A Cerimônia do Chá no Japão e sua Reapropriação no Brasil: Uma Metáfora da Identidade Cultural do Japonês

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Cristina Moreira da Rocha

A CERIMÔNIA DO CHÁ NO JAPÃO E SUA REAPROPRIAÇÃO NO BRASIL: UMA METÁFORA DA IDENTIDADE CULTURAL DO JAPONÊS

Dissertação

apresentada

ao

departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de

São

Paulo

sob

orientação do Prof. Dr. Virgílio Noya Pinto como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.

São Paulo 1996

Cristina Moreira da Rocha

A CERIMÔNIA DO CHÁ NO JAPÃO E SUA REAPROPRIAÇÃO NO BRASIL: UMA METÁFORA DA IDENTIDADE CULTURAL DO JAPONÊS

Dissertação

apresentada

ao

departamento de Comunicações e Artes da Escola de Comunicações e Artes da Universidade

de

São

Paulo

sob

orientação do Prof. Dr. Virgílio Noya Pinto como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre.

São Paulo 1996

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O chanoyu nada mais é que isto: ferver a água, preparar o chá, e bebê-lo - isto é tudo que se deveria saber.

Sen no Rikyû

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BANCA EXAMINADORA

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____________________________________

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas e instituições foram importantes para a conclusão deste trabalho. Contudo, sei que é difícil conseguir reunir seus nomes nas poucas páginas aqui disponíveis. Optei por uma pequena lista de pessoas sem as quais esta pesquisa não teria saído do plano do desejo. Gostaria, entretanto, de deixar um agradecimento implícito a todos, presentes aqui ou não, que me auxiliaram a fazer com que o desejo tomasse uma forma concreta. Fundação Urasenke, pela bolsa de estudos que me possibilitou conhecer a realidade japonesa do chanoyu e pela oportunidade única de ter um cotidiano mais perto possível do japonês, o que foi fundamental do ponto de vista antropológico. Prof. Dra. Francesca Cavalli, por ter me incentivado a percorrer o caminho do chá e por ter confiado na seriedade de meu trabalho, intercedendo junto à Fundação Urasenke para a concessão da bolsa de estudos. Meu orientador, Prof. Dr. Virgílio Noya Pinto, por ter aceitado substituir a Prof. Dra. Francesca Cavalli, que se aposentava, e ter continuado o trabalho com o mesmo amor pela cultura japonesa. Prof. Dr. José Guilherme Magnani, pela acolhida e pela boa vontade demonstrada em ler o trabalho e levantar pontos falhos que me ajudaram a repensar a pesquisa. Em especial a meus pais, irmãs e amigos que estiveram efetivamente presentes e me ajudaram num momento extremamente difícil de minha vida. Iris Kantor, Ligia Farias e Ciça Lessa pela revisão de parte do texto, amizade e apoio incondicional durante todo o trabalho. Ely Inoue e Jean Vassilagas que me mostraram, cada um à sua maneira, um novo caminho a seguir. Eduardo Sassaki e Isabel Desenne, pela amizade, encontros e reencontros em Quioto e São Paulo. Célia Sakurai, pelo auxílio na montagem do questionário e paciência em discutir a pesquisa quando ainda era um projeto.

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Silvia Cervelini, pela grande ajuda na análise dos questionários respondidos e na feitura das tabelas. Prof. Gary Cadwallader, pelo seu entusiasmo, conhecimento do chanoyu e esforço em esclarecer pontos obscuros para uma ocidental. Associação de Intercâmbio Japão - Brasil (AIJB), pela oportunidade de rever o Japão e publicar meu trabalho em japonês. Sr. Carlos Cyrillo, pelo seu trabalho para que o chanoyu seja disseminado no Brasil também entre brasileiros não-imigrantes. Grupos de chanoyu de São Paulo, que aceitaram participar da pesquisa, respondendo ao questionário e entrevistas.

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RESUMO

O trabalho visou investigar o significado da cerimônia do chá (chanoyu ou chado) no Japão e seu aparecimento na história japonesa como uma “tradição inventada”, conceito criado por Eric Hobsbawm. A partir da constatação que o chanoyu é usado como uma metáfora da identidade cultural do japonês e tem se transformado juntamente com a cultura desde que foi “inventado”, investigou-se sua reapropriação no Brasil. Que sinais diacríticos foram preservados, quais foram esquecidos, qual o significado destas escolhas, que conflitos surgiram devido a estas escolhas?

Foram pesquisadas e comparadas duas populações que praticam o chanoyu: a japonesa e a brasileira. A autora viveu um ano no Japão estudando o chanoyu em período integral e pratica, no grupo brasileiro, desde 1990. Portanto, pôde usar observação participante e entrevistas com as duas populações para obter dados qualitativos. Dados quantitativos foram conseguidos através de survey, distribuindo-se questionários auto-preenchíveis aos alunos. Afora isto, foi feita extensa pesquisa bibliográfica no Japão.

Foram percebidas diferenças e semelhanças entre as populações, métodos de ensino, estrutura da escola e significado do aprendizado. As populações japonesa e brasileira se assemelham por serem basicamente femininas e estudarem esta arte com fins de socialização, isto é, como via de acesso à etiqueta e à “cultura tradicional” japonesa. Contudo, no Japão, há ênfase nos seus aspectos filosófico-religiosos e no Brasil, o chanoyu propicia um espaço de encontro onde se pode compartilhar a cultura japonesa em geral: língua, culinária, vivências. No Brasil, o aspecto de sociabilidade suplanta o aprendizado dos aspectos formais da arte. É importante notar que, no Brasil, a presença de japoneses não-imigrantes (esposas de executivos no país por poucos anos) e brasileiros não-descendentes gera conflitos e disputas travadas em torno da “autenticidade” e “pureza” do chanoyu praticado por cada um.

Devido a esta diferença de ênfase, o chanoyu no Japão se abre mais aos estrangeiros que vêm aprendê-lo. No Brasil, como foi constatado na pesquisa, ele tornou-se um grande sinal diacrítico da cultura japonesa, fazendo com que a vi

comunidade se fechasse para tentar preservá-lo “imaculado”, e provocando embates políticos internos pela “autenticidade” do chanoyu de cada grupo. Concluímos que esta é uma luta política pela definição das identidades e diferenças, onde os grupos reinventam uma tradição cultural sempre que querem marcar as fronteiras entre o “nós” e o “outro”, neste caso entre japoneses imigrantes e seus descendentes, japoneses não-imigrantes e brasileiros não-descendentes.

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ABSTRACT

This dissertation presents an analysis of the role tea ceremony (chanoyu) played throughout Japanese history and its appropriation in Brazil by Japanese immigrants, their descendants, Japanese non-immigrants and non-Japanese Brazilians.

It is based on participant observation research (a year in Kyoto at Urasenke headquarters and seven years in Brazil), interviews with students and teachers in Kyoto and São Paulo, Brazil, and research of related bibliography.

This dissertation argues that the study of chanoyu is not only the study of an art and ritual, but primarily the learning of how to be “Japanese”. Chanoyu would work as a metaphor of the “traditional Japanese spirit”. Even though it is not an art for the masses and few Japanese people, immigrants and their descendants in Brazil are willing to actually learn it, it remains kept in a sacred room in their memories, so that they can reach for it in time of necessity. Cultural identity is formed when relating to the “other”. Whenever the Japanese people were (and are) faced with other peoples, chanoyu worked (and still does) as a basic tool to convey what is thought as the “traditional Japanese culture” as a counterpoint to a foreign (nowadays, mainly western) culture.

However, culture is not petrified, it is transformed and forged according to the need of times and peoples. Chanoyu has been a central pillar of traditional Japanese culture because it has been invented over and over again. These adaptations and changes in Japan and in Brazil are the central focus of this dissertation.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

1

METODOLOGIA

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CAPÍTULO I O CHANOYU NO JAPÃO

9

1.1 Origens do Chanoyu

10

1.2 O Papel do Chanoyu na Unificação do País

19

1.3 Porque o Chanoyu foi escolhido pelos japoneses como incorporador do "espírito japonês" 1.3.1 Uma Tradição Inventada 1.3.2 O Chanoyu e a Identidade do Povo Japonês

27 33 36

CAPÍTULO II O CAMINHO DO CHANOYU NO BRASIL

43

2.1 Sua História

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2.2 A População 2.2.1 O que procuraram os japoneses que foram estudar o chanoyu? 2.2.2 Porque havia poucos nisseis interessados em aprender o chanoyu nas décadas de 50 e 60? 2.2.3 População Atual: os grupos A, B e C

55 55

2.3 Conflitos no Mundo do Chanoyu 2.3.1 Entre os grupos A, B e C 2.3.2 Entre japoneses imigrantes e não-imigrantes 2.3.3 Entre brasileiros não-descendentes e imigrantes

84 85 93 96

CAPÍTULO III ORGANIZAÇÃO INTERNA

56 61

99

3.1 A Estrutura da Instituição no Japão 3.1.1 A Primogenitura 3.1.2 Pilares Básicos da Instituição 3.1.3 Os Cursos Profissionalizantes 3.1.4 O Sistema de Certificados

100 100 102 110 114

3.2 A Estrutura da instituição no Brasil

118

3.3 O Corpo Moldado

121

3.4 Procedimentos Para Aprendizagem do Chanoyu

132

3.5 Diferenças de aprendizado e conteúdo 3.5.1 Diferenças entre Japão e Grupo B 3.5.2 Diferenças entre os Grupos Brasileiros A, B e C

139 140 150

3.6 Comemorações e Festas

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

163

BIBLIOGRAFIA

169

ANEXOS

185

Personagens e datas importantes para o chanoyu Cronologia de eventos significativos para o chanoyu fora do Japão Iemotos de Urasenke Certificados de Urasenke As festas e suas datas Famílias que produzem utensílios para Urasenke (Senke Jushoku) Exemplo de Saijiki (almanaque com eventos sazonais) para março Exemplo de livro para treinamento de temae Questionário usado para survey Glossário

1

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como intuito analisar a reapropriação do chanoyu1 2

ou chado (cerimônia do chá), uma arte tradicional japonesa, no Brasil. Procurou-se investigar quais aspectos do chanoyu foram preservados, quais foram esquecidos, quais foram transformados, como e porque ocorreu esta transformação.

Objetivando chegar ao que significava para os primeiros imigrantes aprender o chanoyu, foi forçoso referir-me, mesmo que sucintamente, às suas origens, seu papel preponderante no processo de unificação do Estado Japonês e sua conseqüente transformação em paradigma da cultura japonesa. Uma referência ao papel que desempenha atualmente na sociedade japonesa se fez igualmente necessária.

Deste modo pude examinar em que condições esta arte chegou ao Brasil e o significado que teve e tem para os diversos grupos que aqui a praticam, principalmente os imigrantes japoneses e seus descendentes.

O chado ou chanoyu é possivelmente a última arte tradicional japonesa a ser desvendada pelos olhos do ocidente. A ikebana, o sumi-ê, as artes marciais (judo, kendo), a arquitetura e, mais que nunca a culinária japonesa, já entraram no vocabulário das grandes metrópoles ocidentais. Mas porque não a cerimônia do chá? Uma razão que salta aos olhos é que aprendê-la demanda tempo, dedicação e não resulta num produto final, como um arranjo floral, uma pintura. Mesmo as artes marciais adestram o corpo para algo valorizado no ocidente: a defesa pessoal.

O chanoyu constitui-se num nicho onde a colônia japonesa no Brasil guarda o que considera “suas preciosidades” - os valores que constituem o tão propalado “espírito japonês”. Nem toda a colônia estuda o chanoyu, apenas uma ínfima parte 1

Literalmente "água quente para o chá", nome comumente usado para designar a cerimônia do chá como objeto de prática e estudo. 2

Literalmente "caminho do chá", é um dos nomes da cerimônia do chá quando encarada de um ângulo filosófico-religioso. Para o zen-budismo há vários outros "caminhos", além do chado, para se atingir a iluminação: o shodo (caminho da caligrafia), kendo (caminho das espadas), kado (caminho das flores), etc.

2 dela o faz (na rede institucional de São Paulo há apenas 106 alunos, como veremos neste trabalho). Muitos descendentes contatados tinham mesmo uma reação de timidez e acanhamento ao serem perguntados porque não estudavam o chanoyu, como se não fossem dignos dele. Apesar deste fato, todos conhecem e respeitam esta arte como o ápice do que a cultura japonesa produziu em termos estéticos e simbólicos. “Muitas das qualidades que distinguem a arte japonesa daquela de outras culturas são manifestações do ‘gosto do chá’. O chanoyu teve um papel fundamental na formação do gosto artístico japonês.” (Guth, 1993 :7, 10)

Por ocupar esta posição superior na hierarquia das artes tradicionais e por funcionar como um sistema ético e de conduta, o chanoyu oferece um campo privilegiado para uma investigação do que foi escolhido e o que foi transformado pelos imigrantes e seus descendentes no Brasil como representativo de seu ethos japonês. Através destas escolhas pode-se perceber o que selecionaram para lembrar-se de suas origens e quais elementos da cultura brasileira foram incorporados. Diz a socióloga Barbara Mori em sua tese de doutorado sobre o chanoyu ou chado: “Como um veículo para se estudar transmissão cultural*, o chado é uma escolha apropriada porque é visto pelos japoneses e não-japoneses como a representação ideal da cultura japonesa*. O chado possui um conjunto definido e claro de valores, possui estrutura organizacional (sistema de Iemoto) e padrões interpessoais de relacionamento (anfitrião/convidado). Providencia um espaço de aprendizado formal e informal para se observar professores e alunos. Na interação professor-aluno ocorre a transmissão de valores e padrões de comportamento. O chado é uma atividade corrente que serve para introduzir valores e padrões de comportamento japoneses no Havaí e em outros países.” (Mori, 1988: 5) *grifo meu Para o pesquisador Paul Varley o chanoyu seria “(...) um tipo de recriação em miniatura de um ideal hipotético do padrão japonês de comportamento”. (Varley, 1991: 189)

3 Destas afirmações depreendemos a idéia de que o chanoyu seria visto pelos japoneses como uma metáfora3 da “alma japonesa” e, portanto, deveria ser estudado para compreendermos como os japoneses e seus descendentes se vêem, o que aspiram e imaginam ser.

A análise do chanoyu como forma de expressão cultural não-verbal e a análise da linguagem corporal aprendida nas aulas de chanoyu se apresentam como vias de compreensão da construção da identidade étnica do japonês. Investigando o processo de “moldagem” do corpo, procurei identificar aqueles aspectos diacríticos que fazem do japonês um japonês, e do imigrante ou descendente o que eles são.

A desorganização e reorganização sociais que os imigrantes e seus descendentes tiveram que enfrentar ao viver entre duas ordens de valores (japoneses e brasileiros), fez com que este sistema ético fosse adotado de maneiras diferentes por uns e outros.

Atualmente mais dois grupos juntaram-se a estes que primeiro praticaram o chanoyu: os japoneses não-imigrantes e brasileiros não-descendentes. E o Japão não poderia viver uma realidade mais distinta daquela de 1954, quando o chanoyu chegou ao Brasil. Como uma das maiores potências econômicas mundiais, o país faz nascer um interesse mais intenso por sua cultura. Brasileiros não-descendentes encontram nesta arte uma porta estreita, mas de acesso possível. Com companhias japonesas espalhadas pelo globo, executivos japoneses vêm à São Paulo trabalhar temporariamente e suas esposas tornam-se parte do corpo de alunos.

Dados estes grupos tão variados, é relevante analisar com o que contribui cada um deles para a maneira como o chanoyu é feito e estudado no Brasil e o que esperam conseguir com seu estudo. Todavia, são os conflitos entre eles que nos falam de suas aspirações. A questão da identidade e as lutas de poder são peças fundamentais na existência do chanoyu entre nós.

3

“A metáfora (...) é um modo de cognição na qual as qualidades que identificam algo são transferidas como num insight instantâneo, quase inconsciente, para alguma outra coisa que, por ser remota ou complexa, é desconhecida para nós. (...) Metáfora é a nossa maneira de fundir instantaneamente duas esferas distintas da experiência numa única imagem reveladora, icônica e condensada.” (Nisbet apud Victor Turner, 1974: 25)

4 Meu contato com o chanoyu se iniciou muito antes de estudá-lo concretamente. Em 1984 comecei um curso de ikebana, enquanto cursava a graduação no curso de Ciências Sociais da USP. A antropologia sempre havia me instigado e o grupo étnico japonês e suas artes tradicionais surgiram como um objeto de estudo evidente. Logo já aprendia algumas palavras da língua japonesa e comecei a estudar caligrafia (shodo - o caminho da caligrafia). A partir de 1990 entrei em contato com o chanoyu e fiquei feliz em perceber que reunia tudo o que me interessava na cultura japonesa: arte e etnia. Desde então tenho estudado o chanoyu e estado em contato com a comunidade que o pratica em São Paulo.

Em 1991 comecei o curso de pós-graduação na ECA e em 1992 ganhei uma bolsa de estudos da Fundação Urasenke (a mais tradicional e maior escola de chanoyu do Japão) e parti para um ano de estudos em período integral em Quioto. No Japão, além do curso teórico e prático, estive em contato com outros pesquisadores estrangeiros e fiz extenso trabalho de pesquisa bibliográfica. Percebendo que muito do que eu gostaria de estudar, isto é, o século XVI (período Azuchi-Momoyama) já havia sido bastante investigado pelos pesquisadores americanos, que haviam começado a estudar o Japão desde o fim da segunda guerra, resolvi dedicar-me ao que deveria ter sido claro desde o começo: a comunidade japonesa em São Paulo e sua relação com o chanoyu e as artes tradicionais japonesas. Voltando em meio de 1993, comecei a elaborar o survey que me daria dados quantitativos sobre esta população, ao mesmo tempo que fazia entrevistas em profundidade com membros da comunidade os quais conhecia desde 1990.

Percebi que houve dois momentos distintos no modo como os membros da comunidade me viam. Antes da minha ida ao Japão o relacionamento era bem mais fácil e fluido. Provavelmente porque eu não apresentava nenhuma ameaça à sua identidade étnica. Era apenas uma brasileira não-descendente que eventualmente havia começado a freqüentar as aulas. A partir do momento que eu voltei do curso na matriz japonesa, tudo mudou. Houve grande desconfiança e o tratamento que me dispensavam era entre admirado e irritado. Aí estava alguém que não fazia parte do grupo e, no entanto, compartilhava de seus valores, regras de conduta e conteúdos. Não só isto, alguém que havia aprendido “na fonte”, em Quioto, o que eles consideravam a maneira original e “pura” de praticar esta arte. Neste momento os conflitos apareceram demonstrando que conhecer o chanoyu era um aspecto significativo na construção da identidade do grupo.

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Este foi o motor da minha investigação. Porque era tão doloroso para os imigrantes e descendentes o enfrentamento com o Japão atual? O que eles sentiam que haviam perdido nestes anos todos? Como havia sido a adaptação no novo país? O que haviam trazido para a diáspora e o que aprenderam entre nós? Em que sentido o chanoyu havia se tornado metáfora do ethos japonês? Porque o chanoyu não havia se disseminado entre brasileiros não-descendentes e por toda a colônia japonesa como as outras artes tradicionais japonesas? Porque havia sido resguardado com tanto cuidado?

Com todas estas questões em mente, comecei a delinear a dissertação.

O primeiro capítulo trata do chanoyu no mundo japonês, seu papel histórico, suas adaptações e como transformou-se no que chamo de “metáfora do espírito japonês”. O objeto deste capítulo era o que eu havia escolhido para a dissertação antes de ir ao Japão.

O segundo capítulo lida com o chanoyu e a comunidade que o pratica aqui no Brasil. Nele examino como chegou ao país, a população que o estuda, o significado que tem para os diversos grupos e os conflitos existentes entre eles. Este capítulo foi sendo construído depois de minha volta ao Brasil, em conseqüência das dificuldades de relacionamento com alguns grupos e a reação oposta de outros que fazem parte da comunidade do chanoyu aqui.

O último capítulo trata da estrutura das aulas, do curso e da instituição nos dois países. A partir da descrição minuciosa de cada um destes aspectos, faço uma comparação de como cada um deles é tratado no Brasil e no Japão. O aprendizado desta arte diz respeito a dois fatores: socialização e sociabilidade. Através dele aprende-se uma maneira de apropriada de comportar-se e valores tradicionais da sociedade

japonesa.

As aulas e festas

são ocasiões de encontro,

de

comensalidade, de compartilhar valores. Para os que emigraram do Japão são ocasiões de compartilhar também lembranças e saudades.

No mesmo capítulo trato das técnicas de aprendizagem e da construção do corpo do aluno. O corpo se torna polissêmico, uma linguagem que pode ser investigada e tornar-se via de compreensão das fronteiras que delimitam a identidade cultural do japonês, seja ele no Japão ou no Brasil. Por fim analiso e

6 descrevo as festas ocorridas no mundo do chanoyu, seu simbolismo e como são comemoradas no Japão e Brasil.

Como veremos a seguir, o chanoyu teve sempre um largo espectro de usos que serviram aos mais variados propósitos dos mais variados grupos. De arte da elite masculina no século XVI passou a ser uma arte de massa e feminina no século XX. De arte religiosa e ritualística tornou-se, com o passar do tempo, uma arte laica, dedicada preferencialmente à forma e transmissão de valores culturais. Ao longo da pesquisa percebemos que cada grupo que se dedicou e se dedica atualmente ao chanoyu fez uso de certos aspectos desta arte. A cada novo interlocutor novos sentidos foram atribuídos ao chanoyu. Se os homens do século XVI o usaram como meio de fazer política e ascender socialmente, as mulheres do século XX o usam como maneira de aprender de etiqueta antes do casamento e, assim, valorizar seu dote. Mas o chanoyu serve igualmente a um propósito oposto: no papel de professora, a mulher pode adquirir independência financeira de uma maneira aceitável para a sociedade japonesa. Na segunda metade do século XX, o chanoyu (juntamente com a voga das terapias orientais, da meditação, das artes marciais) abriu-se à curiosidade ocidental como meio de acesso ao zen-budismo e a uma vida ascética.

A cada adaptação - que ocorreu como resposta dinâmica às mudanças na sociedade japonesa - houve uma tentativa de mantê-lo no centro da vida cultural japonesa. Devido a estes inúmeros ajustes, o chanoyu continua ainda hoje sendo visto pelos japoneses como o principal veículo de transmissão de cultura e valores tradicionais de seu país.

7

METODOLOGIA

A população que compõe o objeto de estudo desta dissertação resume-se à comunidade de chanoyu da cidade de São Paulo, mais especificamente, os grupos que estudam o chanoyu nas duas instituições que oferecem este curso em São Paulo - a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e a Casa de Cultura Japonesa da USP. Esta escolha deveu-se ao fato de que estes grupos seguem o estilo de chanoyu da escola Urasenke do Japão, a única a ter uma política de divulgação desta arte fora do Japão. Há várias outras escolas de chanoyu, que ensinam diferentes estilos, mas ficaram circunscritas ao público exclusivo japonês. Urasenke, pelo contrário, cresceu muito neste século e tornou-se a maior escola de chanoyu dentro e fora do Japão4, quando abriu o estudo para as classes médias da população japonesa e uniu-se ao esforço do governo japonês para divulgar a cultura tradicional no exterior.

Alguns poucos imigrantes que para cá vieram já haviam aprendido o chanoyu em outras escolas e ensinavam estes estilos em casa, para filhos de conhecidos e parentes. Contudo, com a chegada do estilo de Urasenke e o estabelecimento de um ensino institucionalizado a partir de 1954, estes poucos professores passaram a adotar Urasenke como estilo oficial.

Ainda hoje há vários professores de chanoyu que dão aulas em suas casas e outros que viajam mensalmente para cidades do interior (como Moji, Registro, Pompéia, Bastos, Londrina, Lins, Maringá, Araçatuba, Ribeirão Preto, Suzano), mas estes, assim como as filiais da escola Urasenke em Curitiba e Rio de Janeiro não foram objeto deste estudo.

Decidiu-se por enfocar as aulas da escola oficial em São Paulo porque desejava-se compará-las com as aulas da escola Urasenke japonesa. Esta escolha se deu em virtude do fato de que os dados sobre as aulas na escola Urasenke do Japão foram baseados no curso de chanoyu da autora naquela instituição (1992-

4

Estima-se que 70% de todos os alunos que estudam o chanoyu sejam de Urasenke. (Mori, 1988: 10)

8 1993). Portanto, este estudo comparativo só poderia ser desenvolvido se a mesma instituição fosse pesquisada entre nós.

A elaboração do Capítulo I, que trata da origem do chanoyu e seu significado na história do Japão, é baseada em material bibliográfico, aulas teóricas na sede da Fundação Urasenke e observação direta.

Os dados do Capítulo II, sobre o chanoyu no Brasil, são baseados também em material bibliográfico e jornais da época (quando trata da história do chanoyu), além de ter sido realizado um survey para colher dados quantitativos sobre a população que participa das aulas no Brasil. Dados qualitativos foram colhidos por meio de entrevistas em profundidade com representantes dos três grupos estudados incluindo professores e alunos. A coleta de dados do survey foi feita através da distribuição de questionários auto-preenchíveis5

a todos os alunos

presentes às aulas durante os meses de outubro de 1994 a maio de 1995. Garantiuse um retorno de 100% dos questionários, obtendo-se resposta de 106 alunos.

Como já foi mencionado anteriormente, a autora baseou os dados do Capítulo III em observação direta e participante no curso, em período integral, na Fundação Urasenke no Japão, e nas aulas que freqüenta nos dois locais de ensino de chanoyu que fazem parte da pesquisa no Brasil, além de fazer uso de material bibliográfico.

5

Ver anexo ao fim deste trabalho.

9

CAPÍTULO I O CHANOYU NO JAPÃO

10

1.1 Origens do Chanoyu

Como não é o objetivo deste trabalho estudar o chanoyu no Japão, mas sua situação no Brasil, entre os imigrantes, não deverei ater-me a uma análise mais minuciosa da origem deste. Contudo, para fins de compreensão de seu significado entre os imigrantes japoneses no Brasil é necessário relatar sua história e o papel preponderante que tomou na unificação do país.

O chá foi introduzido pela primeira vez no Japão, advindo da China, no começo do período Heian (794-1192). Usado apenas pela elite japonesa, foi posto de lado, junto com o interesse pela cultura chinesa, depois que os dois países cortaram relações em 895. A prática de bebê-lo só se espalhou pelo país quando foi reintroduzido por Myôan Eisai (1141-1215), patriarca da seita do zen-budismo chamada Rinzai, quando de seu retorno em 1191 de uma viagem à China. O uso do chá no Japão estava tão esquecido que em lugar de retomar a prática do período Heian, quando o chá vinha em barras e era preparado por infusão, foi-se buscar na China uma nova tradição de beber o chá: Eisai trouxe novas sementes e métodos de preparo dos mosteiros budistas chineses. (Ludwig, 1981: 376) Pela primeira vez os japoneses começaram a usar o chá em pó batido com água fervente, que até 6

nossos dias é utilizado na cerimônia do chá .

Nesta época os monges budistas japoneses estavam encarregados do comércio entre Japão e China e aproveitavam suas viagens para aprender mais sobre a nova religião o ch'an, ou zen, como passou a ser chamada no Japão.

6

O chá usado para o chanoyu, chamado de macha, consiste num pó fino verde preparado moendo-se as folhas de um planta da família da camélia denominada Camellia Sinensis, encontrada na China, Coréia, Japão, Índia, Nepal e Sri-Lanka. Plantado inicialmente por Eisai numa região ao norte de Quioto denominada kitayama, foi ao sul, em Uji, que desenvolveu-se e ganhou notoriedade a partir do século XV. Até nossos dias, o chá plantado em Uji é considerado o melhor macha japonês. Durante a cerimônia o macha é preparado adicionando-se água fervente ao pó numa tigela (chawan), e batendo-se com vigor com uma batedeira feita de bambu (chasen).

11 Eisai, influenciado por idéias Taoistas, escreveu em seu livro intitulado Kissa Yôjôki (lit. Um Registro de Como Beber o Chá e Manter a Saúde):

"O chá é um elixir para manter a saúde nesta época degenerada e é um meio excelente para estender o tempo de vida (...). A base para se manter saudável é cuidar da saúde, e a chave desta está em manter os cinco órgãos vitais em equilíbrio. Destes cinco órgãos, o coração é o mais importante e o melhor maneira de preservá-lo é bebendo o chá." (Sen, 1958: 4)

De acordo com a medicina chinesa, o sabor do coração é o amargo, logo o melhor remédio para fortificá-lo é o chá que também é amargo. (Ludwig, 1981: 378)

Mas o Kissa Yôjôki contém muito pouco das práticas que mais tarde deram origem à cerimônia do chá. Mesmo assim sabemos que o chá tinha sido usado durante muitos séculos pelos monges zen como meio de mantê-los acordados nas longas horas de meditação. Além destes usos medicinal e estimulante, o chá era também utilizado como oferenda no altar budista.

Como resultado da grande expansão das plantações de chá e de sua popularização, já no fim do período Kamakura (1192-1336) e com mais vigor no início do período Muromachi (1336-1568), bebê-lo tomou a forma de entretenimento. A elite samurai participava de competições denominadas tôcha, onde os competidores deveriam degustar e distinguir tipos de chá de diferentes regiões do Japão. Estas competições eram freqüentemente acompanhadas por outras formas de diversão, como beber saké, ouvir música, dançar, jogos de apostas e competições de poesia. (Varley, 1973: 87)

A época de Ashikaga Yoshimitsu (1368-1408), terceiro xogum (soberano militar) da família Ashikaga, é conhecida na história japonesa pelo termo Kitayama, ou “montanhas do norte”. Foi ao norte de Quioto que Yoshimitsu construiu o famoso retiro Kinkakuji (Pavilhão Dourado), onde fomentava as artes e estimulava poetas, pintores e artistas em geral. Yoshimitsu foi o primeiro xogum a tentar transformar-se num membro da corte ao adotar seus valores.

12 “Houve poucos momentos na história do Japão em que um xogum foi tão importante na construção da cultura do país. A principal razão para este fato (...) era seu desejo de estabelecer-se como ‘rei’ do Bakufu combinando em si mesmo o aspectos poder militar (bu) e do poder civil e cultural (bun)”. (Varley, 1990: 461)

Para isto Yoshimitsu criou um calendário de eventos formais específico para guerreiros, imitando o calendário anual da corte imperial7. As festas promovidas durante estes eventos eram parecidas com as reuniões anteriores: havia música, dança, teatro noh, composição de poesia renga e waka, e bebia-se o chá. A nova classe militar começou a convidar membros da corte, superiores a eles na escala social, para estas festas. O próprio xogum Ashikaga Yoshimitsu recebeu a visita do imperador Go-En’yu (reinou entre 1371-1382) em seu Palácio das Flores, Hana no Gosho, em 1381. Hospedou e entreteve o imperador Go-Komatsu (r. 1382-1412) por vinte dias em 1408 em seu retiro em Kitayama.

O século XIV, também trouxe uma revitalização das relações com o continente que haviam desaparecido nos dois séculos anteriores devido à invasão da Mongólia. Com a expulsão dos mongóis e o estabelecimento da dinastia Ming em 1368, os vínculos com o Japão foram reatados e ressurgiu a paixão pelas coisas chinesas (chamadas no Japão de karamono), em particular pela pintura, caligrafia, utensílios em laca e porcelana. (Varley, 1973: 79) A nobreza e a elite guerreira, com o intuito de demonstrar poder e refinamento, expunham seus karamono nas reuniões sociais em que também o chá era servido. Esta avidez pelas coisas chinesas era denominada de basara, termo que implica a fascinação pelo exótico e pela ostentação. Os chefes militares que participavam destas reuniões para exibir seus karamono eram chamados de basara daimyo.

Durante todo o século XV, o manuseio e avaliação da qualidade de objetos de arte chineses foram gradualmente sendo colocados sob os cuidados de um grupo de especialistas conhecidos como dôbôshû, ou “curadores”, homens ligados à arte e cultura. Os mais importantes destes tinham patrocínio direto do xogum. Os dôbôshû vieram a ser não só conhecedores de objetos chineses, formulando regras

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No capítulo III veremos como foi importante para o chanoyu a instituição do calendário de eventos sazonais.

13 que governavam sua exposição e uso; mas também protagonistas da evolução de um novo gosto e estilo de exibição de arte e decoração de interiores.

No século XV aquelas competições e jogos que haviam sido características das reuniões sociais durante o século anterior, foram sendo abandonados, pelo menos pelas classes mais abastadas, em favor de um comportamento mais cerimonial nas reuniões sociais onde beber o chá começou a ocupar um lugar de destaque.

A primeira forma de cerimônia do chá desenvolvida por estes dôbôshû ocorria numa sala ampla denominada kaisho, decorada com objetos e pinturas chinesas selecionados por eles. Os kaisho eram estruturas arquitetônicas situadas nos jardins do palácio do xogum e das residências de chefes militares. O chá era preparado num ambiente separado ou num corredor externo e trazido aos convidados reunidos na sala.

Contudo, sob influência do zen-budismo, que preconizava austeridade e simplicidade, gradualmente foi se desenvolvendo um novo tipo de cerimônia onde o anfitrião, utilizando uma mesinha portátil (daisu), preparava e servia chá no mesmo ambiente em que seus convidados se encontravam. Esta preparação do chá pelo próprio anfitrião simbolizava sua disposição de executar um trabalho humilde na frente de seus convidados. Algo que seria impensável no ambiente altamente refinado que havia prevalecido na primeira forma de cerimônia.

Este novo estilo é atribuído a Murata Shukô (1422-1503), comerciante originário de Nara e monge zen-budista laico. Shukô foi escolhido pelo xogum Ashikaga Yoshimasa (1436-90) para ser o primeiro a exercer o cargo recém criado de Mestre do Chanoyu. Para Shukô o ato de beber o chá deveria ir além de seu uso medicinal ou de entretenimento. Deveria ser uma via de iluminação (satori).

O estilo de cerimônia do chá desenvolvido por Shukô ficou conhecido por wabi, termo que se tornou chave para se compreender a estética e a filosofia japonesas desde então.

14 “O termo wabi deriva do verbo wabu (sofrer privações, sentir melancolia, nostalgia) e do adjetivo wabishi (solidão, desconforto), o que inicialmente denotava a dor de alguém que passava por uma situação adversa. Mas os ascetas literatos dos períodos Kamakura (1192-1336) e Muromachi (13361568) levaram-no a um conceito mais positivo, transformando pobreza e solidão em sinônimos de libertação das preocupações materiais e emocionais e fazendo com que a falta de beleza aparente se convertesse em uma beleza muito mais refinada.” (Japan, Profile of a Nation, 1994: 304)

Se já vinha sendo utilizado na poesia desde o século XII para designar a renúncia às coisas materiais, nos séculos XV e XVI o termo começou a significar uma série de conceitos interligados: a beleza despretensiosa, imperfeita, assimétrica e pobre; algo que se torna belo devido a sua antigüidade. Segundo esta concepção, apenas apresentando-se exteriormente pobre e imperfeito é que o objeto wabi consegue fazer com que seu interior, sua essência, se manifeste. Assim, wabi não significa negar ou abandonar os objetos, mas penetrar o mais fundo possível em sua essência.

A cerimônia wabi era caracterizada pelo fato de que o anfitrião tomava para si todo o processo de preparar e servir o chá, tudo era concentrado na própria sala de chá, o microcosmo do mundo espiritual, separado do mundo externo e secular.

O chá wabi dava a possibilidade de um recolhimento cultural e espiritual, imprescindível no fim do século XV, quando o governo militar dos Ashikaga em Quioto perdeu o controle do país e a guerra civil Ônin (1467-77) se estabeleceu. Quioto ficou reduzida à cinzas. O xogum que deveria reinar - Ashikaga Yoshimasa isolou-se nas montanhas a leste da capital em seu retiro chamado de Ginkakuji (Pavilhão de Prata) para seguir uma vida de dedicação às artes e desenvolvimento espiritual. Muitos homens ligados às artes, à vida cultural e à religião deixaram a capital. Conseqüência deste movimento centrífugo foi que os valores culturais da capital se espalharam pelo interior do país dominado por daimyos (senhores de terras). Estes daimyos, cônscios da necessidade de legitimar seu poder militar, logo tornaram-se mecenas da elite cultural vinda de Quioto. Procuravam legitimar seu poder através da autoridade cultural.

Os anos que se seguiram ao fim da guerra na capital, foram chamados de Sengoku (1478-1568), isto é, o país em guerra. Ela havia cessado em Quioto, mas

15 havia se espalhado pela nação inteira. O país estava dividido e cada daimyo deveria assegurar seu próprio poder.

Para os membros da corte e da elite guerreira, o mundo provavelmente era visto como “melancólico e desolador” como ditava o sentimento de wabi. Uma das saídas encontradas para tal situação era olhar o passado da corte Heian com nostalgia e tentar isolar-se em festas e reuniões de chá feitas em cenários que tentavam imitar este período. Esta nostalgia fez com que dentro da diversidade existisse uma unidade estética bastante clara. Além do termo wabi, dois outros foram resgatados do período Heian: sabi e yûgen. Os três termos coincidem em muitos aspectos. Sabi está associado “aos monges/poetas viajantes, como Saigyô (1118-90), cujas viagens os levavam à áreas desoladas, remotas, e que eram especialmente sensíveis a solidão, insubstancialidade e impermanência do mundo” (Varley, 1990: 466) O termo yûgen foi usado no teatro noh para denotar a beleza não óbvia e as sensações de mistério e profundidade.

O cenário que Murata Shukô adotou para seu novo estilo de cerimônia de chá foi o sôan, ou cabana, numa tentativa de retomar esta tradição dos antigos poetas e monges eremitas do século XII (como Saigyô, mencionado acima), que ao negar o mundo material decidiam peregrinar nas montanhas construindo estes sôan para morar. Contudo, neste momento, esta escolha é basicamente estética, pois estas cabanas eram construídas na cidade. Os novos sôan eram preferidos por aqueles que queriam fruir do ideal de tranqüilidade dentro de uma atmosfera urbana.

"Estes retiros urbanos eram criações artificiais de tempo e espaço, (...) componentes de um mundo estético construído pelo homem. (...) O próprio chanoyu era um produto clássico da cultura urbana." (Yasuhiko, 1989: 26)

A cabana escolhida por Shukô media quatro tatamis e meio. Construída com troncos de madeira, suas paredes eram feitas de estuque e cobertas de papel. Era decorada de maneira simples com uma caligrafia pendurada ou flores no nicho, simbolizando a estética wabi de humildade, simplicidade e despretensão. Também ilustrava a atitude zen em respeito à vida, já que reduzia o ambiente humano a uma naturalidade básica, livre do desnecessário, de expedientes de distração com os quais os homens tendem embaralhar sua existência.

16 Shukô ainda contribuiu para a mudança do gosto na cerâmica, começando a utilizar os produtos japoneses (wamono), primitivos e de textura grosseira, junto aos chineses (karamono), mais refinados e avançados tecnologicamente. O gosto pelas coisas chinesas e japonesas não era excludente:

"Muitas peças chinesas eram utilizadas em templos zen para sugerir o estado de iluminação (e na cerimônia do chá) os utensílios japoneses se limitavam a vasos de flores e potes para água servida. Somente no século XVI tigelas de chá wamono (japonesas) começaram a ser usadas." (Yasuhiko, 1989: 21)

Shukô acreditava que a mudança do gosto para uma estética monocromática e tosca, não significava a rejeição da antiga preferência da corte pela elegância das cores brilhantes (denominada miyabi). Elegância e rústico, esplendor e simplicidade não precisavam ser incompatíveis e podiam ser complementares. O próprio Shukô referiu-se a este contraste em sua famosa frase:

"A lua não tem encanto a não ser que esteja parcialmente encoberta por uma nuvem". (Haga Kôshirô, 1989: 197)

Isto é, o monocromático e "seco" (a nuvem) não pode ser apreciado inteiramente se não for visto em contraste com brilho e refinamento da antiga corte (o fulgor da lua cheia). A frase também diz respeito a um outro aspecto do wabi: o incompleto deve ser mais valorizado do que o perfeito. O que está incompleto pulsa com vida porque tem espaço para crescer e expandir-se, o próprio observador é chamado a completar mentalmente suas imperfeições e assim participar da feitura da obra. Já o que se encontra perfeito não necessita de mais nada e mais ninguém. Encontra-se estagnado. O espectador só pode ter uma relação passiva para com ele. Diz o monge Kôyu: “É típico do homem sem inteligência insistir em colecionar conjuntos completos de tudo. Conjuntos incompletos são melhores. (...) uniformidade não é desejável. Deixar algo incompleto faz com que se torne interessante, e dá a sensação que há espaço para o crescimento” (Varley, 1990: 473)

O já mencionado Ginkakuji, ou Pavilhão de Prata, residência do xogum Ashikaga Yoshimasa em Quioto, é outro exemplo concreto desta transição do

17 chanoyu aristocrático (shoin chanoyu) para o wabi. Foi construído em 1486 sob orientação de Shukô como um retiro onde Yoshimasa pudesse dedicar-se e entreter seus pares com as novas artes, as quais ele havia se tornado o maior patrono: a cerimônia do chá, o teatro noh e o estilo renga de poesia. Ginkakuji é composto de uma construção de madeira escura de dois andares, um jardim e várias salas de chá voltadas para um pátio elevado feito de areia. Uma destas salas, conhecida como Dôjinsai, é considerada o protótipo da sala de quatro tatamis e meio que posteriormente seria adotada como o cenário símbolo da cerimônia de chá wabi. (Chanoyu Quarterly, 80: 26) Mas qual a origem do nome “Pavilhão de Prata” se suas paredes são de madeira escura? Devido ao trabalho diário de um ancinho, a plataforma de areia extremamente branca adquire a textura de ondas. Durante o dia parece um jardim de pedras zen comum, mas a noite, à luz da lua, o que parecia branco torna-se prata, surge um mar de pequenas ondas prateadas. Está feita a magia - do mais simples dos materiais surge um mundo. O xogum e a elite culta da época só precisavam retirar as portas e paredes das salas e escrever poesias ou tomar chá à luz da lua.

O estilo wabi de Shukô foi desenvolvido por Takeno Jôô (1502-1555). Jôô foi um mestre da arte da poesia renga até seus trinta anos. Depois disto dedicou-se a transportar os conceitos estéticos da poesia para o chanoyu. A poesia renga era escrita a várias mãos, sendo o primeiro verso de cada par era anônimo e o segundo era identificado pelo nome do compositor. Assim, os poetas respondiam uns aos outros, fazendo com que um poema se tornasse a criação de muitos poetas e representasse o fluxo constante da vida. A partir da idéia de que um só poeta não poderia escrever um poema solitariamente, Jôô enfatizou a necessidade da participação e comunhão entre o anfitrião e o convidado para que o verdadeiro chanoyu tivesse lugar. Sem a integração das duas partes, a comunicação simbólica que deveria existir entre eles não aconteceria.

Conta-se que Jôô citava o poema de Fujiwara no Teika para sugerir a essência do wabi: “Quando olho ao longe Não vejo as cerejeiras em flor Nem folhas carmesim

18 Somente uma cabana modesta no litoral num fim de tarde outonal8” (Enciclopédia kodansha, 1983: 213)

A imagem que o poema nos traz é aquela do monocromático, seco, da solidão e da impermanência tão caras ao zen-budismo. Mesmo que as cerejeiras floresçam anunciando a primavera, ou que no outono as folhas do momiji (espécie de plátano japonês) se tornem vermelhas, somente a cabana sozinha, ao anoitecer é suficiente e digna de nota. Ela nos dá a sensação de wabi, sabi e yûgen ao mesmo tempo. Só através do colorido das outras estações do ano podemos apreciar a beleza de uma paisagem monocromática.

O discípulo mais famoso de Takeno Jôô foi Sen no Rikyû (1522-1591). Veremos a seguir como Rikyû desenvolveu os conceitos estéticos e filosóficos do chanoyu mencionados aqui até torná-lo um "paradigma da cultura tradicional japonesa" (Ludwig, 1981: 4). Veremos também que o meio usado para colocar o chanoyu no centro da vida japonesa foi a política. Numa época em que o Japão se encontrava dividido entre daimyos (senhores feudais) mas procurava sua unificação, o chanoyu, surgiu como fórum ideal para que a discussão da questão da identidade nacional fosse levada adiante.

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Tradução livre da autora. Em inglês e japonês:

As I look afar I see neither cherry blossoms Nor tinted leaves: Only a modest hut on the coast In the dusk of autumn nightfall. Fonte: Haga, 1989: 199

Miwataseba Hana mo momiji mo Nakarikeri Ura no tomaya no Aki no yûgure

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1.2 O Papel do Chanoyu na Unificação do País

Com a entrada de Oda Nobunaga (1534-82) na capital em 1568, finda-se a chamada era medieval japonesa ou período Muromachi (1336-1568). Inaugura-se 9

um novo período denominado Azuchi-Momoyama (1568-1615) onde o processo de unificação do Japão se completa. Os personagens marcantes deste processo foram dois chefes militares, Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi (1536-98). Veremos agora como estes fatos se passaram e a importância do chanoyu para este processo.

Sen no Rikyû (1522-1591) pertencia a uma família de comerciantes abastados da cidade portuária de Sakai e viveu durante as guerras de unificação do Japão. Sakai florescia na época como entreposto de produtos luxuosos provenientes da China, tornando-se, por conseqüência, porta de entrada das idéias filosófico-religiosas chinesas. Era dali que saíam as missões de monges zenbudistas desejosos de aprofundar seus conhecimentos no Continente.

O chanoyu, já tendo se estabelecido entre a corte e os guerreiros, tomava um novo rumo no século XVI. Ao desenvolver características urbanas, logo incorporou-se ao ritmo da cidade de Sakai: reuniões de chá eram freqüentes, nelas se expunham utensílios recém-adquiridos a preço de ouro e novos mestres e discípulos surgiam a todo momento. O resultado disto é que o mercado de utensílios de chá chineses crescia a olhos vistos juntamente com os lucros obtidos graças a ele.

Vários fatores concorreram para que fossem os comerciantes - quase párias da sociedade, pois figuravam abaixo dos agricultores na hierarquia social - a tomar as rédeas do desenvolvimento artístico do período. Por um lado a aristocracia de Quioto havia deixado a capital com medo da guerra Ônin (1467-77) e rumava para Sakai, onde os comerciantes, usando de seu poder econômico, haviam conseguido 9

O nome Azuchi tem origem na localização do castelo construído por Oda Nobunaga em Azuchi, no lago Biwa. Momoyama localiza-se ao sul de Quioto, lugar onde Hideyoshi construiu seu castelo.

20 manter a cidade independente. Por outro lado, ao financiar as campanhas militares dos senhores feudais, os comerciantes recebiam em troca proteção e concessões especiais no comércio. A aristocracia trazia refinamento cultural à Sakai enquanto que os comerciantes possuíam meios econômicos para adquiri-lo. “O desejo mútuo dos habitantes da cidade e dos chefes militares pela prosperidade do comércio levou a uma maior autonomia de Sakai. Ambos queriam preservar a ordem no mercado. O comerciante queria segurança para si e para sua propriedade, enquanto que o chefe militar sabia que sua coleta de impostos seria ameaçada por guerras e conflitos.” (Morris, 1981: 32)

Enriquecendo rapidamente, os comerciantes logo procuraram adquirir também cultura, desejosos que estavam de diminuir a diferença social com os guerreiros e a nobreza. Foi nos mosteiros zen-budistas, novos centros de difusão da cultura chinesa (na época avidamente procurada por simbolizar este refinamento cultural) que encontraram o que procuravam. Os comerciantes, educando-se nestes mosteiros, aprofundaram de maneira radical a união entre os preceitos zen-budistas e a arte do chanoyu, estabelecendo um caminho que os levou, na figura de Sen no Rikyû, não só a compartilhar finalmente do mundo da classe aristocrática, mas a ter ascendência na vida política japonesa.

Sen no Rikyû serviu, como mestre de chá, aos dois unificadores japoneses Oda Nobunaga (1534-82) e, posteriormente, Toyotomi Hideyoshi (1536-98).

Muitas razões são dadas para o interesse de Oda Nobunaga pela arte do chanoyu. Em primeiro lugar, ele necessitava do apoio dos comerciantes de Sakai que financiavam suas conquistas. Para tanto, nada melhor do que prestigiar a arte eleita por eles que, além de lhe garantir este apoio, conferia-lhe refinamento aristocrático, visto que também tinha origem humilde. “Para Rikyû esta associação (com Nobunaga) significava fama e fortuna, e para Nobunaga qualificava-o como um homem de cultura. Cada qual usou o outro para aumentar seu prestígio.” (Elison, 1981b: 214)

Nobunaga, porém, foi muito além de apenas praticar esta arte: transformou-a numa atividade política, oferecendo utensílios valiosos aos seus generais como

21 prêmio de vitória em batalhas. Uma atitude astuciosa, visto que a antiga oferenda terras - era por demais perigosa: os novos proprietários, investidos desta maneira de poder concreto, poderiam deixar de apoiá-lo em seu desejo de ser o único soberano do país que ele pretendia unificar. A ingerência de Nobunaga no mundo do chá foi mais longe ainda: deu ordens para que todos os mais famosos objetos de chá fossem vendidos a ele, muitas vezes a força e a preços ínfimos. Sua “caça aos utensílios famosos de chá” (meibutsu-gari) entre 1569 e 1570, possibilitou que os exibisse em banquetes e eventos sociais importantes, e os presenteasse a subordinados por seus serviços. Os utensílios do chanoyu haviam se transformado em emblemas de prestígio político e poder. Não satisfeito, proibiu que praticassem o chanoyu sem sua permissão, o que possibilitou que esta só fosse dada em troca de favores especiais. (Bodart,1974: 29-35) O próprio Hideyoshi, sucessor de Nobunaga, recebeu em 1577 uma chaleira famosa como recompensa por seu ataque e destruição de um castelo. (Varley, 1990: 498)

Desta maneira o chanoyu tornou-se um objeto de barganha política, funcionando como símbolo de poder, fato que o colocou no centro da vida política e econômica do período Azuchi-Momoyama (1568-1615).

Renato Janine Ribeiro, em seu estudo sobre a etiqueta no Antigo Regime, nos mostra como é profundamente político seu processo de constituição, estabelecendo diferenças visíveis entre as classes:

"A etiqueta não se reduz a mero repertório do que devemos ou não fazer. É preciso que os gestos e palavras considerados belos adquiram um sentido cerimonial, tomem a forma de um ritual quase religioso*. É preciso que as boas maneiras, esta redução ética a uma estética, do bom ao belo, se enraízem numa política (...). O homem de etiqueta (...) expressa seus costumes de modo a tributar e obter prestígio. As maneiras servem à circulação, à atribuição de respeito; permitem valorizar os poderosos, venerá-los; a etiqueta só se compreende a partir de uma estratégia política." (Ribeiro, 1990: 23) *grifo meu

22 Rikyû estava profundamente envolvido na política10, funcionando como intermediário entre Nobunaga, os comerciantes (que financiavam sua campanha) e os senhores feudais (que lhe davam apoio militar e logístico).

Após a morte de Nobunaga em 1582, Hideyoshi, general de origem igualmente humilde, conquistou o poder. Imediatamente convidou Rikyû para ser seu mestre de chanoyu (o que lhe conferia reconhecimento do mundo do chá) e tomou para si todos os privilégios do chanoyu que Nobunaga detinha. Demonstrou assim a compreensão de que esta arte encarnava simbolicamente o poder político.

Neste momento, a política se fazia em reuniões de chá e o estilo usado era o da cerimônia aristocrática (daimyo cha). Tendo como pretexto um convite para o chanoyu, Rikyû conseguia reunir-se com senhores feudais, conferir suas posições e convencê-los

a

apoiar

Hideyoshi

sem

que

as

partes

envolvidas

se

comprometessem, visto que oficialmente não estavam ali reunidos para tratar de política. “Durante o período Momoyama a popularidade do chanoyu entre os senhores feudais, aristocratas e comerciantes originava-se do seu papel nas negociações políticas e econômicas e pelo seu valor como mecanismo de reestruturação da sociedade*.” (Guth, 1993: 49) *grifos meus.

As disputas políticas, antes manifestadas através da guerra, transformam-se, com o advento do chanoyu, em conversações que resultam em acordos e pactos. É um momento de transição - passa-se de relações que fazem uso da violência para outras, que fazem uso da etiqueta.

É interessante notar que este processo deu-se ao mesmo tempo na Europa e no Japão, no século XVI. Nos dois locais ocorria uma mudança social com a ascensão de comerciantes e uma classe militar ao poder. Se no Japão viu-se o surgimento do chajin ou sukicha (homem que vive sob os valores do chado), na

10

"Se o Caminho do Chá (chado) está ligado ao Caminho da Política (seido),então, isto implica que os deveres do mestre de chá devem igualmente incluir assuntos de natureza política (...)" (Bodart, 1974: 52)

23 Europa encontramos “un gentilhomme” (homem de boas maneiras). (Mori, 1988: 84 e Elias, 1982)

Renato Janine Ribeiro, no mesmo estudo há pouco mencionado, estabelece uma ligação significativa entre este processo e o momento de formação de um poder central que, no caso japonês, se encontraria nas figuras de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi:

"O embelezamento da vida, a adoção de normas gentis ou corteses correspondem bem ao processo pelo qual se reforçam os poderes centrais dos reis ou grandes príncipes (...)." (Ribeiro, 1990: 32)

Em 1585 Rikyû foi convidado por Hideyoshi para oferecer chá ao imperador Ôgimachi (reinou entre 1560-1586). Pode-se considerar esta ocasião como a coroação da autoridade de ambos e do chanoyu. Numa sociedade altamente hierarquizada como o Japão da época, um comerciante e um general de, como já foi dito, origem humilde, servirem chá ao imperador, de ascendência divina, era um fato notável. Por esta razão, alguns arranjos tiveram que ser feitos. Rikyû recebeu um nome budista (Kojigo - aquele que atingiu a iluminação) e o título de "Mestre do Chá do Japão" (Tenka Gosadô) por decreto imperial para que pudesse entrar no palácio. A Hideyoshi foi dado o título de Kampaku (regente imperial). (Anderson, 1991: 38) Os utensílios e a sala, por um capricho de Hideyoshi, foram feitos em ouro. O fato de que Hideyoshi tenha escolhido esta arte e não outras, como a poesia, o teatro Noh, ou a ikebana11, para entreter o imperador, deu o prestígio que faltava ao chanoyu para que se tornasse a arte nacional do Japão, e Rikyû seu mestre supremo. Hideyoshi, por sua vez, numa manobra política, usou desta arte para demonstrar intimidade com a corte e assim legitimar o posto de Grande Ministro de Estado (Dajô Daijin) o qual antecipadamente já se outorgava. (Kumakura, 1989: 36) A partir deste momento, aqueles que quisessem posicionarse dentro do círculo do poder deveriam aprender o chanoyu.

11

Artes que também foram formalizadas, juntamente com o chanoyu, ao fim do período Muromachi (1336-1568)

24 "A medida que as maneiras se refinam, tornam-se distintivas de uma superioridade: não é por acaso que o exemplo parece sempre vir de cima e, logo, é retomado pelas camadas médias da sociedade, desejosas de ascender socialmente." (Ribeiro, 1990: 19)

Diante deste fenômeno, no qual o gosto da classe dominante adquire prestígio e dissemina-se por toda a população, podemos inferir que foi isto que se passou com o chanoyu nos séculos XVI e XVII. A arte escolhida para conferir o grau de refinamento dos membros da sociedade, e que funcionava como uma porta de entrada legitimadora do poder de uma nova classe social, torna-se simbolicamente a "nossa" arte, da população em geral. O chanoyu transforma-se num "código de boas maneiras que abriga em si um instrumento de assimetria social, pois implica, imediatamente, em uma distinção de quem é cultivado (...) e quem é rude" (Rodrigues, 1983: 117)

É por esta razão que as modificações e invenções apresentadas por Rikyû têm imediata visibilidade e influência. Mesmo fazendo uso da cerimônia de chá aristocrática, Rikyû tornou-se a figura culminante na evolução do chá wabi. Sua sensibilidade para com os objetos era única, e os gestos e formas que ele desenvolveu para homenagear certos objetos fizeram a história da cerimônia do chá nos três séculos que se seguiram depois de sua morte.

Rikyû deixou clara sua postura a favor da igualdade social substituindo um dos quatro princípios do chanoyu que Shukô havia estabelecido. Os antigos kin, kei, sei, jaku (reverência, respeito, pureza, e tranqüilidade) foram trocados por wa, kei, sei e jaku (harmonia, respeito, pureza, e tranqüilidade). Wa, harmonia, é o sentimento de perfeita integração entre o convidado, o anfitrião e a natureza. Tudo deve se passar como se convidado e anfitrião estivessem com as posições invertidas, devem agir pensando sempre no outro. Para ocidentais pode parecer que harmonia se refere à ausência de sentimentos negativos numa sala de chá. Os japoneses não interpretam este conceito desta maneira. Para eles, harmonia é o equilíbrio de forças negativas e positivas presentes em qualquer situação. O que se deveria sentir não é um vazio da falta de conflitos, mas a falta de tensão entre os opostos. Kei, é o respeito à posição devida na hierarquia, aos utensílios e à natureza. Sei, a pureza, refere-se à limpeza e ordem não só no sentido físico, nas salas, utensílios e jardim, mas também no espiritual - pureza no coração (kokoro). O último princípio, jaku, é a tranqüilidade que se consegue praticando os três

25 primeiros. Mas é bem mais do que o estado psicológico de tranqüilidade. Ele transcende a mente e o corpo, é espiritual.

"Substituindo kin, que simbolizava o respeito pela diferença de status entre os indivíduos, por wa, que evocava o ideal de interação harmoniosa e igualitária, Rikyû imprimiu novas bases para o chanoyu. " (Anderson, 1991: 54)

Estes quatro princípios ainda hoje formam o fundamento filosófico do chanoyu.

Vários outros expedientes foram utilizados em busca desta igualdade dentro dos domínios da sala de chá. Entre eles está o nijiriguchi, a porta da sala, que Rikyû fez tão pequena que praticamente obrigava os convidados a agachar-se ao passar por ela. Generais ou simples comerciantes eram forçados a esta demonstração de humildade assim que entrassem na sala. Além disto ainda criou um aparador para espadas (katanakake) do lado de fora da sala para que os convidados entrassem no mundo do chá desarmados (vale notar que estavam em meio a guerras de unificação e ao bushido, código de ética samurai, em que a espada simbolizava sua honra). Estas duas invenções denotam que Rikyû compreendia que o mundo do chá 12

estava à parte da vida mundana. A ausência da espada, e da divisão de classes , símbolos mundanos por excelência, fazia da entrada na sala um ritual de passagem do mundo profano para o sagrado. (Kumakura, 1989: 51).

O espaço que Rikyû tinha em mente pode ainda ser visto na sala de chá Taian (lit. “cabana de espera”), ao sul de Quioto. Foi desenhada e construída por Rikyû, a pedido de Hideyoshi, em 1582. Tai-an é uma sala de dois tatami adotada no lugar da sala de quatro e meio que até aquele momento era utilizada. Somente um ou, no máximo, dois convidados poderiam ter sido servidos ali. Neste espaço exíguo, os utensílios de chá adquiriam tamanho monumental. Dentro do microcosmo daquele ambiente cada objeto teria representado as propriedades essenciais e os usos simples e humanos de cada material. Isto por que o mestre fazia questão de que fosse preservada a aparência natural de cada material. Ao utilizar materiais como 12

“Padrões sociais de alto e baixo, rico e pobre não têm lugar na sala de chá.” (Sen, 1979:

39)

26 bambu, madeira ou cerâmica, e objetos destinados ao uso diário encontrados em qualquer casa ou cozinha da época, ao invés de porcelanas e objetos raros chineses, Rikyû demonstrava respeito para com os objetos, humildade frente ao mundo e grande criatividade. Cortando o bambu, Rikyû fazia seus próprios vasos de flores, aparadores para a tampa da chaleira e conchas para pegar a água. Era uma atitude de humildade perante os utensílios e ao convidado que viria à reunião. Objetos de bambu deveriam ser usados uma única vez e depois descartados, demonstrando assim a efemeridade da vida.

Igualmente por esta razão preferia utilizar na decoração da sala de chá caligrafias de monges zen japoneses (muitas vezes seus professores e amigos), em vez de pinturas ou poesia chinesas. Fazia isto não só para evitar ostentação, mas por que achava que não havia uso mais vital do papel, do pincel e da tinta do que para transmitir a idéia de satori (iluminação) que era veiculada por aquelas caligrafias.

Rikyû transformou a experiência estética do wabi na arte do chanoyu .Sob esta luz é possível entender por que ele dispensou a mesa portátil (daisu) dos tempos do chá aristocrático e colocou os utensílios diretamente no tatami, porque utilizou objetos de uso diário, materiais em sua aparência natural e a sala de apenas dois tatamis.

"Em suma, a contribuição real de Rikyû para o chado (...) foi o conjunto de normas morais e artísticas meticulosamente integradas num ritual (...)." (Anderson, 1991: 59) Mais que regras para serem seguidas por chajin (seguidores do caminho do chá), Rikyû as estendeu para todos os aspectos da existência, fazendo do chado um verdadeiro modo de vida, que integrou o mundo religioso ao secular, o tradicional ao novo, o ideal do eremita à realidade urbana e a nobreza às classes emergentes.

27

1.3 Porque o Chanoyu foi escolhido pelos japoneses como incorporador do "espírito japonês"

No Japão contemporâneo, a culinária e as artes tradicionais voltaram a ser valorizadas13 como resultado das grandes mudanças que vêm acontecendo no país devido ao processo de globalização. Anda-se pelas ruas de cidades japonesas e o que se vê são as cadeias de fast-food americanas, confeitarias francesas, grifes européias. Novamente o povo japonês se encontra face a um velho problema: redefinir sua identidade14. Neste processo sempre adotaram aspectos das novas 15

civilizações enquanto guardavam sua identidade japonesa . Se primeiramente a identidade japonesa foi criada numa resposta ao contato com os chineses16 e coreanos, ela passou por uma redefinição quando do contato, no século XVI, com os comerciantes holandeses e jesuítas portugueses17 e, a partir de 1868, data da abertura dos portos, com todos os países do ocidente.

O próprio chanoyu incorreu igualmente em modificações e adaptações a cada vez que novos contatos aconteciam. Estas várias formas de chanoyu foram pensadas em sua época como "a única forma de chanoyu", como a arte japonesa 13

“In contemporary Japan traditional washoku (comida japonesa) has made a tremendous come back because Japan is undergoing an unprecedented transformation under the impact of global geopolitics. (...) urgent need (...) to redefine their own identities.” (Ohnuki-Tierney, 1993: 4) 14

"(Segundo) Yuki Kishida, um psicólogo freudiano, (...) 'a identidade japonesa fica ameaçada quando estrangeiros são introduzidos em nosso meio' " (Buruma, 1987) 15

"(...) 'the miracle of Japan is its ability to absorb dizzying changes without changing its core', said Edward Seidensticker, a former Columbia University professor and expert on Japan (...) 'Indeed, in Japan, innnovation is tradition, (...) but the conservative core - the ethical systems, the modes of behavior, the notions of what is right or wrong, and what's duty - these are the sorts of things that hold' " (Jameson, 1992: 3) 16

"For the Japanese, what was Japanese had always to be considered in relation to what was thought to be 'Chinese'. (...) they existed in relation to each other as the antithetical terms of a uniquely Japanese dialectic to which the Japanese gave the name wakan, 'Japanese/Chinese'." (Pollack, 1986: 3) 17

Os conquistadores espanhóis ficaram restritos a um posto avançado em Manila, na ilha de Luzon nas Filipinas. O édito papal de 1585 dava o monopólio do comércio com Japão para os portugueses e o monopólio da propagação do cristianismo para os jesuítas. (Sansom, 1961: 350-351)

28 por excelência. De acordo com a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, a cultura é constantemente reinventada, reinvestida de novos significados (Cunha, 1987: 101). Mesmo que modificado, o chanoyu representa ainda hoje o passado “puro” japonês, antes que a modernidade, a tecnologia e as influências estrangeiras "contaminassem" o Japão. Praticado ao longo dos anos por diversas classes sociais, sempre teve um papel de legitimação do poder para aqueles que estavam subindo na escala social18. Praticar o chanoyu sempre rendeu prestígio junto à sociedade japonesa.

O melhor exemplo do papel que o chanoyu representa na cultura japonesa atual é o fato de que sempre que um mandatário de um país estrangeiro visita o Japão, não é necessariamente ao Japão industrial que se leva o visitante, mas a uma sessão de cerimônia do chá, promovida para que ele sinta o "gosto do Japão". Em 1975 Iemoto (grão-mestre) serviu chá para a Rainha Elisabeth II, em 1986 para o príncipe Charles e Diana, Nancy Reagan, Nakasone (então primeiro ministro do Japão) e, em 1992, para o então presidente dos EUA, George Bush. (Urasenke Newsletter, 1975-1995) Dando continuidade a esta tradição, em novembro de 1995, em meio a reunião da APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation) em Osaka, mais uma vez o chanoyu foi escolhido como símbolo de valores e da sensibilidade estética japonesa. Foi a única arte tradicional apresentada aos 18 presidentes estrangeiros que compareceram ao evento. (Daily Yomiuri, 10/11/1995)

Ainda que não faça parte do cotidiano da maioria dos japoneses, é igualmente a demonstrações de chanoyu que o japonês comum leva seus visitantes estrangeiros.

O contato da maioria dos japoneses com o mundo do chanoyu se dá geralmente na juventude, no clube de chá de sua escola primária ou secundária. Contudo, a grande maioria não mantém seu interesse depois de adulto e, consequentemente, sabe muito pouco a respeito dela. Não obstante, foi ela a escolhida para representar o Japão como símbolo de seus valores e de sua sensibilidade estética. Esta falta de conhecimento não se apresenta como um problema, ao contrário, auxilia na mistificação do que seria a "alma japonesa": algo 18

No século XVI os comerciantes o adotaram. Com o fim do regime feudal e abertura do Japão ao exterior (período Meiji) a burguesia industrial associou-se a ele. Por fim, no começo deste século, as mulheres conseguiram um lugar de prestígio e independência econômica ao ter autorização para tornarem-se alunas e professoras.

29 distante, que paira no horizonte como um espelho, que reproduz o que os japoneses deveriam/desejariam ser. O essencial é que o chanoyu como instituição se mantenha e que possam usá-la para demarcar os limites de sua cultura face ao encontro com o outro. “Quando foi pedido a japoneses que escolhessem quais os aspectos da cultura japonesa deveriam ser apresentados a países estrangeiros, o chado e o arranjo floral receberam o segundo lugar, só perdendo para santuários, templos e castelos.” (Mori, 1988: 218)

Também para japoneses o chanoyu é uma fonte de conhecimento quando necessitam aprender e discorrer sobre sua cultura. Imerso numa cultura estrangeira, assim se expressou um estudante japonês a respeito de seu contato com o chanoyu: “Quando eu vim aos Estados Unidos, como aluno internacional, eu queria aprender sobre a cultura japonesa porque eu sou japonês. Naquela época algumas pessoas me perguntaram o que era o Japão e sua cultura, mas era difícil de responder. Eu percebi que não conhecia o Japão e sua cultura. Então eu decidi aprender chado.” (Ken Kato, 1996, via internet)

Confrontado com uma cultura estrangeira, o estudante teria necessidade de refletir sobre sua identidade japonesa. Para ele, ao aprender o chanoyu deveria abrir-se uma via de compreensão da cultura japonesa em geral. O chanoyu abarcaria todos os aspectos mais significativos desta cultura. Por outro lado, é preciso lembrar que os ocidentais também se relacionam com os japoneses nãoimigrantes através de expectativas de que eles saibam sobre a cultura japonesa “exótica”, que chega ao ocidente. Para corresponder a esta expectativa dos ocidentais, os japoneses não-imigrantes vão procurar assemelhar-se a esta imagem criada no ocidente. Para isto, nada melhor do que o estudo do chanoyu, uma arte que, como vimos, incorpora todas as outras artes tradicionais japonesas (arranjo floral, arquitetura, culinária, caligrafia, cerâmica, paisagismo, etc).

É fato que a construção da identidade de um grupo sempre se dá de forma relacional, quando de um encontro com "o outro". Como nos diz Roberto Cardoso de Oliveira:

30 "A identidade contrastiva parece se constituir na essência da identidade étnica (...). Quando uma pessoa ou um grupo se afirmam como tais, o fazem como meio de diferenciação em relação a alguma pessoa ou grupo com que se defrontam. É uma identidade que surge por oposição. Ela não se afirma isoladamente." (Oliveira, 1976: 5)

A presença do estrangeiro representa um desafio para que o japonês esclareça a si próprio qual o seu ethos19. Segundo Clifford Geertz, o ethos de um povo consiste “(...) nos aspectos morais (e estéticos) de uma dada cultura, os elementos valorativos (...). O ethos de um povo é o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético e sua disposição, é a atitude subjacente em relação a ele mesmo e ao seu mundo que a vida reflete.” (Geertz, 1989: 143)

Numa sala de chá, o papel do estrangeiro deverá consistir em sorrir e tomar seu chá amargo. Seu embaraço em não saber como comportar-se, ou mesmo não conseguir sentar-se sobre as pernas (seiza), dará aos japoneses a satisfação de ver-se como distinto do "outro", de ter os contornos de sua identidade realçados. Como nos ensina Renato Janine Ribeiro:

"A etiqueta, apontando posição a todos, é modo de reconhecimento e de conhecimento (...) permite reconhecimento recíproco (e) identifica posições numa hierarquia." (Ribeiro, 1990: 89) O chanoyu funciona como uma metáfora dominante20 do 'espírito japonês', não porque é feito ou conhecido por todos, mas porque nos momentos em que o Japão entrou em contato com estrangeiros, e que este contato ameaçava sua identidade, foi o chanoyu que lhes assegurou seus valores culturais. 19

"(...) people are often forced to redefine their concept of self as a result of an encounter with the other. This is because the self, in any culture, is always defined in the relation to the other, either dialogically with other individuals (...) or dialectically with other peoples." (OhnukiTierney, 1993: 8) 20

Segundo Ohnuki-Tierney, uma "metáfora dominante" é significativa em dois sentidos: "ocorre freqüentemente e revela algo importante sobre a cultura." (Ohnuki-Tierney,1993: 5) Estes dois requisitos são preenchidos pelo chanoyu. Na história japonesa, a partir do momento que esta arte tomou para si o papel de prescrever regras de conduta, ela adquiriu proeminência e visibilidade, ocorrendo freqüentemente e revelando os valores éticos do povo japonês.

31

Em meio a guerras de unificação, e frente a primeira leva de estrangeiros ocidentais (os jesuítas e comerciantes portugueses) que chegaram aos Japão em 1543, o chanoyu surgiu e foi escolhido estrategicamente como a quintessência do que era ser japonês.

Ilustra esta escolha o fato de que os jesuítas, desejando ser benquistos pelos japoneses para poder divulgar sua fé, logo perceberam a importância do chanoyu para este objetivo. No tratado intitulado Advertimentos y Avisos Acera dos Costumes e Catangues de Jappão, Alessandro Valignano, inspetor da missão (posto que lhe conferia ascendência sobre todos os jesuítas lotados no Japão), durante sua primeira estada no país de 1579 a 1582, prescreve que:

" (...) todas as residências de missionários devem possuir um chanoyu (termo usado por ele para designar uma sala de chá), mantido limpo e em ordem. Deverá haver um dôjuku (um assistente laico) que saiba sobre o chanoyu, especialmente nas localidades em que um número grande de nobres possam fazer visitas. Deve-se manter dois ou três tipos de chá para receber os visitantes cristãos (senhores feudais japoneses que haviam se convertido) (...) de acordo com o posto que ocupam (...)" (Cooper, 1989: 104-105).

Mais tarde, uma lista de 34 utensílios usados na cerimônia do chá foi compilada por ele e distribuída nas residências jesuítas do país inteiro. Entre 1603 e 1604, foi publicado pelos jesuítas, em Nagazaki, o célebre Vocabulário da Lingoa de Japam. Consistia num dicionário português-japonês para ser usado pelos novos missionários que estavam aprendendo a língua japonesa. Nele havia uma extensa lista de 150 verbetes sobre o chanoyu de um total de 32.978 verbetes.

É evidente que os jesuítas compreenderam o papel fundamental do chanoyu naquele momento. Se os japoneses davam tanta importância a este cerimonial e se seus utensílios eram mais valiosos que jóias ou qualquer outra riqueza21, os jesuítas precisavam inteirar-se dele para que adquirissem um campo comum de

21

"All the utensils used (...) make up the treasures of Japan, just as rings, gems and necklaces of precious rubies and diamonds do with us." (do jesuíta Luis de Almeida citado em Cooper, 1965: 262)

32 comunicação. Logo perceberam que mais do que um conjunto de regras de etiqueta, estavam diante de algo profundamente espiritual e usaram deste novo dado para atrair mais fiéis ao catolicismo: começaram a realizar missas dentro das salas de chá da elite recém-convertida.

É ainda Valignano quem escreve depois de participar de uma reunião de chanoyu com o daimyo de Bungo, Ôtomo Yoshishige: “Por todo o Japão utiliza-se uma bebida feita com água quente e pó de uma erva chamada cha, que eles têm em alta conta. Todos os chefes militares possuem em suas residências um local especial onde preparam esta bebida, e como “água quente” no Japão é chamada yu e a erva é chamada de cha, o local recebe o nome de chanoyu. Esta é coisa mais venerada e estimada no Japão e, portanto, todos os grandes daimyos estudam duramente para preparar esta bebida. “ (Cooper, 1989: 114)

A estratégia de Valignano de fazer com que os missionários se adaptassem aos costumes japoneses para cooptá-los deu resultados. Com esta atitude por parte dos jesuítas foi aberto um canal tão bom de comunicação com os japoneses que dos sete famosos discípulos do patriarca do chanoyu, Sen no Rikyû, pelo menos três converteram-se ao catolicismo.

33

1.3.1 Uma Tradição Inventada Trabalhando com o conceito de "tradição inventada", Eric Hobsbawm assim o define:

"Um conjunto de práticas normalmente reguladas por normas tacitamente aceitas; tais práticas de natureza ritual ou simbólica*, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição." (Hobsbawm, 1984: 9) E ainda "(...) seu objetivo primordial é a socialização*." (Hobsbawm, 1984: 17) *grifo meu

Ao envolver a maioria das outras artes tradicionais - a caligrafia (shodo), a poesia (kado), o arranjo floral (chabana), a apreciação do incenso (kodo), a arquitetura, o paisagismo, a vestimenta, a culinária, o conhecimento da origem e do uso de utensílios em cerâmica, laca, ferro, bronze, madeira, bambu, entre outras - o chanoyu estabelece normas de conduta e gosto. Através de sua função socializadora, o chanoyu se legitima e se transforma, assumindo novas formas para as novas gerações.

Ademais, de acordo com o autor, "inventam-se novas tradições quando ocorrem transformações suficientemente amplas e rápidas tanto do lado da demanda quanto da oferta (de tradições)" (Hobsbawm, 1984: 12)

No caso do chanoyu no Japão e de sua escalada até se tornar um "paradigma da cultura tradicional japonesa" (Ludwig, 1981: 4), estamos diante de uma tradição inventada nos moldes de que fala Hobsbawm. Quando o país mais necessitava de algo que lhe desse um ethos ao redor do qual pudesse aglutinar-se para constituir um estado nacional, isto é, quando houve uma demanda excepcional, surgiu o chanoyu. Uma arte que, não tendo sido importada da China22 cuja cultura sempre admirara e imitara - como tantas outras características da cultura japonesa (escrita, pintura, poesia, religião), dava à elite japonesa a sensação 22

"Nothing quite like the Japanese Way of Tea developed in China (...) even though teadrinking had already been transmitted to Japan in the Nara period." (Ludwig, 1981: 374)

34 de pertencer a uma comunidade distinta da chinesa. Como vimos, a China era o espelho que o Japão usava para definir-se enquanto povo:

"O termo China era como o Japão definia sua própria existência." (Pollack, 1986: 4) “Por mais de mil anos o Japão definiu sua identidade em relação a China (...)” (Naff, 1985: 219)

Uma nova arte, inteiramente japonesa, era a oferta ideal para quem precisasse representar sua cultura para si mesmo, para quem precisasse de uma metáfora de si mesmo. O período que o Japão passava, a guerra civil, abriu a possibilidade de criação de algo novo, um Estado unificado com uma cultura própria, tendo o chanoyu como aglutinador deste movimento. Como nos ensina Itoh Teiji: “Guerras civis freqüentemente demonstram ser pontos de transformação, talvez porque (...) sejam expressão das mudanças na estrutura social e momentos de transição para novos valores.” (Itoh, 1995: 50)

Christine Guth, em seu estudo sobre as coleções de utensílios de chá feitas pela nova classe industrial surgida a partir da abertura do Japão (Reforma Meiji 1868), também volta ao tema do encontro com o “outro” como causa da necessidade de afirmação da identidade nacional através das artes tradicionais: “Esta correlação entre a identidade nacional e as tradições artísticas* não era, de maneira alguma, nova no Japão. As ondas de influência chinesa que haviam varrido a costa do Japão durante vários séculos haviam deixado os japoneses conscientes das características que distinguiam sua cultura da chinesa. (Guth, 1993: 163) *grifo meu.

O pesquisador Itoh Teiji nos conta que o advento do chanoyu e seus conceitos estéticos foi fundamental para a construção do que poderia ser chamado de “o gosto japonês”.

35 “A evolução do wabi, sabi (...) ilustra o advento de conceitos nativos de beleza abstrata pela primeira vez no Japão do século XVI. Até este momento objetos de valor artístico, de caráter secular ou religioso, tinham sido essencialmente aqueles da civilização mais avançada chinesa.” (Itoh, 1995: 55)

É sabido que até o começo do século XVI somente os utensílios chineses eram considerados dignos de serem usados no chanoyu. Com Murata Shukô, Takeno Jôô, e principalmente com Sen no Rikyû, houve uma reviravolta. O chá da aristocracia subsistia, mas os comerciantes associaram-no ao zen-budismo. Surgia a idéia de chá como caminho (chado). Imediatamente estabeleceu-se um movimento de valorização das peças japonesas. Mesmo que os japoneses não fossem peritos na arte da cerâmica, como nos trabalhos em laca, foram estes utensílios em cerâmica, com aparência rústica, os escolhidos para substituírem os chineses. Valorizando seus artistas e artesãos, sua caligrafia, enfim tudo de artístico que se produzia no país, começaram a olhar para si mesmos e a se encarar enquanto grupo coeso. “Muitas das qualidades que distinguem a arte japonesa daquela de outras culturas são expressões do “gosto do chá”. O chanoyu contribuiu (...) acima de tudo para o gosto japonês pela cerâmica de textura grosseira, de aparência áspera e imperfeita que serviu como contraponto estético para a cerâmica mais elegante de inspiração chinesa.” (Guth, 1993: 7)

Como já foi demonstrado anteriormente, por ter sido escolhido para ser usado nas campanhas de unificação como espaço privilegiado de discussões e arranjos políticos, porque seus utensílios tornaram-se símbolos de poder, e porque no processo de estabelecimento deste estado unificado legitimou o poder de quem aspirava detê-lo - generais militares oriundos de classes baixas e comerciantes que lhes patrocinavam - o chanoyu pôde ocupar o centro da vida política e estabelecerse como a cultura japonesa por excelência. Demanda e oferta encontraram-se para dar ao país em vias de criação uma arte que quatro séculos depois ainda seria vista como a metáfora do "espírito japonês".

36

1.3.2 O Chanoyu e a Identidade do Povo Japonês Referindo-se a Lévi-Strauss, Edmund Leach coloca desta maneira o problema da identidade de uma comunidade:

"O Homem só pode se tornar consciente de si mesmo - consciente do seu eu como membro de um nós-grupo - quando se torna capaz de empregar a metáfora como um instrumento de contraste e de comparação." (Leach, 1977: 39)

Se para Lévi-Strauss o comportamento humano e as relações sociais constituem uma linguagem, eles podem ser analisados em termos de figuras de linguagem como a metáfora (paradigma) e a metonímia (sintagma). A metáfora relaciona dois termos por semelhança e a metonímia por contiguidade. O pensamento humano trabalharia basicamente através destes dois princípios de analogia e contiguidade.

"As produções míticas, artísticas e rituais, as crenças, os valores e os costumes (...) são expressões metafóricas ou metonímicas, muitas vezes inconscientes (...)" (Rodrigues, 1983: 12)

Utilizando o chanoyu como paradigma, como modelo de comportamento, os japoneses constituíram um corpo de valores eficaz na tarefa de conferir-lhes um ethos e diferenciá-los de outros povos. Por outro lado, cada indivíduo que compartilha de uma tigela de chá verde é parte do todo da cultura, relacionando-se metonimicamente com ela.

A antropóloga Takie Ohnuki-Tierney, em seu livro Rice as Self, faz uma análise bastante significativa do papel do arroz na formação do povo japonês:

"Seja o alimento a representação de um único indivíduo, um grupo social ou um povo como um todo, este processo simbólico faz com que o alimento seja poderoso não só conceitualmente mas psicologicamente. Por esta razão 'nosso alimento' versus 'o alimento do outro' torna-se uma maneira de expressar nós versus eles. Isto funciona não só para a representação de nós através do alimento, mas também para distinguir o outro de nós." (OhkuniTierney,1993: 130)

37

Partindo da noção de alimento em geral, a autora analisa o arroz como metáfora primeiramente do alimento, e depois da própria identidade do povo japonês. Através de seu prato básico, o arroz, o japonês se veria enquanto grupo e se diferenciaria dos povos que têm outro alimento, como por exemplo a batata ou o trigo no ocidente, como prato básico. Entretanto, como na Ásia e extremo oriente vários outros povos têm como prato básico também o arroz, foi criada uma diferenciação mais sutil entre as diferentes espécies de arroz consumido. O japonês orgulha-se de seu arroz de grão curto, em contraste com o resto do mundo que consome arroz de grão longo. Mas não é qualquer arroz de grão curto que será aceito para o consumo. Exatamente porque serve como metáfora do povo, o arroz de grão curto plantado por japoneses fora do país, particularmente na Califórnia, encontra atualmente sérias restrições de importação até mesmo em momentos de necessidade, como ocorreu em 1993 com a quebra da safra do arroz plantado no Japão. Diz uma reportagem do jornal The Independent, de Londres, intitulada “Arroz Causa Pânico no Consumidor do Japão”: “Os estoques de arroz japonês estão acabando, e o público está sendo forçado a comprar arroz importado. As famílias japonesas ameaçam mudar sua dieta para não precisarem engolir arroz estrangeiro. (...) Os japoneses sempre ouviram que seu arroz é puro, possui uma alma e, em certo sentido, simboliza o próprio Japão. (...) O arroz estrangeiro é tachado de impuro. (...) Os últimos sacos de arroz japonês foram estocados como se fossem ouro em pó. O preço do arroz japonês de melhor qualidade, no mercado negro, subiu de US$ 46 para US$ 112 o saco de dez quilos.” (Terry McCarthy, The Independent em Folha de São Paulo, 20/03/94)

Sabendo-se que na cultura japonesa o chá é freqüentemente comparado com o arroz, sendo o primeiro encarado como alimento para o espírito23, pode-se estabelecer uma relação bastante estreita entre a análise de Ohnuki-Tierney e esta que empreendemos. Assim como o termo arroz (gohan) é empregado para designar alimento ou refeição em geral24, o termo cha significa bebida em geral. O espaço 23

"The association of rice and tea is subtle; tea being food, but for the soul." (Chanoyu Quarterly n.11, 1975: 82) 24

O café da manhã é chamado em japonês de asa gohan (literalmente "arroz matinal"), o almoço de hiru gohan ("arroz da tarde"), e o jantar de yoru gohan ("arroz da noite").

38 público denominado um café no Brasil ou uma coffee shop nos EUA, é chamado de kissaten (casa de chá) no Japão. Ademais, ao convidar uma mulher a uma kissaten existe um entendimento implícito de um convite para o namoro. O chá passa a ser também uma metáfora de encontro e de troca em geral. Embora tendo formas, texturas e desenhos diferentes para cada uso, o termo empregado para denominar o recipiente para servir o arroz e o chá é o mesmo: chawan. O centro da refeição e do chanoyu dá-se ao redor do mesmo utensílio.

Entretanto, nem o arroz, nem tampouco o chanoyu, foram preservados em sua forma original. A cada mudança histórica da identidade do povo japonês, também eles sofreram mudanças materiais e de significado. Contudo, não deixaram de representar esta identidade. Diz a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha: "A cultura não é algo dado, posto, algo dilapidável, mas algo constantemente reinventado, recomposto, investido de novos significados." (Cunha, 1987: 101)

Historicamente o chanoyu adquiriu novas formas, criaram-se novas escolas e estilos, algumas delas mais estreitamente ligadas ao zen-budismo (wabicha), outras à aristocracia (daimyo cha). Com a abertura dos portos no século XIX, a cultura japonesa foi desprezada num primeiro momento devido à fascinação que a cultura ocidental exercia sobre os japoneses. Destruído o sistema feudal, os mestres de chá, que serviam ao velho regime, perderam sua posição e remuneração. Para tornar a situação mais desesperadora, o novo governo depreciava o chanoyu devido as suas relações com o antigo sistema feudal. Foi preciso que o XI grão-mestre da escola Urasenke, Gengensai (1810-1877), escrevesse um uma carta aberta defendendo sua legalidade, nas premissas de que o chanoyu era uma disciplina do corpo e espírito, que ensinava a frugalidade e os preceitos do Confucionismo de piedade filial e respeito à hierarquia. Como resultado desta ardorosa defesa, o interesse pelo chanoyu passou das mãos dos antigos senhores feudais para as da nova burguesia industrial. (Sen, 1979: 7-8) Através deste expediente ele sobreviveu em uma sociedade que tornou-se basicamente urbana e industrial. E uma vez mais uma classe emergente que detinha os meios econômicos, a burguesia industrial, fez uso desta arte para refinar-se e ascender culturalmente. A tradição do chanoyu foi recriada, de arte que servia aos senhores feudais tornou-se, por necessidade, a arte que prezava o novo sistema de governo, a democracia.

É importante notar que nem todas as escolas de chanoyu seguiram o percurso descrito a partir deste momento. Diante do desmoronamento da antiga

39 sociedade feudal, dois caminhos se apresentaram para que as escolas e sua arte preservassem seu status: ou bem cresciam em função de uma divulgação ampla por toda a sociedade japonesa, ou bem se encastelavam junto à nova elite japonesa. Enquanto a escola Urasenke abriu-se para todas as classes e para os dois sexos, muitas escolas continuaram mantendo-se exclusivas, permitindo somente que a elite masculina estivesse associada a elas. Estaremos lidando neste trabalho exclusivamente com a escola Urasenke, sua trajetória histórica e suas escolhas.

Logo após a abertura do Japão no período Meiji (1868-1912) houve interesse por

parte

do

governo

de

modernizar-se

para

conseguir

equiparar-se

economicamente, tecnologicamente e militarmente ao ocidente. Parte desta estratégia era patrocinar e participar de exposições no exterior e dentro do Japão. Entre os produtos expostos havia sempre espaço para a produção cultural japonesa. O chanoyu tinha lugar de destaque nestas ocasiões. Em 1872 houve uma exposição em Quioto - Kyoto Hakurankai - que trouxe uma grande surpresa: o chanoyu foi feito em mesas e bancos colocados sobre o tatami. Esta radical adaptação aos padrões ocidentais foi imaginada pelo XI grão-mestre, Gengensai, e recebeu o nome de ryurei, ou “reverência em pé”. A idéia básica era que os estrangeiros que visitassem a exposição pudessem tomar parte no chanoyu sem passar pelo constrangimento não conseguir sentar-se no tatami. O ryurei foi mais uma adaptação que o chanoyu sofreu para ser preservado e divulgado tanto no Japão (para aqueles que têm dificuldade em sentar-se no tatami devido à idade ou falta de costume) como no exterior.

Com a guerra Sino-japonesa (1894-95), outra adaptação ocorreu. O que era uma arte historicamente masculina foi em busca de um outro público, o feminino, já que os homens haviam partido para a guerra. Em 1894 o XIII grão-mestre, Ennosai (1872-1924), permitiu que as mulheres recebessem certificados, fizessem demonstrações e se tornassem professoras. Passado um século a imensa maioria de praticantes do chanoyu se encontra entre as mulheres (80% de acordo com Barbara Mori).

A segunda guerra mundial deu um novo rumo ao chanoyu. A derrota japonesa e a necessidade de substituir a imagem belicosa do país por uma mais refinada e filosófica, fez com que o governo não medisse esforços para dar

40 visibilidade às artes tradicionais japonesas no exterior. A Fundação Urasenke juntamente com o governo federal uniram-se nesta tarefa. “Urasenke, que tem uma estrutura organizacional rígida, grande número de associados (aproximadamente dois milhões), recursos financeiros e um líder aberto e entusiasmado, tornou-se um excelente veículo e partner para a promoção de uma imagem positiva do Japão bem como do chado.” (Mori, 1988: 218)

Ao estabelecer filiais em vários países do mundo a partir dos anos 50, a escola Urasenke arrebanhou um enorme número de estudantes estrangeiros, que cresce a cada ano. Começando pelos países onde havia uma comunidade de descendentes japoneses, o chanoyu foi tornando-se cada vez mais um veículo de transmissão cultural da cultura japonesa fora do Japão. Para isto além de promover novos grupos de simpatizantes (shibu) e filiais (shuchojô), o Iemoto (grão-mestre) patrocina várias atividades no Japão (por exemplo, a Feira Mundial de Osaka em 1970 e a Feira de Artefatos de Quioto em 1985) e fora dele (Feira Mundial de Nova York, em 1964, exposição de chanoyu na Semana do Japão em Paris, em 1993, seminário anual na Universidade do Havaí, demonstrações na China e Coréia, etc). Com uma agenda cheia de compromissos no exterior, Iemoto e seu filho primogênito fazem demonstrações de chanoyu em templos, santuários, igrejas católicas (Inglaterra, Vaticano, Cidade do México, Nova York) e universidades. (Urasenke Newsletter 1975-1996). O aumento do número de estudantes nãojaponeses fez com que se formassem grupos de professores japoneses que aprendem a dar aulas de chanoyu em inglês. Todos os anos a Fundação Urasenke patrocina seminários para estes professores, e recentemente foi publicado um livro informando como ensinar em inglês, com todos os termos japoneses do chanoyu 25

traduzidos para esta língua . As publicações de livros, boletins e revistas

26

em

inglês também ganharam espaço a partir do grão-mestre atual. Da mesma maneira, há material publicado em espanhol, português, francês, alemão, italiano, chinês, coreano e outras línguas.

25

26

English for the Use in “The Way of Tea”. Tankosha, Tóquio, 1993.

Atualmente são publicados trimestralmente, em inglês, o boletim Urasenke Newsletter e a revista Chanoyu Quarterly. Existem vários livros em inglês sobre temae, cuidados com utensílios, história e filosofia do chanoyu de autoria do presente grão-mestre.

41 Dentro do Japão, Urasenke também abriu o ensino desta arte ao público em geral. Atualmente o chanoyu pode ser encarado como um trabalho ou uma atividade de lazer. Para os homens, quando ela se torna um trabalho é porque há uma relação histórica entre a família de onde ele provém e o chanoyu. É possível que seu pai seja um professor de chá, sua família produza utensílios ou dirija um templo ligado à escola. Quando é encarado como atividade de lazer, há vários motivos para o seu exercício: um alívio nas atividades estressantes do dia a dia e aumento de prestígio junto à sociedade (para jovens executivos) ou simples passatempo (para aposentados). Com relação as mulheres, o chanoyu torna-se um meio de ganhar a 27

vida porque ele é bem aceito na sociedade japonesa . É uma ocupação que confere prestígio à ela e ao marido, é compatível com os papéis de mãe e esposa, e lhe dá um meio de ser economicamente mais livre. Para mulheres solteiras o chanoyu pode providenciar um meio lícito de sustentar-se e de ter um papel aceitável na sociedade. Como atividade de lazer, o chanoyu também dá às mulheres um alívio nas atividades da casa e representa um meio de crescimento espiritual e cultural. Vemos, assim, que esta arte adaptou-se as novas demandas de atividade ocupacional para mulheres e homens: “Uma das adaptações do chado tem sido a de assegurar para si um nicho na socialização de mulheres jovens para seu papel na sociedade como professora e mantenedora da etiqueta social apropriada.” (Mori, 1988: 209)

Exatamente devido a tantas transformações na forma e no público a quem se dirige, isto é, a um processo dinâmico de simbolização, o chanoyu pôde representar as várias identidades que o povo japonês assumiu durante sua história a partir do século XVI. “O que foi visto no passado como um símbolo de luxo (um símbolo de prestígio social, identificado com a classe alta) manteve esta identidade enquanto se tornou um item de consumo de massa. O chado conseguiu não só sobreviver como florescer através da identificação desta arte com a identidade tradicional japonesa.“ (Mori, 1988: 17)

27

As mulheres japonesas trabalham fora apenas no período entre o fim dos estudos e seu casamento, isto é, geralmente até os 26 anos de idade. A partir do casamento elas devem dedicar-se inteiramente ao marido e à educação dos filhos. É por esta razão que se ela necessitar trabalhar fora, o cargo de professora de chanoyu é melhor aceito na sociedade.

42 Em virtude desta qualidade plástica, o chanoyu se naturalizou e ainda hoje se coloca como um nicho, um lugar privilegiado, no qual aos olhos do japonês o "verdadeiro espírito japonês", seu passado puro, habita intacto.

Se os japoneses de hoje ainda vêem o chanoyu como incorporador e transmissor da "alma japonesa", também para os imigrantes japoneses e seus descendentes no Brasil seu prestígio é inegável.

43

CAPÍTULO II O CAMINHO DO CHANOYU NO BRASIL

44

2.1 Sua História

Desde a década de 30 já se notava um movimento em direção à cidade de São Paulo. Aqueles primeiros imigrantes que haviam chegado ao campo para trabalhar na lavoura haviam conseguido passar da situação de trabalhadores braçais para a de pequenos proprietários. Estavam conseguindo ainda dar outro grande passo em direção à ascensão social tanto desejada: começavam a mandar seus filhos para estudar na cidade. As décadas seguintes iriam ver este êxodo avolumar-se significativamente.

Entretanto, porque visavam o retorno à pátria-mãe, a grande maioria dos imigrantes tentava ainda manter a língua, costumes, valores éticos, e enfim, tudo que pudesse lhes conferir uma identidade japonesa. A vinda e estadia no Brasil significavam, antes da segunda guerra mundial, apenas uma passagem necessária a fim de que pudessem conseguir dinheiro suficiente para retornar ao Japão.

28

Com o advento da guerra tudo mudou. O Japão tornou-se o país inimigo. As escolas e os jornais de língua japonesa foram fechados, associações foram proibidas. Até mesmo conversas em língua estrangeira foram proibidas em um dado momento. Para um povo gregário como o japonês, em que a identidade passa certamente pelo grupo do qual faz parte29, estas proibições tornaram a vida longe do país de origem extremamente penosa. Além disto, devido à presumida temporariedade da estadia, a grande maioria dos imigrantes não havia aprendido a língua portuguesa. O vazio criado pela falta de informações sobre o andamento da guerra tornou-se um campo fértil para especulações e notícias que não condiziam com o que realmente se passava. (Saito, 1973: 451-456) A confusão que reinou na comunidade só foi maior quando o Japão perdeu a guerra. Surgiu então uma cisão entre os que se recusavam a acreditar na derrota - os chamados vitoristas 28

"Em 1939 foi feita consulta entre 12.000 japoneses e descendentes (...) sobre o desejo de retorno, 85% responderam positivamente" (Sakurai, 1993: 10)

29

"Gregariousness serves to confirm and reconfirm solidarity and group identification (...)it also indicates the Japanese concern not to be left out of any collective activities" (Lebra, 1976: 27)

45 (kachigumi) - e os que a aceitavam - os derrotistas (makegumi). A guerra, para os imigrantes do Brasil, durou dois anos a mais do que para o resto do mundo - jornais eram impressos com notícias falsas e ataques terroristas eram desferidos contra os derrotistas.

"O boato da 'Vitória do Japão' imediatamente após o término da guerra, correu rapidamente na comunidade japonesa (...) . Muitos passaram a afirmar que 'o Japão havia vencido a guerra', e que 'não foram derrotados'. Pouco tempo depois, (...) passaram a considerar que 'era condenável afirmar que o Japão havia perdido a guerra', que era um ato antipatriótico, (...) falar alto e em bom som a face vergonhosa e desfavorável de seu país, ou de sua família. Apresentou-se também a justificação de que o Japão havia perdido a guerra em armas, mas não havia sido vencido moralmente." (Maeyama, 1967: 270)

Para se ter uma idéia da violência destes ataques terroristas contra os derrotistas, listamos aqui os atentados ocorridos de março a julho de 1946:  7 março: assassinato em Bastos, S.P.  17 abril: três assassinatos em Marília, S.P.  30 abril: assalto em Presidente Prudente. R.J.  6 maio: explosão de bomba em Bastos, S.P.  2 junho: assassinato em S.P.  10 junho: assalto em Ibiúna, S.P.  10 junho: dois assassinatos em Bilac, S.P.  11 julho: assassinato em Bela Vista, S.P. (Baba, 1991: 78)

Ainda é Baba quem nos relata: “Os choques entre as duas facções, katigumi (sic) e makegumi, recomeçavam sempre após alguns dias de trégua. A sociedade continuava vivendo um clima de muita tensão e, apesar de haver retornado a paz mundial, não havia muita diferença entre aqueles dias e os do período da guerra.” (Baba, 1991: 79)

46 Foi só em 47, quando organizou-se o Comitê de Socorro às Vítimas de Guerra, que a colônia finalmente admitiu a derrota e conseguiu unir-se pela primeira vez em torno de um único evento.

No momento em que a derrota do Japão se tornou fato inelutável, os antigos imigrantes tiveram que enfrentar a dor de desistir do sonho de retornar à terra natal. O Japão estava destruído econômica e moralmente. Já não havia mais orgulho que sustentasse um retorno. A primeira geração (os isseis) havia deixado o Japão quando as reformas do período Meiji propagavam nacionalismo e militarismo extremados. Os imigrantes haviam aprendido a acreditar na superioridade de sua raça e cultura. A derrota se configurava como um duro golpe nessa crença. Afora isso, colocaram-se numa situação de isolamento, recusando-se a aprender a falar português e a se misturar aos brasileiros, na vã esperança de retorno. Logo perceberam que lhes restava apenas voltar-se para a nova pátria e tentar seguir os passos que os nisseis e sanseis (segunda e terceiras gerações) já estavam trilhando: a assimilação cultural. O resultado de uma pesquisa feita por Saito e Izumi em 1957 foi taxativo: "mais de 85% dos adultos entrevistados declararam que seu plano para o futuro era permanecer definitivamente no Brasil." (Saito, Maeyama, 1973:461)

Se internamente a colônia japonesa necessitava urgentemente unir-se e resgatar sua auto-estima, buscando uma identidade enquanto grupo; externamente, em relação aos brasileiros, precisava apagar a imagem de grupo inassimilável, que os assustava com seus ataques terroristas e exarcerbado nacionalismo. "A década de 50 é um marco na busca de novos caminhos pelos imigrantes e seus descendentes." (Sakurai, 1993: 16)

Mas nesta mesma década o Brasil também necessitava mudar sua imagem. A tão propalada "vocação agrária nacional" não fazia mais sentido frente ao grande processo de industrialização e urbanização pelo qual passava o país depois da segunda guerra mundial. Mesmo o poder político já fugia das mãos da aristocracia rural para cair nas mãos da burguesia industrial. E São Paulo, com uma população de 2.817.600 habitantes em 1954, despontava como a maior metrópole brasileira, ultrapassando a capital federal. (Meyer, 1991: 4-53) Transformada no maior pólo industrial do país, constituiu-se na porta de entrada do capital e da tecnologia estrangeira. Culturalmente também a metrópole paulista procurava internacionalizarse: no fim da década de 40 e começo da de 50 várias instituições típicas da cultura

47 de massas surgem no cenário paulistano. Num esforço para fazer cinema que pudesse competir em qualidade com o mercado internacional, é fundada a Companhia Vera Cruz que, para esta finalidade, importou técnicos estrangeiros. O Teatro Brasileiro de Comédia, fundado em 1948, também navegava nas mesmas águas da Vera Cruz: trazer ao Brasil a cena internacional, utilizando, para isto, os técnicos, diretores e atores estrangeiros que já se encontravam no país. (Pinto, 1993: 62) No campo das artes plásticas a cidade assistiu, em 1947, à fundação do MASP (Museu de Arte de São Paulo) por Assis Chateaubriand, e no ano seguinte à fundação do MAM (Museu de Arte Moderna) pelo empresário Francisco Matarazzo Sobrinho. Como desenvolvimento deste processo de internacionalização da cultura brasileira foi organizada, em 1951, a primeira Bienal Internacional de Artes Plásticas de São Paulo. No ano anterior já havia sido inaugurada a primeira rede de TV brasileira, a TV Tupi, abrindo-se com ela uma porta para que a cultura de massas se consolidasse definitivamente no país.

A nova cultura cosmopolita, a indústria cultural e o desenvolvimento industrial deram as mãos para fazer de São Paulo a ponta de lança de um projeto nacional desenvolvimentista que tomou um perfil definitivo em 1956, com o Plano de Metas de Juscelino Kubitschek.

Logo, nada mais natural do que utilizar o IV Centenário da emergente metrópole como evento ideal para que se propagasse esta nova imagem, dentro e fora do país.

Desde 1951 a cidade já começava a se preparar para o evento, constituindo comissões organizativas e paralelamente aprovando um "Plano de Melhoramentos Públicos". O texto de divulgação do plano aprovado pela Câmara Municipal dizia:

"Para ser executado em quatro anos, foi organizado um gigantesco programa, já em execução, que permitirá à capital paulista fazer jus ao conceito que desfruta no conceito das nações americanas e européias. (...) uma onda de dinamismo invade o município bandeirante, (...) em execução de obras novas e de remodelação e embelezamento, preparando São Paulo para as comemorações de seu 4o século de existência." (Meyer, 1991: 51)

48 Colaborava ainda para a imagem cosmopolita da cidade de São Paulo a diversidade de seus imigrantes. Segundo o Censo de 1950, havia um total de 276.815 habitantes japoneses no estado de São Paulo, sem contar os imigrantes europeus que eram maioria. (Cardoso, 1973: 317) A presença destes imigrantes teve um papel positivo para a penetração da produção industrial, cultural, e artística internacionais.

Com isto em mente os governos municipal e estadual convidaram várias comunidades de imigrantes para participarem das comemorações. Elas deveriam criar marcos, que atestassem sua presença na cidade, a serem inaugurados nas festas do IV Centenário.

Em 1952, a convite do então prefeito da cidade, Armando Arruda Pereira, formou-se a Comissão Colaboradora da Colônia Japonesa Pró-Centenário da Cidade de São Paulo. Nos dois anos seguintes a unificação da colônia se tornaria, por fim, realmente efetiva. Derrotistas e vitoristas uniram-se no esforço de reerguer a auto-estima da colônia. Foi decidido que seria construído um Pavilhão Japonês, inspirado no Palácio Katsura, de Quioto, no terreno do que viria a ser o Parque do Ibirapuera.

Em novembro do mesmo ano, o embaixador do Brasil em Tóquio visitou o ministro dos Negócios Estrangeiros para solicitar a participação do governo japonês nas comemorações do IV Centenário. Em 1953 foi criada uma secretaria japonesa do IV Centenário, tendo como presidente o cônsul geral do Japão em São Paulo, Sr. Chiba. Os recursos necessários para a construção daquele que seria o palco das primeiras cerimônias do chá em São Paulo foram conseguidos junto à colônia (através da Comissão Pró-Centenário) e ao governo japonês. Em abril de 1954 o material para a construção do Pavilhão, que deveria ser inaugurado em outubro, chegou à Santos a bordo do Wako-Maru. (Comissão de Elaboração dos 80 anos da Imigração Japonesa no Brasil, 1992: 398).

Durante as comemorações a maneira como os imigrantes referiam-se a si mesmos mudou significativamente: de Zaihaku Hojin Shakai (Comunidade Japonesa do Brasil) passou a chamar-se Burajiru Nikkei Koronia (Colônia Nikkei do Brasil). É possível afirmar-se que a colônia literalmente nasce em 1954, passando a ver-se

49 como fundamentalmente brasileira, incluindo até mesmo uma palavra portuguesa Koronia, corruptela de colônia - em seu novo nome.

Ainda nesse mesmo período (de 10 a 15 de outubro) chegou do Japão uma Missão de Congratulações e Amizade, chefiada pelo ministro do Exterior Katsuo Okakaki, para participar das comemorações.

Ao fim do evento a Comissão Colaboradora da Colônia Japonesa PróCentenário da Cidade de São Paulo foi destituída deixando no ar a questão de como comemorar o cinqüentenário da imigração japonesa que aconteceria em 1958. Por que a primeira Comissão havia tido um resultado tão bom, fundou-se a Sociedade Paulista de Cultura Japonesa, em dezembro de 1955, aproveitando a estrutura da Comissão Colaboradora. A partir deste momento a colônia japonesa pôde contar com uma instituição que tinha como objetivo divulgar e valorizar sua cultura, integrando a comunidade numa única instituição.

Para o mundo do chá, o IV Centenário foi também um momento determinante. No Pavilhão Japonês aconteceram as primeiras apresentações de chanoyu no Brasil como parte destas comemorações do IV Centenário. Para isso veio ao país Sen Soshitsu, na época o primeiro na linha sucessória de grão-mestres do estilo de chá Urasenke.

Uma presença tão importante deveu-se ao fato de que, também para o governo japonês, era necessário tentar mudar a imagem belicosa que o Japão havia adquirido com a guerra. Nas décadas de 50 e 60, a escola de chá Urasenke, com apoio do governo japonês, não mediu esforços para ajudar o mundo a esquecer o Japão Kamikaze. Inaugurou centros de chanoyu no Havaí em 1951 e no Brasil, Argentina, Peru, México em 1954; e divulgou um outro lado da cultura japonesa, o lado mais espiritual e filosófico, o lado que o ocidente só agora começa a conhecer.

As demonstrações de inauguração ocorreram entre os dias 2 e 16 de outubro de 1954. Os imigrantes, vendo sua própria cultura revalorizada, compareceram em peso. Na época em que haviam saído do Japão, o chanoyu era uma arte essencialmente da elite masculina, e poucos eram os imigrantes que tinham podido aprendê-la. Se no Japão, durante e depois da segunda guerra, ela havia se democratizado e se disseminado entre as mulheres e a classe média em geral, poucos foram os imigrantes que haviam presenciado este processo. A grande

50 maioria ainda julgava o chanoyu distante de suas possibilidades. Como relata uma aluna nissei que começou a estudar no começo da década de 60:

"Quem começou era maioria issei. Depois da guerra foi um retorno às raízes. Tiveram oportunidade de se envolver com algo que lá não tinham tido chance. Todo mundo correu para aprender algo que não poderiam ter feito no Japão. As pessoas que estavam com uma situação financeira boa vieram para São Paulo e criaram uma demanda para as coisas japonesas”.

Logo que chegou, no dia 2 de outubro de 1954, Sen Soshitsu participou de uma cerimônia oficial no Pavilhão com a presença do cônsul geral do Japão, Sr. Chiba. Nesta ocasião doou todos os utensílios de chá e alguns kimonos que havia trazido para as demonstrações. Nos dias que se seguiram fez palestras e demonstrações nas casas de pessoas importantes da colônia, culminando numa grande aula aberta no dia 13 no mesmo Pavilhão.

Dois dias depois foi fundado o shibu (grupo de simpatizantes) brasileiro da escola de chá Urasenke, no antigo hotel Niterói. Começa aí a história institucional do chanoyu entre nós.

Após uma semana de demonstrações intensas, o futuro Oiemoto (grãomestre) partiu deixando uma promessa de enviar um professor para o shibu brasileiro. No segundo semestre de 1955 chegou ao país o professor Nagai30, que durante um ano daria aulas diárias às moças que se tornariam as sete professoras históricas do chanoyu no Brasil: Yamamoto sensei (já falecida), Murakami sensei (atualmente leciona as segundas e sábados), Mochizuki sensei (sábados), Takeda sensei (terças e sextas), Washizuka sensei (quartas), Yamashita sensei (quintas) e, por fim, Asai sensei (que retornou ao Japão). É fato digno de nota que cinco das sete professoras que começaram a estudar o chanoyu na década de 50 ainda se dediquem integralmente à esta arte. Fato mais relevante quando se sabe que as duas que o abandonaram o fizeram por razões alheias a sua vontade.

O professor Nagai ainda retornou ao Brasil várias vezes, por períodos de tempo menores, até que as professoras estivessem aptas para lecionar. Mas este não era um processo particular brasileiro. O mesmo professor Nagai, quando vinha 30

Hoje, tornado gyôtei (professor avançado), reside e leciona em Kamakura, Japão.

51 ao país, passava pelo Peru, onde também estava em andamento o processo de constituição de uma filial da Fundação Urasenke. No ano de 1963 foram fundadas as filiais do Peru e de Nova York, esta última com a doação de uma sala de chá para a Feira Mundial que ocorreria em 1964. Dentro do mesmo espírito de expansão e divulgação da cultura japonesa, a filial argentina foi fundada dez anos depois da brasileira, no ano de 1964.

Para o shibu brasileiro, a Fundação Urasenke construiu a sala de chá Hakueian, no terceiro andar do prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, em 1965. Até então as aulas haviam ocorrido primeiramente nas casas dos professores, em seguida no palco do cine Niterói, na Liberdade, e por fim no prédio de uma agência do Banco de Tóquio, perto da praça João Mendes. Com a sala nova, as aulas prosseguiram entremeadas por visitas de professores japoneses. Em 1970, para a comemoração dos quinze anos do shibu brasileiro, Sen Soshitsu, agora na posição de grão-mestre, veio ao país. As comemorações ocorreram na sala Hakueian e no Pavilhão Japonês do Parque do Ibirapuera, onde ele havia estado para sua inauguração. No ano de 197831, a sala de chá Hakueian foi renovada e transferida para o quarto andar do prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Para dar aulas no novo complexo de salas e representar oficialmente a Fundação Urasenke, foi enviado ao Brasil o professor Keita Hayashi.

Em março do ano seguinte o professor Hayashi começou suas atividades de divulgação desta arte no Brasil com uma demonstração de chanoyu no Clube Pinheiros de São Paulo, que reuniu por volta de quinhentos visitantes. Em setembro organizou outra apresentação, desta vez em Curitiba, na Universidade do Paraná, chamada de "Chanoyu Shunju". Neste mesmo mês de setembro de 1979 começou a dar aulas na sala que havia sido doada pela Fundação Urasenke em 1977, localizada na Casa de Cultura Japonesa da USP.

31

Neste ano foi inaugurado o Museu da Imigração, no sétimo e oitavo andares do mesmo local, como parte das comemorações dos 70 anos da imigração japonesa.

52 Em 1979 o chanoyu entrou na pós-graduação da ECA/USP, pelas mãos da professora Francesca Cavalli, que havia estado ao Japão para pesquisar as artes tradicionais, durante os anos de 1976 e 1977.

Diz a professora Cavalli sobre esta época:

"Quando retornei ao Brasil fui falar com o diretor da ECA sobre a possibilidade de se abrir um curso de pós graduação porque era absurdo que

na maior

universidade da América Latina não se soubesse 32

absolutamente nada sobre arte japonesa . Assim eu imediatamente fiz o programa e começamos a trabalhar. Dei o curso com dois alunos regulares e três ouvintes, mas no semestre seguinte já havia dez alunos. O primeiro curso que fiz foi sobre o contato dos portugueses com o Japão33 por que achava que interessava mais aos brasileiros, e aproveitei a parte de Momoyama

34

para falar de chá. No semestre seguinte dei um curso só de

chá, como era muita coisa, dividi em dois semestres35. O Oiemoto, sabendo disto tudo, colocou o professor Hayashi à disposição para dar as aulas práticas e, ao mesmo tempo, o professor Suzuki ofereceu a sala de chá da Casa de Cultura Japonesa36, que até aquele momento não estava sendo usada. As aulas práticas e teóricas eram naquele local, as segundas à tarde, eu dava as duas primeiras horas e Hayashi as duas últimas."

Perguntada sobre quem eram os alunos destes cursos de pós-graduação, a professora Cavalli nos dá uma informação preciosa que corrobora o que diremos a seguir, na seção sobre a população que estuda o chanoyu:

32

É preciso notar que já, em 1963, havia sido criado na USP o curso de língua japonesa dentro do Departamento de Estudos Orientais e que, em junho de 1969, foi fundado o Instituto de Estudos Japoneses da USP, na rua Mário Amaral, tendo como diretor o professor Teiiti Suzuki. (Comissão de Elaboração dos 80 anos da Imigração Japonesa no Brasil, 1992: 406)

33

"A Arte Namban: o elemento português na arte japonesa", no ano de 1977

34

Período histórico (1568-1603) onde se dá a consolidação do chanoyu como uma arte japonesa por excelência. Ver capítulo I.

35

"Análise Contrastiva das Artes Européias e Japonesa" no ano de 1978, e "O jardim Japonês: seus valores estéticos e simbólicos" em 1979

36

A Casa de Cultura Japonesa foi inaugurada em 1976, sendo administrada conjuntamente pela Aliança Cultural Brasil-Japão e pela USP.

53 "Os alunos da pós, dos cursos sobre arte japonesa e que faziam chakai (demonstrações de chanoyu), na Casa de Cultura Japonesa da USP, eram brasileiros, isto é, não-descendentes. Os nisseis não queriam saber. Só depois, quando conquistei uma primeira sansei, veio a segunda e depois mais. Mas no começo houve muita resistência, não queriam saber. Depois descobriram o que era, porque eu fiz uma propaganda daquelas, começaram a se interessar pelas raízes e, como eram todos de tendências artísticas, se apaixonaram."

Em junho de 1981 o diretor e os professores da ECA assistiram a uma demonstração de chanoyu feita por alunos do curso de pós-graduação, coordenados pelo professor Hayashi, na Casa de Cultura Japonesa. A professora Cavalli fez primeiramente uma introdução, explicando do que se tratava, e depois houve a demonstração. Neste mesmo ano foi traduzido e publicado, pela mesma professora, o livro Vivência e Sabedoria do Chá, de autoria de Sen Soshitsu, o atual Oiemoto (grão-mestre).

Em 1982, a Fundação Urasenke construiu a sala de chá denominada Washinan em Curitiba, outro foco de imigrantes japoneses no Brasil. Em março do ano seguinte, o professor Hayashi inaugurou uma exposição no Museu de Arte de São Paulo intitulada "Rittai Chado Ten", que incluía cem utensílios raros, uma sala de chá de dois tatamis aberta à visitação e um jardim japonês (roji) para o chanoyu. Quatro anos depois, em 1986, foi organizada outra exposição no Museu de Arte de São Paulo. Esta, com o nome de "A Beleza da Cultura Japonesa", reunia quatro artes tradicionais - a ikebana (arranjo floral), o shodo (caligrafia), o chado e o teatro No. No ano de 1991, uma exposição itinerante chamada de "Tea Road" (A Estrada do Chá) foi inaugurada em São Paulo, passando pelo Rio de Janeiro no ano seguinte e finalizando em Curitiba em 1993.

No ano de 1995, foram comemorados os 40 anos do chanoyu entre nós. A festa, que ocorreu em outubro no Museu de Arte de São Paulo, contou com a construção de três salas de chá e exposição de utensílios raros enviados do Japão. O ponto alto das comemorações foi novamente a presença do filho primogênito do Oiemoto. Com isto fecha-se um ciclo. Se em 1954, o shibu brasileiro foi inaugurado pelo atual Oiemoto, quando ainda ocupava o cargo de Wakasosho, sucessor do

54 Oiemoto; agora, 41 anos depois, quem veio ao Brasil para as comemorações é o atual Wakasosho, o filho primogênito de Sen Soshitsu.

Estas demonstrações fazem parte de uma estratégia de divulgação da cultura japonesa, e em especial do chanoyu, no ocidente. Como mencionado anteriormente, precisamente por reunir a maioria das outras artes japonesas ele transformou-se em ponta de lança desta divulgação no mundo todo. No Brasil, ao contrário do que se esperava, esta tarefa não foi muito fácil. Devido à enorme comunidade de imigrantes e descendentes japoneses, o que deveria estar ao alcance dos não-japoneses, se confina intramuros. A própria colônia se encarrega, a fim de preservar sua identidade enquanto grupo, de deixá-lo inacessível. Apesar de todo o movimento de divulgação, estas demonstrações são apenas demonstrações em que “atores” trajando kimonos mantêm erguida a, tão conhecida nos meios teatrais, quarta parede. Enquanto no palco se desenvolve um ritual intrincado, o público leigo se admira: como é possível que tudo, cada gesto possua um significado simbólico? A mistificação está na raiz do pasmo. No exterior, como sua ligação ao zen-budismo é muito mais acentuada, há um número maior de seguidores não-descendentes, que chegam a ele pela via da religião. Uma análise da população que estuda chanoyu no exterior não está no escopo deste trabalho, mas creio que basta enumerar alguns países que possuem filiais de Urasenke para se perceber que a presença de uma grande colônia japonesa não é fator determinante para sua existência. São eles: Argentina, Austrália, Bélgica, Canadá, França, Inglaterra, Itália, México, Holanda, Peru, Suíça, Estados Unidos e Alemanha.

55

2.2 A População

2.2.1 O que procuraram os japoneses que foram estudar o chanoyu? Tomoo Handa, imigrante japonês que se tornou pintor no Brasil, é o autor de um artigo sobre a perda do senso estético em meio aos imigrantes japoneses no Brasil37. Handa identifica a causa desta perda no fato dos imigrantes japoneses terem vindo ao Brasil em caráter temporário, com o intuito de voltar ao Japão logo que conseguissem dinheiro suficiente. Tendo em mente somente o trabalho, não se permitiam tempo livre para tentar fazer a vida no Brasil mais aprazível. Não trouxeram instrumentos musicais ou outros objetos artísticos, e também quase não comemoravam suas festas típicas, ou rituais religiosos. Se não estavam trabalhando na roça, estavam trabalhando na horta particular ou em casa. O que tornava mais crítica esta situação era o fato de que

"(...) o senso estético do Japão (...) constitui a tradição viva cotidiana (...), não pode (...) ser dissociado da vida (e o ) centro da existência (está baseado no) tatami" (Handa 1973: 393).

O que o autor alega é que as casas de colono, onde foram morar os primeiros imigrantes, eram em tudo diferentes do que estavam acostumados. O chão de terra batida (ao invés de madeira ou tatami), as camas para dormir (ao invés de futon), as paredes de pau a pique (ao invés do fussuma ou soji, de papel e madeira), juntamente com a total falta de tempo para o lazer, não ofereciam qualquer possibilidade de cultivar a vida cotidiana japonesa. Com a perda desta, perdeu-se também o senso estético japonês. Handa lamenta a perda do modus vivendi do Japão tradicional como uma perda pessoal - ao longo do texto o autor sempre usa a primeira pessoa do plural, nós, para tratar dos sentimentos dos japoneses. "Os imigrantes (...) (que) viajam ao Japão (...) têm a emoção ao rever o que se perdeu em nós. O quanto nossa vida se tornou ríspida, com perda de finura." 37

Handa, T. "O Senso Estético na Vida dos Imigrantes Japoneses", em Saito,H., Maeyama, T. Assimilação e Integração dos Japoneses no Brasil, 1973, Vozes/Ed. USP

56 (Handa, 1973: 410). Sente que os imigrantes perderam este senso artístico e não souberam olhar para seus pares brasileiros para com eles aprender um novo senso artístico, que seria mais adaptado à nova terra. Instalou-se portanto um vazio que, de acordo com ele, só pôde ser preenchido quando os nisseis (segunda geração) trouxeram para o seio da comunidade japonesa a maneira brasileira de ordenar artisticamente a vida.

O testemunho de Handa, suspirando pela retomada da sensibilidade japonesa, funciona como um paradigma dos sentimentos dos isseis em relação à esta perda. Com certeza, quando a oportunidade apareceu, foi isto que foram procurar com sofreguidão no aprendizado do chanoyu e de outras artes tradicionais: esta finura e delicadeza da sensibilidade perdidas.

2.2.2 Porque havia poucos nisseis interessados em aprender o chanoyu nas décadas de 50 e 60? Se a meta principal das famílias de imigrantes de antes da guerra era fazer dinheiro rápido para voltar ao Japão, o que acarretava o isolamento da comunidade; com a derrota do Japão os planos tiveram que ser mudados por que a permanência no Brasil tornou-se um fato inelutável. No pós-guerra os imigrantes isseis tinham como nova meta o êxito econômico e a ascensão social de seus filhos. Compreendiam que as condições básicas para que isto acontecesse eram que falassem bem a língua portuguesa e se comportassem, em certa medida, como brasileiros.

"Para os pais, desde a maioridade dos filhos, se torna preocupação que pelo menos um deles ingresse na faculdade. (...) Na sociedade brasileira a consciência de que o trabalho manual não é digno da classe média é bastante acentuada. Assim os nissei aspiram (...) os trabalhos de escritório." (Maeyama, 1967: 174)

Entretanto, o incentivo por parte dos pais para que a geração nascida em terras brasileiras se adaptasse era somente um primeiro passo, já que não poderiam funcionar como modelo de comportamento para eles. Este vácuo na educação foi preenchido pelas centenas de associações de descendentes japoneses que forneciam-lhes o ambiente ideal para que discutissem seus

57 problemas comuns e convivessem com jovens em igual situação. Para os descendentes que saíam do campo e chegavam à cidade com o intuito de estudar elas funcionavam como uma ponte entre seu background rural e japonês e a sociedade brasileira que deveriam enfrentar. Nestas associações eles discutiam 38

temas como o namoro, e o casamento , planejavam atividades esportivas e excursões, e ensinavam a dançar à maneira ocidental.

"As associações têm uma função específica: abrasileirar o nissei, fornecendo-lhe pelo menos padrões de comportamento adequados. (...) dãolhe um núcleo de convivência em que se usa apenas a língua portuguesa, cujo domínio é condição importante para o sucesso nos cursos escolares e vida profissional." (Cardoso, 1973:331)

Por conseqüência, os nisseis começaram a desejar a ocidentalização, pois identificaram os padrões de comportamento brasileiro aos padrões da classe alta, a qual pretendiam ascender. Os costumes dos pais são identificados como antigos, de classe baixa, obstáculo para o seu sucesso.

Esta estreita identificação entre, por um lado, os valores da sociedade branca brasileira com os de uma classe social à qual se aspira e, por outro lado, os valores da comunidade de origem com os de uma classe a que se renega, foi estudada por Roberto Cardoso de Oliveira, quando investigou o relacionamento entre índios e brancos no Brasil. Cunhando o termo "fricção interétnica", o autor vê a existência de modelos de sistemas interétnicos de simetria (implicando em relações igualitárias) e de assimetria (relações hierárquicas). No caso do relacionamento entre descendentes japoneses e a sociedade brasileira, a partir do que foi dito até este momento, creio que estamos lidando com o segundo tipo, o de relacionamento assimétrico, onde valoriza-se a cultura da sociedade global envolvente, em detrimento daquela de origem. Diz Roberto de Oliveira a este respeito:

"(O termo) 'fricção interétnica' (...) serve para enfatizar o caráter conflituoso* das relações interétnicas, moldadas por uma estrutura de sujeiçãodominação. Tal estrutura é uma réplica no plano étnico (isto é, das relações

38

No Japão o casamento é arranjado (Omiai). O amor romântico é uma idéia que veio junto com a ocidentalização, depois da segunda guerra mundial, e mesmo hoje não faz parte integral da sociedade japonesa.

58 interétnicas) da estrutura de classes no plano social global (isto é, da sociedade nacional inclusiva). (Oliveira, 1976: 55,56) * grifo do autor

Dito isto é possível identificar as razões pelas quais poucos descendentes nisseis e sanseis se interessaram pelo aprendizado do chanoyu, que valoriza a cultura japonesa. Na década de 50, quando o chanoyu começou a ser ensinado no Brasil, os nisseis estavam começando a trilhar o caminho em direção à cultura brasileira. Estavam se desgarrando de costumes tradicionais, procurando encontrar uma nova identidade que correspondesse a sua condição de estar a meio caminho entre a cultura dos pais e a de seus colegas de escola e trabalho. Não era o momento de despender esforços para aprenderem a ser integralmente japoneses, ao contrário, era o momento de livrar-se destes entraves que impediam sua integração à sociedade brasileira. Relata uma antiga aluna do grupo fundado em 1954: “Os isseis estavam entusiasmados para aprender o chanoyu. Mas os filhos desta geração não acompanharam. Não queriam fazer porque têm família, filhos. Não queriam fazer coisas japonesas. Eles negavam os pais, a tradição. A terceira geração está voltando agora.”

Isseis e nisseis, partindo do campo, tomaram caminhos distintos. Os primeiros se apegaram aos valores japoneses, os últimos se esforçaram por aprender a ser mais brasileiros. Nos longos anos no meio rural, os isseis haviam tentado desesperadamente preservar o "espírito japonês", cultivando a língua e certos costumes. Contudo, sabiam que haviam deixado muito para trás:

"Todavia, não terá havido imigrante que tivesse abandonado os seus costumes mais do que o japonês. Desde o dia da chegada teve que morar numa casa sem tatami, tirar kimono, jogar fora a tigela e o hashi, beber café ao invés de chá." (Handa, 1973: 400)

59 Vindo morar na cidade de São Paulo39, e passando a ter uma situação econômica mais estável, este configurava-se como o momento ideal para que os isseis aprendessem a comportar-se como imaginavam que a elite japonesa o fazia.

Pensando na tradição cultural que os imigrantes trouxeram consigo, Manuela Carneiro da Cunha nos ensina que:

"A tradição cultural serve (...) de 'porão', de reservatório onde se irão buscar, à medida das necessidades do novo meio, traços culturais isolados do todo, que servirão essencialmente como sinais diacríticos para uma identificação étnica." (Cunha, 1987: 88)

Portanto, somente na década de 50 os imigrantes tiveram meios e possibilidades materiais de "importar" um traço cultural tão importante para sua afirmação enquanto parte da comunidade japonesa, e para a conseqüente distinção dos outros grupos étnicos que faziam parte da sociedade brasileira. A este respeito diz ainda a mesma autora: " (...) não se levam para a diáspora todos os seus pertences. Manda-se buscar o que é operativo para servir de contraste." (Cunha, 1987: 101)

Vale lembrar que o pequeno número de nisseis e sanseis encontrados nas aulas de chanoyu nas décadas de 60, 70 e 80 correspondem aqueles que haviam freqüentado as aulas desde pequenos, trazidos por seus avós e pais. Entre eles está Megumi, neta de japoneses, cuja avó a levava às aulas todos os sábados:

"Minha avó me levava para todo lado. O chá era como a continuação da casa. Programa de sábado era passar o dia todo lá, fazíamos temae (cerimônia) de manhã, almoçávamos tranqüilamente, ficávamos a tarde, ou fazíamos outro temae ou víamos o dos outros. Era muito gostoso."

Mesmo estes jovens, que junto com seus familiares praticavam o chanoyu, passam por um distanciamento quando começam a freqüentar a universidade e se 39

Este processo de urbanização da comunidade japonesa continua presente até nossos dias. O último censo da população japonesa residente no Brasil, realizado em 1988 pelo Centro de Estudos Nipo-Brasileiros, dava conta que havia uma população de 1.168.000 indivíduos. Deste total, 70% (818.000) viviam no Estado de São Paulo. Mais ainda, 89.2% (1.042.000) habitavam a zona urbana. (Guia da Cultura Japonesa, 1989: 25)

60 tornam mais independentes. Neste momento os estudos e outras atividades fazem com que o chanoyu receba paulatinamente menos prioridade em suas vidas. Pensando o chanoyu como espaço de socialização, de aprendizado de regras de comportamento e valores japoneses, percebe-se que a partir do momento que se tornam adultos, estas regras já devem estar internalizadas e eles podem afastar-se do mundo dos pais.

Nota Takashi Maeyama a propósito da seita Seicho-no-iê no Brasil:

"Com o amadurecimento da personalidade e da autonomia, eles (os jovens que faziam parte da seita desde crianças) se afastarão da Associação e dificilmente chegarão a participar de Shiyû-Kai (Associação dos Homens) ou Shirohato-kai (Associação das Senhoras). Surge, por conseguinte, a deslocação (sic-afastamento) entre a camada de jovens e velhos, ampliandose cada vez mais com o correr do tempo." (Maeyama, 1967: 279)

Ocorre o mesmo com Megumi e outros jovens entrevistados, antigos freqüentadores

das

aulas

de

chanoyu:

apesar

de

lamentarem

o

não

comparecimento às aulas, justificam sua ausência pela falta de tempo devido aos estudos e ao trabalho.

No fim dos anos 80 e começo dos anos 90 esta situação se transforma bastante. O Japão adquire um papel de destaque na nova ordem mundial e sua cultura valoriza-se. Os meios de comunicação brasileiros começam a utilizar a imagem de japoneses na publicidade e a veicular programas de TV japoneses. Com a abertura das importações na era Collor, também os produtos da indústria japonesa chegam ao país. Não mais produtos típicos japoneses (especialmente ingredientes culinários), mas produtos fabricados em todos os países, que não necessariamente necessitariam ser importados pelo Brasil: desde automóveis, balas, até sucos e refrigerantes. A imensa comunidade japonesa vê seus restaurantes invadidos por brasileiros ávidos por aprender os meandros do paladar oriental. A cultura japonesa transforma-se em símbolo de refinamento. Ilustra este fato um pequeno lembrete que sai mensalmente na revista VIP/Exame contendo um "pensamento Zen para recortar e guardar", que supostamente auxiliaria os negócios e daria tranqüilidade ao executivo que leva uma vida muito estressante.

61 Se a identidade étnica é definida "(...) em termos de adscrição: assim, é índio quem se considera e é considerado índio." (Cunha, 1987: 101), temos que enquanto não interessava aos descendentes serem reconhecidos como tal, fizeram todo o possível para aprender a ser brasileiros, não se vendo como japoneses. Mas, quando torna-se uma vantagem pertencer ao grupo, aí sim vão procurar aprender os valores e comportamento do grupo, para realmente fazerem parte dele. Roberto Cardoso de Oliveira nos fala de uma "(...) surrendered identity, uma identidade latente que é apenas 'renunciada' como método e em atenção a uma práxis ditada pelas circunstâncias, mas que a qualquer momento pode ser atualizada, invocada (...) " (Oliveira, 1976: 12)

Toda esta valorização reflete-se numa procura maior pelas artes tradicionais em geral. O chanoyu ainda está bastante distante de ser estudado por um grande público. A ikebana (arranjo floral), o sumi-ê (pintura), a culinária e as artes marciais são de acesso mais fácil, pois têm algo que falta ao chanoyu: um produto final. No caso das artes marciais o objetivo é a construção do corpo saudável, forte, musculoso, capaz de defender-se. No chanoyu o que se aprende é uma performance, não se obtém nada de concreto, o produto traduz-se no próprio corpo educado à moda tradicional japonesa. Sendo assim, o chanoyu permaneceu como o último reduto, último sinal diacrítico, que os japoneses preservaram para assinalar sua identidade frente a outros povos. É por esta razão que sua população de praticantes é pequena (106 alunos nos cursos institucionais), apesar de sua existência ser amplamente conhecida entre os imigrantes e seus descendentes. Ao saberem que alguém estuda o caminho do chá, os imigrantes e descendentes sempre têm reações espantadas e elogiosas, pois o seu estudo indica dedicação, disciplina, prestígio e refinamento. É uma arte guardada com uma aura de requinte tão intensa, que torna-se mistificada e louvada, como se tratasse de um caminho acessível apenas para poucos, o que, por esta razão, ocorre na realidade. Entretanto, como examinaremos a seguir, há um número crescente de nisseis e sanseis que entraram no curso nos últimos cinco anos.

2.2.3 População Atual: os grupos A, B e C A população estudada será composta da soma dos três grupos que estudam o chanoyu institucionalmente em São Paulo. Devido ao tamanho deste universo,

62 apenas 106 pessoas, decidiu-se trabalhar com os números reais e não percentagem. Para facilitar a identificação destes três grupos estudados, foi-lhes dados letras. Desta forma, o grupo de professores antigos, que começaram em 1954, com aulas nas segundas, quartas, quintas, sextas e sábados na sede de Urasenke (localizada no quarto andar do prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa), receberá a letra A. O segundo grupo, do professor enviado pela Fundação Urasenke em 1978, que dá aula as terças-feiras no mesmo local, será identificado pela letra B, e, por último, o grupo da Casa de Cultura Japonesa da USP, na qual este mesmo professor (Hayashi) dá aulas, será identificado pela letra C.

Há, ainda, um quarto grupo, o qual não me deterei para uma análise mais profunda por que a comparação com os três grupos acima citados fica impossível, já que é constituído por uma população diferenciada, que não necessariamente escolheu estudar esta arte. Dele fazem parte crianças e adolescentes que, descendentes de japoneses imigrantes bem como de não-imigrantes, estudam em duas escolas em São Paulo - Professor Oshiman e Shohaku Gakuen. A primeira é uma escola primária em período integral, que tem o chanoyu, ikebana (arranjo floral) e shodo (caligrafia) como atividades curriculares a partir do pré-primário. A segunda é uma escola de línguas onde os alunos são mais velhos (têm de 10 a 18 anos). Esta oferece o chanoyu como atividade extracurricular, o que implica que os pais dos alunos, ou eles próprios, podem decidir se querem, ou não, que seus filhos aprendam esta arte. As aulas da Professor Oshiman se iniciaram recentemente, em 1992, quando da abertura do curso primário na escola; as do Shohaku Gakuen, por volta de 1980, após a chegada do professor enviado do Japão. Este faz um trabalho voluntário nos dois casos, não recebendo pagamento por parte dos alunos nem das escolas. As crianças do Oshiman têm aulas uma vez por mês num sistema de rodízio em que a cada semana as classes de um determinado ano têm aula. Deste modo, na primeira quarta feira do mês as aulas são dadas ao pré-primário, na segunda quarta-feira ao primeiro ano primário e assim por diante. As aulas do Shohaku são ministradas todos os primeiros sábados (na sede da escola) e terceiros domingos (na sede de Urasenke) do mês. Nas aulas deste último grupo o professor Hayashi é auxiliado por duas professoras, e há um sistema de rodízio entre os alunos para a feitura dos relatórios (a escola Shohaku exige um relatório por aula onde conste o que foi ensinado naquele dia).

63 Mesmo não sendo alvo desta pesquisa, é importante notar que o estudo do chanoyu nas escolas primárias e secundárias reproduz em boa medida o papel que ele desempenha para o japonês médio no Japão. Neste país, a criança entra em contato com o chanoyu pela primeira vez também na escola, onde há clubes que praticam esta arte. Lá, como aqui, ela representa o aprendizado da etiqueta tradicional japonesa, um instrumento para fazer com que a criança, e em especial seu corpo, entre em contato com os valores e posturas corporais tradicionalmente tidas como japonesas, isto é, aquelas que distinguirão esta criança de outras crianças não japonesas. Para quem o aprende nestas condições o chanoyu tem o mesmo papel que têm as aulas de piano, balé, pintura para uma criança ocidental aquele da socialização. Por conseguinte, tanto lá como aqui, ao aprender o chanoyu na escola não significa que os alunos seguirão estudando esta arte tradicional ao longo de suas vidas, mas que aprenderão o que se trata ser japonês. Entretanto, enquanto para as crianças japonesas o chanoyu ainda guarda alguns laços com a realidade externa à escola, para as crianças brasileiras, descendentes de imigrantes, o quadro é bem outro. Seu contato com a cultura tradicional japonesa por vezes se dá pela primeira vez na escola, já que em casa têm uma rotina bastante ocidental.

64 População das crianças que praticam o chanoyu em São Paulo

TABELA 1.A Escola Professor Oshiman IDADE

DESCENDÊNCIA

pré-escola (5 a 6 anos) 10 série (6 a 7) 0 2 série (7 a 8) 30 série (8 a 10) TOTAL

nissei

sansei

yonsei

2

5

0

4

0

8

0

0

5

3 5

6 24

TOTAL

mestiço* não-imig.

chinês

não-desc.

0

1

1

13

3

2

1

2

16

1

1

0

0

0

7

0 1

1 9

0 2

0 2

0 3

10 46

*Mestiço foi a categoria usada pela diretora da escola para distinguir aqueles cujos pais haviam casado com brasileiros.

TABELA 1.B Escola Shohaku Gakuen IDADE

DESCENDÊNCIA

10 anos 12 anos 13 anos 14 anos 15 anos 16 anos 18 anos TOTAL

nissei 0 0 0 1 2 1 1 5

sansei 1 1 2 1 1 0 0 6

TOTAL 1 1 2 2 3 1 1 11

Vemos pelas tabelas acima que a escola primária Professor Oshiman tem cinco vezes mais crianças sansei (24) do que nissei (5), e quase três vezes mais crianças sansei (24) do que mestiças (9). Há também uma grande quantidade de mestiços. Estes números nos levam a duas conclusões sobre a história da imigração brasileira: já estamos na terceira geração de descendentes e há casamentos interétnicos. Na segunda tabela (tabela 1B) vê-se uma paridade entre alunos nissei (5) e sansei (6). Não há alunos japoneses não-imigrantes por que esta é uma escola de língua japonesa. Há, ainda poucos representantes de cada faixa de

65 idade, no máximo 3 na faixa de 15 anos, para pensarmos que podem representar um interesse de jovens por esta arte.

Perfil da população adulta que pratica o chanoyu em São Paulo

Primeiramente gostaria de apresentar um perfil da população como um todo para que seja possível trazer à tona suas diferenças mais genéricas. Assim, a cada característica apresentada será vista a população total e a segmentação por grupo. Só a partir destas informações é que me deterei em cada grupo, analisando suas peculiaridades. Voltamos aqui a usar a convenção:

Grupo A - Shibu (grupos de simpatizantes). Professores antigos, que começaram em 1954, com aulas nas segundas, quartas, quintas, sextas e sábados no quarto andar da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. Grupo B - Shuchojô (representante oficial) professor enviado pela Fundação Urasenke em 1978, dá aulas as terças-feiras no mesmo local. Grupo C - o mesmo professor do grupo B ministra aulas na Casa de Cultura Japonesa da USP.

TABELA 2A IDADE IDADE 0 -20 21-30 31-40 41-50 + de 51 anos TOTAL

GRUPO A

GRUPO B

GRUPO C

TOTAL

1 7 4 3 44 59

0 7 5 7 16 35

0 7 4 1 0 12

1 21 13 11 60 106

A população adulta de estudantes caracteriza-se basicamente por uma idade avançada. De 106 alunos, mais da metade (60) se encontra na faixa de mais de 51 anos de idade. O segundo maior grupo de alunos (21), que se encontra numa faixa entre 21 e 30 anos de idade, é um terço deste número. Nas duas faixas intermediárias (entre os 31 e 40 e entre 41 e 50 anos) temos um número similar de alunos, respectivamente 13 e 11. É interessante notar que na faixa até 20 anos de

66 idade encontramos apenas um aluno, levando-nos a pensar que os alunos mais jovens que entram em contato com o chanoyu o fazem através das outras duas escolas acima citadas ou com professores particulares. Estes são jovens e crianças cujos pais estão interessados em fazer com que seus filhos aprendam sobre a cultura japonesa, uma vez que têm sua formação em escolas especiais para japoneses. Vale aqui o que foi visto no item 2.2.2 deste estudo. Mesmo as crianças que são socializadas nas escolas onde há ênfase na cultura japonesa, desligam-se dela por um período de suas vidas, geralmente durante a adolescência, para só voltar a se interessar pelo chanoyu depois dos vinte e um anos de idade. Perguntada sobre as razões para que alunos jovens deixem de estudar o chanoyu, uma aluna nissei do grupo A faz algumas reflexões: “Isto de hierarquia e respeito aos mais velhos é um problema, alunos não podem falar contra o professor e aí deixam de vir à aula.

Claramente estamos vendo duas ordens de valores em conflito: a ordem tradicional, dos antigos imigrantes e a nova ordem dos descendentes, já familiarizados com valores ocidentais. Mas ainda assim, os números da tabela 1B são muito pequenos para sabermos se existe um interesse real pela cultura japonesa entre a população adolescente de descendentes de japoneses em São Paulo. Para isso, seria preciso fazer uma pesquisa com todas as escolas de artes tradicionais, incluindo as marciais, da cidade, e este não é o objeto da presente pesquisa.

Seguindo o mesmo padrão da população total de adultos, o grupo A caracteriza-se pela forte incidência de alunos de mais de 51 anos. De um total de 59 alunos, 44 estão nesta faixa, quase sete vezes mais alunos do que o segundo maior grupo, aquele entre 21 e 30 anos, com apenas sete alunos. O grupo B continua seguindo o mesmo padrão, só que de uma maneira mais suave: a população de alunos do segundo maior grupo (o mesmo do anterior, de 21 a 30 anos) é apenas duas vezes menor que o da faixa mais velha. Além disto sua população está bem melhor distribuída entre as diversas faixas, sendo que a faixa entre 41 e 50 anos possui um mesmo número de alunos daquela entre 21 e 30. Com o grupo C a coisa muda de figura. Encontra-se um maior número de alunos na faixa entre 21 e 30 anos, seguida da faixa entre 31 e 40 anos. Naquela faixa de mais de 51 anos não há um só aluno. Comparando-se os números totais de alunos por grupo também

67 podemos estabelecer relações. Apesar do grupo A atuar em quase todos os dias da semana (excetuando-se terças-feiras e domingos), arrebanha poucos alunos (59), se pensarmos que o grupo B, que se encontra apenas uma vez por semana (terçasfeiras), possui 35 alunos. Dividindo-se o número de alunos do grupo A pelo número de dias de aula, teríamos uma média de 11.8 alunos por dia, três vezes inferior ao número de alunos do grupo B. Se compararmos esta média com a do grupo C, veremos que a população deste último não é tão inferior, mas ao contrário, igual a média de população diária do grupo A. Por conseguinte, vimos que o grupo B possui a maior população relativa.

TABELA 3 A SEXO (Total e por grupo) SEXO Homens Mulheres

GRUPO A

GRUPO B

GRUPO C

TOTAL

7 52

5 30

1 11

13 93

É marcante a diferença numérica entre homens e mulheres. No total da população, para cada homem que estuda o chanoyu temos sete mulheres que o fazem. No grupo A e B a proporção se mantém praticamente a mesma: no primeiro ela é também de sete para um e no último de seis para um. Já no grupo C há uma diferença mais dramática - de um para onze.

É interessante notar que tanto no Brasil como no Japão, atualmente, o caminho do chá é uma atividade basicamente feminina.

O chanoyu nasceu, como já foi mencionado anteriormente, como uma arte masculina, na qual comerciantes e guerreiros poderiam "cultivar o espírito" enquanto viviam um período de guerras intensas. Contudo, consideramos outros fatores mais determinantes para esta exclusividade masculina: foram os homens que o cultivaram porque este passou a legitimar, simbolicamente, o poder de uma nova classe. Aprender esta arte era um privilégio concedido pelo xogum; possuir seus utensílios significava prestígio. Ora, no período medieval e pré-moderno japonês (1192 a 1868) somente homens encontravam-se no poder. Eram estes homens de posses - samurais, daimyos (senhores feudais) e comerciantes - que transitavam pelo mundo do chanoyu, desenhando, confeccionando, comprando e

68 vendendo utensílios, inventando novos gestos e detalhes para cerimônias, tendo aulas com professores prestigiados e especialmente escolhidos, convidando e sendo convidados para chajis (reuniões completas de chá). Todo este mercado foi exclusivamente masculino até a guerra Sino-japonesa (1894-95). A partir deste evento, procurando um nicho ainda intocado de alunos para se expandir, a esposa de Yûmyôsai (1853-1917, o XII

grão-mestre de Urasenke) conseguiu que o

chanoyu se tornasse um requerimento básico nas escolas femininas e, a partir deste momento, não só à crianças e adolescentes foi permitido freqüentar aulas, mas também mulheres adultas começaram a ser aceitas nos grupos masculinos. Na verdade, o processo de expansão do estudo desta arte para as classes médias já vinha ocorrendo desde a queda do governo feudal em 1868, quando as escolas de chanoyu haviam perdido seus alunos tradicionais - a classe dirigente masculina.

Como veremos no capítulo III, no século XX o chanoyu tornou-se, tanto no Japão, como fora dele (entre imigrantes e seus descendentes), uma arte basicamente feminina40. Se os homens ocupam- se do trabalho fora de casa (os chamados salary-men) e voltam-se para outras atividades de lazer como o golfe e a bebida com os amigos; as mulheres, ao longo de sua vida, têm nesta arte um espaço de sociabilidade e aprendizado. Antes do casamento a estudam, bem como a ikebana e a dança japonesa, como parte de um conjunto de atividades prescritas para a noiva. “A participação das mulheres é encorajada como parte do seu papel de mãe e educadora das gerações futuras. O chado é considerado um meio de preservar valores tradicionais e passá-los à posteridade. (...) Dentro de casa o papel da mulher envolve decisões nas despesas, educação das crianças, receber convidados, etc. Como o chado ensina parcialmente estas funções, seu estudo é encorajado para mulheres jovens (...). Interesse na preparação da comida, decoração da casa, apresentação de objetos, etiqueta, uso do kimono, flores são justificados em termos de sua aplicação prática para a vida de casada e para receber convidados.” (Mori, 1988: 166,167)

40

"Com efeito, a cultura japonesa oferece poucas oportunidades aceitas socialmente em que mulheres casadas possam participar integralmente (...) de atividades que apresentem um desafio a suas mentes e dêem um alento à suas almas." (Anderson, 1991: 223)

69 O depoimento de Midori Kuma, uma aluna do grupo A, que começou a estudar por volta de 1962, é esclarecedor sobre este aspecto: “Uma tia dizia ‘você precisa fazer chá, precisa cultivar este tipo de tradição, para ficar jeitosa’. Eu era muito estabanada e comecei a estudar para saber da cultura japonesa. Eu tinha entre dezoito e vinte anos. Vinha de sábado para São Paulo para fazer o chá, nós morávamos em Jundiaí e meu pai vinha me trazer. Assim ele também começou a aprender. A minha mãe começou depois ainda.” (15/09/94)

Nem sempre o que se estuda nas aulas de chanoyu é passível de ser aplicado diretamente na vida de casada. Na maioria das vezes aprende-se um jeito de ser, um comportamento corporal e valores considerados femininos na cultura japonesa, isto é, aprende-se a ocupar a posição devida dentro da sociedade. Takie Lebra, em seu estudo sobre as mulheres no Japão atual, nos diz:

"(...) as mulheres raramente fazem uso destas habilidades para entreter seus maridos. O objetivo não é tanto aprender a técnica específica de uma arte quanto internalizar maneiras e comportamento apropriados através da arte." (Lebra, 1984: 59)

Quando se casam o chanoyu é geralmente esquecido em favor de todas as novas atividades que a esposa adquire. Contudo, a partir do momento que os filhos tornam-se independentes, as mulheres, que se ocupavam deles, precisam procurar algo para fazer. As aulas de chanoyu apresentam-se, neste sentido, como um ambiente ideal para encontrar amigos e aprender sobre sua cultura “tradicional”:

"Quando as crianças finalmente saíram de casa (...) a mulher madura tem oportunidade de reativar seu interesse no chá. (...) As mulheres se encontram para estudar o chanoyu, praticá-lo, compartilhar utensílios e espaços, e organizar chakai. Elas também fazem excursões para visitar vários lugares de interesse como salas de chá famosas, templos, fornos ou áreas de plantio de chá." (Anderson, 1991: 219)

Entretanto, apesar da maioria esmagadora de alunos e praticantes ser constituída de mulheres, o topo da hierarquia é privilégio exclusivo dos homens. São

70 eles que criam novas formas (direito único do grão-mestre), detém o conhecimento das cerimônias mais elevadas (gyôtei e mizuya sensei41), que por esta razão só podem ser transmitidas oralmente, quando o aluno estiver apto para aprendê-las. Como não há mulheres que ocupem a posição de gyôtei ou mizuya sensei, muito do conhecimento transmitido secretamente não chega até elas.

TABELA 4A DESCENDÊNCIA DESCENDÊNCIA

GRUPO A

GRUPO B

GRUPO C

TOTAL

issei nissei sansei não-imigrante* não-descendente

35 14 5 0 5

14 3 6 9 3

1 4 5 0 2

50 21 16 9 10

* não-imigrante: japonês que vem ao país por um período de aproximadamente quatro anos enviado por uma empresa.

Vemos na tabela 4A que o chanoyu no Brasil tem uma população cuja maioria é constituída por isseis (50), número que é o dobro do segundo maior grupo, os nisseis (21). Surpreendente é o número de brasileiros não-descendentes (10), quase se igualando aquele de japoneses não-imigrantes (9). No total, o número de brasileiros não-descendentes em comparação aos descendentes é muito pequeno. Isto indica o pequeno esforço do grupo em fazer com que brasileiros nãodescendentes participem das aulas. Apesar do crescente aumento de interesse sobre o Japão, o mundo do chá ainda continua restrito a demonstrações onde há uma clara divisão palco/platéia. O exótico toma o lugar do compreensível e da possibilidade de compartilhar esta arte e seus princípios filosóficos universalmente.

O grupo A segue o mesmo padrão, tendo uma maioria de isseis (35), número duas vezes e meio superior ao segundo maior grupo, aquele de nisseis (14). Os sanseis são poucos (5), apenas um terço do número de nisseis e um sexto do número de isseis. Não há japoneses não-imigrantes neste grupo, fato que explicita os conflitos e diferenças existentes entre os japoneses imigrantes e não-

41

Professores mais graduados, ver item 3.1.1.

71 imigrantes que serão analisadas no item 2.3 deste mesmo capítulo. Há, contudo, brasileiros não-descendentes (5) em número igual ao de sanseis (5).

O grupo B também possui uma maioria de isseis (14), mas, diferentemente do grupo anterior, não possui um grande número de nisseis, seu segundo maior grupo se encontra entre os japoneses não-imigrantes (9). De fato, o grupo B é o único grupo que possui indivíduos desta categoria. Neste grupo o número de brasileiros não-descendentes se iguala ao de nisseis, sendo ambos a metade do número de sanseis. Há portanto mais sanseis que isseis, fato que ocorre também no grupo C.

O maior número de alunos do grupo C concentra-se entre os sanseis decrescendo a medida que vai-se voltando gerações, para chegar a apenas um aluno issei. Configura-se no grupo C uma relação oposta àquela que existia entre isseis e sanseis nos grupos A e B. Este fato deve-se ao caráter do grupo C, isto é, de ser um curso de difusão cultural que ocorre na USP, seguindo o calendário escolar da universidade, propiciando o comparecimento maior de alunos mais jovens, isto é, de terceira geração.

TABELA 5A SEXO E DESCENDÊNCIA DESCENDÊNCIA issei nissei sansei não-imigrante não-descendente

GRUPO A mulher 31 14 04 0 03

homem 4 0 1 0 2

GRUPO B mulher 12 03 03 09 03

homem 2 0 0 0 3

GRUPO C mulher 1 4 5 0 1

homem 0 0 0 0 1

TOTAL H 6 0 1 0 6

M 44 21 12 9 6

72 No total da população, a desproporção entre homens e mulheres é novamente marcante. Mas nesta tabela podemos observar também que o número de mulheres isseis é um pouco mais que o dobro do número de mulheres nisseis e este, por sua vez, é também o dobro do número de mulheres sanseis. Assim, conforme vai-se passando de geração em geração cai para a metade o número de mulheres estudantes. Fato notável é a ausência de homens nissei e homens japoneses não-imigrantes. Mesmo a presença de um único sansei é bastante diminuta se comparada com a de seis homens isseis. Estas ausências podem ser explicadas pelo que foi dito anteriormente: o chanoyu é atualmente uma atividade encarada pelos japoneses e seus descendentes como basicamente feminina. Somente aos homens isseis, em sua maioria aposentados e em idade avançada (como veremos a seguir), é dado a justificativa para que se dediquem a uma arte que demanda tempo livre e paciência. Conseqüentemente, no grupo C, onde não há a presença de homens isseis, o número de homens que estudam o chanoyu cai para apenas um: um brasileiro não-descendente.

Contudo, se olharmos para os números de mulheres e homens nãodescendentes encontramos uma paridade - seis homens para seis mulheres. Atentaremos para este fato a seguir, na discussão de cada grupo.

O grupo A caracteriza-se pela forte incidência de mulheres isseis. De um total de 59 alunos, 31 são mulheres isseis, enquanto que apenas 4 são homens isseis, uma proporção de um para sete, a mesma que já havíamos encontrado na tabela 3A referente a "sexo". Seguindo o mesmo padrão, há 14 mulheres nisseis para nenhum homem nissei, e quatro mulheres sanseis para um homem sansei. Apenas entre os brasileiros não-descendentes a diferença entre o número de homens e mulheres é de 3 para 2, tornando-se nula nos grupos B e C. Percebe-se aí que brasileiros não-descendentes e descendentes procuram o chanoyu por diferentes motivos, que permitem que homens brasileiros não-descendentes se interessem por esta arte. Se para a colônia japonesa o aprendizado do chanoyu se identifica com a educação das moças como foi visto na tabela 3A, para os brasileiros não-descendentes ele significa o aprendizado de uma filosofia de vida ligada ao zen-budismo. Como diz um aluno não-descendente que se reside em Santos e vem à São Paulo para as aulas do grupo de terças- feiras (grupo B):

73 "No chanoyu se ficarmos presos ao temae (gestos da cerimônia) estaremos praticando uma performance artística e nada mais. É preciso ver o que há ‘por trás’ para se ter uma experiência direta do zen. O chado é meu caminho de contato com o zen. Através dele é possível meditar e ficar mais tranquilo.”

Encarando o chanoyu por este viés, torna-se lícito que homens o pratiquem. Mas apenas entre brasileiros não-descendentes é encontrada esta ligação chanoyu/zen. Fato similar ocorre no Japão. Como já foi visto, também lá há uma maioria de mulheres nas aulas, e somente entre estrangeiros é que o número de mulheres e homens se equipara. Nos dois países, os não-descendentes se interessam pelo chanoyu quando entram em contato com o zen-budismo. Por que esta é uma filosofia que só se apreende por atividades práticas como a meditação ou percorrendo uma das artes que pressupõe um caminho42, muitos brasileiros nãodescendentes escolhem o chanoyu/chado para procurar compreender o zenbudismo.

TABELA 6 A ANOS CURSADOS ANOS 1954-60 1961-70 1971-77 1978-90 91 em diante

GRUPO A

GRUPO B

GRUPO C

TOTAL

15 9 9 16 10

0 0 0 15 20

0 0 0 4 8

15 9 9 35 38

Estas divisões em número de anos, apesar de não serem feitas com um padrão fixo de anos, não é aleatória. Dividimos o primeiro item entre os anos de 1954 a 1960 por que foi este o primeiro período do chanoyu no Brasil. Nestes sete anos as professoras foram escolhidas entre os alunos regulares e treinadas para que pudessem tornar-se professoras quando o professor Nagai, enviado por um curto período ao Brasil, fosse embora. Entre 1961 e 1970 e 1971 e 1977 os alunos que começaram o curso não se tornariam mais professores já que o shibu já estava montado. No ano de 1978 chega o novo professor japonês e com ele a instituição

42

Por exemplo: chado (caminho do chá), kendo (caminho das espadas), kado (caminho das flores), kodo (caminho do incenso), judo (caminho da suavidade), etc.

74 de dois novos grupos, o B e o C. A partir deste momento, os alunos novos podem escolher em qual grupo desejam estudar. A última categoria, de 1991 em diante é útil para mostrar quantos alunos interessaram-se pelo chanoyu nos últimos cinco anos, quando a cultura japonesa já exercia grande influência e excitava a curiosidade da população paulistana como um todo.

Assim temos que num total de 106 alunos, 15 deles começaram a estudar há quarenta anos atrás e ainda hoje prosseguem seus estudos. Dezoito deles estudam há no máximo trinta e cinco anos e no mínimo dezoito anos. De 1978 a 1990 temos trinta e cinco alunos e a partir de 1991 o número de alunos se eleva bastante se pensarmos que em apenas cinco anos entraram no curso 38 novos alunos, enquanto em 12 anos (de 1978 a 1990) entraram quase o mesmo número de alunos (35).

Mas devemos nos lembrar de que como não há dados sobre a população flutuante de alunos, é impossível saber o número exato daqueles que começaram a estudar, mas desistiram no decorrer dos anos. Só podemos saber sobre aqueles que persistiram em seus estudos até o momento da pesquisa. Assim, não há garantias de que estes alunos que começaram a estudar na década de 90 não o farão por pouco tempo, deixando os dados sobre número de alunos que persistiram nesta categoria bastante diferentes se a mesma pesquisa ocorresse daqui há dez anos.

É possível que seja este o motivo do significativo aumento de alunos a partir de 1991 nos grupos B e C. No grupo C temos 4 alunos que persistiram em seus estudos entre 1981 e 1990, para 8 alunos a partir de 1991. Muitos destes (6) haviam ingressado no próprio ano de 1994, quando a pesquisa foi feita, o que não significa que continuaram seus estudos no ano seguinte. O grupo C é caracterizado por uma população extremamente flutuante. Percebe-se nestes dados, uma grande diferença para com o grupo A, que possui mais alunos que persistem em seus estudos por aproximadamente trinta anos.

75 TABELA 7 A PROFISSÃO PROFISSÃO

GRUPO A

GRUPO B

GRUPO C

TOTAL

dona de casa prof. liberal estudante

29 27 3

20 12 3

0 10 2

49 49 8

Foram considerados apenas três tipos de profissão porque os alunos poderiam ser colocados nestas três categorias sem maiores problemas. Como já vimos que a idade da maioria dos alunos está acima de 51 anos fica compreensível que tenhamos tão poucos estudantes entre eles.

O grupo A divide-se quase que igualmente entre profissionais liberais e donas de casa. Foi constatado que muitas das mulheres profissionais liberais são professoras de ikebana, de batik (pintura em couro ou tecido) ou de língua japonesa. Apurou-se ainda que os homens desta categoria dedicam-se à atividades industriais.

Porque possui um grande número de japoneses não-imigrantes, o grupo B é constituído de uma maioria de donas de casa (20), que como veremos, são esposas de executivos japoneses. A relação de estudantes para donas de casa neste grupo é de aproximadamente sete vezes, e para profissionais liberais é de quatro vezes.

Já o grupo C é constituído de 10 profissionais liberais para apenas 2 estudantes. É de se notar a total ausência de donas de casa neste grupo.

76 TABELA 8 A FORMA DE CONTATO CONTATO pais parentes amigos jornal outros TOTAL

GRUPO A

GRUPO B

GRUPO C

TOTAL

8 19 21 3 8 59

3 4 14 7 7 35

1 1 3 2 5 12

12 24 38 12 20 106

Nos dois primeiros grupos estudados (A e B) o contato se deu majoritariamente através de amigos, seguido de perto pelos parentes no grupo A. Foi apurado que na categoria “outros” inclui-se em sua maioria professores de outras artes japonesas (para os grupos A e B) e cartazes afixados na Universidade de São Paulo (para o grupo C).

É compreensível que parentes e amigos sejam o meio de contato mais freqüente entre os alunos do grupo A. Possuindo uma maioria de isseis, que começaram a estudar quando já em idade adulta, não seriam seus pais a introduzilos no chanoyu. O grupo B, mais recente, tem na categoria "amigos" sua maioria. Nela se encontra todos os nove alunos japoneses não-imigrantes. Jornal e outros dividem entre si a segunda posição. No começo da década de 80, quando o professor japonês começou suas atividades no país, muitas matérias saíram nos jornais da colônia, e a grande maioria dos isseis que ingressaram neste momento vieram procurar o curso devido a estas reportagens. No grupo C, a categoria "outros" é seguida pela de "amigos" e "jornal". "Pais" e "parentes" têm o menor número de alunos. Sendo eles em sua maioria sanseis e nisseis, pode-se inferir que o interesse por esta arte não foi uma imposição da família, mas uma escolha individual. Diferentemente do que ocorria até os fins da década de 70, quando pais se esforçavam, sem muito sucesso, para que seus filhos e netos cultivassem os valores japoneses, há, nos últimos anos, uma procura espontânea destes descendentes pela cultura de seus pais e avós.

77 Peculiaridades do perfil de cada grupo

GRUPO A

TABELA 9A IDADE, SEXO E DESCENDÊNCIA IDADE

SEXO

Total

Homem issei

nissei

sansei

0 0 0 0 4 4

0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 1

0 -20 21-30 31-40 41-50 + de 51

Total

Mulher n-imig n-desc

0 0 0 0 0 0

issei

nissei

sansei

0 0 0 0 31 31

0 4 2 2 6 14

1 1 1 1 0 4

0 0 0 0 2 2

n-imig n-desc

0 0 0 0 0 0

0 1 1 0 1 3

A população do grupo A é formada de maioria de uma mulheres isseis com idade acima de 51 anos. De um total de 59 alunos, 31 são mulheres isseis de mais de 51 anos, enquanto apenas 4 são homens isseis na mesma faixa de idade. Seguindo o mesmo padrão, há 14 mulheres nisseis para nenhum homem nissei.

Se analisarmos os resultados totais, veremos que a concentração na faixa de alunos de mais de 51 anos é seis vezes maior do que a segunda faixa de maior concentração (de 21 a 30 anos), e onze vezes maior que a terceira faixa de concentração (entre 31 e 40 anos).

TABELA 9B DESCENDÊNCIA E PROFISSÃO DESCENDÊNCIA

PROFISSÃO dona de casa

issei nissei sansei não-imigrante não-descendente TOTAL

23 5 0 0 1 29

profissional liberal 12 7 4 0 4 27

TOTAL estudante 0 2 1 0 0 3

35 14 5 0 5 59

1 7 4 3 44 59

78 Apesar do grupo A caracterizar-se por um número similar de donas de casa e profissionais liberais, quando classificamos estas informações por descendência percebemos que o grande número de donas de casa concentra-se na faixa de issei. Há 23 donas de casa issei para apenas 5 nisseis e 1 brasileira não-descendente. A desproporção entre estes números é grande: há aproximadamente cinco vezes mais donas de casa issei do que nissei. Já, entre os profissionais liberais esta relação assume uma forma mais amena. Há aproximadamente duas vezes mais profissionais liberais issei do que nissei. Mas também um mesmo número de sansei e brasileiros não-descendentes que fazem parte desta categoria. Entre os estudantes, como esperado, não há isseis e seu número é reduzido quase dez vezes menor que cada uma das outras categorias profissionais.

Vendo por outro ângulo temos que os issei se concentram na categoria “dona de casa”, enquanto que os nissei estão divididos mais igualmente entre donas de casa e profissionais liberais. Entre os sansei a concentração ocorre na categoria "profissional liberal". O mesmo ocorre entre os não-descendentes.

CONTINUIDADE GERACIONAL NA PRÁTICA DO CHANOYU TABELA 9.C FILHOS

estudam/estudaram

não estudam

mulheres homens TOTAL

8 1 9

24 33 57

Sabendo-se que o chanoyu é uma prática basicamente feminina no Japão e no Brasil, é fácil de compreender as razões pelas quais de 33 homens, filhos de estudantes de chanoyu, apenas um tenha se interessado por estudá-lo. O número de mulheres, filhas de estudantes de chanoyu, que estudam ou estudaram esta arte aumenta bastante (oito vezes) se comparado aquele dos filhos. Contudo se fizermos uma relação entre filhas que não estudam (24), e aquelas que estudam (8), temos que a primeira categoria é três vezes maior que a última. Estabelecendo a mesma relação para os rapazes, teremos um número trinta e três vezes maior daqueles que não estudam, diferença bastante considerável. Se compararmos os totais veremos que o número de filhos e filhas que não estudam (57) é seis vezes maior do que o número daqueles que estudam ou estudaram.

79

GRUPO B

TABELA 10A IDADE, SEXO, DESCENDÊNCIA IDADE

SEXO

Total

Homem 0 -20 21-30 31-40 41-50 + de 51 Total

issei

nissei

sansei

0 0 0 0 2 2

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

Mulher n-imig n-desc

0 0 0 0 0 0

issei

nissei

sansei

0 0 0 2 10 12

0 0 0 2 1 3

0 3 0 0 0 3

0 0 2 0 1 3

n-imig n-desc

0 2 3 3 1 9

0 2 0 0 1 3

O grupo B começou bem mais tarde, em 1978, quando da chegada do professor enviado do Japão. Por esta razão é esperado que a relação entre a população mais velha e as outras faixas de idade não seja tão desproporcional, pois há uma quantidade maior de alunos de meia-idade.

É digna de nota a total ausência de japoneses não-imigrantes no grupo A. Eles concentram-se exclusivamente no grupo B, colocando a mostra o fato de que japoneses imigrantes e aqueles que estão no país por um curto espaço de tempo têm muito pouco em comum. Precisamente por ser o grupo B o único grupo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa em que o professor é japonês (e não um imigrante), representante oficial de Urasenke no Brasil, é que os japoneses nãoimigrantes o procuram. É provável que estes alunos não freqüentem o grupo C, apesar das aulas serem dadas pelo mesmo professor, porque este tem um perfil diferente do grupo B - é mais voltado à divulgação do chanoyu em português, fica na USP, um local considerado de difícil acesso e, por fim, suas aulas são aos sábados de manhã, quando possivelmente estas mulheres (ver tabela 5A) japonesas não-imigrantes tenham que ficar em casa com seus filhos e maridos (para a relação profissão/sexo no grupo B ver tabela 9B).

0 7 5 7 16 35

80 TABELA 10B DESCENDÊNCIA, PROFISSÃO DESCENDÊNCIA

PROFISSÃO dona de casa

issei nissei sansei não-imigrante não-descendente TOTAL

9 2 0 9 0 20

profissional liberal 5 1 0 0 6 12

estudante 0 0 3 0 0 3

Neste grupo há uma maioria de donas de casa, sendo que esta categoria está igualmente dividida entre isseis (9) e japonesas não-imigrantes (9). Estas alunas japonesas não-imigrantes são esposas de executivos que se encontram no país por um período de, geralmente, quatro anos. As mulheres japonesas, em geral, deixam de trabalhar fora depois que se casam, o que explica que nenhuma japonesa não-imigrante esteja na categoria "profissional liberal". É notável que todas tenham declarado, em entrevistas, só terem se interessado pelo chanoyu após saírem do Japão. É fato de que no país de origem poucos são os interessados em aprender sua própria cultura. Quando nos afastamos e nos vemos face a face com uma outra cultura é que sentimos necessidade de encontrar nossa identidade e um grupo ao qual possamos pertencer e compartilhar os valores e crenças. O grupo de chanoyu para estes japoneses não-imigrantes funciona neste sentido: o de fornecer um espaço onde possam além encontrar seus pares, aprender algo a respeito da cultura da qual fazem parte.

A segunda categoria profissional com maior número de alunos é a de “profissional liberal”, onde os isseis e brasileiros não-descendentes são a maioria. A categoria “estudante” tem quatro vezes menos alunos que a de profissional liberal, e sete vezes menos do que aquela de dona de casa. Estes estudantes são somente sanseis, fato explicado por serem estes a terceira geração nascida no país, ainda em idade escolar.

81 CONTINUIDADE GERACIONAL NA PRÁTICA DO CHANOYU TABELA 10.C FILHOS

estudam/estudaram

não estudam

mulheres homens TOTAL

2 1 3

10 20 30

Se nos dados encontrados para o grupo A a diferença entre filhas e filhos que estudavam o chanoyu era de oito para um, neste grupo B este número se atenua bastante: de dois para um. Esta diferença entre grupos deve-se provavelmente ao fato de que o grupo A é composto predominantemente, como já vimos, de isseis que começaram a estudar há pelo menos trinta anos. É provável que tenham insistido mais com suas filhas para que se dedicassem ao chanoyu. Ainda assim, se compararmos o número de filhas que não estudam com aquele das que estudam, temos um número cinco vezes maior daquelas que não estudam. Para os homens a diferença é grande: há vinte vezes mais filhos que não estudam do que aqueles que estudam.

GRUPO C

TABELA 11 A IDADE, SEXO, DESCENDÊNCIA IDADE

SEXO

Total

Homem 0 -20 21-30 31-40 41-50 + de 51 TOTAL

issei

nissei

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

Mulher

sansei n-imig n-desc

0 0 0 0 0 0

0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 1

issei

nissei

sansei

n-imi

n-desc

0 0 1 0 0 1

0 2 1 1 0 4

0 3 2 0 0 5

0 0 0 0 0 0

0 1 0 0 0 1

A população do grupo C caracteriza-se pela predominância de jovens mulheres sanseis e nisseis. No ano de 1994 havia 1 issei, 4 nisseis, 5 sanseis e 2 não-descendentes, com idades variando entre 20 a 40 anos. Situação oposta a dos dois outros grupos, que têm, proporcionalmente, um número superior de isseis em

0 7 4 1 0 12

82 relação ao de nisseis, sanseis e não-descendentes. Também na idade o grupo C se diferencia dos dois outros, pois a maioria dos alunos está na faixa de 21 a 30 anos, não havendo alunos com idade superior a 51 anos.

TABELA 11 B DESCENDÊNCIA, PROFISSÃO DESCENDÊNCIA

issei nissei sansei não-imigrante não-descendente TOTAL

PROFISSÃO donas de casa 0 0 0 0 0 0

profissional liberal 1 3 4 0 2 10

estudantes 0 1 1 0 0 2

Este é o curso que tem a população mais flutuante. Se no começo do ano as vagas são quase que totalmente preenchidas, no segundo semestre a situação é outra. Muitos alunos desistem e no ano seguinte a maioria não retorna. Do total de 12 alunos em 1994, haviam 6 novatos, 1 remanescente do ano de 1992, 1 do ano de 1991, 1 de 1989, 2 de 1988 e 1 de 1987. Esta não permanência dos alunos por muitos anos pode ser atribuída ao fato de serem eles estudantes sanseis e nisseis que estão ainda experimentando a cultura de seus pais não para se dedicarem a ela, mas para conhecê-la. Logo outras atividades, especialmente o trabalho, demandam seu tempo e tornam-se prioritárias em suas vidas.

83 CONTINUIDADE GERACIONAL NA PRÁTICA DO CHANOYU TABELA 11.C FILHOS

estudam/estudaram

não estudam

mulheres homens TOTAL

0 0 0

0 3 3

Por ser o grupo C um grupo formado, como já vimos, predominantemente por pessoas mais jovens, na faixa de 21 a 30 anos, poucos deles têm filhos e nos casos em que eles existem têm pouca idade para dedicarem-se ao chanoyu. Desta maneira fica difícil comparar a continuidade geracional deste grupo com aquela dos outros dois grupos.

84

2.3 Conflitos no Mundo do Chanoyu

"O conceito de identidade étnica, como identidade grupal contrastiva, é construído no contexto das relações e conflitos intergrupais concretos. O levantamento dos grupos em contato é fundamental para a análise, assim como o processo de enfrentamento, oposição, dominação, submissão, resistência que ocorre simultaneamente no plano simbólico e no plano das relações sociais" (Durham, 1986: 32)

A distinção que foi estabelecida entre os três grupos de estudantes e professores de chanoyu no item 2.2.3, tem sua razão de ser devido às diferenças inerentes a eles. Diferenças estas que chegam a gerar conflitos, algumas vezes explícitos, entre os grupos e ainda dentro de um mesmo grupo. Como nos ensina Roberto Cardoso de Oliveira: "(...) a identidade étnica encontra nas áreas de fricção interétnica um campo realmente privilegiado de investigação." (Oliveira, 1976: 49)

Se quisermos investigar como os japoneses no Brasil utilizam a prática do chanoyu para demarcar sua(s) identidade(s), é no âmbito dos conflitos que encontraremos estas linhas limites que cada grupo coloca para nomear a si e aos outros. Conflitos estão predestinados a ocorrer quando as fronteiras entre "o que eu sou e o outro é" não estão claramente delimitadas. É o que sucede com os praticantes de chanoyu, que interagem no mesmo espaço, mas não se sentem como pertencentes a uma mesma comunidade. Devido ao fato de que "(...) a especificidade da identidade étnica, (...) está no conteúdo etnocêntrico inerente à negação da 'outra' identidade de contraste." (Oliveira,1976: 45), cada grupo reivindica para si o título de legítimo herdeiro da cultura tradicional japonesa, daquele que conhece o “verdadeiro caminho do chá”, e por conseguinte, o “verdadeiro espírito japonês."

Primeiramente examinaremos como este conflito ocorre entre grupos para depois investigar aquele intragrupo.

85

2.3.1 Entre os grupos A, B e C Se no grupo A temos uma maioria de isseis e uma ausência total de japoneses não-imigrantes há razões para isto. Este grupo foi formado, como já foi mencionado anteriormente, em 1954. Dentre os 59 alunos desta turma, 15 vêm estudando desde os primeiros tempos, sem contar com as 5 professoras que também começaram nesta época. Quando, em 1978, o novo professor enviado do Japão aportou em São Paulo um grande conflito logo se instaurou. Várias ordens de valores hierárquicos se sobrepunham e, mesmo atualmente, de qualquer ângulo que se tente olhar o problema, encontra-se razões na ética japonesa para acatar-se os argumentos de cada um dos dois grupos (A e B). O professor, como enviado oficial, gozava de ascendência sobre os que aqui estavam. Mas estes por sua vez, eram mais velhos e estavam no mundo do chanoyu há mais tempo. Portanto, pelo critério da idade das professoras e antigüidade de estudos, o professor deveria pelo menos dar-lhes alguma voz nas decisões. Quando perguntada sobre a origem dos conflitos, uma aluna que estuda o chanoyu desde pequena no grupo A responde: “Ele é muito novo para que elas o obedeçam. As velhas senseis não o reconheceram como representante porque quando ele chegou não trouxe nenhum papel do Oiemoto.”

Em entrevista feita em outra ocasião, mais uma aluna nissei do grupo A identificou a diferença de idade como um problema: “Recebemos visitas de vários senseis, mas ele (o professor enviado em 1978) não é diplomático, não tem jogo de cintura, não soube levá-las, não tem tato. Ele era muito moço (30 anos) para o cargo, elas tinham 70 anos.”

Por outro lado, as antigas professoras eram mulheres e no Japão os homens são hierarquicamente superiores às mulheres. Como nos ensina Ruth Benedict: “A hierarquia baseada no sexo, geração e primogenitura constitui parte da vida familiar. (...) Qualquer que seja a idade, a posição de cada um na hierarquia depende do fato de ser homem ou mulher. (...) a mulher tem uma posição inferior.” (Benedict, 1972: 51)

86 Este código identificado como “tradicional” da cultura japonesa é uma “tradição inventada” num passado recente: o período Tokugawa, também chamado de Edo (1615-1868). Neste período o governo japonês fez do neo-confucionismo a ideologia e religião oficiais e disseminou-o nas escolas e por toda a sociedade. A ética neo-confucionista enfatizava a relação entre superior e subordinado, a relação desigual de reciprocidade, e a idéia de que cada um deve ocupar sua posição devida no sistema maior da sociedade. (Mori, 1988: 30 - 31; Ooms,1985: 47)

Com efeito, a inferioridade da mulher é um fato comum e conhecido em Urasenke, pois esta é uma escola tradicional japonesa. Diz Barbara Mori, uma socióloga americana que passou dois anos em Urasenke e seis no Japão, autora da tese de doutorado Chado in Japan and Hawaii: A symbolic interactionist analysis of intra - and cross cultural transmition, adaptation and change: “Mesmo que a maioria dos professores seja composta de mulheres (no Japão e no exterior, muitos dos líderes dos shibu [clubes de chanoyu] são mulheres), a maioria dos representantes de Urasenke mandados ao exterior são homens. Até nos locais em que as mulheres predominam, a maioria das posições (mais importantes) no shibu e outras organizações estão nas mãos de homens (maridos de professoras, homens nipo-americanos de prestígio na comunidade local, homens japoneses de prestígio como monges budistas, cônsules ou homens de negócio) não importando se eles praticam o chanoyu ou não.” (Mori, 1988: 302) Tanto no Japão como no Brasil, a superioridade masculina pode também ser vista nos chakai (demonstrações públicas), onde os homens são escolhidos para a posição de primeiro convidado (shokyaku) mesmo sem terem noção do chanoyu. No Japão, dentro da escola, os homens recebem tratamento especial: nas palestras dadas pelo Oiemoto e nas ocasiões festivas os homens sentam-se nas fileiras da frente. Quando membros do grupo são escolhidos para demonstrações e participação em eventos, os homens também são escolhidos em primeiro lugar. Recentemente foram escolhidos dois homens e nenhuma mulher para servir o chá para o futuro Oiemoto, quando este esteve no MASP, em São Paulo. Contudo, se olharmos o perfil da população que estuda o chanoyu (item 2.2.3, tabela 3A), veremos que há um número muito superior de mulheres e que estas estudam há mais tempo que os homens.

87 Pelo lado dos antigos alunos havia mais um problema. A cada novo grãomestre (um cargo hereditário que só pode ser assumido com a morte do grãomestre anterior) há uma série de temae (gestos das diversas cerimônias) e detalhes que são criados. Assim, aqueles que praticam o chanoyu têm que modificar sua prática quando da posse de um novo grão-mestre. Contudo, para os que têm um contato amiúde com a fonte destas transformações, elas ocorrem ao longo dos anos. Para os imigrantes japoneses no Brasil a situação foi bastante diferente. Quando aprenderam o chanoyu, com a vinda de professores do Japão na década de cinqüenta e começo da de sessenta, o grão-mestre era ainda Tantansai, XIV Oiemoto, que exerceu o cargo até a morte, em 1964. Coincidentemente, a partir desta data, os contatos entre a sede no Japão e a escola aqui foram se tornando mais esparsos. Quando em 1978 o novo professor chegou, com regras e maneiras alheias às conhecidas, foi difícil para quem praticava o chanoyu há vinte e quatro anos aceitar as novidades. Conta uma aluna do grupo mais antigo (grupo A): “Nossas senseis têm a cabeça do Nagai sensei (professor que vinha ensinar chanoyu nos fins da década de 50 e começo da de 60), elas não aceitavam mudanças porque ele havia ensinado daquele jeito.”

Se o conflito dizia respeito a qual grupo detinha a autêntica cultura dos antepassados, estabeleceu-se aí o nó da disputa. Ora, a cultura japonesa e, por conseguinte, a cerimônia do chá, alterou-se ao longo do tempo. A forma e conteúdo que o chanoyu detinha foram sendo alterados nos vinte e tantos anos que se passaram entre os primeiros professores e este último. A questão entre qual grupo é mais autêntico é impossível de ser respondida. Cada grupo corresponde a um momento na transformação da cultura japonesa e mais ainda, cada grupo tem um relacionamento diferente com a cultura brasileira, absorveu seus valores e adaptouse a ela de maneira diversa. Atribuir a qualquer grupo uma “pureza original” que estivesse sendo perdida é encarar este fenômeno cultural como folclore, como algo que precisa ser preservado para que a tradição não se perca. Fazendo isto não levamos em conta o movimento dinâmico da cultura e o aspecto político dos conflitos.

Letícia Reis, em sua dissertação de mestrado Negros e Brancos no Jogo da Capoeira: a reinvenção da tradição, trabalha também com a idéia de “tradição inventada” e de disputa entre dois grupos que reivindicam a autenticidade de prática

88 da capoeira. Em certo momento Letícia identifica a mesma questão acima apontada entre os dois grupos praticantes: “Que capoeira é mais ‘autêntica’, a carioca ou a baiana?” (Reis, 1993: 74) A partir daí a análise segue uma linha similar a que uso neste trabalho e chega a conclusão de que “Todavia, essa luta por definições, travada em torno da ‘autenticidade’ da capoeira é, na verdade, um embate político pela construção das identidades regionais (...)” (Reis, 1993: 77)

O conflito cultural e étnico é uma disputa política, onde o suposto vencedor deteria o poder e poderia impor seus valores sobre o outro grupo. O professor enviado pelo Japão ao reforçar os sinais diacríticos, isto é, aqueles que o situam como japonês não-imigrante e marcam as diferenças em relação aos imigrantes, assegura ao grupo B uma “reserva de mercado” e uma acumulação de capital simbólico. Se o grupo B é aquele que detém o conhecimento e a herança japonesa autêntica, é para lá que devem se dirigir os interessados em aprender a arte do chanoyu. Desta maneira faz crescer, junto com o número de alunos, seu poder de determinar qual é o verdadeiro chanoyu.

O chanoyu é uma arte zen-budista, e portanto, é transmitida do professor ao aluno por meio da imitação e, oralmente, através do que o professor diz em sala de aula. Como veremos no capítulo III, as artes zen não permitem o uso de livros e escrita em seu aprendizado. Ora, se é preciso um contato direto com o professor para a transmissão do conhecimento, ao reclamar para si o verdadeiro conhecimento, seu prestígio e poder tornam-se únicos. O professor enviado do Japão adquire o papel de autoridade máxima dentro do mundo do chá no Brasil. Se levarmos em conta que o contato entre o grupo A e a sede de Urasenke em Quioto é quase nulo, e que quase não há troca de informações entre eles ou oportunidades de reciclagem para as professoras antigas, veremos em que posição difícil encontra-se o grupo A.

Pude verificar esta situação ambígua e conflituosa em 1995, quando foram comemorados os 40 anos (na verdade 41) da cerimônia do chá no país. Apesar dos pedidos da sede japonesa, e das promessas de que se uniriam para planejar o evento, tal união não aconteceu de fato. Embora o lema do atual grão-mestre seja “Paz através de uma tigela de chá”, e ele enfatize a união dos povos ao redor do

89 chado, os embates continuaram. As presenças do filho primogênito do grão-mestre e, portanto, o próximo grão-mestre, e de um grande grupo vindo do Japão e da filial de Nova York, só conseguiram amainar as disputas, mas não estirpá-las.

Chegados do Japão via Nova York, pararam em Brasília e Rio de Janeiro para demonstrações de chanoyu. Em São Paulo a programação continuou intensa: na sexta-feira haveria um encontro entre o futuro Oiemoto e o governador Mário Covas, seguido de um jantar no hotel Ceasar Park que contaria com a presença do reitor da USP, Flávio Fava de Moraes e personalidades da colônia. O fim de semana seria tomado com demonstrações no MASP (Museu de Arte de São Paulo). Ficou acertado que a comitiva japonesa tomaria parte nas comemorações somente no sábado, no domingo iriam para Cataratas do Iguaçu. Tomando precedência, o grupo B ficou encarregado da festa no sábado, dia em que o grupo japonês estaria presente e que o evento seria aberto pelo cônsul do Japão, o filho primogênito do grão-mestre e o diretor do MASP. Havia cinco salas de chá e todas foram tomadas pelos alunos e professores do grupo B. Para o grupo A sobrou o domingo, quando a pompa e o prestígio já tinham passado. Ainda assim, tudo foi feito e organizado pelo grupo B em segredo, só informações necessárias foram trocadas através de pessoas “neutras” da comunidade. Mesmo tendo o domingo para si, o grupo A não teve voz nas decisões tomadas. Para finalizar as comemorações, foi editado um livro em que a história do chá é contada sem que quase nenhuma referência seja feita em relação ao grupo A. Diz o capítulo denominado “A Trajetória do Chado no Brasil”: “Em 1978 (...) veio ao Brasil para intensificar e divulgar a Urasenke, o primeiro Representante Oficial do Japão (em regime permanente), o Mestre Hayashi Sôkei ao Brasil (sic). A partir daí (...) inicia-se a verdadeira* expansão do Chado.” (Centro de Chado Urasenke do Brasil, 1995: 82) *grifo meu O termo “verdadeira” revela que o trabalho desenvolvido anteriormente pelo grupo A não é encarado como tal, mas sim como um prelúdio para que o autêntico chanoyu se instalasse oficialmente no país.

90 Sobre embates étnicos como embates políticos Letícia Reis nos diz: “Sabemos que não há limites precisos entre o ‘tradicional’ e o ‘moderno’, os quais são, antes de mais nada, construções conceituais de grupos sociais, numa luta política por definições de identidades e diferenças*. Neste processo as tradições são sempre reinventadas, sendo por isto errôneo pensarmos que a cultura possa permanecer como que cristalizada no tempo e espaço.” (Reis, 1993: 83) *grifo meu

Esta questão, além da já analisada reivindicação da autenticidade, envolve também o conceito de “pureza” na acepção de Mary Douglas. Cada grupo luta para ser reconhecido como o que pratica o chanoyu mais “puro”. A idéia de pureza é uma idéia cara ao povo japonês e ainda hoje gera conflitos dentro do próprio Japão

43

como veremos mais adiante. De fato, se tivermos em mente a preocupação japonesa com a “pureza”, parece haver uma postura de desdém para com os imigrantes por parte do próprio professor, como nos conta uma aluna nissei que começou a praticar o chanoyu nos anos 60: “Quando chegou, uma pessoa ficou encarregada de recepcioná-lo, ia chegar no sábado. Houve um desencontro, ele chegou num lugar e era para chegar em outro. Encontramo-nos por fim no hotel. Ele era seco, falava pouco, não deu a mínima satisfação do que havia acontecido, ninguém entendeu nada. Agora, parece que foi de propósito para fugir de nós (imigrantes e descendentes).

Nunca

houve

integração.

(A

nossa)

Sensei

tentou

aproximação, mas ele sempre foi distante. Eles (os imigrantes) foram super receptivos aqui. Os dois grupos começaram a trombar, ele se limitava a ensinar o chá, sua esposa dava broncas nas senseis. A coisa ficou tão gritante que deu o racha. Nunca houve mesmo integração.”

43

Os japoneses fazem questão de diferenciar japoneses “puros”, isto é, filhos de pais japoneses, dos “impuros”, filhos de mistura racial. Além disto há um forte preconceito contra os coreanos, chineses ou quaisquer outros povos que tenham feições asiáticas mas não sejam japoneses.

91 Outra aluna nissei do grupo A nos disse: “Elas (as antigas senseis) eram prestativas - levavam Obentô (refeição) para ele, mas ele cortava. Não foi fácil para ele também. A briga saía nos jornais da colônia, que começava a tomar posição."

O depoimento da esposa do professor enviado do Japão nos dá um outro lado do conflito:

"A colônia não sabe o que é o espírito do chá. A sala de chá é um lugar sagrado, e eles fazem um bazar e depois Karaoke neste espaço. A colônia é tradicional, não cria nada, não inovou nada em todos estes anos, não há divulgação do chá, eventos, não treinam novos professores, querem deter todo o conhecimento."

Desejando diferenciar-se do grupo A, refere-se a ele como "a colônia", como uma entidade à parte. Mesmo com seus dezessete anos de Brasil ela não se coloca como imigrante ou permeável aos costumes brasileiros. Esta atitude do casal pode ser explicada pelo fato de que:

"Parece que a identidade focalizada no status para o japonês pode ser encontrada somente em associação com a cultura ocidental. (...) Tudo isto reflete a ambivalência japonesa a respeito da identidade nacional a qual sugere um complexo de inferioridade. Devemos correr a acrescentar que o mesmo não é verdade para estrangeiros que não sejam ocidentais. Desdém para com os povos 'atrasados', incluindo povos asiáticos vizinhos, tem sido revelado através do comportamento rude dos turistas japoneses no Pacífico Sul." (Lebra, 1976: 74)

E temos razões para acreditar que os emigrados japoneses também se encaixariam nesta categoria de povos "atrasados" para os japoneses. Apesar de sustentarem uma aparência japonesa, já não podem mais ser considerados como tal. Distanciados do país de origem não viveram as drásticas transformações que seu país conheceu neste século. E por sentirem-se ameaçados em sua identidade de japoneses agarraram-se aos antigos valores que, ironicamente, só os diferenciam mais ainda dos japoneses contemporâneos. Como explicitou Yoshihisa

92 Komori (editor chefe da sucursal do jornal Sankei em Washington D.C.) em recente simpósio no Brasil: "Os japoneses distinguem entre os japoneses de verdade e os 'outros', não considerando japoneses aqueles que moram fora do Japão."

Assim foi que algum tempo depois da chegada do representante oficial de Urasenke no Brasil, os grupos A e B entraram em conflito aberto e decidiram separar-se criando um nome distinto para cada grupo. O primeiro (antigo shibu - um clube de praticantes de chanoyu) passou a se chamar Sociedade Urasenke do Brasil, e o segundo (shuchojô - representação oficial) tornou-se Centro de Chadô Urasenke do Brasil. Suas atividades, festas e demonstrações são feitas em separado, apenas dividindo o mesmo local de estudos, no quarto andar do prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa.

Todavia, o primeiro grupo não é oficialmente reconhecido pela sede no Japão. Sempre que precisa solicitar certificados (kyôjô ou menjô), que vêm do Japão, para seus alunos, necessita fazer um pedido formal ao representante do segundo grupo. Mesmo diante deste fato, os representantes do grupo A ainda hoje não aceitam que foram desautorizados pela sede a representar a escola. Volta-nos à memória a passagem da história dos imigrantes no Brasil, quando da derrota japonesa na segunda guerra mundial. Os vitoristas, dois anos depois do fim da guerra, ainda se recusavam a acreditar que seu país havia sido derrotado.

A legitimação do professor do grupo B também ocorreu quando ele foi o escolhido para dar aulas na Casa de Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo logo que chegou ao Brasil, em 1978. Até aquele momento havia uma sala de chá doada pela Fundação Urasenke, mas não havia aulas (ver item 2.1 deste trabalho). Ora, se a própria Fundação Urasenke havia treinado as professoras do grupo A, porque não tinha organizado junto à Casa de Cultura Japonesa para que elas ministrassem as aulas? O fato de, em primeiro lugar, existir um hiato entre a construção da sala e o início das atividades do professor e, em segundo lugar, de que ao chegar ele é convidado a abrir o curso de chanoyu na USP, dá a ele o reconhecimento oficial de que é o legítimo representante da Fundação Urasenke no Brasil. Mais ainda, o próprio chanoyu se legitima em relação a cultura brasileira como representante da cultura japonesa ao entrar na Universidade de São Paulo, mesmo que apenas como curso de extensão universitária.

93 Entre os grupos B e C não foram encontradas dificuldades, posto que o professor enviado do Japão ministra aulas nos dois grupos e estes, por terem objetivos e populações bastante diferenciados, não entram em contato e, consequentemente, em atrito. Sendo um curso de extensão universitária, como já foi mencionado no item 2.2.3, o grupo C tem um curso anual, de março a dezembro. Os alunos deste grupo estudam o chanoyu durante pouco tempo, muitas vezes nem um ano inteiro, apenas para conhecer algo a respeito da cultura de seus antepassados. Não reivindicam para si qualquer conhecimento prévio desta cultura. Geralmente desconhecem a existência do grupo A e têm pouco ou nenhum contato real com o grupo B.

2.3.2 Entre japoneses imigrantes e não-imigrantes Afora estes conflitos entre grupos, dificuldades de relacionamento existem igualmente dentro de um mesmo grupo. O grupo B é o único que possui representantes de japoneses não-imigrantes e imigrantes e é nele que os conflitos se tornam plenamente visíveis. Embora o estereótipo do japonês seja aquele do estudante compenetrado e sério, são os japoneses não-imigrantes os menos preocupados com a formalidade e seriedade em aula se comparados com seus pares imigrantes e descendentes. Os primeiros têm um comportamento mais relaxado, riem muito e divertem-se com os erros. Agem como se estes erros não depusessem contra sua identidade. O japonês que está no país por pouco tempo, preocupa-se com sua identidade na medida em que começa a se interessar por uma arte tradicional depois de ter saído do Japão. Uma aluna japonesa nãoimigrante nos relatou que foi só quando foi morar fora do país sentiu necessidade de entrar em contato com a cultura tradicional japonesa: “Quando eu saí do Japão pela primeira vez, eu e meu marido fomos mandados para Lisboa. Lá não havia nada da cultura japonesa e eu percebi que sabia muito pouco dela. Eu nunca havia me interessado pela cultura tradicional. Logo que retornei ao Japão fui procurar estudar o chanoyu para aprendê-la. Agora que fomos mandados para São Paulo foi bom porque posso continuar os estudos e conviver com japoneses. Não me sinto tão só.”

Mas a partir do momento em que vai procurar estudar o chanoyu não sente que seus erros e comportamento estão sob julgamento. Isto ocorre porque os

94 japoneses não-imigrantes não precisam lutar ou tentar ser o que já são: japoneses. Não se sentem ameaçados pelo ambiente do novo país porque sabem que em poucos anos poderão retornar ao Japão.

Bastante diferente é a posição dos imigrantes de primeira geração. Qualquer falta denota para si mesmo e para os olhos dos outros o quanto ele se esqueceu ou não sabe sobre o que é ser japonês. A todo momento sente que sua identidade está ameaçada e decorre desta sensação a tentativa de, como já mencionamos, manter intactos os valores e hábitos que tinha quando saiu do Japão. Desnecessário dizer que se passa com eles o que se passa com todos os imigrantes. Voltando ao país de origem, ou encontrando-se com japoneses recém-chegados, não apenas têm dificuldade de compreender seu comportamento, como também a língua falada por eles44. Num momento de confronto com uma cultura supostamente sua e conhecida percebem que não pertencem mais à ela, e também não pertencem inteiramente àquela do país para o qual imigraram. Sentem-se traídos pela pátria que tanto idolatraram. Relata uma estudante de chanoyu nissei de 25 anos, que passou um ano trabalhando no Japão: “As moças de hoje no Japão só fazem o chá para aprender etiqueta, alguns meses antes de casar, então quando eu estava lá me diziam que eu era como as antigas moças japonesas.”

O estranhamento entre antigos imigrantes e recém-chegados foi mais intenso nos anos 60, quando uma nova leva de imigrantes aportou ao Brasil trazendo as recentes mudanças na cultura japonesa. Tomoo Handa conta que quando

"(...) os 'novos imigrantes' chegaram (...) foram repudiados por não serem os japoneses que os antigos imigrantes esperavam encontrar, foram tratados com hostilidade. Se chegassem a falar em democracia seriam certamente tratados como falsos japoneses e considerados piores que os derrotistas.” (Handa, 1980: 773) 44

A língua japonesa se modificou bastante neste século, especialmente após a segunda guerra mundial. Com a derrota japonesa, os americanos permaneceram em bases militares no país e os japoneses, seguindo sua característica plasticidade e adaptabilidade, assimilaram inúmeros vocábulos ingleses. Mesmo palavras que existiam na língua natal foram substituídas por palavras de origem inglesa.

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Também para os imigrantes recém-chegados os antigos imigrantes que encontraram aqui não pareciam japoneses.

"Em primeiro lugar não pensavam que os japoneses do Brasil fossem tão morenos45. Além disto, a língua japonesa falada por eles era mesclada de palavras em português, totalmente ininteligível. (...) Se fosse no Japão seriam reações de retardados mentais (aquela dos antigos imigrantes)." (Handa, 1980: 771)

Como vimos, ainda hoje há obstáculos no relacionamento entre os antigos imigrantes, com seu comportamento rígido e severo, e os japoneses não-imigrantes que vêm para cá. A respeito da dificuldade de compreensão entre os japoneses não-imigrantes e aqueles imigrantes e seus descendentes, a pesquisadora Manuela Carneiro da Cunha, analisando os negros brasileiros que voltaram à África, nos diz:

"A língua de um povo é um sistema simbólico que organiza sua percepção do mundo (...) é um diferenciador por excelência (...) no entanto é difícil de conservá-la na diáspora (...) ela perde a plasticidade e se petrifica (...) simples elementos de vocabulário são usados sobre sintaxe dada pela língua dominante. (...) termos bantos sobre uma estrutura gramatical e sintática portuguesa." (Cunha, 1987: 100)

E é precisamente por este motivo que o professor enviado do Japão, depois de dezessete anos no Brasil, ainda pouco fala português necessitando de tradutora para as aulas da USP, onde são raros os alunos que sabem japonês. Falando japonês ele mantém sua identidade e sua ligação com o país de origem ao mesmo tempo que se diferencia daqueles que não falam sua língua. E mais, utilizando uma tradutora ele mantém-se distante dos alunos, que só podem relacionar-se com ele através de um intermediário. Fica patente a que grupo deseja pertencer quando relaciona-se mais amiúde e livremente com aqueles que julga iguais - os japoneses não-imigrantes - se comparado ao seu comportamento formal e severo para com imigrantes e seus descendentes. Mais uma vez, ao dar ênfase aos sinais diacríticos, neste caso a língua, o recato e o distanciamento, ele se torna portador das 45

A pele clara é até hoje prezada pelo povo que dirige o carro, anda de bicicleta e faz jogging de luvas e chapéu.

96 “verdadeiras tradições” e assegura ao grupo B, por conseguinte, uma “reserva de mercado”.

2.3.3 Entre brasileiros não-descendentes e imigrantes Outro foco de conflito é a presença de brasileiros não-descendentes, particularmente desta autora que morou no Japão para estudar o chanoyu e teve uma vivência intensa num mundo que ainda hoje preserva todos os costumes do século XVI. Como se relacionar com uma estrangeira, neste caso uma brasileira sem nenhuma ascendência japonesa, que sabe vestir um kimono sem ajuda quando a imensa maioria dos imigrantes e descendentes não sabe como fazê-lo? Desde o conhecimento de fatos tão periféricos ao mundo do chanoyu como vestir e diferenciar kimonos entre si (formais e informais, específicos para cada estação do ano), saber a história do Japão, conhecer lugares e salas de chá que a poucos é dado o privilégio de conhecer, até o conhecimento de fatos desta arte em si, tudo causa no imigrante uma sensação de perda e vergonha. É preciso tato para não causar um enfrentamento aberto.

Logo que cheguei do Japão a maioria dos imigrantes e descendentes preocupava-se em apontar imediatamente os erros da gaijin (lit. pessoa de fora, estrangeiro). Ansiavam por perguntar-me se sabia o novo temae que seria ensinado naquele dia. Os primeiros seis meses foram difíceis porque existia um imensa pressão para que ocorresse um erro, para que pudessem medir forças com a gaijin.

Simbolicamente o que estava em jogo era sua identidade enquanto representantes da cultura japonesa. Eles afirmavam serem japoneses apontando os erros da “estrangeira”, isto é, aspectos em que eu não era japonesa. Por outro lado, vivendo em período integral na escola Urasenke de Quioto, aprendi conceitos estéticos, filosóficos e religiosos do chanoyu que não encontrei no Brasil. Era difícil não entrar no jogo/disputa e apontar os erros e faltas do aprendizado do chanoyu no Brasil. Muito do que era valorizado na sede da escola era simplesmente esquecido aqui, enquanto aspectos sem importância lá, mas que existiam num contexto de aulas fora do circuito institucional, a ver sociabilidade e socialização, eram valorizados no Brasil. Desta situação de enfrentamento surgiram aliados: os japoneses não-imigrantes que, não apenas não se importavam com o meu conhecimento do chanoyu, como achavam divertido uma estrangeira que soubesse

97 e se interessasse pela sua cultura. No primeiro ano tive trânsito mais livre entre os japoneses não-imigrantes do que entre os imigrantes.

Outro ponto de conflito é a idéia de que o estudante não-descendente nunca irá aprender o chanoyu como um japonês ou um descendente. Como o chanoyu é a própria cultura tradicional japonesa concretizada numa arte, os japoneses não consideram a possibilidade de que um “estrangeiro” compreenda seus princípios éticos, filosóficos e estéticos. Ainda hoje, apesar de se deparar com este fenômeno na TV diariamente, é difícil para um japonês admitir que um estrangeiro possa falar sua língua - o veículo da cultura por excelência - corretamente. Mais ainda viver segundo os preceitos japoneses. Contou-me um americano residente no Japão na época que eu morei naquele país: “É tão irritante que se torna engraçado. Sempre que vou pegar o trem e compro a passagem, se o atendente não levanta os olhos ele me compreende perfeitamente e me dá a passagem. Mas se ele me vê muda de expressão e entra em pânico. Não consegue me compreender e ficamos horas fazendo sinais para que ele me venda a passagem certa. Eles (os japoneses) realmente não acreditam que possamos aprender sua língua.”

As dificuldades de reconhecimento de sua dedicação, encontradas pelos estudantes estrangeiros de chanoyu no Japão, podem ser equiparadas às dificuldades encontradas pelos brasileiros não-descendentes no Brasil. Eles não têm voz alguma nas decisões e não se espera que colaborem com o trabalho de preparação das demonstrações (chakai) ou fiquem até mais tarde para a limpeza. Da mesma maneira que no Japão, eles são tolerados porque funcionam como legitimadores da cultura japonesa e, por conseqüência, atuam como peça ornamental. É como se ao ver ocidentais fazendo o chanoyu dissessem: esta arte, e por extensão a nossa cultura, é tão profunda e importante que até os estrangeiros vêm aqui para aprendê-la46. Contudo, isto não livra os estrangeiros da pecha de aterem-se à forma e não conseguirem compreender seu conteúdo. Curiosamente esta é a mesma queixa que os ocidentais fazem a respeito dos japoneses. Como vimos no item 2.2.3 tabela 5A, os ocidentais se interessaram pelo lado espiritual do 46

Reforço aqui parte de uma citação feita neste mesmo capítulo, item 2.3.1: "Parece que a identidade focalizada no status para o japonês pode ser encontrada somente em associação com a cultura ocidental. (...) Tudo isto reflete a ambivalência japonesa a respeito da identidade nacional a qual sugere um complexo de inferioridade.” (Lebra, 1976: 74)

98 chanoyu e o encaram como um veículo de introspecção e, por fim, iluminação (satori). Sentem que os japoneses e imigrantes não estão interessados neste lado, só o estudam para aprender uma etiqueta.

Uma aluna nissei do grupo A comenta esta situação conflituosa entre brasileiros não-descendentes e imigrantes que estudam o chanoyu: “Houve outro casal brasileiro que estudava conosco. Mas eles foram ao Japão e acabaram se envolvendo com budismo, se separaram, ela talvez tenha virado monja. A sensei daqui se decepcionou com eles. Ela acha que gaijin não é persistente*47, não vai até o fim.” * grifo meu

A esposa do professor enviado do Japão (grupo B) confirma a dificuldade de aceitar que estrangeiros possam compreender corretamente o chanoyu: “Os livros sobre o chanoyu em inglês não dizem muito porque só é possível expressar o espírito do chá em japonês.”

Todos estes fatos nos dizem muito sobre o papel e significados do chanoyu para seus praticantes. O chanoyu enquanto símbolo de identidade funciona tanto para não-imigrantes como para imigrantes e seus descendentes. Para uns exercê-lo é apenas usufruir de um espaço de encontro de seus pares e aprender um pouco mais sobre sua cultura tradicional. Não há tensão porque não sentem que sua identidade esteja em jogo. Já para os últimos a tensão ocorre em face da presença dos primeiros, porque entram em competição com estes pelo papel de legítimos representantes do verdadeiro "espírito japonês."

47

A persistência está relacionada a idéia do gambare, de dedicar-se inteiramente a uma causa sem pensar em si mesmo, até o fim de suas forças. Ver capítulo 3, item 3.2.

99

CAPÍTULO III ORGANIZAÇÃO INTERNA

100

3.1 A Estrutura da Instituição no Japão

3.1.1 A Primogenitura Como já foi mencionado diversas vezes neste trabalho, o Japão possui um modelo hierárquico patrilinear baseado na primogenitura. Tradicionalmente as profissões se eternalizam através das gerações sucessivas da mesma família, isto é, espera-se que os filhos mais velhos sigam a mesma profissão de seus pais. Esta característica tem como conseqüência a imobilidade social, e foi instituída por Toyotomi Hideyoshi em sua luta pela unificação do país.

Creio ser necessário neste ponto tecer algumas referências históricas sobre as origens da rígida divisão de classes no Japão para uma melhor compreensão da emergência do sistema de linhagem que as escolas de chanoyu seguem ainda hoje.

Oda Nobunaga (o primeiro unificador após a queda do regime dos xogum Ashikaga) ao pretender estabelecer uma estrutura política própria, escolheu para si, no entanto, o título de Kugyo, utilizando assim a estrutura política já existente. Mas quando o segundo unificador, Toyotomi Hideyoshi, ascendeu ao poder, conseguiu do imperador o título de Kampaku (regente), o que lhe concedia autoridade sobre a nobreza, os templos e a classe guerreira. Desta forma, se o poder de Nobunaga como xogum se restringia aos guerreiros, o de Hideyoshi pairava igualmente sobre a corte e os templos. Objetivando acabar com os levantes de camponeses (do-ikki) que ocorriam em locais dominados pelos templos budistas armados, o novo Kampaku obrigou os guerreiros à saírem do campo e rumarem para as cidades.

101 "Para estabelecer um poder militar central que pudesse dominar os camponeses mais efetivamente, o poder dos guerreiros teria que ser concentrado nas cidades. E, pela mesma razão os camponeses foram privados de suas armas através da chamada 'caça às espadas' (kata-gari)." (Wakita Osamu, 1982: 353)

Deste modo, cada daimyo (senhor feudal) forçava os samurais locais a deixar o campo e tomar residência em seu castelo. A escolha do guerreiro estava entre desistir do direito do uso da espada e tornar-se camponês, ou manter a espada e tornar-se soldado do daimyo. Ao desarmar o campo e controlar a posse de armas, proibindo aqueles que pudessem carregá-las de usá-las para fins particulares, deixava-se ao poder central a prerrogativa do uso da força. “(...) o decreto de Hideyoshi em 1591, proibiu mudanças de status de samurai para camponês ou para comerciante, ou de camponês para comerciante. (...) Nesta época a separação clara entre samurai e camponês havia sido atingida.” (Elison, 1989: 15)

Afastando de uma maneira rígida estas duas classes sociais - os camponeses e os guerreiros - estes últimos afluíram às cidades, fomentando o 48

comércio e o desenvolvimento dos centros urbanos .

Após esta separação, Hideyoshi partiu para uma segunda medida: a taxação de todas as terras pelo governo central. Neste momento o feudo de cada vassalo deixa de ser uma propriedade privada e passa a pertencer ao Estado, a terra não poderia ser vendida sem a aprovação deste. Estabelecendo a quantia de arroz que cada camponês e daimyo devia ao poder central, o Kampaku detinha a prerrogativa de determinar o tamanho de cada feudo e quanto cada um deveria pagar por ele.

Este período feudal do século XVI faz nascer uma nova moralidade entre os guerreiros, o bushido (literalmente, “o caminho do guerreiro”), isto é, a relação de fidelidade não questionadora e devota entre vassalos e senhores feudais, e entre estes e o poder central.

48

Como vimos no capítulo um, foram os comerciantes - em plena ascenção econômica neste período devido ao comércio com a China - que trouxeram novos elementos do zen-budismo ao chanoyu, criando a cerimônia do chá nos moldes como é conhecida atualmente.

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São os valores do bushido que fazem parte da constituição do mundo do chanoyu. Sua origem pode ser traçada no Confucionismo vindo da China. Veremos a seguir como estes valores - a primogenitura, a separação entre classes, o devido lugar na rígida hierarquia, a devoção ao superior, a piedade filial, a interdependência entre diferentes, as relações baseadas em vínculos vicários entre pais e filhos (oyako) e entre mais velhos e mais novos (sempai-kohai) - vistos como tradicionalmente japoneses, mas que foram estabelecidos durante os séculos XVI e XVII, fazem parte do chanoyu.

3.1.2 Pilares Básicos da Instituição Nas escolas de chanoyu, seguindo tradições feudais, três instituições se colocam como pilares básicos de sua estrutura, conservação e proliferação: o Ie (lit. "a casa"), o dôzoku (lit. "a mesma família, mesmo clã"), e o Iemoto (lit. "casa principal/original").

O Ie é compreendido como "um grupo de pessoas, não necessariamente descendentes do clã, residindo majoritariamente perto umas das outras e compartilhando atividades econômicas e sociais." (Anderson, 1991: 78) A autoridade central ficaria a cargo do chefe do clã, uma prerrogativa patrilinear. Do Ie fazem parte os ancestrais já mortos, membros do clã vivos, esposas dos filhos, homens adotados de outras famílias (que se casam com uma filha, caso falte um sucessor, e tornam-se vicariamente filhos primogênitos) e empregados da casa. A base do Ie é uma rígida hierarquia de relações verticais partindo do chefe do clã no ápice. Os indivíduos que pertencem ao Ie têm uma dívida chamada on49 para com o chefe do Ie. Eles lhe devem o on por sua existência biológica, sua posição social e sustento econômico. Quem recebe o on necessita desta relação com o Ie para sua própria existência, o que torna esta dívida eternamente presente e impossível de ser paga. Como este contrato moral é estabelecido entre o indivíduo e a instituição, mesmo quando o chefe do clã morre, o contrato não se anula.

A segunda instituição, o dôzoku, é uma extensão do mesmo princípio que rege o Ie, isto é, cada clã central (honke) tem clãs afiliados (bunke) que se ligam a 49

"On: obrigações incorridas passivamente. 'Aceitar um on', 'dever um on', isto é, on são obrigações do ponto de vista do recebedor passivo." (Benedict, 1972: 101)

103 este numa relação de dependência para seu sustento e têm, por esta razão, uma dívida em forma de on. Estes clãs menores são criados quando os filhos não herdeiros ou antigos empregados recebem recursos para formar seu próprio clã. Esta relação de dependência aparece nas cerimônias religiosas feitas em conjunto, no contínuo ir e vir de ajuda financeira, nas ocasiões sociais compartilhadas e no respeito pela hierarquia.

A terceira instituição que faz parte da estrutura das escolas de chanoyu é o Iemoto.

"Iemoto é um tipo geral de organização que permeia a sociedade japonesa. (...) é um modelo básico exclusivamente japonês, que corresponde ao clã na China, à casta na Índia, e ao clube na América. O princípio fundamental que governa o Iemoto é (...) o 'clã-trato', uma combinação de clã com um modelo de contrato. (...) O Iemoto está associado à escolas de artes tradicionais, como por exemplo, o culto do chá, o arranjo floral, teatro, dança, música, arco-e-flecha, e etc. O termo refere-se à casa principal, a qual acredita-se tenha descendido do fundador original da escola e portanto tenha herdado os princípios secretos e as técnicas exclusivas daquela escola; ele também refere-se ao chefe do clã. O aprendiz-estudante, depois de receber o treinamento e uma licença, recebe permissão de abrir sua própria escola como uma filial do Iemoto.” (Lebra, 1976: 88)

Portanto, se o Ie existe para assegurar a existência econômica do grupo, o Iemoto assegura a existência de uma arte, que de outra maneira teria se dispersado em um número bem maior de correntes. Mas tanto o Ie como o Iemoto tem muito em comum: no coração do sistema está uma relação vertical entre mestre e discípulo, onde o mestre oferece conhecimento e proteção e o discípulo devoção e serviço obrigatório. Também aqui a consciência de um débito impagável faz com que a relação professor/aluno se eternize. Sendo assim, um aluno nunca ultrapassará seu professor na hierarquia e sempre irá se considerar aluno daquele professor, mesmo que já tenha seus próprios alunos. (Yano, 1992: 73)

A escola de chanoyu Urasenke se encontra, assim, na posição de Iemoto. Ela surgiu quando neto de Sen no Rikyû (1522-1591, o patriarca original), Sen Sôtan (1578-1658), deixou sua propriedade para seus três filhos ao morrer. Três escolas de chanoyu foram criadas a partir de Sôtan e são consideradas hoje como

104 as três escolas que carregam em si a maneira de fazer chanoyu criada por Sen no Rikyû - são as chamadas três escolas da linhagem Sen.

Sôtan doou a parte da frente da casa (chamada Fushinan) para o filho mais velho de seu segundo casamento, Kôshin Sosa. Este fundou uma escola de chanoyu denominada Omotesenke (lit. "casa da frente"). A pequena casa chamada Konnichian, que Sôtan havia construído na parte de trás do terreno quando se aposentou aos setenta e um anos de idade, ficou para seu segundo filho, Sensô Sôshitsu (1622-1697). Sensô transformou a casa Konnichian na escola Urasenke (lit. "casa de trás"). Por fim, Sôtan deu ao filho do primeiro casamento, Ichiô Sôshu, uma outra propriedade na qual este fundou a terceira escola que segue a linha de chanoyu advinda de Sen no Rikyû: Mushanokojisenke (nome devido a rua em que se encontrava a propriedade). Deste modo, os três filhos de Sôtan tornaram-se o quarto grão-mestre de cada uma de suas escolas. Urasenke está atualmente com seu décimo quinto grão-mestre, isto é, o XV Iemoto; cargo e instituição confundemse, portanto, na mesma pessoa e no título que esta recebe.

Como já frisamos anteriormente, trataremos neste trabalho unicamente da escola Urasenke, pois ela é a única escola japonesa que abriu-se a alunos estrangeiros e estabeleceu filiais no exterior. Como o intuito desta pesquisa é fazer uma análise da transferência, adaptação e reapropriação do chanoyu fora do Japão, sentimos que Urasenke seria o objeto de análise ideal.

O sistema de Iemoto de Urasenke é dividido administrativamente em três seções: Konnichian, Tankokai e Urasenke Semmon Gakko. Konnichian é uma organização sem fins lucrativos que abarca grupos de estudo, professores gyôtei (lit. "aqueles que aprendem/ensinam com seus corpos e coração", isto é, professores avançados) e mizuya (aqueles que estão treinando para tornar-se gyôteis). Tankokai congrega um conjunto de 136 grupos de simpatizantes (shibu) no Japão e, no exterior, 54 grupos de simpatizantes (chapter ou shibu) e 18 filiais oficiais (branch ou shuchojô). O Tankokai é responsável por todas as atividades que geram lucro como publicações, viagens e venda de utensílios50. Urasenke Semmon 50

A renda de Urasenke advém da venda de certificados para alunos, venda de entradas para eventos públicos e da presença e performance do grão-mestre em cerimônias de Okencha e Okucha (apresentação em templos e santuários). Outra fonte considerável de renda provém da assinatura (kao) do grão-mestre nos utensílios e suas caixas criados por artistas. Esta assinatura empresta prestígio à peça e aumenta seu valor, em até dez vezes, no mercado de arte. Assim não são poucos os artistas que vêm ao grão-mestre pedir que “autentique” a

105 Gakko (Gakuen) funciona como um curso profissionalizante. Era administrado por konnichian, mas tornou-se independente desde que foi reconhecido pelo Ministério da Educação japonês. (Mori, 1988: 123 e Centro de Chado Urasenke do Brasil, 1995)

Em linhas gerais a hierarquia do sistema de Iemoto, como sistema educacional, pode ser colocada desta maneira: no topo temos o Iemoto e sua esposa (são diretores da escola), em seguida vêm dois tipos de alunos diretos do Iemoto - professores gyôtei e mizuya sensei. Abaixo deles temos os palestrantes (homens e mulheres que dão aulas teóricas para Urasenke). Em seguida os professores de chanoyu que receberam chamei (lit. “nome de chá”, o certificado mais avançado) e permissão para dar aulas em filiais da escola (shuchojô), em grupos de simpatizantes (shibu) ou em sua casa. Por fim temos os alunos. A cada nível é possível haver alunos ligados diretamente aos indivíduos. Por exemplo, um aluno pode ter aulas na casa de um professor gyôtei e não necessariamente ser ligado a um grupo de simpatizantes. Contudo, todos fazem parte do clã e devem lealdade ao seu professor individual e assim, sucessivamente, até chegar ao Iemoto no topo da pirâmide.

Iemoto treina os gyôtei e mizuya sensei pessoalmente e cuida de seu sustento econômico. Estes, por sua vez, selam um compromisso por toda vida para trabalhar com a família Sen ocupando a posição que lhes for dada aonde lhes for indicado. Gyôtei podem constituir família e possuir residência própria, já os mizuya sensei moram na escola e levam uma vida completamente dedicada à Urasenke.

Um gyôtei pode dar aulas particulares para melhorar sua condição financeira se pedir permissão ao Iemoto. Contudo, deve deixar estas atividades e mudar de localidade no momento em for requisitado. Aqueles que residem em Quioto passam a maior parte do tempo na sede de Urasenke. Os que residem fora da cidade devem retornar a Quioto uma vez por mês para aisatsu (saudação) e reuniões onde serão discutidas apresentações de chanoyu, atividades da sede e métodos educacionais. Em virtude da prática feudal dos membros da mesma família

peça em troca de uma quantia. O grão-mestre pode negar-se a fazê-lo se não entender que o objeto é de qualidade superior, como sua assinatura atestaria. Parte da renda provém igualmente das publicações feitas através de sua editora Tankosha: há livros sobre temae, cuidado com utensílios, utensílios famosos, salas de chá, fornos de cerâmica famosos e seus produtos, calendários, boletins e revistas (Chanoyu Quarterly e Newsletter, em inglês, e Tanko e Nagomi, em japonês).

106 seguirem a mesma profissão, a maioria dos professores gyôtei são originários de famílias que por quinze gerações vêm servindo a casa de Urasenke e auxiliando no treinamento de seus Iemotos. Mas o cargo pode ser igualmente conseguido por mérito, quando um aluno se destaca no curso profissionalizante e, em seguida, na posição de mizuya. Os gyôteis são considerados membros do clã, mesmo não tendo uma ligação de sangue com a casa. O mesmo é verdadeiro para os mizuya sensei. Estes estão encarregados de cuidar da manutenção de Konnichian e suas tarefas incluem não necessariamente atividades ligadas ao chanoyu. Para o zen-budismo, qualquer atividade, mesmo a mais humilde, pode levar à iluminação. Por conseguinte, as atividades mais corriqueiras, como limpar as salas de chá ou molhar o jardim, são feitas por eles com tanta atenção quanto preparar o chá propriamente. A humildade faz parte do treinamento. Ambos gyôtei e mizuya sensei são, sem exceção, homens51. Acrescente-se a isto o fato de que só os filhos primogênitos podem tornar-se grão-mestres. Como acontece na sociedade japonesa como um todo, acaso este falte, adota-se um homem de outro Ie para o posto. Ele atuará vicariamente como filho e a filha real atuará como nora do Iemoto. Às filhas é negada a possibilidade de tornar-se Iemoto, mesmo que primogênitas. Como vimos, imaginando-se a estrutura de poder da escola Urasenke de chanoyu atualmente no Japão como uma pirâmide, as mulheres em grande número - aproximadamente 80% - formam sua base, entretanto, conforme vai-se ascendendo na hierarquia, os homens se fazem presentes. (Mori, 1988)

Outros membros incluídos no clã são os empregados do escritório da escola, os alunos japoneses e estrangeiros em treinamento intensivo, e visitantes temporários. Há, ainda, um grupo de dez famílias de artesãos profissionais52 que fornecem os utensílios para o chanoyu para as três escolas (Urasenke, Omotesenke e Mushanokojisenke). Originalmente havia mais de dez, mas este número diminuiu

51

Historicamente houve apenas uma mulher a tornar-se gyôtei, Hamamoto Sôshun (19011986). Professora de chanoyu durante a segunda guerra mundial, alcançou posição de destaque devido a situação de exceção da época: todos os professores gyôtei haviam sido chamados para a guerra e o XIV Grão-mestre não teve outra solução a não ser permitir que ela viesse auxiliá-lo. Todavia, até o fim de sua vida, Hamamoto Sôshun foi admirada como uma verdadeira sumidade no mundo do chá. 52

Ver lista de famílias que produzem utensílios (Senke Jushoku) no Anexo.

107 durante o período Meiji (1868-1912). Os utensílios por elas fornecidos são desenhados pelo grão-mestre ou pelos mestres destas famílias e aprovados por ele. Estas famílias têm trabalhado juntamente com o Iemoto há muitas gerações e elas mesmas formam grupos afiliados e dependentes deste. Com o vínculo grão53

mestre/famílias de artesãos, a instituição do dôzoku

se estabelece: o Iemoto se

configuraria no honke (lit. ”clã central”) e estas famílias em bunke (lit. “clã afiliado”), numa relação de dependência e dívida. Urasenke funciona igualmente como um Ie54, pois considera todas pessoas ligadas a si como de sua responsabilidade. Estes indivíduos têm por obrigação colocar o interesse do Ie acima de seu interesse pessoal, atitude traduzida como:

"Preservar a reputação da família, dar exemplo aqueles em posição inferior dentro da hierarquia do Ie, respeitar as tradições da família, ser frugal com os recursos coletivos e cooperar com outros membros do Ie." (Anderson, 1991: 82)

O Iemoto, por sua vez, tem a obrigação de estabelecer as regras de conduta punindo ou expulsando aqueles que quebrem estas regras55. Deve permitir ou proibir demonstrações, conceder certificados, treinar seu sucessor, criar novos utensílios e temae e cuidar para que o Ie se mantenha coeso, assegurando a segurança econômica deste e de seus membros. Todas estas atividades fazem parte dos chamados direitos sodan. Estes são privilégios adquiridos, juntamente com o cargo, como uma maneira de garantir que a arte, da qual provém o sustento, seja preservada e mantida num alto nível.

Além da escala de relações verticais que apresentamos acima, há uma escala horizontal. Alunos que se formaram juntos no curso profissionalizante, que estudaram juntos num grupo afiliado ou nos cursos intensivos criam ligações 53

Lit. “o mesmo clã”, instituição que estrutura a sociedade japonesa em clãs centrais e afiliados, os quais mantém entre si relações de dependência e dívida. 54

Do Ie fazem parte pessoas não necessariamente descendentes do mesmo clã, mas que estão ligadas a ele por atividades econômicas e sociais. 55

A punição é possível por que o indivíduo “não demonstrou a gratidão apropriada (on), respeito (kei) e consideração (omoiyari) para com o Iemoto pela oportunidade de estudar ou ensinar o chado. A maneira como a pessoa aceita ser disciplinada é também importante e pode levar a uma redenção parcial se sinceridade (makoto) ou lealdade (chugi) forem demonstradas.” (Mori, 1988: 137)

108 informais que lhes serão úteis para esforços conjuntos e para obter informações e ajuda econômica para projetos ligados ao chanoyu. Através destas relações o indivíduo sente-se parte do grupo, o que estimula sua lealdade para com o mesmo. Os alunos de chanoyu são encorajados a sentirem-se como membros de uma família e tratarem o Iemoto e sua esposa (que recebe o título de Okusama) como pai e mãe vicários. Diz parte do credo de Urasenke: “Iemoto wa oya, domon wa kyodai de, tomo ni ittai de arukara dare ni attemo, gasho suru kokoro o wasurenuyoni.” (“O grão-mestre é nosso pai, e todos que entraram pelo seu portão para aprender o chado são irmãos. Não importa quem encontrarmos, não esqueceremos o coração pleno de ‘respeito’ já que somos todos um só espírito.”)

Na sociedade japonesa em geral esta relação de dependência mútua é chamada oya (pai) ko (filhos). Alunos ligados diretamente à sede de Urasenke, estudando como internos, têm obrigações similares àquelas de filhos (ko): devem mandar cartões para felicitar a família Sen por ocasião de aniversários, dia das mães, dia dos pais, devem enviar cartas de agradecimento por oportunidades de estudo recebidas; devem ainda estar presentes em todas as ocasiões festivas em que sua presença é requerida. Iemoto dá pessoalmente as bolsas de estudo aos alunos todo mês, como um pai (oya) daria a mesada a seu filho. Okusama profere palestras mensais para os alunos e chega ao ponto de, tal qual uma mãe, recomendar aos alunos para se agasalharem quando há mudança de estação e de temperatura. O staff de Urasenke sente-se responsável pela vida dos alunos como um todo. Uma doença ou problema com um aluno pode trazer desonra à Urasenke, pois indicaria falta de cuidado apropriado com o aluno. Okusama e Oiemoto56 mandam presentes na forma de frutas (item extremamente caro no Japão, comumente usado como presente), convites para jantares e apetrechos para kimono. Alunos dos cursos profissionalizantes (Gakuen e Midorikai) devem considerar a escola como sua casa e portanto fazer a limpeza e manutenção não só das salas de aula prática, mas também salas para aulas teóricas, banheiros, jardim e cozinha.

56

O é um título honorífico usado na língua japonesa em geral. Desta maneira temos: (O)sakê para a bebida, (O)kashi para o doce, (O)kane para o dinheiro e assim por diante.

109 O sistema oyako une-se ao sistema sempai-kohai para formar a estrutura das relações interpessoais em Urasenke. Enquanto oyako é uma relação hierárquica entre diferentes, isto é, professores e alunos, ou Iemoto/Okusama e alunos; sempai-kohai refere-se à relação entre alunos que estudam há mais tempo e aqueles mais recentes. Sempai-kohai é um "sistema de organização da sociedade japonesa pelo qual os mais antigos devem proteção e assistência aos mais jovens, e estes, por sua vez, devem obediência aos mais antigos" (Anderson, 1991: 292)

Estas obrigações mútuas perpassam a estrutura da sociedade japonesa 57

como um todo. Começam com a relação entre irmãos , passam pela relação entre os alunos na escola, e seguem na vida adulta, nas relações de trabalho. Diz a antropóloga Takie Lebra, da Universidade do Havaí, sobre estas relações vicárias na sociedade japonesa: “(...) um chefe faz o papel do pai para o empregado, um empregado sempai faz o papel de um irmão mais velho para o empregado kohai, e assim por diante. O fenômeno comum de filiação simbólica, tratada como dependência ou fraternidade simbólica, pode ser parcialmente compreendido à luz da facilidade com a qual o vicarismo acontece entre os japoneses.” (Lebra, 1976: 87)

Numa escola tradicional como Urasenke não poderia ser diferente: alunos mais antigos devem auxiliar na socialização dos alunos mais novos, lembrando-os das regras da escola, modos de comportamento apropriado, e etc. Os kohai (mais novos) devem gratidão, lealdade e obediência aos sempai (mais antigos). Qualquer falha

de

um

kohai

é

sentida

imediatamente

como

falha

dos

sempai

encarregados deste. Vemos aí um extenso mecanismo de controle social que perpassa toda a sociedade japonesa. Em todas as instâncias da vida do japonês há sempre pessoas em situação superior as quais ele deve obrigações, e pessoas em situação inferior, as quais ele deve impor regras sob pena de ser punido.

57

A posição de irmão/irmã mais velho(a) e mais moço(a) tem grande importância na estrutura hierárquica da sociedade japonesa, implicando em direitos e deveres claros. A própria língua japonesa utiliza termos específicos para denominar cada papel. Ainda, quando se quer dizer que uma coisa não tem pé nem cabeça no Japão, diz-se que ela não é nem irmão mais velho nem mais novo. (Benedict, 1972: 50,51)

110

3.1.3 Os Cursos Profissionalizantes Há dois grupos de alunos que estudam o chanoyu de maneira intensiva na sede de Urasenke, em Quioto: japoneses e estrangeiros. Os primeiros estudam num grupo denominado Urasenke Chadô Senmon Gakko, ou Gakuen, e os últimos estudam no grupo Midorikai.

Gakuen é um curso profissionalizante de três anos, em período integral, seis dias por semana, onde os alunos têm aulas práticas (keiko) e teóricas. As aulas teóricas incluem: inglês, história japonesa, literatura japonesa, matemática, redação, educação física, utensílios para o chanoyu (sua origem, história, variedade e uso), história do chanoyu, arquitetura e culinária. As aulas práticas são dadas por professores gyôtei, mizuya e professoras contratadas. As teóricas, por professores gyôtei, professores universitários de Quioto e professores contratados. Gakuen é um curso reconhecido pelo Ministério da Educação como profissionalizante, seus alunos se encontram na faixa de 17 a 25 anos e ainda estão em formação. Para o curso é esperado que o aluno traga kimonos com o brasão da família (montsuki), kimonos formais monocromáticos sem brasão (muji), kimonos coloridos (komon) e kimonos simples e resistentes para a prática diária. Para homens é necessário o hakama, uma calça larga para ser usada por cima do kimono em ocasiões formais. (Mori, 1988: 426) Esta quantidade de kimonos, mais o preço do curso, e o assunto que ele trata, seleciona a porção da sociedade japonesa que o freqüenta: a elite que pode pagar um preço alto para adquirir conhecimento e prestígio.

As aulas do Gakuen começam com uma sessão de zazen (meditação zen) as 7:00 da manhã. As 7:40 os alunos começam o toban (obrigações de preparação para as aulas) que neste caso também inclui limpeza dos dormitórios, banheiros, salas de aula, preparação da cozinha e lavagem de panos e peças usadas na aula. Todos os alunos estão envolvidos no toban, e não somente um grupo a cada dia, como acontece no Midorikai. O almoço acontece junto com os alunos do Midorikai (estrangeiros), no restaurante da escola. A tarde há aulas teóricas, em salas ocidentais com mesas, cadeiras e lousa, enquanto o Midorikai ocupa as salas de aula prática, de tatami. Após a aula os alunos devem ajudar na limpeza das salas e também no restaurante, servindo o jantar e limpando a cozinha. Depois disto há grupos de estudos para treinar o temae (diferentes cerimônias para a preparação do chá) a ser feito no dia seguinte.

111 O curso, como se vê, tem uma carga de obrigações muito intensa para os japoneses. A seguir notaremos que o mesmo não acontece para os alunos estrangeiros. Contudo, é preciso lembrar que os estrangeiros têm uma série de dificuldades que os japoneses não encontram, e que tomam seu tempo fora das aulas. Eles necessitam adaptar-se ao novo país, à nova língua e a costumes muito diferentes dos seus. Ir ao correio ou ao supermercado, uma tarefa corriqueira no país de origem, pode se transformar numa aventura de horas até que consigam entender e ser entendidos. Além disto, há o problema do espaço e tempo privado, tão valorizados no ocidente. O aluno estrangeiro precisa sentir que tem tempo livre e tem o poder de decidir o que fazer com ele. Para os japoneses, tempo livre individual não é um valor que se aplica à sua vida diária.

A partir deste curso básico, é possível para japoneses, bem como para estrangeiros, freqüentar um curso mais avançado chamado Kenkyuka. Em todos os cursos os alunos devem pedir para ser aceitos na escola, pois Urasenke se reserva no direito de aceitar ou não o aluno que pleiteou a vaga. Isto se deve ao fato de que o aluno está pleiteando entrar para um grupo, para o clã, e não somente para uma escola.

O curso Midorikai é um curso de três anos em período integral, onde alunos do mundo todo aprendem o chanoyu em aulas teóricas e práticas (keiko). As aulas teóricas compreendem história do Japão, cultura e língua japonesas, história do chanoyu e de seus grão-mestres, identificação de utensílios e suas origens, arquitetura e paisagismo, culinária japonesa, história e prática do zen-budismo e do teatro Noh. As aulas práticas têm como finalidade ensinar os diversos temae (diferentes cerimônias para a preparação do chá) existentes e introduzir o aluno numa arte/filosofia eminentemente prática. Há um exame teórico ao fim de cada ano. Todos os alunos recebem uma bolsa de estudos no primeiro ano do curso, que inclui o visto de estadia, hospedagem, refeições e o curso propriamente dito. Nos anos de 1992 e 93, a bolsa consistia em 1000 yens/mês, isto é, aproximadamente US$ 1.000,00, sendo que o aluno deveria separar 100 yens para o pagamento do curso. Esta mensalidade era uma quantia simbólica, se comparada ao verdadeiro custo do curso, das refeições e da hospedagem. Contudo, para a escola, era uma maneira de fazer com que o aluno valorizasse o que estava recebendo. O envelope contendo o dinheiro (em notas novas, e, portanto, puras. Ver item 3.6) da bolsa de estudos era dado pessoalmente pelo grão-mestre, num ritual feito em Konnichian (casa símbolo de Urasenke). Recebido o envelope, o aluno deveria ir imediatamente

112 ao prédio do escritório de assuntos exteriores para fazer o pagamento à escola. Qualquer atraso no pagamento de alunos bolsistas implicava em um sério desrespeito por parte do aluno. O on (obrigações e dívidas) recebido pelo aluno quando ele aceitava a bolsa de estudos deveria ser pago imediatamente. Já os alunos do segundo ano deveriam encontrar seus próprios meios de sustento, hospedagem e uma família que se responsabilizasse pelo seu visto de estadia no país. Por esta razão o número de alunos cai bastante a partir do fim do primeiro ano. No terceiro, e último ano do curso, os alunos têm novamente direito à bolsa de estudos.

O curso Midorikai foi fundado em 1973 pelo atual grão-mestre. Desde o fim dos anos 60 alguns estrangeiros vinham pedindo permissão para estudar o chanoyu junto com os alunos japoneses, mas só em 1973 foi oficialmente criado um curso voltado para estrangeiros. Como muitos daqueles antigos alunos tornaram-se professores, o conhecimento da língua japonesa não é um pré-requisito, pois o curso é dado por eles em inglês. Contudo, todos os nomes de utensílios, temae e diálogos a serem ditos na cerimônia são em japonês e, portanto, algum conhecimento desta língua ajuda no desempenho do aluno.

Os alunos entram em contato com o curso no exterior através de duas vias: as universidades as quais Urasenke está conveniada, que têm cursos para crédito sobre cultura japonesa, e mais especificamente o chanoyu (UCLA, Havaí e Oklahoma), ou através dos shibu (grupos de simpatizantes) e shuchojô (filiais) da escola em seus países de origem. Na segunda via de acesso os alunos são selecionados pelo Escritório de Assuntos Exteriores de Quioto. Os futuros bolsistas devem enviar uma monografia sobre o chanoyu e uma biografia, ambas escritas em inglês. Os alunos escolhidos pelas universidades recebem, além da estadia e curso, o custeio das passagens. Há duas datas de admissão para o curso, uma em primeiro de setembro e outra em primeiro de abril. A cada data uma média de sete novos alunos ingressam. Nos anos de 1992 e 93 foi observado que a idade dos alunos variava de 22 a 60 anos. Há uma maioria de norte-americanos devido aos convênios com as universidades, mas, nos anos mencionados acima, também havia dois australianos, um francês, dois canadenses, uma coreana, dois russos, uma finlandesa, uma alemã, um mexicano, um holandês e uma chinesa. Alguns alunos estrangeiros freqüentavam as aulas por períodos curtos (de um a seis meses) sem bolsas de estudo, para fins de reciclagem.

113 As aulas do Midorikai começam as nove horas da manhã com palestras que vão até as 12:00. O almoço para os alunos vai das 12:20 as 12:40, a partir deste horário os funcionários da escola têm seu turno no restaurante. Depois disso, alunos que têm toban (obrigações de preparação para as aulas práticas) devem já estar de kimono. Por isto devem colocá-lo de manhã, antes das aulas teóricas, ou nos vinte minutos de intervalo entre o fim da aula e o começo do almoço. A cada dia da semana há um grupo de alunos predeterminado para o toban. As aulas práticas são feitas em salas de tatami e todos os alunos devem portar kimono. Nos primeiros dois meses de curso os alunos novos podem vestir roupas ocidentais, contudo as mulheres devem usar saia abaixo do joelho e os homens gravata. Neste período introdutório eles devem adquirir kimonos para as aulas práticas. Depois de seis meses

o

grão-mestre

oferece

aos

alunos

bolsistas

um

kimono

formal

monocromático (muji) para ocasiões festivas. As aulas práticas começam as 13:15 e acabam por volta das 16:30. A partir deste momento alunos que têm toban ficam para limpar a sala, e o resto pode sair da escola para seus afazeres pessoais. Há muitos alunos que fazem aulas de ikebana, caligrafia e outras artes tradicionais além do curso de chanoyu.

Depois de três anos de Midorikai o aluno estrangeiro pode pedir permissão à escola para participar do Ichiukai ou diretamente do Gakuen. Ichiukai é um curso com duração de um ano (com aulas somente aos sábados) fundado pelo grãomestre em 1985 para alunos formados pelo Midorikai. Se o aluno quiser continuar seus estudos com mais assiduidade e seriedade, poderá pedir permissão para estudar junto aos alunos japoneses mais adiantados, entrando no segundo ano do Gakuen. É necessário estudar no Gakuen por dois anos para se obter permissão para tornar-se professor.

Há também um grupo de alunos estrangeiros que estudam em Quioto uma vez por semana: o I.C.I (International Chado Institute). Este é formado por estudantes estrangeiros que freqüentam as aulas aos sábados de manhã (9:0012:00) ou à tarde (13:30-15:30). É um curso básico, apenas com aulas práticas, freqüentado por estrangeiros que estão trabalhando ou estudando (geralmente a língua japonesa) em Quioto, e querem algum contato com a cultura tradicional japonesa. Os professores são estrangeiros formados pelo Midorikai, Ichiukai ou Gakuen. Os alunos do I.C.I são convidados a juntar-se aos do Midorikai nas comemorações e chakai (demonstrações públicas de chanoyu).

114 Todos estes grupos de estrangeiros e o sistema de bolsas de estudo fazem parte do projeto do atual grão-mestre de divulgar o chanoyu no exterior. Com o lema “Paz através de uma tigela de chá”, o Iemoto vem fazendo um trabalho de disseminação do chanoyu e da cultura tradicional japonesa desde os anos 50. Espera-se que quando estes alunos voltem a seus países de origem eles se envolvam na difusão do chanoyu entre seus pares.

O aluno estrangeiro formado primeiramente no Midorikai e depois no Gakuen e Kenkyuka e o japonês formado nestes dois últimos cursos pode dar aulas no Japão com a permissão do Iemoto ou ser enviado ao exterior para organizar uma 58

filial de Urasenke (shuchojô) .

Estes são os cursos oficiais diretamente ligados à sede da escola em Quioto. Entretanto, há cursos não-profissionalizantes, onde se estuda apenas uma vez por semana, mais como um passatempo. A maioria dos estudantes de chanoyu se encontra nesta categoria. Eles aprendem com os chamados machi-no-sensei, isto é, “professores da cidade”, que mantém a relação com Urasenke através dos certificados dados pela escola e uma permissão do grão-mestre para poder ensinar. Estes professores ensinam em suas casas, nas casas de alunos ou qualquer ambiente onde haja uma sala de chá apropriada.

3.1.4 O Sistema de Certificados As permissões para tornar-se professor e o sistema de certificados59 (kyôjô ou menjô, lit. “permissão em papel”) formam as bases institucionais de controle do chanoyu por Urasenke. Sem eles o aluno não pode entrar para o clã. Através deste sistema a escola mantém rígido controle do conteúdo e da população a ser admitida no clã.

O atual sistema de certificados, os temae (gestos do ritual de preparação do chá), e a estrutura da escola foram estabelecidos por Yugensai Itto (1719-1771, VIII 58

O professor que dá aulas na Casa de Cultura Japonesa da USP e na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, na Liberdade, formou-se em 1978 e foi enviado no mesmo ano ao país para criar o shuchojô do Brasil. 59

Ver lista de certificados no Anexo.

115 Iemoto de Urasenke) e Joshinsai (1705-1751, VII Iemoto de Omotesenke60), em 1751. Estando ambas escolas desorganizadas e em situação financeira difícil, resolveram reestruturar o aprendizado do chanoyu num esforço conjunto, estabelecendo o sistema de Iemoto e codificando o aprendizado, por meio de certificados pagos para professores e alunos. (Anderson, 1991: 68) Através deste processo, a hierarquia e a estrutura da instituição foram estabelecidas de maneira concreta, instituindo e naturalizando o poder destas duas escolas. Com efeito, elas criaram uma “reserva de mercado”, na qual somente seus alunos podem, depois de anos fazendo parte da instituição, se tornar mestres do chanoyu e ganhar a vida estabelecendo suas próprias filiais, que continuam ligadas à sede por meio dos certificados encomendados à ela. A instituição dos certificados foi mais um passo na constituição e reinvenção do chanoyu como tradição japonesa.

Mas de que maneira funciona este sistema de certificados?

Antes do aluno começar a estudar em Urasenke ele deve pedir permissão, se esta for concedida, ele recebe o primeiro certificado denominado nyûmon (lit. "passagem/portão de entrada"). Os certificados são dados não para atestar o conhecimento de um aluno, mas antes dele começar a estudar um novo conjunto de temae, como permissão para o estudo. Sem o certificado apropriado o aluno não pode observar o temae de mais de um nível acima do que já recebeu. Os kyôjô (certificados) são dados a partir de recomendação do professor e são entregues na sala de chá, geralmente junto com a festa do memorial61 de um grão-mestre do passado. Como ritual para entregá-lo, o professor chama cada aluno por vez na frente de todos, lê em voz alta o que se encontra escrito no kyôjô e o entrega com uma reverência ao aluno, que também faz uma reverência ao recebê-lo. O sistema hierárquico de certificados é tão rígido que todas as demonstrações públicas (chakai) são feitas com temae de nível básico. Desta maneira os temae mais avançados são mantidos em segredo para aqueles que não detém o certificado apropriado.

60

Como vimos anteriormente neste capítulo, Omotesenke é uma das três escolas de chanoyu fundadas a partir da linhagem de Sen no Rikyû. As outras duas escolas são Urasenke e Mushanokojisenke. 61

Ver item 3.6 Comemorações e Festas.

116 O último certificado é chamado de chamei, isto é, “nome de chá”. Este certificado não é uma permissão para que se aprenda um temae, mas indica que o aluno atingiu o mais alto estágio de aprendizagem e pode ser considerado um mestre. Pode também atestar gratidão por contribuições ao chanoyu. Como na tradição zen-budista em que o discípulo recebe um nome quando atinge a iluminação62, no chanoyu o aluno recebe um nome para ser usado entre o nome próprio e o sobrenome. Portanto o próprio nome do aluno passa a atestar que este pertence, mesmo que simbolicamente, à família Urasenke. O chamei é dado diretamente pelo grão-mestre e tem um significado simbólico. É composto de dois ideogramas, o primeiro é sempre so (origem, essência) e o segundo é escolhido pelo grão-mestre. Mais comumente o segundo ideograma usado é: wa (paz), kei (respeito), sei (pureza), ko (fragrância), kyo (ponte), soku (doutrina), etc. (Mori, 1988: 138)

Os kyôjô são importantes porque preservam o conhecimento dentro dos limites do Iemoto, criam uma estrutura hierárquica que pode atestar o conhecimento e, assim, o lugar apropriado de cada aluno. Além disto são uma fonte de renda para Urasenke.

Portanto, como foi descrito, a escola Urasenke utilizou vários meios para que o chanoyu fosse visto como um veículo apropriado de transmissão da cultura japonesa e para assegurar seu espaço e difundir-se na sociedade japonesa. Se quando surgiu, os xoguns se encarregaram de preservá-lo como símbolo de prestígio a ser concedido como recompensa de vitórias na guerra (na forma de permissão para aprendizagem ou utensílios doados); a partir do estabelecimento das escolas de chanoyu no século XVII, os netos de Sen Rikyû se encarregaram desta tarefa. Instituiu-se o sistema de Iemoto que dava a este os direitos sodan, isto é, a autoridade e controle total sobre quem poderia estudar e considerar-se um mestre na arte do chanoyu

63

. Além disto, as escolas esforçaram-se para tornar seu

Iemoto o árbitro do gosto e conhecimento cultural japonês. Dele emana o poder 62

O grão-mestre atual recebeu o nome budista de Hounsai (nuvem, fênix) quando acabou seus estudos no templo zen-budista de Daitokuji, em Quioto. Como chamei, recebeu o nome Soshitsu. 63

Como vimos anteriormente, fazem parte dos direitos sodan: sancionar publicações (jornais, revistas, artigos, boletins e livros) sobre o chanoyu, manter o controle de quem estuda a arte, de quem segue o caminho (através de certificados), de quem ensina e do currículo a ser apresentado (através da instituição do curso Gakuen e das filiais e grupos de simpatizantes no mundo todo).

117 para decidir quais utensílios e peças artísticas são relevantes e quem poderá criálas. Para isto dá apoio às famílias de artesãos oficiais e desencoraja seus alunos e professores a adquirir objetos não produzidos por elas, empresta utensílios e patrocina exposições destes em galerias e museus. (A própria Urasenke possui uma galeria em sua sede em Quioto). Mas, o ponto fundamental para o estabelecimento do chanoyu como a suprema arte tradicional japonesa foi a noção de que ele carrega em seu corpo a cultura japonesa mais “refinada” e “original”, e, portanto, todo aquele que quiser ser visto como uma pessoa “culta” deve aprendê-lo, ou no mínimo, estar em contato com ele.

118

3.2 A Estrutura da instituição no Brasil

Como já foi mencionado no capítulo II, o grupo A é chamado de SocIedade Cultural Urasenke do Brasil, ou shibu em japonês. Ele foi criado em 1954 junto às comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo. O grupo A é formado por uma maioria de mulheres isseis (primeira geração) com idade acima de 51 anos e suas aulas ocorrem de segunda a sábado com exceção de terça-feira (quando o grupo B tem aulas) no prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (na Liberdade). Não sendo o representante oficial da escola em São Paulo ele é encarado como um clube.

O grupo A tem uma estrutura de poder distinta dos outros dois grupos (B e C), apesar de ter se originado da mesma maneira que seus pares - através da vinda de professores japoneses. Estes professores japoneses assumiam uma posição superior, enquanto que as mulheres formavam a maioria das alunas (como nos outros dois grupos estudados). Com o passar do tempo, os professores deixaram de vir e sete destas antigas alunas tornaram-se professoras e desde então ocupam posição superior na hierarquia do grupo. Atualmente, uma delas ocupa o cargo de presidente da sociedade. Para fins organizativos, há reuniões todo terceiro sábado do mês nas quais discutem as mensalidades, organização de festas comemorativas e seus chakai (demonstrações públicas de chá). No grupo A existem basicamente cinco festas a serem comemoradas em forma de chakai: Hatsugama, Rikyûki, Dia dos Meninos, Sotanki e Bonenkai64 . Cada uma delas é organizada por um grupo de cada um dos dias da semana, num sistema de rodízio. Por exemplo, se o Hatsugama foi organizado pelo grupo de quarta-feira, o Rikyûki o será pelo de quinta-feira, o Dia dos Meninos pelo de sexta-feira e assim sucessivamente.

A cada 2 anos há eleições para presidente, secretários, conselheiros e tesoureiro. Apesar de ainda conservar o critério de idade (um valor japonês) como padrão de aceitação do presidente, esta forma de organização tipicamente ocidental - eleições, presidente e conselheiros - foi uma das adaptações surgidas quando o 64

Ver item 3.6 sobre festas, e o Anexo para suas datas.

119 chanoyu venceu as fronteiras de seu país de origem e precisou tomar novas formas para se estabelecer. “A introdução de formas ocidentais de organização, que produzem novas maneiras de relacionar as pessoas numa hierarquia, não suplantaram o sistema de Iemoto. Foram adotadas por Urasenke para prover tipos diferentes de participação e intensidade de interesse, e vir ao encontro das novas necessidades de uma organização em crescimento.” (Mori, 1988: 211)

As professoras do grupo A não recebem nenhuma remuneração advinda da Fundação Urasenke japonesa. Os utensílios, doces e chá em pó são contribuições de alunos que viajam e os trazem do Japão. Outras despesas como aluguel e luz são pagas com as mensalidades cobradas dos alunos. A quantia que sobra é dividida entre as professoras. Como esta remuneração é baixa, as professoras trabalham mais por prazer e dedicação ao chanoyu.

O Grupo B leva o nome de Centro de Chadô Urasenke do Brasil, ou shuchojô em japonês. Seu diretor é o professor enviado do Japão como representante oficial de Urasenke no país. Há cinco professoras que o auxiliam durante as aulas, que ocorrem as terças-feiras no prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (na Liberdade). Não há eleições devido ao fato do professor já ocupar este cargo por direito adquirido. Por algum tempo este grupo tentou organizar uma associação de moços - seinenkai - transplantação direta do tipo de associação existente no Japão. No Brasil esta associação não funcionou por que havia poucos jovens interessados no chanoyu. (Ver capítulo 2, item 2.2.2)

A estrutura de poder japonesa se reproduz com perfeição no Brasil nos grupos B e C (grupo que estuda na USP aos sábados). Sexo, idade, mérito e posição hierárquica são as características-chave para que alguém possa ser apontado

representante

da

escola

pelo

grão-mestre.

Sendo assim,

este

representante centraliza todas as decisões, seu cargo é vitalício e segue as regras japonesas: enquanto o grão-mestre não transferi-lo, o professor permanecerá no Brasil e sua autoridade não será questionada. O representante oficial é remunerado pela Fundação Urasenke e recebe utensílios, chá em pó, revistas e boletins publicados, enfim, todo tipo de auxílio diretamente da sede em Quioto.

120 Para um maior intercâmbio entre a filial e a matriz, algumas professoras do grupo B foram ao Japão para cursos curtos na sede da escola. Dentro do Brasil a difusão é feita através de professoras que, tanto do grupo A como e B, viajam a cidades do interior de São Paulo para dar aulas mensais nos clubes de simpatizantes de chanoyu. Há clubes em Moji das Cruzes, Lins, Bastos, Araçatuba, Ribeirão Preto, Marília, Pompéia e Suzano. No estado do Paraná há clubes em Curitiba, Londrina, Maringá, e Registro. Na cidade do Rio de Janeiro há igualmente um clube com uma professora estável. Por fim, há aulas em Belém, para onde uma professora de São Paulo se desloca uma vez a cada seis meses.

121

3.3 O Corpo Moldado

Um dos aspectos que mais chama a atenção na prática do chanoyu é sua influência no corpo físico do praticante. O aprendizado desta arte não se restringe a conteúdos, mas abrange todos os aspectos do que é ser japonês.

Como nos ensina Marcel Mauss, o homem não é um produto de seu corpo, mas ao contrário, o corpo é produto da cultura em que está inserido. Assim, há “mecanismos pelos quais o grupo modela os indivíduos à sua imagem.” (LéviStrauss, 1974: 4) Haveria uma estrutura sociológica que seria compartilhada por cada indivíduo e seria traduzida através de seu corpo. Aqueles que não apresentassem o corpo moldado e marcado conforme o restante do grupo, seriam imediatamente identificados como não pertencentes a ele. Neste sentido, o processo de socialização é de suma importância. Nele aprende-se conteúdos e formas de comportamento do grupo ao qual o indivíduo pertence.

O chanoyu assume, no Japão e no Brasil, o papel de socializar o indivíduo, e seu corpo, enquanto construção social, é o objeto concreto onde se vê este trabalho. O corpo torna-se pleno de significados simbólicos. É necessário compreender e interpretar esta gramática para se ter acesso à construção da identidade étnica de um povo. Como escreve Letícia Reis: “(...) o corpo é uma linguagem, constituindo-se portanto num sistema simbólico (sistema de significantes) que opera correspondências entre significantes

e

significados.

(...)

é

de

fundamental

importância

o

desvendamento das regras que subjazem ao corpo (...) para a compreensão e interpretação da forma como opera este ‘sistema natural de símbolos’ ”. (Reis, 1993: 215-216)

José Carlos Rodrigues, em O Tabu do Corpo, nos ensina que devido ao fato do corpo humano ser construído socialmente, ao se fazer uma análise da representação social do corpo tem-se uma via de acesso à estrutura da sociedade.

122 Corrobora, desta maneira, as idéias de Marcel Mauss ao dizer que o corpo compartilha da estrutura sociológica da sociedade. “(...) as regras transformam comportamentos em mensagens significantes: funcionam como um código (...) orientador da conduta do indivíduo. É a transformação do obrigatório em desejável, cuja efetivação é a função de muitos ritos e mitos realizar. (Rodrigues, 1983: 34)

Marcel Mauss se refere à técnicas corporais que seriam eficazes no sentido de transmitir uma tradição. De acordo com ele há técnicas de movimento e de repouso, que por sua vez são diferentes entre os sexos. Por conseguinte, através da descrição das posições que o corpo assume numa dada sociedade, seria possível descobrir a estrutura subjacente a esta. O aprendizado das técnicas corporais abrange até movimentos mais básicos e tidos como “naturais” na sociedade. Diz Lévi-Strauss a este respeito: “(...) os gestos, em sua aparência insignificantes, transmitidos de geração a geração, protegidos pela sua própria insignificância, freqüentemente testemunham muito mais do que jazidas arqueológicas ou monumentos figurados.” (Lévi-Strauss, 1974: 5) Porque a etiqueta e as “boas maneiras” são a linguagem que expressa a hierarquia e a posição devida de cada indivíduo na sociedade, as artes e atividades sociais que as ensinam são de suma importância para se adquirir estes valores sociais.

O chanoyu ensina o japonês a construir seu corpo para que ele se pareça com o que tradicionalmente deveria ser o corpo de um japonês. Constrói-se um corpo paradigmático, exemplar, do japonês. Através do chanoyu ele aprende a se orientar no espaço de uma sala de tatami, a caminhar, a sentar-se apropriadamente, a segurar e manusear objetos, a comer de maneira correta, aprende o “bom gosto” na escolha de peças, seu papel na hierarquia, e tudo o que se refere a comportar-se como um japonês e ser reconhecido por seus pares como tal.

A primeira técnica básica a ser aprendida é uma técnica de repouso: sentarse em seiza (sobre as pernas com os joelhos dobrados). Conseguir ficar horas nesta posição, é um dos atributos fundamentais para ser considerado apto para,

123 não só seguir o caminho do chanoyu65, mas também para viver numa casa tradicional japonesa e poder compartilhar destas tradições.

Contudo a maioria dos japoneses está perdendo esta habilidade. Com casas ocidentalizadas, onde geralmente apenas um dos ambientes é decorado à maneira japonesa, o seiza é bem pouco exercitado por eles, principalmente pelos jovens.

Sentar em seiza é a maneira de amoldar o corpo às exigências da cultura tradicional japonesa. Para os alunos de chanoyu é uma questão de honra conseguir sentar-se imóvel por horas a fio, tal qual os professores. Para o neófito é praticamente uma tortura: os pés e joelhos doem, a circulação do sangue fica prejudicada, as pernas adormecem. Mas não conseguir sentar-se causa uma dor pior que a dor física: demonstra a si mesmo e a todos os outros que o aluno em questão não faz parte do grupo ainda.

Escreve Mauss a respeito do aprendizado da técnica como educação corporal do grupo como um todo: “Acredito que a educação fundamental de todas estas técnicas consiste em fazer adaptar o corpo a seu emprego. Por exemplo, as grandes provas de estoicismo, que constituem a iniciação da maior parte da humanidade, têm por fim ensinar (...) a resistência, a seriedade, a presença de espírito, a dignidade, etc.” (Mauss, 1974: 232)

No chanoyu uma grande prova de estoicismo na qual o praticante tem que demonstrar seu valor, seriedade, vontade de aprender e resistência é o sentar-se em seiza. Os professores explicam que a dor e o incômodo servem exatamente para deixar a mente e o corpo atentos ao momento e ação presentes, seja durante a meditação (zazen) seja durante o chanoyu (também uma arte zen). Eles são necessários para que os alunos aprendam a dominar seus corpos, e exercitem o que os japoneses chamam de gambare, isto é, suportar estoicamente as adversidades e esforçar-se até o limite possível. Cientes das dificuldades dos alunos, por que foram suas um dia, os professores ensinam como fazer para que a

65

Uma das exigências para se candidatar a uma bolsa de estudos da Fundação Urasenke em Quioto é que o aluno não apresente problemas motores nas pernas. Sem a habilidade de sentar-se no tatami é impossível para qualquer aluno praticar o chanoyu.

124 circulação não seja muito prejudicada e os músculos se alonguem: deve-se sentar em seiza no furô66 todas as noites. A água quente relaxaria os músculos e ajudaria a circulação do sangue. Havendo assim uma série de métodos de adaptação à norma, está claro que desde sempre houve um aprendizado do corpo, que os professores também passaram pelas mesmas dificuldades. Esta tradição é algo continuamente construído no corpo dos japoneses como símbolo de sua identidade.

Sendo uma técnica corporal fundamental da tradição japonesa, e devido as suas dificuldades em lidar com ela, há uma grande ansiedade a sua volta. Não por acaso esta era a primeira coisa que perguntavam à pesquisadora no Japão ao saber que eu estudava o chanoyu: mas você consegue sentar no tatami? A resposta afirmativa era recebida com uma ponta de orgulho porque uma estrangeira havia se interessado por sua cultura a ponto de fazer de seu corpo repositório dela; mas também com vergonha, por não ser capaz de dizer o mesmo de si. Conta Barbara Mori depois de ter estudado em Urasenke por um período de dois anos: “Elogios ou crítica por conseguir sentar-se é um dos tipos mais freqüentes de interação entre professores e alunos, e alunos e outros japoneses durante chakai. Alguns professores tomavam a falta de habilidade para sentar em seiza como uma afronta pessoal e/ou uma indicação de falta de interesse no chado, ou falta de sinceridade nos estudos. Sentar-se seiza era a segunda maior causa de doença e dificuldades de saúde entre professores e alunos (pés, joelhos e costas machucados, depósitos de cálcio nos pés, calos nos pés, tornozelos e joelhos) (...)” (Mori, 1988: 328) É interessante notar que também o seiza é uma “tradição inventada”. No tempo de Sen no Rikyû (1522-1591) as pessoas não sentavam sobre as pernas. Anfitrião e convidados do chanoyu sentavam-se de pernas cruzadas (anza). Apenas no momento em que estavam bebendo o chá levantavam um joelho. Esta é uma postura comum na Coréia e significa respeito. (Nakamura, 1995: 50) A idéia de que os japoneses sempre sentaram-se em tatami ou sobre as pernas corresponde à tendência de se naturalizar as posturas corporais assumidas pelo grupo social. Todos os aspectos da cultura são criados e construídos, tendo que ser ensinados para as novas gerações.

66

Banheira de água quente, típica para o banho no Japão.

125 No Brasil, os professores são menos exigentes com os alunos e consigo mesmos. Entre um aluno e outro, os professores fazem intervalos em que se levantam, deixando os outros alunos à vontade para fazerem o mesmo. Conclui-se daí a rigidez de comportamento que existe nas aulas no Japão não é imitada aqui, como veremos nos item 3.5. A sociedade brasileira externa também não exige tal rigidez de comportamento, isto é, não há uma pressão externa para que ele seja seguido. Se considerarmos que o chashitsu (sala de chá) funciona como metáfora do espaço social mais amplo, compreenderemos as regras do chanoyu e porque elas são adotadas de maneira diferente pelos diversos grupos que o praticam.

Mauss refere-se à diferenças de técnicas corporais entre homens e mulheres. Elas existem no chanoyu. O homem senta-se com os joelhos mais abertos, com uma distância de dois punhos fechados entre os joelhos. As mulheres devem deixar apenas a distância de um punho. Isto se deve ao fato de que as mulheres devem ser mais recatadas que os homens. Ao andar, segue-se a mesma regra: os homens o fazem com as pernas abertas e posicionam os pés para fora, enquanto que as mulheres colocam as pontas dos pés para dentro. Estas regras são utilizadas não só na sala de chá, mas nas ruas em geral, dando a impressão que as mulheres andam com as pernas “tortas”, viradas para dentro. É bastante clara a diferença que esta norma faz no corpo feminino. A postura “torta” das mulheres japonesas ao caminhar na rua é um dos primeiros aspectos notados pelos estrangeiros. Só depois que fui ensinada a caminhar com os pés virados para dentro no curso de cerimônia do chá é que compreendi que aquela era uma “técnica de movimento”, como diz Mauss, aprendida na sociedade e nas diversas artes tradicionais. Fundamenta-se na idéia do recato e da modéstia, traduzidas na contenção dos movimentos femininos.

No Brasil, se observarmos esta postura corporal, é possível identificarmos as japonesas não-imigrantes (que estão no país por um curto período) e as imigrantes ou descendentes. Perceberemos assim um pouco das dificuldades que existem quando estes brasileiros descendentes de japoneses voltam ao Japão. Para os japoneses fica óbvio que os descendentes não fazem parte de sua cultura desde o momento que eles chegam ao país. Mesmo em repouso seus corpos comunicam um relaxamento e maneiras de se colocar típicas de um brasileiro. Se no Brasil os brasileiros descendentes são chamados de japoneses, no Japão são colocados

126 imediatamente como inferiores, pois não são “japoneses puros”, como vimos no item 2.3. Desta maneira percebemos concretamente que a cultura se inscreve no corpo e deixa marcas que distinguem pessoas de diferentes culturas.

Também nas roupas a diferença entre o feminino e masculino se instala. A enorme diferença que existe entre kimonos femininos e masculinos já denota valores diferentes para cada um. Os kimonos femininos são justos ao corpo e presos por uma faixa larga (obi) de 40cm. Amarrada fortemente um pouco abaixo dos seios, ela chega até a altura dos quadris, contendo sobremaneira os movimentos da mulher. Diz-se que o obi serve para deixar o corpo da mulher “bonito”, pois esconde a curva da cintura. No Japão a beleza feminina se traduz em linhas retas, o oposto do ocidente, onde o corpo da mulher deve ter curvas. Para os homens, o kimono não apresenta grandes segredos, ele é folgado e a faixa (obi) é mais fina, de uns 15 cm, deixando espaço suficiente para que andem com as pernas separadas e os pés virados para fora. Vemos assim que os alunos de chanoyu têm que aprender a andar, sentar e levantar do tatami vestindo o kimono. Toda a postura corporal se modifica quando se pratica o chanoyu com roupas ocidentais ou com kimono. Além de conter e determinar os movimentos dentro da sala de chá, os kimonos exercem comunicação simbólica entre os praticantes. Eles identificam quem está vestindo, sua idade, sexo e posição social, que tipo de cerimônia está tomando parte e seu relacionamento com os outros praticantes. Por exemplo, uma mulher jovem deverá usar kimonos de cores que variam do laranja, rosa ou vermelho, enquanto que uma mais idosa deverá usar kimonos escuros. Para uma ocasião formal deverá ser usado o kimono monocromático com brasão da família (montsuki), mas para aulas práticas um kimono de algodão florido é o bastante. No inverno o kimono deve ser de tecido mais pesado (como por exemplo, de lã), todos os apetrechos para amarrá-lo (obi, obijime, obiyage) e a roupa de baixo (nagajuban) deverão ser também mais grossos. Os motivos decorativos também se modificam conforme as estações do ano, como veremos no item 3.5.

No Brasil, não é obrigatório vestir kimono em aula e pouquíssimos alunos o fazem. As professoras mais antigas (do grupo A) o fazem mais freqüentemente, mas as do grupo mais novo (grupo B) vestem sempre roupas ocidentais. O professor enviado do Japão sempre está de kimono. Sendo assim, as ocasiões festivas são praticamente as únicas em que todos os alunos têm a oportunidade de vestirem seus kimonos. E aí ocorre o paradoxo: enquanto no Japão, nestas

127 ocasiões memoriais, o kimono deverá ser monocromático (mais formal), no Brasil as mulheres usam desta rara ocasião para vestir seus melhores e mais coloridos kimonos, infringindo a regra japonesa. Isto ocorre porque os imigrantes e descendentes não estão acostumados a vesti-los diariamente ou mesmo porque não possuem kimonos formais ou específicos para cada estação do ano. Adquirir kimonos no Brasil também é difícil: eles não são fabricados aqui, são geralmente trazidos quando algum parente vai ao Japão. Mas devido aos preços japoneses proibitivos, outra saída é encomendá-los a uma costureira da colônia, herdar dos avós ou pais ou ainda comprar dos professores e alunos que não os usam mais.

Não só os kimonos, mas os apetrechos para amarrá-los e a roupa de baixo usada têm motivos, tecidos, cores e texturas específicos para cada uma das quatro estações do ano e também para a idade e sexo da pessoa que vai vesti-lo. Enquanto no Japão as escolhas de kimono de acordo com estas variáveis são 67

seguidas à risca , no Brasil é comum encontrar um kimono de inverno sendo usado com roupa de baixo de verão e apetrechos de primavera. Para os homens a situação não é tão difícil: Os kimonos masculinos são monocromáticos, variando entre o cinza e o azul marinho, portanto, estarão sempre adequados para ocasiões formais. Há apenas a questão da mistura de apetrechos das quatro estações do ano na mesma ocasião festiva.

Durante a aula ou demonstrações de chá (chakai) se forem usadas roupas ocidentais, é preciso que se traga um par de meias brancas para se colocar antes da aula. Como não se usa sapatos na sala de chá, as meias brancas dão a idéia de limpeza, que no Japão se iguala a de pureza, um conceito derivado do xintoísmo68 e que perpassa toda a sociedade. Além das meias, as mulheres devem vestir saias 67

A mudança de estilo de kimono no primeiro dia da nova estação (tradição chamada de koromogae, onde koromo quer dizer “roupas” e gae “troca”) é tão importante que, ainda hoje, todos os japoneses continuam a seguir este costume com suas roupas ocidentais: no primeiro dia do verão (ou inverno) todos trocam as roupas e uniformes de inverno por roupas de verão (ou vice-versa), mesmo que a temperatura não tenha subido ao que eles mesmos considerariam "verão". 68

“O Xintoísmo (Shintô) é a mais antiga entre as tradições religiosas (formais) e é considerada a religião autóctone do Japão. Apesar de suas origens obscuras, pode-se dizer que ela é formada de elementos nativos (culto aos elementos da natureza, animismo) e de estrangeiros (budistas, taoístas, confucionistas). O termo chinês ‘Shentao’ chegou ao Japão como ‘Shintô’ ou ‘Kami no Michi’ (shin ou kami = ‘deus’, ‘espírito’, tô, dô ou michi = ‘via, caminho’). O termo ‘Shintô’ começou a ser utilizado com o enorme fluxo de cultura chinesa para o Japão, como um meio de distinguir as crenças autóctones frente ao budismo e confucionismo.” ( Pereira, 1992: 23, 24)

128 abaixo do joelho e blusas de mangas compridas, por uma questão de recato. Os homens devem usar gravata e camisa social e nunca calças jeans, por que elas dificultam os movimentos e a circulação do sangue e indicam informalidade.

Ainda dentro do chashitsu, os homens mantém, ao caminhar, as mãos fechadas ao lado do corpo como se carregassem duas espadas. As mulheres caminham com as mãos espalmadas na frente da coxa, segurando o kimono para que ele não se abra. Igualmente, para demonstrar a força do homem em relação à mulher, eles não usam o fukusa (pano para purificar os utensílios) para segurar a tampa quente da chaleira em meio a cerimônia. As mulheres fazem o oposto para não queimar as mãos. O fukusa das mulheres é vermelho e homens é roxo.

Afora estes aspectos acima citados, o comportamento de ambos os sexos no chanoyu é praticamente o mesmo. As diferenças de comportamento que ocorrem são devido a posição que cada pessoa ocupa na hierarquia interna da sala de chá.

Uma cerimônia do chá completa (chaji) envolve geralmente um anfitrião (teishu), três convidados (kyaku) e um assistente (hantô). O primeiro convidado (shôkyaku) tem ascendência sobre os dois outros. Mas o último convidado (tsume) também é importante porque ele recolhe os utensílios e, depois de utilizados e examinados, os leva ao anfitrião ou à porta da sala. O primeiro convidado deve se posicionar mais perto do anfitrião e do tokonoma (nicho onde se coloca a caligrafia ou as flores). Esta é a posição de honra dentro do chashitsu. O anfitrião se posiciona em frente a chaleira, braseiro e pote de água fria, tendo seu assistente (quando houver um) atrás de si, mais perto da porta.

Ao aprender-se as posições a serem tomadas dentro da sala, passa-se às reverências. Há três tipos: o formal (shin), o semi formal (gyo) e o informal (so). No shin inclina-se o tronco até o ângulo mais agudo, isto é, posiciona-se a cabeça o mais perto do tatami, e as mãos, em triângulo à frente do corpo, tocam o tatami inteiramente. É usado quando cumprimenta-se alguém superior. Gyo é uma posição intermediária entre shin e so - o tronco não se inclina tanto e só os dedos das mãos (e não as palmas) tocam o tatami. É usado quando cumprimenta-se alguém de igual status. Em so o corpo inclina-se pouco e só as pontas dos dedos das mãos tocam o tatami. É usado em situações em que o outro é inferior ao praticante. Portanto, quando o anfitrião cumprimenta o primeiro convidado ele usa a reverência gyo, enquanto este último usa shin. Entre convidados a reverência usada é gyo.

129

A questão do status é fundamental na cultura japonesa em geral, pois ela guia o comportamento interpessoal. Haja vista a troca obrigatória de cartões de visita (meishi) quando duas pessoas são apresentadas. Só a partir do momento em que se sabe a posição que o outro ocupa na hierarquia social é que se pode saber que tipo de reverência fazer e que linguagem usar com o outro (a língua japonesa também utiliza estas categorias formal, semi formal e informal). Este aspecto da cultura é expresso na sala de chá de uma maneira clara e física. O espaço do chashitsu seria portanto uma metáfora do espaço social, onde as relações entre as pessoas seguem os padrões das relações da sociedade exterior.

As técnicas de movimento são igualmente explícitas e devem ser seguidas cuidadosamente. As regras de entrada, saída, caminhar, girar e sentar são as mesmas para todos os participantes. Sempre que se entra na sala usa-se o pé direito. Não se pode pisar nas linhas negras entre os tatamis. Cruza-se cada linha também com o pé direito. Ao sair-se da sala, usa-se o esquerdo e cruza-se as linhas pretas com o esquerdo. Ao virar-se para sentar-se, a pessoa deve fazê-lo na direção contrária aquela da pessoa de maior status. Assim, o segundo convidado vira-se para a direita se o primeiro convidado estiver sentado a sua esquerda. Apenas o primeiro convidado vira-se para a esquerda, já que entra na sala em primeiro lugar. Em meio a cerimônia, ao sair de seu lugar no tatami, cada convidado deve usar o pé direito e ao entrar novamente o pé esquerdo, contrariando a regra básica de entrada e saída. Deste modo o convidado demonstra humildade, o lugar que ocupa no tatami não é tão importante que ele deva adentrá-lo com o pé direito.

A idéia da humildade está sempre presente na cultura japonesa em geral e onipresente na cerimônia do chá. Como vimos nos capítulos anteriores, ela tem origem

nas

idéias

zen-budistas

e

no

conceito

de

wabi,

marcado pelo

desprendimento das coisas terrenas, designando algo que, apesar de possuir uma aparência pobre, é profundo pois deixa à mostra sua essência. Tanto os objetos utilizados como a atitude dos participantes devem incorporar este conceito. Por conseguinte, em relação a hierarquia nota-se que ela é construída dentro da sala de chá e não necessariamente corresponde àquela que existe na sociedade exterior. O primeiro convidado não necessariamente ocupa um cargo mais alto do que o segundo convidado. Ele foi convidado pelo anfitrião e tem o direito de escolher seus companheiros de cerimônia.

130 Esta inversão da hierarquia ocorre apenas em chajis69, reuniões completas de chanoyu. Quando se vai a uma demonstração de chanoyu, ou chakai70, com centenas de pessoas, a posição social, a idade, o sexo e o conhecimento desta arte são os critérios de escolha para o primeiro convidado. Nesta situação, ocorre geralmente uma competição invertida: todos querem ser humildes e deixar que outros tomem a posição de primeiro convidado. Por alguns longos minutos em que a fila para entrar na sala se forma, os candidatos naturais a “primeiro convidado” se degladiam em mesuras cedendo seu lugar a outro. O mesmo se passa no cotidiano japonês. No momento de passar por uma porta, dois homens ou duas mulheres71 ficarão um bom tempo discutindo cortesmente quem não passará primeiro, isto é, quem será mais humilde que o outro. Como a humildade é um valor positivo, na verdade está se discutindo quem é mais educado que o outro, e assim, superior ao outro.

Outra maneira de demonstrar humildade na sala de chá é que ao colocar no tatami a tigela de chá preparada, o anfitrião coloca a frente desta (marcada geralmente por um desenho decorativo) para o convidado. Este, ao recebê-la gira a tigela duas vezes (1/4 de volta a cada vez), até que sua frente dê para o anfitrião, para só então poder beber o chá. Ambos manuseiam a tigela com a frente virada para o outro.

Todo

este

aprendizado

detalhado

de

comportamento

não

é

feito

inconscientemente. Se o aluno é japonês muitos dos aspectos aprendidos com o chanoyu já haviam sido assimilados e naturalizados na sociedade exterior. Porém, se este é descendente de japoneses morando no Brasil, nem sempre esta assimilação de valores tradicionais japoneses ocorreu. Tendo entrado em contato

69

Para uma descrição de um chaji ver item 3.5 Diferenças de Aprendizado e Conteúdo

70

Diferentemente do chaji, que tem no máximo cinco convidados e tem quatro horas de duração, o chakai é público. Com um número de convidados que pode variar entre 50 e 2000 num mesmo dia, é preciso que o ritual seja abreviado. Geralmente divide-se as várias etapas do chaji em diferentes salas nas quais os convidados se alternam. Numa sala serve-se uma pequena refeição (tenshin) como alusão à longa e detalhada refeição do chaji (kaiseki). Em outras salas prepara-se o chá forte (koicha) e o fraco (usucha). Os chakai acontecem em comemoração de eventos sociais e religiosos (fim do ano, ano novo, dia das meninas, apreciação da lua, etc.) Ver item 3.5 Comemorações e Festas para mais informações. 71

Se houver um homem e uma mulher, o homem passará em primeiro lugar. Os homens têm ascendência no Japão.

131 com as regras de comportamento tradicionais japonesas anteriormente ou não, o reforço da educação é sem dúvida feito nas salas de aula.

A sala de aula torna-se um lugar onde aprende-se as regras do rito, para que depois seja possível exercê-las nas festas (expressas nas formas de chaji ou chakai), onde os ritos realmente acontecem. “Pelos ritos, os homens expressam, afirmam e reafirmam a sua solidariedade e sua interdependência (...) a fim de garantir a ordem ideal do universo: um sistema de pensamento em que o mundo é apresentado como um todo ordenado. (...) Contudo, nenhum rito expressa diretamente o comportamento social, (...) não pretendem expressar as regras, mas atualizar e reforçar uma estrutura de pensamento a que o comportamento cotidiano está submetido.” (Rodrigues, 1983:134 - 135)

Por conseguinte, a educação do corpo nas aulas é bastante consciente, o professor “atualiza e reforça” o que já deveria ter sido internalizado na infância do aluno. Tendo em vista que a esmagadora maioria dos alunos no Brasil são adultos (ver item 2.2.3), todo este aprendizado corporal é feito explicitamente. É preciso atualizar os fragmentos da memória japonesa que eles carregam consigo.

132

3.4 Procedimentos Para Aprendizagem do Chanoyu

"O chanoyu é transmitido através do coração, dos olhos, dos ouvidos, sem que seja proferida uma única frase."72 (Urasenke Newsletter, n. 38, 1984)

Todo aprendizado no Japão funciona por imitação. O mestre ensina um determinado kata (lit. "forma") ao discípulo, que deve repeti-lo a exaustão até que possa passar a um kata mais elaborado. O kata nada mais é do que a forma que traz consigo o espírito de uma disciplina - o katachi (lit. "coração dentro da forma"). Só depois de anos seguindo os passos do mestre é que o aluno estará apto a compreender o katachi, isto é, o significado, o espírito da ação. Enquanto o kata é visível, o katachi é invisível. As artes marciais, o teatro kabuki e noh, a caligrafia, enfim, as artes tradicionais em geral, também fazem uso dos kata para transmitir sua tradição. No chanoyu o modelo de transmissão de conhecimento e treinamento ocorre da mesma maneira: os alunos imitam os gestos e atitudes do professor e ouvem o que ele diz.

Em Urasenke o ensino do chanoyu é dividido em três aspectos. Há em primeiro lugar o do, ou caminho73, o que faz da arte ser uma disciplina espiritual, em segundo lugar o jitsu, ou a prática desta arte e, por fim o gaku, ou conhecimento intelectual. O jitsu refere-se ao kata, a forma referida acima. O gaku envolve tudo que é conhecido como “chado bunka” (lit. “a cultura do chá”), isto é, a história da 72

O dito é atribuído a Sen Sotan, neto de Sen Rikyû, e portanto, terceiro grão-mestre. O chanoyu, uma arte considerada como uma prática laica do zen-budismo, destitui as palavras do poder que elas detém no ocidente. Tal qual no zen-budismo, a transmissão do conhecimento deve dar-se de mente à mente, isto é, de coração a coração (coração, mente e espírito são chamados de shin ou kokoro em japonês, e portanto são considerados o mesmo), sem a interferência de escrituras. 73

Daí o termo chado. Este é o aspecto espiritual do aprendizado, indica que é um caminho que se deve seguir durante a vida com o fim de alcançar a iluminação. Muitas outras artes tradicionais japonesas têm este aspecto: o shodo, ou o caminho da caligrafia, o kado, ou caminho das flores, o kendo, ou caminho das espadas, o kodo, ou caminho do incenso, e etc.

133 escola, dos grão-mestres e mestres do chanoyu, suas preferências de utensílios, história destes utensílios e das famílias que os produziram, seu significado simbólico, etc. Unindo-se estes três aspectos - espiritual, formal e intelectual aprende-se a ser um verdadeiro chajin, isto é, um indivíduo que vive para o chanoyu. Obviamente o aprendizado do chanoyu leva uma vida inteira até que o aluno esteja apto a caminhar com desenvoltura por todo este universo simbólico. É por esta razão que se trata de um caminho, algo que se aprende enquanto se vive. Não importa a chegada, mas percorrer o caminho.

O aspecto jitsu é concretizado nas aulas práticas chamadas keiko. O método de aprendizado é igual no Japão e no Brasil: partindo do kata mais simples vai-se lentamente colocando mais dificuldades a cada novo temae aprendido (lit. "apontar à frente", isto é, a ação que se desenrola a frente do anfitrião, seus gestos encadeados para a preparação do chá). Os alunos praticam repetidas vezes o mesmo temae, e sua contrapartida - o papel de convidado - até que possam passar a outro temae mais avançado. Contudo, no começo o aluno tem que aprender tantos detalhes que o temae ensinado funciona mais como uma maneira de acostumar o corpo ao novo ambiente, de moldá-lo plasticamente, do que para servir o chá propriamente. É mais um pretexto para assimilação da quantidade enorme de informações que o aluno tem que digerir.

Nas primeiras aulas práticas o aluno aprende o warigeiko, isto é, os gestos e comportamento básicos para a permanência na sala de chá. Entre os gestos do temae aprende-se a dobrar o fukusa (pano para purificar os objetos), purificar os utensílios e segurá-los corretamente. No item comportamento aprende-se a entrar na sala, a caminhar, a girar para o lado certo, sentar-se e fazer reverências formais, semi-formais e informais.

Em seguida o aluno une todos os elementos que aprendeu para fazer seu primeiro temae completo - o ryakubon. Dentro da sala de aula há três papéis que os alunos exercem e se revezam: anfitrião, convidado e observador. Como anfitrião ele deverá escolher seus utensílios (de maneira apropriada para a época do ano e temae exercido) e deverá preparar o chá. Como convidado ele recebe os doces e chá do anfitrião e deve perguntar-lhe sobre as escolhas e história dos objetos. O papel de observador não é passivo. Ele segue a ação repassando em sua mente os passos do temae como se estivesse no papel do anfitrião ou convidado. Revezandose entre os dois papéis ativos da cerimônia - convidado e anfitrião - a primeira

134 noção de interdependência e harmonia é dada sutilmente: sem a presença de um dos dois personagens não há chanoyu.

Do aluno novato espera-se apenas que traga para a aula seus utensílios básicos (fukusa, sensu [leque], kaishi [guardanapos de papel japonês] e kobukusa [pano para segurar tigelas de chá quente]) e que esteja vestido de maneira apropriada (kimono ou roupas ocidentais, atentando para a saia abaixo dos joelhos para mulheres e um par de meias brancas para todos). Os alunos mais antigos (sempai) ajudarão nos preparativos para o temae. Depois de algumas aulas o aluno começa a preparar seu próprio temae. Após algum tempo ele começa a ser convidado para ajudar nos chakai (demonstrações) e percebe que há muitas atividades envolvidas além da preparação do chá em si.

Concomitante às aulas práticas, o aluno pode começar a ajudar na preparação para a aula ou na limpeza da sala após a aula. Este trabalho chama-se toban e deve ser feito com o mesmo espírito com que se aprende o chanoyu. Toda atividade, mesmo a mais humilde como limpar os tatami, é vista pelo zen-budismo como uma via de acesso à iluminação (satori). O toban antes do keiko inclui: peneirar o chá, colocá-lo no natsume e chaire (respectivamente, potes de laca e cerâmica para o chá), colocar os doces em seus pratos e bandejas, preparar o fogo, encher os mizusashis de água, colocar o braseiro no tatami e preparar as flores no vaso apropriado. Após a aula é preciso retirar o fogo do braseiro, removendo todos os pedaços de carvão, limpar todos os utensílios, esvaziar natsume, chaire e mizusashi e limpar os tatami com pano úmido74. Através do toban o aluno aprende não só disciplina e humildade, mas também como é a atividade “por trás dos bastidores”, isto é, tudo que é preciso para se fazer um chakai ou um chaji. Sem este trabalho anterior e posterior, o aluno conhece somente o que se passa no palco, sob as luzes e olhares dos convidados.

Na sala de chá não é permitido o uso de papel e caneta e não se recomenda 75

o aprendizado através da leitura . O chanoyu é basicamente uma arte de tradição 74

Na sede de Urasenke, em Quioto, há aulas teóricas nos cursos profissionalizantes (ver item 3.1.3). Para aulas teóricas o toban é feito num sistema de rodízio de uma dupla de alunos para cada semana. Antes da aula ele inclui: limpar a lousa, verificar a existência de giz, preparar chá e oshibori (toalha úmida quente) para o professor. 75

Há uma série de livros e revistas publicados por Urasenke nos quais há fotografias da sequência de gestos dos temae. O aluno pode consultá-los antes da aula prática para que possa aprender o temae de antemão. Mas a seqüência não é fotografada exatamente passo

135 oral. É um conjunto de linguagens verbais e não-verbais, transmitidas através da comunicação corporal e oral entre professor e aluno. Não se deve anotar a seqüência do temae em aula pois acredita-se que isto distrairia o aluno. Ele não aprenderia com seu corpo, mas com a mente, o que é visto, no Japão, como obstáculo para a memorização: “O corpo (não a mente) deveria saber o que fazer.” (Mori, 1988: 102) Entretanto, nas aulas teóricas ou em palestras que versam sobre o chado bunka (“a cultura do chá”) o aluno pode tomar notas, já que não se trata de aprendizado de comportamento corporal.

O aspecto gaku é ensinado oralmente, com aulas teóricas, palestras ou durante uma aula prática em que o professor se refere ao chado bunka (as vidas dos grão-mestres e mestres do chanoyu do passado, suas preferências de utensílios, estórias destes utensílios e das famílias que os produziram, o significado simbólico dos jiku, dos temae e dos utensílios, a vida dos mestres zen e sua atuação no chado)

O aprendizado de todos estes fatos é cíclico: os conteúdos simbólicos são transmitidos ao longo do ano, quando a ocasião se apresenta. A cada estação do ano, e mais precisamente, a cada dia, há eventos sociais e religiosos que marcam a cultura japonesa e são celebrados no chanoyu. Desta maneira, o simbolismo de cada objeto, temae a ele associado, doces, comida, caligrafia, flores, etc são ensinados através das atividades relativas a esta comemoração específica numa determinada época do ano, e repetidos todos os anos naquela ocasião.

Se o aprendizado for feito no Japão há mais o que aprender: a cerimônia exige um ritmo próprio, aprende-se a respirar de maneira correta (quando se retira as peças do tatami inspira-se, quando as colocamos de volta expira-se), a saber a proveniência dos utensílios, escolhê-los e dar-lhes nomes poéticos de acordo com as estações do ano e temas da poesia aristocrática pré-medieval (waka), a identificar o jiku pendurado na sala que indica o tema do dia76. Há, ainda, o a passo, muitos detalhes são omitidos. Portanto, para aprender o temae completo o aluno precisa da presença do professor. Ver no anexo exemplo de manual com fotografias do temae passo a passo. 76

O jiku é um rolo de caligrafia em que frases de monges zen ou extratos de poemas japoneses são inscritos. Ele estabelece uma comunicação sem palavras entre o anfitrião e o convidado. É como se o anfitrião lhe dissesse: "Com isto no meu coração estou fazendo o chá para você." Depois de vê-los sucessivas vezes ao longo dos anos, o aluno aprende a compreendê-los.

136 aprendizado do chabana (arranjo floral) que, diferentemente do ikebana, deve ser feito sem ajuda de arames ou qualquer artificialidade. As flores devem ser colocadas no vaso assim como se encontram na natureza. Como a primeira parte de um chaji (uma reunião completa e formal de chá) é uma longa refeição, os 77

alunos aprendem também a culinária tradicional japonesa, denominada kaiseki . Quando já se aprendeu todos os aspectos do chanoyu é o momento de se planejar e fazer um chaji. Existem sete tipos de chaji78, um para cada hora do dia e estação do ano, e o aluno aprende como fazê-los conforme a estação em que se encontra.

O aspecto do é atingido pela união entre a prática do temae e do conhecimento da simbologia do chado bunka. Fazer o temae funciona como uma meditação zen: “A prática do temae (como da meditação) objetiva a libertação da mente das preocupações do corpo, e a construção da consciência do ambiente através da concentração.” (Mori, 1988: 37)

Quando o anfitrião está fazendo seu temae ele deve atentar para três pontos principais: a posição de seu corpo e dos utensílios no tatami (ichi), a seqüência dos gestos (junjo), e o movimento que está fazendo com seu corpo (dosu). Quando manuseando qualquer utensílio, é importante que a mente esteja vazia (lit. mushin, um termo caro ao zen-budismo) para que o utensílio e quem o manipula sejam um só. Somente quando se memorizou estes três pontos acima citados é que a mente pode esvaziar-se para que o kokoro (espírito/mente/coração) venha à tona. O anfitrião não deveria tentar fazer um temae belo, que suscite elogios dos convidados, mas um temae que se descole dos movimentos seqüenciais e se transforme numa troca entre anfitrião e convidados, algo que os una no plano espiritual.

Além da via espiritual, o aprendizado do chanoyu abarca um espectro mais amplo de valores a serem adquiridos. Vivendo os papéis de convidado e anfitrião, os

77

Nome originado devido às pedras quentes que os monges zen colocavam no estômago no inverno para aplacar a fome e o frio enquanto meditavam. No chanoyu, contrariamente do hábito exercido no mundo exterior, a refeição não deveria ser luxuosa, mas deveria ser um meio de comunhão entre convidado e anfitrião. (Kumakura, 1989: 59) 78

Ver Glossário no Anexo para descrição de cada tipo de chaji.

137 alunos aprendem não só a etiqueta apropriada da sala de chá mas, fundamentalmente, o comportamento adequado dentro da estrutura social japonesa: “O ensinamento da etiqueta é importante para continuar a socialização do indivíduo como adulto para exercer os papéis que se espera dele ou dela. (...) A relação anfitrião-convidado é a relação básica no chado e é uma relação recíproca desigual entre duas pessoas. (...) A relação anfitriãoconvidado é representada como um padrão ideal para se aprender a interação social, especialmente para mulheres em relação aos seus maridos, parentes e amigos.” (Mori, 1988: 84 e 93)

O processo de aprendizado também ensina o aluno a aceitar a realidade construída da sala de chá e por extensão da realidade japonesa. O aluno pode perguntar o significado das ações e objetos simbólicos, mas a resposta do professor nunca é questionada. É comum acontecer de dois professores diferentes darem respostas conflitantes para a mesma pergunta. Mesmo nestes casos, espera-se que o aluno não apresente tais contradições aos professores. Desta maneira o aluno aprende uma interpretação do mundo, uma maneira de colocar-se nele, vivendo papéis predefinidos. Este “mundo” diz respeito tanto ao chanoyu quanto à sociedade japonesa como um todo.

Igualmente, mesmo que o ensino do comportamento apropriado se dê verbalmente através de admoestações por parte do professor, há uma clara opção pela ênfase no ensino não-verbal, isto é, pela observação e imitação do comportamento. O ensino na sociedade japonesa também se dá desta maneira, por imitação, enfatizando a conformidade a valores preexistentes como a hierarquia e o wa (harmonia e cordialidade, mas que também significa conformidade e submissão).

138 Diz Barbara Mori: “Há uma relação dinâmica entre a cultura japonesa e a cultura do chado de tal maneira que cada uma transmite e enfatiza a outra.” (Mori, 1988: 340)

O chanoyu é, por esta razão, encarado como um importante meio de transmissão de valores da cultura japonesa, e por isto seu aprendizado tem sido tão valorizado desde o século XVI.

139

3.5 Diferenças de aprendizado e conteúdo

Para analisarmos como o chanoyu é feito no Japão e no Brasil, gostaríamos de partir da premissa de que:

"A construção da identidade étnica extrai assim, da chamada tradição, elementos culturais que, sob aparência de serem idênticos a si mesmos, ocultam o fato essencial de que, fora do todo em que foram criados, seu sentido se alterou. (...) a etnicidade faz da tradição ideologia, ao fazer passar o outro pelo mesmo; e faz da tradição um mito (...) os elementos culturais,(...) pelo rearranjo e simplificação a que foram submetidos,(...) se encontram sobrecarregados de sentido." (Cunha, 1987: 101).

De acordo com esta afirmação, os elementos do chanoyu trazidos ao país adquirem um significado próprio, diferente do significado que possuíam em seu contexto original. Contudo, desejando que estes simbolizem a etnia da qual fazem parte, os imigrantes e seus descendentes empenham-se por vê-los como se não houvessem sofrido modificações nesta vinda ao Brasil, imaginando, assim, por conseguinte, que eles mesmo não se modificaram em sua identidade japonesa. Há, sem dúvida, um

"(...) apego a alguns traços culturais que, enfatizados, preservam a identidade do grupo. Esse é um processo recorrente na afirmação étnica: a seleção de alguns símbolos que garantem, diante das perdas culturais, a continuidade e a singularidade do grupo." (Cunha, 1987: 116)

O símbolo escolhido para ser objeto de investigação deste trabalho, o chanoyu, serve de resistência da tradição cultural - e veremos a seguir como isto ocorre - ainda que muitos de seus elementos originais não estejam presentes no Brasil.

Na primeira parte deste item farei uma comparação entre o aprendizado do chanoyu no Japão com aquele do grupo B (representante oficial). Creio que seja

140 mais interessante comparar estes dois grupos por que há menos variáveis na transposição do chanoyu para o Brasil. Sendo o professor um representante oficial da instituição japonesa, as características de aprendizado e conteúdo que se alterarem serão devidas as condições especificamente brasileiras. Este é o grupo que mais se aproxima do ensino japonês. Fica, portanto, implícito que os outros dois grupos apresentam uma distância maior do método japonês. Na segunda parte desta seção procurarei comparar entre si estes três grupos brasileiros (grupos A, B e C), analisando suas diferenças e o que elas significam.

3.5.1 Diferenças entre Japão e Grupo B Devido ao xintoísmo, uma religião animista79, à tradição agrária japonesa e ao marcante contraste entre as quatro estações do ano, o tempo no Japão é medido em função da passagem destas estações. No mundo do chá a atenção às diferentes estações é de fundamental importância. Tudo gira ao seu redor. Há, inclusive, almanaques publicados (chamados saijiki) que dão exemplos de elementos simbólicos apropriados a cada estação. “Para cada estação são registrados, em ordem cronológica, os fatos ou objetos relativos a clima, fauna, flora, atividades profissionais, usos e costumes, comemorações religiosas (...)” (Suzuki, 1994: 24)

79

O conceito de “animismo” foi cunhado por Tylor para indicar uma etapa primitiva entre os supostos estágios evolutivos pelos quais a religião teria passado até tomar seu forma presente. Esta teoria evolucionista das religiões caiu por terra há muito. (Evans-Pritchard, 1978) O termo é empregado aqui sem qualquer implicação de juízo de valor ou tentativa classificatória, mas apenas para se referir a uma sociedade cuja religião mantém estreita relação com os fenômenos da natureza.

141

Ou ainda, como no poema de Dôgen, monge zen-budista do século XIII e fundador do secto zen sôtô: “Na primavera, flores de cerejeira no verão, o canto do cuco no outono, a lua e no inverno a neve, clara, fria.”80 (Mori, 1988: 76)

Mas, curiosamente, não se evoca a estação presente, esta já está nas ruas e não precisa ser trazida à lembrança. Evoca-se a que está por vir. Assim, por exemplo, em março, próximo ao fim do inverno, os utensílios e seus nomes poéticos, os doces, as flores, caligrafias, e kimonos femininos deverão já anunciar a primavera. Os motivos usados serão as cerejeiras em flor, as novas folhas verdes que já despontam, os pessegueiros que logo brotarão e os salgueiros, aquecidos pelo sol, nas margens dos rios81. A mudança das estações é a mais importante fonte de símbolos e temas do chanoyu. O chashitsu termina por reunir dentro de si uma combinação de princípios do zodíaco chinês de inspiração taoista, as diferentes fases da lua, as mudanças sazonais, os eventos sociais e religiosos. (Mori, 1988: 55)

Entretanto, quando se faz o chanoyu aqui no Brasil o problema logo se coloca: falta no país a demarcação clara entre as estações; na prática só distinguimos entre o inverno e o verão. Além disto, o brasileiro não saberia identificar flores, plantas, comidas e comportamento típicos de cada época do ano. Entre seguir as estações do ano no Japão e seguir as daqui, os imigrantes japoneses caem num emaranhado de escolhas aleatórias. Apesar de usarem os 82

utensílios de acordo com as estações do ano brasileiras , as outras características

80

“In the spring, cherry blossoms in the summer the cuckoo In autumn the moon and in winter the snow, clear, cold” (Tradução livre para o português do poema citado em Mori, 1988: 76) 81

82

Ver anexo para exemplos de saijiki de março.

O ano do chanoyu é dividido basicamente em duas partes: ro, ou braseiro colocado dentro de uma abertura quadrada no tatami, usado no inverno; e furo, braseiro colocado em cima do tatami, originário da China, usado no verão. Esta divisão básica facilita o uso, no Brasil, de

142 sazonais, os doces e flores e caligrafias, ficam à deriva, às vezes recorrendo à tradições brasileiras outras à japonesas. Conseqüentemente, o simbolismo existente na demarcação da passagem do tempo circular e o aprendizado de uma relação mais íntima com a natureza, que norteiam muitas das ações no chanoyu, perdem seu sentido. “Em meio a tais condições (brasileiras), por mais que se tente desenvolver um sentimento sazonal aguçado, acho que seria forçar a natureza. (...) Os japoneses de primeira geração, por saudades (...) estão adotando como termos sazonais as palavras relacionadas às estações japonesas.” (Miyao, 1994:28)

Decorre desta situação o fato de que os outros elementos simbólicos são também pouco usados ou mesmo ausentes.

O jiku (caligrafia), pendurada no tokonoma (um nicho em uma das paredes da sala), traz um pensamento zen e dá o tema do dia. Diante dela os alunos perguntam ao professor seu significado e acabam por entrar em contato com o zenbudismo. O jiku é pouco utilizado nas aulas no Brasil e mesmo quando o é, passa muitas vezes ignorado pelos alunos e professores. Uma possível razão para este fato é que poucos isseis, e um menor número ainda de nisseis têm capacidade de lê-los. A escrita de um jiku é feita em letra estilizada, seguindo a inspiração do calígrafo, de maneira que só quem lida com eles freqüentemente consegue distinguir os ideogramas escritos. Além disto, as mensagens estão relacionadas a poemas aristocráticos ou a frases zen, e a maioria dos imigrantes e seus filhos brasileiros não recebeu uma educação que se aprofundasse desta maneira na cultura tradicional japonesa. Contudo, se a compreensão do jiku fosse considerada essencial, o próprio professor daria instruções para que as professoras se inteirassem de seu significado antes das aulas e chamassem a atenção dos alunos para este fato. O jiku aparece, todavia, com lugar de destaque nas ocasiões festivas, ou/e formais, onde comemora-se o aniversário de morte (memoriais) dos mestres do chanoyu (ver item 3.6). Nestas ocasiões, o chá é oferecido no altar que se encontra sob o jiku, ocasião que assume uma relação clara com a religião.

utensílios de acordo com o braseiro a ser utilizado. O período de ro no Japão (de novembro a abril) é transformado em furo no Brasil, e vice-versa.

143 Temos uma hipótese para a pouca ênfase do aspecto espiritual do chanoyu no Brasil: as religiões japonesas, e em especial o zen-budismo, nunca estiveram muito presentes na vida do imigrante.

"Quase nenhum pregador do budismo ou outras religiões veio ao Brasil anteriormente a Guerra. (...) razões (...) medidas proibitivas tomadas por parte do governo japonês porque a 'vinda de bonzos pode fornecer provas da não integração dos japoneses, justamente agora que o assunto está em baila neste país' (...) foi o parecer do Ministério das Relações Exteriores." (Maeyama, 1967: 84)

Para agravar este fato, segundo o mesmo autor, os imigrantes homens que para cá vieram não eram filhos primogênitos. Devido à descendência pela primogenitura no Japão, os filhos mais velhos herdavam as propriedades familiares bem como a responsabilidade de cuidar do bem estar da família (Ie) e de cultuar os antepassados83. Com tantos deveres sobre seus ombros, não deveriam emigrar. Resulta disto que os outros filhos que deixavam o país não estavam encarregados de promover ritos religiosos para os antepassados, e portanto, não traziam consigo uma religião internalizada, só recorrendo à ela nos momentos de morte de algum membro da família que estivesse no Brasil.

A partir do fim da segunda guerra mundial, devido praticamente às mesmas razões encontradas para a divulgação do chanoyu no país neste momento - a ascensão econômica dos imigrantes, a decisão de permanecer definitivamente no país e a aproximação da velhice - várias religiões japonesas, entre elas o budismo, xintoísmo e as chamadas "novas seitas", de inspiração xintoísta e xamanística, começaram suas atividades mais intensas de pregação. Nesta época foram 84

construídos vários templos na cidade . (Maeyama, 1967: 84-112). 83

“Apenas o chefe da família no sentido de Ie (lar) ou seu herdeiro tinham o direito e obrigação de proceder ao culto dos antepassados.” (Maeyama, 1967: 89) 84

Em São Paulo existe somente uma seita zen-budista, a Soto Shu, cujo templo foi fundado em 1955 e ainda hoje é a sede para a America Latina. Sua fundação ocorreu com o envio de um monge superior (roshi) pelo templo sede da seita - Eiheiji - localizado na província de Fukui, no oeste do Japão. Apesar do fato de que o edifício atual (Rua São Joaquim, 285) ter sido adquirido através de contribuições da colônia japonesa em São Paulo, e de que o chanoyu no Japão tem uma ligação íntima e histórica com o zen-budismo (diz-se comumente que o chá e o zen têm o mesmo gosto), não há ligação maior dele com os estudantes de chanoyu da cidade. Este afastamento tem uma razão de ser: o chanoyu no Japão é ligado a uma segunda seita zen, denominada Rinzai. Entretanto, tendo em mente o poder que o zen exerceu e exerce sobre esta arte é de se admirar que o chanoyu não

144

Portanto, se a religião não fazia parte do repertório dos imigrantes, fica compreensível o fato de que as mensagens zen-budistas dos jiku não são plenamente utilizadas. A prática do chanoyu no Brasil toca a prática religiosa no ponto onde o autor identifica como o único significativo da religião entre os imigrantes: o culto aos antepassados. No Brasil, apenas nas ocasiões festivas de memorial de antigos grão-mestres é que se vê o incenso, o jiku, o altar, suas oferendas, e o chá sendo preparado de maneira ritual e cerimoniosa. Durante o curto momento de preparação do chá que será colocado no altar, quando o barulho e a conversa animada que caracteriza estas festas cessa, sente-se que algo mais profundo e sentido para os imigrantes e descendentes está se passando. Mas logo após a preparação a platéia se dispersa e o burburinho volta à tona.

Uma outra atividade que liga a prática do chanoyu ao zen-budismo é feita esparsamente aqui: o zazen, ou meditação zen. Enquanto no Japão as aulas de Urasenke sempre começam com uma sessão de meditação de aproximadamente quarenta minutos (divida em dois períodos de vinte minutos cada)85; aqui ela é feita, por dez minutos, antes das aulas do grupo B. Ainda assim não são todos os alunos que participam dela. Não sendo obrigatória e ocorrendo somente no começo do dia, ou bem assistem aulas neste horário, mas escolhem não fazê-la, ou bem vêm a tarde e a noite e são alheios a sua existência.

As escolha das flores para o chanoyu tem regras bem determinadas: não se pode utilizar flores de plantas que dêem frutos comestíveis (em tese anularia-se a possibilidade deste fruto saciar a fome de alguém), que sejam exóticas, demasiadamente coloridas ou que tenham forte odor (atrairia a atenção para a flor e

tenha trazido de alguma maneira a seita Rinzai para o país, ou que completamente ignore o templo vizinho. Atualmente, com o renovado interesse pelo zen, a sede foi reformada e atividades em português foram programadas. Entre elas estão palestras sobre o budismo, introdução ao zazen (meditação), cursos de ikebana e cerâmica. Curiosamente o chanoyu não faz parte destas atividades. Segundo o Sr. Kiyoshi Ito, membro da diretoria desta comunidade Budista, a proporção de alunos não-descendentes e aqueles descendentes apresenta um fato sintomático. A maioria dos praticantes de zazen é composta de brasileiros nãodescendentes, enquanto que a maioria daqueles que frequentam a "missa" (sic) aos domingos é composta de imigrantes e descendentes. Estas informações confirmam o que vimos no segundo capítulo, no qual tratamos da população que se dedica ao chanoyu. Enquanto os brasileiros não-descendentes são atraídos primordialmente pelo lado religioso e espiritual desta arte, aos imigrantes de seus descendentes interessa o ambiente de encontro e o aprendizado dos temae, isto é, os aspectos de sociabilidade e socialização. 85

Ver item 3.1.3

145 denotaria vaidade por parte do anfitrião), que não tenham estação definida, isto é, floresçam o ano todo (exatamente porque não demarcam o tempo), que tenham nomes que lembrem algo de ruim, que sejam de plantas venenosas ou que tenham espinhos.

Estas regras não são seguidas no Brasil. Rosas, flores impensáveis - devido aos espinhos - em chashitsu (sala de chá) japoneses, são usadas em abundância nas ocasiões festivas brasileiras, geralmente em arranjos ocidentais, que procuram a simetria e preenchimento do espaço em sua totalidade, numa situação oposta às regras estéticas orientais. Provavelmente uma causa da não observância das regras em relação ao chabana (arranjo floral para o chanoyu) seja a dificuldade de se encontrar uma equivalência das flores sazonais japonesas para as brasileiras. Ao contrário, quando se trata de flores japonesas que existam também no Brasil, como a camélia e a azaléia, elas são usadas de acordo com os preceitos sazonais japoneses. Assim a camélia, flor de inverno no Japão, é usada aqui não no inverno, mas no fim do verão e começo do outono. Isto gera uma confusão na comunicação. Esta flor simboliza a força e coragem que existe em florir no inverno, sob a neve, ao mesmo tempo que invoca pureza e fragilidade (ela se desprende do galho com qualquer movimento mais brusco). Como traduzir estes significados a 250 C? Acontece com a camélia o que também acontece com vários outros elementos polissêmicos do chanoyu japonês - ela perde estes significados simbólicos tradicionais e adquire outros que dizem respeito às pessoas que fazem o chanoyu aqui. Ela torna-se somente o tsubaki (“camélia” em japonês), "a flor do Japão", que é usada enquanto algo que remete ao país de origem, uma lembrança saudosa deste, funcionando tal qual a imagem do Monte Fuji nas folhinhas tão presentes nas casas japonesas no lugar de quadros. Todos estes aspectos simbólicos usados despreedidos de seus significados originais e da realidade exterior a eles, atuam como simulacros do que os imigrantes e descendentes entendem por Japão. “O olfato está associado a uma série de preocupações sociais: beleza, status, afirmação (...)” (Rodrigues, 1986: 105)

Deste fato resulta a proibição do uso de perfumes na sala de chá. Só o incenso, que tem uma função religiosa de purificação, é permitido. Esta interdição decorre da filosofia zen-budista subjacente ao chanoyu que pede o desapego às

146 coisas mundanas e materiais, incluindo a idéia de indivíduo. Acredita-se que os seres humanos têm a mesma origem e formam um todo com a natureza. Nem a diferenciação social nem a vaidade deveriam estar presentes no espaço do chá. Nele só deveriam habitar a humildade e a igualdade.

Pelo mesmo motivo adornos como anéis, pulseiras, colares e brincos são proibidos no interior do chashitsu. A mais emblemática destas interdições é a proibição do uso de relógios. Ao se praticar o chanoyu entra-se num tempo e espaço sagrados, não se deve, portanto, tocar em nada que nos remeta ao tempo e espaço mundanos que deixamos para trás. Mas há também uma razão histórica para estas interdições. Até hoje no Japão, o cabelo é o única parte do corpo feminino que deve ser adornada quando se veste kimono. Os brincos, colares e pulseiras entraram no país juntamente com as roupas ocidentais. Algumas “novidades ocidentais” como brincos, permanente e tintura para os cabelos, apesar de serem extremamente populares entre as mulheres adultas e até homens (no caso da permanente e tintura), ainda são proibidas para meninas antes do colegial. Num ambiente em que se quer exatamente preservar a tradição, em que todos deveriam estar vestindo kimono, não faz sentido a entrada de elementos visivelmente ocidentais e profanos. No Brasil, com a pouca ênfase na origem zenbudista do chanoyu, e o uso disseminado das roupas ocidentais mesmo em aula, apenas o uso de relógios é algumas vezes passível de sanção. Mesmo nas ocasiões festivas, quando vestem seus kimonos, as mulheres imigrantes e descendentes não atentam para a proibição do uso de adornos como colares, pulseiras e brincos juntamente com o kimono.

Outro aspecto a ser aprendido nas aulas de chanoyu é a escolha de cada utensílio para a formação de um conjunto. Mesmo na cozinha japonesa esta preocupação é aparente: os pratos, tigelas e tigelas não devem ter a mesma forma, textura ou cor e devem ser escolhidos de acordo com a época do ano. No verão usa-se materiais transparentes, como os cristais, para que criem uma sensação de frescor. No inverno, ao contrário, escolhe-se utensílios fundos, de cerâmica grossa, que traduzam a sensação de aconchego.

No chanoyu a escolha vai mais além. Há princípios estéticos que a norteiam: assimetria, uso do espaço vazio, wabi (solidão, reclusão, pobreza, rusticidade, beleza do despretensioso), sabi (objetos devem inspirar antigüidade, dignidade, quietude), shibui (beleza não aparente à primeira vista, enevoada, não óbvia) e furyu

147 (apreciação e união com a natureza, que leva a uma paz quieta). Utensílios que sejam wabi devem ser contrapostos aqueles que sejam refinados e elegantes, provavelmente vindos da China. A um chawan (tigela de chá) de cerâmica grosseira japonesa, contrapõe-se um recipiente para água fria de porcelana chinesa. O contraste de materiais, texturas, formas e cores dá destaque à essência de cada utensílio sem que nenhum se sobreponha a outro, sem criar cacofonia.

Fora da sala de aula, quando se oferece um chaji, as escolhas também envolvem, além das estações do ano e dos princípios estéticos, o tema escolhido para a cerimônia. O tema é a mensagem simbólica que o anfitrião passa ao convidado. A seleção dos utensílios, de seus nomes poéticos, da caligrafia, das flores e dos doces deve suscitar no convidado as sensações que o anfitrião quer comunicar. À esta seleção e reunião de utensílios dá-se o nome de toriawase. Este é um dos aspectos mais difíceis de serem aprendidos, pois implica profundo conhecimento das regras de combinação, da história, da simbologia e do material de que são feitos os utensílios. “Os utensílios empregados são uma preocupação para os alunos e professores porque a sua existência determina o tipo de temae a ser ensinado. O uso do utensílio (como, quando e o que) faz o conteúdo da aula. Os tipos de utensílios variam de acordo com a estação, a ocasião, seu número e a habilidade do aluno.” (Mori, 1988: 76)

Decorrente da falta de utensílios e de conhecimento mais aprofundado daqueles existentes, fica muito difícil exercer o toriawase em sua plenitude no Brasil. As escolhas se dão unicamente em relação ao temae (gestos encadeados da cerimônia) a ser feito. Os professores determinam qual temae será feito em cada aula e cada temae exige utensílios específicos. Geralmente os próprios alunos escolhem um conjunto de utensílios a serem usados antes de começar a aula. O aluno seguinte apenas lava os utensílios usados pelo primeiro e faz o seu temae com o mesmo conjunto. No Japão cada aluno escolhe seus próprios utensílios dentro de uma gama maior de escolhas possíveis e os professores assinalam em aula as imperfeições e acertos de cada escolha. Desta maneira os alunos aprendem a fazer a combinação correta de utensílios entre si com as estações do ano e eventos ligados ao mundo do chanoyu.

148 Outra dificuldade decorrente da falta de utensílios é que sem determinados objetos não é possível aprender temae mais elevados. Sendo assim, os professores, especialmente dos grupos A (mais antigo) e C (da USP), ensinam apenas os temae básicos, para os quais existam utensílios no Brasil. O professor do grupo B (representante oficial) traz seus utensílios de casa se eles forem imprescindíveis para a aula dos alunos mais avançados.

Devido à falta de remuneração apropriada e de um canal aberto com Urasenke, o grupo A tem dificuldades em obter o chá em pó. Consequentemente, mesmo em temae onde se aprende o koicha (chá forte), nos quais o chá é diferente e usa-se uma quantidade maior de pó, o que se faz na realidade é um usucha (chá fraco), que utiliza um pó mais barato e em menor quantidade.

Igualmente os doces, comprados na Liberdade (bairro japonês em São Paulo), não se diferenciam ou possuem nomes poéticos conforme a estação. Com doces sazonais os alunos japoneses aprendem as diferentes comemorações de cada época, as flores, frutas, pássaros, e mitos correspondentes a cada dia do ano. Os alunos experienciam a passagem do tempo e a constante volta deste tempo mítico, circular. Tudo se organiza em função dele. No Brasil, apesar deste aspecto simbólico não ser trabalhado, muitas vezes as alunas contribuem trazendo doces japoneses feitos em casa para serem usados em aula. Não são necessariamente doces para o chanoyu, nem sazonais, mas indicam a importância que o grupo de chá tem para seus membros, que se dão ao trabalho de confeccionar doces para a aula.

Por fim, tudo o que se aprende nas aulas de chanoyu deve ter basicamente um objetivo: fazer um chaji. Um chaji86 é uma cerimônia de aproximadamente quatro horas dividida em duas partes. Na primeira o anfitrião recebe os convidados, prepara o fogo (há uma cerimônia específica, shozumi, para colocar o carvão e incenso no braseiro), e serve uma refeição onde vários pratos se sucedem. A seqüência dos pratos segue uma forma rígida, mas cabe ao anfitrião escolher os alimentos de acordo com o gosto do convidado, a estação do ano e o tema da reunião. Ao fim desta refeição chamada kaiseki, um doce é servido individualmente, já anunciando a segunda parte da reunião, quando finalmente o chá será preparado. 86

Para descrição mais detalhada de um chaji ver: Anderson, J. An Introduction to Japanese Tea Ritual - 1991 State University of NY Press, Albany pp 129-201.

149 Em seguida há um intervalo de meia hora no qual os convidados podem sair ao jardim para caminhar. Findo o descanso, o gongo soa e todos entram novamente na sala para a segunda parte da reunião. A sala encontra-se a meia luz, as janelas foram cobertas com papel de arroz, o anfitrião colocou um arranjo de flores no tokonoma, onde na primeira parte da reunião encontrava-se apenas uma caligrafia. Tudo está limpo e impecável.

A segunda parte é o momento em que os dois tipos de chá são servidos. O primeiro é o chamado koicha87, ou chá forte. Ele traduz o clima formal que se instaurou na sala. Os convidados estão em silêncio, observam atentamente os movimentos do anfitrião ao purificar os utensílios e preparar o chá a sua frente. Ele coloca a tigela de chá preparado no tatami. Todos bebem da mesma tigela e sua passagem de mão em mão simboliza a comunhão dos convidados. É o clímax da reunião, o momento onde todos são um, assim como no zen-budismo, onde o ser humano participa da natureza como uma unidade.

Bebido o chá forte e apreciados os utensílios utilizados, o anfitrião os retira da sala fazendo uma reverência antes de fechar a porta. Quando retorna traz utensílios para refazer o fogo, acrescentando mais carvão (gozumi). Por fim sai levando estes utensílios e retorna trazendo outros utensílios para preparar o usucha (chá fraco) e doces menores que aqueles do chá forte. O ambiente retoma sua leveza. Ele preparará uma tigela individual para cada convidado, que poderá tomar quantas quiser. A conversa torna-se informal e o encontro vai chegando ao fim. Quando os convidados sentirem que é o momento de partir, devem pedir para que o anfitrião encerre a preparação de chá. Depois de retirar os utensílios da sala, anfitrião e convidados fazem uma reverência agradecendo o momento partilhado juntos. Os convidados saem um a um, não sem antes dirigirem-se mais uma vez às flores e à chaleira para admirá-los. Ao portão, viram-se e, com uma reverência silenciosa, despedem-se de seu anfitrião que veio até a porta da sala dizer-lhes adeus. Nenhuma palavra é trocada na despedida e durante a cerimônia a

87

O nome científico da planta de chá usado no chanoyu é Camélia Sinensis.O chá para o chanoyu - o chamado macha - é diferente dos outros tipos de chá. Para produzi-lo, as folhas são ressecadas e moídas até que se transformem num pó verde. Para prepará-lo dentro da sala de chá, bate-se a água quente com o pó até que se forme uma espuma na superfície. O koicha (chá forte) é produzido com as folhas de cima da planta do chá, já o usucha (chá fraco) com as folhas de baixo e, portanto, mais velhas. As plantações de chá são cobertas com palha por que o contato com o sol, e o conseqüente processo de fotossíntese, deixa as folhas amargas.

150 comunicação entre as duas partes dá-se simbolicamente a todo instante, feita através das escolhas do anfitrião.

A muito grosso modo nisto consiste num chaji. A preparação é imensa, cada detalhe é planejado para que estas quatro horas sejam desfrutadas inteiramente.

Mais uma vez, alega-se que dada dificuldade e o custo de organização de um chaji, ele não é feito entre os estudantes e professores do chanoyu no Brasil. Contudo creio que a causa para esta ausência não se encontra exatamente nas dificuldades de preparação, já que outras comemorações igualmente detalhadas são organizadas aqui. Há vários motivos para que não seja feito ou ensinado entre nós. No Brasil as aulas enfatizam outros aspectos do chanoyu, que não os filosófico-religiosos88. Devido ao fato de que seu aspecto de sociabilidade (de lugar de encontro da colônia) foi eleito como primordial, o chanoyu perdeu o simbolismo original de cada detalhe que compõe este "quebra-cabeças". E por que as aulas lidam basicamente com o ensino dos temae aprendidos soltos, sem nenhuma amarração entre si, atentando apenas para a perfeição dos gestos e posturas corporais, a socialização tornou-se o segundo grande objetivo de quem freqüenta estas aulas. Os alunos entrevistados viam no chanoyu uma maneira agradável de passar a manhã/tarde aprendendo algo sobre a sua cultura “tradicional”. Como já vimos anteriormente, para as mulheres havia ainda o estímulo da família para que aprendessem a comportar-se adequadamente como mães e esposas japonesas. Na sociedade japonesa as mulheres são responsáveis pela educação dos filhos. Por isto é fundamental que elas entrem em contato, em algum ponto de suas vidas, com as artes tradicionais. O chanoyu, unindo o ensino da tradição, cultura e comportamento apropriados torna-se uma arte ideal para tal fim.

3.5.2 Diferenças entre os Grupos Brasileiros A, B e C Para chegarmos as diferenças, é forçoso estabelecer um ponto em comum entre eles. A regra geral, salvo problemas de saúde devido à idade avançada de algumas professoras, é que as aulas são dadas todos os dias da semana das 10:00 as 18:00 hs. Os professores permanecem o dia todo na escola, fazendo apenas 88

Também no Havaí, onde há uma filial oficial e vários shibu, foi constatado que: “Pouco tempo era gasto na discussão dos preceitos ou filosofia do chado, que só eram mencionados quando os professores contavam estórias de utensílios, caligrafias e em ocasiões de chakai e chaji.” (Mori, 1988: 233)

151 uma pequena pausa para o almoço. Os alunos, por sua vez, vão às aulas uma vez por semana89, chegando a hora que quiserem, mas tendo que esperar até que os que chegaram antes dele acabem.

A partir deste ponto comum, surgem inúmeras diferenças entre os três grupos estudados.

No grupo A (grupo mais antigo), ensina-se um pequeno grupo de temae básicos, ousando-se pouco e não fazendo opções mais criativas. As professoras escolhem o que será ensinado de acordo com o nível de cada aluno, pouco atentando para as diferenças sazonais. Os outros componentes do aprendizado que foram mencionados acima (flores, nomes poéticos, caligrafia, comidas, doces, toriawase) são pouco ou nada referidos em aula. A relação entre professor e aluno nestes grupos é muitas vezes bastante familiar, mesmo formal, já que alunos e professoras têm na maioria das vezes a mesma idade e estão juntos há muitos anos.

No grupo B (representante oficial), as aulas são dadas pelo mesmo o professor do grupo C (da USP). Contudo, nas aulas na Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa (grupo B) o ambiente e as relações interpessoais assumem um caráter mais formal. Desde a relação professor/aluno até o conteúdo estudado, tenta-se seguir mais de perto o chanoyu estudado no Japão. Os temae são sazonais e diferentes a cada aula. Neste dia a aula da manhã começa um pouco antes (às 9:30) porque o professor dá uma aula teórica, sem tradução, para os alunos japoneses. Estas aulas teóricas são mais profundas do que as do grupo C e incluem desde os tipos de temae existentes e identificação de utensílios até a história do chanoyu e seus diferentes mestres. Finda a aula, sentam-se todos no tatami para dez minutos de zazen, meditação zen. Só depois disso é que os alunos e professores se dividem pelas quatro salas existentes de acordo com o nível em 89

Tradicionalmente, os alunos devem fidelidade aos professores no Japão. Se começaram a estudar com um determinado professor devem seguir com ele até o fim da vida e, provavelmente, com seu assistente (deshi) quando o primeiro vier a falecer. Se ocorrer algum tipo de conflito entre as duas partes, e o aluno quiser abandonar o professor, não deverá continuar seus estudos com outro professor, sob pena de colocar a si mesmo e ao professor em situação vexaminosa. O devotamento para com os professores tem origem no confucionismo, onde o pagamento de obrigações para com os pais, professores e superiores é parte das regras de conduta. O professor ocupa este lugar privilegiado por que é quem dedica-se a auxiliar o mais jovem. Ele lhe dá algo, torna-se portanto o recipiente de um on, de uma obrigação. (Benedict, 1972: 101)

152 que se encontram. Há quatro professoras que, juntamente com o professor, se ocupam das aulas.

As aulas do grupo C são dadas aos sábados das 10:00 as 13:00 na Casa de Cultura Japonesa da Universidade de São Paulo. O curso é anual, de março a dezembro, como as demais atividades da universidade. Sua maior característica é a de ser voltado para divulgação da cultura japonesa. Para tanto, faz uso de tradução nas aulas teóricas que acontecem antes das aulas práticas. Estas aulas teóricas são introdutórias, pois são dirigidas aos alunos do primeiro ano. Como os materiais indispensáveis para se estudar esta arte são em geral caros para o estudante brasileiro, o professor estimula os alunos a confeccionarem seu próprio fukusa (utensílio de pano que serve para purificar os objetos) e usarem kaishi (guardanapos de papel japonês para apoiar o doce enquanto se come) feitos de folha de papel sulfite. Tudo é feito para que o aluno não se sinta impossibilitado de aprender por dificuldades econômicas ou de língua. Aqui, como no grupo A, a meditação zen não é feita. Mesmo sendo um curso voltado para a divulgação do chanoyu em português, o grupo C conta somente com dois alunos brasileiros nãodescendentes, que como vimos no capítulo II, se interessam por esta arte pela via do zen-budismo. A grande maioria dos alunos é de descendentes que está interessada no aprendizado da cultura tradicional japonesa e não necessariamente no caminho do chá.

A relação sempai - kohai que permeia todos os aspectos da cultura japonesa é bastante enfatizada no grupo C. Os alunos antigos (sempai) servem de assistentes do professor, dando as aulas práticas para os alunos novatos (kohai). Os kohai têm aulas entre 10:00 e 12:00, enquanto que os sempai só começam a sua depois das 12:00, quando já auxiliaram o professor. Apesar de fazer uso deste sistema de interdependência de tarefas entre os alunos, há certa informalidade nas relações pessoais devido ao fato deste ser um curso em que se pressupõe que o aluno não seja necessariamente japonês. Os alunos têm mais liberdade para cometer erros e fazer perguntas, do que teriam estudando nos grupos A e B. Além disto, ao fim do ano letivo, eles podem fazer seu próprio chakai. Isto implica em poder fazer todas as escolhas que um encontro de chanoyu requer: podem escolher o tema, os utensílios, a caligrafia, as flores e os doces a serem utilizados. Esta experiência prática é vital para que o aluno utilize o que aprendeu e perceba que o chanoyu é bem mais que fazer um temae na aula semanal. Há trabalho envolvido

153 para que a troca entre convidados e anfitriões possa ocorrer. Mas também neste curso a prática do chaji (reunião de chá completa) não é feita ou estudada. No caso dos cursos na Liberdade (grupos A e B), apenas os alunos mais velhos, juntamente com os professores fazem as escolhas e determinam como será o chakai. Os kohai auxiliam somente nas preparações para a festa.

154

3.6 Comemorações e Festas

As festas do mundo do chá de Urasenke compõem-se basicamente de memoriais para ancestrais da família Sen. No Japão há o costume budista de lembrar-se dos pais e ancestrais na data de sua morte. A família Sen também segue este costume, mas além das oferendas que normalmente são colocadas no altar budista, ela prepara o chá de maneira cerimonial e também o oferece no altar. Os memoriais são cíclicos e todos os anos acontecem na mesma data. Mircea Eliade90 considera a festa como um rito que permite ao homem passar do tempo e espaço profanos ao tempo e espaço sagrados. A festa "não é a comemoração de um acontecimento mítico, mas a sua reatualização" (Eliade, s.d.:70) De acordo com esta definição, quando o grão-mestre faz um temae para preparar o chá que será oferecido ao espírito de um ancestral, ele está reatualizando os mesmos gestos já feitos uma vez também pelo ancestral. O tempo passado se torna presente e a esfera do sagrado se instaura; quem faz o chá é uma figura em que se mesclam mestre e discípulo, ancestral e descendente.

Ainda

no

mesmo

texto,

Eliade

refere-se

a

“Heróis

Civilizadores”,

personagens mitológicos que com seus feitos construíram a sociedade atual. Porque estes heróis fixam modelos exemplares de atuação, os homens - que querem aproximar-se deles e compartilhar de sua sabedoria e sua sacralidade reproduzem indefinidamente estes mesmos gestos exemplares. As quinze gerações de Iemoto são modelos exemplares de conduta para os seguidores do chadô, que para progredir neste caminho devem seguir os seus gestos e atitudes. Igualmente os chajin, isto é, os homens que viveram sob os valores do chanoyu, como por exemplo Murata Shuko, Takeno Joo, Kobori Enshu, Furuta Oribe, etc., são elevados à condição de modelos de comportamento. Nas ocasiões festivas os discípulos podem sentir que participam de uma irmandade, compartilhando das mesmas crenças. 90

Vários autores trabalham com o conceito de “festa”, mas preferi ater-me a Mircea Eliade por sua visão da festa como rito que traz de volta um tempo primevo, onde os personagens reatuam os gestos primordiais que inauguraram este rito.

155

Segundo Mary Douglas, todo ritual é criador de uma situação, promove coesão e organização do grupo, faz com que as pessoas se sintam pessoas sociais. (Douglas, 1966) Com os memoriais estudantes e professores dedicados ao chanoyu reafirmam que pertencem ao grupo e se vêem como iguais. A este respeito nos diz José C. Rodrigues: “A função da atitude ritual é a de expressar e manter a solidariedade do grupo.” (Rodrigues, 1983: 27)

Mas o que se passa nestas festas memoriais?

Tanto no Brasil como no Japão há várias possibilidades de cerimônias a serem escolhidas para serem apresentadas nas festas. É possível que haja o hanayose, isto é, alunos avançados fazem uma cerimônia que consiste em arranjar flores diferentes em uma série de vasos que se encontram no nicho (tokonoma) juntamente com uma caligrafia (jiku) e um pequeno altar. Sobre este altar já estão dispostos bolos de arroz (mochi), um ramo de pinheiro (simbolizando longevidade) velas e um braseiro para incenso (koro). Em seguida o Iemoto e, fora do Japão, um professor graduado, faz o chá forte (koicha), utilizando um conjunto de utensílios formais, e o coloca como oferenda no altar. O ritual de oferecimento do chá por ocasião de um memorial chama-se Okucha, quando feito num templo budista, e Okencha, quando feito num santuário xintoísta.

Finda a parte formal do memorial, os convidados, que até este momento assistiam a tudo em silêncio, podem dividir-se entre os sekis (reuniões de chá) nas várias salas. Cada uma das salas existentes foi previamente designada para abrigar uma das parte de um chaji (reunião de chá completa) abreviado: há uma sala para o chá forte (koicha) com seu respectivo doce úmido, uma para o chá fraco (usucha) e doces de açúcar e farinha de arroz prensados, e uma para a pequena refeição (tenshin). É praxe que uma sala fique disponível para demonstrações de cerimônias chamadas shichiji shiki que geralmente envolvem de 5 a 7 praticantes ao mesmo tempo, que se alternam nos papéis de convidado e anfitrião. Os utensílios para cada memorial são escolhidos entre aqueles criados ou preferidos pelo ancestral lembrado no memorial.

As duas festas de primeiro e último chás do ano no Japão são também altamente simbólicas.

156 Joyagama (lit. "noite em que se limpa a chaleira") é uma festa em que se faz o último chá do ano, na noite de 31 de dezembro. Nesta noite serve-se o chá em uma sala, e o soba (espécie de macarrão feito de semolina) em outra sala, ambas iluminadas por velas. O soba desta ocasião é chamado de toshikoshi soba, isto é, passar ao lado das coisas, superar obstáculos, prosperar. Corrobora este simbolismo o fato de que o soba é feito de fios muito longos, como supostamente será a vida de quem comê-lo. Ao fim do Joyagama, cobrem-se com cinzas as brasas que foram usadas para fazer o chá. Na manhã seguinte, às 4:00 da madrugada, abre-se o braseiro e retira-se o que restou do carvão ainda ativo para levá-lo ao braseiro da sala em homenagem ao primeiro e mais importante mestre do chanoyu - Sen no Rikyû. Tendo o fogo sido renovado e purificado ao passar a noite embaixo das cinzas, ele adquire força por estar na companhia do "Herói Civilizador" do chanoyu e da família Sen. O presente grão-mestre deve, então, retirar a wakamizu (a nova água) do poço ao lado da sala com um balde novo de madeira. Mas deve retirar só meio balde, porque, para simbolizar a continuidade entre o ano anterior e o novo, uma parte da água usada para o primeiro chá do ano deverá ser retirada da chaleira do ano velho. Assim, se por um lado, a água e fogo antigos são purificados ao entrar em contato com os novos, os mesmos atuam como uma ponte entre passado e presente. Tudo se passa como se a água e o fogo usados hoje fossem os mesmos de 400 anos atrás, quando Rikyû os usou pela primeira vez. Desta maneira o tempo passado, original, torna-se presente.

Mas todo este ritual pleno de acontecimentos simbólicos acontece apenas para os aqueles que seguem o caminho do chanoyu, os chajin do Japão. A maioria da população japonesa sai às ruas para comemorar a entrada do novo ano nos templos budistas e santuários xintoístas.

No Brasil, como os alunos não vivem fundamentalmente em função do calendário do chanoyu, passam o reveillon fora da sala de chá. As aulas de chanoyu brasileiras acabam na mesma época que a maioria das outras aulas brasileiras - na metade do mês de dezembro. Para se comemorar o fim do ano, no último dia de aula, cada aluno de chanoyu traz um prato diferente e todos almoçam juntos. Os professores geralmente fazem discursos agradecendo o esforço dos alunos e um representante destes agradece aos professores. Em seguida todos levantam seu copo para um brinde coletivo (kampai!!!) e começam a comer. Este tipo de festa é chamado de bonenkai e acontece por todo o Japão (nas empresas, nos clubes e todos os tipos de associações) no mês de dezembro. Desta maneira, no Brasil,

157 abdicou-se da festa de fim de ano feita especificamente no mundo do chá (Joyagama), e passou-se a utilizar o modelo de festa de encerramento disseminada por toda a sociedade japonesa (bonenkai).

Afora isto, persiste no Brasil o costume japonês de se oferecer uma soma de dinheiro ao professor como presente de fim de ano. O dinheiro é colocado num envelope fechado, especialmente decorado para esta função, junto com os nomes de todos os alunos que colaboraram. A quantia dada é escrita na parte de trás do envelope. Este costume é observado nos grupos A (grupo dos antigos alunos, originado em 1954) e B (grupo do professor enviado do Japão, originado em 1978) de São Paulo. No Japão o costume de se dar presentes para aqueles em posição superior ocorre duas vezes por ano (em julho e dezembro). Estes presentes geralmente vêm na forma de envelopes decorados contendo dinheiro. Chugen é o termo que se refere aos presentes de meio do ano e seibo aos de fim de ano.

No mundo do chanoyu presentes em forma de dinheiro são também esperados. Quando se vai a um chakai ou chaji é costume depositar o envelope num lugar apropriado na sala de espera da reunião de chá. Este dinheiro é chamado de mizuya mimai. Pode parecer estranho para o ocidental levar dinheiro (tido como impuro no ocidente), e não um objeto, quando se entra num espaço sagrado. Há duas razões para o fato. A primeira é que o anfitrião já preparou a comida, os doces, escolheu o sakê (bebida alcoólica feita de arroz) apropriado e colheu as flores. Se o convidado trouxer qualquer um destes itens estará colocando o anfitrião numa situação embaraçosa: ou bem ele desiste de sua escolha e acata a do convidado, perdendo assim parte de seu toriawase (ver item 3.5.1), ou bem ele ignora o presente do convidado, dizendo assim que seu presente não está à altura do chaji.

A segunda razão é que presentes em dinheiro fazem parte do cotidiano japonês e especialmente de ocasiões religiosas. Nos funerais, amigos e conhecidos trazem envelopes contendo dinheiro (koden). A família deve tomar nota da quantia e do nome do doador para poder expressar sua gratidão enviando a este um kodengaeshi, isto é, metade do dinheiro doado. Também nos casamentos o dinheiro é o presente prescrito, assim como nas doações aos santuários xintoístas, simbolizadas pelos tonéis de sakê vazios expostos na entrada destes. Entretanto, há uma regra bastante reveladora: as notas devem ser novas e colocadas no

158 envelope apropriado para cada ocasião (há cores e ornamentos diferentes para cada uma). Por utilizar notas novas ao oferecer-se dinheiro às divindades xintoístas, a Buda, aos professores, ou ao anfitrião de um chaji, o dinheiro impuro pode tornarse puro.

Entre os dias 10 e 14 de janeiro acontece no Japão o Hatsugama (lit. "primeira chaleira"). Nela se comemora o novo ano, por esta razão todos os utensílios devem simbolizar alegria, esperança e boa sorte através de cores fortes, em especial do vermelho (na cultura chinesa e japonesa o vermelho é a cor mais auspiciosa, indica prosperidade). O Iemoto, e fora do Japão o representante de Urasenke, deve fazer koicha (chá forte, mais formal) para todos os convidados. Para isso ele usa dois chawan (tigelas para o chá) que se encaixam, chamadas kasane chawan - um com interior dourado e outro prateado - simbolizando um futuro cheio de boa fortuna. O doce servido é sempre hanabira mochi (lit. “pétala de flor”), tendo uma forma parecida com um pastel brasileiro, é composto de um círculo de bolo de arroz branco (mochi) dobrado na metade, contendo um losango rosa, um filete de uma raiz chamada gobo (bardana em português) e missô branco. O círculo branco simboliza o céu, o losango vermelho a terra, e a raiz simboliza a força91.

No

tokonoma

(o

nicho

da

sala)

encontram-se

muitos

símbolos

congratulatórios: cinco pratinhos são colocados no chão formando um círculo. Cada um contém um elemento simbólico diferente: koume (ameixas secas e salgadas, simboliza a esperança de ficar velho e enrugado como as ameixas), musubi kombu (alga marinha em tirinhas amarradas num nó, simbolizam a idéia de estar amarrados as outras pessoas, união), castanhas portuguesas secas (em japonês kachi guri - kachi significa vencer), kaia (semente da árvore Yu) e kazunoko (ovos secos de peixe, simbolizam a possibilidade de dar à luz a muitas crianças). No espaço central fica uma bandeja mais elevada coberta por duas folhas de papel branco (simbolizando pureza). Nela estão colocados três pedaços de carvão que formam uma base de apoio para os noshi (longas tiras de abalone seco), hoshi gaki (caquis secos enfiados num espeto, significa harmonia entre as pessoas), e por cima uma laranja chamada dai dai (dai em japonês significa geração, portanto simboliza geração depois de geração, isto é, longevidade). Ao lado da bandeja

91

O doce apareceu no Japão pela primeira vez quando foi enviado ao XI grão-mestre Gengensai (1810-1870), pelo próprio imperador em agradecimento ao Okencha que Gengensai havia feito a seu pedido. Desde então este é o doce típico do Hatsugama em Urasenke.

159 encontra-se ainda uma lagosta (a cor vermelha exprime felicidade, como a lagosta fica vermelha depois de morta, há beleza em se ficar velho), gomame tazukuri (pequenos peixinhos que lembram que a primavera está perto e, então, os campos ficarão prontos para o cultivo) e por fim todo este arranjo fica sobre duas medidas e meia de arroz não cozido. Esta quantidade se traduz na expressão japonesa masu masu han jo, que lembra prosperidade e bons negócios para o ano que se inicia. Fato digno de nota é a substituição do tradicional bolo de arroz (mochi), símbolo máximo da essência espiritual do Japão92, por três pedaços de carvão. Para os praticantes do chanoyu, o carvão é o centro da vida - sem o fogo não há chanoyu.

Tudo se faz para que o ano novo seja um novo começo, cheio de possibilidades de prosperidade. Com rituais e utilizando tantos elementos simbólicos o homem tenta cercar-se de precauções que consigam dar conta de seu futuro e controlar sua sorte. Diz Mircea Eliade:

" (...) o Ano Novo (...) implica uma reposição do Tempo (...) a restauração do Tempo primordial, do Tempo 'puro'(...) É por esta razão que, por ocasião do Ano Novo, se procede a "purificação"(...) se trata (...) da abolição do Tempo decorrido." (Eliade, s.d.: 67,68)

Ao compartilhar desta recriação do mundo, o homem também poderá ditar e criar seu futuro. No Brasil o Hatsugama não apresenta a maioria das características simbólicas descritas acima. A decoração do tokonoma é feita de maneira mais simplificada, não contendo todos os objetos simbólicos. São apenas colocados uma caligrafia (jiku) e um pequeno altar. Sobre este altar são dispostos bolos de arroz (mochi), um ramo de pinheiro (simbolizando longevidade) velas e um braseiro para incenso (koro). Apesar da extrema simplificação, a festa inclui as mesmas atividades que no Japão: Primeiramente um professor graduado faz o chá forte (koicha) que será oferecido no altar enquanto os outros professores, alunos e

92

O mochi é usado em diversas ocasiões festivas no Japão. Por ter a forma de um espelho e ser inclusive chamado de kagami mochi (espelho-bolo de arroz), ele traz a mente a imagem de Amaterasu Ômikami (deusa fundadora da raça japonesa de quem o imperador supostamente descende). Diz a lenda que escondida numa caverna e recusando-se a sair, foi convencida por seu irmão Susano-o no Mikoto a sair ao ver-se refletida num espelho, pois pensou que a imagem refletida correspondia a de uma divindade superior a ela. Por ser o espelho o objeto que fez com que ela voltasse a iluminar o Japão, ele passou a simbolizar a

160 convidados assistem à cerimônia sentados em bancos colocados fora da sala. Contudo, o koicha não é preparado necessariamente nos dois chawan prateado e dourado que descrevemos no Hatsugama japonês. Depois da preparação do chá ritual, os convidados se distribuem entre as diversas salas: numa será servido o chá forte (koicha), noutra o chá fraco (usucha), noutra uma pequena refeição (tenshin) e outra sala é reservada para demonstrações. O Hatsugama no Brasil é concebido para o mesmo tipo de convidados do Japão: pessoas influentes da colônia. Este é o momento em que a comunidade que estuda chanoyu se abre para que os pregadores religiosos japoneses, os deputados descendentes e a colônia em geral possam compartilhar de um tigela de chá.

Entretanto, o Hatsugama descrito acima não ocorre todos os anos desta maneira no Brasil. Muitas vezes ele é comemorado com um almoço em um restaurante onde todos os alunos se cotizam para dividir as despesas. Alega-se que uma festa na sala de chá dá muito trabalho e demora muito para ser planejada. Um encontro num restaurante é mais fácil. Como se vê esta simplificação do ritual do Hatsugama segue o mesmo padrão da simplificação do Joyagama no Brasil: há uma comemoração que marca a passagem do tempo, contudo ela não pertence necessariamente aos rituais do chanoyu, mas da sociedade em geral.

Estas são algumas das adaptações do chanoyu para a sociedade de massas, onde a população que pratica esta arte se diferenciou muito, como vimos durante todo este trabalho. De uma arte de elite, que concedia prestígio e polimento cultural à nova classe de comerciantes, ela passou, através de quatro séculos, por várias adaptações e tornou-se por fim uma arte de massas. Numa sociedade de massas o conceito de tempo, e a sua disponibilidade, difere muito de uma sociedade aristocrática.

Um outro modo de adaptação do chanoyu no exterior foi a ocorrência de demonstrações (chakai) em festas típicas do país em que os imigrantes se encontram e não só em memoriais dos grão-mestres desta arte. Deste modo, é possível fazer chakai em festas brasileiras, como sete de setembro, ou nas festas de aniversário da imigração japonesa.

própria deusa. Deste modo, quando um templo coloca um espelho no altar, está atestando a presença de Amaterasu. (Okhuni-Tierney, 1993: 50).

161 As festas, como vimos acima, são ritos onde a comunidade de praticantes de chanoyu se encontra e compartilha os mesmos valores num espaço sagrado, dedicado aos ancestrais. Nas festas memoriais enfatiza-se a linha sucessória de grão-mestres, tudo se passa como se os praticantes voltassem a um tempo primordial onde o grão-mestre homenageado estivesse presente. Da mesma maneira, as festas do chanoyu em geral (festas de fim de ano e demonstrações [chakai]) são locais de encontro, onde os praticantes podem associar-se, compartilhar da mesma comida, vestir seus kimonos, enfim, atuar como acreditam que os japoneses de tempos primevos o fariam.

No Brasil, embora as festas não possuam todos os pormenores simbólicos que possuem no Japão e tenham se transformado conforme as necessidades da comunidade que o pratica, elas desempenham os mesmos papéis de espaço de sacralidade, comensalidade e compartilhamento de valores. Através delas o sujeito social sente que pertence ao grupo social. Nos dois países as festas do chanoyu tem como papel principal promover a coesão do grupo de praticantes.

162

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho procurou-se investigar um patrimônio da cultura tradicional japonesa - o chanoyu ou chado (cerimônia do chá), sua transmissão no Japão e reapropriação no Brasil. Em primeiro lugar vimos como o chanoyu surgiu e tornouse o centro da vida cultural japonesa nos séculos XVI e XVII. Originado entre a nova classe em ascensão - os comerciantes - foi logo adotado pelos generais unificadores do Japão como meio de adquirir legitimidade através de um verniz cultural. Por emprestar prestígio a quem o praticava, também a aristocracia da época mostrou interesse em aprendê-lo. Ao ser criado e praticado por monges zenbudistas leigos (em sua maioria comerciantes da cidade de Sakai), o chanoyu adquiriu os conceitos estéticos que formariam o gosto japonês e ainda hoje fazem parte do seu patrimônio cultural: wabi, a beleza despretensiosa, pobre, caracterizada pelo desapego às coisas materiais; sabi, a idéia de impermanência, melancolia e solidão; e yûgen, a idéia de mistério e profundidade.

Vimos que, por atravessar um período de guerra civil, o Japão necessitava criar símbolos que evocassem uma identidade nacional e pudessem levar, em última instância, à unificação do país. Era preciso diferenciar a cultura japonesa da chinesa, porque até aquele momento sua influência perpassava todas as instâncias da vida social japonesa. (Pollack, 1986; Naff, 1985) O processo de construção da identidade nacional foi levado a cabo por três generais unificadores japoneses: Oda Nobunaga (1534-82), Toyotomi Hideyoshi (1536-98) e Tokugawa Ieyassu (15411616). Para fazê-lo utilizaram o chanoyu, uma arte criada inteiramente no Japão (Varley,1991; Itoh,1995; Ludwig, 1981) como espaço privilegiado de arranjos políticos. (Bodart, 1974; Guth, 1993)

Emprestando prestígio àqueles que se associassem a ele, o chanoyu tornouse uma maneira de atestar o refinamento cultural de quem o praticasse e assim legitimar seu poder. Da mesma forma, instituiu regras de comportamento e do gosto, criando novos parâmetros e maneiras de relacionamento entre os homens. Ao incorporar a maioria das outras artes tradicionais japonesas, o chanoyu tornouse o carro chefe de uma nova visão de mundo, mais do que isto, tornou-se um fato cultural global, uma nova atitude diante não só da arte, mas também da vida.

163 Como decorrência, foi atribuído ao chanoyu, aos olhos dos japoneses, o papel de depositário e veículo de transmissão de sua cultura (Mori, 1993). Com efeito, devido a este duplo papel, o chanoyu tornou-se uma metáfora do que os japoneses consideram o “espírito japonês”. Isto não significa que seja praticado por toda a população. Pelo contrário, para manter esta aura de tradição, de algo que representa o passado “puro” e “autêntico” do Japão, é preciso que o chanoyu mantenha-se distante, como que cercado de uma aura de sagrado. (Anderson, 1991) Contudo, é importante que em momentos de necessidade, isto é, quando do encontro com outras culturas, os japoneses possam lançar mão desta arte para afirmar sua identidade étnica e cultural. Como vimos neste trabalho, a construção da identidade se dá de forma relacional, quando do encontro com o “outro” (Oliveira, 1976; Ohnuki-Tierney, 1993). No momento do enfrentamento cada povo vai à procura de seu ethos, isto é, qualidades que o diferenciem do “outro”.

Entretanto, também vimos que a cultura não é estática, ela é constantemente reinventada e revinvestida de novos significados. (Cunha, 1987: 101) Mesmo sendo encarado como a quintessência do Japão tradicional, o chanoyu incorreu em transformações e adaptações que aconteceram juntamente com as transformações da cultura japonesa. A este processo dinâmico de simbolização, isto é, à possibilidade de moldar-se às várias identidades culturais que os japoneses adquiriram, deve-se o fato de que o chanoyu tenha conseguido manter-se no papel de metáfora da identidade cultural japonesa até os dias de hoje.

As tradições são reinventadas a todo momento pelo presente, onde o novo é incorporado e apreendido como se fosse tradicional, antigo. As tradições auxiliam o processo de socialização, isto é, de inculcação das regras de comportamento apropriadas e, por conseqüência, o processo de reprodução das relações sociais. Para que a tradição seja eficaz nestes dois processos é necessário que haja um ritual que a legitime. (Hobsbawn, 1984) O chanoyu cumpre esta tripla função. Tendo a forma de um ritual, ele ensina regras de conduta e do gosto, moldando o corpo aos usos da cultura e sendo capaz de reproduzir as relações sociais.

Após estabelecer o lugar que o chanoyu ocupou e ocupa na sociedade japonesa, passamos à sua investigação no Brasil. Observamos que o chanoyu chegou ao país em 1954, como parte da tentativa do governo japonês de fazer o mundo esquecer o Japão beligerante e nacionalista da segunda guerra mundial. Ao pôr em prática este empreendimento, escola Urasenke de chanoyu uniu-se ao

164 governo japonês para divulgar o lado da cultura japonesa mais filosófico e espiritual. Contudo, da mesma forma que no Japão, o chanoyu adquiriu novas formas e funções entre nós. Igualmente, apesar das adaptações sofridas, o chanoyu brasileiro é visto, pelos seus praticantes e pela colônia em geral, como o “tradicional”, o “verdadeiro” e o “autêntico” chanoyu japonês.

Vimos que o momento da chegada do chanoyu ao Brasil foi propício para o seu público em potencial: a década de 50 encontra os imigrantes numa situação econômica mais estável, habitando um ambiente urbano, com tempo livre para o lazer. Como observamos, o grupo que primeiro se constitui para estudar o chanoyu foi formado basicamente de mulheres imigrantes de primeira geração (isseis) e tinha por objetivo resgatar valores considerados perdidos. Aprender o chanoyu ia na direção oposta daquela tomada pela segunda geração de imigrantes (nisseis), que estava fazendo esforço para aculturar-se.

Através da pesquisa da população que estuda esta arte no Brasil, foi constatado que atualmente novos grupos juntaram-se às mulheres imigrantes de primeira geração - descendentes (de segunda, terceira e quarta gerações), brasileiros não-descendentes e japoneses não-imigrantes. As funções sociais e o apelo exercidos pelo chanoyu junto a esses grupos são diferentes conforme a etnia, idade e sexo de quem o pratica. Para os isseis é um local de sociabilidade, onde se reúnem para compartilhar lembranças, saudades e valores. Para os nisseis, sanseis e yonseis (segunda, terceira e quarta gerações) é visto como ambiente de socialização, onde têm a oportunidade de aprender a comportar-se como acham que o “verdadeiro japonês” se comportaria. Para os japoneses não-imigrantes o grupo do chanoyu tornou-se um espaço de aprendizado de sua cultura tradicional. Ele, que vive o Japão moderno, ao viajar e encontrar-se com uma cultura estrangeira (leia-se ocidental), sente necessidade de conhecer o coração de sua própria cultura que, ele acredita, se encontra no chanoyu. Para os brasileiros nãodescendentes o chanoyu torna-se o chado, isto é, o caminho do chá, uma via zenbudista para se atingir o satori (iluminação).

Tal diversidade de interesses gera conflitos significativos. Os conflitos são um campo privilegiado de investigação, onde podemos encontrar os valores reclamados por cada grupo e o que eles consideram como sendo parte fundamental do ethos japonês. Os embates para reivindicar para si a prática do “autêntico”

165 chanoyu e, conseqüentemente, o conhecimento do “verdadeiro espírito japonês” e o direito de traçar sua linhagem diretamente dos antepassados japoneses, explicitam a luta para a construção da identidade étnica de cada um dos grupos. Esta é uma luta política pela definição das identidades e diferenças, onde os grupos reinventam uma tradição cultural sempre que querem marcar as fronteiras entre o “nós” e o “outro”. (Oliveira, 1976; Durham, 1986; Reis, 1993).

Observamos que os imigrantes de primeira geração lutam para preservar o chanoyu e sua conduta japonesa (língua, alimentação, gestos, etc.) de acordo com aquele Japão que haviam deixado para trás. Ironicamente, quanto mais se apegam aos antigos valores, mais se diferenciam dos japoneses não-imigrantes, que saíram do Japão a pouco. Durante a pesquisa percebemos que é muito doloroso para os imigrantes e seus descendentes ver tudo o que haviam tão duramente preservado, ser desprezado pelos japoneses recém-chegados. Imigrantes e seus descendentes têm a sensação de terem se agarrado a um mundo que só existe em suas memórias. Como foi constatado, o chanoyu tornou-se um grande sinal diacrítico da cultura japonesa, e foi usado pela comunidade de praticantes para fins de diferenciação. Portanto, na tentativa de legitimar seus valores, o grupo de imigrantes e descendentes fecha-se e assume atitudes diferentes em relação a brasileiros nãodescendentes e japoneses não-imigrantes. Dificulta o acesso ao chanoyu para 93

primeiros

e entra em conflito aberto com aqueles que se consideram (ou

efetivamente são) parte do segundo grupo.

A partir do estabelecimento do perfil da população de praticantes e de seus embates políticos, investigamos como o estudo do chanoyu foi organizado institucionalmente nos dois países. Através desta análise percebemos que o modo de organização da escola está intimamente ligado à organização da sociedade japonesa. As mesmas categorias sociais (ie, dôzoku, iemoto, honke e bunke), o mesmo modo de relacionamento (on [obrigações e dívidas], relações familiares vicárias entre pais e filhos [oya-ko] e irmão mais velho e mais novo [sempai-kohai]) e as mesmas categorias hierárquicas (de acordo com o sexo, idade e etnia) ocorrem tanto na instituição da escola quanto da sociedade japonesa geral. Portanto,

93

Vimos que outras artes japonesas como a ikebana, o sumi-ê, a culinária e as artes marciais são mais divulgadas entre brasileiros não-descendentes. Isto ocorre porque, por um lado, têm um produto final que as faz mais atraente para brasileiros não-descendentes, e por outro, não são tão preservadas e resguardadas pelo próprio grupo de praticantes.

166 pudemos concluir que a instituição Urasenke pode ser analisada como um microcosmo da sociedade que a abriga.

O corpo moldado pelo chanoyu se constitui, igualmente, num microcosmo social e, portanto, é passível de ser investigado para que possamos conhecer a sociedade mais ampla, suas normas de conduta e seus valores. (Lévi-Strauss,1974; Rodrigues, 1983; Reis, 1993 ) Devido a este fato, tratamos de investigar como o aprendizado do chanoyu afeta o corpo dos praticantes, moldando-os para tornaremse “japoneses”. Tomando como base as posturas corporais prescritas pelo chanoyu, procuramos

descobrir

a

gramática

desta

linguagem

corporal,

buscando

compreendê-la como um processo de construção da identidade étnica.

Procedemos, a seguir, ao ensino propriamente dito e como ele se diferencia entre Japão e Brasil. Observamos que no Japão, o aluno está cercado por uma cultura que dá sentido aos significados simbólicos que ele entra em contato nas aulas. Deste modo, a assimilação destes significados se faz sem muito esforço. Aqui, devido à distância entre a realidade interna e externa ao chanoyu, os sentidos têm que ser realinhados e reatribuídos. Conseqüentemente, vários gestos, utensílios, e arranjos são usados no Brasil porque no Japão se faz assim, sem que se encontre uma explicação palpável para tanto. Muito da arte do chanoyu se ancora na mudança de estações. No Brasil, este fato não é parte fundamental da cultura nacional e mesmo as flores, alimentos e festividades de cada estação do ano

não

correspondem

àqueles

japoneses.

Daí

surgirem

adaptações

e

transformações específicas para o nosso país.

Por fim, procuramos investigar as festas e comemorações no mundo do chanoyu japonês e brasileiro. Observamos que as festas do chanoyu são basicamente de dois tipos: memoriais para antigos grão-mestres e festas que demarcam a passagem das estações do ano. Vimos, com Mircea Eliade, que estas festas são ritos que enfatizam o tempo cíclico e a possibilidade de sua reversão. São ritos onde o tempo mítico, primordial, é tornado presente. As festas são também ocasiões de comensalidade. A comensalidade une as pessoas e estabelece a sensação de comunidade, isto é, de “nós”. (Onhuki-Tierney, 1993) O estreitamento dos laços com o grupo de praticantes, e no Brasil, também com a identidade étnica japonesa, faz com que as festas tornem-se o clímax do estudo do chanoyu. É o momento de usar seu melhor kimono (ainda que, como vimos, isto não signifique o mesmo no Japão e no Brasil), encontrar pessoas com os mesmos

167 interesses, comer alimentos especiais referentes à data comemorada, enfim, ver os outros e a si mesmo como pertencentes ao mesmo grupo. Observamos que a sensação de estar ligado à cultura japonesa é fundamental para a comunidade de imigrantes e descendentes que se encontra rodeada por uma cultura “estrangeira”, no caso a brasileira.

Adaptações e transformações estão sempre presentes na história das tradições e das culturas. Para manter-se como um dos pilares centrais da cultura japonesa tradicional e como um ponto de referência quando o japonês questiona sua identidade cultural, o chanoyu sofreu inúmeras adaptações. Embora as adaptações brasileiras possam tê-lo tornado distante da arte japonesa e o próprio chanoyu japonês se encontre bastante distante de sua forma original, concluímos que ele ainda presta-se ao mesmo propósito - servir de paradigma da cultura tradicional japonesa. Com efeito, o chanoyu desempenha o papel de metáfora do “espírito japonês”, sendo utilizado como instrumento de contraste e comparação (Leach, 1977) quando do encontro com o “outro”, para que se possa estabelecer a identidade cultural do povo japonês, seja dentro ou fora de seu país de origem.

168

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ANEXOS

Personagens e Datas Importantes para o Chanoyu:

Período Heian (794-1192):  Saigyô (1118-1190) - poeta e monge budista que viajava por todo o Japão e pregava o desapego a posses materiais. Serviu de inspiração aos praticantes do chanoyu do século XVI.

Período Kamakura (1192-1336)  Eisai (1141-1215) - monge budista que trouxe a planta do chá para o Japão quando retornou de uma de suas viagens à China.

Período Muromachi (1336-1568)  Yoshimitsu Ashikaga (1368-1408) - xogum, construiu o retiro Kinkakuji, ou Pavilhão Dourado, em Kitayama, ao norte de Quioto. Patrono das artes e literatura.  Yoshimasa Ashikaga (1436-1490) - xogum, construiu o retiro Ginkakuji, ou Pavilhão de Prata nas montanhas a leste de Quioto. Responsável pelo desenvolvimento da vida cultural do período.  Murata Shukô (1422-1503) - monge zen-budista laico, mestre de chanoyu para o xogum Yoshimasa Ashikaga.  Guerra Civil Ônin (1467-1477) - guerra entre senhores feudais que esfacelou o poder central no Japão.  Sengoku Jidai (1478-1568) - anos que se seguiram ao fim da guerra na capital Quioto. Refere-se ao período em que a guerra espalhou-se pelo país.  Takeno Jôô (1502-55) - monge zen da classe dos comerciantes que influenciou a disseminação do chanoyu entre estes.  Oda Nobunaga (1534-1582) - um dos três unificadores do Japão. Concedia o “privilégio” de estudar o chanoyu como recompensa simbólica àqueles que colaboravam com suas campanhas de unificação.

Azuchi Momoyama (1568-1615)  Toyotomi Hideyoshi (1536-1598) - um dos três unificadores japoneses. Escolheu o chanoyu como a arte a servir de ponte entre ele, de origem humilde, e a aristocracia. Sob seu governo o chanoyu tomou o centro da vida política japonesa.  Sen no Rikyû (1522-1591) - comerciante que se tornou o maior e mais criativo mestre de chanoyu do Japão. Professor de Oda Nobunaga e Toyotomi Hideyoshi.

Período Edo (1615-1868)  Sen Sotan (1578-1658) - neto de Rikyû, ao morrer dividiu sua propriedade entre seus três filhos, criando, assim, as três escolas Sen de chanoyu (Urasenke, Omotesenke e Mushanokojisenke)  Yugensai Itto (1719-1771) - VIII grão-mestre de Urasenke, estabeleceu a estrutura da escola instituindo certificados e o sistema de Iemoto.

Reforma Meiji (1868- 1912) e Período Moderno  Gengensai (1810-1877) - XI grão-mestre de Urasenke, ajudou a manter a existência das escolas de chanoyu enfatizando que esta arte ensinava os valores confucionistas tão valorizados na nova sociedade.  Ennosai (1872-1924) - XIII grão-mestre de Urasenke, permitiu que mulheres praticassem e se tornassem professoras de chanoyu.  Hounsai (1923-?) XV grão-mestre de Urasenke, uniu esforços com o governo japonês para divulgar a cultura japonesa e especialmente o chanoyu no exterior.

Cronologia de eventos significativos para o chanoyu fora do Japão

NOTA: Shibu ou chapter = grupo de simpatizantes (os professores são imigrantes ou originários do país). Shuchojô ou branch = filial oficial (há um professor enviado pela sede da Fundação Urasenke, em Quioto).

1951: (abril) Fundação do shibu de Urasenke no Havaí, Los Angeles, São Francisco e Nova York. 1954: (abril) Fundação do shibu de Urasenke em Seattle. (6 de setembro) Inauguração do Pavilhão japonês, IV Centenário de São Paulo. (outubro) Os futuros Oiemoto e Okusama visitam o Brasil para fundar oficialmente o shibu brasileiro. (outubro) Os shibu argentino, peruano e mexicano são fundados. 1955: (15 de outubro) Criação da Sociedade Paulista de Cultura Japonesa (av. Liberdade, 90 - 60 andar) para organizar as comemorações do cinquentenário da imigração japonesa, que ocorreria em 1958. 1956: (17 de novembro) Fundação do órgão auxiliar “Aliança Cultural NipoBrasileira”, atual Aliança Cultural Brasil-Japão. Fundados os shibu de Chicago e Boston. 1958: (18/19 junho) Festa dos 50 anos da imigração japonesa no Brasil. 1961: Nagai sensei vem ao Brasil para começar cursos de chanoyu. 1963:(março) Fundado o shibu de Vancouver. 1964: (abril) Inauguração da nova sede do Bunkyô (Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa) na Rua São Joaquim, 381. Sala de chá é doada à cidade de Nova York por Urasenke durante a Feira Mundial. 1965: Fundação Urasenke constrói a sala de chá Hakueian em São Paulo, no terceiro andar do prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. 1966: Estabelecidas as filiais oficiais de Urasenke no Havaí e em Boston. 1967: (22 a 24 de maio) Visita do príncipe herdeiro japonês ao Brasil. (setembro) Shibu de Nova York transforma-se em filial oficial,

tornando-se a sede de todas as filiais e shibu dos Estados Unidos e Canadá. 1969: (setembro) Estabelecida a filial oficial de Urasenke em Roma. 1970: (11 a 14 de julho) Oiemoto vem ao Brasil para comemoração dos 15 anos do shibu. Parte da festa ocorreu no Pavilhão Japonês do Parque Ibirapuera e parte em Hakueian, na sede da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. (julho) Fundado shibu de Sacramento, EUA. 1971: O shibu brasileiro conta com cinco professores e mais de 200 membros. 1972: (março) Fundado shibu em Monterrey, São Francisco. Oiemoto doa sala de chá Jakuan, para o shibu do Havaí, localizado no campus da Universidade do Havaí. (junho) Estabelecida a filial oficial de Urasenke em Munique. 1974: (dezembro) Oiemoto doa sala de chá denominada Waseian para o shibu do Peru e estabelece uma filial oficial naquele país. 1976/77: Professora da ECA/USP Francesca Cavalli recebe bolsa de estudos da Fundação Japão e passa um ano no Japão estudando a cultura e estética japonesas. (abril) Filial oficial de Londres e Düsseldorf são estabelecidas. (maio) Filial oficial de Paris é estabelecida. 1977: (15 de abril) carta de Urasenke recomendando professora Francesca ao shibu brasileiro. (26 de setembro) Inaugurada a sala de chá da casa de cultura japonesa da USP. 1978: (agosto) A filial oficial de Urasenke no Brasil é estabelecida tendo como representante o Professor Keita Hayashi. As salas de chá do prédio da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa são reformadas e reabertas no quarto andar. Inauguração do Museu da Imigração no edifício da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa. 1979: (janeiro) Fundado shibu em Washington. (fevereiro) Fundado shibu em San Diego. (março) Demonstração de chanoyu para 500 pessoas no clube Pinheiros de São Paulo.

(setembro) Apresentação intitulada "Chanoyu Shunju" ocorre na universidade do Paraná, em Curitiba. (setembro) Curso de pós-graduação sobre cultura japonesa é estabelecido na ECA/USP ministrado pela professora Francesca Cavalli. (17 de outubro) inicia-se o curso livre de extensão cultural de chanoyu, patrocinado pela Coordenadoria de Atividades Culturais da USP e pelo Centro de Estudos Japoneses. 1980: (dezembro) Filial oficial de São Francisco é estabelecida. 1981: (janeiro) Fundado o shibu de Bancoc. Sede de Urasenke em Nova York muda-se para Manhattan e torna-se o maior complexo de salas de chá fora do Japão. (agosto) Filial oficial de Hamburgo é estabelecida. 1982: Oiemoto constrói a sala de chá Washinan em Curitiba. 1983: (10 a 20 de março) exposição de chanoyu no MASP (Museu de Arte de São Paulo) intitulada "Rittai Chado Ten". 1984: (janeiro) Fundado o shibu de Sidney, Austrália. (14 de julho) O shibu brasileiro comemora trinta anos. (outubro) Fundado o shibu de Toronto, Canadá. 1986: (18 a 21 de setembro) exposição "Beleza da Cultura Japonesa" no MASP. 1988: comemoração dos oitenta anos da imigração japonesa com demonstração de chanoyu no MASP. (outubro 28) demonstração de chanoyu no hotel Copacabana Palace do Rio de Janeiro. 1990:(17 de janeiro) Oiemoto recebe a condecoração de Comendador da Ordem do Cruzeiro do Sul na embaixada brasileira em Tóquio. A condecoração foi um reconhecimento por parte do governo brasileiro por seu esforço para encorajar o intercâmbio cultural entre Brasil e Japão. (9 de abril) Primeira estudante brasileira de chanoyu entra no curso Midorikai na sede de Urasenke, em Quioto. (22 abril) demonstração e palestra no anfiteatro de Convenções da USP. 1991:(março) Filial oficial de Moscou é estabelecida. (junho) Shibu de Singapura é estabelecido. (julho) Filial oficial de Pequim é estabelecida.

(21-22 de setembro) exposição itinerante denominada "Tea Road" ocorre na Assembléia Legislativa de São Paulo. (setembro) Shibu de Melbourn, Austrália, é estabelecido. 1992: (30-31 de julho) exposição itinerante "Tea Road" ocorre no Rio de Janeiro em comemoração aos trinta e cinco anos do Instituto Cultural Brasil-Japão. (2 de setembro) Segunda estudante brasileira começa curso Midorikai na sede de Urasenke, em Quioto. 1993: (abril) Filial oficial é estabelecida em Vancouver. (agosto) Filial oficial é estabelecida em Los Angeles. (agosto) Filial oficial é estabelecida em Sidney. (10-11 de setembro) exposição itinerante "Tea Road" ocorre na cidade de Curitiba em comemoração aos 300 anos de sua fundação. O chanoyu foi visto por mais de 1000 pessoas. 1995: (28 e 29 de outubro) comemoração dos 40 anos do chanoyu no Brasil com a presença do filho primogênito do Oiemoto.

Fonte: Urasenke Newsletters 1975-1996 e Centro de Chado Urasenke do Brasil.

Iemotos de Urasenke

Hosensai Rikyû Soeki

1522 - 1591

Shoan Sojun

1546 - 1614

Tottosai Genpaku Sotan

1578 - 1658

Rogetsuan Senso Soshitsu

1622 - 1697

Fukyusai Jyoso Soshitsu

1673 -1704

Rikkansai Taiso Soan Soshitsu

1694 - 1726

Saisaisai Chikuso Soken Soshitsu 1709 - 1733 Yugensai Itto Soshitsu

1719 - 1771

Fukensai Sekio Soshitsu

1746 - 1801

Nintokusai Hakuso Soshitsu

1770 - 1826

Gengensai Seichu Soshitsu

1810 - 1877

Yumyosai Jikiso Soshitsu

1853 - 1917

Ennosai Techu Soshitsu

1872 - 1924

Mugensai Sekio Soshitsu

1893 - 1964

Hounsai Genshu Soshitsu

1923 - ?

Fonte: Curso Midorikai em Quioto.

Certificados em Urasenke

Elementar: Nyumon, Konnarai. Intermediário: Karamono, Daitenmoku, Bondate, Wakin, Chabako. Avançado: Gyo-no-gyo-daisu, Shin-no-gyo-daisu, Daien-no-so. Profissional: Hikitsugi, Seihikitsugi, Monkyoju, Chamei, Jun-kyoju.

Fonte: Mori, 1988: 423.

As Festas e Suas Datas

10 - 14 de janeiro -

Hatsugama - primeiro chá do ano.

28 de março -

Rikyûki - memorial para Sen no Rikyû (1522-91).

5 de julho -

Seichu Enno Mugenki - memorial para Gengensai Seichu (1810-1870), Ennosai (1872-1924), Mugensai (ou Tantansai, 1893-1964), respectivamente, XI, XIII e XIV Oiemotos. *

7 de setembro -

memorial para Seikoin Taishi (1897-1980, esposa do XIV Oiemoto), Yugensai (1719-1771, VIII Oiemoto) e Nintokusai (1770-1826, X Oiemoto).*

1o de novembro -

Robiraki - abertura do ro (braseiro dentro do tatami).

19 de Novembro -

Sotanki - memorial para Sen Sôtan (1578-1658, III Oiemoto).

31 de dezembro -

Joyagama - último chá do ano.*

Há também:  Okencha - oferenda de chá num templo xintoísta.  Okucha - oferenda de chá num templo budista. Ambas acontecem anualmente, em datas pré-estabelecidas, os temae feitos são os mais formais.

*Festas não comemoradas no Brasil.

Fonte: Curso Midorikai em Quioto.

Famílias que Produzem Utensílios para Urasenke (Senke Jushoku)

Raku Kichizaemon - XV geração, produz peças de cerâmica raku, especialmente tigelas de chá chamadas Raku chawan.

Komazawa Rinzai

- XII geração, produz todos os objetos de madeira.

Onishi Seiemon

- XIV geração, objetos em ferro.

Nakagawa Joeki

- XI geração, objetos em metal.

Nakamura Sôtetsu

- XII geração, objetos em laca.

Okumura Kichibei

- XI geração, objetos de papel, montagem de caligrafias.

Eiraku Zengorô

- XVI geração, objetos em cerâmica.

Kuroda Shôgen

- XIII geração, objetos em bambu.

Tsuchida Yûkô

- XII geração, utensílios em tecidos.

Hiki Ikkan

- XIV geração, utensílios em papier mâché.

Fonte: Urasenke Newsletter, n.12, 1978.

Glossário de termos usados no chanoyu:

bonenkai - festa de encerramento do ano na sociedade japonesa. bushido - lit. “o caminho do guerreiro”, código ético dos samurais.

bunke - clã afiliado, parte do dôzoku.

chabana - arranjo de flores para reuniões de chá.

chado - O caminho do chá, o caminho espiritual o qual se dedica quem estuda o chanoyu. Também conhecido como sado, chanoyu e cerimônia do chá.

chaji - reunião completa e formal de chá com duração de aproximadamente quatro horas. Nela uma refeição, dois tipos de chá (forte e fraco) e doces são servidos. Há 7 tipos de chaji e a escolha depende da época do ano e da hora em que ocorre. Três deles envolvem uma refeição (café da manhã, almoço e jantar) e seguem a ordem padrão de acontecimentos. São eles:

asa chaji - ocorre entre 5:30 e 8:00 da manhã nos meses mais quentes do ano (maio a outubro no Japão). A idéia é que se possa desfrutar as temperaturas amenas antes que o dia fique muito quente.

shogo chaji - ocorre entre 12:00 e 16:00 em qualquer época do ano.

Yobanashi chaji - ocorre entre 16:30 e 20:00 somente no inverno. Faz-se este chaji para se desfrutar do calor do braseiro e da mudança de luz no entardecer dentro da sala de chá.

Os outros são:

atomi chaji - acontece depois de um chaji. Quando um chaji é feito por um grande mestre para convidados muito importantes, os amigos do mestre pedem para ver os utensílios usados e desfrutar da atmosfera do recinto. Quando Sen no Rikyû recebia Hideyoshi para um chaji, ele não podia

convidar seus amigos. Nestas ocasiões eles vinham depois para ver como os objetos haviam sido dispostos na sala, quais haviam sido escolhidos, como Hideyoshi havia preparado as flores. É o único chaji no qual os convidados pedem para participar.

rinji chaji - reunião na qual o anfitrião tem uma inspiração repentina, talvez a neve que comece a cair inesperadamente, ou o anfitrião tenha apanhado um peixe (para a refeição), ou encontrado flores. Pode ocorrer a qualquer hora em qualquer estação do ano.

akatsuki chaji - acontece as 4:00 da manhã no inverno. O anfitrião fica acordado a noite toda preparando o evento. Durante o chaji, o café da manhã é servido, as velas estão acesas até que, ao fim, o anfitrião abre a janela e o sol entra na sala quando as velas estão quase se apagando.

hango chaji ou okashi chaji - ocorre em qualquer época do ano depois das refeições. Assim a refeição não é servida e os convidados vêm apenas para tomar o chá forte (koicha) e fraco (usucha) com doces. chajin - lit. “pessoa de chá”, isto é, o afficionado que segue os ideais do chanoyu não só na sala de chá, mas na vida em geral.

chakai - reunião pública e informal de chá. A refeição completa é substituída por uma pequena refeição e serve-se somente chá fraco e doces. chamei - lit. “nome de chá”. Nome dado pelo grão-mestre a alunos que tenham recebido todos os certificados e estão aptos para dar aulas. O chamei é colocado entre o prenome e o sobrenome do aluno quando ele se apresenta. Ele simboliza que o aluno é parte da “família” (clã) da escola. chanoyu - lit. “água quente para o chá”, refere-se a cerimônia do chá, ou caminho do chá.

chashaku - medida comumente feita de bambu para retirar o chá em pó do pote e colocá-lo na tigela de chá em meio a cerimônia do chá. Pode ser feita em bambu,

madeira ou marfim, dependendo da formalidade da ocasião. Usa-se duas medidas de chashaku para o chá fraco, e três para o chá forte. Os chashakus têm nomes poéticos escolhidos por quem os confeccionou. chashitsu - sala de chá. chawan - tigela de chá. daimyo - senhor feudal que governava as províncias do Japão antes da Restauração Meiji. daisu - mesa para utensílios usada em temae mais avançados. Consiste de duas prateleiras que simbolizam o céu e a terra unidos, isto é, o universo. do - lit. caminho, termo taoista relacionado a uma disciplina ou treino a ser seguido durante a vida. dôbôshu - lit. “curadores”, assistentes do xogum e árbitros do gosto, escolhiam quais objetos seriam aquiridos e decidiam como seriam expostos nas reuniões do xogum. dogu - utensílios para o chanoyu.

dôkôkai - ou dokyokai, pequeno grupo que pratica o chanoyu com um professor. dôzoku - lit. "a mesma família, mesmo clã”. Instituição que funciona como uma família.

fukusa - tecido em seda medindo 28cm por 27cm que serve para purificar os utensílios na preparação do chá. Para as mulheres é geralmente vermelho e para os homens é roxo escuro.

furo - brazeiro feito em metal (geralmente ferro ou bronze) ou cerâmica (mais informal) que contém o fogo. Durante a cerimônia, o chá é feito na chaleira que é colocada em cima do furo. Usado de maio a outubro, isto é, na época do verão. Originário da China.

furyu - conceito estético que significa tudo que é elegante, refinado. Combina os ideogramas de “vento” e “fluxo”.

gaijin - lit. “pessoa de fora”, isto é, estrangeiro.

gaku - o estudo, uma das três partes do aprendizado do chado.

gakuen - escola profissionalizante de chado estabelecida pela Fundação Urasenke. Também chamada de Urasenke Semmon Gakko.

ginkakuji - Pavilhão de Prata, simboliza o movimento cultural de Quioto no século XV.

gozumi - cerimônia na qual adiciona-se carvão ao braseiro na segunda parte de um chaji.

gyô - Dentro do sistema de classificação de objetos e comportamentos de acordo com o grau de formalidade, o gyô denomina tudo que é semi-formal.

gyôtei - lit. "aqueles que aprendem/ensinam com seus corpos e coração", neste caso, professores mais avançados, assistentes do grão-mestre.

hakama - Calças largas usadas por cima do kimono para homens em situações formais.

hanaire - vaso de flor.

hana yose - Cerimônia na qual os convidados fazem arranjos florais como oferendas para serem colocados no nicho. Ocorre em ocasiões de memorial de grão-mestres. hantô - lit. “meio oeste”, em referência a posição em que o assistente do anfitrião se coloca na sala de chá. hatsugama - lit. “primeira chaleira”, a primeira festa do ano novo no chanoyu. Ocorre entre 10 e 14 de janeiro.

higashi - doces “secos”, geralmente confeccionados com açúcar e farinha de arroz, para serem consumidos antes do chá fraco (usucha).

honke - clã central. ichigo ichie - “um encontro só acontece uma vez”. Expressão muito usada no chanoyu, implica em que os momentos da vida nunca se repetem, por isto é preciso estar sempre atento ao momento presente. Não se deve pensar no futuro ou passado, pois eles não existem.

ie - lit. "a casa", sistema de organização que assegura a existência econômica do grupo.

iemoto - lit. "casa principal". Sistema organizativo ligado às escolas de arte tradicional em que a tradição se transmite oralmente. Outro nome para o grãomestre, também chamado de Oiemoto.

issei - a primeira geração de imigrantes japoneses.

jaku - um dos quatro princípios filosóficos do chanoyu, indica tranquilidade interior e desapego ao viver-se como um chajin.

jiku - rolo de caligrafia pendurado no tokonoma. Geralmente traz uma frase zen ou um verso de um poema waka. É colocado na sala de chá na primeira parte do chaji, quando a refeição é servida. O jiku é uma comunicação não verbal entre o coração do anfitrião e o do convidado. Ele instaura uma atmosfera adequada para o chanoyu.

jitsu - prática, uma das três partes do aprendizado do chado.

joyagama - lit. "noite em que se limpa a chaleira", festa em que se faz o último chá do ano, na noite de 31 de dezembro.

juttoku - jaqueta preta usada por cima do kimono por professores de chanoyu.

kachigumi - vitoristas, imigrantes e descendentes de japoneses no Brasil que se recusavam a acreditar na derrota do Japão na segunda guerra mundial.

kaiseki - refeição que acompanha um chaji. Kaiseki era o nome dado às pedras quentes que os monges zen colocavam no estômago para aplacar a fome e o frio nas longas horas de meditação. Inspirada na comida servida nos mosteiros zen, tornou-se o paradigma da culinária japonesa. Sua aparente simplicidade não consegue esconder o apuro com que os pratos de diferentes materiais (cerâmica, laca, cristal, porcelana) são combinados com os alimentos escolhidos de acordo com as estações do ano. O kaiseki não é uma refeição somente para o estômago, mas principalmente para os olhos e espírito.

kama - a chaleira usada para ferver a água na sala de chá. Geralmente feita de ferro.

kata - forma.

katachi - coração dentro da forma, isto é, o espírito de uma disciplina a ser aprendida e praticada como, por exemplo, o chado.

katanakake - suporte para espadas criado por Rikyû para que os samurais as deixassem fora da sala de chá.

kitayama - cultura criada na época do xogum Ashikaga Yoshimitsu (1368-1408) nas montanhas ao norte de Quioto, culminada com a construção do retiro Kinkakuji, ou Pavilhão Dourado.

kei - Um dos quatro princípios filosóficos do chanoyu, é o respeito e sentimento de gratidão que existe entre as três partes: o anfitrião, o convidado e a natureza.

keiko - aula prática de chanoyu.

kimono - roupa usada por homens e mulheres no Japão.

kohai -sempai - sistema de organização da sociedade japonesa pelo qual os mais velhos devem proteção e assistência aos mais jovens, e estes, por sua vez, devem obediência aos mais velhos.

koicha - chamado de chá forte, é produzido com as folhas de cima da planta do chá, mais novas e portanto menos amargas. Para se preparar o koicha na sala de chá mistura-se uma quantidade maior de pó (três chashakus para cada pessoa) à água quente.

kokoro - ou shin, isto é, coração/mente/espírito.

konarai - os primeiros dezesseis temae a serem aprendidos pelo neófito do chanoyu.

konnichian - principal sala de chá de Urasenke, geralmente usada para denominar toda Urasenke.

konomi mono - utensílios preferidos por um grão-mestre, geralmente desenhados por ele e confeccionados a seu pedido.

kyaku - o convidado

kyôjô - certificado dado pelo grão-mestre dando permissão para que um aluno estude o chado. Também chamado de menjo.

macha - Chá usado no chanoyu. Para produzi-lo, as folhas são ressecadas e moídas até que se transformem num pó verde. Para prepará-lo dentro da sala de chá, bate-se a água quente com o pó até que se forme uma espuma na superfície.

makegumi - derrotistas, imigrantes e descendentes de japoneses no Brasil que, por acreditar na derrota do Japão na segunda guerra mundial, foram ameaçados por seus pares.

menjo - certificado dado pelo grão-mestre dando permissão para que um aluno estude o chado. Também chamado de kyujô.

midorikai - curso para estrangeiros da escola Urasenke.

mizuya - sala de preparação onde os utensílios são guardados e preparados para a cerimônia. Localiza-se ao lado ou atrás da sala de chá.

mizuya mimai - dinheiro dado pelos convidados dentro de um envelope para ajudar a compensar o anfitrião e ajudantes por um chakai ou chaji.

mizuya sensei - aqueles que estão treinando para tornar-se gyoteis

mochi - bolo de arroz.

mugenki - seichu enno mugenki, termo derivado dos nomes budistas dos três últimos grão-mestres de Urasenke. Nome dado ao memorial anual feito em sua homenagem no dia 5 de julho.

muji - kimono monocromático sem desenhos usados em ocasiões formais.

mushanokojisenke - uma das três escolas de chá fundadas por Sen Sotan, neto de Rikyû. mushin - “não-mente”, o vazio uno do zen-budismo.

nijiriguchi - entrada da sala de chá criada por Sen no Rikyû, mede aproximadamente 1.2m de altura, tem forma quadrada e por ser tão pequena é necessário curvar-se para passar por ela.

nissei - segunda geração de japoneses, aqueles nascidos fora do Japão.

nyûmon - certificado que dá ao aluno permissão para começar a estudar o chanoyu.

obi - faixa para prender o kimono.

ochugen - presentes dados no meio do ano no Japão.

ojigi - reverência, há três graus de formalidade: formal (shin), semi-formal (gyo) e informal (so).

okashi - doces para o chanoyu, há dois tipos: omogashi (úmidos, servidos junto ao koicha e higashi (secos, servidos junto ao usucha).

okencha - preparação formal do chá como oferenda para um templo xintoista.

okucha - preparação formal do chá como oferenda para um templo budista.

omiai - casamento arranjado.

Omotesenke - uma das três escolas de chá criadas por Sen Sotan, descendente de Sen no Rikyû.

on - gratidão, obrigação devida.

oyako - relação de proteção e obediência (obrigações mútuas) entre pais (oya) e filhos (ko).

Rikyû - Sen no Rikyû (1522-1591), primeiro grão-mestre das escolas Urasenke, Omotesenke e Mushanokoji de cerimônia do chá.

rikyûki - celebração do aniversário de morte de Sen no Rikyû, acontece anualmente em 28 de março. ro - brazeiro construído numa abertura de 42.2cm2 por 50cm de profundidade no tatami, para ser usado no inverno (novembro a maio no Japão) na sala de chá.

roji - jardim da cabana de chá, atua como passagem simbólica entre o mundo exterior, profano, e o mundo interior da sala, sagrado.

sabi - conceito estético referente a qualidade de envelhecido, algo usado e marcado pelo tempo que passa, e portanto contendo uma simplicidade profunda.

saigyo - nome budista, geralmente dado após a morte.

saijiki - almanaques onde elementos simbólicos, festas, alimentos, ornamentos típicos para cada mês do ano são listados.

sansei - terceira geração de descentes de imigrantes japoneses.

satori - iluminação.

sei - a pureza, refere-se à limpeza e ordem não só no sentido físico, nas salas, utensílios e jardim, mas também no espiritual - pureza no coração (kokoro).

seibo - presentes dados no fim do ano no Japão.

seinenbu - grupo de jovens que forma um clube de chá.

seiza - posição ao sentar-se sobre as pernas no tatami.

seki - termo que indica cada uma das várias sessões de chanoyu num chakai. Como há muitos convidados, eles devem entrar em grupos na sala.

sensei - professor, termo respeitoso.

sensu - pequeno leque usado no chanoyu.

shibu - um grupo que estuda chanoyu afiliado à escola Urasenke.

shibui - beleza não aparente à primeira vista, enevoada, não óbvia.

shichiji shiki - demonstrações de cerimônias que geralmente envolvem de 5 a 7 praticantes ao mesmo tempo, que se alternam nos papéis de convidado e anfitrião.

shin - estilo formal

shin - ou kokoro, coração/mente/espírito.

shodo - arte da caligrafia japonesa.

shôji - portas de madeira e papel translúcido.

shokyaku - convidado principal, responsável pela comunicação entre o anfitrião e os convidados.

shozumi - cerimônia na qual adiciona-se carvão (sumi) ao braseiro, na primeira parte de um chaji.

shuchojô - filial de Urasenke no exterior.

so - estilo informal

sôtanki - memorial para Sen Sotan (neto de Rikyû e fundador das escolas de chá Sen) que ocorre anualmente em 19 de Novembro.

tana - mesinha portátil para utensílios usados durante o chanoyu.

temae - gestos que comprazem cada tipo de preparação cerimonial do chá.

teishu - o anfitrião, aquele que prepara o chá.

tenshin - pequena refeição servida em chakai.

toban - obrigações de preparação e limpeza da sala antes e depois da aula de chanoyu ou de um chakai.

tocha - jogo de adivinhação muito comum no século XIV no Japão. Eram servidos diversos tipos de chá e os participantes deveriam adivinhar sua procedência.

tokonoma - nicho onde na primeira parte do chaji (a refeição kaiseki) encontra-se uma caligrafia e na segunda parte (quando o chá é servido) coloca-se o arranjo floral (chabana).

toriawase - escolha dos utensílios para o chanoyu. Eles devem estar de acordo com a estação do ano, com o tema da reunião e estarem em harmonia entre si.

tsume - último convidado, ajuda a levar utensílios até a porta da sala.

Urasenke - uma das escolas de chá que descendem de Sen no Rikyû. Por divulgar esta arte em larga escala e também no exterior tornou-se a maior escola de chanoyu do Japão.

usucha - chá fraco.

wa - harmonia, é o sentimento de perfeita integração entre o convidado, o anfitrião e a natureza.

wabi - conceito estético e filosófico que denomina tudo que é simples e quieto, rústico, algo que deixa sua essência aparente.

waka - poesia aristocrática pré-medieval japonesa.

waka sôshô - filho primogênito e herdeiro do grão-mestre.

warigeiko - primeira prática estudada pelos alunos de chanoyu, consiste em aprender os gestos do temae separados de sua sequência.

yonsei - descendentes de quarta geração.

yûgen - conceito estético, refere-se a qualidade de mistério etéreo e profundo de um objeto.

zazen - meditação zen.

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