A caminho do Brasil Retratos de refugiados

May 22, 2017 | Autor: Sandra Silva | Categoria: Refugiados, Jornalismo Investigativo
Share Embed


Descrição do Produto

A caminho do Brasil Retratos de refugiados

Sem título-1

1

19/8/2011, 18:00

Sem título-1

2

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil Retratos de refugiados Sandra Silva

São Paulo, 2008

Sem título-1

3

19/8/2011, 18:00

Copyright© 2008 by Sandra Silva Direitos em Língua Portuguesa reservados ao autor através da CASA DO NOVO AUTOR EDITORA LTDA. Editores Fausto Martorelli Katya Marcos da Silva Capa Casa do Novo Autor Editora Projeto gráfico Casa do Novo Autor Editora Revisão ortográfica Casa do Novo Autor e autora

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro), SP, Brasil Silva, Sandra A caminho do Brasil - Retratos de refugiados, Casa do Novo Autor Editora / São Paulo / 2008 ISBN: 978-85-7712-093-2 CDD - 304.88104 08-07335 Índices para catálogo sistemático: 1.Brasil : Refugiados : Sociologia 304.88104 CASA DO NOVO AUTOR EDITORA CNPJ 02.360.971/0001-78 Insc.Estadual 115.328.382.115 Rua Clóvis Bueno de Azevedo, 159 - Ipiranga - 04266-040 São Paulo - SP - Telefax: (011) 2069-9963/2063-0709 e-mail: [email protected] site: www.casadonovoautor.com.br

Sem título-1

4

19/8/2011, 18:00

Apresentação

A caminho do Brasil é resultado de três anos de pesquisas sobre o tema refugiados no Brasil. As informações foram surgindo do contato com refugiados e telefonemas e emails enviados ao Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) e Conare (Comitê Nacional de Refugiados). Embora o Brasil seja um país de imigrantes, tanto o assunto refugiados quanto os impactos dessa migração para o Brasil são assuntos pouco divulgados na mídia. Pouco foi publicado em português sobre o tema. Abrir uma discussão sobre refugiados no Brasil é também se integrar a questões mundiais de migração, conflitos étnicos, sociais, econômicos e políticos. Falar de refugiados no Brasil é falar do diferente, do pouco comum, de povos distantes que buscam cada vez mais nosso país como destino, num efeito do aumento das políticas poucas amistosas a refugiados em países desenvolvidos na era pós 11 de Setembro e da continuidade de conflitos étnicos, civis, raciais e políticos em todo o mundo.

Sem título-1

5

19/8/2011, 18:00

Sem título-1

6

19/8/2011, 18:00

A Jeton Lajqi

Sem título-1

7

19/8/2011, 18:00

Sem título-1

8

19/8/2011, 18:00

Índice

Uma questão global ........................................................... 11 Retrato Brasil ..................................................................... 13 Refugiados Ambientais ...................................................... 32 A caminho de algum lugar ................................................ 38

Sem título-1

9

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

10

Sem título-1

10

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

Uma questão global

Sempre sonhei em trabalhar em jornalismo cultural. Já tentei cobrir política mas desisti quando notei que os leads eram sempre muito vagos brotando da boca do candidato ou ocupante de um cargo público, no meio da coletiva de imprensa, apenas como resultado da provocação de algum repórter mais polêmico. Gostava também de economia no início da carreira mas a secura dos números já me cansava um pouco nas últimas reportagens, depois de oito anos na área. Queria mais. Tentei sustentabilidade. O máximo que consegui foi o projeto editorial e reportagem de um site de responsabilidade social de um poderoso banco do País e, mais tarde, um modesto emprego no departamento de marketing do mesmo banco, num ambiente tumultuado de gerências e projetos, crescimento forte do ambiente web e boatos de venda da instituição que, anos depois, vieram a se confirmar. Nunca tinha lido nada sobre refugiados no Brasil quando tive o primeiro contato com essa realidade, para uma reportagem free lancer. Resolvi então apostar no assunto. Não imaginava o que viria depois. As conversas e as dificuldades enfrentadas pelos refugiados no Brasil me abriram um novo universo e contatos com colombianos, africanos e tantos outros que vivem em São Paulo ou já partiram para outros países, decepcionados com a falta de cuidado do País com os refugiados que vêm morar aqui. A realidade enfrentada pelos refugiados no Brasil me chocou, confesso. Por isso, adoto às vezes um tom militante. Aliás, foi esse tom que me impediu de publicar uma reportagem free lancer num dos maiores jornais do País, no final de 2006. Alegaram que perdi a imparcialidade jornalística e passei a defender os refugiados (!). Isso foi um elogio. Mas perdi o free lancer. Ganhei o livro. Espero que você goste do que consegui reunir em minhas pesquisas e entrevistas. A contextualização de fatos mundiais que faço em um dos capítulos é essencial para entender o movimento dos refugiados 11

Sem título-1

11

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

no Brasil. E a internet foi muito importante nessas pesquisas. Senti no contato com algumas instituições protetoras de refugiados no Brasil ainda um ranço e desconfiança que não vejo em outros setores onde atuei como jornalista. Uma pena que não tive orçamento para fazer entrevistas no exterior nesta primeira incursão. Imagine uma pesquisa durante um ano sobre refugiados na França, nos Estados Unidos, Suécia (onde 20% da população é refugiada e os refugiados têm moradia, alimentação, aulas de inglês e sueco), Inglaterra ou Espanha. O fato é que nosso país está globalmente inserido nisso tudo. O caminho para o Brasil começa na África, Europa, EUA e Oriente Médio.

12

Sem título-1

12

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

Retrato Brasil

O Brasil é uma nação de muitas nações. Todo mundo tem um avô, avó, ou tio, pai que nasceu na Europa ou no Oriente Médio, emigrou e veio fazer o Brasil. Somos portanto, uma nação de imigrantes. Nada novo até aí. Estão todos totalmente integrados em cidades como São Paulo que tem o Bexiga dos italianos, a Liberdade dos japoneses e o Bom Retiro dos libaneses e judeus. Mas os atuais refugiados de 54 diferentes etnias reconhecidos oficialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) no Brasil estão ainda pouco próximos dessa sociedade brasileira embora já somem oficialmente quase 4.000 pessoas espalhadas em todo o país. Apenas em 2007, foram aceitos 363 novos refugiados no Brasil. Outros 322 pedidos de refúgio foram negados porque ficou caracterizada a migração por motivos econômicos e não uma situação de refúgio (fuga de conflito social ou de guerra no País de origem). Para nós, os africanos, colombianos, iraquianos...todos ainda são muito exóticos (palavra que não gosto de utilizar...para um francês, o brasileiro pode parecer um tanto exótico também, não acha? Se você acha que não, gaste cinco minutos conversando sobre o Brasil e vai descobrir que ainda sonham com o Carnaval, samba e mulatas, além de futebol). Os refugiados no Brasil já são um grupo numeroso. Mas some ainda outras 4.000 pessoas, todas de origem colombiana. São os colombianos que entram e saem frequentemente do país pela fronteira da Amazônia Brasileira e vivem no Brasil com ajuda da Igreja Católica e da Pastoral da Mobilidade do Alto Solimões de cidades ribeirinhas da Amazônia, sem qualquer conhecimento oficial do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Esses colombianos vão e voltam para o Brasil várias vezes num mês porque simplesmente não têm condições de viver na Colômbia com as constantes ameaças das guerrilhas das Farcs (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) mas ainda não conseguem se estabelecer no Brasil, por falta de condições financeiras. 13

Sem título-1

13

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

A pequena ajuda vem de famílias católicas dispostas a receber os refugiados em suas casas por intermédio de padres da região, e da paróquia colombiana da cidade de Letícia, na Amazônia colombiana (1). Eles não podem ser caracterizados como migrantes econômicos. A categoria do refugiado é diferente. O refugiado é alguém que migra para outro país quase involuntariamente, impelido por dificuldades em seu país de origem e, em busca de proteção internacional, fugindo de uma guerra civil ou militar, perseguição política, étnica, racial ou religiosa. Já o migrante econômico decide mudar de país em busca de melhores condições de vida. O Brasil começou a receber refugiados de guerra vindos da Europa, com a Segunda Guerra Mundial. Para refugiados de países da América Latina, durante muitos anos o país ainda seria apenas um posto de passagem para o encaminhamento a outros países. Assim acontecia com os latino-americanos (principalmente argentinos e chilenos) que fugiam de ditaduras sul-americanas políticas na década de 70. Apenas nos últimos anos, o Brasil começou a ser atuante na questão refugiados, regulamentando legislação específica. Mas embora o país tenha sido o primeiro da América do Sul a criar a Lei dos Refugiados em 1997, o primeiro a adotar o Estatuto do Refugiado em 1960, e o Protocolo dos Refugiados em 1972, há muitos problemas que afligem fortemente essa pequena população estrangeira que vive por aqui. A lei praticamente não funciona para melhorar o dia-a-dia dos refugiados no Brasil e dar a eles boa qualidade de vida. Quer alguns exemplos: falta de emprego, moradias inadequadas, falta de integração na sociedade civil. Nada muito diferente dos problemas enfrentados pela pobre população brasileira, é verdade. Acrescente apenas um fator extra – a diferença cultural que às vezes choca, agride e humilha. Eles também sofrem isso. Esqueça a idéia de que o Brasil é uma terra cheia de gente simpática que adora receber estrangeiros. Pode funcionar no Rio de Janeiro ou em Salvador onde os turistas gastam um monte de dinheiro mas não funciona com refugiados. Em 2007, estudantes universitários africanos que moravam em 14

Sem título-1

14

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

Brasília (DF) tiveram os dormitórios incendiados no campus da universidade. Não por uma triste coincidência, jovens da mesma cidade queimaram há alguns anos um índio que dormia em um ponto-de-ônibus. Tolerância. Palavra que talvez estejamos esquecendo no Brasil em meio à expansão da renda e da volta do crescimento econômico. Mas a questão dos refugiados não é exatamente essa. O ponto central é que a legislação brasileira para esta população é constante instrumento de marketing dos órgãos de proteção ao refugiado do país enquanto os refugiados no Brasil sofrem em silêncio com a falta de apoio governamental e de organismos internacionais e nacionais de proteção. Pesquisa divulgada pelo Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) em 2006 com Pastorais do Migrante e de Mobilidade Humana dos estados do Norte do País mostra que as principais dificuldades enfrentadas pelos refugiados são falta de acesso à educação, saúde, trabalho, discriminação, ausência de cultura acolhedora, falta de moradia e idioma (2). O que falta aos refugiados? Tudo... A maioria dos refugiados que chega ao Brasil vive inicialmente em grandes centros, instalada em albergues e dividindo espaço com moradores de rua e migrantes brasileiros e estrangeiros, vindos de Países da América do Sul. Um péssimo começo para quem acaba de chagar ao país. Não há nenhum preconceito contra moradores de rua ou migrantes brasileiros que chegam a cidades como São Paulo e que, sem dinheiro ou qualquer assistência de amigos ou parentes locais, têm de recorrer a essas moradias. Pelo contrário. Mas essas são situações limites de urgência máxima. O tipo de assistência oferecida aos refugiados exige uma política de longo prazo do País e não pode ser a mesma ajuda oferecida a esses moradores de rua. Utilizar essas moradias de migrantes e moradores de rua também para os refugiados - pessoas que ainda sofrem com traumas da guerra e que arriscaram a vida ao vir para o Brasil e precisam voltar a viver com tranqüilidade e calma - é no mínimo, constrangedor. Mas essa é a experiência zero para o refugiado que chega ao Brasil. Uma dessas casas é a Casa do Migrante, na Baixada do Glicério, no 15

Sem título-1

15

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

centro de São Paulo. Em uma visita à Casa do Migrante, em 2005, conheci um ambientalista peruano que teve de deixar o país após tentar defender um vilarejo da instalação de uma fábrica que poderia causar danos à população. Sem contatos com ONGs de proteção ambiental no Brasil, o ambientalista peruano havia sido totalmente desconectado da realidade onde vivia e passou a conviver com moradores de rua e migrantes econômicos. Tentei ajudá-lo com alguns contatos, explicando rapidamente quais são as principais ONGs do Brasil mas dias depois, perdi contato com ele. Encontrei também na Casa do Migrante o engenheiro e pastor protestante do Congo, Maurice (que prefere deixar seu sobrenome no anonimato) e que, no Brasil acreditava contar apenas com a ajuda de Deus. Maurice deixou o país em janeiro de 2007 para tentar a vida em Madri, na Espanha. Em abril de 2007, quando trocamos e-mails, ele parecia animado com a perspectiva de conseguir emprego e um salário maior na Europa. No início de 2008 o encontrei no Orkut. Estava trabalhando, feliz. E já não contava exclusivamente com Deus. Quando comparo a situação dos refugiados no Brasil com a população pobre do País, tenho a consciência de que sou um tanto idealista. E gosto disso. Tenho também consciência de que ações incisivas de integração à sociedade brasileira podem fugir do escopo da morosa estrutura governamental brasileira. Mas ações de integração com ONGs locais, troca de experiências de refugiados em escolas e a proximidade maior com a população brasileira poderiam não só garantir um recomeço de vida aos refugiados mas também alertar o País para outras realidades que acontecem bem próximas do Brasil: no Peru, Colômbia ou ainda na distante África. E o mais importante, garantir moradia exclusiva para refugiados em apartamentos alugados para esse fim e alimentação gratuita. O centro de São Paulo, que tem prédios em decomposição, poderia abrigar refugiados, após reformas. O Brasil não pode simplesmente continuar a aceitar refugiados e não atender os que já vivem aqui com as necessidades básicas de todo ser humano. O representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para 16

Sem título-1

16

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

Refugiados (Acnur) no Brasil, Luís Varese, acredita que o compromisso de receber refugiados, principalmente os vizinhos colombianos, é um compromisso internacional mas também uma forte questão de solidariedade (3). Alguns esforços são realmente válidos. Os refugiados que moram em São Paulo recebem aulas de português em convênio firmado com o SESC Carmo, em curso de três meses; conquistam rapidamente a carteira de trabalho (facilidade logo esquecida com a dificuldade de encontrar trabalho depois); recebem CPF e participam de iniciativas culturais como o grupo Cantos do Mundo, que reuniu brasileiros e refugiados no Sesc do Carmo, na capital paulista, para o aprendizado de ritmos e sons da várias partes do mundo. Até há iniciativas de integração cultural bem interessantes. O problema é que os refugiados não têm condições de se sustentarem com apenas um salário mínimo que é oferecido por um período pífio de até nove meses durante a concessão do refúgio. Esta crise não é muito diferente da vivenciada por brasileiros que sobrevivem com um salário mínimo por mês ou enfrentam a crise do desemprego, com o insuficiente seguro-desemprego. A urgência é que os refugiados têm ainda um desafio extra – integrar-se à cultura local, aprender o idioma, superar dramas de guerra do passado e só então começar a viver...e isso requer tempo. E requer estabilidade emocional. Requer conexão em um novo mundo, conexão com o Brasil, com as pessoas, a cidade e a cultura local. Em 2006, o refugiado cristão da Somália Abi Fitah Mahamed Daqane chegou ao Brasil fugindo do regime islâmico. Foi morar na Casa do Migrante, na Baixa do Glicério em São Paulo, mantida em convênio com a Igreja Católica para abrigar refugiados, moradores de rua e migrantes. Com sotaque britânico e traje social (camisa de manga comprida e calça social), o elegante refugiado africano sofreu até agressão. Foi assaltado em uma noite por três moradores do albergue que queriam seu dinheiro. Daqane teve até de lutar. Me mostrou o requerimento do exame de corpo delito em nosso primeiro bate-papo, numa lanchonete do metrô São Bento. Depois do incidente no albergue, se mudou para um hotel no centro da capital paulista pagando R$ 17

Sem título-1

17

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

300,00 por mês – o valor equivale ao total do benefício que recebia mensalmente do Acnur no Brasil. Daqane me contou que decidiu fugir da Somália porque se converteu ao cristianismo e passou a sofrer perseguição religiosa. Lá, foi preso. Tem marcas de tortura nos dois braços. Amigos que se converteram à mesma religião foram mortos por militantes muçulmanos. Ele escolheu o país porque poderia voltar a ter liberdade religiosa. A última notícia que tive de Daqne é que havia emigrado do país. Na Somália, com maioria islâmica, um forte conflito entre grupos rivais explodiu no final de 2006 causando mortes na população local. Mais de 40 mil pessoas fugiram da capital Mongadisho em apenas um mês, segundo informações do Acnur, de março de 2007. A violência na capital aumentou quando o Governo Federal de Transição (TFG), apoiado por forças etíopes, expulsou a União de Cortes Islâmicas (UIC) da cidade. Em 2006, as regiões sul e central do país africano também foram afetadas por fortes secas, fator que pode ter estimulado ainda mais a fuga da população do país. No início de 2007 cerca de 200 pessoas morreram na Somália – algumas depois de terem sido jogadas ao mar por saqueadores, quando tentavam chegar ao vizinho Iêmen. Informações do Acnur mostram ainda que cinco mil pessoas da Somália conseguiram chegar ao Iêmen mas muitas ainda continuavam desaparecidas. De volta ao Brasil. Algum desavisado pode defender que os refugiados no Brasil não podem receber o tratamento VIP que não é oferecido nem à população brasileira, o que poderia ser considerado privilégio e até um desrespeito ao cidadão brasileiro que paga seus impostos e necessita de melhores condições de saneamento básico, educação, alimentação e saúde. Concordo. Não deve haver simplesmente um programa VIP para refugiados com piscina em condomínio de luxo. Não é isso. Mas há algo muito importante em questão - a proteção ao refugiado é um acordo feito entre o país e a Organização das Nações Unidas (ONU) para atender especialmente a esse grupo, com apoio financeiro local e internacional. Isso quer dizer que é uma iniciativa do próprio país e um compromisso firmado com a 18

Sem título-1

18

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

ONU para aceitar e proteger essa população internacionalmente dos horrores da guerra de seus países de origem e garantir uma vivência melhor do que a enfrentada anteriormente. Até por conta desse compromisso, o país tem liberdade para aceitar ou não o refugiado em seu território. Mas uma vez aceito, tem o compromisso de garantir condições ideais de sobrevivência. É aí que o Brasil vem negligenciando. Há algumas histórias de sucesso de refugiados no Brasil. E há outros que chegaram ao país e conseguiram juntar fortuna há alguns anos. Mas são exceções e vieram ao Brasil numa época em que ainda não havia políticas assistenciais de proteção a refugiados. São sobreviventes das grandes Guerras Mundiais, auxiliados por parentes próximos, amigos e compatriotas. Pessoas que foram trabalhar nas lavouras ou em fábricas dos grandes centros. Outros tornaram-se comerciantes. Existe uma urgência no fortalecimento da assistência ao refugiado no Brasil. É necessário liberação de verbas públicas e acordos com empresas estatais e privadas brasileiras e multinacionais para construção de apartamentos individuais e familiares adequados, fim do programa de convênio com albergues da Igreja Católica, abertura de vagas de trabalho compatíveis com a experiência e a formação anterior do refugiado no país de origem e a integração cultural e social dessas etnias na sociedade brasileira (alimentação gratuita, transporte gratuito e educação gratuita). Na Europa, se o refugiado ficar por 10 anos em um País, durante todo esse tempo terá acesso a moradia. No Brasil, o prazo máximo para estadia na Casa do Migrante é de seis meses. E o refugiado convive durante esse tempo com moradores de rua e migrantes. Há ainda outro ponto. O Brasil não pode ser simplesmente convidado ou constrangido a receber mais refugiados por países industrializados que vêm reduzindo o número de novos refugiados por conta da política anti-terrorista (4). A questão refugiado é também uma questão de soberania nacional e o Brasil deve agir com responsabilidade. Em geral, o perfil do refugiado que chega ao Brasil é jovem – por volta dos 35 anos ou menos. Ele normalmente vem sozinho mas há casos, mais comuns em refugiados vindos da Colômbia, de mães 19

Sem título-1

19

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

com crianças. A ONU desenvolve alguns programas no Brasil mas com vários problemas. Em 2005, o Programa de Reassentamento de famílias no país enviou grupos de refugiados para o semi-árido nordestino, área imprópria para o cultivo e agricultura. Ainda que, na teoria, o programa parecesse bom – o incentivo à agricultura, um tipo de reforma agrária sem fronteiras de nacionalidade - na prática não funcionou, no início. O programa de geração de renda e microcrédito do Acnur também teve início sofrível porque ofereceu parcas condições para o início de negócios dos refugiados no país. Um refugiado comprou uma moto para abrir um novo negócio mas não tinha dinheiro para obter carteira nacional de habilitação de motorista (5). Há dois movimentos paralelos acontecendo no Brasil. Um é o crescimento dos refugiados e, outro, a saída dos refugiados em busca de outro País, por falta de condições de vida. O Brasil volta a ser, tal como na época da ditadura, um país temporário. Ser aceito como refugiado por levar até nove meses. E a saída do refugiado do Brasil também não é fácil. Para conseguir passaporte, o refugiado tem de explicar detalhadamente destino, motivo da viagem, recursos financeiros e convencer o Conselho Nacional dos Refugiados (Conare) sobre a necessidade e viabilidade da viagem. Eles não são livres para sair. Nem para viajar a passeio ou a negócios ao exterior. Têm de submeter todas as viagens à aprovação do conselho. A justificativa é que o Brasil precisa proteger o refugiado em território nacional e em terra estrangeira. Mas essa “proteção” tem ferido um direito básico do cidadão – a liberdade de ir e vir. Se a emissão da carteira de trabalho realizada antes mesmo do fim do processo de reconhecimento de refúgio no país é interpretada pelas autoridades nacionais de proteção aos refugiados como um avanço legislativo a ser seguido mundialmente, ainda que não haja nenhuma perspectiva de emprego, é urgente que sejam alteradas as resoluções para obtenção de passaporte de refugiados, um direito básico de qualquer cidadão que resida no Brasil. Os refugiados não recebem um passaporte comum. Em geral, recebem passaporte válido apenas para apenas um país com 20

Sem título-1

20

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

restritíssima validade (um mês, quinze dias, três meses...) o que restringe até mesmo a obtenção de visto em alguns consulados instalados no Brasil. O que diz a lei: permite que o passaporte de refugiados possa ser válido por período de dois anos e para múltiplos destinos. O que acontece na prática? Constrangimento. Só para o refugiado que insiste no Conare há possibilidade de conseguir autorização de viagem para mais de um país (o que não equivale a um visto de entrada no destino). Entendo que a situação é delicada porque o refugiado sai de sua terra quando sente tolhida a liberdade pessoal ou profissional, por motivos de guerra ou perseguição social, religiosa, racial ou até mesmo ideológica. Por aqui, tem de enfrentar a sofrível burocracia brasileira e restrições ao livre trânsito internacional. Daqne, que foi agredido por moradores da Casa do Migrante em São Paulo, tentou ir para Portugal no final de 2006 para uma conferência católica. Teve seu primeiro pedido negado no Conare, feito por fax, com auxílio da Cáritas da Igreja Católica, em São Paulo. No segundo pedido conseguiu seu passaporte válido por período inferior a um mês. Não conseguiu fazer a viagem. O irônico é ele veio ao Brasil em busca de liberdade, fugindo de radicais religiosos e esbarrou aqui na burocracia protetora. O Brasil infelizmente não é exceção. Na Europa, a situação dos refugiados também é problemática. Em 2005, explodiram protestos de jovens filhos de refugiados na França e Alemanha quando as eleições ratificaram, em maio de 2007, um governo menos amigável a imigrantes. Nicolas Sarkozy derrotou a candidata socialista Segonele Royal, o que provocou protestos à francesa com queima de carros e protestos de migrantes em várias cidades do país. Na Alemanha, foi iniciado em 2006 programa que oferece casas equipadas completas a refugiados. Anteriormente, essas famílias viviam em trailers. Na vizinha Argentina, informações de 2006 mostravam que os processos de solicitação de refúgio se acumulavam, demorando anos até a aprovação. Uma força-tarefa tentou diminuir a burocracia e acelerar a aprovação do status de refúgio. Essa população somava na época 2.642 pessoas (6). Na Dinamarca, 9 em cada 10 refugiados chegaram a ser rejeitados 21

Sem título-1

21

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

e cerca de 600 famílias viviam, em 2006, em “campos de deportação” vigiados por policiais e com restritas liberdades. A intenção de deportá-los para os países de origem era impensável por conta da situação de instabilidade política e social daqueles países. Na Noruega, a situação em 2006 era semelhante. Sem dinheiro ou segurança para retornarem, refugiados não aceitos permaneciam em “campos de deportação” sem quaisquer perspectivas de serem aceitos no País. Já os que conseguem refúgio, têm toda a proteção e assistência. Desde os atentados de 11 de Setembro nos EUA, o número de aprovação de novos refugiados e o fluxo dessa população diminuiu em todo o mundo, chegando ao menor número desde 1980, o que não significou, em nenhum momento, a diminuição de conflitos. Houve apenas um aumento das restrições de entrada em países desenvolvidos e do preconceito em todo o mundo em relação aos refugiados, principalmente os de origem árabe. Em 2004, eram 9,5 milhões de refugiados em todo o mundo. Em 2006, este número somou 8,6 milhões. A retração foi resultado da nova política mais restritiva para concessões de asilo em países industrializados. Os países desenvolvidos não só passaram a adotar regras mais rígidas para a aceitação de refugiados e migrantes mas também reforçaram a vigília em fronteiras, na tentativa de conter o avanço do terrorismo e a entrada de refugiados em embarcações ilegais, o que é muito comum em países da Europa, como a Espanha. No período de 2001 a 2005, o total de pedidos de refugiados em países da Europa, Austrália, EUA e Canadá chegou a despencar 40% segundo informações da ONU. Relatório de 2002 da Acnur mostra que de cada dez refugiados no mundo, sete são recebidos em países pobres. No período entre 1992 e 2001, 86% dos refugiados vinham de países pobres. “De uma maneira generalizada os refugiados também não têm encontrado ambientes receptivos quando buscam se estabelecer nos novos países e são, em maior ou menor grau, mal recebidos pela população do país receptor por representarem perigo imediato à manutenção de seus próprios empregos”. (7) No Brasil a situação não é de preconceito. Há no entanto uma indiferença em relação à questão 22

Sem título-1

22

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

do refugiado. No primeiro semestre de 2006 o total de pedidos de refúgio concedidos voltou a cair 14% na Europa mas voltou a crescer nos Estados Unidos. Em fevereiro de 2007, em meio a um dos mais sangrentos combates de tropas americanas no Iraque, o país anunciou que iria receber sete mil refugiados iraquianos que já estariam vivendo fora do Iraque. Os EUA ofereceram também US$ 18 milhões para o Acnur ajudar refugiados do Iraque. A estimativa da ONU é que 1,8 mil iraquianos abandonaram suas casas nos primeiros meses de 2007 mas ainda tenham permanecido no interior do país. Os sete mil refugiados que tiveram autorização para morar nos EUA em 2007 equivalem a 15 vezes o número de refugiados iraquianos que o país recebeu desde as invasões lideradas pelo exército americano ao território iraquiano, em 2003 (8). Os Estados Unidos também têm problemas internos a resolver. Relatório da Comissão de Mulheres e Crianças Refugiadas e do Serviço Luterano de Refugiados e de Imigração (LIRS) denunciou, em fevereiro de 2007, duras condições que viviam alguns refugiados nos EUA em dois centros do Departamento de Segurança Nacional (DHS). Um dos centros era uma antiga penitenciária onde famílias refugiadas vinham sido mantidas por mais de dois anos, no estado do Texas. As investigações realizadas entre outubro de 2006 e fevereiro de 2007 revelaram ainda que as crianças com menos de seis anos de idade eram separadas dos pais durante a noite. Também havia denúncias de falta de atendimento médico, doenças freqüentes de crianças e perda de peso. O documento denunciou ainda a falta de critério para a manutenção dessas famílias nos centros, defendendo a liberdade desses grupos para o estabelecimento legal no país e o acesso a advogados (9). Apesar do grande volume investido anualmente pela ONU no auxílio a refugiados (em 2006, esse valor chegou a US$ 1,47 bilhão e o orçamento previsto para 2007 era de US$ 1,06 bilhão) esse total é suficiente para ajudar cada uma das 21 milhões de pessoas necessitadas (refugiados, deslocados internos, repatriados e apátridas) com apenas US$ 1 por semana. 23

Sem título-1

23

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

Até o final de 2006 as maiores operações do Acnur estavam no Chade (US$ 69 milhões), Afeganistão (US$ 52 milhões), Libéria (US$ 32 milhões), Quênia (US$ 32 milhões) e Tanzânia (US$ 24,3 milhões). O Brasil faz parte, com outros 65 países, do Comitê Executivo do Acnur que aprova programas e orçamentos anuais da ONU. Também estão no grupo Argentina, Chile, Equador, Colômbia e Venezuela. No Iraque, cerca de 100 mil pessoas começaram a escapar do país mensalmente com a intervenção dos EUA. Diariamente, outra centena passou a morrer em conflitos internos. Outros passaram a se esconder na Síria, convivendo em um ambiente de medo, temendo a deportação para o Iraque. Mundialmente, em 2004, até chegou a ser registrada uma queda nos números globais de refúgio interno quando 500 mil afegãos voltaram para a casa. Mas esse número voltou a crescer em 2005, puxado pela explosão do conflito no Iraque. O refúgio intraregional (num mesmo continente ou país) cresceu também porque alguns países simplesmente fecharam todas as fronteiras para impedir a saída da população. Os habitantes começaram então a se deslocar internamente, dentro do próprio país ou região. Paralelamente a isso, em países como o Brasil o número de refugiados começou a crescer. Em 2005, o crescimento estimado foi de 5%. Nos dois anos seguintes, 2006 e 2007, também houve crescimento no total de pedidos deferidos de refúgio. Para o Acnur, o Brasil é um ponto estratégico de recebimento de refugiados porque está longe dos grandes conflitos mundiais, com exceção da guerra civil na vizinha Colômbia, patrocinada pelas Farcs. A paz nas cidades – interrompida pela explosão da violência do Primeiro Comando da Capital (PCC) e pelo tráfico de drogas em grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro - e a projeção internacional do Brasil como um país receptivo aos estrangeiros também reforçam a imagem atrativa para um maior contingente de refugiados. O escritório do Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) chegou a ser fechado em Brasília por falta de verbas 24

Sem título-1

24

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

mas foi reaberto em 2003, no primeiro governo do presidente Lula com promessas de reforços em verbas nacionais. Em 2006 foram gastos R$ 10 milhões com refugiados no Brasil – 40% veio do Acnur. O restante, de governos de várias esferas. Para 2007, o governo chegou a prometer a liberação de mais R$ 1 milhão no final de 2006 para a construção de mais albergues (?) para refugiados em convênio com a Caritas da Igreja Católica, criação de cursos de capacitação e tratamento psíquico para vítimas de guerra. Mas a troca de ministros do governo Lula no início do ano colocou em compasso de espera a liberação da verba. Segundo o Acnur, no ano de 2006 o Iraque foi o país que originou maior número de pedidos de refugiados. O avanço no número de refugiados foi de 77% e passou de 12,5 mil em 2005, para 22,2 mil em 2006 como reflexo da nova invasão dos EUA ao país. Mas em geral, o número de refugiados de todas as nacionalidades caiu pelo quinto ano consecutivo. A última vez em que o Iraque havia ficado no topo da lista havia sido em 2002, antes da queda do antigo regime da Sadan Hussen quando mais de 50 mil refugiados deixaram o país. Eles foram principalmente para a Suécia, Países Baixos, Alemanha e Grécia. Na Suécia, 20% da população é refugiada. Os refugiados aprendem sueco, inglês, têm casa, dinheiro para sobreviver, plano de saúde e emprego. Nas décadas de 80 e 90 o Irã foi o país mais aberto para receber refugiados no mundo. Acolheu cerca de dois milhões de iraquianos e afegãos, mesmo recebendo pouca ajuda do exterior. O problema agora é que, com a chegada das novas gerações de refugiados à idade adulta, aumentou o desemprego local, gerando mais instabilidade e choques sociais (10). Na Segunda Guerra Mundial, o Brasil foi um dos países do globo que mais recebeu refugiados da Europa. O país firmou convênio com a ONU criando a “reserva geográfica” – apenas refugiados vindos do continente europeu poderiam morar no Brasil. Na época, os latino-americanos eram encaminhados a outros países e residiam apenas temporariamente aqui porque o governo militar brasileiro não queria envolvimento internacional em conflitos de países vizinhos. A explicação oficial para o veto de permanência no Brasil era a proximidade dos refugiados com as 25

Sem título-1

25

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

áreas de conflito. Nos anos 70 e 80, quando ocorreram as ditaduras na Nicarágua, El Salvador, Guatemala e Chile houve uma explosão da migração de refugiados desses países para várias partes do mundo. Do Brasil também saíam asilados políticos para Cuba, Chile e Europa. Enquanto no refúgio, a saída do país tem como principal motivo fuga de guerra civil, religiosa ou étnica, o asilo tem caráter extremamente político e protege aqueles que foram vitimados por regime ou fato político adotado no país, oposto às crenças e convicções pessoais do asilado. Segundo informações do Acnur, o período entre 1975 e 1997 registrou uma explosão mundial no número total de refugiados. Este número cresceu 10 vezes e passou de 2,4 para 27 milhões. Os refugiados fugiam de guerras de intolerância e perseguições de ditaduras políticas, principalmente na América Latina. A proporção passou a ser então de um refugiado em cada 115 pessoas da população mundial. Mais da metade desta cifra é em geral, composta por crianças, adolescentes e mulheres. Em alguns países como Ruanda (África) e Bósnia (Europa), esse total chegou a representar 75% da população de refugiados. Na década de 90, com a explosão da violência civil em Angola e o fechamento dos consulados para onde os angolanos tradicionalmente se dirigiam, essa população começou a vir fortemente para o Brasil, país que ainda mantinha abertos pedidos de visto de Angola, também de língua portuguesa. No Brasil, o fim da reserva geográfica exclusiva de refugiados europeus ocorreu apenas em 1989, quando o país já vivia um período democrático e de liberdade de imprensa. Mas por ter exercido no passado essa vocação de ponto-de-passagem para refugiados latinoamericanos, o Brasil tem dificuldades ainda de se estabelecer como um país de forte política de bem-estar social para refugiados. Na primeira fase do refúgio no País, até 1989, a assistência aos refugiados era realizada pela Igreja Católica e associações religiosas, em segredo. A segunda fase de refugiados ocorreu a partir de 1986 quando chegaram os iranianos e os africanos, a partir de 1990. Na década de 70, o apoio aos refugiados da América do Sul era considerado um 26

Sem título-1

26

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

ato subversivo. A Igreja Católica chegou a alugar 62 apartamentos para 300 pessoas, todas da América do Sul, saindo do Brasil em rodízio - a maior parte para países escandinávios. No início da década de 90 os angolanos vieram em maior número para o Brasil. Cerca de 600 refugiados moravam em hotéis alugados pela Cáritas, no Rio de Janeiro (6). Em 1999, o Brasil aderiu ao Programa de Reassentamento de Refugiados da ONU, que consiste na realocação do refugiado para um terceiro país por motivo de inadequação social no primeiro país onde foi concedido o refúgio, ou porque há risco de que o perseguidor cruze a fronteira e continue a perseguição. O primeiro grupo de reassentados chegou ao Brasil no mesmo ano. Vinte e três afegãos foram instalados no Rio Grande do Sul, provenientes de campos de refugiados no Irã e Índia. Na América Latina, a maior colônia de refugiados fica na Costa Rica. São 13.508 refugiados vivendo no país. No Equador há também uma grande população de refugiados – são 6,3 mil reconhecidos oficialmente. Entre os maiores grupos de refugiados na região estão os colombianos. O país tem 37.981 refugiados fugindo das Farcs. Há dois anos, a colombiana Maria Antonia Berrio saiu de sua cidade Calle para morar em Bogotá, e depois no Brasil, fugindo das Farcs. Seu irmão foi morto porque apoiou um político local, contrário à guerrilha, e Maria foi ameaçada de morte. Sem encontrar muita ajuda no Brasil, Maria decidiu partir para a Costa Rica, em 2006. Chegou a tirar passaporte com validade de três meses mas não conseguiu deixar o Brasil. A Costa Rica negou visto para a colombiana. A alegação, segundo Maria, foi a de que o país não recebia colombianos naquele momento. Em abril de 2007 a refugiada participou de protesto em frente à sede da Caritas, no centro de São Paulo, pedindo melhores condições de vida para os refugiados. Um grupo de pouco mais de 10 colombianos pedia remédios, moradia adequada e alimentos. Em represália, a polícia foi chamada. Avisei um representante do Acnur em Brasília, por email, sobre o protesto e as dificuldades desse grupo mas não obtive resposta. Antes de vir para o Brasil, Maria tinha intenção de ir para a Espanha onde tem parentes mas não conseguiu embarcar para a 27

Sem título-1

27

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

Europa. Em vez disso, foi orientada a vir ao Brasil. Maria deixou na Colômbia três filhas e o marido, que namorou desde a adolescência. Em setembro de 2007, estava acompanhada de uma amiga quando tivemos um encontro casual no centro de São Paulo. Animada, contou que havia começado a dar aulas de espanhol. Queria também que as filhas viessem para o Brasil. Meses depois, tive a notícia de que não está mais no Brasil. A Farc da qual foge Maria foi criada em 1966 na Colômbia e ainda hoje é a mais temida guerrilha do país. Um ano antes, nasceram outras duas guerrilhas – O Exército Nacional Esquerdista de Libertação (ELN) e o Exército Maioísta para Libertação do Povo (EPL). A situação na Colômbia é tão grave que o Acnur (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) decidiu abrir em 2007 mais dois escritórios em Medellín e Villavivencio para auxiliar pessoas em crise, num total de 12 escritórios em todo o país. O Acnur trabalha na Colômbia desde 1997. Em Medellín, 300 mil pessoas já tiveram de deixar suas casas. Em Villavivencio já são 64 mil, segundo informações do primeiro semestre de 2007. Uma problemática é que as populações indígenas deslocadas podem sofrer com o processo de aculturação a que terão de ser submetidas. Em 2007 foi lançada campanha nacional – Ano dos Direitos das Pessoas Internamente Deslocadas – pelo Acnur na Colômbia. Segundo informações do governo combiano, 110 mil colombianos foram forçados a deixar suas casas no último ano. O orçamento do Acnur para a Colômbia em 2007 foi definido em US$ 14 milhões, ante US$ 11,7 milhões em 2006. No Brasil, além dos colombianos, outro grande grupo de refugiados é de africanos de países como Angola, Libéria, Congo e Serra Leoa. Victorine Katjuongua Riwa veio do Burundi para o Brasil, acreditando que rumaria para Londres. Acompanhada do marido e dos filhos, Vick pagou US$ 1.400,00 pela viagem. Mas desembarcou no porto de Santos, semanas depois, e com o filhinho doente. (11) Com a ajuda de uma igreja evangélica, Vick veio para São Paulo e começou a trabalhar na periferia de São Paulo, enquanto Burundi contabiliza o saldo de mais de 300 mil mortos em 13 anos de guerra 28

Sem título-1

28

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

civil, entre as etnias hutu e tutsi. Em setembro de 2006, o último grupo rebelde de Burundi, Força de Liberação Nacional (FLN), assinou acordo cessar-fogo. Outros rebeldes hutus depuseram as armas, incluindo os fiéis ao presidente Pierre Nkurunziza, ex-rebelde eleito em 2005. (12) O engenheiro agrônomo e pastor protestante africano Maurice, que chegou ao Brasil em março de 2006, fugia das ameaças de políticas locais da África, no Congo. Sua esposa e os cinco filhos continuavam na África em 2007, morando escondidos na capital Kinshasa. Maurice escolheu o Brasil porque gostava do continente americano e tinha sonhos de evangelizar pessoas por aqui. Vivenciou apenas dificuldades financeiras. No Dia dos Pais, foi convidado a dar um testemunho para os fiéis crentes no Brasil. No Congo, em um dos sermões na igreja onde era pastor, Maurice havia alertado cristãos a não votarem em corruptos e denunciou alguns políticos locais. Foi suficiente para que o mandassem embora da África com ameaças de morte. Entre 1998 e 2001, foram mortas 2,5 milhões de pessoas no Congo (13). Em 2003, as tropas de Uganda saíram do Congo e, em 2005, a Corte Internacional de Justiça determinou que Uganda deveria compensar a República Democrática do Congo por abusos de direitos humanos cometidos no país vizinho desde 1998. Em 2006, o Congo programou a primeira eleição presidencial, depois de 40 anos de conflitos internos e violência. Apenas para o cargo de presidente havia 32 candidatos e muitos temores de fraudes. Após o primeiro turno houve graves tumultos em todo o território do Congo. O processo foi comandado pela ONU e o resultado do segundo turno foi adiado. Durante o processo, foram liberados 165 milhões de euros pela União Européia para a realização das eleições. No segundo turno, concorreram Joseph Kabila (presidente que havia chegou ao poder em 2001, com o assassinato de seu pai) e o líder rebelde Jean Pierre Biemba. Kabila foi o vencedor mas Biemba tentou recorrer do resultado e alguns simpatizantes do partido chegaram a incendiar o Supremo Tribunal. Há um acordo de paz em vigência mas o país tem facções 29

Sem título-1

29

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

fortemente armadas. No final de agosto de 2006 duas emissoras de TV (RTAE e CCTV) foram obrigadas a suspender as transmissões por 24 horas porque incitavam a expulsão de brancos e estrangeiros. Para Maurice, quem incita o ódio racial são os tutsis, povos pastores que vieram de regiões vizinhas. O Relatório da Divisão de Direitos Humanos da Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (Monuc) informou em 2007 que o país passou pela maior crise de direitos humanos desde a transição da guerra civil, que provocou quatro milhões de mortes. Entre as violações estão execuções sumárias, raptos e seqüestros, estupros, maus tratos e torturas de civis. Os acusados são a polícia congolesa, as forças armadas e a área de inteligência nacional do país. Os maiores índices de violências estavam em regiões de extração de diamantes (Kasais), ouro (Catanga) e cassiterita (Kuvu). O relatório mostra ainda que o país sofre com a impunidade. No Brasil, Maurice sentiu falta da família em 2006 mas não havia dinheiro para que eles viessem. Quando saiu da África, tomou sozinho um avião para a África do Sul e depois, para o Brasil. Quando o sonho de evangelizar o Brasil acabou, sem sucesso, foi para a Espanha. Após as eleições a situação no Congo continuou tensa. Em setembro de 2007 conheci um refugiado congolês que havia chegado há apenas dois meses no Brasil e confirmou que os conflitos continuavam. Apesar do crescimento de refugiados no Brasil, de 1998 a 2005, apenas metade dos pedidos de refúgio solicitados no País foram deferidos. Em 2006, foram negados 412 pedidos de refúgio. Segundo o Conare, os pedidos indeferidos eram de pessoas consideradas migrantes econômicos e não refugiados, vítimas de conflitos civis ou militares ou de perseguição ética ou religiosa em seus países de origem. Eram, em sua maioria africanos, e agora poderão apenas ficar no país com permanência de estrangeiros. No início da década, em 2002 (logo após os atentados de 11 de Setembro nos EUA), o Brasil chegou a ter um crescimento explosivo no número de pedidos de refúgio. Naquele ano foram 1.035 solicitações mas apenas 10% foram deferidas porque o país não tinha 30

Sem título-1

30

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

condições de atender a todos esses refugiados. Depois de 11 de Setembro houve pressão internacional para que países vizinhos às regiões de conflito, em geral países em desenvolvimento, assumissem papel importante na proteção a refugiados, trocando de lugar com os tradicionais países receptores da Europa e América do Norte. Em 2004, por exemplo, começaram a chegar os primeiros refugiados colombianos reassentados ao Brasil. Longe de ser uma país ideal para refugiados – região pobre com carência de trabalho, alimentação, educação e moradia – o crescimento da procura por refúgio no Brasil é, arrisco dizer, apenas efeito colateral do aumento das restrições ao refúgio em países desenvolvidos. Ou seja, o Brasil ainda não tem nenhuma placa luminosa para conquistar refugiados. O sol, praias, as mulatas ou a Amazônia não pesam nem um pouco na decisão de refugiados que vieram ao Brasil. Ainda bem. Pelo menos eles não têm essa visão de confete do país. O congolense François Pearo Nayangi que chegou ao Brasil em 2005, planejava morar nos EUA mas optou pela passagem aérea para o Brasil porque era mais barata. Todos os amigos emigraram para o continente americano. Muitas vezes os refugiados vêm em embarcações clandestinas (navios e barcos), pagando para intermediários que lucram injustamente com essas situações de conflito e guerra. No Brasil, o Acnur tem planos de mobilização para tentar reduzir essas atividades que constituem muitas vezes em tráfico de pessoas.

31

Sem título-1

31

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

Refugiados Ambientais

No final de 2004, um tsunami asiático matou 300 mil pessoas e deixou milhões de desabrigados. Depois foi a vez do Katrina, que contabilizou um milhão de americanos abandonando suas casas. Em abril de 2007, a Austrália teve uma das maiores secas da história. No Canadá, algumas casas localizadas na costa começaram a desabar por conta da erosão do solo mais úmido e do degelo no Ártico, no mesmo ano. As constantes catástrofes naturais e a degradação do planeta tornaram a categoria dos refugiados ambientais mais numerosa nos últimos anos. E as mudanças climáticas que devem acontecer no planeta nas próximas décadas apontam para um crescimento ainda maior desse número. Informações da Universidade das Nações Unidas (UNU) mostram que, até o ano 2010, o mundo terá 50 milhões de pessoas obrigadas a deixar seus lares temporária ou definitivamente por problemas relacionados ao meio ambiente. A projeção choca. Mudanças climáticas podem transformar milhões de pessoas em refugiados. A agência espanhola de notícias EFE também divulgou no início de abril de 2007 que moradores das zonas equatoriais poderão ter suas regiões transformadas em regiões inabitáveis, por conta da escassez de água e comida. Parte da Amazônia brasileira poderia sofrer um processo de savanização. Mesmo antes do aumento da preocupação com o tema aquecimento global, a região já começou a sofrer com secas, em 2005. Naquele ano, lagos, rios e várzeas da região atingiram o nível mais baixo de água das últimas décadas (14). Com a seca, barcos ficaram atolados no barro, peixes morreram e cidades ribeirinhas ficaram isoladas sem combustível, água, comida e remédios. O desmatamento e as constantes queimadas na área fizeram diminuir nuvens e precipitações. Outra possível explicação são as altas temperaturas no Oceno Atlântico, causadoras de furacões como o Katrina, que podem ter mudado também a circulação de 32

Sem título-1

32

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

correntes de ar sobre a Amazônia, inibindo a formação de chuvas. Em 2005, o desmatamento e as queimadas na Amazônia eram responsáveis por mais de 75% das emissões de gás carbônico no Brasil. Segundo o Greenpeace, nos últimos 35 anos a Amazônia perdeu 17% da cobertura florestal por conta de atividades humanas, principalmente agropecuárias e exploração ilegal de madeira. Com o aumento do aquecimento da Terra, a floresta perderia mais umidade, ficaria mais seca e vulnerável a queimadas e poderia diminuir de tamanho. É triste pensar nisso mas o maior patrimônio ecológico do Brasil pode virar um cerrado. O fenômeno climático é agravado pela intervenção humana na região – alvo de constantes queimadas. Caso essa previsão venha a se realizar, espécies da fauna brasileira também estariam em risco. O real impacto dessas projeções sobre o aquecimento global, divulgado pela ONU, dependerá do envolvimento dos países, empresas e também de pessoas que devem estar cada vez mais conscientizadas sobre os riscos do aquecimento global e as devastações climáticas que o efeito estufa pode trazer para o planeta. Nada é tão definitivo. E ninguém gosta de ser apenas catastrófico. Já há até alguns resultados positivos. O setor de transporte é o que mais contribui para o aquecimento global, com participação de 23% e é o que mais cresce, com aumento anual de 2%. Segundo especialistas, é também o mais complexo. Apesar disso, a cidade de Londres conseguiu em 2005 baixar em 20% a emissão de dióxido de carbono com a simples criação do pedágio para carros, na área central da cidade. A fabricação de carros mais eficientes em energia também já é uma realidade. Mas ainda há muito a fazer para evitar essas catástrofes. E a solução depende da liberação de dinheiro dos países industrializados. Tecnologias existentes ou em desenvolvimento reduziriam em 26 bilhões de toneladas as emissões de carbono em todo o mundo. Em 2007 especialistas concluíram que seria possível reduzir até 2030 as emissões a níveis inferiores aos registrados hoje. A solução, no entanto, tem um custo. Números de 2007 apontavam custo de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial para medidas eficazes 33

Sem título-1

33

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

e urgentes ou 20% do PIB, no futuro, para consertar os estragos – números questionados por países como os Estados Unidos. Por enquanto, a categoria de refugiado ambiental não existe oficialmente na ONU ainda que possa ultrapassar, nos próximos anos até a quantidade de refugiados de guerras reconhecidos pelo Acnur, segundo projeções da própria ONU. Há também estimativas do Comitê Internacional da Cruz Vermelha que indicam mais pessoas deslocadas por desastres naturais do que por motivo de guerra ou conflitos em todo o planeta, nos próximos séculos. O conceito de refugiado tal como existe hoje surgiu na Segunda Guerra Mundial, quando o total de pessoas que fugiam de conflitos armados, aumentou em todo o planeta. Há especialistas que defendem que os refugiados ambientais devem ter os mesmos direitos dos refugiados vítimas de perseguições políticas, raciais, sociais ou religiosa, simplesmente porque esses deixam a área ou país onde vivem (inabitável ou pouco seguro) em busca de melhores condições em outro local, no mesmo processo dos refugiados vítimas de guerras. Também defendo a mobilização pela criação da modalidade do refugiado ambiental tamanhas são as catástrofes que têm assolado algumas regiões do globo terrestre. O problema é que os refugiados que migram para outras regiões por conta de desastres naturais ou devastação do meio ambiente ainda são recebidos como migrantes econômicos. Há por exemplo, grupos populacionais inteiros que migram dentro do próprio país fugindo de condições do meio ambiente e não recebem nenhum tipo de ajuda. Um exemplo são os próprios nordestinos que deixam suas cidades há décadas e décadas, sem que nada mude. No semi-árido nordestino vivem 30 milhões de pessoas, que equivale a 15% da população nacional. Com o aquecimento global, a situação do semi-árido ficaria ainda mais grave. Em regiões como a Grande São Paulo, a população nordestina cresceu muito intensamente nas últimas décadas. Mas hoje essa situação também mudou. Sem oportunidades de trabalho, ou boas condições de moradia, muitos nordestinos acabam retornado ao sertão, deixando para trás o sonho de enriquecer na cidade grande.

34

Sem título-1

34

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

Não têm qualquer apoio do governo federal, estadual ou municipal. A vida triste dessa gente é relatada desde o século XIX e propiciou no século XX a criação da “indústria da seca”, que enriqueceu muitos políticos brasileiros que prometiam dinheiro que nunca chegava a essas regiões. A seca passou a ser então mero instrumento de enriquecimento pessoal de deputados e senadores nada éticos que apenas encenavam a política de perfuração de poços de água em regiões de seca para os pares políticos, no Congresso Nacional, em Brasília. Segundo o site Repórter Brasil, a última grande estiagem na região ocorreu entre 1998 e 1999. Na época, foi realizada pesquisa pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) em 15 municípios de cinco estados do Nordeste. Os resultados mostraram queda de 72% na produção de feijão, milho, arroz, algodão e mandioca. Os dados ficam ainda mais alarmantes se citarmos que toda essa produção era cultura de subsistência. Além da queda da produção surge outro problema no Nordeste brasileiro que pode ser agravado nos próximos anos com o aquecimento global – o da desertificação. Informações do Ministério do Meio Ambiente mostram que 18% dos solos locais já foram afetados pelo problema de forma grave. O que agrava a desertificação é o uso inadequado de práticas agrícolas e de mineração. Mais uma vez, a culpa é do próprio homem. Além da desertificação, outros problemas afetam o refúgio ambiental no Brasil como pragas que provocam intensas alterações em ecossistemas de determinadas regiões (14). Agricultores do estado da Bahia começaram a sofrer com a “vassoura de bruxa“, que afetou a lavoura cacaueira em uma crise de longa duração. O cacau perdeu sua produtividade a partir de 1989, quando apareceu o primeiro foco da praga em Uruçuca (BA). Na década de 80 a população do município baiano havia pulado de 20,9 mil para 30,8 mil com a produção da fruta brasileira. Com a crise, essa população caiu para 13,8 mil pessoas. Em toda a região, 150 mil pessoas foram afetadas diretamente pelo desemprego nas lavouras e nos 41 municípios de Ilhéus e Itabuna (BA). Mas há indícios de que o processo migratório tenha ficado localizado na região. A cultura do algodão no Brasil também sofreu com o besouro

35

Sem título-1

35

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

típico da América Central, o bicudo do algodoeiro. Na década de 80, em apenas dois anos o besouro disseminou-se pelo Nordeste. Na época, quase a metade da população nordestina vivia direta ou indiretamente da cultura do algodão e subprodutos. Na Paraíba, a crise do algodão intensificou o êxodo rural também na primeira metade da década de 90 (14). Mas o problema das pragas invasoras não está localizado apenas no Nordeste. Cerca de 543 espécies invasoras já foram catalogadas em todo o país. Para pesquisadores, em algumas regiões é impossível erradicar esse mal que destrói culturas e reforça o êxodo rural. Por enquanto, é possível apenas monitoramento e controle. O problema é tão grave que essas espécies invasoras são a segunda maior perda da biodiversidade do planeta, perdendo apenas para o desmatamento. E o homem é responsável por 70% da introdução dessas invasões em determinadas regiões. O assoreamento de rios também é outra causa que leva ao deslocamento de comunidades inteiras, segundo pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2002. Uma das regiões no Brasil que apresenta esse problema é do rio Taquari, que corta o Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (14). A construção de barragens hidrelétricas no Brasil também já atingiu um milhão de pessoas no país, segundo informações do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), colocando regiões inteiras submersas e destruindo cadeias ecológicas e ecossistemas. Deste total de pessoas atingidas, cerca de 70% nunca foi indenizado financeiramente ou em projeto de reassentamento, segundo o MAB (14). Este movimento migratório começou a ser registrado a partir da década de 70, quando grande parte da população começou a ser deslocada de áreas com potencial hidrelétrico para a construção de monumentais usinas hidrelétricas, época do milagre econômico em que o Brasil crescia com vigorosos números econômicos, sem contudo, avanços em indicadores sociais e a distribuição do bolo econômico, que só crescia. O Ministério de Minas e Energia previu ainda, em 2007, a criação de 85 novos projetos hidrelétricos no país até 2015, incluindo usinas hidrelétricas na região Amazônia, que é um dos ecossistemas mais ricos do planeta. As ambiciosas metas para a região Amazônica chocam e iniciaram 36

Sem título-1

36

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

debate nacional pela preservação das espécies da floresta. Mudanças climáticas e de ecossistemas passaram a ser, mais do que nunca, um assunto urgente e que pode afetar milhões e milhões. O PAC do Governo Lula, criado para acelerar o crescimento econômico do País, previa hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, no Rio Madeira, em Rondônia, com investimento de R$ 20 bilhões, consideradas essenciais para evitar o risco de novo apagão elétrico no país. No desenvolvimento sustentável, o uso de energia elétrica é um dos fatores de maior importância. Não lidar com as mudanças climáticas é um entrave ao próprio desenvolvimento. Mas um fato não pode ser esquecido – não há forma de gerar energia elétrica que não tenha impactos no meio ambiente. A urgência para o Brasil é equacionar e minimizar esses impactos. Momentos de crise podem ser extremamente benéficos e utilizados para a descoberta de novas oportunidades. A extração de petróleo em águas profundas na época da crise do petróleo, na década de 70, rendeu ao Brasil auto-suficiência na produção do combustível. Em 2007, foi iniciado discurso favorável ao uso do etanol (combustível não poluente), derivado da cana-de-acúcar e rendeu por um breve momento as atenções de George Bush ao Brasil. O desafio não é diferente desta vez. Mas o Brasil tem ainda o dever de evitar que plantações de cana-de-açúcar contribuam para aumentar as emissões de dióxido de carbono, com queimadas e desmatamentos além de deslocamentos habitacionais que ocorrem nos períodos de entressafra.

37

Sem título-1

37

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

A caminho de algum lugar

Não somos todos pretos e brancos. A nação verde-amarela-azule-branca é formada por um enorme população de descendentes de italianos, judeus, alemães, árabes, japoneses entre outros que vieram ao Brasil fugindo de perseguições éticas. É impossível abordar a questão dos refugiados no Brasil sem lembrar a própria história do país ou ainda, puxar pela memória todos os brasileiros que continuam saindo ainda hoje em busca da uma vida melhor em outro continente num ano em que a imigração japonesa no Brasil completa 100 anos. Voltando ao passado, alguns povos ou grupos que vieram para o Brasil eram vítimas de discriminações e perseguições em seus países de origem, como os judeus na Europa Oriental e os armênios. A decisão pela imigração aconteceu a partir do fim do século XIX, até as duas primeiras décadas do século XX. Nos países para onde foram, encontraram tolerância, liberdade religiosa e condições de prosperidade econômica. Um exemplo foi o pintor expressionista Lasar Segall, russo de origem judaica que emigrou para o Brasil e se tornou um dos mais destacados nomes da arte moderna do país . Do Oriente Médio para as Américas também houve a corrente imigratória de povos árabes, principalmente sírios e libaneses, que se fixaram no Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, tanto os cristãos como muçulmanos. Os imigrantes árabes se fixaram principalmente nas grandes e médias cidades e dedicando-se ao comércio. Com o início da Primeira Guerra Mundial, o fluxo da Europa Ocidental para as Américas se reduziu, principalmente de países como Itália e Alemanha que se envolveram no conflito. Por outro lado, a imigração de etnias como os poloneses e ucranianos e armênios, cresceu. A escritora Clarice Lispector também veio para o Brasil fugindo de perseguição ética embora não tenha recebido status de refugiada. Ela nasceu na Ucrânia com o nome de Haia Lispector. A família veio 38

Sem título-1

38

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

para o Brasil com uma “carta de chamada” escrita pela família dos pais da escritora que residia por aqui. Com a chegada ao País, Haia passou a ser chamada Clarice. Muitas vezes, a chegada em outro país é carregada de preconceito. E o Brasil não é, infelizmente, exceção. O escritor Raduan Nassar, autor dos livros “Lavoura Arcaica” (retrato de uma família árabe) e “Um Copo de Cólera”, chegou a afirmar há alguns anos que no início da imigração árabe e, por décadas a fio, o preconceito contra árabes no Brasil era indisfarçável, a ponto de ter levado alguns descendentes a adotarem nomes de família latinizados para não atrapalhar o sucesso profissional. Os Estados Unidos que lidam com um forte preconceito racial gerador de muitos conflitos tem vivido fenômeno interessante. Até 1965, a imigração de não-brancos nos EUA era restrita por lei. E o mais forte fluxo migratório ocorreu a partir da década de 90. A principal característica deste novo grupo de africanos que imigra para os EUA é a forte intelectualização. Cérebros privilegiados fugindo da África em busca de melhores oportunidades de trabalho e carreira, segundo a ONU e a Organização Mundial das Migrações (OIM). Três em cada cinco médicos formados em Gana (África) na década de 80 deixaram o país. E os Estados Unidos eram ainda um forte destino. Ouso concluir ainda que nas próximas gerações tende a diminuir a desigualdade racial que já gerou grandes conflitos. A conquista de boas oportunidades de trabalho e a condição privilegiada dos novos imigrantes amenizam a falta de integração e acesso à sociedade. No Brasil, os exemplos de imigração foram tão diversos e incontáveis, produzindo notáveis de diferentes setores. Mas foram interrompidos os ciclos de imigração, com exceção de latinoamericanos e refugiados, ou de pequenos grupos de empresários de multinacionais ou ainda o restrito grupo de correspondentes estrangeiros que vêm morar no Brasil. Há também aqueles estrangeiros que se encantaram com as belezas do Nordeste e ainda largam tudo pelo sonho de uma pousada ou um pequeno restaurante próximo a uma paradisíaca praia. Num caminho inverso de fluxo migratório, a população brasileira sonha ainda com a Europa ou a América. Há estimativas que 39

Sem título-1

39

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

mostram 2,5 a 3 milhões de brasileiros vivendo no exterior e, deste total, 33% vivem ilegalmente. Uma estimativa é que quase a metade viva nos EUA. A emigração brasileira é um fato recente, que iniciou nos anos 70. Os primeiros emigrantes brasileiros rumaram para países fronteiriços como o Paraguai, em busca de chances na agricultura. Nos anos 80 e 90, com a crise econômica brasileira, os emigrantes brasileiros começaram a se dirigir para os Estados Unidos, Europa e Japão. O fenômeno de emigração de descendentes brasileiros dos japoneses ficou ainda mais forte no início dos anos 90 e arrastou famílias nipo-brasileiras ao Japão e um novo tipo de comerciante na volta ao Brasil, os dekasseguis. Na Europa, a maioria dos brasileiros está concentrada em Portugal por dois motivos – a proximidade cultural e lingüística e por ser um ponto de partida para outros destinos na Europa. O Serviço de Estrangeiros e Fronteiras português divulgou em 2006 que os brasileiros eram a maior população de imigrantes ilegais que vivia naquele país, representando 31,7% do total (15). Naquele ano, 919 cidadãos em situação irregular foram deportados de Portugal. Para evitar o crescimento dessa população, o serviço português triplicou o número de fiscalizações. Há também vários casos registrados de falsos casamentos de portugueses com brasileiros para aquisição do passaporte europeu. Há ainda registros de passaportes portugueses falsos, utilizados por brasileiros que tentaram entrar ilegalmente na Europa, principalmente na Inglaterra e Holanda. Para os que vão para a Europa, Portugal também é um porto seguro, caso a imigração para outro país europeu dê errado. No país colonizador os brasileiros conseguem entrar com mais facilidade. Nos EUA, mesmo com o crescimento das restrições à entrada de imigrantes após 11 de Setembro, o número de brasileiros não parou de crescer. As maiores concentrações estão em Nova York, Boston, Flórida e Califórnia. E as deportações de brasileiros ilegais também não pararam de crescer. Em setembro de 2007 130 brasileiros vivendo ilegalmente nos EUA eram deportados para o Brasil 40

Sem título-1

40

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

mensalmente. A imigração de brasileiros para a Itália também começou a crescer expressivamente embora seja mais recente. O país já é o segundo, depois de Portugal, em número de brasileiros na Europa atraídos pelos benefícios concedidos a descendentes de italianos que moram no Brasil. Na Alemanha, Espanha e Canadá também cresceu o número de emigrantes do Brasil. Este último país tem constante programa de estímulo à imigração de brasileiros. O processo para obtenção de residência permanente leva, no entanto, mais de um ano. A questão é - um país que exporta comunidades, cidades e famílias inteiras por problemas econômicos e falta de oportunidades no mercado de trabalho está realmente preparado para administrar um programa internacional de refugiados. A resposta é não. Se os países desenvolvidos, muitas vezes envolvidos direta ou indiretamente em conflitos armados, não estão mais dispostos a receber refugiados, deveriam incentivar financeiramente, com apoio estratégico e capital humano o fortalecimento de programas de refugiados em outros países como o Brasil. Países como Equador, tradicional destino de refugiados já começam a reclamar do problema da superlotação de refugiados. Se a ajuda de países desenvolvidos vier, o Brasil deixará de ser um país de passagem para refugiados de todo o mundo. Passaria a ser o país do futuro, pelo menos para quem sofreu com a violência e guerra em seu país de origem.

41

Sem título-1

41

19/8/2011, 18:00

Sandra Silva

Bibliografia (1) SILVA, Sandra. “Refugiados ‘invadem’ a Amazonia pela fronteira colombiana” (05-03-2006). Folha de S.Paulo (2) MILESI, Rosita (irmã). “A Atuação Pastoral junto aos refugiados no Brasil”. Instituto Migrações de Direitos Humanos. (3) VARESE, Luís. “Refugiados colombianos, desafio humanitário para o Brasil” (30-04-2007) – Correio Braziliense (4) CHADE, Jamil. “EUA querem que o Brasil receba refugiados colombianos” (02-10-2006) – O Estado de S.Paulo (5) MAISONNAVE, Fabiano. “Refugiado colombiano tenta a vida no sertão” (06-11-2005) – Folha de S.Paulo (6) MILESI, Rosita. “Refugiados Realidade e Perspectivas”. IMDH, CSEM e Edições Loyola (7) MOREIRA, Julia Bertina. “A Problemática dos refugiados na AL e no Brasil”, 2004 – Prolam, mestranda Relações Internacionais Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP, PUC) (8) “EUA planeja receber 7 mil refugiados iraquianos”. BBC Brasil (9) Relatório denuncia condições de vida de refugiados nos EUA. (23-02-2007) – EFE (10) “Os migrantes de hoje”. BBC Brasil (11) SILVA, Sandra. “Africana achava que Santos fosse Londres”. (06-11-2005) - Folha de S.Paulo (12) BBC (13) BBC (14) CAMPOS, André. “Refugiados Ambientais” – Site Repórter Brasil (15) “Brasileiros lideram imigração ilegal a Portugal em 2006”. (30-03-2007). Agência Lusa

42

Sem título-1

42

19/8/2011, 18:00

A caminho do Brasil

Bibliografia complementar

Coletânea “Lei 9497/97 e a Coletânea de Instrumentos de Proteção Internacional dos Refugiados”. UNHCR/ACNUR e IMDH “Políticas Públicas para as Migrações Internacionais – Migrantes e Refugiados”. Segunda edição revista e atualizada. UNCRH ACNUR, Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH) e Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) Coletânea de autores “Refúgio, Migrações e Cidadania” Caderno de Debates 2 Agosto de 2007. UNHCR/ACNUR e IMDH Coletânea “O Reconhecimento dos refugiados pelo Brasil” Comentários sobre decisões do Conare. UNHCR;ACNUR, Conare e Governo Federal do Brasil

43

Sem título-1

43

19/8/2011, 18:00

Este livro foi impresso pela Casa do Novo Autor Editora

Sem título-1

44

19/8/2011, 18:00

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.