A Catástrofe do Rio Doce, Externalidades Negativas e Captura Regulatória: do pessimismo do diagnostico ao otimismo (ou oportunismo) da ação

Share Embed


Descrição do Produto

A Catástrofe do Rio Doce, Externalidades Negativas e Captura Regulatória: do pessimismo do diagnostico ao otimismo (ou oportunismo) da ação

Já que os biologos, ecologistas, engenheiros e demais cientistas se prontificam em emitir prognosticos catastroficos sobre as consequencias do derramamento de lama toxica da mineração na bacia do Rio Doce e no mar capixaba, não seria também a hora dos sociologos e cientistas sociais fazerem também o seu mis-en-scéne? Gravissimas e quase irreparáveis mesmo são as contaminações por metais pesados. Mas há tecnicas para remoção e mitigação dos efeitos da lama, que podem levar décadas a exemplo do que se faz na Europa e na America do Norte. Com as ações da Samarco Mineração ja derretidas nas bolsas de valores, nem é mais questão de escolha a hipotese de fechamento de suas operações nos estados de MG e ES. Aliás a grande escolha de Sofia é a que se coloca para os gestores estaduais, municipais e federais. Os promotores publicos estaduais ja sairam em defesa dos interesses coletivos e difusos. Estas acções vão demorar anos para serem processadas em nosso judiciario e talvez em instancias internacionais. Logo a "judicialização" foi quase instantanea. Os governos estaduais é que ainda não agiram como de autoridades reguladoras como delas se espera. E muito menos o governo federal, absorvido que se acha com o ajuste fiscal e a manifestação dos caminhoneiros nas rodovias. Com respeito à questão de interesse mais substantivo para as Humanidades a ser formulada vem a ser: uma segunda onda de migrações estaria nos prospectos das populações colatinenses, guanduenses e linharenses para a Região Metropolitana da Grande Vitoria (RMGV) como nos anos 60 e 70? (onde está o Bubu nessas horas???) A resposta ainda depende de variadas premissas e parametros acerca da profundidade, a gravidade e a durabilidade do desastre ambiental documentado. A unanimidade dos dignosticos de ambientalistas e biologos é enfaticamente negativa. Mas será que tal catastrofismo se traduz efetiva e automaticamente no plano societário e politico-institucional? O potencial da catastrofe na bacia do Rio Doce e no litoral capixaba por certo moldará a vida cotidiana de cidades, vilas e balnearios inteiros. Haverá aumento do custo de vida e ainda maior corrosão do poder aquisitivo das familias de trabalhadores, urbanos e rurais - estes ainda mais destituidos de condições de subsistencia, agora que o Norte se acha inviabilizado para lavouras e pastagens por décadas, talvez séculos. Logo a hipótese migratória é muito crível e grave, bem como as decorrências da mesma: inchaço urbano, insuficiência de moradias, transportes e serviços públicos, crimes e violência nas periferias, marginalidade, exploração politica da miséria (clientelismo politico, charlatanismo religioso, sensacionalismo midiático). Ou não. A depender da consistência e da proatividade da resposta social aos desastres. Por ora não se sabe se a perplexidade e a impotência sociais diante da crise socioambiental não desembocará

num movimento coletivo mais complexo e resiliente para transformar a realidade num sentido mais equilibrado (onde se almeje e se pratique um jogo de ganha ganha), sustentável e realista. Em termos de engenharia social a classe média rural capixaba, detentora de pequenas, medias e ate grandes propriedades, enfrentará o risco do desaparecimento e, antes (mais crivel e premente), do depauperamento. Mais visiveis e preocupantes são as repercussões na dimensão da governança subnacional. A reação dos prefeitos já é bem compreensivel e documentada, pois tem uma eleição à caminho dentro de 10 meses. A do governador e dos legisladores bem menos. Como ja falamos do Ministério Publico cumpre deter-nos sobre esta, que na verdade esta é nebulosamente enigmatica e intrigante em face do peso dos acontecimentos. Por certo, reações titanicas e retaliatorias contra a empresa perpetradora e seus grupos controladores (a ex-CVRD e uma multinacional australiana), bem como sua correspondente demonização, são as que predominam e sobrepõem todas e quaisquer outras especies de considerações. Contudo, e esta é uma visão exclusivamente sincera e pessoal, creio ser demasiado cedo para tomar medidas drasticas no campo institucional. Ainda que a materialidade, a dramaticidade, a persistencia e a extensão das externalidades negativas sejam objetivamente constataveis ainda não ha como aquilatar com precisão pelas causalidades que a motivaram. Por certo alguma mistura de falta de planejamento e monitoramento da empresa, com incúria, despreparo e desidia dos orgãos regularores estaduais e federais (numa muito mal desenhada superposição de competencias e jurisdições), com pitadas de fatos supervenientes não previsiveis ou controlaveis (aquilo que advogados chamam "Acts of God" no caso das chuvas e dos supostos sismos logo detectados). Mas ainda não ha como atribuir com precisão e acuracia o peso relativo de cada um dos fatores mencionados. Mudanças de trajetória devem ser bem pensadas antes de implementar. Com respeito ao comportamento observado dos gestores estaduais o que se verifica, e há decadas se tem como diagnostico dominante¹ é a chamada hipotese da captura regulatoria: a persistente e solida "coincidencia" de preferencias entre regulados e reguladores como fonte das externalidades negativas. Contudo a literatura aponta que isto so é possivel onde o estado de conhecimento dos publicos mais amplos sobre a policy é restrito. O que não é o caso na presente sociedade capixaba (e mineira) em que pese a questão do financiamento empresarial de campanhas eleitorais sobre as decisões tomadas. Para uma região outrora castigada pelo excesso de chuvas torrenciais (ver imagem anexa) por certo o ES já é assolado por riscos artificiais excessivos e aos quais sua sociedade não mais pode deixar de debater. A formulação e a divulgação de analises e estudos sobre os impactos sociais da catastrofe, com cada vez maior realismo, rigor e pormenores, tenderão a acelerar o nivel de publicização destas arenas de politica publica, assim como o numero de atores nelas envolvido. E tal conscientização da sociedade civil, ao estruturar-se pelos canais de intermediação, encontrará empreendedores políticos tão ou mais audaciosos e habeis para ser explorada. Por certo a

catastrofe do Rio Doce não mais pode ser tratada como "não questão" (non-issue) e o seu debate interditado. De quem é a culpa? Assim como há aqueles que desejam explorar a tragedia com olhos partidários, responsabilizando os governadores locais anteriores e atuais (respectivamente: no caso mineiro, do PSDB e do PT; e no caso capixaba, do PSB e do PMDB) também há aqueles que não deixarão de associar o comportamento predatório da mineradora à agenda "neodesenvolvimentista" do governo federal e suas promessas de crescimento economico e mobilidade social assentadas num efemero "superciclo mundial de commoditties". No caso capixaba esta ultima estratégia de mobilização de tendenciosidades já se acha mais bem entrincheirada e os atores não tardarão a enfatizá-la. A arqueologia das motivações e sua difusão no espaço publico ja é visivel e fartamente registrada. E a estrutura de oportunidades para sua manifestação já começa a mobilizar numeros em meio às paisagens desoladas. E em meio à comoção e à perplexidade generalizas o oportunismo politico já se faz ouvir. Assim é que, em meio ao pessimismo reinante na analise da situação mineiro-capixaba, o otimismo da ação deve encontrar o seu lugar. Mesmo que este tenha por trás de si, como é comum, o vetor oportunista.

Rio de Janeiro/RJ, 12-XI-2015.

============================= * Por José Roberto Bonifácio, Sociólogo (UFES) e Cientista Político (IUPERJ).

¹Nota: Segundo a imprensa a lista dos deputados estaduais do Espirito Santo que receberam financiamento de campanha eleitoral da Vale/Samarco e são seus representantes na Assembleia Legislativa do Espírito Santo seriam os seguintes : Guerino Zanon (PMDB) Luzia Toledo (PMDB) Janete de Sá (PMN) Bruno Lamas (PSB) José Carlos Nunes (PT) Gildevan Fernandes/líder do governo (PV) Rodrigo Coelho (PT). Ainda com respeito aos "Financiados" temos uma outra avaliação, com outros nomes de legisladores supostamente influenciáveis pela empresa regulada:

"A Samarco é uma joint venture que tem a Vale como proprietária de 50% das ações. Pelo levantamento da coluna, com base em dados oficiais do TSE, pelo menos 12 deputados estaduais do ES receberam doações da Vale na eleição de 2014 – de forma direta ou repassadas pelo comitê ou por outro candidato do mesmo partido. Alguns receberam diretamente da Vale, outros de empresas pertencentes à mineradora, como a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) e a Salobo Metais. A lista . Hércules Silveira (PMDB): R$ 150 mil . Guerino Zanon (PMDB): R$ 98 mil . Luzia Toledo (PMDB): R$ 89,5 mil . Janete de Sá (PMN): R$ 70 mil . Marcelo Santos (PMDB): R$ 60 mil . Bruno Lamas (PSB): R$ 45 mil . Nunes (PT): R$ 44.035,00 . Hudson Leal (PRP): R$ 39,5 mil . Gildevan Fernandes (PV): R$ 30 mil . Sandro Locutor (PPS): R$ 30 mil . Padre Honório (PT): R$ 12.742,00 . Rodrigo Coelho (PT): R$ 2.196,00" (Fonte: Vitor Vogas) Referências: http://seculodiario.com.br/19696/10/vale-ajudou-a-eleger-12-deputados-estaduais-1 http://seculodiario.com.br/25772/8/deputados-que-receberam-doacoes-da-samarco-fazem-partede-comissao https://www.facebook.com/alexandre.araujocosta/posts/986756581366234 http://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2015/11/municipios-atingidos-por-onda-de-lama-naotem-previsao-para-voltar-o-abastecimento.html http://www.folhavitoria.com.br/geral/noticia/2015/11/onda-de-lama-deve-se-espalhar-e-atingircerca-de-10-mil-km-do-litoral-capixaba.html http://folha.me/f7e http://www5.usp.br/100662/crise-da-agua-reflete-tambem-uma-crise-de-informacoes-analisamespecialistas/ E AGORA SAMARCO? Laudo Técnico em resposta ao Parecer Único Nº 257/2013 Descrição do fato: Análise Técnica Referente à Revalidação da Licença Operacional da Barragem de Rejeitos do Fundão http://www.meioambiente.mg.gov.br/images/stories/URCS_SupramCentral/RioVelhas/69/9.1laudo-tecnico.pdf http://www.hojeemdia.com.br/horizontes/secretario-de-estado-classifica-a-marco-como-vitima-dorompimento-1.357974 http://tijolaco.com.br/blog/tecnicos-alertaram-em-laudo-sobre-risco-na-barragem-da-samarco-em2013/ http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/11/06/laudo-de-2013-fez-alerta-sobreriscos-de-ruptura-de-barragem-em-mariana-mg.htm http://www.eshoje.jor.br/_conteudo/2015/11/noticias/meio_ambiente/35568-lama-do-rio-doce-sodeve-chegar-ao-estado-no-fim-de-semana.html http://g1.globo.com/mg/vales-mg/noticia/2015/11/moradores-do-naque-sofrem-impactos-da-lamaque-atingiu-rio-doce.html

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2015/11/opiniao/colunas/praca_oito/3914188-surfandona-onda-de-lama.html http://www.infomoney.com.br/bloomberg/mercados/noticia/4395455/golpe-fatal-credoressamarco-esperam-pior-apos-acidente http://www.viomundo.com.br/denuncias/bastidores-de-uma-tragedia-os-relacoes-publicas-dasamarco-dao-uma-surra-no-estado-brasileiro-que-sucumbe-ao-poder-economico.html

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.