A centralização monárquica em Portugal e as relações com a Santa Sé: a Concordata de 1289 [monografia]

June 28, 2017 | Autor: C. Zlatic | Categoria: História da Idade Média, D. Dinis, História medieval portuguesa
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA E HUMANIDADES

CARLOS EDUARDO ZLATIC

A CENTRALIZAÇÃO MONARQUICA EI\1 PORTUGAL E AS RELAÇÕES COM A SANTA SÉ: A CONCORDATA DE 1289

MARINGÁ- PARANA 2011

CARLOS EDUARDO ZLATIC

A CENTRALIZAÇÃO MONARQUICA EM PORTUGAL E AS RELAÇÕES COM A SANTA SÉ:. A CONCORDATA DE 1289

Trabalho de conclusão do Curso de Especialização em História e Humanidades - EAD, apresentado a Universidade Estadual de Maringá, como requisito para a obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA E HUMANIDADES Orientador: Gimenez

MARINGÁ- PARANÁ 2011

Prof.

Dr.

José

Carlos

CARLOS EDUARDO ZLATIC

A CENTRALIZAÇÃO MONARQUICA EM PORTUGAL E AS RELAÇÕES COM A SANTA SÉ: A CONCORDATA DE 1289

1'rabalho de conclusão do Curso de Especialização em História e Humanidades - EAD, apresentado a Universidade Estadual de Maringá, como requisito para a obtenção do título de ESPECIALISTA EM HISTÓRIA E HUMANIDADES Orientador: Gimenez

Maringá/PR, 26 de Agosto de 2011.

COMISS},O EXAMINADORA

Dr. José Carlos Gimenez

Dr. Jaime Estevão dos Reis

Ms. Leandro Brunelo

Prof.

Dr.

José

Carlos

ZLATIC, Carlos Eduardo. A centralização monárquica em Portugal e as relações com a Santa Sé: a Concordata de 1289. Especialização em História e Humanidades- Universidade Estadual de Maringá - UEM. 2011.

RESUMO Em meio da Reconquista foi fundado do condado portucalense após doação feita pelo castelhanoAfonso VI (1039 - 1109), monarca castelhano, a Henrique de Borgonha. Afonso Henriques, filho e sucessor do conde, assumiu o território português após a morte de seu pai e continuou a batalha contra os muçulmanos que, além da conquista de terras, possibilitou a ampliação de seu prestígio e a posterior obtenção do título de rei de Portugal, passando a ser chamado de O. Afonso I (1139 - 1149). Para legitimar a aquisição dos novos domínios territoriais o monarca português se colocou sob a vassalagem da Igreja, mas esta relação não .impediu que os futuros reis travassem disputas com o clero português. Dessa maneira, os reinados de O. Sancho I, D. Afonso li, D. Sancho II foram marcados por disputas entre os eclesiásticos de Portugal e a Coroa Pórtuguesa. Contudo, foi D. Afonso III (1248 - 1279) quem, em meio a um processo de fortalecimento do poder régio, iniciou o conflito mais turbulento entre a coroa portuguesa e o corpo eclesiástico. O atrito entre as partes durou vinte e dois anos e só foi resolvido no reinado seguinte, de D. Dinis (1279- 1325), que teve habilidade política para chegar a um acordo com o papado e pôr fim na interferência eclesiástica que o papado exercia sobre o reino de Portugal. Palavras-chave:Monarquia Portuguesa Medieval, Poder Régio, D. Dinis, Clero Português.

ZLATIC, Carlos Eduardo. The monarchial centralization in Portugal and the interrelation with the Holy See: The Concordat of 1289. Specialization in History and HumanitiesUniversidade Estadual de Maringá-UEM 2011.

ABSTRACT

In the middle of the Reconquest was founded Portuguese county after of the donation made by Afonso VI (1039 - 1109), Castilian monarch, to Henrique de Borgonha. Afonso Henriques, son and successor of the count, took the Portuguese land after the dead o f your father and proceeded the war against the muslins that, beyond the conquest of lands, enabled the increase of your prestige and the aftereffect obtainment of the appellation of King of Portugal, passing to be named D. Afonso I (1139 - 1149). To legitimate the obtainment of the new territorial domains the Portuguese monarchwas placedunàefl theallegianceof the Chlirch,but this relationshipdid not stop thefuture kingsjammingdisputes with thePortuguese clergy. Thus, the reign ofD.Sancho, D. Alfonsoll, D. Sanchollwere markedby disputesbetween theecclesiastical of PortugalandPortugueseCrown.However, was D. Afonso III (1248 - 1279) who, inserted in a sharp monàrch centralization process, began the most turbulent fight between the Portuguese crown and the ecclesiastical group. The discord between the sides endured twenty two years and only was resolved in the next reign, of D. Dinis (1279 - 1325), who had the political ability to approach to an agreement with the papacy and solve in the ecclesias.tical interference exercised over the reign ofPortugal. Keywords:

Portuguese.

Portuguese Medieval Monarchy, Royal Power, D. Dinis, Clergy

SUMÁRIO

Introdução ... ...................................................................................................................... 7

1. D Dinis e a Concordata de 1289 ................ .... .... ............... ... ................... .. .................. 1O

2. Considerações Finais ........ .......................... ................................................................ 16

3. Bibliografia .................................................... ....................... ................................ .. ..... 18

INTRODUÇÃO O condado portucalense, cerne do futuro reino de Portugal, teve sua criação vinculada às ações da Igreja, que incentivou os cristãos a lutarem pela retomada da Península Ibérica aos muçulmanos. Este empreendimento bélico conhecido como Reconquista foi posto em curso a partir de 711, ano em que aquele território estava quase completamente conquistado pelos inimigos da cristandade. DEMURGER (2002) intonna que haviam sobrado apenas alguns reinos cristãos no norte da península: Astúrias-Galícia, Navarra e Aragão, o restante do território ibérico era composto pelo califado de Córdoba. Esta situação começou a mudar quando, em 929, este califado se decompôs em trinta pequ-;nos domínios autônomos, tal desagregação possibilitou um maior avanço da tomada das terras muçulmanas pelos cristãos, que ocorreu num ritmo acelerado a partir do século XI, com a conquista de Toledo, em 1085, Saragoça, em 1118 e o triunfo cristão na famosa batalha de Las Navas de Tolosa, em 1212, conforme exposto por DEMURGER (2002). Em meio a este processo bélico nasceu o condado portucalense, quando em 1096 o rei de Leão e Castela, Afonso VI (1039- 1109), entregou a Henrique de Borgonha (1 096 - 1112) o território situado entre o rio Minho e o Tejo. O conde prosseguiu com a

batalha contra o inimigo muçulmano e as consecutivas·'"vitórias lhe proporcionaram condições de almejar a emancipação frente ao monarca vizinho, contudo, o conde morreu sem atingir seu objetivo (MATTOSO, 1993). Afonso Henriques passou a buscar, assim como o pai, a emancipação frente ao reino

d~

Leão e Castela e o título de monarca de Portugal, o que foi atingido apenas em

1139 quando o herdeiro de Henrique de Borgonha passou a se intitular rei, depois de vencer a Batalha de Ourique. Contudo, o monarca de Leão e Castela não aceitou prontamente os atos do p01iuguês, relutando em reconhecê-lo como monarca. D. Afonso I (1139 - 1149) se aproximou do pontífice e se colocou sob a vassalagem da Santa Sé com o intuito de obter maior segurança em relação a Afonso VII ( 1111 - 1157), rei de Leão ;:, Castela, e para ter as terras conquistadas aos mouros reconhecidas como legitimas ao reino de Portugal, o que possibilitou a continuação da Reconquista Portucalense (COSTA, 1985b). Posteriormente, em 1143, o título de rei foi reconhecido· ao português pelo monarca castelhano-leonês.

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Contudo a relação de vassalagem que o reino de P01iugalmantinha com a Santa Sé não impediu que os sucessores de D. Afonso I buscassem o fortalecimento do poder monárquico no tetTitório português, objetivo que foi marcado por reconentes atritos entre a Coroa Portuguesa e os cleros. D. Sancho I (1185 - 1211), segundo rei português, protagonizou violentas discórdias com bispos do reino. A desavençamais grave oconeu entre o monarca português e o bispo de Coimbra, D. Pedro Soares, que acusou o monarca de não ter respeitado as imunidades da Igreja. Por essa ação, o bispo foi violentamente reprimido, ato qué fez que o papa Inocêncio UI (1198 - 1216) excomungasse o soberano lusitano, que só foi absolvido da sentença após se retratar com a Igreja, já perto de morrer. D. Afonso li (1211 - 1223) deu continuidade à ampliação tenitorial portuguesa por meio da Reconquista, o que não significa que tenha desatentado das questões intemas do reino, principalmente ao conter e enfraquecer o poder dos nobres por meio das Inquirições 1, o que lhe rendeu a inimizade desse grupo. Em meio a este processo o monarca português buscou cercear os eclesiásticos com a revogação de privilégios da Igreja Pmiuguesa, instituição que reagiu com a excomunhão do rei de Portugal e, ao contrário de seu antecessor, íàléceu nessa situação. O reinado de D. Sancho li (1223 - 1248) foi marcado por uma grave cnse política e social, em um momento em que ocorreram grandes disputas no interior da nobreza pelo controle do poder político e mesmo conflktos entre nobres e igrejas e mosteiros, porém, o maior atrito ocorreu entre o monarca português e o clero do reino de Portugal (FERNANDES, 2002). O clero português reclamava da incapacidade de D. Sancho II em manter os privilégios eclesiásticos a salvo de uma nobreza que os atacava, o que fez com que o rei de Portugal sofresse uma crescente cobrança por parte do papa Gregório IX ( 1227 1241) a pm1ir de 1227 (FERNANDES, 2002). Sem ter atendido as exigências da Santa Sé e carente de apoio político, o monarca português foi

... afastado do poder pelo papa Inocêncio IV, logo após o concílio de Lyon I e na seqüência de um processo em que conjugaram interesses 1Inquéritos ordenados pela Coroa Portuguesa e efetuados tendo em vista a observância dos direitos reis e dos privilégios de nobres e eclesiásticos, niuitas vezes obtidos de forma abusiva. Estes processos, iniciados com D. Afonso II, em 1220, foram intensificados nos reinados de D. Afonso III e D. Dinis, podendo ser incluídos nas medidas que visaram o fortalecimento do poder real em detrimento dos abusos dos senhores, sejam laicos ou eclesiásticos (MARQUES, 1985c). Cf. MARQUES, A.H. de O. Inquirições. In: SERRÃO, J. Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1985. v. 3, p. 328 -- 330.

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do clero e da nobreza portuguesas, oposicionistas à política do rei, e os objectivos do papa, na plena confirmação do seu poder teocrático. (SERRÃO; MARQUES, 1996, p. 47).

D. Afonso foi o escolhido pela Igreja para ocupar o trono de Portugal, porém só assumiu o reino pmiuguês como monarca apenas após a morte de seu irmão, ojá deposto D. Sancho II. Assim sendo, o também herdeiro de D. Afonso 11 assumiu o trono em 1248 como D. Afonso III (1248- 1279). O quinto rei pmiuguês foi responsável pelo termino da Reconquista, ocorrido com a conquista do Algarve em 1249, contudo esta vitória deu inicio a uma longa disputa pela posse desta região, requerida também pelo monarca castelhano, Afonso X 2 . O recurso a essa guerra ainda possibilitou que D. Afonso III unisse a nobreza e amenizasse os atritos existentes no interior desde grupo, desentendimentos estes que haviam sido gestados no reinado de D. Afonso II e se acirraram com D. Sancho li (MATTOSO, 1993; SERRÃO; MARQUES, 1996). No âmbito da política intema D. Afonso III procedeu com o fortalecimento do poder real, para tanto o monar;ca português fez uso do mesmo recurso que seu pai: as inquirições. Apesar de esses processos judiciais terem incidido sobre a nobreza e o clero, foram esses últimos os maiores prejudicados com o constante cerceamento dos direitos eclesiásticos por parte do monarca português. Possivelmente os processos das inquirições devem ter sido mais rígidos no que tocava à Igreja, visto que a situação do rei com a nobreza havia sido resolvida a pouco e ainda não colocava o monarca em posição de iniciar uma incursão incisiva contra aquele grupo, recentemente pacificado e unido. Pelo fato da Igreja ser uma instituição com plenos poderes no reino português e mesmo por ter sido protagonista na substituição de D. Sancho II por D. Afonso III, este monarca buscou controlar o poder e a influência que aquela instituição detinha sobre os assuntos do reino. As ações do rei, entretanto, não seriam aceitas pelo clero português,já que o português devia sua posição a este grupo, assim sendo, qualquer manobra para cercear seus privilégios era sinal de rompimento de acordos outrora firmados . O ímpeto do monarca português em prosseguir com suas intenções de cercar os privilégios eclesiásticos deu inicio a uma grande desavença com o clero, para a qual os bispos responderam com o interdito contra o reino e a ida para Roma, onde 2

Cf. t1ATTOSO, J, História de Portugal: a monarquia feudal (1096-1480). Lisboa: Estampa, 1993; SERRAO, J.; MARQUES, A. H. O. Nova História de Portugal: Portugal em definição de fronteiras (I 096-1325), do condado portucalense à crise do século XIV. Lisboa: Presença, 1996.

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apresentaram um libelo em 1268, contendo 43 atiigos acusatórios contra o rei. Segundo MATTOSO, as principais acusações eram:

... o desprezo pelas sanções eclesiásticas por parte dos juízes e meirinhos régios; a resistências das autoridades régias e concelhias contra a implantação do dízimo pelo clero, nos lugares que ainda não o pagavam, e eram muitos; a oposição a uma extensão dos privilégios eclesiásticos previstos no direito canônico e que as autoridades seculares procuravam reduzir ao mínimo; a oposição régia à extensão da propriedade e da jurisdição eclesiástica em detrimento das terras e dos direitos da coroa (1993, p. 143).

Assim teve inicio a grave crise entre a Coroa Pmiuguesa e a Igreja do reino português. Apesar das tentativas de solução protagonizadas por ambas as partes, esta contenda não encontrou solução antes da morte de D. Afonso III e representou urna pesada herança a ser resolvida no reinado de seu sucessor, D. Dinis.

1. D. DINIS E A CONCORDATA DE 1289

A morte de Afonso III, em 16 de fevereiro de 1279, e a elevação de D. Dinis (1279 - 1325) não representaram o fim do conflito com o clero, o que ocorreria definitivamente somente dez anos após essa data. Durante esse período, o rei teve de cuidar de outros assuntos, como a questão da regência no início de seu governo que fora chefiada por sua mãe, a rainha D. Beatriz. O fim dessa regência gerou uma série de atritos entre ambos, situação que sensibilizou Afonso X, de Castela, pai da rainha e avô de D. Dinis, o que complicou as relações entre o monarca de Castela e o de Portugal, finalizada apenas quando Sancho IV ocupou o trono leonês-castelhano.Não menos importantes foram as relações estabelecidas entre o reino de Portugal e o de Aragão, situação proveitosa da qual saiu o acordo de casamento entre D. Dinis e Isabel 3 . Internamente, o sexto rei português teve de enfrentar, além da pendente contenda com o clero, duas revoltas protagonizadas por seu irn1ão, D. Afonso que, se apoiando no fato da não legitimidade do casamento de seus pais no momento do nascimento de seu irmão Dinis, afirmava que este era um filho ilegítimo, portanto, não podia ser rei. As duas revoltas, em 1281 e 1287, foram vencidas pelo rei e o irmão foi obrigado, dentre outras promessas, a jurar fidelidade ao rei e trocar parte de suas terras por outras em

3

Cf. GIMENEZ, José Carlos. A Rainha Isabel nas estratégias políticas da Península Ibérica: 1280-1336. 1995. 2llf. Tese (Doutorado em História)- Universidade Federal do Paraná, Curitiba.

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regiões onde suas revoltas não comprometessem a integridade do reino.Após os acordos com a Igreja, contudo, enfrentou a terceira revolta de seu irmão. Ainda no plano interno, buscou fazer a justiça ao perseguir ladrões e malfeitores que atormentavam a estabilidade do reino,noplano econômico deu incentivos à produção e ao comércio do reino, além de povoar o território, para o que recorreu ao uso das cartas de foral, ações que ajudavam também na defesa, fomentada, ainda, pelo investimento nas estruturas de defesa, como castelos e muralhas. Paralelamente a esse período tão conturbado, D. Dinis promoveu negociações visando solucionar os problemas com o clero, negociações que se iniciaram em 1281 quando o rei português aceitou frei D. Telo, nomeado pelo papa Nicolau III (1277 1280), como arcebispo de Braga. As negociações foram adiadas pela morte do papa e pela demora na eleição do substituto, Martinho IV ( 1281 - 1285). D. Dinis deu continuidade às negociações com o intuito de por fim ao conflito entre b clero e a coroa portuguesa ao convocar uma reunião na Guarda com os bispos. Foi por meio dessa reunião que o reino e o clero português chegaram a um acordo em abril de 1282, que foi enviado

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papa. Em 1284, o pontífice respondeu ao envio com o

veto à efetivação do que fora estabelecido como consenso entre ambas as pmies e exigiu uma grande quantidade de mudanças nos tennos daquele pacto. No ano seguinte, nas Cortes de Lisboa, o assunto foi retomado, mas, ao contrário do que as partes esperavam, essa ocasião acabou por aumêhtar os atritos entre a coroa e o clero de Pmiugal, visto que os bispos reclamaram ao papa, agora Honório (1285 1287), contra D. Dinis, acusando o monarca de não ter dialogado em prol de uma solução, mas apenas de ter lido as medidas do pontífice anterior e afirmar que elas não tinham validade, visto que Martinho IV havia morrido. Diante de mais um impasse, o monarca português nomeou dois representantes portugueses para defenderem os interesses da coroa frente a uma junta de três cardeais escolhidos pelo papa Honório IV. Mais uma vez, contudo, a morte do pontífice prolongou a resolução da contenda, que só ocorreu em 1289, durante o pontificado de Nicolau IV (1288 - 1292), quando as pmies em conflitos chegaram a um acordo composto por 40 miigos que finalizou o conflito. Esses acordos não foram tratados apenas no âmbito da política internacional, nem tampouco podem ser encarados como simplesmente um acordo entre o rei e o papa, já que estes fatos requerem atenção, como bem salientou Herminia Vasconcelos Vilar, em seu artigo intitulado O episcopado do tempo de D. Dinis: trajectos pessoais e 11

carreiras eclesiásticas (1279-1325), ao afirmar que: " ... o estabelecimento desses acordos, consubstanciado nos textos daí resultantes ( ... ) não são mais do que as pontas mais visíveis de um processo cujo desenlace se jogou também nos bastidores da Cúria Papal, da Corte e dos Cabidos diocesanos" (VI LAR; 2001, p. 582). A mesma autora afirma que, mesmo com a possibilidade de intromissão do papa Clemente IV na nomeação de cargos eclesiásticos nos primeiros anos do governo dionisino, o rei português conseguiu a eleição de eclesiásticos que vieram a ser seus colaboradores, transparecendo um complexo xadrez de poderes entre a Igreja e a Coroa de Portugal. A autora salienta, ainda, que as eleições dos altos quadros eclesiásticos nos cabidos não ocorriam apenas no interior desses, mas se estendiam para além de suas estruturas, chegando às elites locais, que tinham membros nesses cabidos, sendo que nessas brigas cabia, inclusive, apelo ao papa para intervenção nesses locais. Portanto, todo o interesse carregado por estes poderes conflui para o resultado final dos acordos de 1289 (VILAR, 2001). Fato que muito ajudou no apaziguar do atrito entre clero e Coroa se deveu às mudanças nos bispados de yárias dioceses na passagem do decênio de 1270 para o seguinte. Dessa maneira, D. Telo, já citado, ocupou Braga e D. Aimerico ficou à frente de Coimbr2., ambos em 1279; D. João passou a ter poder em Lamego no ano de 1285, mudanças que, segundo VILAR, "possibilitaram a substituição de alguns dos protagonistas dos anteriores conflitos e propiciaram ocasi'Ões de intervenção por parte do poder régio" (2001, p. 587).Mais importante, porém, que a mudança desses bispados foi o fato de que esses três bispos, juntamente com D. Bartolomeu, bispo de Silves desde 1270, formaram o grupo que recebeu autorização de Nicolau IV para negociar com os procuradores régios enviados a Roma. Enquanto interventores delegados pelo poder do pontífice, esses quatro bispos tinham o poder de aprovar os acordos em nome do papa, dando reconhecida validade a tais resoluções. Não menos importantes que a saída de protagonistas que iniciaram a crise no reinado de D. Afonso III foi a entrada em cena de outros dois personagens, escolhidos pelo próprio D. Dinis como seus representantes na Cúria visando a solução da contenda: Martinho Pires e Estevão Lourenço. O primeiro, segundo infonna VILAR(200 1), era chantre de Évora e clérigo do rei e teve uma carreira que ascendeu no reinado dionisino. O segundo morreu e foi substituído pelo cônego de Coimbra, João Martins de Soalhães.

Ambos, Martinho e João, eram eclesiásticos, submetidos, portanto, a hierarquia clerical, mas não deixavam de servir, também, aos interesses do rei. 12

Além dos eleitos como seus representantes, D. Dinis contava com o apoio de D. Domingos Anes Jardo, fiel a Coroa desde o governo de D. Afonso III, período em que ocupou o cargo de conselheiro. No governo dionisino, além de clérigo do rei,ele foi cônego de Évora até 1289, tendo recebido amplas doações do soberano português. Assim sendo, uma série de fatores contribuíram para a solução do conflito entre as partes, comoa longa série de papas que ocuparam a Santa Sé com pontificados de cmia duração e a própria demora dos sumo pontífices em retomar o rumo das negociações da contenda. Além disso, podem-se considerar, também,as manobras p.olíticas de D. Afonso UI para protelar a solução dos atritos entre a coroa e o clero português; a mudança dos bispos que ocupavam dioceses no reinado de D. Afonso, e que iniciaram os reclames perante o papado, por outros, mais próximos de D. Dinis; e, por fim, a própria habilidade política do sexto rei de Portugal em atrair esses novos bispos para órbita da Corte, enquanto ganhava tempo nas negociações com a Santa Sé. Todas essas circunstâncias influenciaram diretamente o acordo final entre as partes em conflito, solução que ficou conhecida como Concordata dos 40 artigos, devido número de artigos firmados entre a Coroa portuguesa e os eclesiásticos, ou Concordata de 1289, data em que foi firmada. Segundo COSTA, o tern1o concordatas é usado

para designar as convenções solenes feitas entre as autoridades supremas, eclesiástica e civil, tenha esta ou não representantes diplomáticos habituais junto da Santa Sé, sobre determinados assuntos, geralmente controversos, de interesse para ambas as partes, com aceitação de certos deveres e reconhecimento dos direitos da Igreja por parte do Estado e concessão de privilégios da parte da Igreja (1985a, p. 455).

Ainda segundo esse autor, as concordatas representavam verdadeiros tratados de direito internacional, com obrigação tanto para a Coroa quanto para a Santa Sé, já que, sendo soc:iedades supremas, portanto independentes em sua esfera jurídica, porém que atuavam sobre os mesmos súditos - ou seja, os quadros eclesiásticos de um reino estavam sujeitos tanto à jurisdição do rei quanto a da Santa Sé - era recorrente os conflitos entre tais alçadas, que deveriam ser resolvidos amigavelmente (COSTA, 1985a). Segundo PIZARRO, o acordo que fi cou conhecido como " a primeira concordata entre o reino de Portugal e a Santa Sé" (2008, p. 133) foi aprovado por Nicolau IV em 7

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de março de 1289, através da bula Occurrit nostrae considerationis. Ainda segundo esse autor, posteriormente foram aprovados mais onze artigos, podendo, portanto, essa concordata ser também chamada de Concordata dos 51 artigos. Para além da questão nominal,

... o certo é que a importância desses textos fica bem demonstrada pelo facto de terem sido assumidos como uma verdadeira concordata e de terem sido inseridos em textos legais posteriores, como aconteceu com as Ordenações Afonsinas (PIZARRO, 2008, p. 133).

O conteúdo presente nessa concordata diz respeito, basicamente, aos privilégios e liberdades da Igreja, acusados de serem desrespeitados no reinado de D. Afonso 111. D. Dinis, respondendo pelas acusações feitas contra seu pai, afirmou nunca ter cometido os mesmos desrespeitos do monarca anterior, e que não os cometeria, assim como puniria quem os fizesse. Ainda em sua defesa, o sexto rei português acrescentou que as falhas que o govemo anterior havia feito contra o clero haviam sido corrigidas, e que, se alguma ainda não estivesse sanada, qualquer um poderia requerer sua solução, que todo o direito seria prontamente restituído. Por fim, cabe salientar a pergunta de PIZARRO: "quem ganhou efectivamente com a assinatura da concordata? O rei ou os bispos?" (2008, p. 134). Sobre a questão, citando José Mattoso, o autor salienta que, depois de 1290, os atritos entre a coroa e os bispos não foram levados à Santa Sé para encontrarem~· soluções, passando a serem consideradas ultrapassadas, conforme entendido por Gama Barros quando este afirma:

O triunfo que a classe eclesiástica obteve nas duas composições foi mais aparente do que real, como o atestam as queixas que se repetiram neste mesmo reinado de D. Dinis e nos seguintes. Mas essas queixas, sobressaindo já o predomínio do poder do rei, têm perdido, quanto aos seus efeitos, a antiga gravidade, porque outrora, sendo levados ao clero e submetidas, portanto, ao julgamento do papa, colocavam abertamente em luta o monarca e o chefe visível da Igreja, ao passo que desde a conclusão das duas concórdias, cuja histeria tentámos esboçar, os agravos acusados pelos eclesiásticos passaram geralmente a ser decididos pelo soberano reunido com os prelados, sem intervenção de poder estranho (BARROS, H.G. apud PIZARRO, 2008, p. 135)

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De fato, o poder régio passava já por um período de crescimento, muito perceptível pelos acontecimentos do reinado dionisino4, mas não se pode ignorar o contexto histórico ao chegar a essa conclusão. Dificilmente os bispos do reino de Portugal teriam os motivos que tiveram no governo de D. Afonso III para abrir um conflito de tamanha amplitude quanto o foi naquele reinado por dois motivos. Primeiramente, os quadros clericais não intervieram de fonna tão incisiva na sucessão do trono português nos reinados seguintes como tiveram na ascensão do quinto rei português, o que fez que os membros da Igreja em Portugal esperassem dele nada menos do que a proteção dessa instituição, e não o cerceamento de suas liberdades, direitos e privilégios, questão que atuou corno catalisadora para o estouro de tamanha contenda. O segundo motivo diz respeito ao próprio poder que a Igreja adquiriu nos períodos seguintes à assinatura da concordata de 1289, conforme exposto pelo próprio PIZARRO: "Diga-se, desde já, que esse poder era, à data do nascimento de D. Dinis, uma pálicL imagem do que fora o poder papal durante o século XII, e ainda no primeiro quartel do Duzentos" (2008, p. 31 ), esta perda de poder por parte da Santa Sé foi fruto da atinnação do poder real, conforme afirmação de A Y ALA MARTÍNEZ (1998), facilmente percebida entre os anos 1250 e 1350. ' Ainda segundo PIZARRO (2008), o desgaste da Igreja nos embates contra o -~

poder imperial ou com a nobreza romana, a imposição do' poder francês através da casa de Anjou na península italiana, por fim, a sucessão de papas pouco efici entes e de reinados muito breves, como visto no decorrer dessas linhas,todas essas questões contribuíram para debilitar o poder da Igreja que, em decréscimo, vivia situação aposta ao poder dos reinos, cada vez mais centralizados nas mãos dos monarcas.Dessa fonna, chegou-se ao ponto do célebre conflito entre o papa Bonifácio VIII (1 294 - 1303) e o rei Felipe, o Belo (1285 - 1314) da França, questão que culmina no controle do pontificado pelo rei francês, Ghegando mesmo a transferir a sede do papado para Avinhão.

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PIZARRO, J.A.S.M. D. Dinis. Rio de Mouro: Temas e Debates, 2008.

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2 CONSIDERAÇÕES FINAIS O que tivemos a partir da Reconquista foi a ampliação do domínio cristão na Península Ibérica, retomada, pouco a pouco, do domínio muçulmano. A criação do condado portucalense, cerne do futuro reino de Portugal, esteve inserida neste processo e foi marcada pela doação recebida por Henrique de Borgonha. O território português, ainda considerado um condado, foi alargado pelo sucessor de Henrique de Borgonha, Afonso Henriques, que, aproveitando os sucessos obtidos nas lutas contra os muçulmanos, intitulou-se rei de Portugal, sendo conhecido como D. Afonso I. Afonso Henriques teve que declarar vassalagem a Sé Apostólica por motivos políticos que se faziam necessários para o fortalecimento do reino naquele momento, mas esta relação com a Santa Sé não impediu os reis que o sucederam de buscar a o fortalecimento do poder régio e, com isso, de cercar os privilégios da Igreja. Dessas ações, derivam os atritos entre o rei e o clero que ocorreram no reinado de D. Sancho I e D. Afonso li, em que tais cont1itos chegaram ao ponto de violentas repressões por parte da Coroa e pesadas sanções eclesiásticas por parte dos clérigos. Tais

medidas

eclesiásticas,

porém,

não

impediram

a

continuação

da

centralização régia que, mesmo não tendo avançado durante oreinado de D. Sancho 11, foi retomada fortemente no reinado de D. Afonso III, que investiu pesadamente sua energia para cercear os privilégios da Igreja, culminando no conflito abe1io entre a Coroa e os eclesiásticos, que lutavam pela permanência de seus privilégios e liberdades. A luta que se arrastou durante os últimos doze anos do reinado de Afonso III não encontrou solução em seu governo, cabendo a seu filho D. Dinis dar fim a tal empecilho. Demonstrando grande habilidade política, D. Dinis cuidou de outros assuntos, muitos dos quais davam indícios que seu governo seria marcado pela centralização régia contra outro grupo social, a nobreza, a qual não pode ser controlada por seu pai devido à característica própria daquele contexto. Enquanto ensaiava a futura política de controle nobiliárquico, o sexto rei português pôde contar com situações que tàcilitaram os acordos para solucionar a longa contenda com o clero, principalmente com a mudança de muitos bispos que protagonizaram os protestos no reinado anterior. Nesse sentido, pode-se afirmar que D. Dinis soube aproveitar a possibilidade de atrair esses bispos para o conluio de seus interesses, além de procurar o apoio de outros clérigos. 16

A coroa portuguesa pode, enfim, firmar as Concordatas de 1289 e finalizar o longo atrito que empreendeu contra o clero por mais de 22 anos, ação que só foi possível devido à morte de um rei que se intrometeu e cerceou os direitos e privilégios eclesiásticos e entrada de outro que soube dialogar com a Santa Sé e aceitar os pedidos do episcopado português. Não se pode afirmar, contudo, que o sucesso português nos acordos com o pontificado tenham sido êxitos apenas de D. Dinis, mas, antes, deve-se considerar que este monarca deveu muito ao contexto político vivido pelo Ocidente Medieval entre o ano 1250 e 13 50, em que a Igreja encontrava-se debilitada em seu poder após uma sequência de curtos pontificados frente a um incontestável crescimento do poder régio em diversos reinos europeus. A aceitação, porém, dos artigos propostos pelos clérigos e o comprometimento de D. Dinis em sanar as irregularidades que ainda não haviam sido corrigidas, assim como o de não desrespeitar os direitos eclesiásticos, não significou o fim dos atritos.Pelo contrário, surgiram outros, muitos dos quais decorrentes do próprio desrespeito às Concordatas de 1289, mas esses não chegaram a sair do reino, sendo resolvido internamente e sem a influência da Santa Sé, preocupada muito mais em se manter finne frente às investidas do reino francês de Felipe, o Belo. O poder outrora possuído pela Igreja fora solapado pela centrali:(:ação do poder dos Estados Modernos em fonnação.

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3 BIBLIOGRAFIA AYALA MARTÍNEZ, C. Las Órdenes Militares y los procesos de afirmación Monárquica en Castilla y Portugal ( 1250-1350). A ctas das IV Jornadas LusoEspanholas de História Medieval, Porto, v. 15, n. 2, p. 1288-1302, 1998. BARROS, H.G. História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV. 11 vols. Lisboa; Sá da Costa, 1945- 1954. COSTA, A.D.S. Concordata. In; SERRÃO, J. Dicionário de História de Portugal. Porto; Livraria Figueirinhas, 1985a. v. 2, p. 143- 145 . Santa Sé. In; SERRÃO, J. Dicionário de História de Portugal. Porto: Livrmia Figueirinhas, 1985b. v. 5, p. 455-461

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