A caminho da escola: uma etnografia da posição da escola entre os Arara do Laranjal

May 27, 2017 | Autor: E. Capelli Belezini | Categoria: Antropología Social, Etnografia Ed Etnologia, Belo Monte, Educação Escolar Indígena
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Os Territórios Etnoeducacionais anunciado no Decreto nº 6.861 em maio de 2009 pelo Estado propos uma nova configuração administrativas da educação escolar indígena baseada na ideia de territórios delimitados pela composição de povos indígenas que compartilham relações históricas, culturais e linguísticas, de modo que seja possível pensar em blocos de práticas educacionais.
O encontro foi realizado entre os dias 14 e 18 de Fevereiro, para o qual foi Ana Elisa Santiago, Ernesto Gali (aluno da graduação de Pedagogia na UFSCar e pesquisador do OEEI entre o ano de 2010 e 2011, Camila Beltrama e Bia Patriota. Eu participei apenas de alguns dias do encontro, já que cheguei no dia 16 de Fevereiro, mas pelas experiências compartilhadas em reuniões do OEEI pudemos ter visões privilegiadas.
Os artigos 210, 215, 231 e 232 da Constituição Federal de 1988 reconhecem os direitos indígenas na constituição. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, nos artigos 26, 32, 78 e 79 cria certo plano de educação específica e diferenciada a essas populações nativas do Brasil. O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas atualiza e define mais parâmetros para a educação escolar indígena. Na prática todos esses planos acabam ficando como plano de fundo teórico pouco explorado em meio a um modelo educacional universal que é levado às escolas indígenas.


As professoras disseram que parte dos utensílios doméstico que estavam na casa foram levados por elas, mas que já havia alguns utensílios que haviam sido deixado por outros professores que passaram pelas casa. As professoras dividem um único cômodo, onde há três camas, onde guardam todos seus bens pessoais. O banheiro fica separado da casa, a cerca de 20 passos em direção ao centro da aldeia. O banheiro é uma pequeno cubículo revestido de madeira comberto com telhas de barro. As professoras sempre reclamam da condição do banheiro, no qual já encontraram cobras enquanto tomavam banho. A principal exigência das professoras que trabalham nos Arara do Laranjal é que construam uma nova casa, de preferência de alvenaria e com um banheiro interno.
Não foram todos que apareceram, mas principalmente os homens, algumas mulheres e crianças.... (contar mais)
"Grosso modo, a categoria denota relações de afinidade entre homens nascidos em grupos residenciais diferentes. Porém, é muito mais do que isso: categoria de pensamento central para sua visão de mundo, sua dinâmica social e suas estratégias políticas, ipari serve aos Arara como instrumento de definição de um imenso universo de sentido. Sua elasticidade permite articular planos distintos de existência e significação, nos quais se estabelecem dois diferentes princípios de apreciação relativos à conduta humana ideal, duas modalidades ou doutrinas de ação, enfim duas éticas diferentes: uma que se define pela imperiosa agressividade - modo exemplar de relação manifesto na história recente de contato com os brancos (mas não apenas aí, como se verá); e outra que se caracteriza pela urgente necessidade de uma convivência solidária que tenta banir a virtualidade dos conflitos - que é o espírito que regula as relações comunitárias intra-aldeãs e que, hoje, define também, no geral, os modos de interação ordinária com os brancos." (Teixeira-Pinto, 1997, p. 32)
Em um processo semelhante ao vivido por outros ameríndios – veja-se SZTUTMAN e COHN 2003.
Hoje muitas crianças circulam livremente pela aldeia levando informações de um lado para o outro; há novos meios de interação (como o futebol, a televisão no centro da aldeia, a escola; o posto de saúde). O que se torna mais do que simples informações. Quando veem que alguém caçou ou pescou em grande quantidade já acorrem para o lugar onde vai ser dividido, esperando a parte que cabe a sua família. Outras crianças indígenas têm o mesmo papel mesmo em configurações aldeãs muito diversas, tais como as Xikrin (Cohn; 2000)
Vide um pai que, junto com seu filho, foi morar com os WaiWai, para que ele pudesse aprender a religião e continuar estudando – dado que a escola na aldeia Laranjal só vai até o 5º ano. Este é o mesmo homem que me respondeu que escola é bom para formar cacique, quando lhe perguntei sobre a importância da escola.
Um dos líderes Arara era tratado por "senhor" por muitos homens. Digo "era" porque ele já foi tirado do disputado cargo, no qual ainda tinha esperança de se manter por uma validade dos brancos, dizendo que só iria deixar de ser líder quando a comunidade passasse rádio para a Funai, quando estivesse certo no papel. A importância do papel, dessa outra lógica de funcionamento começa a se fazer cada vez mais parte da vida dos Arara, que a incorporam aos seus modos e usos dependendo da relação estabelecida.
O pronome "Senhor" utilizado pelos Arara a um dos líderes, como vim a saber por meio dos missionários que trabalham com os Arara, é fruto de uma brincadeira que eles faziam com esse representante devido ao fato de ele usar muitas vezes em suas respostas o pronome "senhor". Sarcasticamente os Arara começaram a chama-lo de "senhorinha", dentre outras derivações, tal como meu interlocutor me alertou e como já havia visto. Mas, vi algumas vezes ser usado o pronome "Senhor" por alguns Arara, claro, não todos, e muitas vezes havia mesmo o aspecto cômico, mas em outras de respeito.
Digo reclamações porque as únicas vezes que os Arara falam bem da Funai é quando lembram dos tempos não tão antigos, principalmente lembrando do antigo chefe de posto, que viveu por lá por mais de 10 anos.
Principalmente nesse momento em que as lideranças indígenas estão passando mais tempo na cidade do que na aldeia, devido à enorme quantidade de atribuições necessárias para conseguir os bens pelo Plano Emergencial - finalizado em dezembro de 2012.
A fala foi feita em português, mas traduzida literariamente.
A noção de resgate cultural chega aos povos indígenas desta região com grande intensidade nesse momento da construção da hidrelétrica. As lideranças Arara, depois que voltam de reuniões que participam com os brancos, transmitem por meio de reuniões na aldeia o que aconteceu nesses eventos. Dizem sobre a importância do resgate cultural e da afirmação da identidade cultural, por exemplo, em falas dirigidas aos pais, dizendo que eles têm que falar com os filhos na língua, e não em português, porque há muitas criança que não mais querem falar na língua, só querem falar em português, e isso é ruim. Dizem que se as mães – muitas vezes direcionam o discurso às mães – não ensinarem a língua aos filhos, os Arara ficarão iguais a outros povos indígenas da região, que nem sabem mais a língua e estão agora tentando resgatá-la.
Visto as crianças que, como eles dizem, mal falam a língua e não querem mais saber disso, ao que colocam a culpa sobre as mães, que ao invés de falar na língua, falam em português com os seus filhos. Essas falas apareceram de modo eufêmico em reuniões e mais diretamente em conversas particulares comigo.

Ver Carneiro da Cunha (2009) e Albert (1997).
Palavras do próprio Isaac de Souza lendo meu texto.
http://www.missaoalem.org.br/quem-somos/missao-visao-e-valores/
Fato também recorrente em outras etnografias, tal como relata Clarice Cohn (2000).
Muitas vezes me perguntaram onde ficava minha aldeia, como que ela era.
Devido a chegada da professora Geise no Laranjal, os horários da professora Regina foram alterados. As turmas do EJA e Brasil Alfabetizado foram juntadas em uma só, para as quais foi reservado o período das 14:00 às 16:00 horas.
A professora Geise veio à aldeia como professora e técnica em enfermagem devido a alguns problemas de uma outra enfermeira que estava atuando na aldeia.
Nas palavras de Isaac de Souza: "além do Curso nas Selvas, eles tiveram, na ALEM, em Brasília, aulas de Fonética Articulatória, Aquisição de Línguas, Introdução à Linguística, Antropologia Cultural, Antropologia da Religião, Educação Intercultural, Elaboração de Alfabeto, Fonologia I e II, Gramática I e II, Sociolinguística, Semântica, Tradução, Metodologia de Campo, Elaboração de Dicionário, entre outras disciplinas."
Esse mesmo menino cantou algumas músicas religiosas traduzidas para a língua Arara em uma ocasião em que fomos até a fazenda de Levi, que fica na fronteira com a Terra indígena Arara, descendo o rio Iriri. Nessa viagem, Levi, além de dono de uma fazenda de gados, é também pastor de uma igreja evangélica localizada próxima à Transamazônica, na qual fomos todos participar do culto em que esse menino cantava enquanto um missionário colocava o ritmo na guitarra.



Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Centro de Educação e Ciências Humanas – CECH


Monografia de Conclusão de Curso em Ciências Sociais - Antropologia.

A caminho da escola: uma etnografia da posição da escola entre os Arara do Laranjal



Eduardo Henrique Capelli Belezini
Orientadora: Clarice Cohn












Resumo:

Os Arara do Laranjal, povo indígena situado à margem esquerda do Rio Iriri, afluente do Rio Xingu, se veem hoje em meio a um conturbado contexto político marcado pela construção da hidroelétrica de Belo Monte, a qual vem provocando inúmeras transformações (sociais, ambientais, políticas) na cidade de Altamira e nos povos dos arredores da região. Tendo em vista esse cenário de intensas relações com os não indígenas, este trabalho buscar compreender a posição da escola a partir da relação entre as propostas teóricas (modelo institucionalizado de escola indígena formatado pelo Estado) e a aplicação prática desse modelo na aldeia, o que se passa em meio a essa ebulição de acontecimentos, situando-a no cenário político pelo qual estão passando, apontando as transformações, os ritmos e horários que ela promove na aldeia, os usos e significados que a ela são atribuídos.

PALAVRAS CHAVE: Ameríndios, antropologia da política, Belo Monte, educação escolar indígena.


















Introdução: 4
Capítulo 1: De Altamira para a aldeia: a montagem do cenário 5
1. 1 Observatório de Educação Escolar Indígena (OEEI)/UFSCar 5
1.2 A chegada em Altamira 6
1.3 O Um breve panorama da educação escolar indígena Nacional e em Altamira 7
1.4 O Encontro Pedagógico 8
1.5 Os preparativos da viagem 9
1.6 A chegada na aldeia 13
Capítulo 2 Os Arara do Laranjal 15
2.1 Os estranhamentos iniciais 15
2.2 A reunião com pais e alunos e o esclarecimento da pesquisa 16
2.3 A história de contato e o mito: 19
2.4 A "lógica" dos subgrupos 21
2.5 O contexto recente 23
2.6 Os personagens do contexto recente 28
Capítulo 3. Chegando na escola 32
3.1 Um breve histórico do surgimento da escola 32
3.2 Os primeiros interesses na escola e os atores envolvidos. 33
3.3 A escola e o contexto político recente 36
3.4 Os horários, os ritmos e a merenda 40
3.5 Uma paródia da Escola Ativa: as professoras, o modelo de aulas e o material 48
3.6 As aulas não regulamentadas 54
3.7 Nas aulas: os alunos e as professoras 56
Conclusão 61
Bibliografia 63




Agradecimentos:

Foi um percurso longo até a conclusão desta monografia, que acabo de finalizar. Meus pais foram os primeiros a marcar minha trajetória até esse momento. Com eles cresci e aprendi a viver. Ensinaram-me o certo e o errado, ensinaram-me a levar a vida e deram-me condições para estar aqui hoje, com todo seu esforço e trabalho, que no final de contas persegui um caminho um tanto quanto inesperado a eles, novas verdades, novos certos, novos errados, o que não quer dizer que não são eles os responsáveis pelo meu caminho, pelo contrário, pela liberdade de escolha que me deram que pude seguir meus afetos e estar aqui hoje concluindo este trabalho – agradeço imensamente com todo o coração a eles e as minhas queridas irmãs com quem continuo compartilhando grandes alegrias (brincadeiras, brigas, e todos esses sentimentos e momentos da vida).
Em São Carlos conheci muitas pessoas, pelas quais me apaixonei e vivi boa parte de minha vida. A Barravento e tudo o que passou e passa ainda por ela, casa onde morei com amigos queridos que passaram e outros que ainda passam por minha vida, além de todos os outros amigos que fui conhecendo nesses percurso pela cidade do clima, às vezes quente, outros frios, temperado com imprevisões que passavam a todo o tempo por a gente. Foram eles que me criaram e me ensinaram a viver nesse outro lugar, longe de meus pais, com quem aprendi e desaprendi muito. A Dona Ilda, cozinheira excepcional que conhecemos e que deu muito amor e carinho com sua comida e palavras sempre (e era quase todo dia) que íamos até seu cantinho almoçar. Hoje já não é tão perto, já não bato o cartão como antes, e muitos já não vejo tanto quanto antes, mas não posso dizer que a chacrinha onde moro hoje seja pior ou melhor, sei que a condição que esse lugar me dá, as pessoas, "A" natureza, os passarinhos e todo esse mundo desconhecido ou apenas vislumbrado em poucos momentos de minha vida é tão grande quanto os outros que passei.
Aos professores que me formaram, tenho grande admiração por Marina Cardoso, professora de antropologia com quem fiz muitas aulas, com quem aprendi grande parte do que sei a respeito de antropologia. Claro, a Clarice Cohn, com quem fui conversar timidamente e contar sobre meus afetos pela antropologia, pelas questões de educação, e pelo interesse que tinha em vislumbrar uma vida em uma aldeia indígena, que se concretizou graças a Clarice, ao Observatório de Educação Escolar Indígena OEEI, e ao grupo de pesquisa. Clarice foi sempre mais do que uma orientadora, uma amiga com quem podia compartilhar minha aflições, os afetos que me impressionavam e tudo o que me aparecia e me perturbava eu sabia que poderia recorrer a ela, à sua grande experiência enquanto antropóloga e ao seu coração aberto para as questões mais banais, que talvez sejam estas as chamadas grandes questões. Foi por meio dela que fui chegar aos Arara.
Em meio aos Arara fiquei alojado na casa de auxilio da Funai, mas compartilhei durante o almoço e janta das deliciosas comidas que as professoras Regina, Simone e Maelli faziam – sempre lavando a louça com a sensação de extremo bem estar. Agradeço imensamente a elas por aceitar o espião de suas aulas na mesa de refeição.
Arara, diz minha mãe que foi a primeira palavra que eu disse. Foi a eles que cheguei e que fui fazer "pesquisa". Palavra tão pequena para expressar tudo o que aprendi com eles e com a experiência que passei na aldeia. Como citar nomes dentre tantos, como falar de um e não de outro, sendo que cada momento que penso em falar de alguém em específico já me vem junto tantos outros nomes, mais do que isso, pessoas, grandes amigos com quem passei algum tempo na aldeia e alguns dias em Altamira. Com quem passei não momentos de pesquisa/pesquisador, mas de vida. Foi toda uma vida que mantive e criamos juntos. Fui alvo de piada, de chacotas - aprendi muito, e espero ter deixado algo interessante também. Agradeço imensamente aos Arara e a todos que por meu caminho passaram nesse percurso de vida.






















Introdução:

O texto foi dividido em três capítulos, com o intuito de apresentar e situar a escola num cenário mais amplo que não trate apenas da etnografia da escola, mas da etnografia do lugar onde está uma escola, neste caso numa aldeia indígena.
O primeiro capítulo terá início com uma apresentação do Observatório de Educação Escolar Indígena (OEEI)/Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), projeto de pesquisa que tornou possível a pesquisa realizada entre os Arara do Laranjal. Em seguida, apresento uma breve explanação sobre a educação escolar indígena a que os Arara do Laranjal tem acesso em relação ao plano nacional de educação e a sua aplicação nesse município; além disso, elaboro uma breve etnografia feita em Altamira, de modo a situar o modelo e os agentes da educação escolar indígena que estão em relação com as aldeia indígena.
No segundo capítulo, antes de ser efetivada uma etnografia da escola, ou melhor, da posição da escola na aldeia, foi preciso uma breve apresentação dos Arara do Laranjal. Com esse intuito recupero parte da obra de Teixeira Pinto (1997) para abordar como os Arara vieram a se relacionar com os não indígenas, assim como o modo com que essas relações ocorrem hoje, salientadas pela construção da hidroelétrica de Belo Monte, o que será importante para compreender a situação da escola na aldeia Laranjal.
Por fim, no terceiro capítulo, antes da etnografia propriamente dita da escola, traço um histórico de sua origem, o que nos conduz a uma elucidação dos agentes envolvidos com a implantação dessa instituição à época, seus interesses e motivações, assim como procuro traçar o envolvimento dos Arara. Em meio a este caminho procuro entender os efeitos da presença da escola nos alunos e de modo geral nos habitantes da aldeia, os ritmos e os horários que ela imprime nesse ambiente, para só em seguida entrar na escola. Dentro dela exponho as práticas pedagógicas, as professoras, o modelo de aulas e os conteúdos abordados na escola, assim como uma etnografia do que esses alunos fazem na sala de aula quando não estão apenas aprendendo os conteúdos passados pelas professoras.



Capítulo 1: De Altamira para a aldeia: a montagem do cenário
1. 1 Observatório de Educação Escolar Indígena (OEEI)/UFSCar

Esta pesquisa foi possibilitada e financiada pela CAPES a partir do edital que teve início no ano de 2010, que contou com o projeto encaminhado pela Profa. Dra Clarice Cohn intitulado A educação escolar indígena em duas realidades: uma comparação entre os Territórios Etnoeducacionais da Amazônia Oriental e do Rio Negro, para o qual foi constituído uma equipe de pesquisa que pudesse reunir etnografias dos dois Territórios Etnoeducacionais em vista de elaborar uma discussão comparativa entre essas duas regiões que tiveram diferentes processos históricos de experiência com a educação escolar indígena, expressando hoje realidades discrepantes.
O Território Etnoeducacional do Rio Negro é um lugar em que a educação escolar foi atenção de movimentos indígenas, de Organizações Não-governamentais e financiadores de projetos desde cedo, tendo gestores indígenas ocupando órgãos municipais e federal, caracterizando-se como um espaço em que as relações intensivas com o não indígena já se dão há mais de um século, assim como sua história com a educação escolar é de longa data.
Por outro lado, comparativamente os povos do território etnoeducacional da Amazônia Oriental, focado neste projeto no espaço do médio Xingu que tem a educação escolar indígena sob a gestão do município de Altamira, tiveram um processo histórico recente de relações amistosas e de aproximação com os não indígenas. O contato com a educação escolar data de algumas dezenas de décadas e, até então, pouco foi alvo de investida de movimentos ativistas indigenistas, sendo eles por não indígenas ou por indígenas.
Hoje a educação escolar indígena em Altamira começa a ter maior destaque, visto que o contexto marcado pela aprovação da barragem hidroelétrica no Rio Xingu colocou sobre holofotes a região de Altamira, e também os povos indígenas dispostos ao longo dos três rios (Xingu, Iriri e Bacajá) que serão afetados por esse megaempreendimento de pouca rentabilidade e muita destruição. (BERMANN, C.; HERNANDEZ F. M.; 2010)


1.2 A chegada em Altamira

Meus planos para a primeira viagem eram acompanhar o encontro pedagógico elaborado pela Secretaria Municipal de Educação (SEMED) de Altamira para os professores que dão aula na área indígena e depois ir junto as professoras para a aldeia Arara Laranjal. Cheguei em Altamira numa quarta-feira, final de fevereiro de 2011, onde fiquei durante uma semana acompanhando os encontros e os preparativos para a viagem dos professores à área indígena organizada também pela SEMED de Altamira, além de preparar minhas bagagens e os presentes para os Arara. O encontro pedagógico será importante relato para mostrar quem são os organizadores da educação escolar indígena de Altamira e a qual modelo de educação que eles estão se remetendo, assim como para compreender como é a formação dos professores que vão à área indígena, ou seja quais são as prescrições que eles devem seguir e por quais meios. Por outro lado, os preparativos da viagem organizados também pela SEMED nos mostra um pouco melhor como se faz a Educação Escolar Indígena em Altamira, quem são seus participantes, os lugares onde moram, como planejam e fazem acontecer a educação na aldeia, o que será de suma importância para entender quem são essas pessoas com quem os Arara estão lidando na prática e não apenas no papel.
Para tal fim, as reuniões do OEEI/UFSCar foi de grande importância, já que por meio delas pudemos trocar importantes experienciais quanto ao funcionamento da educação escolar indígena em Altamira, desde seu modelo teórico até à sua aplicação nas aldeias, o que nos remete tanto ao modelo hegemônico homogêneo transmitido pelo aparato estatal, quanto aos funcionários do Estado, os quais modificam o modelo em sua atualização prática. Mas ao memos tempo, através das aulas das professoras nas aldeias indígenas é possível ver a aplicação desse modelo em uma realidade específica.

1.3 O Um breve panorama da educação escolar indígena Nacional e em Altamira


O marco na educação escolar indígena veio junto com a promulgação da Constituição Federal brasileira em 1988, quando foram
"reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens." (Art. 231).
No artigo 210 da referida constituição foi reconhecido a possibilidade de "utilização de suas línguas maternas e processos próprios de ensino e aprendizagem", abrindo aos indígenas o direito de optarem por o que pensam ser melhor e cabível às suas escolhas, isto é, com a possibilidade de eles serem os agentes construtores do modelo prescritivo que permite uma educação escolar específica e diferenciada, viabilizando as mais variadas formas educacionais possíveis – mas é claro que dependente de suas escolhas, de suas decisões e de seus interesses.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a educação escolar indígena que é levada aos Arara é, na prática, organizada pela superintendente e pelo coordenador da educação indígena da SEMED, dois funcionários a quem se destina todo o trabalho de administração, coordenação, organização de eventos, burocracia etc. que envolvem nove Terras Indígenas, um bloco formado por: Xikrin e Kararaô, de lingua Jê; Arara do Laranjal e Arara do Cachoeira Seca, de língua Caribe; Parakanã, Araweté, Assurini, Xipaya e Curuaia, de língua Tupi. Sob gestão municipal, as escolas nas aldeias indígena não atendem ao Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), documento com as bases para a educação diferenciada, o que passou a ser direito dos indígenas a partir da constituição de 1988, como atesta a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e o Plano Nacional de Educação. Essas escolas enquadram-se na categoria de escola rural, sem o registro de escola indígena e os seus benefícios - não contam com verbas Federais, professores indígenas (embora em 2012/2013 dois professores Arara começaram a atuar como docentes na aldeia Laranjal) e materiais didáticos específicos e diferenciados.
As escolas nas Terras Indígenas contam com 31 professores, anualmente contratados pela SEMED, mas com a tendência de permanência do quadro de professores e de seus locais de atuação, dado que os indígenas cobram professores que já conhecem, mas que, no entanto, acaba sendo todo ano ajustado de acordo com eventuais ocorrências que gera certa rotatividade e renovação. No mais, os professores são residentes da cidade de Altamira, têm pouco conhecimento sobre educação escolar diferenciada e sobre indígenas e seus direitos, ministram suas aulas em português, formuladas com embasamento dado pelas orientações do encontro pedagógico que é realizado todo semestre antes de irem às aldeia indígenas, do calendário único, do programa da Escola Ativa destinado às escolas rurais e pelo modelo de avaliação de desempenho dos alunos indígenas do Instituto Airton Senna, o qual se dá por meio de fichas pré-formatadas para o preenchimento. Ainda é preciso dizer que a educação escolar destinada aos povos indígenas sob essa gestão são atendidos apenas com o 1º ciclo do ensino fundamental, que vai até o 5º ano. Como podemos ver, de educação escolar indígena só temos nesse quadro os próprios alunos. (Santiago, A.E; 2012)
1.4 O Encontro Pedagógico

O encontro pedagógico organizado pela SEMED de Altamira numa Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) em 2010 foi marcado por oficinas, exposições e orientações aos professores que atuam na área indígena, principalmente voltado a questões burocráticas que se remetem a um modelo de educação nacional, com certo conteúdo a ser seguido pelos professores num pré-determinado calendário que é voltado à educação rural, realidade esta bem discrepante da dos indígenas. Por ora, vou relatar brevemente como esse modelo de educação rural é proposto para os professores na prática.
Em um dos dias do Encontro Pedagógico foi realizado uma oficina de construção de materiais com produtos da cidade, fazendo com que a sala de aula (lugar onde ocorria os encontros) ficasse dividida por cantinhos, manufaturados pelos professores com cartolinas, partes de revistas recortadas, colagem e etc., intitulados com o nome das aldeias indígenas em que os professores trabalham. Esses cantinho irão aparecer posteriormente nas salas de aulas das três professoras que foram para a aldeia Laranjal durante o período em que realizei a etnografia, assim como nas outras escolas que estão sob gestão de Altamira, já que é uma proposta da Escola Ativa, com a qual a SEMED estabeleceu parceria.
No dia seguinte tivemos uma palestra iniciada com um vídeo nomeado "A conciência de sua missão", de Roberto Shinyashiki, no qual havia reflexões de como podemos nos tornar pessoas melhores e também as que estão ao nosso redor, como uma espécie de missão no mundo. Em seguida houve uma discussão e explicação do modelo de educação que estava sendo proposto para as escolas nas aldeias, baseado no programa de educação da Escola Ativa, com o que poderíamos dizer que essas escolas levadas para as aldeias são fundamentadas em modelos planejados para populações que vivem no campo, as quais têm como primeira língua o português, diferente da realidade dos indígenas atendidos por esse programa, que tem a língua indígena e outras tantas diferenças como fundamentais. Assim, falou-se de propostas pedagógicas para sala de aula multisseriada, que devem ser pensadas nas especificidades do campo e com atenção às diferenças. Mas, como dar atenção a tais coisas se o material didático proposto não atende à realidade do local? Como exigir uma educação diferenciada e específica com a exigência de calendários e datas já pré-definidas sem nem mesmo a formação dos professores para tais fins? Isto é, como exigir que os professores que dão aula nas aldeias indígenas desempenhem uma educação baseada no modelo de educação diferenciada e específica a cada povo se eles não são formados, preparados e nem mesmo instruídos sobre o que significa essa proposta de educação à qual têm direito?Como tarefa final do Encontro Pedagógico, foi proposto aos professores que elaborassem uma paródia em formato musical das propostas da Escola Ativa, para que em seguida fosse apresentada pelos professores.
1.5 Os preparativos da viagem

Para ilustrar um pouco melhor como acontece a chegada da escola a cada semestre letivo nas aldeias vou constituir parte dos preparativos da viagem, que foi inicialmente programada para o sábado, mas só foi sair na quarta-feira. Na segunda-feira, depois da já adiada viagem, eu e mais quatro pesquisadores do OEEI/UFSCar, com rancho e malas prontas para a viagem fomos até a SEMED para saber quando iriam sair os barcos para as rotas – rota do iriri, rota do Xingu e rota do bacajá. Lá estavam Cicília e Gilson, respectivamente, à época, superintendente e coordenador da educação escolar indígena da SEMED, os organizadores da viagem para as várias rotas – que também não sabiam dizer quando sairia, mas que estavam preparando, com muita calma, tudo o que fosse necessário. Depois de muita espera para saber como andavam os preparativos, oferecemos ajuda, que foi logo aceita por Gilson.
Fomos com Gilson até sua casa para juntar alguns botijões de gás vazios para trocar por cheios, que depois seriam distribuídos nos barcos que levam as professoras para a aldeia. O primeiro passo era conseguir um caminhão para transportar as coisas que seriam levadas para a aldeia, mas ainda não tinham conseguido um. Gilson passou um bom tempo reclamando que não haviam liberado dinheiro para pagar as contas desses preparativos e que se fosse preciso ele pagaria com seu próprio dinheiro. Ele conseguiu um caminhão, e logo que chegou subimos em sua carroceria depois de ter posto algumas lousas e outros materiais que estavam na SEMED.
Depois disso o caminhão foi até a casa de seus pais, uma casa bem simples, e já um tanto velha, onde estava "guardado" um amontoado de cadeiras escolares em uma garagem escura e cheia de teias de aranha, boa parte delas velhas e imprestáveis que esperavam por uma reforma, e outras "novas", ou melhor, as antigas cadeiras usadas no município de Altamira que ainda tinham alguma condição de uso.
Depois de ter escolhido e colocado no caminhão as melhores cadeiras, rumamos à casa de Cecília, onde pegamos bagagens de alguns professores, além de caixas e mais caixas de materiais que iam para a escola. Tudo posto no caminhão saímos por um tour pela cidade de Altamira na carroceria do caminhão para pegar as bagagens nas casas de alguns dos professores que não tinham levado suas coisas ainda nem ao porto de onde sairiam as embarcações e nem na casa da Cecília. Fomos até a casa de um professor que não estava, depois fomos até a casa de outro professor, que junto com sua bagagem subiu no caminhão. Dirigimo-nos até a casa de uma professora e de seu marido, que depositaram as malas no caminhão e seguiram viagem conosco. No meio do caminho até a casa de outro professor, um rapaz pegou carona para levar a televisão até a casa de seu tio. Este trajeto durou a tarde toda, as casas dos professores que passamos eram todas bem simples, a maior parte do trajeto percorreu a periferia da cidade, lugar onde a maioria deles moram.
Chegamos ao porto da "prainha" no crepúsculo e logo que o caminhão encostou-se à margem do rio já fomos tirando as coisas dele e passando para uma dos barcos que já estava ali que seria dirigido para a rota do Xingu. Nesses barcos foi posto tudo o que era endereçado para as aldeias que ficavam na rota. Havia de tudo, merenda escolar, materiais escolares, lousa, carteiras escolares, malas e ranchos dos professores (comidas perecíveis, tais como ovo, legumes, frutas, carnes; e alimentos não perecíveis, como arroz, feijão, enlatados, farinha, trigo, entre outros), botijões de gás etc..
A cidade de Altamira é o principal lugar em que os indígenas da região mantém relações com os não indígenas. A cidade é um tanto alheia aos indígenas - pude perceber isso por conversas com taxistas, em restaurantes populares, em lojas que fiz compras para a viagem, no mercado, em padarias etc. -, aos olhos dos Altamirenses (e da grande maioria da população brasileira) os indígenas mantêm uma lógica não-funcionalista que atravanca o desenvolvimento do Brasil; assim, a visão é que eles ganham um monte de coisa do governo, têm uma terra enorme que não usam para nada, são todos preguiçosos e vêm para Altamira só para beber cachaça.

***
Trouxe esse cenário com o intuito de apresentar quem são as pessoas que estão administrando, organizando e preparando os professores da educação escolar indígena de Altamira, assim como para situar o ambiente no qual estão inseridos todos esses agentes, os quais se vêm com a responsabilidade de aplicar um modelo teórico na prática. São pessoas que têm uma renda econômica baixa e que em sua maioria nasceu em Altamira ou na região, que optaram por dar aulas na área indígena como uma maneira de se construir uma vida. Essa opção de trabalho faz com que esses professores passem a maior parte do tempo nas aldeias e não em suas moradias em Altamira, o que não quer dizer que veem a aldeia como sua casa, pelo contrário, é o lugar para se criar um outro mundo possível, mas este será feito na cidade. Ou seja, a aldeia parece mais ser vista por eles como um meio para se criar uma vida, mas esta será na cidade de Altamira. A casa das professoras na aldeia representa muito bem essa imagem, é um meio para outro fim, um locus de transição, de renovação anual, seja pelas próprias pessoas que continuam a ir à aldeia, seja por outras pessoas que as substituem, é o local em que todo fim de ano se retira todos os bens pessoais e as pessoas, no qual restam apenas os móveis da própria casa, que é reconstruída todo ano pelos que virão a ser seus moradores. A casa onde moram na aldeia poucas vezes recebe um tratamento e um despendimento de verba e da ação para construir um local para morar por um período de tempo um tanto fixo, sempre se espera e se pede para que as instituições governamentais subsidiem reformas e construções, mas despesas privadas poucas vezes são investidas nesse lugar onde passam a maior parte do ano. O devir dessas professoras é na cidade, o meio é a aldeia.
O barco enfim saiu com a demora de dois dias. Estávamos já com as redes armadas vendo a cidade de Altamira ficar distante, preparados para uma longa viagem, quando, antes mesmo de perder Altamira de vista, o barco quebrou. Voltamos ao porto e esperamos por mais umas duas horas até decidirem que iríamos de voadeira e, depois de consertado, o barco sairia com as nossas bagagens e as bagagens destinadas aos indígenas à margem do Rio Iriri. Fomos então todos para a voadeira, pegamos nossas bagagens principais e partimos.
Na voadeira estava eu, Bia (outra pesquisadora do OEEI), as três professoras do Laranjal, uma professora do Kararaô (kayapó) (Terra Indígena que fica na outra margem do Rio Iriri que faz vizinhança com a TI Arara do Laranjal ) e o piloto. A viagem foi curtíssima, pelo fato de termos ido de voadeira pudemos chegar na aldeia no mesmo dia, quatro horas depois de termos saído. As professoras anunciaram a chegada e o piloto foi logo diminuindo a velocidade e encostando o barco num porto onde muitas mulheres e crianças nos olhavam de cima de uma colina. Conforme paramos, notamos que mulheres e crianças continuavam em cima da pequena colina nos olhando, esperando por nós, parecia que há algum tempo, e mais e mais gente ia chegando para ver nossa chegada.

1.6 A chegada na aldeia

Descemos da voadeira e fomos conduzidos pelas professoras e as crianças até o local onde iríamos dormir. A FUNAI havia disponibilizado a antiga casa do chefe de posto, que agora é casa de auxilio, para que pudéssemos nos alojar enquanto estivéssemos na aldeia – uma casa bem escura e cheirando a vazia, de taipa (de fato, de barro com reboco em cimento) e telha de brasilite, com uma cozinha logo na entrada, dois quartos com piso de cimento queimado, um banheiro azulejado com chuveiro e vaso sanitário, e uma espécie de sala; tudo dava a impressão de que ficara por terminar, os cômodos eram separados por algumas valetas não cimentadas, e um terceiro quarto ainda estava com terra batida onde ficavam coisas da comunidade que não eram muito usadas.
As crianças nos ajudaram a carregar todas as coisas barranco acima, onde conseguimos a chave que estava guardada com a técnica de enfermagem (Léia) que então ocupava o posto, na chamada farmácia – uma casa dividida em dois: o espaço onde a técnica de enfermagem atuava enquanto funcionária, com a entrada de frente para o rio; e outro espaço que faz parte da mesma casa, mas que de fato é entendido como um espaço mais privado, é onde se aloja a técnica (chamada por enfermeira por todos) que atua na aldeia, uma casa com cozinha, lavanderia, banheiro e três quartos, o que é um espaço mais restrito e privado, com regras variáveis de acordo com a técnica de enfermagem que a ocupa, diferente do espaço relativamente mais público da farmácia, um ambiente de trabalho, que também é ocupado pelo Agente Indígena de Saúde, que trabalha como ajudante da técnica de enfermagem, e muitas vezes a substitui quando é necessário. A farmácia, diferente da escola, é um lugar que nunca está vazio, com raras exceções que geram tumulto e muita discórdia, já que é uma exigência dos indígenas que estão habituados a irem à farmácia diariamente para tomar remédios de dor de cabeça, gripe, xarope, vitaminas, dor no corpo, etc.. É um lugar no qual se vê certa rotina diária, com horários um tanto quanto estabelecidos e habituados, com exceções a casos que ocorrem inesperadamente durante o dia a dia, que fazem com que alguns vão até à farmácia fora do horário fixado.
A alguns metros da farmácia estavam as professoras, em uma casa de madeira coberta de palha construída pelo Conselho Indigenista Missionário-CIMI, tendo os Arara diversas vezes trocado as palhas. Esta casa tem três entradas, uma dá para a conzinha, que fica de frente para a aldeia; a outra para uma sala com televisão e redes estendidas onde as professoras passam a maior parte do tempo quando não estão dando aula, que fica de frente para casa do chefe de posto; e uma terceira entrada que dá para um cômodo um tanto escuro que é usado como sala de aula, separado do espaço privado da casa das professoras por uma parede de tabuas.
Atrás dessa casa está a casa de apoio da FUNAI, a qual está abandonada e sem morador, já que era a antiga casa onde o chefe de posto da FUNAI destinado aos Arara do Laranjal se alojava quando estava na aldeia, posto que foi recentemente abolido pela reestruturação da Funai. Hoje esta casa é usada pelos Arara para guardar certas tralhas, mas sempre há espaços vazios que são utilizados pelos viajantes para pernoitar enquanto ficam na aldeia, principalmente funcionários da FUNAI. Foi nessa casa onde fiquei alojado sozinho durante toda minha estadia na aldeia, liberada de bom grado pelos Arara, assim como pelo chefe/representante da FUNAI da região de Altamira.
Essas três casas ficam em frente aos dois portos que poderíamos dizer mais públicos da aldeia, por onde aportam as embarcações dos brancos e as que são relativas a todos os Arara. Entre as casas das professoras e as casas dos Arara fica a oroptam - que não é exatamente no meio da aldeia, já que a disposição espacial das casas e construções dos Arara mais se parece com um aglomerado de casas que foram sendo construídas do que como um aldeia circular estilo Kayapó – à qual se remetem por casa de fora, casa de todos, lugar onde muito vão assistir à televisão durante a noite, momento em que o gerador movido a óleo diesel produz a energia para toda a aldeia, com uma infraestrutura de luz elétrica para quase todas as casas. É neste mesmo espaço em que ocorrem as reuniões que envolvem os Arara do Laranjal, nos momentos em que se entendem como um todo em face de um assunto comum, o que foi evento rotineiro no momento em que realizei a pesquisa, principalmente devido à implantação da hidroelétrica de Belo Monte.
Do outro lado da aldeia, depois das casas dos Arara que são irregularmente dispostas numa espécie de aglomerado compondo a imagem de uma meia lua preenchida com várias casa irregularmente dispostas, está o prédio escolar, próximo à floresta e aos caminhos que conduzem às roças, para a qual, partindo das casas onde os não indígenas se alojam, é preciso atravessar toda a aldeia. Porém, antes de chegarmos à escola, tomo como importância fundamental um breve panorama dos Arara do Laranjal, de modo a compreendermos e situarmos de maneira mais adequada a escola em meio a esse ambiente.












Capítulo 2 Os Arara do Laranjal

2.1 Os estranhamentos iniciais

Os Arara souberam que eu iria para a aldeia a partir de um rádio passado por um funcionário da FUNAI que ficou encarregado de pedir autorização aos Arara sobre a possibilidade de eu realizar uma pesquisa junto com eles durante um tempo - o que foi permitido.
Cheguei na aldeia e quase não encontrava os homens, a atmosfera quanto a minha presença era de desconfiança e incertezas. O AISAN (Agente Indígena de Saneamento) da aldeia era um dos pouco que estava por lá, já que os homens haviam saído para coletar castanha, e os dois representantes da comunidade Arara estavam em reunião sobre a hidrelétrica de Belo Monte em Brasília. Assim, parecia que esperavam uma explicação sobre minha ida, mas que ainda não estava na hora de ser dada. Muitos me perguntavam o que eu estava fazendo lá, porque tinha ido, quanto tempo ia passar, como era meu nome, se tinha pai, mãe, etc. – era um momento de primeiro contato e de recolhimento do máximo de informações que conseguiam, o que era feito principalmente pelas crianças, que depois transmitiam no interior de suas casas e também para outras crianças que faziam o mesmo. Vale ressaltar esse papel que as crianças desempenham de apreender informações e também transmiti-las aos seus pais; o que será visto também em outras passagens do texto.
Assim, por mais que eu falasse o motivo de minha ida, eles permaneciam desconfiados. Isso veio a se resolver apenas ao longo do tempo, mas logo descobri os motivos. Percebi que o receio que tinham comigo era fruto de certa desconfiança que os Arara têm em relação à antropólogos, que se trata de uma composição de encontros que tiveram com respeito a essa profissão que acabou sendo também irradiada para mim, com a identidade profissional de antropólogo, a qual muitas vezes os Arara parecem se esquecer. Isso é interessante de perceber pois marca que as relações estabelecidas entre mim e os Arara não são baseadas simplesmente nessa identidade de antropólogo, pelo contrário, pareço-me mais como um estrangeiro amigo que está por alí trocando ideias, objetos etc. Não me veem os Arara com um ar de autoridade, como inicialmente perguntavam qual o pronome de tratamento deveriam usar para comigo, mas mais como um amigo, às vezes um intruso, às vezes alguém que incomoda, outras que ajuda e pode ajudar, outras que é um grande amigo, etc.., Enfim, varia de acordo com as relações e as situações no cenário em que estou presente e as pessoas.
Quando os homens voltaram da coleta da castanha tudo começou a se resolver. Tinha acabado de voltar para casa, quando bateram na porta. Abri, era um homem novo, com cerca de 25 anos, que logo foi entrando e se sentou no banco corrido de madeira que fica ao lado da mesa, bem na entrada da casa. Começamos uma conversa de reconhecimento, ele queria saber quem eu era, de onde vinha, quem eram meus pais, se tinha irmãos, filhos, mulher(es), amigos, isto é, queria saber tudo ao meu respeito, até o momento que ele se sentiu mais a vontade e disse: "porque você está aqui, o que veio fazer aqui? Estou aqui para falar em nome do pessoal todo, porque eles estão preocupados, tão dizendo que se o senhor veio para acabar com a escola não vão deixar você ficar aqui não, vão mandar você embora se for pra acabar com a escola, porque a gente gosta de escola." Retornemos um pouco à história para compreender isso.

2.2 A reunião com pais e alunos e o esclarecimento da pesquisa

Dias antes de começarem as aulas, as professoras chamaram uma reunião junto com toda a aldeia, inclusive comigo, para, segundo elas, falar sobre o início do semestre letivo, suas preocupações e exigências aos pais e alunos, em vista de realizar um bom trabalho na escola. Essa era a oportunidade para que eu me apresentasse e esclarecesse a minha intenção de pesquisa mais detalhadamente, de modo a resolver as dúvidas e receios que pairavam sobre minha presença na aldeia.
Resumidamente, elas disseram sobre a importância dos pais para com a escola, sua tarefa de mandarem seus filhos sempre às aulas, verificar se estão se comportando adequadamente durante ela, ou seja, falaram sobre o papel que os pais devem assumir para que as crianças tenham um bom desempenho nas aulas. Logo em seguida à fala das professoras, o homem que estava fazendo a tradução do que as professoras haviam dito aos mais velhos começou a contar sua história, disse que bebia e fumava muito, que isto acaba com o homem (espiritualmente e fisicamente), mas conseguiu parar, o que deveria ser feito pelos outros também. Contou que depois de superado os vícios resolveu que queria estudar, porque seria um caminho que poderia abrir muitas portas. Para isso, saiu da aldeia e pensou em ir até alguma outra aldeia, mas acabou indo parar na cidade, no estado do Mato Grosso. Quando chegou lá estudou muito, e incentivou seus filhos para que fizessem o mesmo, por isso, levava-os sempre à escola e voltava no fim das aulas para buscá-los, o que, diz ele, foi muito importante para que gostassem de estudar. Este homem, hoje, a seu pedido foi acompanhado, em sua viagem, por missionários, a pedido dele, que achou a viagem longa, junto com alguns de seus parentes para uma cidade do Mato Grosso para estudar a religião e continuar a escolarização – intercâmbio possibilitado pela presença dos linguistas/missionários da ALEM que trabalham na aldeia desde tempos que remetem ao momento "pós-contato", anterior ao momento em que os Arara vieram a se reunir no Laranjal.
Depois desses discursos relacionados a pais e alunos, foi a minha vez de me expor. Resumidamente, contei que estava inserido em um projeto junto com uma equipe de pesquisa que tinha por intenção realizar um trabalho sobre a educação escolar indígena, o qual poderia num futuro contribuir para a melhoria da educação que chegava até eles. Por isso pedi que me dessem a oportunidade de assistir às aulas e também participar da vida cotidiana na aldeia, enfatizando que para realizar um bom trabalho era preciso também que eu conhecesse a "cultura" deles, para podermos juntos pensar nas questões relacionadas à escola, deixando claro que meu trabalho não seria apenas na sala de aula. Minha pesquisa na escola era aos olhos deles bem vista mas, quanto à pesquisa da "cultura" Arara, isto foi um problema com o qual me deparei diversas vezes em afirmações jocosas, com certo tom de avaliação e provocação, de que "antropólogo só quer saber de roubar cultura do índio para ficar rico".
Depois desse discurso e de uma série de questões colocadas pelas professoras (que estavam um tanto aflitas com minha presença, já que eu aparecia como um intruso que iria ficar avaliando as aulas delas), elas acabaram por me ajudar dizendo que este estudo sobre a educação iria ser bom, porque poderia contribuir para melhorar a educação deles. As falas das professoras a meu favor, foi elemento importante para nossa permanência. Um grande orador Arara, homem casado, já foi representante da aldeia, antigo alcoólatra; tornou-se evangélico e foi então batizado, não bebe mais e estuda em uma escola no Mato Grosso, próximo de Cuiabá, foi o principal orador na situação, e apesar de sua desconfiança quanto à presença de antropólogos, fez mais um discurso falando que antigamente, na época em que estudou tinha uma escola, mas que ela não passava de uma série, e as pessoas foram crescendo e ficando sem estudar. Além disso, a aldeia era menor, tinha apenas algumas casas, e que agora todos podem ver que a aldeia cresceu, mas a escola não cresceu junto, ela parou. Questinou-se, então, como seus filhos irão estudar depois de crescerem se a escola não crescer. Continuou falando que saiu da aldeia porque viu que era importante estudar, mas a vontade era de ficar na aldeia, junto com seus parentes. Por isso, disse que se for para melhorar a escola, concordaria com nossa presença. A atmosfera apreensiva havia se transformado, alguns caçadores vieram me perguntar se eu comia carne de caça, peixe, etc.. Um velho logo chegou com um carote de piktu, bebida fermentada à base de mandioca consumida quase diariamente, para nos dar boas vindas, e logo outros trouxeram mais carotes dessa bebida tradicional. O homem que fora orador na ocasião explicou que todos bebiam em uma só caneca para todos beberem igual, diferente dos costumes dos brancos.
Assim, apesar dos poucos presentes que levei – anzóis, linhas de pesca, chumbada, miçangas –, o discurso de uma melhoria na educação se deu como uma moeda de troca valiosa que permitiu minha entrada na aldeia – mas ainda com certas desconfianças, que só foram minimizadas ao longo do tempo.
Essa reunião foi relatada com o propósito de apresentar minha inserção de pesquisa na aldeia Laranjal, assim como para mostrar a importância que atribuem à escola. Para entendermos o cenário, antes de chegarmos à escola, vou apresentar os Arara do Laranjal, sua história de contato e o contexto presente.

2.3 A história de contato e o mito:

Os Arara do Laranjal são um povo de língua Carib situado à margem esquerda do rio Iriri, afluente do rio Xingu, a aproximadamente 100 km de distância da cidade de Altamira-Pará.
De acordo com Márnio Teixeira-Pinto (2002:407), entre 1850 e 1964 "os contatos entre os Arara e a população regional das bacias dos rios Xingu e Iriri alternam-se entre encontros amistosos, trocas comerciais e conflitos esporádicos". A partir de 1960, o contato com o não-indígena ocorre de forma mais acentuada, consolidando-se de forma "pacífica" apenas entre os anos de 1981 e 1983.
Teixeira-Pinto compara duas versões do mito relativo à cosmogonia Arara, em dois momentos históricos diferentes, para mostrar como a história transformou o mito, de maneira a ser inteligível com o contexto presente. Essa história do contato e do mito nos traz também informações sobre a organização social Arara e a posição do homem não-indígena na cosmologia, o que serão importantes informações para compreender a escola nos dias de hoje, já que, como demonstra Ferreira num artigo expressivo sobre o tema do contato com o não-indígena e suas tecnologias:
"os impasses e dilemas vividos pelos índios no contato com o branco e suas tecnologias só se tornam plenamente compreensíveis levando-se em conta o fato de serem frequentemente vividos como uma re-imersão, para o bem ou para o mal, no tempo mítico. A dimensão mítica das tecnologias dos brancos é, assim, não apenas uma afirmação de seu poder e de sua ambiguidade, mas também da possibilidade de que a ruptura primordial seja revertida e os poderes criativos e destrutivos do tempo mítico voltem a vigorar". (2009:55)
Muito resumidamente, uma primeira versão do mito conta que no início só havia céu e água separados por uma casca, onde vivia a boa humanidade com a divindade Akuandubo, que comedia os atos dos homens com o tocar de sua flauta tsinkore e dava tudo o que precisavam para viver. Porém, o mau comportamento de alguns causou uma briga entre ipari e fez com que a casca se rompesse. Com o rompimento da casca, alguns foram abandonados em pedaços da mesma que caíram sobre as águas, levados a viver espacialmente separados na floresta do lado de fora do céu (lugar onde também vivem os seres maléficos). Nesta versão do mito os brancos aparecem categorizados como seres maléficos, com um mesmo estatuto dos Kayapó e outros índios da região, com os quais as relações eram conflituosas, além de demonstrar as origens cosmológicas da separação dos subgrupos Arara. (Teixeira Pinto; 1997)
Faz-se necessário uma breve interrupção no texto para tratar de certas questões que me foram colocadas pela leitura de Isaac de Souza, missionário e linguista na aldeia Laranjal, da monografia que já estava concluída. A questão a se tratar é da veracidade dos fatos a respeito desse mito de cosmogonia, a qual, de acordo com os Arara é um tanto duvidoso. Depois que Isaac me alertou a respeito da veracidade desse relato, fui em busca de conversar com os Arara a respeito desse mito. Em meio a essa investigação fui percebendo versões diferentes dessa história, e passagens que se diz nela que os Arara diziam não conhecer. No entanto, tal como já nos demonstrou Lévi-Strauss em seu imenso e aprofundado estudo sobre a mitologia, os mitos não cessam de se transformar, enquanto os relatos escritos param no tempo. Dificil seria verificar a veracidade ou não de tais informações. Por isso, para poder tratar com mais cuidado a respeito disso seria preciso um trabalho minucioso a respeito de tal problemática – o que não se faz possível nesse registro pós-conclusão de trabalho. Quero deixar claro, entretantos, que a questão é pertinente e merece devida atenção.
Depois de uma série de acontecimentos históricos, o contato com os Arara se estabeleceu de maneira pacífica, fruto de uma nova estratégia de atração do órgão indigenista, baseada na oferta de uma enorme quantidade de bens materiais e na não represália aos possíveis ataques Arara, protegendo-os também de possíveis conflitos com outros brancos (seringueiros, madeireiros, mateiros, caçadores de peles, etc.). Essa nova atitude do não-indígena produziu uma nova interpretação de seu estatuto, em que sua generosidade, agora reconhecida, teve papel fundamental. Se primeiro eram vistos como seres maléficos com os quais não é possível estabelecer relações solidárias e generosas, agora são tratados como ipari. (idem)
Porém, essa mudança de estatuto do não indígena tinha que ser coerente com o que contavam os Arara. Assim, no mito de origem se passou a narrar o destino do não indígena e suas razões. Depois da quebra da casca do céu, conta o mito, os Arara caíram e foram abandonados pela divindade Akuandubo, tendo que roubar o fogo da lontra e aprender a fazer os bens materiais com o bicho-preguiça, enquanto os brancos ficaram ao lado de Akuandubo, provedora dos bens materiais, o que explicaria a enorme quantidade de objetos manufaturados de que eles dispunham. (ibidem)
Márnio Teixeira-Pinto fala, ainda, de um terceiro momento, em que, passando de Posto de Atração para Posto Indígena, os recursos que a Funai disponibilizava deixaram de ser abundantes e, consequentemente, os bens oferecidos aos Arara diminuíram consideravelmente, passando a ser apenas a administração de medicamentos e parcos recursos conseguidos com a administração da cidade de Altamira. Nesse mesmo momento, revelavam-se as dúvidas quanto à construção de uma hidrelétrica na bacia do rio Xingu, com um grande reservatório anunciado, e às consequências desse projeto.
Essa nova relação foi demonstrando que o não indígena vinha agindo de forma egoísta, já que, apesar de terem os bens, não os queriam dar. Hoje essa relação parece ter se transformado, já que os Arara conhecem diversos tipos de não indígena e com eles entretêm relações diversas: mantêm boas relações com uns em detrimento de outros. Por isso, no contexto etnográfico em que fiz a pesquisa, não é possível entender o não indígena de modo geral, enquanto uma unidade, como fez Teixeira-Pinto.
Assim, neste novo momento há na perspectiva dos Arara uma diferenciação dos brancos – Funai, pescadores, missionários, professores, SEMED, técnicos de enfermagem, instâncias governamentais várias, antropólogos, e, agora, Norte Energia. Nessas decisões, a capacidade do não indígena de acumular e ceder bens é sempre prevista, e sua vontade em efetivamente se engajar em relações de troca é importante fator de julgamento. A questão é saber como os Arara efetivam e reconhecem a troca, e em especial a troca satisfatória.
Para expressar as relações que os Arara têm com os brancos não indígena é preciso antes apresentar a configuração política dos Arara do Laranjal, de tal modo a compreender como esses não indígena são diferenciados.


2.4 A "lógica" dos subgrupos

Como mostra Teixeira Pinto (1997), os Arara historicamente se organizavam em unidades residenciais com autonomia política e independência econômica, as quais viviam separadas espacialmente na floresta. Esses grupos locais tinham cada um o seu líder político, os quais estabeleciam relações de aliança e troca com outros subgrupos, que vieram a se reunir principalmente em ocasião de guerras contra outros índios e para momentos rituais. A partir da década de 80, em que as relações com o não indígena se tornaram "pacíficas", o sentido da guerra se transformou, dois subgrupos Arara separados na floresta se organizaram e foram organizados numa aldeia comum, no Laranjal. Nesta aldeia, essas unidades políticas menores continuavam a funcionar de maneira autônoma e independentemente, sendo a aldeia única virtualmente dividida por essa multiplicidade política, que se revela e atualiza na disposição dos caminhos e produção das roças, nos diferentes lugares de convivência, no uso do rio, na circulação dos Arara pela aldeia, etc.. (Teixeira Pinto: 1997)
No entanto, essa fragmentação política e econômica Arara agora é marcada por um intenso fluxo de relações, dado pelo considerável encurtamento do espaço que os separavam. Além disso, a configuração espacial numa aldeia única nas interfaces com a população nacional, instituições diversas (religiosas, acadêmicas, Organizações não-governamentais, etc.) e Estado produziu também a ideia de uma unidade Arara frente ao outro. Para essa unidade, foram criadas lideranças que têm por função representar a aldeia, os Arara do Laranjal, entendidos enquanto uma unidade étnico-política perante o outro. Atualmente, como pude observar, os Arara se configuram ainda dentro da aldeia como fragmentos políticos e econômicos, enquanto multiplicidade de interesses e motivações, em paradoxo com a figura de uma liderança política que assumiria pra si o poder de guiar a sociedade. Nesse sentido, as lideranças dos Arara aparecem mais como porta-vozes da sociedade, como interlocutores de uma multiplicidade política que espera por respostas, o que os coloca em uma posição que é de possibilidade de liderança e, ao mesmo tempo, é uma posição à qual todos os olhos estão voltados, de hiper-controle de uma sociedade que impede a centralização do poder (Pierre Clastres, 2003, 2004). A questão parece ser mais, como propõe Sztutman "como uma sociedade indígena pode conter em si elementos de diferenciação interna e quais os meios que ela dispões para impedir que essa diferenciação culmine na emergência de um poder separado", já que "a obtenção de uma POSIÇÃO política – a chefia, por exemplo – não é o mesmo que o EXERCÌCIO do poder político, realizado forçosamente pela coerção, pela subordinação". (2012:24) Ou seja, se os Arara se entendem e se referem por ugoro'gmo, o que é traduzido por os "nós", os "a gente" (Souza, 1988:4), entendê-los a partir da ideia de uma identidade Arara, modo utilizado pelos não indígena para se referir a esse povo, seria um equívoco, já que partiria de uma concepção que entenderia os "nós" enquanto um grupo identitário, quando na verdade eles se afirmam uma pluralidade, tal como é atualizado na configuração política e econômica aldeã.
Ou seja, os ugoro'gmo são frente ao Estado os Arara, mas entendê-los enquanto os Arara seria um equívoco, já que quem está produzindo a unidade Arara é uma multiplicidade política baseada em alianças tecidas por um nós que se produz a todo o tempo.
Como entender, então, as relações que os Arara mantém com o não indígena se eles se organizam enquanto multiplicidade política? Desse modo, não será possível construir um percurso que delimite em esferas diferentes e separadas as relações que os Arara estabelecem entre eles e uma outra que trataria das relações que eles estabelecem com os não indígena, o que produziria uma desconexão, quando o que pude ver foi redes de relações sendo tecidas entre eles e com os não indígena ao mesmo tempo, em um plano no qual unidades residenciais teciam alianças com os não indígena e com outros Arara, mas ao mesmo tempo mantinham relações amistosas e de desconfiança com outras unidades residenciais Arara e com outros não indígena. Com efeito, o percurso a seguir irá traçar o cenário em que os Arara se encontram hoje, para depois apresentar as alianças entre eles e deles com os não indígena, com o que se pretende situar o lugar que a escola ocupa.

2.5 O contexto recente

De um lado, temos uma configuração política balizada na multiplicidade de interesses e motivações, comandados pela lógica da autonomia política e independência econômica das unidades residenciais; por outro, temos a ideia de unidade étnico-política Arara frente ao Estado, de centralização política e econômica, com possibilidade de exaltação na posição da liderança, que ao mesmo tempo é um lugar de hiper-exposição. Este conflito tem se intensificado no contexto histórico recente, no qual os Arara estão sendo afetados por Belo Monte, hidroelétrica que está sendo construída no rio Xingu, próximo a Altamira-PA.
O projeto de uma hidroelétrica no rio Xingu não é algo novo (Cohn, 2011) ele já existiu em outro momento, no qual não se efetivou, quando foi paralisado pelos protestos do movimento indígena aliados a outros atores e discursos políticos, nacionais e internacionais - ONGS, antropólogos, ambientalistas, cantores pop e ativistas em geral. Já no século XXI, um novo projeto para a hidroelétrica no rio Xingu foi aprovado e já está em vias de construção, com uma roupagem nova, mas com efeitos semelhantes. O contexto não trouxe, por uma série de motivos, a unificação e mobilização política indígena que teve outrora; pelo contrário, o que se vê é uma fragmentação do movimento político indígena, desmobilizando a luta, que, se não é inexistente, constitui-se por grupos diferentes, com interesses diversos, além do novo projeto de governo (Belo Monte é a maior e mais prioritária obra do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC). Por outro lado, Belo Monte já trouxe para a cidade de Altamira um fluxo migratório - de pessoas que vêm trabalhar na hidroelétrica, ou em Estudos de impactos e seus Programas de compensação - vinculado às mudanças consideravelmente grandes relativas à sua construção, transformações ambientais, econômicas, políticas e sociais marcantes em um curto espaço de tempo. Além de seus efeitos na cidade, a hidroelétrica, mesmo ainda não tendo causado os danos ambientais previstos para o futuro, já está afetando grupos em seus arredores, não só pela barragem propriamente dita, mas também por tudo o que vem com ela. Como o território Arara localiza-se num lugar de risco, foram classificados como povos que serão fortemente impactados pela construção da usina. Por isso, até que o Plano Básico Ambiental - plano de mitigação e compensação dos potenciais impactos ambientais - não seja iniciado, os Arara são "compensados" pela Norte Energia por uma cota de 30 mil reais mensais pelo Plano Emergencial, visto os impactos já sentidos.
Assim, os 30 mil reais mensais do Plano Emergencial são convertidos todo mês em mercadorias que chegam à aldeia por intermédio das lideranças Arara, aos quais cabe definir a lista de compras no valor que têm em saldo, compras que, por sua vez, são realizadas pela equipe local da Norte Energia S.A., consórcio construtor da obra. A lista é elaborada com base em múltiplas e dispersas cobranças feitas pelos Arara, e em seus próprios interesses, tendo o líder que estabelecer prioridades. Só então as mercadorias são buscadas pelas lideranças na cidade de Altamira, aonde resolvem os trâmites burocráticos e, enfim, levam-nas para a aldeia.
Na aldeia, as lideranças dividem as mercadorias entre a comunidade - o que se dá no espaço reservado ao posto de saúde, lugar onde todos têm acesso irrestrito -, o que é sempre um momento de risos, curiosidade e descontração, mas que é permeado por olhares desconfiados entre os grupos residenciais e para com o líder, responsável pela distribuição. A desconfiança torna os seus passos incertos e inseguros, sendo alvo de acusações por outros grupos residenciais com os quais os vínculos são mais tênues.
***
Por que falar das lideranças? Por que esse caminho traçado? Para compor a análise é preciso falar da reestruturação da Fundação Nacional do Índio (Funai), que ocorreu a partir do Decreto nº 7.056, assinado pelo presidente Lula no dia 28 de dezembro de 2009. A principal mudança foi a substituição das Administrações Executivas Regionais (AER) e Postos Indígenas por Coordenações Regionais e Coordenações Técnicas Locais. De acordo com o discurso oficial, essas mudanças tinham a função de aproximar o órgão e os indígenas. O que os Arara sentiram na prática foi o oposto. Com esse novo decreto, os "chefes de posto", que tinham o cargo de "zelar" e "organizar" a aldeia, foram retirados de suas posições, muitos perdendo o emprego e outros sendo realocados em novas funções advindas com o decreto. Essa mudança repentina promoveu e promove adaptações na ordem social, fazendo-se necessário cada vez mais que os Arara assumam suas relações com o não indígena sem um tutor (figura que o chefe de posto insistia em assumir), que passou no momento presente a ser função das lideranças.
Os Arara por muitos anos tiveram contato com um chefe de posto que ficou na memória por ser um homem muito respeitado, um homem duro, que colocava todos para trabalhar, que organizava a aldeia, que planejava roças comunitárias, que trazia projetos para a aldeia, que ensinou a muitos como caçar com cachorro, a usar melhor armas de fogo (as quais hoje são preferidas pelos Arara para caçar, principalmente os mais jovens, dos quais são poucos que sabem manusear com a precisão dos mais velhos o arco e flecha), plantações com outras variedades de alimentos, etc., enfim, um homem muito bem quisto do qual têm saudades e perguntam muitas vezes se ele não vai voltar. Era ele também que assumia as funções que hoje as lideranças exercem na aldeia como, por exemplo, a divisão dos bens materiais que os Arara recebem dos brancos.
Essa funções, há pouco tempo atrás exercidas pelo chefe de posto, agora se vê a cargo das lideranças aldeã, que tomou parte das funções antes exercidas pelo Seu Arismar, antigo chefe de posto dos Arara do Laranjal, com os quais ficou por mais de uma década. Além disso, as lideranças são exaltadas ainda com o bombardeio de novas informações e decisões que devem ser tomadas a todo o momento, as quais tem o potencial de transformar drasticamente a vida das próximas gerações, já que lidam com a construção de uma hidroelétrica (Belo Monte) que afetará todo o ecossistema da região onde vivem.
As lideranças se vêm com inúmeras responsabilidades e compromissos que surgem a todo o momento, tanto de conexões que vêm de fora da aldeia, quanto de conexões à cidade que vêm de dentro da aldeia, dos próprios Arara exigindo que exerçam sua função de funcionário da sociedade, na qual tem privilégios, vindos dos brancos e dos próprios Arara (sendo presenteados com caças, peixes etc), e por outro lado, são cobrados e colocados sob lente de aumento na visão de todos. Essas lideranças estão no limiar entre a aldeia e a cidade, estão fazendo o trajeto da aldeia para a cidade e vice-versa. Para isso, fica claro que as lideranças são homens que comunicam duas lógicas de funcionamento e sistemas simbólicos diferentes, o que para tal tarefa é preciso conhecer as duas. Assim, as lideranças dos Arara do Laranjal são dos homens que melhor sabem ler, escrever e lidar com os brancos e suas. São eles que participam das reuniões, em Altamira, Brasília, Belém, trazem as informações e explicam em sua língua para toda a comunidade; são eles que fazem o papel de intermediação entre os Arara e sociedade Nacional, são eles que representam os Arara perante o Estado.
Essa nova noção de líder político que se constrói entra em tensão com o modelo que os Arara sempre conheceram, constituído por agregados residenciais com autonomia econômica e política. Assim, as lideranças acabam sendo alvo de críticas e acusações dos que não são "adequadamente" representados por eles, criando um palco de disputa política interna entre os grupos residenciais, com acusações de feitiçaria, roubos, descumprimento das normas de conduta etc.. Ou seja, há uma espécie de paradoxo entre duas lógicas distintas, em que as relações dos Arara com a sociedade nacional os coloca em contato com uma força centrípeta própria das instituições ocidentais (a escola, a farmácia, a religião evangélica, o aparato estatal, a instituição acadêmica etc.) e seus modos de diálogo, nos quais os Arara são representados pelas lideranças, o que é uma posição que tem em si tendência à centralização, paradoxalmente oposta à uma lógica centrífuga da autonomia política dos subgrupos, do "nós" que mantém a tendência à dispersão do poder.
Por mais que a liderança da comunidade se apresente como um cargo difícil que poucos querem assumir, os Arara o disputam, já que dá acesso a certos bens e serviços que vêm do não indígena. Assim, há diversas estratégias para conquistar a liderança, visto que alguns já começaram a preparar suas crianças para o papel, principalmente nesse momento, em que ser a liderança é tratar das mercadorias que chegam à aldeia e lidar com os não indígena enquanto um cacique, enquanto um representante da aldeia, o que traz certo status diferencial entre os Arara, que pode ser visto com o pronome "Senhor" que muitos usavam para se referir a um dos líderes, que hoje já não é mais, fruto do movimentado funcionamento político em torno dessa posição e das alianças construídas.
Misteriosos desaparecimentos de mercadorias e a divisão da aldeia em mais duas são consequências desse contexto de intenso contato promovido pela construção da hidrelétrica de Belo Monte. A enorme quantidade de bens que chegam todo mês à aldeia Laranjal é acompanhada de disputa por eles, provocando desconfianças e egoísmo entre grupos de ipari, o que contribuiu para gerar a divisão da aldeia, como um modo de relaxar as tensões criadas por essa ebulição de acontecimentos. Essas novas relações do contato vêm fazendo com que os Arara se reorganizem o tempo todo para se adequarem a esse momento que incita certos perigos, lembrando-os dos mitos e das consequências que eles sofreram e sofrem devido ao descumprimento do ideal de conduta moral Arara.
Em meio a essas confusões e especulações, os Arara estão iniciando a construção de mais duas aldeias, como uma maneira de apaziguar e tentar resolver os problemas, conflitos e disputas que podem produzir temíveis consequências, mas também, por uma série de problemas infraestruturais decorrentes do aumento populacional e da imobilidade. De acordo com os Arara, os lugares de fazer roça estão cada vez mais longe, a escassez de peixes perto da aldeia é incômoda, os lugares de caça também já estão distantes e a quantidade de caça precisa ser muito grande para que se possa dividir de maneira ideal. Desde 1994 , quando se reuniram na aldeia Laranjal, esta é a primeira vez que estão se dividindo.
2.6 Os personagens do contexto recente

Como podemos ver, o novo cenário que se apresenta é de grande confusão. Para elucidar este novo contexto, em que a construção da barragem foi aprovada e a obra já está em processo de construção, é preciso dizer um pouco mais dos principais grupos da sociedade nacional com os quais os Arara se relacionam, de modo a entender como os Arara lidam com o mundo de hoje.
A Funai é o órgão a quem os Arara sempre recorrem em caso de qualquer necessidade, quando há problemas de qualquer tipo, ou em serviços prestados a eles, aparecendo como o setor dos brancos para o qual os Arara dirigem as reclamações, com o qual os Arara estão sempre descontentes, expressando uma relação de dívida da Funai para com os Arara que parece não parar de se atualizar na história. Por que esse descontentamento permanente e esta dívida eterna da Funai? A Funai dá, de uma forma ou de outra, serviços, e às vezes até bens industrializados, e os Arara dão o que em troca? É essa uma relação de troca? Ou o papel da Funai deve ser o de sempre dar – porque é essa a função dela? Foi um discurso incorporado dos brancos e agora procuram validar esse discurso sempre cobrando? É uma dívida eterna que se atualiza na ideia de um pacote contato – escola, saúde, bens industrializados, serviços?
É preciso lembrar que não são apenas os Arara que maldizem a Funai, mas os outros povos indígenas da região também, e muitos dos discursos são partilhados em estadias na Casa do Índio na cidade de Altamira, onde os índios da região ficam e mantêm conversas em português quando vão à cidade. Atualmente, os demais indígenas da região não são mais vistos como seres maléficos, como relatavam os mitos, mas enquanto "parentes", com os quais é possível estabelecer relações de troca – de discurso, de objetos, de informações etc..
Nesse novo contexto, a Funai continua sendo o alvo das reclamações, e a Norte Energia S.A (NESA) aparece como um órgão distante dos Arara, com o qual eles mantêm apenas relações indiretas por meio da Funai. Às vezes dizem que se não fosse a Norte Energia agora eles iriam estar sem nada. Assim, os problemas da construção da barragem acabam indo para a Funai, como expressa a fala de um líder Arara:

se o dinheiro é nosso, por que tem que passar pela Funai? Eles tão querendo roubar da gente, eles acham que índio é burro, que a gente não sabe, mas já ouvi dize que a Funai quer que passa por eles pra eles pegar um pouco desse dinheiro, eles não são bobos, eles querem ganhar dinheiro também... e não é a primeira vez, a Funai já roubou muito dinheiro de índio, ainda mais antes quando a gente não sabia contar, não sabia qual que era nossos direitos.. dizem que todo mês vem dinheiro pra Funai e ela não manda pros índios, eles pegam tudo pra eles, isso já faz tempo, já faz tempo que eles não mandam mais dinheiro que a gente tem direito, um dia a gente vai entrar na justiça pra pegar todo esse dinheiro que temos direito. Por isso que a gente quer escola, com a escola também a gente fica sabendo dos nosso direitos, a gente aprende a reclamar, a faze as coisa pra ninguém roubar da gente.

Como podemos ver nessa fala, é preciso mostrar a importância que os Arara atribuem à escola e aos diversos atores envolvidos nela (os professores não indígenas, funcionários da Secretaria Municipal de Educação, também os missionários, e eu, que cheguei para estudar a escola. Certo dia, um homem que se preparava para ser monitor da escola Arara, estudando no Magistério Indígena em Altamira, me disse que queria aprender muita coisa de branco comigo, dizendo que, já que eu tinha vindo de São Paulo para trabalhar com a escola, ele queria resgatar muita cultura do branco comigo para ajudar o povo dele. Qual cultura do branco é essa que eles querem resgatar? Por que é preciso resgatar a cultura? Continuou falando que a família dele era mais branca, porque conheceu o branco antes dos outros. O que é a escola para os Arara, então? Qual a importância dela? De acordo com essa fala e outras reunidas, a escola aparece como um lugar onde se aprende as coisas do branco, onde se resgata a cultura do branco, e ganha muita importância nesse momento.

E os missionários, como foi que conseguiram ganhar a confiança dos Arara a tal ponto de construírem uma casa na aldeia? Os missionários com os quais tive contato em minha pesquisa de campo são da missão evangélica conhecida como ALEM (Associação Linguística Evangélica Missionária) e foram acompanhados para a aldeia por outro casal que já atuava desde o início do contato. De acordo com eles, era uma cobrança da aldeia por mais professores – função que exercem durante a noite na aldeia, para os que já terminaram o 5º ano. Construíram, então, uma casa ao lado da morada do outro casal de missionários, onde passam alguns meses na aldeia todo ano, sempre levando muitos presentes e estabelecendo relações solidárias e generosas por meio da constância na aldeia, na rotina do dia a dia com cafés, pãos e bolos sempre que podem, junto com auxílios em medicamentos para o posto de saúde, trabalhos comunitários, implementação de árvores frutíferas e aulas sobre assuntos variados, além da presença durante o dia a dia, o que os Arara muito presam. Muitas vezes, os Arara dizem que um dia vão virar "crente", que é bom, "porque crente não bebe e não fuma". Hoje, beber e fumar é visto como uma coisa muito danosa por todos, inclusive pelos que bebem, visto os prejuízos e as confusões que ocorrem quando compram bebida destilada.Claro, que o virar crente não é simplesmente para parar de beber e fumar, mas para tecer uma linha cada vez mais sólida de aliança. Assim, os missionários ensinam também a "boa palavra" (como os Arara dizem), contando histórias da bíblia às crianças e a quem quiser ouvir.Assim, os missionários demonstram uma conduta ideal de solidariedade, generosidade e constância e atribuem os presentes que dão à igreja, aos irmãos. Tudo isso leva os Arara a desejarem ser "crente" e faz com que muitos pais incentivem seus filhos a se tornarem, como disse-me Isaac: "obedientes de Deus".
Os missionários mais antigos na aldeia ainda são vistos hoje pelos Arara como grandes conhecedores e também detentores da cultura, já que dizem ter muitas gravações e escritos sobre as histórias e a língua, sabendo, como disse um homem já adulto, mais histórias do que eles próprios. Além disso, esses missionários também têm as traduções dessas histórias tradicionais para o português, o que os coloca como detentores de "bens" valiosos, dado que no contexto político atual os Arara se aproximam cada vez mais da ideia de bilinguismo e da difundida ideia internacional de preservação da cultura, o que nas falas das lideranças aparece como um "resgate da cultura Arara" que eles dizem já estar se perdendo.
A ideia de preservação e manutenção da cultura vem de um discurso político que funciona como um instrumento de defesa política de um povo entendido enquanto uma unidade étnico-política representada pelas lideranças, as quais entram em contato com frequência nas reuniões em que participam junto com os diferentes não-indios, que depois são compartilhadas com a comunidade, a quem esses líderes devem explicações de sua ausência. Este discurso aparece como a adaptação de um discurso político internacional, em que a cultura e a identidade indígena são utilizadas como um instrumento político frente ao Estado, mas ao mesmo tempo é uma maneira de o Estado incorporar as diferenças.

***

O panorama da situação em que os Arara se encontram hoje foi o que pretendi com este capítulo, no qual se apresentou a história de contato com a sociedade nacional e seu reflexo na mitologia e na vida Arara, como bem demonstrou Teixeria Pinto (1997; 2002). Além disso, procurei mostrar como no contexto recente os Arara travam relações com diferentes não indígenas, os quais tem funções, trabalhos e ideologias diferentes, o que é percebido pelos Arara e expresso nas diferentes relações que criam com eles, tal como foi brevemente apresentado aqui. Em meio a todos esses não indígenas a escola aparece como um instrumento para os Arara, uma ferramenta exigida por eles com fins políticos, de modo a lidar com todos esses não indígenas que aparecem no caminho, para entender o que estão dizendo e fazendo, como disseram inúmeras vezes, mas como veremos no capítulo seguinte, a escola não é só isso.
Depois desse caminho, o qual deixou lacunas impossíveis de serem exprimidas nesse trabalho, os próximos passos pretendem apresentar um panorama da escola na aldeia, com o que pretendo mostrar as transformações que ela promove, como ela é vista, utilizada e pensada a partir da reunião de diversas experiências que presenciei ao longo do trabalho de campo, marcado por opiniões divergentes e diferentes de pessoas de gênero, idade e status diferentes do pensar e usar a escola, situando-a não só como um instrumento político perante o Estado e a sociedade nacional, mas com usos que vão além da objetividade e finalidade prática comum para os quais ela é geralmente utilizada. Com esse intento, após a visão mais panorâmica da escola na aldeia, pretendo adentrar no espaço da escola, nas aulas, nos conteúdos, nas relações formais entre professores e alunos e também nas relações informais ocorridas durante as aulas.


Capítulo 3. Chegando na escola

3.1 Um breve histórico do surgimento da escola


Na época em que a Nova Frente de Atração da FUNAI tentava iniciar relações pacíficas, os Arara encontravam-se dispersos em três subgrupos distintos. O primeiro subgrupo que estabeleceu relações com o branco estava localizado a Sul do KM 120, onde a Funai construiu um Posto de Vigilância (PV1); e o segundo subgrupo estava ao norte do KM 80 da Rodovia Transamazônica. Esses dois subgrupos vieram a se reunir no Laranjal no ano de 1994 . O terceiro subgrupo só veio a ser contactado no ano de 1987, próximo a um local chamado Cachoeira Seca, onde hoje moram em uma aldeia homônima, separados dos outros dois subgrupos que hoje vivem juntos no Laranjal. (Teixeira Pinto, 1997)
O subgrupo localizado no KM 80 logo foi morar na aldeia Laranjal no ano de 1987, na qual tiveram aulas de português com uma professora contratada pela FUNAI. Já o outro subgrupo ficou no KM 120 até o ano de 1993, onde tiveram contato com missionários da Associação Linguística Missionária (ALEM) e também com missionários do Conselho Indigenista Missionário (CIMI). Os missionários da ALEM deram aulas a partir do uso de técnicas de ensino-aprendizado da oralidade aos Arara no PV1, embaixo de uma grande mangueira, onde os alunos se dispunham em redes, até o momento em que o CIMI conseguiu disponibilizar carteiras escolares. (Pereira, 2008; Shirley Souza, 2010).
Em 1994 os dois subgrupos já reunidos na aldeia Laranjal, tiveram aulas com professores do CIMI contratados sob a gestão da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC), onde deram aulas até o ano 2000, quando a pedidos dos Arara foram substituídos por terem sido contra um aparelho de televisão que a SEDUC queria doar; se posicionarem contra a extração de madeira que alguns Arara realizavam e por um comentário infeliz num assunto delicado. Os novos professores vieram a ser contratados sob gestão da SEMEC, o que até hoje se mantêm, mas com uma inconstante troca de professores ao longo do tempo.


3.2 Os primeiros interesses na escola e os atores envolvidos.

Como vimos, a escola está presente entre os Arara desde o momento em que as relações com o branco se tornaram pacíficas. Para responder o motivo da escola estar na aldeia hoje, é preciso olhar para os agentes envolvidos com a escola. Tanto os interesses e motivações dos Arara quanto os interesses e motivações dos brancos.
Entre os brancos, os principais atores envolvidos com a história da escola são: missionários evangélicos da ALEM, missionários do CIMI, Funai (representante do Estado), e, hoje SEMEC e Observatório da Educação Escolar Indígenas UFSCar (por meio de minha pesquisa e outros encontros realizados por nós e outros que participamos e acabamos por fazer movimentar o cenário da educação escolar).
O Conselho Indigenista Missionário teve seu momento de glória entre os Arara no período em que davam aula na aldeia Laranjal, fruto de um acordo com a Funai para a educação indígena. De um lado, o interesse do CIMI é o trabalho de cunho social e político, apesar de em meio a esses trabalhos os profissionais acabarem levando junto consigo muito de suas ideologias, e iconografias, que foram expandidas aos Arara. Por outro lado, o Estado, em meio a interesses privados e suas metas, estava aos poucos expandindo suas fronteiras, tendo os Arara no meio do caminho. As estratégias que o Estado adotou então se baseou e se baseia em um "diálogo" um tanto impositivo, não respeitando os povos que a estas terras pertencem. O que posso constatar hoje é que o CIMI e também a Funai perderam a credibilidade com os Arara. No trabalho de campo pude ver inúmeras críticas à Funai na qual diziam que este órgão apenas queria roubar coisas que o governo manda a eles, desviando muito dinheiro e deixando de repassar muitos bens a que tinham direito. Isto nos remete ao início de relações com os Arara, à explanação já bem trabalhada por Teixeira Pinto (1997, 2002), aos diversos montantes que eram dados no início e a sua posterior diminuição, além das promessas e ilusões relacionadas à Funai. Por outro lado, as vezes em que presenciei a chegada de membros do CIMI no Laranjal, eles eram desprezados pelos Arara, que também se punham a tecer críticas sobre essa instituição e seus membros. Essas duas instituições também são hoje alvo de críticas da grande maioria dos povos indígenas da região, como é constatado pela queda do Coordenador Administrativo da Região de Altamira da Funai promovida pelos indígenas no final do ano de 2011; e pela pouca importância a que dão às tentativas de aliança do CIMI, como por exemplo no movimento contra Belo Monte.
Por outro lado, o casal de missionários da ALEM, que iniciou seus trabalhos com os Arara no início do contato, têm a missão de levar a palavra e o conhecimento de Deus a todos os cantos do mundo, inclusive aos indígenas. A ideia de catequização, palavra que se remete à história de colonização na qual as relações da igreja com os índios ocorreu de maneira drástica e destruidora, em que o evangelho e a palavra de Deus foram difundidos de modo impositivo e desrespeitoso, foi abandonada. Hoje, os novos preceitos que esses missionários assumem são suscitados no lema de "viver o Evangelho", como me disse Isaac de Souza ao ler esse texto. Fazendo jus ao que ele me disse, peço licença para usar de suas palavras: "nosso lema é viver o Evangelho e, se tivermos tempo, vamos compartilhá-lo verbalmente. Em outras palavras, queremos viver o Evangelho e se tivermos tempo vamos evangelizar oralmente. Ou seja, mesmo a ideia de evangelização foi deixado para trás. Com isso, não queremos dizer que nos omitimos de compartilhar verbalmente os conteúdos da Bíblia; quer somente dizer que esta não é nossa primordial preocupação. Concordamos com Leonardo Boff quando expressa que: 'A grandeza de um homem não se mede pelas prédicas mas pelas práticas. São estas que emprestam grandezas àquelas.' (In: Martins, 1980:13)". Esse novo modelo de conduto tem sido um sucesso até os dias de hoje entre os Arara, o que levou alguns homens a serem batizados e outros a manifestarem o desejo de serem. O discurso dos missionários quanto à expansão da religião evangélica aos índios se assemelha ao discurso e às estratégias propostas pela educação escolar indígena específica e diferenciada, o que é de conhecimento dos missionários que tive contato.
Por outro lado, os Arara do Laranjal também tinham lá seus interesses nessas relações, o que, para entender as relações pacíficas e os motivos da escola, serão brevemente traçadas. Como se entendem enquanto um "a gente", um "nós", como atesta a palavra ugoro`gmo (Souza; 2010:18), pronome inclusivo de primeira pessoa do plural, é preciso relatar os interesses na escola a partir do entendimento dos Arara enquanto tal, como já foi discutido no capítulo.
Em busca de entender o porquê da escola, quais eram os interesses dos Arara na escola, coletei informações de diferentes pessoas, de idades, gênero e posições políticas diversas por meio do trabalho de campo, a partir de diálogos e observações durante minha estadia na aldeia Laranjal. As questões que me faziam, e também a eles, procuravam entender os motivos que levaram os pais a mandarem seus filhos à escola. Ou melhor, o que fez com que os Arara à época confiassem e incentivassem seus filhos à escola e aos brancos, dos quais pouco sabiam a respeito, e com os quais há pouco tempo haviam travado relações belicosas e guerreiras que culminaram em muitas mortes e sangue de ambos os lados?
As respostas a tais questionamentos me foram dadas por jovens e adultos, homens e mulheres, que funcionaram de modo complementar ao entendimento. As respostas elucidavam a importância que os mais velhos davam ao aprendizado da língua, o que se fazia por meio da escola ou por meio de interações com os muitos brancos que naqueles tempos iam à aldeia, de modo a compreender o que os não indígenas estavam falando e fazendo, com a intenção de também trazer coisas boas à aldeia.
A isto tudo surge uma indagação e uma constatação. O que são essas "coisas boas" que os Arara podem trazer dos não indígenas? É fato marcante que as crianças e os jovens eram os principais interlocutores com os não indígenas, recebiam na maioria das vezes o papel de intermediário, de mensageiro, de transmissor, de captaor de informações, eram eles que tinham a função de entender o que os não indígenas estavam falando e de levar informações aos mais velhos. Foi um menino Arara, como narra Teixeira Pinto em sua primeira página da introdução de seu livro Ieipari (1997), que frequentava o Posto de Vigilância (PV1) da Frente de Atração Arara no km 120 da BR 230 (Rodovia Transamazônica), quem garantiu aos Arara, que ainda estavam escondidos na floresta, que os não indígenas tinham agora boas intenções, ou seja, foi um menino de por volta de 12 anos quem assegurou a todos que podiam se expor ao risco iminente de morte dos brancos, em quem os Arara confiaram.
Fazer uma etnografia da escola requer levar essas questões e indagações em conta, colocar as crianças como agentes e não apenas como sujeitos, com papeis relevantes e importantes, como se constata nessa situação. As crianças não são meros sujeitos de educação dos pais, sem participação ativa no cotidiano, mas também agentes com papeis e posições importantes para compreender a configuração dos Arara; como atesta esta passagem em que os Arara confiaram a um menino o diálogo com os não indígenas, os quais eram categorizados como espíritos maléficos (Teixeira Pinto (1997; 2002).
Os interesses e motivações que permeiam as relações entre os não indígenas e os Arara estão brevemente expressos. Cabe agora demonstrar o que são essas coisas boas, por que motivos estão indo em busca delas.

3.3 A escola e o contexto político recente

"A gente quer aprender negócio do branco porque a gente não anda mais no mato, a gente quer aprender coisa do branco pra ter roupa, dinheiro. Para respeitar branco e branco respeitar a gente. Para saber o que a gente pode dizer, o que a gente pode fazer. Coisa ruim não pode acontecer mais não, antes a gente brigava, agora não pode não. Agora a gente quer conversar com branco, cansamos de brigar, agora tem que conversar. Tem que ir pra escola, não pode ficar sem estudar. O grande não aprende bem, por isso manda para escola as crianças para aprender. Mando todo dia para escola. Como eu não vou, ponho minha família no meu lugar, para depois eles explicar pra gente." - vai sua mãe, mulheres e filhos para a escola, menos ele. (fala de um homem Arara, o menino que estabeleceu o contato com os brancos, quem também já foi liderança em outros tempos).
Esta fala divide o tempo e o espaço dos Arara em dois momentos distintos: o "mato" e a "aldeia". Quando viviam no mato eram nômades, configurados em subgrupos dispersos na floresta com independência política e autonomia econômica, essencialmente caçadores e coletores, que viviam guerreando com outros povos da região (Teixeira Pinto, 1997). Hoje, vivem em uma aldeia única. Saíram do mato, mas, cabe indagar, qual a diferença entre os espaços anteriores e o de hoje, além de ser constituído por todos os subgrupos? O que é a aldeia, então? Um espaço no qual se vive ou se deve viver de modo semelhante ao espaço da cidade, já que o "nós" agora está todo junto - apesar de continuarem se organizando neste espaço enquanto um nós, como mostra a divisão do espaço da aldeia pelos subgrupos (Teixeira Pinto, 1997)? Hoje é preciso aprender as coisas do branco para ter roupa e dinheiro. Hoje não pode brigar, é preciso conversar. Nesse sentido a escola, é o lugar visto como ideal para tudo isso, é o lugar onde se aprende as coisas do branco.
Como podemos notar, o contexto mudou, e os Arara, como bons entendedores procuram se adequar à situação atual, na qual há novos interesses, motivações e modos de agir em relação ao outro, os quais não deixam de se remeter aos seus próprios modos simbólicos de agir e lidar com mundo, mas agora não pode mais brigar, agora tem que conversar.
O consenso entre os Arara é que a escola é boa pra aprender o português, a ler, a escrever. Os motivos para tal esforço são variados, de acordo com o gênero, idade, posicionamento político etc.. Em alguns casos a escola apareceu como um lugar onde se aprende a se defender para não ser enganado, onde se aprende a lei dos brancos. A escola, nesse sentido, funciona para algo que vai além do aprender o português, a ler e a escrever, ou melhor, esse apreender dos códigos, como os Arara perceberam, serve para lidar com o branco, de modo a se posicionar e a se defender. Mas por outro lado, a escola funciona também como um meio de se alcançar outros fins que vão além do código ou da maneira de conduta e de lidar com os brancos para se defenderem, a escola é também um modo de ativação de certos desejos e pretensões, dos pais, das crianças, da sociedade. Muitos disseram que mandam seus filhos à escola para se formarem em alguma coisa no futuro, mas o que fazer ficaria a critério de escolha da criança seja isto o que for: professor, enfermeiro, médico, liderança, mecânico, advogado, agente indígena de saúde (AIS), agente indígena de Saneamento (AISAN) são as profissões que aparecem nas falas. Além disso, muitas vezes logo diziam que a escola era um lugar para aprender coisas boas. Boas para o quê? Ou seria o aprendizado em si mesmo visto como bom? O que são essas coisas boas?
Cabe continuar questionando. Por que se formar em alguma profissão do branco, ou para o quê? Por que a escola para se tornar liderança, e para que se tornar liderança? Quais são essas coisas boas que se aprende ou se apreende na escola, as quais depois são transmitidas aos pais? A resposta a essas questões irá esboçar apenas um cenário amplo, sem entrar em muitos detalhes, para se compreender as aspirações que os levam a querer a escola.
Quando falam em se formar em alguma profissão, as aspirações se remetem principalmente ao status e também aos bens que se pode conseguir por meio desta, um ligado ao outro, mas não sobrepostos. Hoje, como dizem muitos pais, as crianças se acostumaram com as coisas do branco, com as roupas, com as comidas; como eles dizem, quando falta café, arroz, feijão, leite, açúcar etc., elas reclamam, querendo saber os motivos de não ter mais esses produtos. Assim, na vida de muitas crianças, jovens e até adultos, muitos desses produtos foram uma realidade desde o nascimento, sendo hoje parte da dieta alimentícia de muitos Arara, já que se acostumaram com períodos em que recebiam muitos "presentes" (produtos alimentícios, utensílios domésticos, etc.) proporcionado no início do "contato" pela Funai, e hoje, pela Norte Energia. Além desses eventos históricos de abundância, há a regularidade do dinheiro recebido pelos aposentados, que são trocados principalmente por produtos alimentícios, mas também em equipamentos para caça, pesca e roça, sendo o critério de seleção variável dado no interior das casas. Os meios de conseguirem os produtos que não são ganhos ou que são insuficientes é pelo trabalho, que pode ser dividido por questão de ordem em dois tipos. De um lado os trabalhos que proporcionam uma renda esporádica: a pescaria, a coleta de castanha, a venda de galinhas, os artesanatos fabricados principalmente pelas mulheres: pulseiras, colares e brincos de miçanga e outros com materiais retirados da floresta (penas, dentes de macaco, de onça), redes manufaturadas tradicionalmente com materiais da floresta, bolsas de tricô, dentre outros, os quais proporcionam uma renda esporádica. E, por outro lado, os trabalhos que proporcionam uma renda mensal, tais como: Agente Indígena de Saúde (AIS), Agente Indígena de Saneamento (AISAN), o trabalho como professor (que passou a ser realidade no ano de 2012); além do dinheiro dos aposentados. Estas são as principais atividades que hoje os homens Arara se dedicam para conseguir comprar produtos na cidade.
Como podemos notar, além do dinheiro dos aposentados, apenas três pessoas recebem salário todo mês, proporcionado por cargos públicos que são ocupados por homens que são os melhores falantes de português e que dedicaram boa parte do tempo aos estudos, o que promove uma diferenciação de status em relação a grande maioria da sociedade que não tem renda mensal fixa. Não saber escrever e não saber ler minimamente já se tornou alvo de chacotas entre os Arara, como ouvi algumas vezes entre as crianças, assim como entre jovens homens entre 14 a 24 anos de idade. O status também é diferenciado pelo modo Arara de ostentação de mercadorias: produtos de vestimenta, potentes aparelhos de som, radinhos à pilha e à bateria, televisores, fogões, cama, e etc., que já é privilégio de muitos, mas não de todos. Os bens são diferenciados, há certos tipos que a grande maioria possui, mas há outros bens que apenas uma minoria detém.
As coisas boas de que os Arara tanto falam a que podem chegar por meio da aproximação com o branco, pela escola, pelos missionários, pelos pesquisadores, pelos pescadores, e por tantos outros com que se encontram são uma multiplicidade de coisas. Mas, o que parece ficar é essa maneira de incorporar as coisas dos não indígenas, seus bens, suas instituições, sua língua de maneira tão rápida em relação ao pouco tempo que têm de contato, visto que as crianças hoje mais falam em português do que na língua materna, o que as lideranças estão apresentando como um problema à sociedade, visto o discurso de preservação cultural a que estão em contato nas diferentes reuniões que participam junto aos brancos. Isto tudo vem gerando um cenário de instabilidade e disjunção entre idades diferentes, entre crianças e velhos, nos modos de representar, de pensar, do que é certo e errado, do belo e do feio. Um paradoxo para o pesquisador, mas também para os próprios Arara e, principalmente, suas lideranças, os quais ouvem uma coisa de um lado e outra por outro, ficando entre desejos, entre certo e errado, entre o que ele mesmo e a sociedade do qual participa quer.
Certo dia, estava na casa de reuniões (oroptam) tentando conversar com um homem já velho que pouco fala o português (proporcionalmente relativo ao tanto que eu falo a língua deles, que é pouco), a quem pedi que desenhasse uma onça, um homem, os Arara, etc.. Quando começou a desenhar, claramente o modo de representar essas ideias eram completamente diferente do modo ocidental, ao que as crianças que estavam por ali perto reagiram dizendo que ele não sabia desenhar e começaram a tirar sarro dele. Em seguida, um homem de 24 anos pediu para que as crianças parassem com a brincadeira, e disse a mim que ele não sabia mesmo desenhar, que ele iria desenhar pra mim o que eu estava pedindo. Pegou o papel e lápis e desenhou, ao modo ocidental, a onça e outras figuras. Como vemos, esse exemplo demonstra que o certo e o errado, o belo e o feio, são ideia sociais construídas de acordo com um tempo e espaço, mas, o que importa para o caso, é mostrar as tensões que as relações com os brancos vêm gerando, já que a imagem expressa no papel que os jovens fazem da palavra onça já é diferente da que um velho o faz. E os outros aspectos, não estão sendo transformados também? O que está transformando seria simplesmente o modo de desenhar a onça ou toda uma ontologia Arara?
Deixemos essas questões irresolutas no momento e vamos à escola, lugar, como eles dizem, do ensinar e aprender as coisas do branco. Veremos agora o que está sendo aprendido na escola, o que contribuirá para aumentar o escopo da resposta sobre "as coisas boas" que ela proporciona. Penso que é importante etnografar a escola em uma aldeia porque ela transforma, de alguma maneira, a dinâmica da aldeia, já que as crianças passam a frequentar a escola cinco vezes na semana, alterando os ritmos e os horários da aldeia a partir do ritmo imposto pela escola aos seus alunos, e também criando outros. É preciso falar sobre o que acontece na sala de aula, local onde as crianças passam boa parte da infância, onde aprendem um discurso e uma explicação das coisas de maneira diferente da que recebe tradicionalmente, o que leva a um possível confronto de ideias com outra geração mais velha que não passou por essa socialização. Mas também é importante traçar as diferentes apropriações e usos que fazem desses espaços.

3.4 Os horários, os ritmos e a merenda

Falar sobre os Arara sem situarmos os ritmos e horários que a escola imprime na aldeia provocaria uma visão deturpada de um lugar onde já temos oficialmente 105 pessoas da população matriculada, sendo crianças, jovens, adultos e até idosos, tornando o espaço da escola ocupado durante o dia e a noite, com as aulas iniciando às 7:30 da manhã e terminando às 21:00 horas da noite. Além disso, há mais alunos, que tiveram aulas com Geise, Joice e Alessandro (casal de missionários da APMT que chegou aos Arara por meio do outro casal de missionários que está com os Arara esporadicamente desde o início do contato - dos quais irei falar adiante - (em torno de 45 alunos), mas que não entram nesses dados mais oficiais. Temos então em torno de 150 alunos em uma aldeia de aproximadamente 280 pessoas. Os números representam que aproximadamente 50% da população vai à escola, o que não é um dado exato, mas um aproximação que revela muita coisa. Os número não falam por si só, apenas revelam um fenômeno do qual será preciso relatar mais detalhadamente. Vou mostrar pela etnografia como a escola interfere na rotina diária de praticamente toda a aldeia, até mesmo dos que não vão à escola, mas que a ela estão relacionados de algum modo. Destarte, procuro expor neste tópico a maneira com que as professoras e os alunos lidam com os ritmos e horários da escola, e como isto está interferindo na aldeia como um todo.
Na escola temos o jardim I e II e a parte do ensino fundamental que vai do 1º ao 5º ano. Temos três professoras contratadas pela SEMEC: Maelle está na aldeia pelo seu segundo semestre, ministra aulas para Jardim I (8:00 - 10:00 horas), Jardim II (10:00 - 12:00) e 1º ano (14:00 - 18:00; Simone, professora do 2º ano durante a manhã (8:00 - 12:00) e do 3º ano (14:00 - 18:00) a tarde, a mais velha na aldeia Laranjal, em seu quinto ano; e Regina, está na aldeia há quatro anos, dá aula para o 4º e 5º ano (8:00 - 10:00 horas) e (10:00 - 12:00) composta por uma sala multiseriada, com alunos de anos diferentes misturados no período matinal, e para EJA (14:00 - 16:00) e Brasil Alfabetizado (16:00 - 18:00) no período da tarde.
Presenciei também as aulas de Joice e Alessandro, casal de missionários, na aldeia Laranjal antes da chegada da professora Geise. Joice ministrava aulas para mulheres que já tinham a primeira etapa do ensino fundamental completa durante a noite. Alessandro fazia o mesmo, mas para os homens, divididos também em dois horários diferentes, mas com mesmo conteúdo. Após a chegada de Geise, contratada pela SEMEC, os alunos que eram de Joice e Alessandro passaram a ser dela, com exceção de alguns que se recusaram a ter aula com ela por dizerem que seus professores eram outros, além de afirmarem ser um problema a mistura de homens e mulheres na mesma sala de aula, alegando que as crianças pequenas que acompanham suas mães choram muito e atrapalham a aula - medida adotada por Geise para suas aulas, que também dividia os alunos em horários distintos, mas com homens e mulheres misturados em ambas as turmas.
Os horários pré-estabelecidos produzia um pensar e um se adequar aos ritmos da escola. Assim, as crianças que têm aulas durante o período da manhã terão esse horário a cumprir durante o calendário escolar, assim como as crianças que tem aulas durante a tarde já tem um espaço de tempo de seu dia programado, do mesmo modo os alunos da Escola para Jovens e Adultos e do Programa do Brasil Alfatabetizado. Estes horários pré-delimitados pela escola acabam também por interferir no modo do pensar o dia, já que sempre terão um horário pré-formatado para ir na escola, acabando por influenciar também os outros horários e rotinas. Primeiro, vou falar sobre a merenda, os ritmos e horários. Segundo, vou utilizar os dados sobre as faltas dos alunos como ferramenta para entender como os alunos lidam com a relação entre as atividades da escola e as atividades fora da escola, de modo a traçar também as prioridade destes, o que, para tal, as questões são: quem são os alunos que mais faltam? Porque esses alunos deixam de ir à aula?
A merenda escolar chega à aldeia Laranjal todo início de semestre junto com as os materiais que vêm pra escola e as professoras. Chegam caixas com açúcar, leite em pó, achocolatados, macarrão, bolachas salgadas e doces, sucos instantâneos, mortadela, enlatados de legumes, arroz, feijão, suco em pó concentrado, goiabada. Não temos no Laranjal um funcionário específico contratado para preparar e distribuir a merenda, o que fica a encargo das professoras e de uma mulher Arara que as professoras conseguiram como ajudante. Assim, as professoras estabeleceram um calendário dividindo os dias de distribuição e preparo entre elas, assim como do próprio almoço, no qual eu ficava com a tarefa de lavar as louças, já que havia me juntado a elas para as refeições. A distribuição da merenda dificilmente era um momento apreciado, visto que estavam sempre a reclamar da enorme quantidade de piuns que não paravam de picar todo o corpo, sendo também a principal causa de pouco saírem de casa em momento de não trabalho, como diziam elas.
Os cardápios eram variados, tínhamos: bolachas e suco em pó; sopas de feijão com legumes; leite com bolachas; mingau de arroz; dentre outras variações que as professoras promoviam. Quando o cardápio precisava de um preparo mais longo as professoras deixavam a panela já pré-preparada na casa de merenda, casa de palha construída pelos Arara a alguns metros em frente à casa das professoras, onde fica um fogão à lenha onde as grandes panelas de merenda ficam sobre o fogo das lenhas que queimam durante toda a manhã sob os cuidados da ajudante Arara, que mexe, coloca água, lenha no fogo etc., para que a merenda fique pronta até o término das aulas, quando as professoras voltam para sua casa e logo já vão tomar conta dos últimos preparativos e, então, da distribuição, realizada na casa de merenda quando a comida vai ao fogo, ou de dentro de suas casa quando é apenas suco e bolachas.
As crianças que estavam tendo aula durante a manhã sempre perguntam sobre o cardápio da merenda durante a aula, e esperam ansiosamente por esse momento. Quando acabava a aula, as crianças já se dispersavam até suas casas, onde pegam um prato e uma caneca e, após alertar aos seus mais próximos que também pegam merenda, rumam até à casa reservada a sua distribuição, onde se colocam em fila depois de pedido pelas professoras.
Quando, por algum empecilho, a merenda não podia ser dada no horário do almoço, o que era rara exceção, ela era distribuída no período da tarde, após as aulas, o que sempre gerava certo tumulto no horário do almoço, já que as crianças perguntavam durante todo o tempo até o retorno às aulas se não iria ter merenda, o que levava às professoras, já cansadas da situação, a responderem que não – apesar de sempre darem. Muitas, então, ficavam brincando ao redor, jogando pedras, cantando e gritando, como uma maneira de rebeldia e de revolta por não terem a merenda no horário habitual.
Em dias normais, depois de receberem a merenda, as mulheres e crianças, que são os principais receptores, dispersam-se à sua maneira. Alguns vão direto às suas casas, na qual por vezes dividem com os que solicitam, outros ficam dispersos ao redor da casinha de merenda, alguns saem para outros ambientes mais reservados. Uma observação que pude fazer durante esses períodos é que nunca se reuniam todos juntos para comerem a merenda, e não há na aldeia um espaço reservado para tal fim. Sempre havia uma dispersão e fragmentação, até mesmo entre crianças e mulheres que ficavam a comer por ali se configuravam em grupinhos variados, alguns entre mães e filhos, outros entre crianças e amigos de escola e de brincadeira, outros entre irmãos, etc.. Tais grupinhos podem ser ferramentas de análise para compreender também a dinâmica das unidades residenciais Arara.
Após a distribuição da merenda, as algazarras e brincadeiras, as conversas e gritarias iam parando. As crianças que ainda estavam por perto iam se dispersando, muitas vezes para o espaço de suas casas, outras iam para a beira do rio, e o espaço movimentado ia se tornando vazio e silencioso. Era um momento em que se via poucas crianças em certos rotineiros espaços de brincadeiras: na oroptam (hoje a dita casa de reuniões, da televisão), entre o rio e as casas dos brancos, próximo à casa da merenda, no campo de futebol.
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O horário da merenda não é o único que planeja as atividades dos alunos na aldeia Laranjal. Os horários das aulas fazem o mesmo, dividindo as crianças que vão à escola em horários diferentes.
Durante uma reunião convocada a toda aldeia, na qual se discutiu sobre a escola, as professoras Maelle, Regina e Simone fizeram um discurso que traziam em suas bagagens da cidade que consistia em dizer a todos para que adaptassem suas rotinas aos horários da escola, pediam aos pais para que não levassem as crianças nos horários de aulas para atividades rotineiras, tais como ir à roça, ir pescar, ir caçar, caso contrário os alunos perderiam aulas, o que prejudicaria o desempenho dos alunos na escola. Mas, o que podemos constatar com as faltas é uma diferenciação no modo de se relacionar com as atividades diárias escolares e não escolares. Para isso, vou falar sobre quem são os alunos que pouco faltam, como adéquam suas rotinas a esses horários do calendário escolar que as professoras, via SEMED, levam e aplicam na aldeia; por outro lado, vou falar também sobre os alunos que mais faltam, tentando entender os motivos que os levam a isso, relacionando ao contexto em que estão situados nos dias de hoje.
Os alunos das professoras Maelle e Simone são crianças que pouco faltam às aulas, quando o fazem é devido a algum evento esporádico. Essas crianças, aos seus modos, participam das atividades relacionadas às suas casas. As crianças geralmente ajudam suas mães na rotina doméstica, tal como a lavagem de roupas e utensílios domésticos no porto destinado à sua família, ao qual as crianças vão junto às suas mães, onde pescam, banham, brincam, e ajudam às mães. Esta tarefa parece fazer parte da rotina das crianças também, e é parte constitutiva das tarefas das crianças, de seus afazeres, já que vi certas crianças repreendendo outras por não ajudarem as mães. O trabalho na roça também aparece como uma atividade majoritariamente feminina, para o qual as crianças vão junto com suas mães. Em outros momentos, as crianças saem para pescar, vão em busca de frutas pela aldeia junto a outras crianças, ficam a brincar em frente suas casas, assim como brincam também em outros lugares, no espaço da oroptam, no espaço do campo de futebol, próximo às casas dos brancos. O que mais vi eram grupos diferentes de crianças brincando pela aldeia, dispersos de acordo principalmente ao lugar em que suas casas são situadas. Também haviam momentos em que se reuniam meninos de diversas casas diferentes para jogar bola no espaço entre a oroptam e a casa das professoras, o que é, de certo modo, um espaço neutro, mas que é mais ocupado pelas crianças que moram por ali perto. Assim como o espaço do campo de futebol é um lugar que é utilizado por todos principalmente quando estão juntos para jogar bola, caso contrário, é um espaço mais ocupado pelas crianças que moram próximo ao local. O horário da escola acaba por fazer com que se adaptem às outras atividades de acordo com esse ritmo pré-determinado, que também não deixa de ser um modo de disciplinarização dos corpos.
Os alunos da EJA, por exemplo, são em quase sua totalidade mulheres já casadas com mais de 30 anos de idade que pouco faltam às aulas, mas estão inscritos também alguns homens que não vão às aulas, apesar de exigirem às professoras para serem matriculados. O espaço de tempo reservado à escola influencia também a maneira como se adéquam aos outros horários, assim, as mulheres da EJA adaptam suas tarefas cotidianas, tal como ir para a beira do rio lavar as roupas e utensílios domésticos, pescar e banhar ao período antes de irem à escola, assim como o trabalho na roça é preferencialmente realizado nos finais de semana ou no período matinal, já que o horário da tarde é ocupado para as aulas escolares, das quais dificilmente faltam. Diferente dos homens, que exigem ser matriculados, mas que não conseguem se adequar ao ritmo proposto pela escola.
Aos alunos do 4º e 5º anos aparecem outras complicações. As meninas, de acordo com a professora Regina, apenas faltam quando estão em resguardo devido à primeira menstruação, o que levou uma menina a se ausentar durante algumas semanas de aulas, e outras raras exceções. Já os meninos dessa turma faltam mais assiduamente. Esses jovens já têm certa autonomia para ir a ambientes fora da escola com outros homens, diferente das crianças menores, que pouco têm autonomia para sair da aldeia durante o período de suas aulas. Muitas vezes deixam de ir às aulas para sair em atividades junto a outros rapazes em busca de alimentos, para caçar, pegar tracajá, pescar e etc., são atividades que acabam por lhes conferir prestígio frente aos outros homens com quem estão indo, aonde ganham uma posição diferenciada, geralmente mais como parceiros dos homens mais velhos.
Com os alunos de Joice e Alessandro, composto por homens e mulheres que já concluíram a primeira etapa do ensino fundamental, acontece o mesmo fenômeno com relação às faltas. Joice me disse que as mulheres pouco faltam às aulas, o que a permite estabelecer um calendário que estipula qual matéria vai ser dada em cada dia, enquanto que as matérias abordadas por Alessandro não são programadas por dia da semana, já que os homens faltam com frequência, como afirmam os professores e pude presenciar. O mesmo acontecia nas aulas de Geise, as mulheres compareciam às aulas diariamente, enquanto que os homens se ausentavam muito. A professora em diversas ocasiões perguntou a eles porque tinham faltado, ao que davam varias respostas diferentes, nas quais costumavam enunciar a dureza do trabalho masculino em comparação ao feminino - diziam muitas vezes que estavam cansados para ir à escola. Esta mesma professora afirmava não entender por que os homens faltavam tanto, já que eram eles que assumiam posições de liderança e nas relações de intermediação com os brancos – posições estas que exigem certo tato para lidar com o branco, para o qual a escola é pré-concebida como um lugar para isto. No entanto, isso mostra que não é apenas pela escola que se faz lideranças, existem diversos caminhos diferentes que são compostos por uma série de experiências diferentes.
Pude perceber a partir das aulas assistidas e por conversas com as professoras, que os alunos que mais faltam são os meninos do 4º e 5º ano (da professora Regina), enquanto que as mulheres da EJA e do Brasil Alfabetizado, assim como os alunos dos Jardins ao 3º ano, pouco faltam e, segundo elas, quando o fazem avisam com antecedência os motivos, geralmente para saírem com seus pais em excursões para a floresta ou em pescarias que perduram por todo o dia ou mais do que isso. Mas as faltas são exceções à norma, que é ir à escola. A maior parte dos pais preferem que seus filhos vão à escola, deixando muitas vezes de levá-los junto às tarefas rotineira de caça e pesca, ou o fazem à maneira aconselhada pelas professoras: levam-nos nos finais de semana. Mas, à medida que as crianças, principalmente os meninos, crescem, eles já se relacionam com outras tarefas que tomam por escolha como tão importante como, visto que as faltas às aulas aumentam consideravelmente. Muitos deixam de ir à escola para sair em pescarias ou em expedições de caça, muitos já têm autonomia em poder escolher dentre as possibilidades apresentadas durante o dia, o que tende a aumentar conforme se tornam adultos, como foi visto com os alunos homens de Alessandro e de Geise, que faltavam com bastante frequência. No entanto, apesar de serem os homens quem mais faltam, são os mesmos que foram participar do magistério indígena no Recanto Cardoso, voltado para formação de professores. São os homens que também assumem o diálogo com os brancos durante suas viagens até a cidade de Altamira; são eles também quem assumem posições de representantes da aldeia frente ao branco. Então, a partir de tais fatos, acho que é possível afirmar que a escola não é só uma ferramenta política para se relacionar com os brancos, visto que as mulheres frequentam assiduamente a escola e pouco fazem proveito disso para além da aldeia. Visto isso, é preciso entrarmos na escola para entendermos o que estão fazendo nesse ambiente, o que nos trará mais elementos para entendermos o sucesso da escola, já que ela não é apenas um fim político para lidar com o outro ou buscar e traçar objetivos políticos.
Outro fator que eleva a porcentagem de faltas é o período da estiagem. As professoras dizem que o momento de ensinar e da escola na aldeia é o tempo das chuvas, porque os alunos dificilmente faltam às aulas. Dado que o regime de chuvas dessa região se dá principalmente entre o mês de novembro até o mês de abril e a seca entre o mês de maio e outubro, e considerando que os Arara tomam como época das grandes expedições o período da estiagem, como podemos ver em explicações cosmológicas explicitadas por Teixeira Pinto (1997), os Arara imprimem sobre os ritmos pré-formatados pela escola também os seus próprios sentidos.
Assim, o calendário escolar programado pela escola aos Arara acaba por provocar uma mudança de ritmos e rotina mas, ao mesmo tempo, dispersa alguns alunos da escola, já que devem seguir um padrão de horários que muitas vezes é incompatível com as diferentes atividades a que os diferentes alunos participam fora do ambiente da escola. No entanto, para compreender "as coisas boas" é preciso entendermos o que estão fazendo dentro dela, já que, apesar de as mulheres não estarem usando a escola para fins práticos relacionados à política tais como os homens, elas frequentam assiduamente este ambiente, faltando às aulas em raras exceções, menos do que os homens. Por que, então, essas mulheres mais velhas, as alunas da EJA e Brasil Alfabetizado, quanto às alunas de Joice e Geise vão à escola? Esta questão nos mostra que a escola é um lugar também de outras apropriações e significados, não só políticos, os quais só poderão ser entendidos a partir da etnografia das aulas. Para respondermos a essa questão e outras que surgirão, será preciso entrarmos na escola, o que permitirá aumentar as possibilidades de respostas para "as coisas boas" da escola, o que parece ser o único modo de compreendê-las.
Por fim, então, a etnografia da escola, que será dividida em dois tópicos com abordagens diferentes sobre o que acontece na sala de aula. O primeiro vai tratar da ação das professoras e em contrapartida a reação dos alunos, isto é, modelo passado pelas professoras, e a cópia do modelo pelos alunos. Mas, entre essa ação das professoras e a reação dos alunos, temos um intervalo no qual acontecem outros fenômenos que não só se trata de ação e reação, nesse intervalo o espaço da sala de aula é usado também para outras coisas, que podem contribuir para entender o que os levam à escola, mostrando o que fazem dentro dela.

3.5 Uma paródia da Escola Ativa: as professoras, o modelo de aulas e o material

O prédio escolar, construído pela administração da Funai representada na pessoa de Benigno Pessoa Marques está localizado em um espaço em que atrás dela ficam roças e a floresta, e a sua frente a aldeia e o rio. Em frente ao porto principal, onde geralmente estacionam as embarcações dos brancos e as relativas a todos os Arara, fica a casa do chefe de posto da Funai, à sua direita a casa das professoras e a alguns metros a sua esquerda um posto farmacêutico da Funasa. A posição que a escola ocupa é geograficamente do lado oposto ao das outras três casas que são ocupadas pelos brancos, próxima a saídas para as roças e a floresta. Seria esse posicionamento da escola fruto de uma política apenas do branco ou o seu posicionamento na aldeia também faz parte de escolhas que os Arara também fizeram? Pelo que tudo indica, segundo Isaac de Souza, a decisão foi tomada pelos Arara em conjunto com Benigno, levando-se em conta que também não havia espaço adequado perto das outras ocupações dos brancos. O fato é que a escola fica do outro lado da aldeia, para a qual é preciso atravessar toda a aldeia. Ainda temos outra sala de aula fora da escola. A casa das professoras é dividida em duas partes diferentes, uma que é o lugar onde elas moram e a outra que é um espaço com a configuração de uma sala de aula, onde eram dadas as aulas para o jardim I e II e para o 1º ano do ensino fundamental – a qual é resquício das implementações do CIMI enquanto ministravam as aulas na aldeia.
Como disse, na escola temos três professoras contratadas pela SEMED para ministrar aulas para o jardim I e II e a parte do ensino fundamental que vai do 1º ao 5º ano. Além disso, pude presenciar a presença de um casal de missionários ministrando aulas para jovens e adultos que já tinham passado do 5º ano do ensino fundamental que, no entanto, interromperam suas atividades depois da chegada de Geise na aldeia, contratada pela SEMED para dar aulas de reforço para quem já havia passado pela 1ª etapa do ensino fundamental, os mesmos que estavam tendo aulas com os missionários.
A professora Maelle está na aldeia pelo seu segundo semestre, ministra aulas para Jardim I (8:00 - 10:00 horas), Jardim II (10:00 - 12:00) e 1º ano (14:00 - 18:00). Seus alunos são crianças que já chegam na escola sabendo falar o português, o que implica em dizer que as crianças estão aprendendo o português também em espaços de socialização fora do ambiente escolar, já que o Jardim I é a primeira etapa da educação escolar oferecida pela escola. Simone é professora do 2º ano durante a manhã (8:00 - 12:00) e do 3º ano (14:00 - 18:00) à tarde, é a professora que está entre os Arara há mais tempo, a quem os Arara davam a posição de liderança frente as outras quando precisavam de ajuda para reuniões que tratavam sobre coisas do branco, a qual veio a ser substituída pela professora Geise, que já trabalhou com os Arara por mais de dez anos, ora como enfermeira ora como professora, mas que por motivos pessoais, teve que se ausentar de seu trabalho por certo período.
As professoras acordavam, tomavam seu café e deixavam a merenda preparada para ser cuidada por uma mulher Arara de 15 anos, e iam dar aula. Para ir à escola as professoras Regina e Simone tinham que atravessar a aldeia, passando por várias casas dos Arara, onde muitos já estavam em suas cozinhas abertas fazendo o desjejum, de onde crianças surgiam e se punham a seguir às professoras até à escola. Maelle tinha apenas que dar a volta na casa pelo lado de fora e já estava na sala de aula. Terminando as aulas as professoras faziam o trajeto de volta até suas casas, dessa vez mais sozinhas, uma vez que a maioria das crianças já saiam correndo em busca de se preparar e avisar aos outros para buscar a merenda.
Antes do período vespertino de aulas, as professoras ainda preparam o almoço, almoçam, descansam quando há tempo, e se preparam para as próximas horas de aulas. Fazem então o caminho de volta à escola, ganhando novos seguidores. Encerrando o dia, as professoras voltam já sem muita companhia pensando na janta, a qual só será novidade e interessante se ganharem alguma carne de caça ou de pesca dos Arara. Quando não estão na escola, as professoras só saem de casa em raras exceções: em reuniões na oroptam, na beira do rio para tentar fisgar a janta; para falar no orelhão que fica a alguns metros entre a casa do chefe de posto e o posto de saúde; para ir até o rádio falar com alguém ou conversar com a técnica em enfermagem, e em pescarias promovidas por E´ggoi, Agente Indígena de Saneamento (AISAN), ou pela presença de Naldo, marido da professora Regina, que em suas visitas trazia sempre grandes isopores com gelo recheado com refrigerantes, carne bovina, frango, carne de porco da cidade e frutas, além de inúmeras informações, boatos e fofocas da cidade, o que tornava os dias mais alegres e descontraídos com a presença do visitante, que além das coisas da cidade, trazia peixes do rio, ora pescado por ele, ora como presentes dos Arara, que também apreciavam sua presença.
A aldeia acaba por ser um lugar difícil de se viver para as professoras, assim como o é para muitos outros que por lá param (como também o foi para mim), visto que estão longe de todo o seu meio social da cidade, lugar onde não têm seus amigos da cidade, seus maridos e filhos, não têm seus familiares, não têm a bebida gelada, não têm certas comidas, é o lugar da privação, como que uma reclusão , disso ou daquilo, sempre acaba por faltar alguma coisa que na cidade teria. A aldeia aparece como um lugar de transição para as professoras, mas também é o lugar por onde passam a maior parte do tempo, é o lugar por meio do qual procuram atingir certos objetivos, conseguir certas coisas almejadas, é onde atuam como professora, que segundo elas, é para poucos.
Essas são as professoras que dão aula no Laranjal. Suas aulas são pensadas de acordo com seus alunos (como dizem sobre o material didático), mas também são pensadas a partir do conhecimento que elas têm sobre a educação indígena. O material didático e o modelo de aulas exigido pela Escola Ativa são passados às professoras por meio do Encontro Pedagógico (capítulo 1) via SEMED, mas segundo elas não é possível utilizar os livros recebidos, os quais acabam ficando guardados na biblioteca da escola. Desse modo, as aulas são preparadas com outros materiais, trazem livros da cidade de Altamira que consideram melhores do que os que recebem, muitas vezes tentando encaixar o conteúdo proposto pela Escola Ativa no Encontro Pedagógico para a "realidade" da escola e dos alunos. O que de fato incorporaram da Escola Ativa foi os "cantinhos" (das ciências, da matemática, da leitura, das artes), o que parece ter sido uma exigência durante o Encontro Pedagógico em Altamira, já que apareceu, como pude ver na aldeia Kararaô e por conversas com outros pesquisadores do OEEI que fizeram etnografias em outras Terras Indígenas da região, também em outras escolas. Os "cantinhos" foram incorporados como se fosse um emblema da Escola Ativa, mas os espaços destinados a eles são quase intocáveis.. O programa da Escola Ativa, tal como os cantinhos, é apenas um emblema, fruto de uma aliança realizada pela SEMED em prol de conseguir mais verbas e materiais novos para as escolas indígenas, mas com conteúdo praticamente não explorados, visto a discrepância do programa com a realidade local.
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Maelle dá aula em uma casa construída à base de palha e tábuas de madeira, com piso de cimento queimado e pouca luminosidade. Nas paredes ficam distribuídos vários enfeites à base de cartazes e folhas sulfite pintados e desenhados e os "cantinhos". Nesses cartazes dispostos na parede temos o alfabeto desenhado ao modo de "bichinhos", cartazes com os números de zero a dez, cartazes feitos durante as aulas com temas variados (sobre a família, seres vivos e não vivos), e uma lousa. Em frente a esta, ficam algumas carteiras individuais e, na outra metade da sala, ficam algumas cadeiras infantis dispostas em uma mesa retangular com tamanho e proporção para crianças.
Conforme os alunos iam chegando à aula, a professora Maelle pedia para que lavassem as mãos e o rosto em um balde com álcool e água que a professora disponibilizava na entrada sempre que possível. Logo que entravam a professora pedia para que se sentassem nas cadeiras individuais, onde já começavam a entoar cantorias infantis ensinadas e engatilhadas pela professora, que ao longo das músicas ia fazendo gestos e movimentos, chamando os alunos para também dançar. O início da aula era sempre um momento de animação e exaltação onde as crianças se divertiam cantando e dançando. Após as cantorias, a professora passava exercícios diversos. O material usado para tais aulas se baseava em exercícios retirados de livros infantis, que eram copiados a partir do mimeógrafo disponível na biblioteca da escola. Além disso, era de uso recorrente revistas velhas, livros antigos e desatualizados, papeis, cartazes, tesouras, cola, lápis de cor, canetinha, giz de cera, com os quais os alunos recortavam, colavam, pintavam e desenhavam, de acordo com as atividades propostas pelas professoras, as quais tinham sido um dos temas principais no Encontro Pedagógico em Altamira (capítulo 1). Os conteúdos eram principalmente relacionados à coordenação motora com as ferramentas da escola, assim como o aprendizado inicial do alfabeto e dos números, além de pinturas e desenhos. Algumas vezes a professora propunha um trabalho de tradução para as crianças do 1º ano, em que ela pronunciava a palavra na língua Arara Carib e pedia para que traduzissem para o português, o que era realizado sem muitos problemas pelas crianças. Esse material didático utilizado pelas três professoras é conteúdo de materiais produzidos pelos missionários que atuam na aldeia desde o contato, depois de muitos pedidos das professoras, os quais realizaram inúmeros trabalhos de tradução e escrita da língua Arara Caribe, com dissertações vinculadas à instituições de ensino superior no Brasil e no exterior.
O prédio escolar fica disposto do outro lado da aldeia, próximo às saídas para a roça e à floresta, oposto ao lugar onde ficam as casas dos brancos. A escola tem duas salas de aula, separadas por uma pequena biblioteca entre elas e um corredor que liga os três espaços, que são delimitados como o espaço da escola por uma pequena cerca que divide o chão de cimento queimado da escola do mato e terra que a circunda com uma placa disposta em sua entrada escrita "Escola Arara". O prédio é feito à base de tabuas dispostas nas paredes, com teto de telhas de barro.
As salas de aula da escola são revestidas com cartazes elaborados pelas professoras sobre o alfabeto, os números, formação de sílabas, aniversários, mandamentos dos amigos etc., e também por cartazes elaborados por alunos em atividades propostas que são realizadas durante a aula, sobre temas variados (a família, higiene corporal, as casas das famílias, quantidades, medida de tempo, os seres vivos e não vivos etc., todos baseados numa cosmologia ocidental). Essas salas, que também são ocupadas por Joice e Alessandro durante a noite em períodos que ficam na aldeia, são marcadas também com cartazes sobre formação de sílabas a partir da língua Arara Caribe e outros cartazes relacionados à língua Arara, incluindo palavras geradoras, na terminologia de Paulo Freire.
A professora Simone dá aula para 2º e 3º ano e a aula é bem parecida para os dois anos, com algumas diferenças quanto ao conteúdo, mas com um mesmo modelo. A aula é preparada a partir de um material que é composto por livros que ela seleciona por conta própria e outros que ela recebe da SEMED, que agora é o material do programa da Escola Ativa, o mesmo material que vai para as escolas rurais.
No caminho até a sala de aula a professora vai perguntando para os alunos que se aproximam se eles já tomaram banho, caso contrário diz para irem banhar anter d ir para a aula. Com algumas exceçoes, a aula é basicamente o seguinte: a professora chega, pede a todos que se sentem e fiquem quietos, sem ficar andando pela sala, sem conversar e, em seguida, distribui as pastas, que ficam guardadas dentro da sala de aula, onde estão o caderno, o lápis e a borracha de cada um. Logo em seguida a professora começa a passar exercícios na lousa, e fica esperando os alunos terminarem de copiar enquanto elabora materiais para colocar de enfeites na sala de aula ou materiais para a própria aula. Enquanto isso, as crianças fazem e falam uma série de coisas que fogem do modelo de aula - o que será tratada no próximo tópico. A professora, em contrapartida, assume seu papel repressor, dizendo para copiarem logo e pararem de brincar - mas não adianta muito. Apenas depois de muito tempo a professora volta à lousa, primeiro começa a ler o material passado em voz alta, e em seguida começa a fazer os exercícios junto aos alunos. Depois disso apaga e volta a passar mais conteúdo, e assim vai até o fim da aula. São aula de Ciências (higiene do corpo, seres vivos e seres não vivos, diferenciação das partes da planta), Português (divisão da palavra em sílabas, formação de palavras, identificação dos diferentes sons na leitura, escrita do nome de figuras), Matemática (ordem númerica, diferenciação númerica), e História e Geografia (a família, as diferentes casas), compostas por conteúdos que são criados para aulas que têm como referencias os alunos da cidade. Na sexta-feira tem um exercício "diferenciado" depois das aulas convencionais. A professora pega uma cartilha de exercícios elaborada pelos missionários a partir da língua Arara e passa para que os alunos copiem e façam - exercícios de tradução, formação de frases com algumas palavras-chave da língua Arara, ditados, exercícios de relacionar semelhantes.
Regina dá aula para 4º e 5º ano de manhã, a sala é misturada com alunos do 4º e do 5º ano, mas é dividida em dois períodos, que segundo a professora é para melhorar o desempenho dos alunos. O modelo das aulas é parecido ao de Simone, após distribuir os materiais (pasta com caderno, lápis, borracha e caneta) para os alunos, ela pergunta sobre a data do dia às crianças, e logo em seguida começa preencher a lousa com material para copiar no caderno. Enquanto espera os alunos copiarem, a professora elabora materiais para as próximas aulas, prepara as aulas seguintes, faz cartazes para enfeitar a sala de aula. Estes alunos já são mais comportados de acordo com as formas tradicionais escolares de se portar na sala de aula - pouco se levantam para fazer outras coisas, sentam-se em posição "correta", não conversam muito, falam baixo, copiam a lousa de forma mais ligeira, e quando não, a professora pede postura e silêncio. O conteúdo abordado também é baseado em livros que têm como referência alunos da cidade nas matérias de Ciências, Português, História e Geografia, e Matemática. Toda sexta-feira tem também um ditado e algum exercício na língua Arara, baseado no material didático disponibilizado pelos missionários. Há certos dias em que se foge desse modelo de aula, em que procuram ministrar outras atividades e até certas brincadeiras, mas que acaba não funcionando, visto que os alunos pensam que isso não é estudar - pergunto-me qual a referencia desses alunos para considerarem certos modelos de aula como estudar em detrimento de outros como não estudar? Por que meio comparam?
Durante a tarde a professora Regina dá aula para EJA e Brasil Alfabetizado, que passou a ser dada em um mesmo horário após a chegada de Geise na aldeia, composta por conteúdos diferentes. A aula é teoricamente composta por homens e mulheres que não tiveram formação escolar ainda, mas a sala é dominada pelas mulheres; os homens, apesar de inscritos, não participam. A faixa de idade da EJA varia mais ou menos entre os 25 anos até os 50 anos de idade, e tem em torno de umas vinte mulheres – com exceção de uma menina que tem mais ou menos 15 anos de idade que toma remédio controlado toda dia pelo fato de um acidente na época em que a sua mãe estava grávida que causou deformação facial e problemas de aprendizado. O modelo de aula é o mesmo que o adotado nas outras: a professora preenche lousas e espera as mulheres copiarem. Já a turma do Brasil Alfabetizado é composta por mais ou menos três mulheres idosas que praticamente não falam o português. A professora faz no caderno de cada uma dessas mulheres um exercício de coordenação motora com letras pontilhada, as quais devem ser preenchidas, e depois pega na mão de cada uma e mostra como deve ser feito o exercício, enquanto a outra turma fica ocupada a maior parte do tempo copiando a lousa. Os conteúdos também se baseiam em alunos da cidade.

3.6 As aulas não regulamentadas

As aulas de Geise eram realizadas para alunos que já concluíram a primeira etapa do ensino fundamental, dentre eles homens e mulheres misturados em duas turmas divididas em dois horários diferente, das 16:00 até às 17:30 e das 19:30 até as 21:00 horas, de acordo com a preferência e escolha dos próprios alunos, que foi feita em uma reunião antes de começarem as aulas, em que os alunos foram dizendo qual o horário preferiam, o que distribuiu os participantes em duas salas com número semelhante de alunos.
As aulas de Geise, de acordo com ela, era uma proposta de realizar uma revisão sobre o que já haviam aprendido nos anos anteriores, de forma a prepará-los para um prova avaliativa do nível de ensino desses alunos. Nesse sentido, a professora tinha certa liberdade em selecionar os assuntos abordados nas aulas, os quais eram variados e mais de acordo com uma funcionalidade política no lidar com o branco. Assim, houve várias atividades diferentes para os alunos durante as aulas, tais como: a realização de atividades em que pesquisassem sobre seus nomes e sobrenome, a origem e a história; a data de nascimento e de aniversário; sobre documentos de identidade. Contou sobre a importância em aprender sobre essas coisas de modo prático, dando exemplos de seus usos perante o branco. Falou também sobre a importância em saber falar em frente aos outros, o que era tarefa final dos temas propostos aos alunos, de modo a que, segundo ela, eles pudessem treinar para falar em frente aos brancos (em reuniões na aldeia, na cidade, em Brasília, em compras) quando tivessem necessidade, o que iria contribuir para que pudessem requisitar e solicitar seus interesses frente aos brancos, o que gerava entusiasmo entre os alunos, que incentivavam os que estavam mais acanhados à tarefa. Assim, as atividades realizadas durante a aula consistiam em copiar a lousa, responder às perguntas da professora, falar em frente aos outros, pesquisar sobre certos assuntos durante as aulas e fora delas, e ouvir explicações dadas pela professora sobre os diversos assuntos e importâncias que tinham na vida cotidiana, mostrando fins práticos e funcionais.
Esses mesmos alunos tiveram aulas com Alessandro e Joice antes da chegada de Geise. As salas eram divididas por gênero e depois novamente separadas em duas turmas, de maneira a facilitar o aprendizado. Esses professores, missionários da APMT, não tinham vínculo com a SEMED, o que lhes dava autonomia para realizar o que bem entendiam como proveitoso para os Arara. A professora missionária, a qual chegou recentemente no Laranjal, estava se formando no curso de Pedagogia na Universidade Federal do Pará (UFPA) de Altamira, enquanto seu marido se formava em Letras na mesma universidade. Antes de vir à aldeia passaram por cursos promovidos pela Associação Linguística Evangélica Missionária-ALEM para viver na floresta e entre os índios. Além disso, foram orientados pelo casal de missionários mais velho para aprender a falar e escrever a língua dos Arara do Laranjal. Receberam diversos materiais para estudar sobre os Arara, e também materiais didáticos para ministrar aulas a eles. Tinham formação e conhecimento sobre a educação escolar indígena diferenciada, da qual discorreram diversas vezes falando sobre a importância em pensar em uma educação aos indígenas que não seja baseada nos preceitos da escola da cidade, mas que se adequem ao tempo e espaço da sociedade tratada. Acompanhei aulas nas quais foram tratados sobre temas de ciências (alimentação de qualidade; os esportes e sua importância; matemática; informática, a partir de notebooks trazidos pelos missionários, nos quais foi ensinado algumas funções básicas de digitação, transferência de arquivos para o pen-drive; e aulas na língua Arara, a partir dos materiais dados pelos missionários mais antigos, além de uma aula em que passaram um filme da série "Vídeos nas Aldeias". Além disso, atuam também como missionários.
3.7 Nas aulas: os alunos e as professoras

Na relação entre professores e alunos, entre quem fala e quem copia o que é falado, entre quem pergunta e quem responde, existe um meio, um espaço no qual acontecem outros fenômenos que não poderíamos perceber se fizéssemos a etnografia apenas do modelo (matéria passada) e da cópia (matéria copiada), por isso, tentarei mostrar as diferentes apropriações que fazem do espaço da sala de aula quando não estão apenas copiando as aulas.
Os alunos da professora Maelle vêm para a aula com roupas diversas, de calcinha, sem camiseta, de cueca, de shorts e chinelo. As cantorias são os momentos de aulas que mais gostam, e às vezes pedem para a professora cantar músicas que ouvem nos radinhos de vários jovens Arara, nos quais pode-se ouvir suas músicas preferidas (principalmente technobrega, principal música ouvida em Altamira, por exemplo, a Banda Calypso) em diversos espaços da aldeia diariamente. Durante a aula era comum as crianças subirem na carteira, nas mesinhas e cadeirinhas, pular no chão e ficar se esparramando, no que eram repreendidas pela professora.
Entre as atividades que tinham que realizar individualmente, com material dividido para cada um, era comum as crianças se levantarem e irem ver o que o colega estava fazendo, o que certas vezes gerava discórdia. Muitas vezes, quando alguém fazia algo que não era certo, diziam que iriam contar para a mãe dele, no que logo já paravam. Quando alguém pedia alguma coisa para a professora, todos os outros queriam também. Se um falava que queria ir ao banheiro, os outros também já solicitavam. Um pedia borracha, e todos os outros queriam também. Havia entre eles certo controle e certas disputas em que todos buscavam ter direitos a mesmas coisas, do qual a professora era uma espécie de juiz, entre o que estava certo e o que estava errado. A disciplinarização dos alunos era um dos fatores mais cobrados nas aulas dessas crianças mais novas que estavam se iniciando na escola, nas quais a professora mostrava não só o modo de aprender do homem branco, mas também os preceitos morais de ser do branco, e os modos de se comportar não só na escola, mas na vida, contando sobre o que é certo e o que é errado, como deve ser os atos de uma boa pessoa, como deve ser a higienização do corpo, da casa, os preceitos de uma família etc..
Nas aulas da professora Simone as crianças pareciam ser as que mais eram agitadas dentre todas as outras, corriam e pulavam, levantavam-se e iam do outro lado da sala ver seus colegas, promoviam briguinhas, não paravam de conversar entre elas o tempo todo. As crianças ocupavam principalmente os cantos da sala, deixando as carteiras do meio da sala mais vazias, ocupadas geralmente por alguns alunos que eram "menos comportados" que a professora dispunha nessas cadeiras da frente e do centro. Quando paravam de se movimentar, começavam a falar dos acontecimentos na aldeia. Discutiam sobre o jogo do Flamengo do dia anterior, conversavam sobre deus e o diabo, e de como devem se comportar para que deus não as castigue. Contavam sobre momentos em que seus pais tiveram êxito na caça e também de momentos que se depararam com espíritos do mal na floresta, os quais eram imediatamente relacionados ao diabo. Além do mais, a sala de aula era uma troca de notícias de uns com outros, na qual cambiavam informações sobre diversos assuntos diferentes que, muitas vezes, depois eram contados às suas mães e delas para seus pais - como um menino me explicou sobre essa lógica da difusão das informações certo dia.
Nas aulas de Regina, as crianças já se adéquam mais às normas de se vestir e de se portar na sala de aula. Vão vestidos com shorts, camiseta e chinelo, geralmente já vão com banho tomado, o que é uma exigência às crianças desde suas primeiras aulas. A sala fica dividida em dois, de um lado as meninas, e de outro os meninos, os quais pouco conversam entre eles, tanto entre meninos e meninas, quanto entre meninos e meninos, quanto entre meninas e meninas. Mas, muitas vezes olham para o que o outro está fazendo, que às vezes gera confusão.
Um dos alunos da professora Regina algumas vezes desrespeita a professora, faz brincadeira sarcástica, fala palavrões, e a deixa irritada, fato principal para que as professoras pedissem aos pais durante uma reunião para que passassem na escola para ver se eles estão se comportando, mas sem deixar as crianças saberem - o que foi feito por muitos pais, que passavam e repreendiam as crianças, principalmente falando em nome de seu filho, o que fazia com que as crianças ficassem menos agitadas, isto principalmente nas aulas de Maelle e Simone, compostas por crianças mais novas que faziam brincadeiras em tom mais alto. As meninas são menos extravagantes, sentam na mesma fileira uma na frente da outra, às vezes olham para o caderno da outra de forma avaliativa, para ver o que a outra está fazendo. A amizade que geralmente se cria em um ambiente escolar não é tão evidente, parece ser sobrepujada por outras relações sociais próprias aos Arara, como relações políticas de alianças e de parentesco. Às vezes algum menino acaba chamando a atenção e fazendo brincadeiras com as meninas enquanto copiam a lousa. Quando conversam geralmente tem a professora como ponto de referencia como interlocutora. Há também certa disputa política nessas aulas. Um dos meninos muitas vezes fica mostrando o quanto sabe do conteúdo, este mesmo vem sendo criado pelo seu pai para se tornar uma futura liderança da aldeia. Em vista disso, seu pai programou junto com alguns índios Wai-Wai e auxilio requisitado aos missionários, a viagem de seu filho à aldeia Wai-Wai Mapuera, para a qual foi estudar a religião e continuar seus estudos escolares, indisponíveis na aldeia Laranjal.
As aulas da EJA e Brasil Alfatabetizado são mais descontraídas, a professora não fica cobrando para que elas parem de falar, e até entra na conversa enquanto elas copiam tudo. Algumas mulheres acabam levando seus filhos pequenos juntos, que ficam próximos às carteiras das mães brincando de escrever, desenhar, rabiscar, em alguma folha de caderno. Essas crianças dificilmente saem de perto da mãe para interagir com alguma outra criança que está ali ao lado da mãe também. Outras mães levam seus filhos de peito junto a elas.
Todo dia a professora passa uma imensa lousa com conteúdo e exercícios a serem resolvidos. Enquanto copiam e fazem os exercícios as mulheres ficam conversando entre elas na língua Arara, e às vezes em português quando a professora entra na conversa. Uma delas disse certa vez que elas sempre vão à aula e treinam a mesma coisa, que não conseguem aprender direito, que não saem da mesma coisa, que aprende, aprende, mas no fim não aprendeu quase nada. Em outras conversas, quando perguntava sobre o motivo de irem à aula, uma mulher do Brasil Alfabetizado me respondeu - o que foi traduzido por uma menina - que ia pra aula porque a professora Regina e suas amigas a chamavam para a aula. Essas aulas parecem ser, na perspectiva dessas mulheres, mais do que um lugar para apenas aprender as coisas do branco, mas também parece ser um momento de reunião, no qual têm um espaço em comum para interagir, trocar experiências, espaço este que as mulheres pouco encontram fora do ambiente escolar, senão junto com homens na oroptam, ou em reuniões em frente a suas cozinhas, nas quais se reúnem mulheres mais próximas e dificilmente de toda a aldeia. O espaço da escola, pelo contrário, reúne mulheres mais velhas de toda a aldeia em uma só sala de aula, na qual, como dizem, pouco aprendem, onde conversam durante praticamente toda a aula na língua Arara, enquanto a professora faz outras coisas. Mas, as coisas boas que as mulheres aprendem nas aulas também parecem estar relacionadas a discursos que a professora Regina faz durante suas aulas. Como certo dia em que chegou falando que era o dia das mulheres, enunciando um longo discurso sobre a importância desta, terminando com um "O que seriam os homens sem a mulheres?", ao que pouco teve reação. Em um outro dia, numa aula de História e Geografia em que o tema era sobre "a família", a professora, após falar sobre as diferentes configurações de uma família, começou a fazer um longo discurso sobre a bebida e o cigarro, ao que logo começou a falar de como as mães e os pais deveriam controlar e disciplinarizar seus filhos para que não usassem essas coisas, visto os males que trazia à saúde e a toda a família, ao que deveria ser remediado por uma vigia sob seus filhos para que não fizessem coisas erradas. Depois de terminado, na reação das mulheres o discurso não parecia ter surtido efeito; mas, logo uma mulher virou-se pra mim e perguntou se eu fumava. Como vimos, não é possível entender a escola apenas a partir dos objetivos gerais dessa instituição, já que os usos que fazem dela são múltiplos.
Nas aulas da professora Joice, as mulheres compareciam às aulas com assiduidade e do mesmo modo participavam dela, faziam os exercícios, ajudavam as professoras com o falar da língua e com o escrever das palavras a partir dos exercícios e dos materiais didáticos recebidos dos missionários mais antigos. As mulheres traziam para suas aulas as crianças de colo, geralmente bebês que ainda estavam sendo amamentados e também crianças menores, inclusive alguns que frequentavam as aulas da professora Maelle durante a manhã. Essas crianças, quando não ficavam no colo, ficavam ao lado das mães, muitas vezes brincando com papel e caneta. Poucas vezes interagiam com outras crianças que também ali estavam, mas às vezes saíam da sala e iam até seu pai, que estava tendo aula com Alessandro, ao que, logo que começavam a atrapalhar a aula, eram mandados sair e ir com suas mães. Em outros momentos, iam até ao lado de fora e voltavam.
Nas aulas de Alessandro, os homens eram também dedicados em aprender o que estava sendo proposto, mas muitos faltavam. Diziam que as crianças não podiam ficar junto a eles entrando na sala porque atrapalhavam muito no aprendizado, por isso tinham que ficar com suas mães. Gostavam muito da aula, tratavam o professor missionário como um professor e amigo, a quem respeitavam e admiravam. Durante uma aula em que tinham como tarefa ler o texto passado, copiá-lo e responder alguns exercícios, um rapaz disse que terminou de ler, mas que em seguida iria começar a desler (ler de trás para a frente). Isso aconteceu também com algumas crianças de Maelle enquanto faziam exercícios e com crianças da professora Simone, ao que as professoras da SEMEC explicavam o fato como fruto de brincadeiras de criança. Outro fenômenos semelhante ao que acontecia com as crianças era que sempre que um homem saia da sala, os outros homens faziam o mesmo, assim como havia percebido entre as crianças. Parece que este efeito manada é fruto da igualdade reinante entre eles, como me ensinou Tatji em uma lição logo que me deparei com a principal bebida dos Arara, o piktu, que todos bebem num mesmo copo, ou no próprio carote para que bebam todos igualmente, ao que parece se assemelhar essa observação.
***
Ao longo do texto vimos que a escola não pode ser tratada apenas como um interesse político de toda a comunidade frente à sociedade nacional. Os Arara fazem uso da escola para diversos fins, aparecendo como um meio.
Conclusão

O texto apresentado teve por fim entender o que significava a escola na aldeia Laranjal. Para isso, procurei traçar o caminho pelo qual o modelo teórico institucionalizado de escola passava até chegar aos Arara, o qual sofre transformações ao longo do processo, desde a cidade de Altamira, onde os organizadores da educação escolar indígena já fazem dele algo totalmente diferente do que ele é em teoria, assim como na aldeia, onde ele passa por novas transformações até chegar nas salas de aula, assim como dentro delas.
Nesse percurso me deparei com diferentes motivações e interesses que se encontram e se desencontram, que se aliam e convergem com a escola, variando de acordo com os organizadores, as instituições, o contexto político, os professores, os alunos, o que impede de reunir um significado ou uma conclusão comum a todos esses personagens.
Desse modo, foi possível, dentro das salas de aula, etnografar o que os alunos faziam dentro dela, como se comportavam, portavam e se diferenciavam, o que mostrava como a escola não era só um lugar de aprender um saber intelectual, mas também um saber corporal e moral, de como se comportar e agir perante o branco. Mas ao mesmo tempo, a etnografia dentro da escola aliada à etnografia fora da escola pôde mostrar que a escola oferece não só o modelo de ensino/aprendizado de seus conteúdos e técnicas comportamentais ocidentais, a escola também era um lugar no qual os Arara tinham interesses próprios e diversos do modelo que está sendo proposto por ela, e dessa forma fazem uso dela.
Enfim, o que se pretendeu foi ir além do simples modelo e cópia, já que os fenômenos ligados à escola mostram que o modelo, um plano teórico, é deformado nas diversas etapas em que ele começa a ser usado na prática, o que inviabilizaria um entendimento da educação escolar indígena se conduzíssemos o trabalho dessa maneira. Mas, ao mesmo tempo, a etnografia pôde mostrar que a proposta teórica que está sendo levada à aldeia é incompatível com o contexto ao qual ele é levado, criando deficiências no ensino-aprendizado proposto na escola. Mais do que isso, a proposta não pôde nem sequer ser aplicada pelas professoras, já que mal elas foram instruídas para isso, as quais puderam apenas levar o "emblema" do modelo, intocado em seu conteúdo.
O panorama que o texto apresentou parece mostrar que não é possível entender a escola numa aldeia sem antes situarmos o local, o tempo e os personagens envolvidos, caso contrário a escola seria situada como um elemento a parte do cenário, o que não é o caso, já que para entender o que estavam fazendo dentro da aula era antes preciso compreender os motivos que os levavam até ela, o que me levou a tecer as conexões que pude perceber entre a escola do Laranjal com os diversos personagens envolvidos a ela. Por outro lado, foi crucial a etnografia dentro da sala de aula, já que permitiu ampliar as razões que levam os Arara a quererem, a cobrarem e a participarem das aulas, que podemos ver, não pode se delimitar apenas dentro de uma funcionalidade prática e política, o que, como reflexo nos leva a compreender também os modos de se fazer política entre os Arara. A escola, então, só pôde ser entendida para os Arara a partir das diversas apropriações que estão sendo feitas dela, o que impede uma resposta que generalizaria o que ela é, mas trata-se de como ela é, para o que é preciso apontar para quem ela é.









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