A Casa Nobre e o Urbanismo: apropriação e criação de espaço público como estratégias de afirmação de poder

May 20, 2017 | Autor: Francisco Queiroz | Categoria: History of architecture, History of Urban Planning
Share Embed


Descrição do Produto

A CASA NOBRE E O URBANISMO: APROPRIAÇÃO E CRIAÇÃO DE ESPAÇO PÚBLICO COMO ESTRATÉGIAS DE AFIRMAÇÃO DE PODER ANA MARGARIDA PORTELA CEPESE

FRANCISCO QUEIROZ C ESP ES E/ESAP

In tro d u ção

Foram várias as casas nobres erguidas em Portugal que projectaram o poder social dos seus proprietários através da apropriação de espaço público, da criação de espaço público, ou de ambas as estratégias. Estas casas nobres assumiram-se, pois, como factores determinantes na evolução urbana de diversas cidades e vilas. Apesar disso, ainda hoje é comum abordar-se essas casas nobres numa perspectiva meramente arquitectónica, menorizando ou mesmo negligenciando a perspectiva urbanística. Como resultado, temos quase sempre estudos incompletos e até redutores, passíveis de originar mistificações que poderão ser fatais no âmbito de projectos de recuperação, quer das casas nobres em causa, quer do espaço público envolvente. Neste texto, a nossa modesta abordagem abrangerá alguns exemplos de casas nobres portuguesas que só podem ser verdadeiramente compreendidas com recurso a uma abordagem urbanística. Daremos especial ênfase a casas cuja construção implicou grandes alterações urbanas e, em particular, à Casa do Terreiro de Leiria. Esta constitui exemplo paradigmático da importância da questão e das suas implicações em outras áreas do saber. Trata-se de um solar urbano seiscentista e setecentista, cuja construção implicou o desaparecimento progressivo de várias ruas e quarteirões. A investigação sobre esse processo histórico e urbanístico encontra-se ainda a decorrer e dará origem a uma publicação especializada1, pelo que apenas iremos aqui fazer uma abordagem introdutiva e de contextualização.

■'1

Em 2007, o co-auíor deste texto foi incumbido de estudar a Casa do Terreiro de Leiria, por parte da Fundação Caixa Agrícola de Leiria, que neste edifício está a instalar a sua sede. Agradecemos à família Silva Atayde pela disponibilidade e pelos elementos documentais facultados. Todas as fotos recentes são dos autores, salvo menção em contrário.

casa

nóore ■npaMrtnfc

C asas com ressalto e ca sa s-to rre Antes de abordarmos a questão central deste trabalho, refira-se que o nosso urbanismo revestiu-se de formas de apropriação do espaço público que não foram propriamente demonstrações de poder. Comecemos peios ressaltos. Em ruas medievais de origem orgânica e com grande movimento comercial, consequentemente orladas por casas altas em lotes estreitos, o ressalto sobre a rua permitia ganhar espaço nos pisos superiores. Com o não impediam a circulação de pessoas e mercadorias, estes ressaltos foram sendo tolerados, até uma época em que os - cada v e z mais fortes - poder real (sobretudo plasmado em certas cidades) e poder municipal,vão procurar eliminar esses escolhos, de modo a tornar mais arejado, luminoso e salubre o núcleo urbano. A tendência gradual para a eliminação de ressaltos seguiu em conjunto com o natural processo de melhoramento e reedificação das casas em novos materiais. Q uase sem pre estes ressaltos surgiam em casas de madeira e tabique, que são hoje raras. Por conseguinte, são tam bém hoje raros os ressaltos de características medievalizantes e muito mais raros ainda os ressaltos que foram comprovadamente colocados na Idade Média. Tam bém por isso, deixaram de ser entendidos como elem entos que desfeiam a cidade e passaram a elem entos singulares, identitários e pitorescos.

[Fig. 1 - Detalhe de uma das cenas da vida do Beato Agostino Novello (Siena, Igreja de Santo Agostinho). Esta pintura de Simone Martini, do século XIV, é uma das poucas imagens da época medieval que nos mostra o sistema de ressaltos em ruas de carácter comercial, neste caso em Itália.]

Os ressaltos eram uma solução orgânica, de planeamento lote a lote, a qual procurava responder a uma necessidade de espaço. Não eram sinónimo de poder. Quanto muito, eram, no seu conjunto, um indício de poderio comercial do respectivo núcleo urbano. De facto, em vilas de pouco comércio, com casas mais baixas e lotes mais largos, os ressaltos não se justificavam. Os edifícios em que os ressaltos surgiam, até pelos próprios materiais menos nobres, não se impunham individualmente na cidade, integrando-se geralmente num contexto comercial ligado a pequenos artífices. Na época em que mais se usaram os ressaltos em Portugal, a afirmação do poder através da arquitectura era feita com o recurso à cantaria, nomeadamente no caso de mercadores mais abonados e de judeus. Contudo, o expoente máximo da habitação medieval tinha de ser, não só em cantaria, mas também verticalizante. Em Portugal, as casas-torre foram a solução mais habitual para a habitação medieval dos grandes senhores urbanos. A mesma tipologia usou-se em contexto rural, como é sabido. O poder era demonstrado pelo elemento vertical e pela nobreza dos materiais, mas também pelo carácter defensivo da habitação. Em caso de ataque, os moradores numa casa-torre estavam muito mais protegidos que os restantes, que facilmente poderiam ver as suas casas incendiadas e pilhadas. Inicialmente, as casas-torre urbanas tinham, pois, uma função concreta de defesa, sendo habituais as aberturas estreitas no alçado principal e as ameias, cuja colocação requeria, por vezes, uma licença especial. Contudo, a pacificação do território português transformou-as em elementos quase simbólicos de afirmação. No Porto do século XV, por exemplo, as casas-torre eram sobretudo a morada de mercadores ricos, gente não propriamente fidalga mas que se servia de uma tipologia de habitação senhorial para se distinguir socialmente dentro do burgo. Em termos de cércea, as casas-torre poderiam não se distinguir muito das mais elevadas casas de madeira e tabique, com ressaltos. Porém, diferiam ao nível dos materiais, das aberturas e de outros detalhes já genericamente enunciados. As casas medievais que possuíam ressaltos raramente tinham vidraças, o que também denunciava a sua ocupação por parte de classes populares. Note-se que os ressaltos podiam geralmente avançar até um terço da largura da rua, sem que com isso tivesse de ser paga qualquer quantia ao município. No caso das ruas serem mais amplas do que o padrão habitual - a largura necessária para se cruzarem duas bestas de carga - este terço de largura poderia dar origem a alpendres corridos, apoiados em traves de madeira ou colunas de pedra e, mais tarde, em arcarias. Isto sucedeu em Portugal sobretudo quando se tratava de rossios absorvidos pelo crescimento urbano ou acessos orgânicos de grande afluência a estes rossios, como ainda se vê em Évora, na Praça do Giraldo. A rc o s e p ass ad iço s so b re ruas

Tudo isto significa também que havia um terço central de cada rua que não podia ser ocupado. Quem o quisesse fazer, quase sempre para ligar dois lotes situados em lados opostos da rua, teria de pagar o "ar do concelho", equivalente ao referido terço central. Por conseguinte, os arcos ou passadiços arquitravados sobre as ruas podem ser considerados formas de apropriação do espaço público e sinónimo de poder económico: além de ter de pagar a obra em causa e a licença, certamente que o proprietário deteria dois prédios na mesma rua. Muitas vezes, essa ligação colocada sobre a rua servia para ganhar espaço; não já para poder alojar mais famílias de estratos populares, mas para poder conferir maior conforto à habitação. Em certos casos, tais passagens sobre a rua funcionavam também como um recurso simbólico de subjugação do povo. Foi o caso do Paço dos Marqueses de Vila Real, situado logo à entrada de Leiria, para quem chegava de sul à cota baixa. Havendo por ali uma ponte de pedra que fazia a ligação directa à praça principal da cidade, o referido paço interpunha-se como um diafragma entre a ponte e a praça, obrigando todos a passar por debaixo, sob a imagem tutelar da pedra de armas.

casa

nbDTC

[Fig. 2 - Leiria, Paço dos Marqueses de Vila Real (demolido em 1888)]

Caso algo semelhante ao deste, em Leiria, era o do paço situado logo à chegada de Barcelos, para quem vinha da ponte. Porém, neste caso, ganhava maior importância a necessidade de uma torre de portagem, dado que o rio não tinha outro atravessamento por aquelas bandas, ao passo que,em Leiria,havia hipóteses alternativas de entrada no núcleo urbano por sul. Em Barcelos, de acordo com a vista de Duarte d'Armas, a solução da torre avançada do paço, no enfiamento da ponte, partia da própria estrutura amuralhada da vila. Porém, existiu um exemplo semelhante ao de Barcelos não associado a muralhas, à entrada da ponte de Amarante (na margem oposta à do convento).

[Fig. 3 - Barcelos, Paço dos Duques de Bragança, segundo uma vista de 1786 pelo pintor Manuel Luís Pereira (azulejos da Fábrica Constância)]

É claro que tam bém houve situações em que a colocação de arcos sobre ruas, em v e z de significar poder, poderia revelar falta dele. Foi o caso de alguns edifícios mais antigos destinados a paços do concelho, posicionados em arco sobre ruas ou sobre outros tipos de espaço público, de modo a evitar o ónus da aquisição de terreno. No caso de serem implantados em zonas centrais, como seria mais recomendável, a aquisição de terreno tornava-se um encargo muito grande, sobretudo tendo em conta que, a partir de finais da Idade Média, os paços do concelho vão-se tornando cada vez mais símbolos de prestígio do burgo e com um carácter multifuncional (administração, justiça e açougue). Em conjugação, estes factores exigiam edifícios mais horizontais e amplos, o que era difícil de implementar em espaços fortem ente vivenciados. Havia que fazer uma opção e, muitas vezes, a construção parcial ou total sobre arcos era a melhor solução para poupar dinheiro na construção dos paços do concelho, até porque permitia criar um espaço resguardado do sol e da chuva, onde quem quisesse comerciar teria de pagar uma taxa em conformidade. Estes espaços resguardados eram geralm ente aproveitados para açougues, de onde os municípios retiravam razoável rendimento.

[Fig. 4 - Viana do Castelo, edifício dos antigos paços do concelho, com arcaria sobre o espaço de rossio, a qual funcionou como açougue]

[Fig. 5 - Amieira do Tejo (Nisa), edifício dos antigos paços do concelho, com arco sobre a rua]

[Fig. 6 - Merceana (Alenquer), edifício dos antigos paços do concelho, com arco sobre uma travessa, vendo-se parte do pelourinho, à esquerda]

/

" i |J _ casa noure uaprfiM fllo p w o futura

563

A alteração do paradigma da casa nobre: do verticalismo à horizontalidade A questão da apropriação e/ou da criação de espaço público, no âmbito da edificação de casas nobres, coloca-se sobretudo no contexto histórico da progressiva alteração de um paradigma arquitectónico de ostentação de poder. O modelo da medieva casa-torre em cantaria, como expoente máximo de projecção social, vai ser preterido ou relegado para funções essencialmente simbólicas, em detrimento do modelo horizontal do solar. Esta alteração ocorreu em Portugal sobretudo no século XVI, embora mais precocemente entre as elites, como não podia deixar de ser. É dentro deste contexto que a questão do espaço público começa a ser factor preponderante no planeamento da casa nobre, sobretudo da casa nobre urbana. Por um lado, era necessário maior área de terreno para erguer a casa e todos os demais anexos. Por outro, era necessário mais espaço para desafogá-la, caso contrário, a horizontalidade do edifício não seria realçada no meio do restante edificado. No que diz respeito aos paços do concelho, esta alteração de paradigma também sucedeu, com o elemento torre a permanecer, muitas vezes, com funções meramente simbólicas ou mais práticas, como a melhor propagação do som dos sinos da torre cívica (ou do relógio). Os paços do concelho foram sendo erguidos de forma progressivamente mais horizontal, o que agudizava os problemas de falta de espaço e veio quase institucionalizar em Portugal a opção por arcarias vazadas nos baixos,

2

mesmo na Epoca Moderna .

[Fig. 7 - Castelo de Vide, actuais paços do concelho, obra do período barroco que se im plantou como diafragm a no meio do rossio, repartindo-o em dois, em bora com dois arcos de ligação entre eles. Esta solução engenhosa permitia que os percursos dentro do rossio não fossem interrom pidos e a escada de aparato se posicionasse no enfiam ento da igreja, sem qualquer obstáculo visual.]

O

Existem (e existiram) inúmeros exemplos. Dado o interesse e vastidão do tema, contamos aprofundá-lo noutro trabalho.

[Fig. 8 - Nisa, traseiras dos actuais paços do concelho, do período barroco. Neste caso, torna-se evidente a intenção de poupar dinheiro e ganhar espaço, com recurso a um arco sobre a rua, mais estreito do que a própria rua o era. Em simultâneo, o modo como o edifício remata a praça municipal, ao lado da Igreja da Misericórdia, convinha também ao formulário urbanístico barroco das praças com entradas dissimuladas em arco, como foi timbre em alguma praças “mayores1' espanholas.]

Um exemplo paradigmático deste problema de espaço para construção e desafogo, agora analisando o caso da habitação senhorial, é o Paço do Conde de Ourém, mais conhecido como "Castelo de Ourém". Apesar de ser Monumento Nacional e um dos mais incontornáveis edifícios medievais em Portugal; apesar de ser referenciado em diversas publicações, este paço de meados do século XV ainda continua a ser susceptível de novas análises e interpretações, precisamente pela sua vertente urbanística'3. Por outro lado, muito do que poderá ser apresentado de novo sobre este paço dependerá da existência de escavações arqueológicas.

[Fig. 9 - Ourém, Paço do Conde de Ourém visto de sul]

3 Vd. QUEIROZ, Francisco - O Castelo de Ourém: uma abordagem urbanística. Ourém, 2004 (separata das Actas do Congresso "D. Afonso - 4 o Conde de Ourém e sua época"), 13 páginas.

Relativamente à criação e/ou apropriação do espaço público por parte de casas nobres, o óbice arqueológico tem reflexos decisivos no actual estado da arte: de um lado, temos a crónica falta de documentos coevos sobre a edificação de muitas casas nobres; do outro, temos a falta de bibliografia e de massa crítica sobre os processos orgânicos de crescimento das cidades. Em conjunto, estes factores inibem a pesquisa sobre o tema, dado que se torna difícil sustentar, a um nível minimamente científico, hipóteses concretas sobre eventuais casos de criação e/ou apropriação de espaço público. A própria Casa do Terreiro de Leiria é um exemplo deste problema. Em trabalho anterior às primeiras escavações arqueológicas realizadas no quarteirão da casa4, o co-autor deste texto já havia apontado como provável a existência de duas ruas, "engolidas" pela mesma casa, mesmo sem ter tido acesso a documentação familiar e não havendo hoje sequer disponível fundo de documentação municipal de Leiria anterior às Invasões Francesas. Apesar disso, a anterior existência dessas ruas foi publicamente apresentada, em Março de 2009 , como um feito da Arqueologia; como se uma consistente abordagem histórico-urbanística não fosse suficiente para produzir conhecimento científico sobre este tipo de questões. É claro que a Arqueologia poderá refinar outras abordagens documentais e de campo, recuando a camadas históricas sobre as quais os vestígios arquitectónicos existentes não permitem extrapolar quaisquer fenómenos de evolução urbana. Porém, sendo a Arqueologia muitas vezes um oneroso recurso que fundamenta (ou deveria fundamentar) as intervenções no Património edificado, começa a notar-se um questionamento do seu verdadeiro papel, mesmo entre arqueólogos. A nossa própria experiência profissional permite afirmar que, várias intervenções arqueológicas realizadas em ambiente urbano ou em redor de grandes edifícios, poderiam ser menos dispendiosas se o estudo histórico-urbanístico as precedesse, permitindo seleccionar mais cirurgicamente as áreas de intervenção. No caso do paço do Conde de Ourém, em Ourém, dever-se-á aplicar o mesmo princípio, sendo para nós evidente que a sua construção levou à demolição de várias casas e à apropriação de espaço público, pelo menos no que toca às alas que unem o paço aos torrões da muralha, um dos quais comprovadamente lançado em arco sobre a rua. A importância do paço do Conde de Ourém tem sido bem compreendida do ponto de vista estético-tipológico e, sobretudo, do ponto de vista de inovação militar. Porém, a abordagem do ponto de vista urbanístico permite discernir mais originalidades e até relacioná-lo remotamente com outros edifícios históricos portugueses posteriores. O Paço do Conde de Ourém, é um conjunto formado pelo castelo propriamente dito, pelo paço do 4o Conde de Ourém e pelos seus torreões avançados, na linha da muralha. São historicamente mais relevantes o paço e os torreões, devido ao facto de terem sido obra nova de D. Afonso, 4o Conde de Ourém, com forte impacto urbanístico, mesmo que o encomendador tenha também procedido a uma reforma no castelo, com o qual se interligaram as duas restantes estruturas supramencionadas.

^ QUEIROZ, José Francisco Ferreira - Leiria romântica: uma leitura histórica da arquitectura e do espaço urbano. Estudo de investigação elaborado no âmbito de uma bolsa atribuída pela Câmara Municipal de Leiria em 2002. Gaia, 2005, 319 páginas de texto, 239 ilustrações. ® "Conversas sobre... Arqueologia em Leiria - O Soiardos Athaydes", palestra realizada em 12 de Março de 2009, organizada pela Câmara Municipal de Leiria - Oficina de Arqueologia.

[Fig. 10 - Ourém, Paço do Conde de Ourém: vestígios do corredor fechado (do tipo "couraça") que ligava o paço ao torreão nascente e vestígios do arranque do arco sobre a rua]

O paço é basicamente uma casa-torre medieval de grande área e de maior aparato bélico do que a generalidade das casas-torre dessa época, embora já de carácter palaciano num dos alçados. Aliás, os próprios torreões avançados do Paço do 4 o Conde de Ourém não foram obra exclusivamente militar. A imagem simbólica de poder sobre a vila foi, quanto a nós, o principal móbil do encomendador, ao servir-se de tipologias relativamente arrojadas para a época, num contexto de implantação arquitectónica em que as regras m ilitares não foram sequer todas escrupulosam ente seguidas. Torna-se, pois, evidente que a dem onstração de poder foi feita em dois sentidos: para fora da vila e para dentro de muros. A imagem agressiva dada pelo paço e torreões era sobretudo isso - uma imagem, tão útil como forma de dissuasão e afirmação pessoal, sendo sintomático o facto das armas do 4 o Conde de Ourém surgirem no torreão maior, voltadas para o exterior, e não no corpo residencial do paço. A opção pelo interior da cerca medieval de Ourém, para a construção de um paço senhorial, evidencia como era necessária à alta nobreza uma afirmação de poder no miolo dos centros urbanos, tal como os reis tinham vindo a fazer em Portugal muito tempo antes, com cada vez mais impressivos resultados. Deve ser compreendida também a edificação deste paço no contexto da necessidade em sediar a cabeça de um condado. Para tal, o 4o Conde de Ourém utilizou uma arquitectura que era nova na época em Portugal e que provaria aos contemporâneos o quanto D. Afonso era viajado e ilustrado. Neste paço condal, talvez a imagem de poder - junto dos seus pares - tenha passado mais através do demonstrar desta ilustração do encomendador do que através do carácter imponente do corpo arquitectónico principal e dos torreões. Ainda assim, esta imponência era necessária, até para conter quaisquer assomos de resistência ou rebelião por

X

'

I

nobre cas

567

H

[Fig. 11 - Ourém, Paço do Conde de Ourém, entre o castelo e os torrões (vista do poente)]

parte dos habitantes e também porque, nesta época, ainda era através de uma imagem imbuída de poder m ilitar que os nobres se impunham junto do povo. Lembramos que a precoce Villa Mediei em Fiesole (Florença) - que evidenciou uma nova forma de ostentar o poder por parte dos senhores das mais ilustradas cidades - foi construída apenas no início da década de 1450 por ordem de Giovanni de Médicis, com o seu carácter m enos vertical, mais aberto em termos de vãos e mais dependente da ideia de jardim privado, anunciando o protótipo da casa nobre europeia do período Renascença. Em Ourém, a função dos torreões estava certamente relacionada com a existência do paço e não com a defesa da vila preexistente. Serviriam os torreões para perm itir o acesso seguro do paço ao exterior da vila? Efectivamente, o preexistente castelo, o novo paço do 4o Conde de Ourém e os novos torreões formam uma unidade arquitectónica. Se uma passagem coberta unia o paço a uma torre cilíndrica e daí se fazia a ligação ao castelo, também os dois torreões ligavam-se ao paço, formando ali uma espécie de pátio exterior6. Precisam ente neste local terão sido dem olidos edifícios, tendo em conta que por ali passava uma rua estruturante da vila, a qual ligava duas portas da muralha. Note-se que o paço não foi prolongado até à Porta de Santarém para que os torreões ficassem a ladear a dita porta. Antes foi prolongado para uma zona da muralha que lhe ficava mais perto. É claro que o paço poderia ter sido construído mais ao poente e, deste modo, seria mais fácil prolongá-lo até à cerca, precisamente junto à Porta de Santarém. Porém, se a ideia era perm itir a saída segura do paço para fora da vila, seria contraproducente ter esta saída coincidente com uma porta da vila. Por outro lado, pode-se adm itir que o paço e os torreões tenham sido colocados naquele local precisamente por ser uma zona da vila onde havia menos massa edificada, sendo mais fácil e barato expropriar para demolir. Na realidade, após a entrada da vila pela Porta de Santarém, existiam dois percursos contornantes do morro do castelo. Ambos permitiam

® Ourém. Três contributos para a sua história. Câmara Municipal de Ourém, 1994, p. 209.

um prirlmónlo p uto futuro

aceder aos paços do concelho e à igreja matriz. Porém, aquele percurso que o paço do Conde de Ourém simbolicamente interrompeu era o menos cómodo, em termos de cotas, pelo que teria menos utilização e, à época de construção do paço por D. Afonso, é de supor que já existissem por aii casas em abandono ou transformadas em pardieiros, como era habitual, na época, em áreas menos percorridas de vilas altas amuralhadas - fenómeno que está já amplamente documentado em bibliografia dispersa sobre urbanismo medieval em Portugal. O pano de muralha que une os torreões foi rasgado por uma porta em arco quebrado, porta esta que serviria precisamente para assegurar a fuga do interior da vila em caso de necessidade, até porque os torreões defendiam-na dos flancos convenientemente. Assim, na nossa opinião, os dois torreões foram construídos por duas grandes razões: * Pela necessidade de criar um “postigo da traição”, que não existia, já que o castelo estava bem no centro da vila. Deste modo, pode-se também perceber melhor porque razão o paço não foi construído no próprio castelo. Tal seria desperdiçar a prévia fundação do castelo como último reduto em caso de ataque vindo do exterior. Por outro lado, tal obrigaria também à criação de um maior corredor protegido de acesso à muralha, para permitir a defesa contra ameaças vindas do interior da vila. * Pela vontade de valorizar a própria arquitectura do paço, prolongando-o de modo a debruçar-se sobre os muros da vila, em zona que supomos tivesse, na época, menor densidade de habitações e que, por isso, seria menos onerosa para expropriar. Os torreões não eram um paço, mas faziam parte do complexo residencial como mirante, apesar da sua imagem militar mais óbvia. Aliás, no século XIX, havia memória dos dois torreões terem sido habitados. Na altura, os torreões tinham ainda telhados7. Este último factor pode ser melhor entendido se for olhada a relação entre a malha urbana preexistente, o reformado castelo, o novo paço e os seus torreões, e se forem também analisadas as possíveis influências arquitectónicas e urbanísticas para esta última construção. Em trabalho anterior, o co-autor deste texto já g relacionou o Paço do Conde de Ourém, em Ourém, com o Castelo Estense de S. Michele, em Ferrara . As semelhanças notam-se sobretudo no modo como o complexo palaciano foi ligado à muralha através de passadiço, permitindo a circulação segura entre o corpo residencial e o corpo avançado que permitiria a fuga em caso de necessidade, mas que também serviria de mirante sobre o exterior do núcleo urbano - o que é mais notório em Ourém, tratando-se de uma vila posicionada no topo de uma elevação. Nos dois casos, porém, foram sacrificadas habitações e traçados de ruas. Ambos constituíram uma demonstração impressionante de poder, para fora e para dentro, a qual não passava só pelo tipo de arquitectura, mas pelo modo como esta subjugava a malha urbana, em posição, em escala, e em modernidade.

^ Ourém. Três contributos para a sua história, p. 209. ® Vd. QUEIROZ. Francisco - O Castelo de Ourém: uma abordagem urbanística.

[Fig. 12 - Ourém, Paço do Conde de Ourém: os dois torrões e restos dos panos murários de ligação ao paço, em perspectiva tirada do cunhal sul-poente do paço]

[Fig. 13 - Florença: arco de ligação entre o Palácio Velho e o chamado "Corredor de Vasari", que permitia acesso seguro ao Palácio Pitti, para onde o Duque Cosimo de Médicis transferiu a residência familiar na segunda metade do século XVI. A famosa Galeria dos Ofícios não pode ser dissociada deste corredor, dado que o mesmo confunde-se com o mirante da galeria, que possui vista sobre o rio. Foto de Luís Paupério]

/

"*É casa



noeve u n p tM a fa to pvaofutuie

570

[Fig. 14 - Paço de D. João I, em Leiria]

[Fig . 1 5 - Paço da Ribeira no século XVI (detalhe de uma célebre vista de Lisboa, publicada em 1572 por Braun e Hogenberg, na obra "Civitates Orbis Terrarum"): a ala que prolonga o paço até ao rio funcionava como uma simbólica proa de navio, denotando uma nova forma de expressar o poder. Mote-se que esta ala foi construída sobre o espaço público da praia, deixando-se apenas uma passagem em arco no sentido nascente-poente, de modo a não prejudicar as actividades e percursos preexistentes]

A ideia de constituir um mirante sobre muralha preexistente já tinha sido experimentada de forma eloquente no Paço de D. João l,em Leiria, idealizado na década de 1390 e concretizado talvez por volta de g 1400 (segundo Saul A. Gomes ). Cerca de um século depois, esta solução foi assumida em contexto mais moderno e mais plano, como sucedeu no Paço da Ribeira, em Lisboa - neste caso, não debruçado sobre um limite físico construído, mas desde esse limite físico - que era a muralha e o próprio palácio real - até ao Rio Tejo. Se, em Lisboa, D. Manuel I colocava-se “à frente” da cidade, virado para sul e dominando o horizonte das suas possessões marítimas, o 4o Conde de Ourém poderia ter idealizado algo semelhante meio século antes, relativam ente ao seu condado, cuja cabeça era precisamente Ourém. Do mesmo modo, D. João I pode ter pretendido essa imagem de domínio simbólico sobre o núcleo urbano de Leiria, já que o paço debruça-se periclitantemente sobre os muros da primitiva vila. A cerca muralhada inicial de Leiria, já no fim do século XIV estava praticamente despovoada. Isso facilitaria uma inserção mais ampla do novo paço real, caso a intenção fosse outra que não a de constituir um palácio-mirante, substituindo outro paço real que já existia em Leiria, junto à Igreja de S. Pedro, onde esse impacto urbano aparatoso não era tão fácil de obter, até porque ficaria pouco visível para a maioria dos habitantes e visitantes de Leiria. De facto, o paço real junto a S. Pedro situava-se dentro de muros, mas já numa zona mais plana, ao passo que a vila rapidamente se centrou numa zona baixa de onde não era fácil vislumbrar este paço.

[Fig. 16 - Évora, galeria do paço real (gravura de meados do século XIX), construída de modo a irromper desde a muralha medieval até ao miolo do rossio, decalcando a solução do Paço da Ribeira, em Lisboa, salvaguardadas as devidas diferenças de implantação. Note-se a possibilidade de circulação no sentido da antiga muralha medieval (isto é, perpendicularmente à galeria do paço) por debaixo das arcadas.]

® GOMES, Saul António - Introdução à História do Castelo de Leiria. Leiria, Câmara Municipal de Leiria, 1995.

Assim, parece-nos óbvio que o programa de inserção urbana do paço de D. João I em Leiria pretendia precisamente criar uma imagem de poder. O paço junto à Igreja de S. Pedro já nessa época estava desfasado do núcleo comercial de S. Martinho - mais tarde a principal praça de Leiria, onde o Marquês de Vila Real veio a ter o seu paço, como vimos. Por conseguinte, existiam duas hipóteses aceitáveis para reforma do paço real em Leiria: ou se fazia a sua mudança para junto de S. Martinho, com recurso à ocupação do espaço público do rossio - como se fez algumas décadas depois com os paços reais de Santarém, de Évora e mesmo de Lisboa (pois o Paço da Ribeira reveste-se de uma intenção semelhante); ou se fazia a sua mudança para o ponto mais alto da vila, aproveitando a barateza dos terrenos para quase privatizar totalmente o primitivo núcleo amuralhado. Foi esta segunda hipótese a escolhida. Devido à existência,junto ao castelo, da Igreja de Santa Maria da Pena, cuja importância simbólica foi muito forte em Leiria até à construção da sé catedral, não houve uma privatização quase completa deste primitivo núcleo muralhado de Leiria. Esse fenómeno, porém, viria a suceder em outras primitivas cercas do país, como Sousel, Mourão, Belmonte, Tomar e outras, quer por parte de paços reais, quer por parte de outros paços senhoriais ou conventos. Mesmo assim, no tempo de D. João I, a Igreja de Santa Maria da Pena foi reformada e lançado um passadiço de ligação entre o novo paço e o coro alto da igreja, evitando que os fiéis que viessem assistir à missa na igreja devassassem a privacidade da família real, quando esta estanciasse em Leiria. Tal solução do passadiço para o coro alto viria a ser recorrente na ligação de paços ou solares a igrejas e capelas, sobretudo quando estas lhes eram anteriores. Também em Porto de Mós, o castelo mandado reformar pelo 4o Conde de Ourém possui uma “loggia” palaciana aberta para a paisagem, mas a inserção urbanística deste paço não é tão marcante como as que ainda se vêem no paço de Ourém e no paço joanino de Leiria.

[Fig. 17 - Paço de D. João I, em Leiria: vestígios do passadiço de ligação entre o paço (à direita) e o coro alto da igreja]

ií»'í§i! * 15S

S 573 nobre

casa

[Fig. 1 8 - 0 Paço Real de Estremoz também se debruça sobre as antigas muralhas, lembrando o quanto estas já não tinham a função militar inicial, mantendo-se sobretudo um carácter simbólico. Neste caso, a função de mirante face à vila e de domínio visual sobre a mesma é comum ao paço de D. João I em Leiria, embora este último seja mais antigo e mais expressivo.]

D iversos tipos de ap ro p riação de espaço p úblico e de criação de espaço p úblico para en o brecim en to da a rq u itec tu ra

Os dois torreões em Ourém, debruçados sobre a muralha, lembram-nos as duas alas com mirantes do Convento de Nossa Senhora da Saudação de Montemor-o-Novo. Estas alas são mais de um século posteriores aos torreões do paço condal de Ourém, algo que reflecte a precocidade da solução usada em Ourém, mesmo que - no caso do referido convento - os mirantes não servissem a um qualquer poder centralizador, mas às próprias freiras, progressivamente isoladas na antiga cerca despovoada. Em Montemor-o-Novo, para se construírem estas alas, foi necessário lançar passadiços sobre velhas ruas - como sucedeu em Ourém, entre os torrões e o paço. O caso de Montemor-o-Novo é já claramente renascentista. Em Ourém, estamos ainda perante um assom o dessa nova form a de entender os m uros m edievais, quando a sua função m ilitar propriam ente dita deixava de ser suficientem ente relevante, sendo-o ainda sobretudo para um nobre do género do 4o Conde de Ourém, na época em que viveu - o que já não sucederia com as freiras dominicanas de Montemor-o-Novo, mais de um século depois.

| [Fig. 19 - Terreiro do Convento de Nossa Senhora da Saudação de Montemor-o-Novo]

574

Note-se que, no caso de Montemor-o-Novo, também foi o facto da vila alta se despovoar que facilitou a aquisição de muitas casas abandonadas e pardieiros, por parte das freiras. Mesmo assim, existindo perto uma igreja paroquial (S. Tiago), onde se fazia anualmente uma procissão, e sendo a muralha da vila ainda uma estrutura mantida em reserva (embora ao abandono) para o caso de vir a ser necessária, as freiras tiveram de respeitar a rua de acesso à dita igreja e o caminho da ronda. Portanto, tiveram de lançar as duas alas desde o convento inicial até à muralha, com recurso a dois arcos em cada ala. Para que as duas alas fossem desafogadas, o que era necessário em termos técnicos e práticos, de modo a não se devassar a intimidade claustral, as freiras adquiriram vários pardieiros e ruínas em volta, criando um terreiro próprio, à maneira de uma praça barroca com as entradas dissimuladas por arcaria. Trata-se de um caso único no país, ainda que a simetria desse terreiro ou praça só no século XIX tenha sido conseguida, com a abertura 10 de uma nova portaria no eixo da praça . Se a criação do referido terreiro, à custa de terrenos privados, revela a importância do convento, há que insistir no facto do terreiro ter sido aberto sobre ruínas de casas, adquiridas por pouco dinheiro.

[Fig. 20 - Leiria, o único arco que restou do pseudo-claustro da Misericórdia de Leiria, reconstruído em 1913 por Ernesto Korrodi. O outro arco da misericórdia, situado uns metros mais atrás e de maior largura, foi demolido por essa época. Tendo em conta que a ideologia urbanística em vigor era totalmente contra a manutenção de arcos sobre as ruas, pode ter sido a demolição do outro arco que permitiu a manutenção deste que se vê na imagem, talvez o último arco do género a ser objecto de reforma estética em Portugal]

1n

Vd. PORTELA, Ana Margarida / QUEIROZ, Francisco - Contributos para a História da Arquitectura e do Urbanismo em Montemor-oNovo, do século XVI ao século XIX. I - O Convento de Nossa Senhora da Saudação. I I - O Cemitério de S. Francisco. Montemor-o-Novo, 2002 (separata de "Almansor", revista cultural da Câmara Municipal de Montemor-o-Novo, n.° 1, 2a série), 89 páginas.

[Fig. 21 - Leiria, o desaparecido Arco dos Cónegos, no contexto de demolições baseadas no pressuposto modernista do desafogo urbano a qualquer custo, pressuposto esse que já tinha raízes no urbanismo do século XIX (fotografia gentilmente cedida pelo Eng. Ricardo Charters d‘Azevedo)]

Os arcos ou passadiços sobre as ruas foram, pois, recurso habitual sempre que grandes edifícios, ligados a grandes poderes, necessitavam de expandir-se, quer por motivos simbólicos, quer por questões de pura falta de espaço, como sucedeu com o antigo Hospital da Misericórdia de Leiria que, implantado no local da antiga judiaria e encaixado num diminuto quarteirão, teve de ser ampliado para o outro lado da rua que viria a ser conhecida, sintomaticamente, como Rua dos Arcos da Misericórdia. Neste caso, os dois arcos sobre a mesma rua também se destinavam a criar dois corpos simétricos, não propriamente para formar praça, mas para permitir criar uma quadra com corredor superior semelhante ao de um claustro, em que o centro do claustro, ao nível do piso térreo, era a própria rua. Esta solução de recurso não foi assim tão rara em Portugal, havendo até exemplos semelhantes mais assumidos, como o do Palácio Fragoso-Barahona, em Alcáçovas, que é um dos mais impressivos em Portugal, em termos de apropriação e, simultaneamente, de criação de espaço público.

[Fig. 22 - Alcáçovas, Palácio Fragoso-Barahona visto de sul-poente. Aforre do relógio encontra-se a meio da imagem, ao centro]

L 576

[Fig. 23 - Alcáçovas, Palácio Fragoso-Barahona visto da ma que dá acesso ao pátio, por sul]

Este palácio em Alcáçovas ocupou um grande quarteirão num dos extremos da vila, no qual os edifícios marcantes disseminam-se, como que propositadamente pretendendo ostentar o poder dos proprietários. A C apela de S. Teotónio, de fachada singular e não suficientem ente desafogada, vira-se a poente. O paço propriamente dito encontra-se do lado nascente do quarteirão, mais junto à torre do relógio, que se encontra no extremo norte do mesmo, em ponto elevado face à vila. Porém, mesmo possuindo muito espaço dentro do quarteirão, este paço passa para o quarteirão situado a nascente, através de dois arcos, os quais permitem a criação de duas alas que fecham do lado nascente, criando um claustro sobre arcadas ao nível do piso térreo. A silhueta barroca deste palácio, com quatro torreões nos cantos do quadrilátero, reforça a ideia de um pátio ou terreiro central privado, apesar de ser tangente a uma rua. Ainda hoje, tendo em conta que a rua é interrompida por duas portas, a norte e a sul do pátio central, tem os a sensação de que a rua foi privatizada. Trata-se de um palácio cujo principal interesse reside precisam ente no modo como interagiu com o espaço urbano e não tanto por características estritamente arquitectónicas; um edifício que merecia um estudo aprofundado.

[Fig. 24 - Alcáçovas, Palácio Fragoso-Barahona visto de norte, com a varanda debruçada sobre a rua {mais larga nesta zona do que no lado sul do palácio), expressão de domínio simbólico, até porque a torre do relógio encontra-se mais à direita da imagem]

[Fig. 25 - Alcáçovas, pátio do Palácio Fragoso-Barahona]

A mesma solução de criação de umpátio central fechado comdois arcos e intersectado por uma rua, existe emPenela. Trata-se de umoutro caso interessante, que não se encontra devidamente estudado, no qual o alargamento da rua nãofoi feito apenas para umdos lados, já que a fachada da Misericórdia, que remata olado nascente da praça, tambémficou estrategicamente recuada, aproveitando-se odeclive para formar escadaria. Hoje não éfácil ter apercepção do suposto projecto original, já que o segundo arco, que deviafechar apraça asul, não existe, vendo-se apenas os arranques. Por outrolado, oedifíciomais recente do extremo sul-nascente da praça não permite deduzir que a escadaria da Igreja da Misericórdia deveria ter dois lanços simétricos. Pelomenos assimteriamsidocumpridas as regras da boa arquitectura doperíodo barroco.

[Fig. 26- Penela, praçadaMisericórdia]

Em Penela, a rua sobre a qual se formou a praça da Misericórdia era estruturante, o principal eixo comercial. Por conseguinte, terá sido proporcionalmente mais oneroso este projecto de arquitectura/urbanismo do que o pátio do Palácio Barahona, em Alcáçovas, até porque, em Penela, o declive não favorecia um alargamento muito maior da praça no sentido nascente-poente. No caso do Palácio Belmonte, em Lisboa, estamos perante um outro caso semelhante, tam bém muito interessante, mas em que a criação de um pátio fechado semi-privado não foi feita sobre uma via estruturante, à época. Mesmo assim, e apesar deste palácio se ter situado na zona alta da cidade, encostado à muralha primitiva da alcáçova, não se enquadrava numa zona em tão forte declínio,à época de construção do palácio, tendo em conta a dim ensão da cidade e o facto do palácio se situar do lado de fora dos muros primitivos, sobre uma porta da cerca moura (Porta de D. Fradique) com continuidade num a rua que desem bocava noutra porta, da cerca fernandina. O espaço para implantação do palácio era relativamente exíguo e, portanto, o pátio criado é modesto, não tendo dois arcos de cada lado e um palácio em quadrilátero, mas sim um muro e portal do lado poente e um arco de grande extensão do lado nascente, no sítio onde existia a porta da cerca moura. O facto do portal de entrada no pátio não alinhar com esse arco, ainda hoje confere ao pátio do Palácio Belmonte uma áurea de privacidade. O aparato do palácio reparte-se entre este pátio, com o portal nobre, e o alçado do terraço-mirante voltado a nascente, que irrompe de forma marcante para quem sobe até à zona do castelo a partir da Mouraria. Com certa dificuldade, tendo em conta o cadastro, este palácio cumpriu a sua função de domínio simbólico, com recurso, quer à apropriação de espaço público, quer à criação de espaço público, neste caso o pátio, apesar de exíguo.

[Fig. 27 - Lisboa, Palácio Belmonte: pátio visto de debaixo do arco]

[Fig. 28 - Lisboa, Palácio Belmonte: vista de nascente, com o mirante e a pedra de armas, assim como a entrada do arco]

Um outro caso interessante encontra-se em Freixeda do Torrão, onde uma casa-torre medieval posicionada no extremo de um quarteirão foi ligada por um passadiço ao solar barroco da fam ília Metelo. Existem vários casos de casas nobres barrocas erguidas em volta de uma torre medieval. Porém, este caso em Freixeda do Torrão é singular, por se interpor a via pública entre as duas construções. A solução do passadiço foi mais uma necessidade do que uma intenção clara em ostentar poder.

[Fig. 29 - Freixeda do Torrão (Figueira de Castelo Rodrigo): vestígios do passadiço entre a torre e o solar dos Metei os]

Em suma, não podemos analisar pela mesma bitola todas as formas de apropriação do espaço público que, nas épocas Medieval e Moderna, passassem pelo lançamento de arcos ou passadiços sobre arruamentos. Mesmo quando se apresentam semelhantes em termos tipológicos, há que ver a história do sítio e o enquadramento urbanístico. A meio de travessas secundárias, por exemplo, o lançamento de arcos ou passadiços poderia nem sequer ser revelador de grande poder económico. Um passadiço sobre uma travessa secundária em Leiria (Fig. 30) evidencia bem esse facto, dado que a arquitectura é vernacular e pobre, abrindo-se este passadiço precisamente para o lado em que se podia vislumbrar um pouco da rua principal perpendicular à travessa. Em Póvoa e Meadas, um corredor de passagem entre duas ruas, dada a sua estreiteza, com facilidade foi coberto por edifícios, sem que estes fossem propriamente casas nobres (Fig. 31). Isto não significa que travessas secundárias não tenham sido sobrepostas ou mesmo totalmente absorvidas por casas imponentes. Aliás, eram sobretudo os atalhos e as travessas que mais facilmente podiam sofrer este processo, dado que a sua natureza perpendicular e de subalternidade face a ruas principais motivava o interesse de vários fidalgos em lançar arcos sobre elas, para obterem alçados mais extensos ao longo das ruas principais. Subsistiram ainda vários casos em Portugal: alguns mais impressivos, como em Bragança; outros nem tanto, como em Torres Novas ou Soure.

[Fig. 30 - Leiria]

[Fig. 31 - Póvoa e Meadas {Castelo de Vide), corredor de passagem para a Rua do Outeiro]

[Fig. 32 - Torres Novas, arco de uma casa sobre a Calçada do Quebra Costas]

casa

noone paM «futare

581

O exemplo de Soure que aqui mostramos (Fig. 33) evidencia bem a diferença entre lançar um arco sobre uma travessa, para conseguir um alçado mais comprido na rua principal, e lançar um arco sobre a própria rua principal. Em Soure, a altura diminuta do arco e a própria estreiteza da travessa, em associação com edifícios sem sacada, revela-nos um arruamento perfeitamente secundário, onde não passavam procissões ou cavaleiros, pelo que o arco poderia ter perfeitamente uma altura mínima para a passagem de peões e ser opaco para a dita travessa. Já no caso de arcos sobre ruas principais, a altura do mesmo teria de ter em conta todo o tipo de eventos que por ela passassem, sendo geralmente mais altos e com uma estrutura mais cuidada. Como os arcos sobre ruas principais normalmente não eram recurso para obter um alçado mais comprido, mas sim para conseguir uma ligação entre lotes de dois lados diferentes da rua, o próprio arco poderia ser o elemento por excelência de nobilitação da casa nobre, como se vê claramente no subsistente arco da Rua de Santa Maria, em Guimarães (Fig. 34).

[Fig. 33 - Soure]

[Fig. 34 - Guimarães]

Em alguns casos, os arcos sobre ruas principais posicionavam-se estrategicamente no local onde estas desembocavam em praças e, nesse caso, tinham de ser também altos e bem construídos, mas podiam não ser a parte mais nobre do edifício em causa, como sucede em Castelo Branco, com o chamado Arco do Bispo.

[Fig. 35 - Castelo Branco,

[Fig. 36 - Lisboa, Arco do Marquês de Alegrete em meados do século XIX]

Arco do Bispo]

Algumas vezes, estes arcos incorporados em casas de relevo ficavam abertos para praças e sobre ruas estruturantes, embora as casas fossem de construção posterior ao arco. De facto, no caso de portas de muralhas medievais, os arcos foram frequentemente privatizados e, portanto, não havia lugar aos pedidos de licença para ocupar o "ar do concelho", embora fosse necessário adquirir ao município essas estruturas d efen siv as o b s o leta s, as quais podiam , ou não, d a r origem a uma c a s a nobre (F ig . 3 6 ). No caso de Portalegre, a necessidade de erguer um paço para o bispo da recém-criada diocese, o qual tivesse uma relação directa com a própria catedral, levou a que a muralha medieval e um dos arcos de porta fossem aproveitados. A fachada de aparato do paço episcopal de Portalegre não esconde a exiguidade do edifício. Esta exiguidade era um mal menor, tendo em conta a dificuldade de implantação numa zona cujo urbanismo já estava consolidado. A necessidade de desafogo do alçado barroco terá levado ao recuo do alinhamento do novo paço face à rua, assim como à dissimulação do arco que fora porta de entrada na muralha medieval, de modo a obter-se uma frontaria de acordo com os cânones da época para uma casa nobre. Em Castelo Branco, para além do já referido Arco do Bispo11, na principal praça intramuros, temos também o exemplo do palácio de Inverno dos Bispos da Guarda, iniciado por D. Nuno de Noronha, nos últimos anos do século XVI. Era um palácio de descanso, ideal para os prelados fugirem às invernias da Guarda. Porém, foi o Bispo D. João de Mendonça quem, por volta de 1711, reformou este palácio com jardins ornados de inúmeras estátuas em pedra. Não contente com o espaço disponível, o jardim foi alargado para o outro lado da estrada de acesso a Castelo Branco pelo norte. Embora este apêndice de

^ Note-se que o Bispado de Castelo Branco foi criado tardiamente. Este arco refere-se aos bispos da Guarda.

I

583

[Fig. 37 - Portalegre, paço episcopal: note-se o recuo face ao alinhamento da rua medieval e a dissimulação do arco da antiga muralha]

[Fig. 38 - Castelo Branco, passadiço entre os dois jardins do Paço dos Bispos da Guarda]

jardim tenha portal próprio, o prelado podia desiocar-se dentro da sua propriedade sem pisar a via pública, já que tinha sido mandado fazer um passadiço cenográfico sobre a estrada. Não sendo totalmente coberto, o que seria descabido numa ligação entre dois espaços abertos, o passadiço foi construído de modo a que não se visse senão vultos a passar de um lado para o outro. O poder dos bispos da Guarda ficou, assim, plasmado de forma peremptória. As passagens abertas para partes de propriedades que ficassem do outro lado de um arruamento foram, também comuns na arquitectura rural, em versões mais ou menos vernaculares, podendo ainda ser 12 encontrados alguns exemplos interessantes em Portugal, os quais mereciam até um estudo monográfico . Alguns destes passadiços tinham dupla função: permitiam passar de um lado ao outro da propriedade sem sair para a via pública e podiam funcionar como mirantes sobre essa mesma via pública, com a colocação de "namoradeiras" em pedra. Em contextos mais eruditos, como na Quinta Mazziotti, o próprio passadiço era aproveitado para colocação de um torreão ou casa de fresco coberta, mantendo-se a função de mirante. Neste, como em outros casos, em complemento a essas passagens existiam também aquedutos, que traziam água da parte mais alta para a parte mais baixa da propriedade. Localizámos mesmo um caso em Gaia, 13 onde o passadiço surge associado a uma azenha, aproveitando a diferença de cota .

^ Este tema foi já aflorado no seguinte estudo, a publicar em livro brevemente: QUEIROZ, José Francisco Ferreira - A arquitectura rural em Gaia nos séculos XVII-XIX. Património e Conservação Integrada em territórios suburbanos. Estudo de investigação elaborado no âmbito do projecto “Património arquitectónico rural nos concelhos do Porto e Vila Nova de Gaia", do GEHVID (financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia). Gaia, 2006, 279 páginas de texto, 613 ilustrações. 1o Vd. QUEIR O Z, José Francisco Ferreira - A arquitectura ru ra l em Gaia nos séculos X V II-X IX (a publicar brevem ente).

pum tirtu»

[Fig. 39 - Paço de Sousa, passadiço de uma grande casa rural]

[Fig. 40 - Colares, Quinta Mazziotti. Para além de casa de fresco, mirante e passagem facilitada e privativa para o outro lado da propriedade, este torreão sobre arco fechava simbolicamente a estrada, simulando um terreiro de desafogo à fachada de aparato. Para que essa simulação saísse reforçada, o próprio muro da propriedade foi recuado, de modo a alargar substancialmente a estrada em frente à casa.]

[Fig. 41 - Aqueduto de uma quinta entre Sintra e Colares]

Os aquedutos de quintas e de conventos foram também estruturas que se sobrepuseram a muitos caminhos e estradas. Demonstravam o poder de quem detinha as grandes propriedades, embora o facto de sobreporem às vias públicas tenha relação directa com a necessidade de manter um declive progressivamente descendente. É claro que, em certos casos, estes aquedutos eram construídos sobre as estradas com uma arquitectura especialmente cuidada, não descurando a imagem de poder que tinha de ser passada. Nota-se isso mesmo no caso do Palácio do Conde de Oeiras, em Oeiras, no qual se procurou também recriar uma praça barroca com entradas dissimuladas, através de dois arcos de pedra simétricos, com chafariz entre eles, antecipando a entrada no terreiro do palácio.

i r l

casa

l B

noure j n paMmAnk («jsftfuture

585

Como se depreende pelo que já afirmámos, os paços episcopais, casas de cabido e residências privadas de prelados ou cónegos eram edifícios que se prestavam bastante à construção de arcos sobre o espaço público, no período barroco. Coimbra é um exemplo concreto desse facto, ainda que os arcos mais marcantes não tenham subsistido. Évora é outro exemplo.

[Fig. 42 - Oeiras, aqueduto em cantaria lavrada do Palácio dos Condes de Oeiras]

[Fig. 43 - Coimbra, reconstituição do arco de ligação da Sé Velha à Casa do Cabido, demolido por volta de 1897]

[Fig. 44 - Coimbra, desaparecido arco de ligação entre a Sé Nova e o Paço Episcopal (o actual Museu Machado de Castro)]

Fig. 45 - Évora]

casa

nobre

Porém, encontramos ainda hoje alguns exemplos sucedâneos de ligações entre edifícios religiosos e edifícios de habitação aparatosos, como o arco de passagem no Santuário da Lapa e vários arcos ou passadiços de ligação entre capelas e casas solarengas. Em muitos casos, estes passadiços surgem sobre espaço privado e destinavam-se a permitir manter a mesma cota, no acesso desde o andar nobre da casa até ao coro alto. Porém, são vários os exemplos subsistentes em que ligações desse género foram feitas sobre espaço público. Isso nota-se sobretudo quando o edifício religioso não era totalmente privativo, podendo até nem ser uma capela, mas sim uma igreja paroquiai ou até mesmo um convento, desde que a ligação privativa pressupusesse um direito de padroado, um vínculo de capela ou a existência de um panteão familiar. Entre vários casos, quase todos já desaparecidos, mencionemos os dois passadiços de ligação entre o Convento da Conceição e o Paço dos Duques de Beja, em Beja14. Mencionemos ainda o arco que ligava a Igreja Paroquial de S. Martinho e o Paço do Conde de Ourém, em Lisboa (Fig. 47). Este foi já demolido há mais de 150 anos. Porém, ficou registado por Luís Gonzaga Pereira numa importante obra sobre os monumentos sacros de Lisboa, na qual detectámos quatro outros exemplos de arcos sobre a rua, ligando-se a edifícios religiosos10.

S. Martnho.

[Fig. 46 - Santuário da Lapa (Sernancelhe)]

[Fig. 47 - Lisboa, Igreja de S. Martinho (desenho de Luís Gonzaga Pereira, c. 1833)]

Relativamente a conventos, foram também comuns em Portugal as passagens sobre a via pública destinadas a ligar alas de expansão aos núcleos iniciais, sobretudo em cenóbios femininos. Vimos já o exemplo de Montemor-o-Novo. Porém, existiram muitos outros, em parte já demolidos. A título de exemplo, mencionemos o arco das freiras do Convento de Santa Iria, em Tomar16. Trata-se de um típico arco de convento feminino, dado que este arco é quase opaco face à via pública, como se exigia no caso de religiosas recolhidas. 14 Cf. RIBEIRO, José Silvestre - Beja no anno de 1845. Primeiros traços estatisticos daquella cidade. Edição fac-similada, Beja, Câmara Municipal de Beja, 1986, p. 8. 1^ Descripção dos Monumentos Sacros de Lisboa, ou collecção de todos os conventos, mosteiros e parochiaes no recinto da Cidade de Lisboa, em 1833. Recopilado por Luís Gonzaga Pereira [1840]. Prefaciado por A. Vieira da Silva. Lisboa, Oficinas Gráficas da Biblioteca Nacional, 1927. 1® Ruas de Tomar e a sua toponímia. In "Boletim Cultural e Informativo da Câmara Municipal de Tomar", n.° 6, Tomar, 20 de Outubro de 1983, p. 129.

587

[Fig. 48 - Tomar, arco das freiras]

[Fig. 49 - Leiria, Casa do Terreiro: fachada principal (foto de 2007)]

A C asa do Terreiro de Leiria Os exem plos que até aqui expusemos são apenas alguns de muitos que existiram em Portugal, cuja variedade tipológica e interesse poderia dar origem a diversos estudos. Contudo, a pequena am ostragem dada é útil para percebermos melhor a importância da Casa do Terreiro de Leiria do ponto de vista urbanístico. De facto, é uma casa em que se criou espaço público à custa de espaços privados, de modo a dar maior desafogo visual ao alçado barroco. O terreiro que deu nom e à casa, ainda no início do século X IX era conhecido como Terreiro de Miguel Luís (da Silva Ataíde). A criação deste terreiro foi fundamental para que se tornasse o pólo fidalgo da cidade, com outras grandes casas a pontuar o espaço, cuja configuração alongada se explica pelas preexistentes ruas. Sim ultaneam ente, a C a sa do Terreiro de Leiria absorveu diversas travessas: uma (ou mais) para criar o referido terreiro; uma para ligar a casa a um jardim barroco; uma para unir diversos anexos agrícolas às áreas de serviço da casa e outra para unificar um quintal nas traseiras. É claro que, antes da eliminação de todas as serventias, foi a progressiva edificação de um alçado extenso e unificado em termos estéticos que começou por sobrepor-se à via pública, através da criação de dois arcos sobre duas travessas. Um deles foi fechado mais cedo. O outro ainda em 2008 possuía a calçada primitiva da rua que foi privatizada.

[Fig. 50 - Leiria, Casa do Terreiro: alçado posterior e cortes dos corpos arquitectónicos que alinhavam com as travessas desaparecidas, num levantamento do século XX. Estas travessas estão assinaladas com B1 (a primeira a ser privatizada) e B2. com a letra A assinalam-se as travessas que delimitam o actual quarteirão da casa (outrora três quarteirões)]

1

casa

noore um (w rtn ó flto

piro o futuro

588

[Fig. 51 - Leiria, Casa do Terreiro: alinhamento da antiga travessa B1 (ver imagem anterior) após o desaterro ievado a cabo em 2008, vendo-se à esquerda os portais seiscentistas que abriam primitivamente para o espaço público e, ao fundo, o arco de ligação à capela]

[Fig. 52 - Leiria, Casa do Terreiro: entrada da antiga travessa assinalada com B2 na Fig. 50]

Em conclusão, a Casa do Terreiro de Leiria é um exemplo invulgar de afirmação de poder através da alteração do cadastro urbano. A fachada principal ligou três quarteirões através de dois arcos e teve de ser desafogada com a demolição de quarteirões situados em frente. Embora admitamos que possa haver casos semelhantes de tamanha alteração do cadastro, não conhecemos ainda outro exemplo em Portugal onde tantos arruamentos tenham deixado de existir numa zona urbana extramuros, para que melhor se impusesse uma casa nobre. O processo durou séculos, pois só foi terminado pouco antes das invasões francesas e sabemos que já no século XVI havia porali uma casa nobre mais pequena, certamente mais vertical, a partir da qual se foi construindo o solar que hoje se vê. Diversos indícios na fachada da Casa do Terreiro de Leiria evidenciam sucessivas fases de construção, mas a casa do século XVI terá sido sacrificada. Talvez o estudo em curso sobre esta casa permita acrescentar mais elementos interessantes, ampliando o conhecimento sobre o modo como as casas nobres se relacionavam com o espaço público.

casa

I

nobre

589

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.