A capela de Nossa Senhora de Fátima na igreja de Santo Eugénio em Roma (1942-1951), Lisboa, Centro de História do Banco Espírito Santo, 2011, 175 p., il.
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Vera Félix Mariz
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Desconhecida de muitos portugueses, mesmo daqueles que elegem a
poúrÇo
&
artística contemporânea nacional como matéria de estudo, a capela
Nossa Senhora
de
Fátima,
em Roma constitui uma obra plena
de
sigrúficado histórico e interessante expressão plástica. Erguida a toda a altura
do braço do transepto, do lado do Evangelho da Basílica de Santo Eugénio, a capela foi oferecida pelos portugueses ao Papa Pro XII (1-876-1958), por ocasião das bodas de prata da sua ordenação episcopal (13 de Maio de 19L7),
quando
o
Mundo Católico decidiu homenagear Eugénio Pacelli, com
a
construção de um imponente templo, num dos novos bairros da cidade de Roma.
Emblema de um tempo e sobretudo das estratégias diplomáticas entre o rrcsso país e o Vaticano, a obra revela um discurso afirmativo de propaganda
dos valores nacionais sob a evocação da Virgem de Fátima, tanto mais que
havia
a registar a feliz
coincidência
de Eugénio Pacelli ter sido sagrado
arcebispo no mesmo dia da primeira aparição de Nossa Senhora aos três pastorinhos na Cova da lria. Um conjunto de artistas nacionais procurou dar
corpo a esta manifestação, desde a concepção do conjunto a cargo do Arquitecto Luís Benavente, até à decoração pictórica a fresco pela mão de Martins Barata, passando pelo frontal de altar em cerâmica da responsabilidade de Jorge Barradas e pela imagem da Virgem esculpida por
Leopoldo de Almeida. Também se fez questão que os materiais utilizados fossem nacionais para reafirmar uma oferta genuína e devota dos católicos portugueses.
Em boa hora esta importante obra de arte portuguesa mereceu um estudo detalhado, traduzido na elaboração de uma tese de Mestrado por
parte da historiadora da Arte, Vera Mariz. Merecedora da mais alta classificação académica, é agora apresentada em livro para o público em geral, convidando a conhecer todos os contornos da preparação e execução da capela votiva de Nossa Senhora de Fátima da Basílica de Santo Eugénio-
'tão linda ideia púiótica
e
cristã" (19421951)
O estudo conduzido por uma perspectiva globalizante de abordagem ao
objecto artístico, não deixa de esclarecer aspectos das relações entre Pio Xll e o Estado Novo, ao mesmo tempo que equaciona a concepção artística da capela, no quadro da arte nacional do tempo. Nesta linha, a obra de cada artista envolvido merece uma análise aturada e enquadrada de acordo com o percurso plástico trilhado por cada um.
O leitor é ainda confrontado quer com os aspectos práticos da execução da capela, quer com uma leitura iconográf ica e iconológica reveladora de uma
obra de arte total, estrategicamente concebida e cuidadosamente implantada na cidade de Roma nos difíceis anos do pós-guerra. Depois da leitura do livro agora apresentado, fica, por certo, o desejo de ver a obra. Apelo cultural que deverá ser satisfeito com a inclusão do templo erguido em homenagem a Pio XII no roteiro de uma futura ida a Roma. A par de outras importantes marcas portuguesas impressas na cidade dos papas, ao longo dos séculos, o altar a Nossa Senhora de Fátima, erguido na Basílica de
Santo Eugénio, afirma-se como um exemplar da mais autêntica arte portuguesa de meados de novecentos.
Lagos, 3 de Abril de 201l-
Maria João Baptista Neto Professoro de Hístório da Arte
do Foculdode de Letros de Lisboa
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A
Co&
de
Ì{osa Seúora
de Fáürna na lgreja de Santo [ugénio em Roma
Introdução A iniciativa conducente à construção da capela de Nossa Senhora de Fátima da igreja de Santo Eugénio em Roma, surgiu em 1942 no âmbito de
um projecto supra-nacional traçado no Vaticano, cujo objectivo residiu na criação de um templo comemorativo do jubileu episcopal do Papa Pio XI (1876-1958), tendo esta ordenação ocorrido a 13 de Maio de 1917, no mesmo dia da primeira aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria aos três videntes.
A igreja a erguer naVialle delle Belle Arfi deveria ser construída, apenas,
com donativos de católicos de todo o mundo. Nações como o Brasil,
a
República do Líbano e a República Federal da Alemanha, contribuíram para
a
construção de um monumento majestoso. Em Portugal, após uma sugestão
do Embaixador junto da Santa *
Sé, António Carneiro Pacheco (1887-1957), foi
constituída, segundo uma indicação do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalves Cerejeira (1883-1977), uma comissão responsável pela angariação dos fundos necessários para a materialização da homenagem nacional.
Entre 1942 e 1951", tendo existido um hiato provocado pela Segunda
Guerra Mundial (1939-1945) entre 1943
e
1948,
a Igreja, o
Governo,
individualidades ligadas à banca, o arquitecto Luís Benavente (1-902-1993), o
pintor Jaime Martins Barata (l-899-L970),
o escultor Leopoldo de Almeida
o ceramista Jorge Barradas (1894-L97L), uniram esforços no sentido de homenagear o pontífice e eternizar na capìtal do catolicismo (1398-1975) e
mundial, o nome, a história e as capacidades de Portugal, através de "tão linda
ideia patriotica e cristã"1. A 2 de Junho de 1-951, dia de inauguração da igreja de Santo Eugénio em Roma e, consequentemente, da capela de Nossa Senhora de Fátima, foram,
igualmente, abertas as portas
de uma igreja homónima no Bairro
da
Encarnação em Lisboa. Esse ano, de importância ubérrima para o catolicismo
nacional, terminou, segundo decisão
do proprio
pontíf
ice, com
o
encerramento do Ano Santo extra urbem no santuário da Cova da lria.
Assim,
o
nosso objectivo passa pela análise criteriosa
portuguesa, resultado material desta
e ecos da
da
iniciativa
mesma, integrados num
abrangente projecto católico internacional, reflectindo sobre "tão linda ideia pahiótica e cristã"
a
dinâmica
(1942-1951) ':
gerada entre L942 e 1951. Desta forma, procuraremos responder às seguintes questões:
Qual foi o signifÍcado do homenogem do mundo cotólico ao Popa Pio Xll em pleno conflito mundial?
De que formo evoluiu o homenagem portugueso otravés dq
iniciotivo do capelo de Nosso Senhora de Fótimo?
De que modo esta iniciativq foi contextuolmente comprometido? Quol a sua importâncía para a Histório do Arte portugueso?
A iniciatÌvq portuguesa foi bem sucedido?
Na senda de respondermos a estas questões, aquando da realização da dissertação
de mestrado que deu origem a esta obra, para além
do
obrigatório contacto directo com a capela de Nossa Senhora de Fátima na igreja de Santo Eugénio em Roma, os necessários trabalhos de investigação
e estudo bibliográfico decorreram nos arquivos e bibliotecas seguidamente apresentados: Arquivo da Direcção C'eral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Espólio da Família Martins Barata, Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa, Arquivo do futuro Museu documental
Leopoldo de Almeida, Arquivo Histórico do Museu de Ciência da Universidade
de Lisboa, Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Arquivo do Museu da Cidade, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca de Arte da Fundação
Calouste Gulbenkian, Biblioteca da Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, Biblioteca Nacional
de Portugal, Biblioteca Treccani Istituto
Enciclopedia ltaliana (Roma).
10
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 Capeh de l{osa Soúora de látima na lEeja de $anto [ugónio em Roma
della
CONCTUSÃO Após esta viagem por uma iniciativa verdadeiramente abrangente, façamos algumas considerações f inais. Apesar de toda a polémica gerada, essencialmente, a partir da década de 60 do século XX, e ciclicamente renovada até ao presente, a verdade é que em
plena Segunda Guerra Mundial, quando
o projecto de construção de
uma
igreja por subscrição foi lançado, a comunidade católica mundial respondeu
positivamente
e contribuiu
para
a
materialização
de uma
imponente
homenagem ao Pontifex Pacis. Após as breves análises das capelas deste templo da Vialle delle Belte Arti,
concluímos que o espaço português no braço esquerdo do transepto, bem como o fronteiriço projectado pelo veneziano Bruno Saetti, correspondem às duas maiores devoções pessoais do pontífice, Maria e o Sagrado Coração de
o transepto desta igreja resume, perfeitamente, a fundamental "devoção das três rosas" do movimento internacional de Jesus. Conscientemente,
renovação católica, pois foi oferecido ao pontíf ice, líder máximo da Igreja, e é
dedicado a Maria e ao Sagrado Coração, remetendo-nos este segundo para
a
renovação espiritual centrada na eucarístia enquanto demonstração desambigua do Seu amor. A capela de Nossa Senhora de Fátima, especificamente, materializa, com sucesso, o famoso lema "Tudo pela Nação e nada contra a Naçã6"as3, ou não fosse aquela uma poderosa representação patrimonial do espírito nacionalista
e patriótico dominante e, consequentemente, instrumento fundamental de uma inteligente estratégia política, religiosa ou cultural, cujo ambicioso objectivo era o da "restauração nacional"
4e4.
De facto, apesar da importância da ocasião, esta iniciativa não foi totalmente original ou isolada, fazendo parte de um projecto consideravelmente mais abrangente e orientado por uma vincada noção da
importância da divulgação do momento vivido em Portugal no estrangeiro
que, de resto, fora antecedido por um gesto semelhante aquando da celebração do jubileu sacerdotal do Papa Leão XIII no final do século XIX. Todavia, se durante a monarquia constitucional a "capela de Portugal" foi "tâ0 linda ideia pahiótica e
cristÍ' (1942-1951) I
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construída por técnicos e artistas italianos, no século XX estabeleceu-se a máxima permanência do assunto em mãos portuguesas, o projectada
e
que, juntamente com
a escolha dos mármores
portugueses,
Benavente, Jaime Martins Barata, Leopoldo de Almeida
e Jorge
de
Luís
Barradas,
como responsáveis pela materialização da oferta ao pontífice, testemunha, inequivocamente, o espírito nacionalista orientador de toda a iniciativa desenvolvida entre 1942 e 1951.
escolha da temática da capela não foi, de todo, inocente, sendo fundamental entendê-la não apenas como testemunho da grandiosidade do
A
catolicismo português, cujo símbolo maior era, e é, o fenómeno de Fátima, mas também como instrumento religioso e político. Neste sentido, procurámos compreender
e
justificar
o
justo lugar desta obra em dois campos
particulares mas relacionáveis, analisando-a como parte do movimento nacional e internacional de restauração católica e no âmbito da política cultural do regime salazarista. Apesar de ser incorrecto considerarmos Fátima e, particularmente,
a
esse fenómeno, como o único e exclusivo fundamento da iniciativa em causa, não podemos deixar de sublinhar a importância desta questão pois os benefícios para ambos os lados foram relação
do pontífice com
reais. O Papa Pacelli beneficiou, sem dúvida, de uma espécie de marianização
alcançada graças à coincidência da sua sagração episcopal com a primeira aparição na cova da lria, enquanto Fátima e, numa visão mais abrangente,
portugal, foram enriquecidos com a sua projecção internacional e alargamento dos contornos teológicos do culto mariano através de três momentos fundamentais: a consagração da Igreja e todo o género humano ao Imaculado Coração de Maria a
31-
de Outubro de 1942, na sequência de
uma carta da Irmã Lúcia49s, sendo reconhecida, na mesma ocasião, o milagre da não participação de Portugal no conflito bélico graças à sua relação com a Virgem; a coroação da imagem da capelinha das Aparições pelo Legado Papal
e o reconhecimento do cariz milagroso dos acontecimentos ocorridos em 1_917 no ano de 1946; e a proclamação do dogma da Assunção de Nossa senhora em 1-950, na mesma ópoca em que o pontíf ice assistiu ao milagre do sol nos jardins do Vaticano. Todavia, a capela estudada não é exclusivamente dedicada à sua
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I
A Capela de Nossa Senhora de Fátima na lgreja de Santo [ugénio em Roma
titulal
como tar foi necessário tentarmos compreender quar o significado das representações da murtidão junto à carrasqueira e aos três videntes, de Nuno Álvares, santo António, Rainha santa Isaber e s. João
de Deus.
deparamo-nos não com uma representação da aparição de
1-3
Assim,
de Maio, dia
da sagração episcopar de Eugénio paceili, como se poderia
esperaL
encontrando sim uma eficaz representação histórica, etnográfica, porítica e religiosa de uma nação intrinsecamente catórica, cuja fé rhe permitiu sobreviver a um entrincheiramento de dois anos e a investidas raicizantes,
transformando-se, aquando do segundo confrito mundiar, num oásis motivo suficiente para os fiéis ccntribuírem para
de
paz,
este verdade íro ex-voto.
contudo, o referido anónimo povo português não é o único a prestar
homenagem à Virgem, estando iguarmente presentes argumas das figuras mais relevantes da História nacionar, cuja ereição não foi orientada apenas pelo facto de serem conhecidos devotos marianos. mas tambem pero seu estatuto de herói-santo, como é o caso do Beato Frei Nuno de Santa Maria, cuja causa de canonização tinha sido retomada na época, de símboro do
internacionarismo
do catoricismo
português, ou seja santo António, reconhecido Doutor da Igreja pero próprio papa pio XIr de pacificadora, tar como a Rainha Santa Isabel, indo ao encontro das mensagens de paz do pontÍfice e de Fátinra, ou de bastião máximo da caridade, personificado por S. João de Deus. Neste sentido, chegámos ilustração perfeita
à conclusão que estamos
do
perante uma
característico sincretismo da ideorogia sarazarista, encontrando num níver a rusitanidade rústica, popurar profundamente
e
devota da Senhora aparecida na Cova da lria, imagem real de um país modesto onde ainda dominava o sector primário, e no outro a ideia de uma nação de heróis, santos e beatos que não constituem a regra, mas sim a
excepção, pela qual, pela glória da nação, o presente se deveria guiar. Numa reitura das coraborações dos artistas envorvidos, não podemos
deixar de destacar a acção de Luís Benavente, figura-chave desta iniciativa, não só enquanto técnico mas também como responsáver executantes
da
pera nomeação dos
materiarização
da oferta portuguesa, estudos gerais
da
composição e estaberecimento de rerações profissionais com as entidades do vaticano. Ainda assim, após as anárises individuais das coraborações dos "tão linda ideia paniórica e
cristã'(1942-lg5l)
;{t
diferentes artistas e técnicos
e do enquadramento destas nas
respectivas
produções, conseguimos identif icar um denominador comum e fundamental,
ou seja, o carácter decisivo desta empreitada na evolução dos caminhos posteriormente seguidos por Luís Benavente no campo da recuperação patrimonial, de Jaime Martins Barata enquanto pintor de um vastíssimo número de murais, de Leopoldo de Almeida como renovador da iconografia
fatimita, e de Jorge Barradas como elemento decisivo na revitalização da cerâmica em Portugal.
Após a análise da inauguração da igreja de Santo Eugénio que, na linha
de apropriação do passado como forma de legitimar o presente e
da
divulgação da ideia de nação imperial, contou com reedições de dois gestos seculares através das ofertas de um cálice e barras de ouro ao pontífice, tal
como D. Manuel e D. Luís haviam feito em 1513 e 1-888, respectivamente, foi necessário colocarmos uma questão: a homenagem portuguesa foi, de facto, bem sucedida?
Como forma de apresentar uma resposta devidamente fundamentada, analisámos dois casos que, inequivocamente, contribuem para a formulação de uma conclusão positiva: o programa decorativo da igreja de Santo Eugénio
no Bairro da Encarnação, templo inaugurado a 2 de Junho de
1-95L e motivo
de uma mensagem radiofónica do pontífice, e o encerramento do Ano Santo extro urbem no Santuário de Fátima, segundo indicação do próprio Papa Pacelli que, desta forma, contribuiu, uma vez mais, para
a
projecção
internacional de Portugal e, consequentemente, para o seu engrandecimento e sucesso da ambicionada "restauraÇão nacional"
496.
Finalmente, podemos considerar que os objectivos traçados pelos promotores da iniciativa publicitada pela primeira vez a 25 de Dezembro de 1942, Íoram plenamente cumpridos na capital do catolicismo mundial, assistindo-se à materialização de uma imponente capela, cujo programa, projectado e concretizado por alguns dos melhores artistas das décadas de 40
e 50 do
século XX, reflectiu, perfeitamente,
a
riqueza da espiritualidade
nacional, a capacidade realizadora de um regime nacionalista e o estado das artes em Portugal.
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