A canção ainda é uma arma: ensaio sobre as identidades na sociedade portuguesa em tempos de crise

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A canção ainda é uma arma1: ensaio sobre as identidades na sociedade portuguesa em tempos de crise GUERRA, Paula (2017) - A canção ainda é uma arma: ensaio sobre as identidades na sociedade portuguesa em tempos de crise. NASCIMENTO, Francisco de Assis de Sousa; SILVA, Jaison Castro; FERREIRA DA SILVA, Ronyere (orgs.) - História e Arte: Teatro, cinema, literatura. Teresina: EDUFPI, 2016. 332 p. ISBN: 978-85-509-0043-8.

Paula Guerra Faculdade de Letras e Instituto de Sociologia - Universidade do Porto Griffith Centre for Social and Cultural Research – Griffith University

Resumo Este artigo apresenta uma abordagem de um conjunto de 16 canções portuguesas que “cantam” a crise económica e social vivenciada no presente em Portugal e em outros países da Europa do Sul. Ao trabalho que aqui apresentamos, esteve subjacente uma finalidade assente num princípio heurístico primordial: o de demonstrar de que forma as manifestações artísticas – neste caso, em particular, as canções em vários dos seus (sub)géneros – constituem, elas próprias, matéria e objeto de intervenção social, demarcando um espaço próprio, definido e específico na denúncia e revelação de problemáticas sociais e na contestação, desconstrução e acusação dos problemas que atravessam a realidade social. Através da abordagem de 16 canções de vários artistas/músicos/bandas portugueses, estamos perante manifestações que procuram denunciar e, por vezes, incitar no sentido da mudança, a ação social. Constituem-se, portanto, marcadores de um espaço próprio – um produtor identitário - e não apenas um mero reflexo da realidade social. Canções insurgentes e demarcantes instigam a leituras e desconstruções da própria realidade e constituem-se, simultaneamente, em elementos integrantes de uma identidade coletiva resultante e resultado de um processo significativo de autorreflexividade. Palavras-Chave: canção, crise, identidades, resistência, denúncia, Portugal.

1

Trata-se de uma adaptação do título de uma canção de 1975 interpretada pelo Grupo de Acção Cultural - Vozes na Luta (GAC), composta por José Mário Branco e intitulada “A cantiga é uma arma”. Esta canção é uma das “canções de Abril”, isto é, marcou e marca a derrota do regime ditatorial através da Revolução dos Cravos em 1974. Foi interpretada pelo Grupo de Acção Cultural - Vozes na Luta (GAC) - um coletivo de cantores e músicos politicamente empenhados, nascido do período revolucionário em Portugal, após o 25 de Abril de 1974. Este texto, por seu turno, insere-se no desenvolvimento de um projeto, ainda em curso, intitulado “Portugal ao Espelho: identidade e transformação na literatura, no cinema e na música popular”, é liderado pelo Instituto de Sociologia da Universidade do Porto (IS-UP) e financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) no âmbito do Programa Gulbenkian Língua e Cultura Portuguesas (PGLCP). Para mais detalhes, consultar https://portugalaoespelho.wordpress.com/.

1. A (nova) canção de protesto na contemporaneidade portuguesa A cantiga é uma arma/ e eu não sabia / tudo depende da bala/ e da pontaria/ tudo depende da raiva/ e da alegria/ a cantiga é uma arma/ de pontaria. Há quem cante por interesse/ há quem cante por cantar/ há quem faça profissão/ de combater a cantar/ e há quem cante de pantufas/ para não perder o lugar. O faduncho choradinho/ de tabernas e salões/ semeia só desalento/ misticismo e ilusões/ canto mole em letra dura/ nunca fez revoluções. A cantiga é uma arma·(contra quem?)/ Contra a burguesia/ tudo depende da bala/ e da pontaria/ tudo depende da raiva/ e da alegria/ a cantiga é uma arma/ de pontaria. Se tu cantas a reboque/ não vale a pena cantar/ se vais à frente demais/ bem te podes engasgar. A cantiga só é arma/ quando a luta acompanhar. (Grupo de Acção (GAC)/ José Mário Branco, A cantiga é uma arma, 1975)

São diversos os musicólogos que identificam a canção de protesto como um universo musical vinculado a uma canção nascida como oposição ao regime fascista e que se transfigurou em marca da Revolução de Abril em Portugal (Sardo, 2014, Côrte-Real, 1996 e 2010; Castro, 2012 e 2015). Essa oposição teve dois focos centrais: o início em 1961 da Guerra Colonial ou Guerra do Ultramar, também conhecida, nas ex-colónias portuguesas em África, como Guerra da Libertação; e o despoletar em 1962 de um movimento estudantil em Coimbra culminando em 1969 com a “Crise Académica”. O ponto de vista de Sofia Lopes (2012) é também muito relevante a este respeito, uma vez que esta autora considera que o programa televisivo Zip-Zip – apresentado pela primeira vez também em 1969 – foi modelar face à disseminação da canção de protesto. Susana Sardo considera que “é justamente no seio deste ambiente estudantil, marcado por um sentimento de revolta em relação à Guerra Colonial/Libertação e por uma tomada de consciência coletiva sobre a situação política do país, que surgem as primeiras manifestações da canção de protesto pela voz dos cantautores Adriano Correia de Oliveira (1942-1982) e José Afonso (1929-1987) e do poeta Manuel Alegre (1936) ” (Sardo, 2014: 68).

Depois de Abril, essa canção continuou a ser sinónimo de resistência, de revolução e de consciência social, não obstante existam autores que considerem que essa canção dissipou muito do seu valor como “caixa-de-ressonância” dos poetas (Letria, 1999). Susana Sardo não hesita em referir que esse modelo “construiu uma história própria e sobrevive até hoje como imagem reificada da revolução e da luta contra a ditadura” (Sardo, 2014: 74). Em Portugal, a canção de protesto apresenta várias designações: “canção de intervenção”, “canção de resistência”, “canção dos homens livres”, “canção de partidários”, “canção de esquerda”, “canto livre”, “canto coletivo” e “Sons de Abril” (Côrte-Real, 1996 e 2010).

Aliás, vai ser no período revolucionário que a canção de protesto vai ser mediatizada em larga escala (Castro, 2015), atestada pela sua presença massiva nas estações de rádio (Guerra, 2010). Enquanto universo musical, a canção de protesto englobou e engloba uma constelação de ingredientes estilísticos, estéticos, contextuais e ideológicos associados à música folk. A canção de protesto teve a sua correspondência em alguns movimentos de expressão musical, política e social na América Latina através da nueva cancion e da nueva trova, no Brasil através do tropicalismo (Castelo Branco, 2005); também teve correspondências em muitos países da Europa do Sul, designadamente em Espanha com as voces libres e em França através da nouvelle chanson (Castro, 2012 e 2015). Este universo e expressão musical tende a manifestar-se, assim, em diversas configurações sociais de crítica, descontentamento, mudança política, resistência, proposta, ação e luta (Raposo, 2000; Salvador, 1999).

O trabalho que aqui apresentamos captura novamente a canção de protesto, mas nas suas modalidades contemporâneas – após a Revolução de Abril – fazendo estender o caudal e o espectro de influência da canção de protesto até aos nossos dias, designadamente ao período vivenciado no pós-2008 e caracterizado pela premência social de uma severa crise económica, financeira e social. Ao trabalho que aqui apresentamos esteve subjacente uma finalidade assente num princípio heurístico primordial: o de demonstrar de que forma as manifestações artísticas – neste caso, em particular, a música popular – constituem matéria e objeto de intervenção social, demarcando um espaço próprio, definido e específico na denúncia e revelação de problemáticas sociais e na contestação, protesto e revolta perante a realidade social. Este princípio tem aliás sido retomado em trabalhos recentes como é o caso de David McDonald que explora a formação da identidade palestina através de uma análise social, política, histórica e musical do desempenho da resistência palestiniana desde a sua criação em 1917 até hoje (McDonald, 2013). Notando a desadequação do entendimento da música como mero fenómeno superficial de uma expressão sociopolítica, McDonald vai dar ênfase à performatividade da resistência musical. Com efeito, acompanhando a investigação que temos vindo a fazer (Guerra e Silva, 2014; Silva e Guerra, 2015; Guerra, 2015a, 2015b; Silva, 2014), Hoeven et al. (2016) considera que a música popular e a língua são questões essenciais para se estabelecer uma identidade nacional e local. A música, como já foi demonstrado por vários estudos, encontra-se disposta na vida social dos indivíduos bem como das coletividades. Tia de Nora (2003) refere justamente uma technology of the self, entendendo a música tal como os indivíduos a utilizam para construir uma identidade, estabelecendo uma ligação entre música e momentos-chave nas suas vidas. De igual modo, a música permite que os grupos estabeleçam identidades, apesar de também servir para potenciar divisões sociais, permitindo que os grupos

se demarquem entre si, pois agrega indivíduos com gostos e práticas culturais semelhantes e dissemelhantes: é o que William G. Roy e Timothy Dowd (2010) apelidam de technology of the collective.

O corpus de análise subjacente à pesquisa que aqui apresentamos recaiu num conjunto de canções que “cantam a crise”. A escolha destas canções teve por base três ordens de razão: a primeira arrola-se com a notoriedade das mesmas na sociedade portuguesa e opinião pública durante o período de vigência da crise económica e financeira vivido e ainda omnipresente no dia-a-dia dos portugueses – sobretudo a partir de 2011 -, tendo sido já objeto de análise em outros trabalhos (Guerra, 2016; Guerra e Januário, 2016). A segunda incide particularmente no facto destas canções terem sido assumidas num artigo do jornal Expresso como “músicas portuguesas que cantam a crise” por parte de Joana Madeira Pereira em setembro de 2012 como uma amostra da música como forma de intervenção e “arma” de denúncia da austeridade e do empobrecimento dos portugueses. Este artigo faz inclusivamente eco de muitos outros artigos patentes nos média portugueses a partir de 2011 e da eclosão da canção “Parva que eu sou” dos Deolinda (em 2011 também)2. A terceira razão prende-se com o facto destas canções - objeto de seleção mediática - se situarem na música popular portuguesa abrangendo a “forma corrente” de canção de protesto, mas também as novas linguagens e formas da canção de protesto onde pontuam o hip hop, o rock, o rap e mesmo a electrónica.

Não obstante, registe-se que a sociologia tem já uma certa tradição teórica no que respeita à arte e, em concreto, por exemplo, à literatura. A sociologia da literatura surgiu no século XX, quando as ciências sociais começaram a analisar de uma forma mais politizada os textos culturais (Barnwell, 2015). Said (1979) abordou a literatura como um instrumento essencial para o poder colonialista e avançou formas de colocar em causa este poder cultural – e assim lançou as bases de uma frutuosa e prometedora inter-relação entre a sociologia e estudos literários. No que respeita à música, devido precisamente, à sua dimensão textual e a relação desta com a própria produção literária, encontramos vários denominadores interessantes no que toca às letras das canções, ao estilos de texto e narrativas como diferenciadores destacados ao nível dos estilos musicais. Dave Laing (1997) chamou-nos já à atenção que através da utilização das letras, nota-se uma clara diferença entre o punk (com a predominância de expressões no título 2

“Parva que sou” é uma canção inédita dos Deolinda, da autoria (música e letra) de Pedro da Silva Martins, que foi apresentada ao público pela primeira vez no Coliseu do Porto nos dias 22 e 23 de janeiro de 2011 e novamente no Coliseu dos Recreios em Lisboa nos dias 28 e 29 de janeiro desse mesmo ano. Não está editada em suporte fonográfico comercial. Foi disponibilizada no dia 11 de fevereiro de 2011 no sítio eletrónico da banda (Deolinda, 2011a, 2011b, 2011c).

das letras como riot, kill, hate, etc.) e o resto dos géneros do pop rock (com predominância de expressões como love, heart, etc.). Para uma análise mais fina, Dave Laing utiliza o conceito de intertextualidade, postulado por Terry Engleton, inicialmente ao nível da crítica literária. Este princípio de intertextualidade remete para a ideia que “toda a palavra, frase ou segmento é um retrabalho de outros escritos que o precedem ou rodeiam o trabalho. Não existe tal coisa como ‘originalidade’ literária, não existe tal coisa como o ‘primeiro’ trabalho literário: toda a literatura é ‘intertextual’” (Engleton cit. por Laing, 1997: 412).

Ainda Simon Frith, e continuando na música, constata que existe uma clara relação entre a música popular e o texto escrito. Quando pensamos numa música, imediatamente pensamos na sua letra, no que significa, etc. Sendo assim, existem duas formas de analisar estes textos: primeiro, analisá-los como separados da música, como uma criação artística; segundo, como uma parte indissociável da performance artística (Frith, 1996). E o que se ouve numa música? Palavras. Ou seja, Simon Frith antemura que as letras musicais “são centrais em como músicas pop são ouvidas e avaliadas” (Frith, 1996: 159).

Na verdade, e tendo já por base o nosso referencial analítico – as canções –, estamos perante manifestações que não procuram apenas denunciar, mas também intervir/agir, nas quais, por vezes, o incitamento remete para a ação, passando esta a ser fundamental na demarcação de um espaço próprio, produtor temático e não apenas objeto contemplativo (espelho) da realidade social. Por isso, estas canções assumem-se como campo produtor de denúncia e protesto, criador de temáticas/problemáticas próprias, insurgentes na realidade ao provocarlhe agitação e mudança pela leitura que dela faz, constituindo-se, simultaneamente, em elementos integrantes de uma identidade coletiva resultante e resultado de um processo significativo de autorreflexividade.

2. A arte da crise Posteriormente à crise internacional originada em 2008, vários países pertencentes à Zona Euro foram forçados a pedir ajuda externa. Este foi o caso, em 2010, da Grécia e da Irlanda, e em 2011, de Portugal. Em todos estes casos, a ajuda foi fornecida pelo esforço conjunto da Comissão Europeia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), constituindo uma ‘Troika’ de instituições. A fim de obter a ajuda, cada país teve de aplicar um “Programa de Assistência Financeira” que impôs um conjunto de medidas de natureza estrutural relacionadas com o equilíbrio das finanças públicas e que no caso português implicaram: o agravamento das taxas de IRS assim como do IVA; a retração dos apoios sociais; o aumento

exponencial do desemprego; cortes salariais na função pública. Estes foram os resultados de algumas das principais medidas de austeridade implementadas e que foram sentidas pelos portugueses. A dureza e a severidade de algumas das medidas levou a que o país saísse por várias vezes à rua manifestando o seu descontentamento com as políticas levadas a cabo pelo governo. Para a generalidade da população, a tradução dessas medidas sintetiza-se na palavra austeridade (Guerra et al., 2015; Silva et al., 2016).

A Irlanda foi o primeiro país a sair do “Programa de Assistência Financeira”, em 2013. O programa português terminou em maio de 2014. Ambos os países foram, portanto, capazes de concluir os seus respetivos “ajustes” no período de três anos. Independentemente das opiniões sobre os méritos e os resultados do “Programa de Assistência Financeira”, há uma perceção geral dos enormes sacrifícios que exigiu tanto da sociedade como da economia portuguesas. Se compararmos os principais indicadores económicos e sociais de 2014 com os de 2010, a conclusão é evidente: houve alguns progressos na consolidação orçamental e do défice externo e um forte retrocesso em relação à criação de riqueza, de emprego, de rendimento, e um incremento da pobreza e da desigualdade. Ainda assim, a fim de apreender plenamente o significado dos anos da 'Troika', temos de ir mais além, e identificar e compreender as representações sociais feitas neste período – âmago da tarefa sociológica. Não estão apenas em jogo as condições materiais e económicas da população portuguesa, mas sobretudo os valores, os padrões simbólicos e morais. Uma inversão inesperada no caminho do desenvolvimento implica uma nova consciência das fragilidades estruturais da economia nacional e os efeitos imprevistos da adoção do euro como moeda comum. Isto levou a uma revisão significativa da avaliação da população face à integração europeia. A contingência da entrada em cena do “Programa de Assistência Financeira” significou que todas as decisões relevantes tinham de ser previamente aprovadas por Bruxelas, Frankfurt e Washington - o que indubitavelmente representou um enorme limitação da soberania de uma das mais antigas nações do mundo. O tema moral era, e ainda é, uma questão crucial: os portugueses estavam a “pagar” o preço de terem “vivido acima das suas possibilidades” durante alguns anos. Os países da Europa do Sul tinham que pagar um “pecado” e a austeridade era o caminho necessariamente doloroso para a redenção. Os média propalavam constantemente representações acerca do “pecado” e caminhos para a sua “redenção”. Assim, estas questões – da soberania nacional, da pertença à Europa, da responsabilização das elites, do aumento da pauperização e da pobreza – polarizaram, e ainda polarizam, muitas representações e discursos expressos no espaço público. Em qualquer caso, como poderia este momento histórico delicado ser interpretado? Que lições se poderiam aprender? Como reagiram os cidadãos e suas organizações? Como foi redefinido o

interesse e a visão nacional? (Guerra et al., 2015; Silva et al., 2016).

Vale a pena referir as perceções da crise em Itália analisadas por Ariela Mortara (2015). Em relação às causas da crise, quer os agentes com elevado capital cultural, quer os com baixo capital cultural demonstram uma grande insatisfação com a política, acusando os líderes políticos de serem os verdadeiros responsáveis pela situação (apesar de poucos estarem ligados à política de qualquer forma). Sobre as perceções acerca do evoluir da crise e suas representações no presente e no futuro, grande parte dos italianos objeto deste estudo demonstram um posicionamento de incerteza de horizontes e de instabilidade de posicionamento face às causas. Parece-nos claro que a sociologia pode dar alguma ajuda para responder a estas questões. A sua contribuição mais importante - em comparação, por exemplo, com a macroeconomia convencional - reside na combinação da análise de indicadores objetivos com os sentidos da ação social, os seus símbolos, as suas crenças e as suas representações. Neste texto, a nossa premissa básica é que a sociologia pode beneficiar da visão artística da crise e destes últimos anos da sua vigência e vivência na sociedade portuguesa. Com efeito, a perspetiva artística da crise social é crucial porque, primeiramente, os artistas participam nas reflexões sociais e debates sobre estas circunstâncias históricas; porque os artistas tendem a trabalhar criativamente acerca dessas circunstâncias; porque os artistas têm nas ideias, emoções e comportamentos que despertam nos atores sociais a sua matéria-prima de base para a criação artística; porque as suas obras, artefactos e performances prefiguram e configuram uma representação e um discurso sobre a realidade social. No entanto, não nos devemos limitar a considerar as artes como mais um objeto da análise sociológica. Como Howard Becker (2007) memora, a arte é uma forma de "dizer sobre a sociedade", como a sociologia e muitas outras ciências. Então, o foco deste capítulo será sobre a arte como uma forma de conhecer, interpretar e problematizar a realidade social: no seu poder de realizar, de reconstruir e de interpelar a história e a sociedade. Sophia Acord e Tia de Nora frisam muito bem isso mesmo quando referem que “a adoção da noção de possibilidades permite à sociologia da cultura compreender como objetos estéticos detêm um papel importante como árbitros das relações, significado e ações sociais, através de como são usados pelos indivíduos e grupos no seu dia-a-dia. Neste envolvimento mútuo, os consumidores culturais são simultaneamente os seus produtores” (Accord e DeNora, 2008: 229).

O objetivo deste texto é, portanto, o de observar como a música tem lidado com a crise portuguesa nos anos 2011-2014, quando o país foi submetido a ajuda externa e ao “Programa de Assistência” a si inerente em virtude da severa crise económica e financeira que enfrentava.

O exercício que se procura fazer poderia, tendo em conta o material analisado, consistir unicamente na análise descritiva dos temas das canções objeto de estudo – tarefa necessária e primordial e, por tal, condição primeira para que o que partilhamos possa ser possível. Não obstante, a nossa análise pretende ir mais além, ao procurar demarcar uma perspetiva, ainda em construção, no que respeita à inter-relação que existe, e que se procura potenciar precisamente através da análise, entre a arte – entendida no seu campo vasto e amplo, no qual se enquadram, se não todas, variadíssimas manifestações desde o cinema, a literatura, a plástica/visual a street art, até à música – e as ciências sociais, nomeadamente a sociologia. Pretende-se, então, recolocar, de certo modo epistemologicamente, os posicionamentos daqueles dois domínios, numa perspetiva dialógica, onde a arte, mais do um espelho ou reflexo da realidade social, é, ela própria, criadora de ação, produtora de conhecimento ao suscitar a emergência de problemáticas que se fazem refletir na própria realidade social (Chepp, 2015). O que se pretende é reforçar a necessidade de um renovado entendimento epistemológico (Guerra et al., 2015; Silva e Guerra, 2015; Guerra e Silva, 2014; Guerra, 2016; Guerra e Januário, 2016) sobre o campo das artes, enquanto produtor de conhecimento ao representar de forma própria e autónoma a realidade social, interferindo nesta, e ao condicionar e gerar análises e interpretações no seio do conhecimento instituído. Assim, pretendemos demonstrar como os movimentos sociais encontram recursos na música, confirmando a importância das representações coletivas em relação à ação coletiva: neste quadro, a música é uma atividade social através da qual novas formas de identidades e práticas sociais afloram (Eyerman e McCormick, 2006).

Do ponto de vista metodológico, o trabalho a seguir apresentado teve por base a análise de um conjunto de canções de vários artistas/músicos/bandas portugueses. As 16 canções3 em análise reportam-se ao intervalo temporal ente 2011 e 2014. A análise destas canções consistiu num processo de audição e de leitura das suas letras, incidente numa única dimensão analítica – mensagem – e num conjunto exaustivo de categorias e subcategorias, sobre as quais se vai

3

Estamos a considerar as seguintes canções: “O acesso bloqueado” de Sérgio Godinho (2011a, 2011b); “Com todo o respeito” de Jorge Palma (2011a, 2011b); “Paraíso Fiscal” dos Diabo a Sete (2011a, 2011b); “Malhão da crise” de Saul (2011); “Desempregado” de Rey Brandão (2012a, 2012b); “Exporto Tristeza” dos Virgem Suta (2012); “Sexta-feira (Emprego bom já)” de Boss AC (2012a; 2012b); “Já não dá (Saíamos para a rua)” de Chullage (2012a, 2012 b); “Deus, Pátria e Família” dos B Fachada (2011a; 2011b); “Parva que sou” dos Deolinda (2011a); “Hoje é um bom dia!” de Anaquim (2012a, 2012b); “Sente Medo” de Valete, Jimmy P, Azagia & Tamin (2012a, 2012b); “Avejão” dos Gaiteiros de Lisboa (2012a, 2012b); “Medo do Medo” de Capicua (2012a, 2012b); “Horas de Matar” dos Mão Morta (2014ª, 2014b); “Ratos” dos Linda Martini (2013). Veja-se a discografia e videografia destas canções nas referências bibliográficas deste capítulo.

dando conta à medida que apresentamos a nossa análise. Os procedimentos que estão na base desta análise sustentam-se numa abordagem iminentemente qualitativa dos conteúdos em análise, os quais coincidem, grosso modo, com as narrativas – tomadas como um todo – das canções (Guerra, 2010; Guerra e Silva, 2014; Silva e Guerra, 2015). Não obstante, e após o processo mais qualitativo, optou-se por agregar as categorias e apresentá-las de modo a evidenciar as principais ocorrências das mesmas, traduzindo-se, então, num procedimento mais quantitativo.

3. A canção que canta a crise Prosseguindo a análise no que respeita à mensagem das 16 canções, procuramos aclarar que tipo de sentimentos que se associam à mensagem destas canções (como por exemplo, revolta, desânimo, frustração, pessimismo, desespero, etc.), os posicionamentos que as mesmas assumem (se fatalismo, oposição, desconstrução ou outros), os temas/objetos das canções (crítica social, proclamação de revolta em relação à sociedade) e os contextos/causas (registo do contexto ou da causa prevalecente na mensagem das canções, as quais se reportarão a factos e dinâmicas sociais mais ou menos específicos). Vejamos, então, de seguida, por categoria, o que de mais significativo encontramos no nosso corpus de análise. Em primeiro lugar, e no que aos sentimentos concerne, podemos referir que são a revolta, o pessimismo e a frustração os que mais se destacam nas canções em análise. A partir da presença das categorias, podemos destacar que são aqueles os sentimentos mais presentes nas canções que constituem o nosso corpus de análise, a par da evidência de outros sentimentos, embora com menor incidência, de dúvida/insegurança pessoal ou impunidade (Quadro 1). Quadro 1: Os sentimentos demonstrados nas canções Revolta Desânimo Frustração Pessimismo

6

42,86

2 3

14,29 21,43

5

35,71

Desespero

2

14,29

Dúvida/Insegurança pessoal

1 1

7,14 7,14

Impunidade

Nota: Neste caso, assim como nos casos subsequentes (Quadros 2, 3 e 4), o N é superior a 16 canções, na medida em que cada canção denota mais do que um sentimento (prevalecente) simultaneamente.

Esta grande categoria analítica assenta fundamentalmente na apreensão do conjunto da mensagem, naquilo que nos transmite, no modo como a mesma nos invade, na forma como nós, os outros, a captamos do ponto de vista emocional, revestindo-se, portanto, de um caráter

significativamente subjetivo. Este aspeto pode conduzir a que, de forma precipitada, o pudéssemos perceber como menos importante do ponto vista científico; não obstante, constitui, no nosso entendimento, aquilo que consideramos uma dimensão importante no que respeita à arte e à criação artística – a que se prende com a interpretação da própria criação/construção artística, o modo como cada um apreende os conceitos e conteúdos ali presentes. Assim, muito embora estejamos a considerar uma retroação entre sujeitos (neste caso o sujeito artista e o sujeito investigador), o que nos leva a ter necessariamente de ponderar o pendor altamente subjetivo que lhe está inerente, consideramos relevante assumir esta condição e simultaneamente o resultado do nosso esforço analítico, tendo em conta que as subjetividades e intersubjetividades, a par dos sentimentos e das representações, resultam, entre outros, de processos sociais significativos, sendo portanto, no fundo, constructos sociais que nos perfilam nas nossas próprias condições e situações sociais: são representações do real social. O sentimento de revolta inferido prende-se com as dificuldades, a vários níveis e âmbitos, vivenciadas no quotidiano dos indivíduos, constituindo-se como regulares: revolta pelas desigualdades sentidas e manifestas em vários domínios, pela “falta de dinheiro”, pelas dificuldades verificadas na garantia de uma “vida com dignidade”, pela impunidade dos atores mais poderosos e das elites, pelas situações percecionadas como injustas e, inclusive pela emergência de atitude e de ação etc.. Tomemos alguns exemplos. O clamor começa a multiplicar-se/ Com a multidão selvagem a formar um corpo furioso/ Uma máquina demente sedenta de sangue/ Já a polícia se agrega aos magotes pelas ruas/ Mas não há aparato repressivo que sustenha a ira/ Das massas embriagadas pelo desespero/ Ultrapassado o limite do ultraje/ Toda a violência é legítima autodefesa/ Também pelo meu relógio são horas de matar. (Horas de Matar, Mão Morta, 2014) E admiram o aumento/ de assaltos e assassínios/ o pior é que nós e que sofremos/ com os assaltos e assassínios/ que esses filhos da puta estão protegidos/ escondidos nos seus condomínios/ os verdadeiros assaltantes/ entram no banco na maior/ e saem com as mãos no bolso do fato/ e o dinheiro desviado pra um offshore/ não é à toa que estão a construir/ mais cadeias/ não é à toa que reforçam policias/ para nos matar à tareia/ é que isto já esteve muito marado/ mas isto nunca esteve assim/ o people esta revoltado/ eles têm medo dum motim/ (Já não dá [saímos para a rua], Chullage, 2012) Estou farto de ser fraco/ Vou lutar pela desordenação/ É hora do boicote/ Já não chega a abstenção/ Chegar ali tem que doer. (Deus, Pátria e Família, B Fachada, 2011)

As canções da crise também são canções de desânimo. A par da revolta subjacente a um apelo explícito à ação (ou à necessidade da mesma), a canção, acima referida, Deus, Pátria e Família – cujo título constitui, ele próprio, uma intenção subversiva relativamente aos valores consagrados do regime ditatorial em Portugal, precisamente, Deus, Pátria e Família – permite

inferir, em paralelo ao sentimento de revolta, o desânimo, o qual poderá ser induzido como despoletador da própria revolta. Vejamos:

Portugal está para acabar/ É deixar o cabrão morrer/ Sem a pátria para cantar/ Sobra um mundo para viver/ (...) Passo a tarde no piano/ A trabalhar o desengano/ A estrofe avança o refrão é para rezar (Deus, Pátria e Família, B Fachada, 2011)

De uma forma eventualmente mais contundente e, de certa forma paradoxal, na canção Com todo o respeito, de Jorge Palma, assinala-se um sentimento de desânimo através da incisiva constatação de que toda a gente está mal, prejudicada e que, em várias dimensões da sociedade e nas suas próprias vivências, a realidade insurge-se de forma inultrapassável: seja a “desordem mundial”, seja a forma passiva que carateriza culturalmente a sociedade portuguesa, seja os gastos do Estado (cuja fatura é paga pelo povo), seja o facto de (eventualmente) vivermos acima das nossas possibilidades, seja a realidade mais crua da destituição representada pelos semabrigo e a droga, seja a impunidade ou o aumento dos impostos: Entre o caos e o desassossego,/ Eixos do mal,/ Desordem mundial,/ Há tanta gente quilhada./ Com todo o respeito. Andamos por aí/ Sempre a mandar vir/ Como é que é/ Entre a cerveja e o café/ Contestatários inatos./ Com todo o respeito. Temos de pagar pelo material de guerra./ Desaparecem os blindados./ A república sabe receber bem,/ Gasta milhões que, por acaso, não tem. Enquanto os sem-abrigo se vão arrumando, entre/ Recordações e algumas mantas,/ Outros cuidam da sua aparência/ E droga circula à nossa frente/ Tanta corrupção neste país,/ Arrogância e ganância sempre impunes/ E a sopa dos pobres, lá estão!/ Com todo o respeito. Os impostos disparam, apertamos o cinto. / Isto é para toda a gente, salvo raras exceções/ Até alguém dizer: chega/ Com todo o respeito. (Com todo o respeito, Jorge Palma, 2011)

A este nível, gostaríamos, ainda, de assinalar o terceiro sentimento com maior expressividade nas canções analisadas: o pessimismo. Não podemos deixar de notar o facto de este sentimento em particular estar associado a outros, como é o caso da frustração ou o desespero. Sérgio Godinho (2011), na canção O acesso bloqueado, conduz-nos, logo a partir do início da música, a perceber um sentimento de pessimismo perante o futuro e, sobretudo, o presente: Adivinhar o futuro/ É muito duro, é muito duro/ Sai sempre o cálculo furado/ Adivinhar o passado/ É mais seguro, é mais seguro/ Se bem que às vezes também sai errado. Mas entre o deve e o haver/ Entre o deve e o haver sempre pões algum de lado/ Deve ser descontrolado/ Agora adivinhar o presente/ Mesmo se fosses vidente/ Isso é que é mais complicado/ Tem o acesso bloqueado/ Tem o acesso bloqueado/ Tem o acesso bloqueado/ Tem o acesso bloqueado. (O acesso bloqueado, Sérgio Godinho, 2011)

As canções Exporto Tristeza, dos Virgem Suta (2012) e Sexta-feira (emprego bom já), do Boss AC (2012), são modelares relativamente à associação já referenciada dos sentimentos de pessimismo e frustração. O verso inicial da letra da canção dos Virgem Suta remete para uma

expressão que manifesta a perpetuação de uma dada situação, espelhando deste modo o predomínio sistemático de problemas e situações ao nível da realidade portuguesa mencionados ao longo do discurso da canção: desigualdade, corrupção, permanência e perpetuação no/do poder, sacrifícios, uma certa predisposição cultural para o conformismo e aceitação (“Não há maneira nem vontade de mudar /”Não é defeito estar sempre menos mal”), retratos sentidos que se traduzem, por um lado, numa atitude passiva conducente à uma certa imutabilidade e manutenção do estado das coisas e, por outro lado, indiferença – “Contra a pobreza exporto a minha tristeza/Contra a miséria já não faço cara séria”. Não obstante a situação relatada e os sentimentos a si associados, a exponenciação de um determinado sentido de exaura traduz-se na incapacidade de se ser feliz e, mais do que tudo, no facto de se tal existir (sentir felicidade) tal ser considerado uma usurpação, um “pecado”, a ostentação proibida – “Estar feliz é pior que avareza/Um ultraje face a esta depressão/Temos mágoas, paranoias, paraquedas/Mas não há boias para a nossa salvação”. A canção Sexta-feira, por seu turno, releva-nos pessimismo e frustração sobretudo em relação a um tema particular que se prende com a situação atual dos jovens portugueses. A frustração associada ao fracasso em termos de emprego após o investimento na obtenção de um curso superior ou à própria transição para o mercado de trabalho – acentuadamente mais demorada e traduzida em situações de desemprego –, da qual é consequência a dependência crescente e prolongada dos jovens face aos pais. Na verdade, a situação dos jovens – uma das temáticas/contextos que repegaremos à frente – constitui atualmente uma das problemáticas mais significativas no seio da crise económica e social que se vivencia. Tantos anos a estudar para acabar desempregado/ Ou num emprego da treta, mal pago/ E receber uma gorjeta que chamam salário/ Eu não tirei o Curso Superior de Otário/ … Não é falta de empenho/ Querem que aperte o cinto mas nem calças tenho/ Ainda o mês vai a meio já eu estou aflito/ Oh mãe fazias-me era rico em vez de bonito. É sexta-feira/ Suei a semana inteira/ No bolso não trago um tostão/ Alguém me arranje emprego/ Bom Bom Bom Bom/ Já Já Já Já. É sexta-feira/ Quero ir para a brincadeira/ Mas eu não tenho um tostão/ Alguém me arranje emprego/ Bom Bom Bom Bom/ Já Já Já Já. Basta ser honesto e eu aceito propostas/ Os cotas já me querem ver pelas costas/ Onde vou arranjar dinheiro para uma renda?/ Não tenho condições nem para alugar uma tenda/ E os bancos só emprestam a quem não precisa/ A mim nem me emprestam para mudar de camisa. (Sexta-feira [emprego bom já], Boss AC, 2012)

No que respeita aos posicionamentos das canções, encontramos elementos fundamentais que nos permitem apreender os sentidos e as intenções de comunicação a fim de deduzirmos, sobretudo, a desconstrução e a crítica sobre a realidade social, a par de do fatalismo e oposição face à mesma. Encontramos, assim, nas canções em análise, a prevalência dos posicionamentos de desconstrução (em 12 canções) e de crítica (antissistema) (10 canções), aos quais se seguem

os posicionamentos que espelham fatalismo (em 4 canções), oposição (3 canções) e destruição (1 canção) – Quadro 2. Quadro 2: Os posicionamentos inerentes às mensagens das canções Fatalismo

4

28,57

Desconstrução (ironia, subversão) Oposição

12 3

85,71 21,43

Crítica (Antissistema)

10

71,43

Destruição

1

7,14

A desconstrução da realidade social (na grande maioria das vezes associada a posicionamentos críticos sobre a mesma) constitui, mormente através da utilização de recursos expressivos (linguísticos) como a ironia, ou ainda, através da inferência de uma certa subversão dos factos/situações, uma das categorias mais presentes nas canções em análise. O que se desconstrói – “pondo a nu” – são quotidianos, situações, fenómenos mais ou menos comuns e/ou específicos, muitas vezes estruturantes e transversais na história recente da sociedade portuguesa. Muitas destas situações, a nosso ver, são de tal forma estruturadoras e perdurantes no tempo que ultrapassam o contexto de crise em destaque nesta nossa análise. Referimo-nos a situações/fenómenos como a corrupção e o branqueamento de capitais (aglutinados no que comummente se designa por crimes de “colarinho branco” e regularmente associado às elites políticas e financeiras); a uma certa atitude estruturante de passividade e a uma cultura do “menos mal”, do “remediado”; à condição dos jovens (precariedade e dependência); aos atores e instituições dominantes, etc.. Com todo o respeito, de Jorge Palma – pelo caráter irónico, evidenciado precisamente pela repetição do verso que dá título à canção em todas as estrofes, relativo às várias situações apontadas e desconstruídas – constitui exemplo paradigmático de um posicionamento de desconstrução com recurso à ironia e com um certo pendor subversivo. Há tanta gente quilhada./ Com todo o respeito. Andamos por aí/ Sempre a mandar vir/ Como é que é/ Entre a cerveja e o café/ Contestatários inatos./ Com todo o respeito. Temos de pagar pelo material de guerra./ Desaparecem os blindados./ A república sabe receber bem,/ Gasta milhões que, por acaso, não tem. O papa deu um grande passo em frente/ Até já concorda com a camisa,/ Mas só em casos fatais/ Com todo o respeito. Este parque automóvel corta a respiração/ Muito acima da nossa realidade/ Alguém vai ter de pagar/ Com todo o respeito. Os centros comerciais engolem a gente/ Alguns vão comprar, outros só vão olhar/ E há quem consiga roubar/ Com todo o respeito. Enquanto os sem-abrigo se vão arrumando, entre/ Recordações e algumas mantas,/ Outros cuidam da sua aparência/ E droga circula à nossa frente/ Tanta corrupção neste país,/ Arrogância e ganância sempre impunes/ E a sopa dos pobres, lá estão!/ Com todo o respeito. Os impostos disparam, apertamos o cinto./ Isto é para toda a gente, salvo raras exceções/ Até alguém dizer: chega/ Com todo o respeito. Falta virem taxar-me pelo ar que respiro,/ Pelo passo que dou, cada vez que espirro./ Hãode arranjar maneira/ Com todo o respeito. (Com todo o respeito, Jorge Palma, 2011)

Outro exemplo a destacar, ao nível de situações específicas que revelam um posicionamento de desconstrução, e simultaneamente de crítica social, é a canção dos Diabo a Sete, Paraíso Fiscal, a qual remete para as situações de branqueamento de capitais/fuga aos impostos e de corrupção: Dez cabelos penteados/ Não pagam imposto/ A luva está mais barata/ Do que o fogo posto. Sabe bem pagar tão pouco/ O segredo é total/ Tens na ilha uma morada/ Virtual. No Paraíso Fiscal/ O silêncio é de ouro/ As mobílias são de prata/ E os jardins de couro. Anjos, deuses, capitais/ Filhos de alguém especial/ Somar zeros à direita/ Não faz mal. No Paraíso Fiscal/ A justiça é cega/ As fronteiras apagadas/ E o tempo escorrega. (Paraíso Fiscal, Diabo a Sete, 2011)

Por fim, duas últimas referências de posicionamentos de desconstrução e ao mesmo tempo de crítica social prendem-se com uma temática diferenciadora: o medo, este entendido simultaneamente como legitimador de uma atitude mais conformista e menos ativista por parte das pessoas (do povo se quisermos) – que preferem a segurança/proteção em detrimento da liberdade perante os riscos que lhe são apresentados ou colocados estrategicamente sobre si – e como o que poderá entender-se, muito ao modo marxiano, como componente indelével da superestrutura, ou seja, instrumento ideológico legitimador do poder social, político e económico instituído, ou seja, ainda, como mecanismo fundamental de manutenção do “estado das coisas” sob pena de não piorar ou sucumbir perante e no seio de uma sociedade incerta, insegura, “tão arriscada”. Ouve o telejornal, eles falam duma nova doença/ Vai ao médico antes que essa doença trace a tua sentença/ Empanturra-te de medicamentos, prepara o teu intoxicamento/ Dá sustento à indústria farmacêutica e ao teu apodrecimento. Come bem, faz desporto, serás saudável/ Serás inquebrável, e o teu corpo inabalável, ouve/ O telejornal, eles falam de outro atentado/ Terrorista, islamita vê se ficas aterrorizado. Dá-lhes legitimidade para invadirem outro país/ Fazerem mais baixas civis para irem atrás dos barris, ouve/ O telejornal, eles falam dos anarquistas/ Como se fossem tresloucados, alucinados, extremistas. Sente medo deles, sente medo da mudança/ E continua a votar naqueles em quem não tens confiança/ Vota nos partidos de sempre, vota sem esperança/ E mantém este regime de iniquidade e insegurança. Enquanto sentes medo, precisas de proteção/ Precisas de orientação, nem contestas a liderança/ Segues os gajos de olhos vendados como um rebanho/ Anestesiado, bestificado e ferrenho. É o conhecimento que destrói o medo/ E destrói os enredos que a mentira constrói/ Investiga, procura, pesquisa/ Só és livre quando matas o medo que te escraviza. Meeee-dooo/ Sente meeeedoooo/ Meeee-dooo/ Sente meeeedoooo A mais bela das farsas é incutir o medo/ À população em declínio e ter domínio sobre as massas,/ Da segurança ao desespero, desse rebanho cego/ Que pelo bem-estar, vai da poupança ao exagero. (Sente medo, Valete, Jimmy P, Azagia & Taminm, 2012) Ouve o que eu te digo,/ Vou-te contar um segredo,/ É muito lucrativo que o mundo tenha medo,/ Medo da gripe,/ São mais uns medicamentos,/ Vem outra estirpe reforçar os dividendos,/ Medo da crise e do crime como já vimos no filme,/ Medo de ti e de mim,/ Medo

dos tempos,/ Medo da multidão,/ Medo do chão e do tecto,/ Medo da solidão,/ Medo de ficar gordo velho e sem um tostão,/ Medo do olho da rua e do olhar do patrão e medo de morrer mais cedo do que a prestação,/ Medo de não ser homem e de não ser jovem,/ Medo dos que morrem e medo do não!/ Medo de Deus e medo da polícia,/ Medo de não ir para o céu e medo da justiça,/ Medo do escuro, do novo e do desconhecido,/ Medo do caos e do povo e de ficar perdido,/ Sozinho,/ Sem guito e bem longe do ninho,/ Medo do vinho,/ Do grito e medo do vizinho,/ Medo da rotina e da responsabilidade,/ Medo de ficar para tia e medo da idade,/ Com isto compro mais cremes e ponho um alarme,/ Se não tiver um gorila à porta de vigília,/ Compro uma arma,/ Agarro a mala,/ Defendo o meu domínio,/ Protejo a propriedade que é privada e invade-me a vontade de por grade à volta da realidade, do país e da cidade,/ Eu tenho tanto medo…/ Nós temos tanto medo…/ Eu tenho tanto medo…/ O medo paga a farmácia,/ Aceita a vigilância,/ O medo paga à máfia pela segurança,/ O medo teme de tudo por isso paga o seguro,/ Por isso constrói o muro e mantém a distância!/ Eles têm medo de que não tenhamos medo. (Medo do Medo, Capicua, 2012)

Ainda a este nível, e tomando como referência a terceira categoria mais frequente – o fatalismo – destacamos como exemplos as canções Deus Pátria e Família (B Fachada, 2011) e Parva que sou (Deolinda, 2011). Se na primeira, a perda de confiança no sistema, a abstenção perante a cidadania e a perda de confiança na classe política conduz a uma atitude fatalista (muito embora mais adiante contrariada por atitude que impele para a ação) que aponta para a “morte de Portugal”, e pela contradição de tal não vale a pena lutar, na segunda o fatalismo decorre da situação da condição juvenil, já anteriormente referenciada. Portugal está para acabar/ É deixar o cabrão morrer/ Sem a pátria para cantar/ Sobra um mundo para viver/ Chegam flores do estrangeiro/ Já escolhemos o coveiro/ Por mim é para queimar/ Mas não quero exagerar. Não à glória nacional/ Não á força não letal/ Já não canto sobre amores/ Nem me perco no recheio/ É que em terra de amadores/ Basta ter o pau a meio. Eu não sei português/ E que se foda Portugal. (Deus, Pátria, Família, B Fachada, 2011) Porque isto está mal e vai continuar,/ Já é uma sorte eu poder estagiar./ Que parva que eu sou!/ E fico a pensar,/ Que mundo tão parvo/ Que para ser escravo é preciso estudar. Sou da geração 'casinha dos pais',/ Se já tenho tudo, para quê querer mais?/ Que parva que eu sou!/ Filhos, marido, estou sempre a adiar/ E ainda me falta o carro pagar,/ Que parva que eu sou!/ E fico a pensar/ Que mundo tão parvo/ Onde para ser escravo é preciso estudar. Sou da geração 'vou queixar-me para quê?'/ Há alguém bem pior do que eu na TV./ Que parva que eu sou!/ Sou da geração 'eu já não posso mais!'/ Que esta situação dura há tempo demais/ E parva não sou!/ E fico a pensar,/ Que mundo tão parvo/ Onde para ser escravo é preciso estudar. (Parva que sou, Deolinda, 2011)

A subdimensão temas/objetos da mensagem dá conta do conteúdo/objeto principal da mensagem, ou seja, do mote essencial inferido a partir da escrita analisada. A divisão desta subdimensão em dois níveis de categorias permite-nos refinar, quando possível, o mote específico da mensagem, nomeadamente através do que designamos por crítica social e proclamação de revolta em relação à sociedade e defesa de uma alternativa. Tendo por base o Quadro 3, notemos as incidências analíticas verificadas no total das canções.

Quadro 3: Temas/objetos: categorias principais e subcategorias de análise presentes no corpus de análise Categorias Crítica Social Proclamação de revolta em relação à sociedade e defesa de alternativa

Subcategorias Sistema Denúncia da natureza alienante do modo de vida (de forma geral e face a várias problemáticas) Valores, convenções ou modos de vida

% 71,43

Em termos políticos e ideológicos

21,43

42,86 35,71

Neste sentido, e procurando desde logo dar conta de alguns exemplos paradigmáticos que ilustrem simultaneamente as categorias e subcategorias, atentemos em algumas das canções analisadas. A grande maioria das canções em análise constituiu-se – e de certa forma expectavelmente – como críticas relativamente ao sistema social, não deixando, contudo de, parte das mesmas, denunciar aspetos ora mais genéricos ora mais específicos da realidade social e de criticar os valores dominantes. Tomemos alguns exemplos, por subcategoria. A canção Avejão, dos Gaiteiros de Lisboa (2012) assume-se como uma crítica face ao sistema e, simultaneamente aos valores, convenções e modos de vida, denunciando a forma como o poder está instituído e permanece a sua conservação, o modo como se prefigura a “ganância pelo poder” e se procede à manipulação das pessoas com o fito de manter um totalitarismo social, a partir de um controlo estratégico e planeado – a referência à expressão “O Grande Irmão” é indicador inequívoco disso mesmo. No Império das aves raras/ Quem não tem penas é Rei/ Entre pegas e araras/ Os Patos Bravos são Lei. A terra dos patos bravos/ Parece mais um vespeiro/ Andam todos à bicada/ Para chegar ao poleiro. Por sobre a terra/ Por sobre o mar/ O Grande Irmão zela por nós/ A sua sombra/ É protetora/ Já vem dos egrégios avós. Na terra dos papagaios/ Quem não tem poleiro é pato/ Andam todos à bicada/ Só para ficar no retrato. No reino das trepadoras/ O papagaio é senhor/ Mesmo até sem saber ler/ Qualquer papagaio é doutor. Por sobre a terra/ Por sobre o mar/ O Grande Irmão zela por nós/ A sua sombra/ É protetora/ Já vem dos egrégios avós. Voar mais alto que os outros/ Esse era o sonho do galo/ Roubar as asas ao Pégaso/ E voar como um cavalo. Mas o galo de ser galo/ É ter o chão junto à barriga/ Para alcançar ao poleiro/ Tem que usar de muita intriga. Por sobre a terra/ Por sobre o mar/ O Grande Irmão zela por nós/ A sua sombra/ É protetora/ Já vem dos egrégios avós. No reino dos voadores/ Impera a grande anarquia/ E a barata voadora/ Já tem lugar de chefia. A passarada oprimida/ Só deseja que isto mude/ Mas as aves de rapina/ Cada vez têm mais saúde. (Avejão, Gaiteiros de Lisboa com Sérgio Godinho, 2012)

Outro exemplo de crítica social, desta feita denunciado o caráter alienante do modo de vida atual é a canção Sente Medo (já referenciada noutra categoria). O medo legitima a

mercantilização da vida, ou seja, critica-se, através da denúncia do medo como legitimador do sistema, o modo de vida mercantilizado, o capitalismo, o mercado como estruturador essencial e hegemónico da estruturação do modelo social prevalecente; imposto pelas elites do poder, as quais, através das estruturas de legitimação (como os media) impõem totalitariamente um determinado modo de vida. Dá-lhes legitimidade para invadirem outro país/ Fazerem mais baixas civis para irem atrás dos barris, ouve/ O telejornal, eles falam dos anarquistas/ Como se fossem tresloucados, alucinados, extremistas. Sente medo deles, sente medo da mudança/ E continua a votar naqueles em quem não tens confiança/ Vota nos partidos de sempre, vota sem esperança/ E mantém este regime de iniquidade e insegurança. Enquanto sentes medo, precisas de proteção/ Precisas de orientação, nem contestas a liderança/ Segues os gajos de olhos vendados como um rebanho/ Anestesiado, bestificado e ferrenho. É o conhecimento que destrói o medo/ E destrói os enredos que a mentira constrói/ Investiga, procura, pesquisa/ Só és livre quando matas o medo que te escraviza. A mais bela das farsas é incutir o medo/ À população em declínio e ter domínio sobre as massas,/ Da segurança ao desespero, desse rebanho cego/ Que pelo bem-estar, vai da poupança ao exagero. É crime em demasia, mas sempre escassa a culpa,/ Tempo de crise e a polícia faz caça à multa/ Até a mentira nos soa a verdade absoluta, / Políticos sem rosto, porque isto é face oculta. E tens a vida sob escuta, sem liberdade/ Fodem-te como querem e lhes apetece em modo Kamasutra/ É como a noite branca, tudo se faz às claras/ Reverso da moeda, chibos têm duas caras. Da justiça aos tribunais, que nunca veem dinheiro sujo/ Cada vez que se branqueiam capitais./ Vítimas e marginais, mas quando os inocentes pagam, /Apenas são danos colaterais. Esta é uma carta para o novo rei da Escócia/ O rei é novo e precisa de ser informado sobre a situação/ Por isso meu rei, escuta. Não precisas de alucinogénias gramas de cannabis/ Para experimentares a paranoia da vida nas cidades/ Onde os ladrões é que fazem a oportunidade/ É a maior crise na bolsa de valores da humanidade. É mentira que só os reclusos é que vivem atrás das grades/ Celas domiciliárias guardam pessoas e propriedades/ E não se confia em bufos com crise de identidade/ Polícias de mentira são gangsters de verdade. Nesta guerra sem quartel, todos querem como troféu,/ Cabeças de presidentes em bandejas de papel/ Benjamin Franklin e Samora Machel/ Dólares do FMI e Meticais da Frel. E nas orações em nome do lucro/ Clínicas pedem vidas, funerárias pedem luto/ Bancos pedem dívidas, igrejas pedem tudo/ E os políticos pedem o poder absoluto. Justiça? Irmãos, não é coisa que se peça.../ Recusam-vos o pedido e ainda pedem a cabeça.../ Do cabeça da manifestação,/ Armas-te em iconoclasta bro, acabas na prisão. Ou então nas filas do desemprego/ Paras de apontar o dedo quando te enfiam o dedo/ Mas toda a gente sabe, isso aqui já não é segredo/ É assim que acontece, por isso, sente medo! (Sente Medo, Valete, Jimmy P, Azagia & Tamin, 2012)

A proclamação da revolta em relação à sociedade e defesa de alternativa é revelada nas canções Hoje é um bom dia (Anaquim, 2012) e Horas de Matar (Mão Morta, 2014). Estando a situação mal, o futuro comprometido, incita-se à revolta e à mudança; sendo demasiado ostentoso o

favorecimento dos privilegiados, instiga-se a mudança e acabar com “esta porra” - como dizem os Anaquim: Na telefonia reina a suspeição/ Em canal aberto a confirmação/ Na telepatia há comunhão/ De encontrar uma solução/ Mais uma novela de horário nobre/ Paga a patrocínio de produto pobre/ Paga a peso de ouro e fio de cobre/ Pois tudo se descobre. Chega-te ao ouvido que a coisa piora/ Jogam-se carreiras pela janela fora/ Joga-se a roleta a toda a hora/ Reza profecias que não há futuro/ Viram-se pra Meca pra baixar o juro/ Há lamentações e não há muro. Hoje é um bom dia pra mudarmos esta porra/ Pegarmos o touro por pior que a coisa corra/ Hoje é um bom dia nem podia ser diferente/ Mete mãos à obra/ Já não sobra muito à gente/ Hoje é um bom dia, sim/ Hoje é um bom dia/ Hoje é um bom dia, sim/ Hoje é um bom dia. Estes novos genocídios/ Feitos aos subsídios/ São para cumprir/ Mas esta coisa do imposto/ Para quem tem encosto ainda se vai discutir/ Temos as pernas para andar/ E os braços pra te apoiar/ Nalgum lado tens de começar. Hoje é um bom dia pra mudarmos esta porra/ Pegarmos o touro por pior que a coisa corra/ Hoje é um bom dia nem podia ser diferente/ Mete mãos à obra/ Já não sobra muito à gente/ Hoje é um bom dia, sim/ Hoje é um bom dia/ Hoje é um bom dia, sim/ Hoje é um bom dia/ Hoje é um bom dia, porra! Hoje é um bom dia pra mudarmos esta porra/ Pegarmos o touro por pior que a coisa corra/ Hoje é um bom dia nem podia ser diferente/ Mete mãos à obra/ Já não sobra muito à gente/ Hoje é um bom dia, sim/ Hoje é um bom dia/ Hoje é um bom dia, sim, hoje é um bom dia/ Hoje é um bom dia, sim, hoje é um bom dia/ Hoje é um bom dia para acabar com esta. (Hoje é um bom dia!, Anaquim, 2012)

Em Horas de Matar, descreve-se a ira como arma de arremesso e faz-se a apologia da violência como legítima defesa do que não mais se pode suportar: O clamor começa a multiplicar-se/ Com a multidão selvagem a formar um corpo furioso/ Uma máquina demente sedenta de sangue/ Já a polícia se agrega aos magotes pelas ruas/ Mas não há aparato repressivo que sustenha a ira/ Das massas embriagadas pelo desespero/ Ultrapassado o limite do ultraje/ Toda a violência é legítima autodefesa/ Também pelo meu relógio são horas de matar. (Horas de Matar, Mão Morta, 2014)

Por último, consideramos os contextos e causas mais prementes inferidas nas canções analisadas. Estando a considerar canções que cantam a crise portuguesa iniciada em 2008, distinguir-se, como sendo óbvio, o reconhecimento das situações e problemáticas retratadas como sendo da realidade portuguesa contemporânea (Quadro 4). Não obstante, e por tal ser pertinente, é necessário fazer menção e prerrogativa a uma categoria que à partida se impunha como homogénea, dado encontrar-se canções que reportam (embora de forma não direta) situações/fenómenos transversais e globais às sociedades contemporâneas e, ainda outras, apelam à mudança para além da constatação e denúncia. São exemplos da primeira situação as canções O acesso bloqueado, de Sérgio Godinho – que denúncia as dificuldades do presente e o comprometimento do futuro de uma forma abstrata e por tal demarcadora de uma situação global, ou Paraíso Fiscal, dos Diabo a Sete, a qual faz menção à questão da corrupção e dos paraísos fiscais nos quais os poderosos branqueiam capitais e empolam as suas riquezas. No

segundo caso, apontamos nomeadamente as canções já referidas na categoria anterior (temas) Malhão da crise, de Saul, Horas de Matar, dos Mão Morta e Deus, Pátria, Família, dos B Fachada, quando perentoriamente se afirma: Estou farto de ser fraco/ Vou lutar pela desordenação/ É hora do boicote/ Já não chega a abstenção/ Chegar ali tem que doer. (Deus, Pátria, Família, B Fachada, 2011) Quadro 4: Contextos/causas: categorias e subcategorias N

%

Situação (política e social) portuguesa

Categorias

13

92,86

Ação direta e revolucionária

3

21,43

Situação (política e social) Internacional

4

28,57

Subcategorias

N

%

Corrupção

2

14,29

Branqueamento de Capitais

2

14,29

Desigualdades (privilégios)

3

21,43

Passividade social

3

21,43

Desemprego

1

7,14

Situação precária dos Jovens

3

21,43

Desorganização mundial

1

7,14

Ação dos Governos/Instituições

3

21,43

Fragmentação Social/Pessoal

1

7,14

Sociedade de Consumo

1

7,14

Medo/Incerteza

2

14,29

Manipulação/Totalitarismo dos que detêm o poder

2

14,29

Mercantilização da Vida

1

7,14

Comprometimento do Presente/Futuro

2

14,29

No que respeita às subcategorias encontradas, as quais, de forma mais evidente, dão conta das causas e contextos que permeiam o corpus de análise, destaca-se, num primeiro patamar, conforme se verifica no Quadro 4 acima, as desigualdades (privilégios diferenciados), a passividade, a situação precária dos jovens, a ação do governo/instituições; num segundo patamar são as causas como a corrupção, o branqueamento de capitais, o medo/incerteza, a manipulação/totalitarismo dos que detêm o poder e o comprometimento do presente/futuro as que mais apresentam maior significado; por último, são causas como o desemprego, a desorganização mundial, a fragmentação social e pessoal, a sociedade de consumo e a mercantilização da vida as que se evidenciam. Registe-se alguns trechos de canções como exemplos das categorias apontadas. A canção Exporto Tristeza, dos Virgem Suta, constitui um

referencial paradigmático no que respeita à presença de categorias relativas às desigualdades e passividade. Das desigualdades: Mudam se os tempos/ Mas o disco toca o mesmo/ Não há maneira nem vontade de mudar/ (...) Os pobrezinhos são bem bruto energia/ Coitadinhos melhor que leite do dia/ Alimentado sopa gode quando calha/ Lá fazem vida que Deus lhes valha/ (...)

Da passividade “portuguesa”: Não há maneira nem vontade de mudar/ Não é defeito estar sempre menos mal/ Vira feitio riqueza nacional/ (...) Contra a pobreza exporto a minha tristeza/ Contra a miséria já nem faço cara séria/ Se estou com fome canto o fado para esquecer (Exporto Tristeza, Virgem Suta, 2012)

As canções já referenciadas atrás a propósito de outro pendor analítico Sexta-feira (Emprego bom já), de Boss AC e Parva que sou, dos Deolinda, são exemplos referenciais no que respeita à situação de precariedade e de dificuldade que caraterizam a situação dos jovens em Portugal. Sexta-feira constitui bom exemplo igualmente no que respeita a outra categoria assinalada – a ação do Governo/Instituições: Porque isto está mal e vai continuar,/ Já é uma sorte eu poder estagiar./ Que parva que eu sou!/ E fico a pensar,/ Que mundo tão parvo/ Que para ser escravo é preciso estudar. Sou da geração 'casinha dos pais',/ Se já tenho tudo, para quê querer mais?/ Que parva que eu sou!/ Filhos, marido, estou sempre a adiar/ E ainda me falta o carro pagar,/ Que parva que eu sou! (Parva que sou, Deolinda, 2012)

Já referenciadas e sobejamente apresentadas ao longo deste documento, a título de exemplo noutros propósitos analíticos, constituem referentes assinaláveis do segundo grande conjunto de categorias apontado as canções Paraíso Fiscal, dos Diabo a Sete a propósito da corrupção/branqueamento de capitais, Sente Medo dos Valete; Jimmy P, Azagia &Tamin e Medo do Medo de Capicua como modelos do medo/incerteza (face à situação, mas igualmente como denúncia da arma de manipulação dos que detém o poder) e a canção de Sérgio Godinho O acesso bloqueado como exemplo do comprometimento do presente e do futuro. O desemprego, a desorganização mundial, a fragmentação social e pessoal, a sociedade de consumo e a mercantilização da vida espelham-se, respetivamente, nas canções Já não dá (Saímos para a rua) de Chullage, Com todo o respeito de Jorge Palma, Hoje é um bom dia de Anaquim e Desempregado de Rey Brandão. Estamos, assim, perante narrações da crise, ora de forma mais generalizada, ora de forma mais incisiva sobre um ou outro aspeto de assinalar; estamos perante narrações que cantam o presente “doente” e temente, atiram a incerteza sobre o futuro e evocam o passado recente como prenúncio de um modelo social contemporâneo claramente

caraterizado pela fragmentação e o risco transversal, e por tal totalitário, às várias esferas e dimensões da vida – política, social, económica e pessoal. Cantar a crise portuguesa (motivo que nos trouxe aqui) é cantar e aclamar com voz e alma “dorida” a crise do nosso tempo.

4. Breves notas finais O exercício que acabamos de fazer pode ser sistematizado em três linhas fundamentais. A primeira leva-nos a considerar que o discurso de crítica política e social originado na imaginação artística sendo eficaz em qualquer contexto, assume uma maior acomodação em tempos de crise sistémica mostrando uma relação dialógica - assim gerada - entre arte e sociedade. Numa segunda linha, a presença da contemporaneidade social na imaginação artística é menos um fator de contingência do que um ambiente mais geral - uma atmosfera que permeia tanto a sensibilidade dos criadores (autores e intérpretes) ou a sensibilidade do público, ou mesmo ambos. Numa terceira linha, existe um dinamismo interno das canções ínsito aos projetos autorais em que se inscrevem, demonstrando especificidades, singularidades inerentes aos (sub)campos artístico-musicais em presença, subgéneros musicais – neste caso - e suas historicidades e autonomias relativas. Assim, a arte e a sociedade têm uma autonomia recíproca que as torna interdependentes. O contexto - neste caso, a crise sistémica dos 2000 - pode propiciar um novo significado e relevância, ou reforçar (ou mesmo dissolver) o significado e a relevância de um motivo, um tema ou uma fórmula (Elias, 1994; DeNora, 2003; Clarke et al., 2015). O contexto pode favorecer o aparecimento (ou manutenção, ou desaparecimento) de temas e estilos (Silva et al., 2016). Tal aponta para os trabalhos de investigação sobre músicas relevantes levado a cabo por Lucy Green em 1997. Ao contrário de Adorno, Lucy Green mostrou-nos como, descrevendo as músicas, os seus entrevistados estavam simultaneamente a constituir aspetos do mundo social, ou seja, os seus atos de envolvimento musical – expressão de ideias acerca do que parece ser musicalmente ‘correto’ – foi simultaneamente um ato de reforço de determinadas relações sociais, mas sobretudo de criação de uma representação e um conhecimento acerca delas (Green, 1997; DeNora, 2003). Notando os anos de edição da maioria das canções (2011 e 2012 e só uma de 2014), estamos ainda no início da mudança política – ou seja, ainda longe das consequências e agravamento das medidas de austeridade que se iniciaram, precisamente, em 2011, com a vinda da Troika para Portugal e a mudança de governo (de centro esquerda para um de direita tendencialmente conservador e neoliberal). Estas canções, pelo menos em parte, denunciam o que justificaria a crise, mas ainda estão longe de anunciar/acusar as consequências das medidas que a seu

propósito foram tomadas. Por outro lado, estamos perante a denúncia de situações que parecem caraterizar transversalmente o tempo histórico-político da democracia portuguesa: a denúncia dos privilégios confinados a uma elite, poderosa financeiramente e por tal com uma acumulação de capital económico-social incomensurável - quando estaria ainda por rebentar o escândalo do Banco BES – apesar da falência do BPN ter já sido um dos fatores cruciais da crise portuguesa e do agravamento da dívida publica, devido à injeção de capital estatal – e por conhecer o recente escândalo (global) dos Panamá Papers, que envolve vários agentes económicos, políticos e de outros setores, inclusive da comunicação social, portugueses) (Costa et al., 2014). Por seu turno, estas canções não são só desta crise. São de uma crise social mais ampla, do modelo social prevalecente, do capitalismo, da sociedade de risco (manipulado e construído). Estas canções de protesto denunciam esta crise, mas uma outra maior, a crise da sociedade contemporânea; denunciam o poder instituído, a criação do medo como arma de arremesso, como expoente de uma consciência comum que se esgota no uso e mimetismo das notícias, nas manipulações diárias sistemáticas que perpetuam a ordem estabelecida. Por isto (estas duas razões) é que estas canções cantam a crise. São o rosto da atualidade, vincado pelo ciclo económico depressivo, mas são a canção da crise social mais profunda contemporânea desta modernidade tardia (Regev, 2013; Friedman, 2015). Mostram-nos a importância de um olhar oblíquo acerca das canções e da sociedade, onde entre ambas não existem linhas retas. Foi essa a nossa intenção: lidar com a ambiguidade, a abertura, a polissemia - com a obliquidade das ligações entre as artes (as canções) e o seu contexto social (Silva et al., 2016).

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Nota biográfica Paula Guerra, doutorada em sociologia pela Universidade do Porto, é professora na Faculdade de Letras e investigadora do Instituto de Sociologia da mesma universidade. Coordena e participa em vários projetos de investigação nacionais e internacionais, no âmbito das culturas juvenis e da sociologia da arte e da cultura. Tem sido professora/investigadora visitante em várias universidades nacionais e internacionais: Faculty of Social Sciences Katholieke Universiteit Leuven na Bélgica, Universidade Nacional de Timor Lorosae em Díli, Università di Padova em Itália, Adam Mickiewicz University Poznan na Polónia, Griffith University e School of Arts and Humanities na Austrália, Hué University no Vietname, Sidi Mohamed Ben Abdellah University e Cadi Ayyad University em Marrocos. Publicou recentemente os livros A instável leveza do rock (Porto: Afrontamento, 2013), As Palavras do Punk (Lisboa: Alêtheia, 2015), More Than Loud (Porto: Afrontamento, 2015), On The Road to the American Underground (Universidade do Porto, 2015) e é autora de artigos publicados em revistas como Critical Arts, European Journal of Cultural Studies, Sociologia – Problemas e Práticas ou Revista Crítica de Ciências Sociais. E-mail: [email protected]; [email protected] URL: http://www.punk.pt/paula-guerra-2/ Morada: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Via Panorâmica, s/n, 4150-564 Porto PORTUGAL

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