A carpintaria dos edifícios escolares paulistas de Ramos de Azevedo: o caso exemplar da Escola Profissionalizante Bento Quirino em Campinas

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PATORREB 2015 - 5a. Conferência sobre Patologia e Reabilitação de Edif ícios 26-28 de março|Porto|2015

A CARPINTARIA DOS EDIFÍCIOS ESCOLARES PAULISTAS DE RAMOS DE AZEVEDO O caso exemplar da Escola Profissionalizante Bento Quirino em Campinas Regina Andrade Tirello1

Pedro Murilo Gonçalves de Freitas2

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Resumo Os históricos edifícios escolares projetados pelo engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo (1851-1928) constituem-se em obras significativas de modos de construir e opções programáticas da Primeira República no Brasil. Protegidos pelo órgão de preservação estadual, intervenções de restauro e/ou manutenção nesses edifícios devem ser planejadas à luz dos conceitos e normativas que regem a preservação dos bens culturais. No entanto, reformas pontuais ou emergenciais, como mudanças de padrão de forros, revestimentos e caixilhos, vêm introduzindo ao longo dos anos elementos que tem contribuído, ainda que involuntariamente, para a gradual descaracterização de ambientes e fachadas. O trabalho que apresentamos neste evento corresponde à mensuração e estudo detalhado da cobertura complexa da antiga Escola Profissional Bento Quirino (1916), sede do Colégio Técnico da Univesidade Estadual de Campinas (COTUCA) desde 1967 e interditado por problemas nas estruturas em madeira de sua cobertura em 2014. Relata-se o registro dos elementos de difícil acesso – entre amarrações de tesouras, engastes, qualidade das madeiras, forros, entre outros –, com a função de extrair informações prioritárias para a postulação de critérios de intervenção. Releva-se a necessidade de compreensão da história técnica da carpintaria regional, pouco documentada, das escolas republicanas paulistas, esperando-se a qualificação futura de intervenções de conservação e restauro de edificações similares.

Palavras-chave: Técnicas construtivas tradicionais, Carpintaria histórica, Edifícios escolares republicanos, Francisco de Paula Ramos de Azevedo.

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Professora Doutora, Departamento de Arquitetura e Construção, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas. 2 Doutorando em Arquitetura, Tecnologia e Cidade, Faculdade de Engenharia Civil, Arqu itetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas.

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Introdução

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O presente trabalho expõe parte de estudos conduzidos por equipe de pesquisadores e alunos do GCOR-Arquitetura/Unicamp 1 de sistemas de carpintaria tradicional, caracteristica de edificações paulistas do início do século XX. O objetivo principal foi o de subsidiar projeto de recomposição de complexas coberturas de madeira (estrutura e forração) de prédios de grande interesse histórico-arquitetônico pertencentes à Universidade Estadual de Campinas. Os edificios exemplares em questão correspondem à antiga Escola Profissional Bento Quirino, construída em 1916, que abriga desde meados dos anos 1960, o Colégio Técnico da Universidade Estadual de Campinas – COTUCA, interditado em 2014 por problemas nas estruturas de madeira de sua cobertura. O fato gerou um proficuo processo de discussão sobre os procedimentos a adotar no necessário projeto de recomposição das estruturas que culminou com a requisição do estudo documental, registro e diagnóstico conservativo que trazemos para a discussão neste evento. O conjunto de dois edifícios históricos em causa (Figura 1), construídos em 1916, foram projetados pelo engenheiro-arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo para sediar um “lyceu de artes e ofícios”, o Intituto Profissional Bento Quirino. Estas construções integram-se a mais de 200 escolas de tipologia similar do início do Período Republicano no Estado de São Paulo com a função de promover a ocupação e desenvolvimento da educação no interior com ênfase para a formação de mão-de-obra no início do século XX [1].

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Figura 1: (a) construção principal do COTUCA (Prédio 1); (b) edifício das oficinas (Prédio 2); Acervo GCOR-Arquitetura/Unicamp, 2014. (c) Implantação: projeto de Ramos de Azevedo. Acervo FAUUSP, 1916.

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Acordo de colaboração técnica firmado entre a Coordenadoria de Projeto e Obras (CPO) e a Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Unicamp (FEC) por meio do GCOR-Arquitetura/Unicamp (Grupo de Conservação e Restauro da Arquitetura e Sitios Históricos). Equipe integrante do projeto: Profa. Dra. Regina Tirello (coordenadora); MSc. Pedro M. G. Freitas (doutorando ATC/Unicamp); Verley Coco Jr. e Carlos Cenci Jr. (graduandos AU/Unicamp). Website: http://www.fec.unicamp.br/~gcor_arquitetura.

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O prédio principal (Prédio 1) corresponde a uma majestosa construção de estilo eclético de orientação neoclássica. É marcante na medida em que sintet iza a linguagem formal e procedimentos técnicos característicos das construções de edifícios públicos do período. Também o edifício das oficinas (Prédio 2) – idealizado e construído para abrigar as práticas de ofícios da escola técn ica e despojado de adornos de fachadas, com estruturas metálicas e serralheria simples – continua a testemunhar a orientação laborial do ensino à época. A importância cultural desse conjunto é reconhecida pelos órgãos de pr eservação do patrimônio histórico em nível municipal e estadual (CONDEPACC e CONDEPHAAT) 2, indicando que intervenções de restauro e/ou manutenção nessas construções devem ser planejadas à luz dos conceitos e das normativas que regem a preservação de bens culturais arquitetônicos. A conservação preventiva é atualmente orientação internacional para a preservação sustentável do patrimônio histórico construído. Contudo, conforme vem ocorrendo em outras construções similares projetadas por Ramos de Azevedo e outros arquitetos atuantes na época, a constante realização de reformas pontuais não planejadas – quase sempre de natureza emergencial –, vem contribuindo para promover muitas alterações descaracterizantes e irreversíveis dos elementos distintivos da tipologia arquitetônica em causa, entre os quais destacamos as frequentes mudanças de padrão dos forros, dos revestimentos, da caixilharia e adequações desatrosas de sistemas de escoamento de águas pluviais. Para além da interferência estética, no caso do edifício principal (Prédio 1) do COTUCA, as avarias (ou insuficiências) nos sistemas de escoamento de água da cobertura, quebra e deslocamento de telhas, somadas à falta de controle periódicos de pragas (ataques xilófagos), culminaram na aceleração do arruinamento dos forros, fragilizados a ponto de se constituir em ameaça efetiva para os alunos e freqüentadores do prédio (Figura 2). T

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Figura 2: (a) mapa de alterações nos forros; (b) entrevão entre a cobertura e os forros. Note as peças mais frágeis da estrutura do forro (F) e as mais robustas (T) da estrutura da cobertura. Acervo GCOR-Arquitetura/Unicamp, 2014. 2

CONDEPACC (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas); Número do processo: 010/92; Resolução nº 12 de 01/12/1992. CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo ); Número do Processo: 22805/83. Resolução nº 30 de 29/10/1984.

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Manutenção de estruturas antigas versus substituição. Como proceder?

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Na ocasião, a Unicamp, com base em laudo técnico emitido pela Prefeitura do Campus, interditou o colégio no inicio de 2014 por medida de segurança. Em seu relatório, o engenheiro responsável ressalta que a “estrutura pode entrar em colapso” e recomenda “a substituição total da estrutura de cobertura e afins (telhas, madeiramento, instalações elétricas, forros, calhas e rufos), garantindo assim a confiabilidade e segurança da edificação para os usuários” 3. Em prol dos atributos de durabilidade, adaptabilidade e pretensa economia associadas às estruturas metálicas, substituir inteiramente carpintarias tradicionais de edifícios antigos tem sido prática comum nos processos de m anutenção de edifícios brasileiros. A reforma completa, via de regra, também é considerada como solução mais ágil para a resolução dos problemas sob o po nto de vista da gestão de obras, mas é adversa às questões reclamadas pela co nservação e restauro cientificos [2]. Preventivamente e considerando o edifício protegido oficialmente por ó rgãos preservacionistas, a Unicamp solicitou estudos mais detalhados para ver ificação e possibilidade de aproveitamento das estruturas originais e verificação efetiva do que deveria ser substituído ou mantido. Isto permitiu o estudo de s ituações exemplares da construção em madeira, entre tipologias, encaixes, soluções construtivas, entre outros, incluindo a identificação, sob os forros de madeira, de vestígios de forros de estuque anteriormente aplicados conforme usos de edifícios de finais do século XIX e início do XX no Brasil (Figura 3). (a)

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Figura 3: (a) desenho do projeto original de Ramos de Azevedo, sugerindo decorações de estuque; (b) e (c) vestígios do estuque e argamassas originais sob o forro aberto; (d) corte do prédio 1. Note a ausência de projeto para a cobertura. Acervo GCORArquitetura/UNICAMP, 2014. 3

Laudo Técnico nº 018/14, de 23/01/2014, realizado pela Prefeitura do Campus da Universidade Estadual de Campinas, p. 6.

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2.1 Metodologia Para responder às várias demandas e orientar a recuperação da cobertura em alinhamento às exigências preservacionistas requeridas pela historicidade do bem, fez-se necessário o reconhecimento e avaliação das causas, localização e extensão dos danos das estruturas de madeira. As primeiras observações diretas solicitavam inspecção diferenciada: verificar o estado da estrutura dos forros – visivelmente de madeira mais recentes – e o da estrutura do telhado que se julgava a original e para a qual o laudo técnico emergencial propunha total reconstituição em estrutura metálica sem distinção. Assim, para dirimir os problemas de falta de documentação gráfica de desenhos técnicos que dessem a conhecer a estrutura original, e mesmo de qualquer estágio de integridade física da cobertura, o trabalho do GCORArquiteura/Unicamp foi relizado em três fases pertinentes um projeto de re stauração: avaliação preliminar e estudo histórico, medições “in situ” e documentação gráfica: a) 1ª fase: Avaliação preliminar e estudo histórico: Pesquisa arquivística, inspeções e registros imagísticos iniciais: a.1) Documentação fotográfica dos ambientes; a.2) Exame visual das patologias; a.3) Documentação fotogramétrica e criação de um mapa de alterações; a.4) Inspeção preliminar para determinação de pontos frágeis. b) 2ª fase: Medição: Identificação formal e tipológica das estruturas da cobertura: b.1) Documentação fotográfica do entrevão entre o forro e a cobertura por visuais de 360º; b.2) Medição direta e/ou por triangulação, de pés-direito, alturas de cumeeira, extensão máxima, altura e seção das peças e modulações típicas de terças, caibros, ripas e pontal etes; b.3) Qualificação do sistema construtivo e sistematização de detalhes típicos das relações entre a cobertura e a alvenaria existente. c) 3ª fase: Documentação: Síntese para análise comparativa e compreensão da arquitetura histórica: c.1) Registro gráfico arquitetônico: sistematização de desenhos da arquitetura histórica para compreensão das interferências e alterações (Figura 4); c.2) Organização de um banco de dados e sistematização das peças identificadas da cobertura em uma plataforma BIM para catalogação. (Figura 5).

Figura 4: Corte atualizado da estrutura de madeira da cobertura.

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Figura 5: (a) e (b) registro das peças em plataforma BIM para catalogação; (c) síntese gráfica para estudo técnico e difusão. Acervo GCOR-Arquitetura/UNICAMP, 2014.

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Resultados obtidos

A identificação morfológica preventiva da carpintaria histórica comprovou a existência de 12 tipos de tesouras de pinho-de-riga, algumas delas com vãos de até 18m de comprimento e 6m de altura, em ótimo estado de conservação e sem sinais de ataque xilófagos. Carecem, contudo, de avaliações mais criteriosas quanto a possíveis flechas e infiltrações nos pontos de engaste com a alvenaria. Ressalta-se ainda que se confirmou a diferenciação destas estruturas em relação a dos forros, de madeiras de pior qualidade e essas sim, com ataques severos à espera de tratamento e/ou substituição.

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Considerações Finais

O diagnóstico preliminar do estado de conservação dessas estruturas possibilitou a revisão dos protocolos iniciais de projeto para a edificação. Diante da qualidade do estado atual das peças da carpintaria da cobertura em detrimento da degradação da estrutura dos atuais forros de madeira – substitutos de antigos forros de estuque – determinaram-se novos parâmetros a adotar para a execução de necessárias obras de restauro. Enquanto requer-se avaliações projetuais para a modernização das instalações (elétrica, hidráulica, acústica, entre outras), para atingir esse fim, demonstra-se a necessidade de revisão dos protocolos habituais de gestão de projetos e obras em edifícios públicos de natureza histórica considerando demandas preservacionistas.

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Bibliografia

[1] Wolff, S. F. S. Escolas para a República: os primeiros passos da arquitetura das escolas públicas paulistas. São Paulo: Edusp, 2010. [2] Freitas, P. M. G.; Tirello, R. A. Recuperação do Palácio da Agricultura de Oscar Niemeyer: uma obra entre os previstos “imprevistos” do patrimônio moderno. Oculum Ensaios, Campinas, v. 10-1, p. 87-98, 2013.

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