotografia, mas também para a produção de ficções em formato de filme ou série. Cada um destes tipos de vídeo necessita de câmaras com características distintas que facilitem o fim a que estão destinadas, e desta forma, existem vários tipos de câmaras de filmar. As câmaras de filmar profissionais são câmaras com a finalidade de captar imagem e som com uma grande qualidade e possibilidade de transmissão do sinal recebido para uma régie que distribuirá o mesmo. Por norma são câmaras complexas, com diversos menus e funções que devem ser operadas por um operador especializado e utilizadas por profissionais da área do audiovisual, seja em televisão, cinema e cobertura de eventos. As câmaras de filmar semiprofissionais são câmaras usadas de forma semelhante às câmaras profissionais, mas com algumas limitações em termos de qualidade, quer do equipamento, quer da informação captada. São usadas como soluções mais baratas para produtores com poucos recursos mas mantendo várias opções de controlo manual e qualidade cinematográfica. As câmaras de filmar de mão (ou handycam) são câmaras pequenas, fáceis de manusear, baratas e, por norma, automáticas, facilitando o seu manuseamento por um individuo sem experiência, permitindo assim um registo caseiro de momentos pessoais. As câmaras de ação são pequenas câmaras capazes de captar imagem com grande qualidade, em ambientes mais hostis, seja de baixo de água (até uma determinada profundidade), no ar acoplada num dispositivo voador ou acoplada num individuo, dando a perspetiva na primeira pessoa (POV), captando imagens de risco ou difícil acesso onde nem todas as pessoas têm características ou aptidões para as submeterem (saltos de paraquedas, parkour, pilotar motas, etc.). Existem também as webcams com a finalidade de transmissão de imagem via internet, sendo estas câmaras de baixa resolução e qualidade para facilitar a rápida transmissão entre origem e recetor, baratas e fáceis de manusear. Existe também o chamado circuito fechado de televisão (CCTV em inglês) com a finalidade de captar

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imagens de uma determinada zona ou área utilizando câmaras específicas para o efeito e colocadas segundo uma determinada lógica e estratégia a fim de servir como sistema de segurança e vigilância. Estas câmaras têm uma grande qualidade de imagem e estão ligadas a uma central que recolhe a imagem das mesmas. A câmara endoscópica é utilizada, não só para fins médicos, mas também industriais, policiais, arqueológicos, entre outros. A sua grande vantagem é a possibilidade de penetração em zonas de difícil acesso (sistema digestivo humano, canalizações, paredes, etc.), sem que seja necessário recorrer a uma intrusão agressiva que requeira cortes ou demolições, preservando toda a estrutura intacta e permitindo a análise da mesma. No caso da endoscopia, existe uma outra alternativa, a capsula endoscópica, do tamanho de um comprimido que é ingerida pelo paciente, permitindo a gravação de todo o aparelho digestivo até à sua expulsão natural do corpo.

4. Planos e instrumentos de apoio à captura

O cinema, denominado como a sétima arte, tem como objetivo narrar uma história de forma visual, auditiva e temporal e para o conseguir deve fazê-lo segundo uma lógica coerente, procurando sempre a melhor representação gráfica e técnica para o efeito, respeitando as regras cinematográficas. Desta forma, e com a evolução tecnológica e do cinema, novas necessidades surgiram, tornando os realizadores mais exigentes, procurando sempre novas técnicas que tragam uma nova visão, fresca e apelativa que tornam o cinema cada vez mais interessante. De forma a obter estes novos efeitos visuais e alcançar uma nova linguagem cinematográfica, foi necessário desenvolver vários mecanismos que permitissem tal efeito, e hoje em dia estes são utilizados rotineiramente. Cedo se percebeu que, para a captura estável de imagens, a câmara necessitaria de uma estrutura firme que permitisse o controlo adequado do plano a executar, dando origem ao uso do tripé com a câmara. Este aparelho já era conhecido e utilizado com outros fins, mas tornou-se imprescindível nesta realidade. Desta forma, foi possível captar planos fixos com imagens estáveis. A evolução destes tripés permitiu também novos tipos de planos com movimento. Girando em torno do eixo vertical, deu-se origem à panorâmica horizontal (em inglês pan ou panning), um tipo de plano específico que permite a captação de toda a essência de uma longa paisagem sem recorrer a qualquer corte (panorâmica descritiva). É utilizado também para acompanhar o movimento de uma personagem ou veículo (panorâmica de acompanhamento), estabelecer a relação geográfica entre dois personagens ou objetos (panorâmica geográfica ou de relação) ou demonstrar a visão de uma personagem (panorâmica de ponto de vista). Por vezes, um plano é fixo e permite a captação correta do ator e da sua ação mas, com o crescer da tensão dramática ou do desempenho do mesmo, este acaba por sair do plano, obrigando a pequenas correções de plano (panorâmica de correção). Existem ainda as panorâmicas muito rápidas, que acabam por tornar a imagem num arrastão sem que seja percetível qualquer elemento nela contido (panorâmica chicote), utilizadas para a mudança de cena, sem que seja percetível o corte entre elas. Além da panorâmica horizon-

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tal, existe também o movimento de panorâmica vertical (em inglês tilt), movimento giratório da câmara sobre o seu eixo horizontal, que permite o mesmo tipo de efeitos que a panorâmica horizontal. A utilização do tripé permitiu assim a captação estável de planos, porém, fixa a câmara num ponto geográfico, impossibilitando a movimentação livre da mesma no espaço. Esta incapacidade técnica levou ao desenvolvimento de novos mecanismos que possibilitassem a fixação da câmara num tripé, mas ao mesmo tempo permitisse o livre manuseamento dela no espaço, o que deu origem à dolly, um tripé com rodas. Desta forma, foi possível captar planos estáveis durante um determinado tempo e em seguida, sem ser necessário recorrer ao corte, movimentar a câmara acompanhando o movimento de um ator ou objeto. Este tipo de solução permite a captura de planos de sequência, tendo sido utilizado e imortalizado no filme “The Shining” (Shining, 1980), e posteriormente adotado em inúmeros filmes. A dolly é uma solução viável e fácil de manobrar em pisos planos, mas quando aplicada em terrenos acidentados perde toda a sua capacidade de captar uma imagem estável. De forma a colmatar esta falha, recorreu-se ao mesmo tipo de tecnologia utilizada para a deslocação de comboios por todo o tipo de terrenos, adaptando os caminhos-de-ferro aos tripés dolly com a câmara de filmar acoplada dando origem à câmara em carris, muito utilizados em cenários de batalha, em que existe a necessidade de acompanhar o avanço das tropas no terreno acidentado e visualmente captar o seu progresso. Tendem a ser planos intensos, com muito movimento e ação a decorrer ao mesmo tempo. Estes planos tornam mais interessante a narrativa, mas para pequenos produtores é uma solução pouco prática. Desta forma desenvolveu-se a camera slider, um sistema de slide que permite um movimento retilíneo de uma câmara num pequeno espaço, originando um plano semelhante ao da câmara em carris. Na continuidade destes desenvolvimentos técnicos, foi produzido um equipamento que permitiu a captação de planos de um angulo superior ou inferior ao normal, e constante alteração na continuidade do mesmo, denominado de grua. A utilização de tripé para a captura de imagens estáveis no cinema tornou-se assim uma prática comum por garantir a qualidade das mesmas. Com o evoluir da narrativa cinematográfica, sentiu-se a necessidade de integrar cada vez mais a atenção do espectador no filme, tornando-o mais imersível e para se conseguir este efeito, desenvolveuse a capacidade de controlar a posição da câmara no espaço por parte do operador de câmara, mas mantendo alguma estabilidade no plano, originando apenas um pequeno movimento do plano, garantindo uma maior veracidade à ação. Este equipamento acabou por ser integrado em inúmeras câmaras profissionais, tornando-as em câmaras de ombro com a possibilidade de as adaptar e estabilizar em tripé. Já as câmaras semiprofissionais não apresentam esta característica, sendo necessário adaptar-lhes um equipamento externo, designado de shoulder rig, para garantir o mesmo tipo de efeito. Esta solução permite que o operador de câmara se movimente livremente no espaço, e siga uma personagem ou percorra uma determinada zona, mas quando utilizado em andamento

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acelerado (corrida), torna o plano demasiado instável, o que deu origem ao desenvolvimento da glidecam, um sistema que permite a movimentação rápida do operador de câmara no espaço (em corrida), seguindo personagens e objetos, gerando um plano interessante com movimento e naturalidade. Este sistema funciona com o operador de câmara a vestir um colete para suportar todo o peso da câmara e contrapesos de forma equilibrada e distribuída pelo tronco, um braço hidráulico ou de molas que vai amortecer a oscilação da câmara enquanto esta se movimenta e um suporte de encaixe para a câmara com um sistema de contrapesos para tornar a câmara equilibrada e estável. A necessidade de demonstrar a grandiosidade de uma paisagem natural, um meio urbano, um exército ou uma perseguição vista de um ponto elevado, levou à busca da possibilidade de ser instalada uma câmara num aparelho que voe (helicóptero, avião), gerando um plano épico e garantindo um ponto de vista muito distinto do que o olho humano está habituado a captar. É sempre uma solução que permite um ponto de vista interessante, mas que nem sempre é viável para pequenos produtores. Desta forma, foram desenvolvidos drones, pequenos aparelhos voadores telecomandados com a capacidade de acoplar uma câmara de filmar e capazes de captar imagens aéreas de uma forma simples e barata, já que não é necessário uma longa lista de licenças para tal. Todas estas soluções permitiram uma evolução na forma como se desenvolve a narrativa do filme, porém, nem sempre é possível contradizer as leis da natureza e gravidade, recriar os espaços pretendidos, colocar os atores nos perigos inerentes à cena, e neste ponto entra em ação o recurso ao digital e a animação das câmaras virtuais.

5. A câmara virtual em ação “The ability to composite many layers of imagery with varied transparency, to place still and moving elements within a shared 3D virtual space and then move a virtual camera through this space, to apply simulated motion blur and depth of field effect, to change over time any visual parameter of frame – all these can now be equally applied to any images, regardless of whether they were captured via a lens-based recording, drawn by hand, created with 3D software, etc.” (Manovich, 2006).

A imagem gerada por computador veio permitir a possibilidade de quebrar as regras da realidade e adulterá-las para criar uma nova realidade, quebrando o elo de ligação do espectador com a realidade que ele conhece e gerando uma nova ligação com a “falsa” realidade, aceitando-a sem se questionar (Buchan, 2007). A exibição da nova realidade deve ser coerente, mantendo sempre as mesmas regras que ela nos apresenta. Caso contrário, corre o risco de se tornar contraditória, levando o espectador a questionar toda a sua estrutura e ainda renegá-las (Castello-Branco, 2010). O recente filme de 2016 “Deadpool” (Deadpool, 2016) demonstranos exatamente este efeito. Grande parte das cenas de ação existente no filme derivam de perseguições alucinantes a alta velocidade em carros e

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motas, no meio de autoestradas com muito tráfico e aplicando manobras perigosas com os veículos. Incluem também inúmeras cenas de ação recorrendo a armas de fogo e disparo das mesmas sobre outros atores. Com a tecnologia tão desenvolvida, percebeu-se que a vantagem de criar estas situações digitalmente seria uma vantagem em termos económicos e como forma de minimizar os riscos. Assim sendo, optou-se por uma captura hibrida, misturando atores reais em situações menos perigosas com cenários e efeitos virtuais, e até à substituição destes mesmos atores por personagens virtuais, intercalando imagem real com imagem digital. Torna-se mais credível para o espectador que de facto se trata do mesmo ator a sofrer com a ação e não uma personagem digital (Jones, 2007). Nas figuras 1 e 2 podemos comparar a captura real com o resultado final e como o ator evita os riscos inerentes à ação. Fig. 1 e Fig. 2 – Deadpool (Deadpool, 2016)

Como este, muitos têm sido os filmes e programas televisivos a recorrer a este tipo de tecnologias, colocando um ator ou atores com diversos elementos sobre um cenário verde, substituindo a aparência do ambiente como nos filmes “The Hobbit” de Peter Jackson, “Alice in Wonderland” de Tim Burton, “Life of Pi” de Ang Lee, e muitos outros. Para além da captura hibrida das cenas, também é comum ser-nos apresentada uma outra solução de substituição. Neste caso, durante uma sequência de planos vemos a ação a decorrer, com atores reais a reproduzirem o seu papel, até que é apresentado um corte para o plano seguinte. É neste novo plano que a magia da animação digital acontece. Aos olhos do espectador, com a intensidade da ação e a sequência rápida de planos, aparentemente não aconteceu nada de especial. Apenas veem o ator na continuidade da ação, com os perigos inerentes e manobras épicas. Na realidade, todo este novo plano é gerado por computador, enganando a perceção do espectador e garantindo a capacidade da personagem concretizar tal ato. Desta forma, o realizador pode escolher uma de duas opções: ou aceita as a quebra no estilo intencionalmente e aceita as dificuldades técnicas de recriar a perceção do real e atribui um grafismo cartoon à nova cena ou sequência de cenas (Power, 2009), ou então opta pela tentativa de recriar o real, atribuindo volumes, texturas, sombras e reflexos da forma como ele pretende iludir o espectador sobre a nova realidade. Temos o exem-

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plo do filme de Quentin Tarantino “Kill Bill: Vol. 1” que decorre com ação real, com atores reais e recorrendo a câmaras reais no decorrer de todo o filme exceto no terceiro capítulo. Neste capítulo, de forma a demonstrar situações extremas de violência gráfica, o realizador optou por apresentar todo o capítulo recorrendo a desenhos com movimento. Há a quebra no tipo de linguagem do filme, mas encaixa bem na forma como este pretende que o espectador assista e experiencie a história. Na figura 3 é percetível esta diferença de linguagens e a utilização da câmara de filmar real e a criação de planos sobre o desenho. Fig. 3 – Kill Bill Vol. 1 (Kill Bill, 2003)

Já no filme, também de 2003, “Matrix Reloaded” realizado pelos irmãos Wachowski, deparamo-nos com a segunda situação. Numa das cenas de batalha entre a personagem principal, Neo, e o seu archi-inimigo, Agent Smith, é possível observar uma sequência de planos cheios de movimento e manobras arriscadas, mas credíveis com todo o universo que nos foi apresentado até então. No momento em que as leis da física são quebradas, de uma forma tão extrema, que nem mesmo os atores conseguem recriar estas manobras, nem mesmo recorrendo a mecanismos e efeitos de suporte às filmagens, o realizador transporta toda a realidade do filme para a imagem gerada por computador. A intensidade da ação da sequência, o ritmo alucinante e a sequência de curtos planos permite que a diferença entre estilo não seja percetível pelo espectador (Teixeira, 2013). A possibilidade de animar uma câmara no espaço virtual permite a captação de um plano de sequência. Esta situação permite assim que a câmara virtual animada percorra percursos pouco convencionais, atravessando pequenos espaços, executando rotações entre as personagens e todo o tipo de movimentos impossíveis de recriar na realidade. Quando comparados os diferentes planos com fotogramas estáticos, é perceptivel a diferença existente entre ambos, como verificamos na figura 4, mas o avanço da tecnologia e a noção de como gerar e transmitir a realidade tem vindo a evoluir, dando origem a cenas geradas em computador mais credíveis que a própria realidade. Fig. 4 – Matrix Reloaded (Matrix Reloaded, 2003)

No mundo do cinema de animação, o autor tenta sempre dar a sensação de movimento aos seus objetos, seja com uma linguagem mais realista ou cartoon. Da mesma forma, na animação gerada por com-

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putador, os animadores podem e devem atribuir animação às câmaras virtuais, de forma a não limitarem os planos para um tipo estático. No mundo virtual é então possível atribuir informação de animação às câmaras, sejam valores de translação, rotação, escala, objetiva, distância focal, entre outros, tal como nas câmaras reais. Mas nem sempre, animar cada um destes atributos inerentes à câmara de forma manual, é a solução mais viável e foi esta questão que a equipe de desenvolvimento do filme “Cloudy with a Chance of Meatballs” colocou: Qual seria a melhor forma de animar uma câmara virtual que aparenta estar a ser manuseada por um operador de câmara? Chegando a uma simples conclusão, perceberam que poderiam recriar este movimento, com pequenas oscilações de forma mais credível, captando os movimentos de uma câmara real e transpondo o movimento para uma câmara virtual. Havia a possibilidade de animar manualmente cada um dos parâmetros da câmara, mas havia a hipótese de não chegarem ao resultado pretendido, e assim, com o avanço da tecnologia foi possível colocar uma câmara real, com um sensor de movimento ao ombro de um operador de câmara, e gravar o posicionamento deste no mundo real, pequenas oscilações e movimentos por mais subtis que fossem. A equipa conseguiu assim dar um toque de movimento real à animação de uma forma célere e assertiva. Na figura 5 podemos ver a solução encontrada com a câmara real e o resultado final do filme. Fig. 5 – Cloudy with a Chance of Meatballs (Science of Movies, 2009)

6. Conclusão

O recurso hibrido, a câmaras reais e câmaras virtuais, permite não só chegar a resultados mais credíveis como também obter o melhor que cada um dos métodos tem para oferecer. As possibilidades são inúmeras, e é comprovado pela forma como o mundo do cinema a tem adotado, obtendo resultados credíveis e com uma qualidade excelente. Podemos assim, e em jeito de conclusão, afirmar que o recurso aos dois sistemas para a realização e complementação na produção de um filme, possibilita a criação de situações irreais, gravação e montagem numa sequência, habilitando as cenas com personagens, objetos e cenários de características que não existem na realidade como a conhecemos. Neste sentido, a câmara virtual pode viajar através de percursos onde uma câmara real não consegue alcançar, o que torna credível toda a realidade virtual como sendo real.

References Castello-Branco, P. Pure Sensations? From Abstract Film to Digital Images, Animation: na interdisciplinary jornal, SAGE, pp 26-39 (2010) Buchan, S. Editorial. Animation: na interdisciplinary jornal, SAGE, pp 220-223. (2007) Deadpool. Direção: Tim Miller. Produção: Simon Kinberg; Ryan Reynolds; Lauren Shuler

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Donner. Interpretes: Ryan Reynolds; Morena Baccarin; Ed Skrein e outros. Argumento: Rhett Reese e Paul Wernick. Musica: Tom Holkenborg. Estados Unidos da América: 20th Century Fox. (2016) Halliwell, L. Halliwell’s Filmgoer’s and Video Viewer’s Companion, Harpercollins, New York, pp. 403 (1995) Jones, M. Vanishing Point: Spatial Composition and the Virtual Camera, Animation: an interdisciplinary jornal, SAGE, pp. 226-243 (2007) Manovich, L. Image Future, Animation: an interdisciplinary jornal, SAGE, pp 25-44. (2006) Meurer, U. Horse in Motion: On the “Rationalities” of Cinema and Opera. Kinetophone (2014) Power, P. Animated Expressions: Expressive Style in 3D Computer Graphic Narrative Animation, Animation: na interdisciplinary jornal, SAGE, pp. 108-127 (2009) Teixeira, J. Agnes: Metodologias na produção de um filme de animação em Blender. Arquivo ESAP-Guimarães Dissertação de Mestrado. (Mestrado em animação Digital) – Escola Superior Artística do Porto – Guimarães, pp 66. (2013) The Shining. Direção: Stanley Kubrick. Produção: Stanley Kubrick. Interpretes: Jack Nicholson; Shelley Duvall; Scatman Crothers; Danny Lloyd e outros. Argumento: Stanley Kubrick e Diane Johnson. Musica: Wendy Carlos e Rachel Elkind. Estados Unidos da América: Warner Bros, c2001. 1 DVD (115MIN), Color. Produzido por Warner Home Video. (1980)

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