A CES E O IRS – que relação

May 30, 2017 | Autor: Lopes da Silva | Categoria: Tax Law, Taxation, Tax reform, Tax Policy
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VERSÃO FINAL 2014-03-13

A CES E O IRS – que relação? Manuel Faustino*1

1. A CES – Consagração legal e modo de cálculo2

Foi o artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro3, que consagrou entre nós, pela primeira vez, esta espécie do género “contribuição extraordinária”, denominada Contribuição Extraordinária de Solidariedade (CES). Nessa primeira versão, o tributo, à taxa única de 10%, incidia sobre reformas, pensões, subvenções e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza, pagas a um único titular, cujo valor mensal seja superior a € 5000, e apenas sobre o montante que excedesse este valor. Exemplificando, uma pensão mensal de € 8000, pagaria a CES de (8000–5000) x 10% = € 300. Anualizando, esta CES representou um encargo para o pensionista de 14 x 300 = € 4200, ou seja, um encargo que se traduziu numa taxa efetiva de 3,75% da sua pensão anual4 (4200:112000x100). A etapa subsequente foi percorrida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro5. No n.º 1 do seu artigo 20.º, dispôs esta lei que se mantinham em vigor os n.ºs 2 e 3 do artigo 162.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro. No entanto, o n.º 15 do mencionado artigo 20.º, criando a primeira modalidade de progressividade nesta contribuição, prescreveu que: 15 — As pensões, subvenções e outras prestações pecuniárias de idêntica natureza, pagas a um único titular, são sujeitas a uma contribuição extraordinária de solidariedade, nos seguintes termos: a) 25 % sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do indexante dos apoios sociais (IAS)6 mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor; b) 50 % sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o IAS.

* Partner de N. Pinto Fernandes, M. Faustino & Associados, Consultores Fiscais, Lda.. Jurista. O presente estudo foi também publicado na Revista TOC, n.º 168, março de 2014. 2 Não é objeto da presente análise a recente Lei n.º 11/2014, de 6 de março, que estabelece mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral de segurança social, isto traduzido, que por via da revisão dos mecanismos de cálculo das pensões devidas pela prestação de serviço público, vai diminuir os respetivos montantes para as pensões calculadas após a sua entrada em vigor, independentemente do momento em que tiverem sido requeridas. Não se encontra nenhuma norma nesta Lei que exclua as “novas” pensões da incidência da CES. 3 Lei do Orçamento do Estado para 2011. 4 O exemplo escolhido não é neutro. Portugal não tem, infelizmente para nós que não somos adeptos do miserabilismo, nem do nivelamento por baixo, muitas pensões deste nível. Ele foi escolhido por razões didáticas, porque nos permite explicar, por um lado, o mecanismo de cálculo da CES e, por outro, o objetivo primeiro deste breve excurso, o de confrontar a solução consagrada ou não no Código do IRS para a dedução da CES. 5 Lei do Orçamento do Estado para 2012. 6 Relembre-se que o Indexante de Apoios Sociais (IAS) foi fixado pela última vez pela Portaria n.º 1514/2008, de 24 de dezembro, em € 419,22, encontrando-se “congelado”, certamente para não se deteriorar. 1



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Donde resultou, para pensionistas e reformados, a seguinte situação contributiva no âmbito da CES (2012): Pensões mensais totais por titular excluídas do pagamento da CES: até € 5000; Valores superiores a € 5000: Até € 30,64 – 10% Entre € 30,64 e 2515,32 – 25% Acima de 2515,32 – 50% Para o exemplo da pensão de € 8000 o cálculo da CES passou a fazer-se do seguinte modo: Até € 5000 não sujeição 12x419,22 = 5030,64 -5.000= € 30,64 x10% = 3,06 18 x 419,22= 7.545,96- 5.030,64 = 2515,32 x 25% = 628,83 8000,00 - 7545,96 = 454,04 x 50% = 227,02 Total mensal da CES: € 858,91 Anualizando, esta CES representou um encargo para o pensionista de 14 x 858,91 = € 12.024,74 ou seja, um encargo que se traduziu numa taxa efetiva de tributação de 10,74% da sua pensão anual (12024,74:112000x100). Com a Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro7, o regime jurídico da CES foi substancialmente modificado8. Com efeito, o artigo 78.º da referida lei, reestruturou-o nos termos seguintes, para o que aqui nos interessa: Artigo 78.º Contribuição extraordinária de solidariedade 1 — As pensões pagas a um único titular são sujeitas a uma contribuição extraordinária de solidariedade (CES), nos seguintes termos: a) 3,5 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal entre € 1350 e € 1800;



Aprova o Orçamento do Estado para 2013. E já não abordaremos o regime da CES para 2014. Este mantém, nas suas linhas essenciais, a estrutura da CES vigente em 2013. Com as modificações introduzidas ao artigo 76.º da Lei 81-C/2013, de 31 de dezembro – Lei do Primeiro Orçamento Retificativo que, segundo a imprensa noticiou, foi ratificada pelo Presidente da República, mas ainda não foi publicada à data em que escrevemos este texto, seguindo, portanto o texto do Decreto n.º 206/XII aprovado pela Assembleia da República e disponível no respetivo site – as alterações fundamentais são duas: (i) a CES passa a incidir sobre pensões a partir dos € 1000, embora nenhum pensionista possa receber, líquidos de CES, menos de € 1000 de pensão/mês; os limiares dos 15% e dos 40% baixam para montantes que excedam, respetivamente, 11 e 17 vezes o valor do IAS, em vez das anteriores 12 e 18 vezes. Consequentemente, quer nos limiares quantitativos inferiores, quer nos limiares quantitativos superiores, vai verificar um agravamento da tributação, tendo, aparentemente, sido “poupadas” ao agravamento as pensões entre €1350 e € 3750. Outro aspeto que não pode deixar de relevar-se é que o “caráter transitório” da CES, que o Tribunal Constitucional elevou em pedra angular da sua não desconformidade constitucional, se existe é no regime, que anualmente vem sendo alterado, e, como se demonstrou, sempre no sentido que, eufemisticamente, se pode denominar de “rapa o tacho”.

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b) 3,5 % sobre o valor de € 1800 e 16 % sobre o remanescente das pensões de valor mensal entre € 1800,01 e € 3750, perfazendo uma taxa global que varia entre 3,5 % e 10 %; c) 10 % sobre a totalidade das pensões de valor mensal superior a € 3750. 2 — Quando as pensões tiverem valor superior a € 3750 são aplicadas, em acumulação com a referida na alínea c) do número anterior, as seguintes percentagens: a) 15 % sobre o montante que exceda 12 vezes o valor do IAS mas que não ultrapasse 18 vezes aquele valor; b) 40 % sobre o montante que ultrapasse 18 vezes o valor do IAS.

Voltando ao nosso exemplo inicial, qual foi, em 2013, a tributação em CES de uma pensão mensal de € 8000? Façamos os cálculos: Matéria coletável Taxa Imposto 3750,00 10% 375,00 2538,30 15% 380,75 1711,70 40% 684,68 8000,00 1440.43 Anualizando, a CES representou, em 2013, um encargo para o pensionista de 14 x 1440,43 = € 20166,02 ou seja, um encargo que se traduziu numa taxa efetiva de tributação de 18,01%, da sua pensão anual (20166,02 :112000 x100). De tudo decorrendo que também à CES se referiria certamente Vítor Gaspar, por via do rigor que (quase) sempre o caracterizou, quando na célebre conferência de imprensa proferiu a frase que lhe ficará para a história: “temos este ano um enorme aumento de impostos”.

2. A dedução específica das pensões no IRS

É óbvio que a CES veio levantar um problema novo diretamente relacionado com a questão da dedução consagrada no artigo 53.º do Código do IRS (CIRS) para as pensões. Não, jamais me lerão “rendimentos de pensões” como agora é modo dizer-se, porque esses rendimentos, para mim, foram, são e hão de ser sempre, mesmo que o legislador legisle, por imbecil ignorância, em contrário, rendimentos de atividades hoteleiras ou similares, incluídos, portanto, na categoria B, como é consabido. Na categoria H integram-se as pensões, como na A os salários ou ordenados, e as pensões são elas próprias os rendimentos e não a “fonte” dos rendimentos. A “fonte” dos rendimentos/pensões é a situação jurídica (pensionista, reformado) de onde derivam. Talvez seja essa a razão pela qual os germânicos falem de direito de propriedade a propósito das pensões, quem sabe? Posto isto, tentativamente pedagógico, vamos ao que mais interessa: a evolução da redação do artigo 53.º do CIRS, para se tentar perceber se a introdução da CES, enquanto

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tributo sobre um rendimento sujeito ao constitucional imposto sobre o rendimento pessoal, que deve ser único e progressivo e atender aos rendimentos e às necessidades do agregado familiar e, além disso, deve incidir, por princípio inquestionável para todos os que estudam ou estudaram minimamente os impostos pessoais sobre o rendimento que vigoram nos países a que gostamos de nos comparar, sobre o rendimento líquido, foi objeto de preocupação do legislador fiscal. Antecipamos que não nos parece que tenha sido, porque se apercebeu do dilema que a CES lhe vinha pôr: dava-lhe receita do lado da despesa, porque não apenas lhe diminuía o valor das pensões a pagar como ainda, positivamente, na medida em que a tornava obrigatória para o segundo pilar, lhe fazia entrar nas depauperadas arcas da segurança social, alguns denários. Mas, seguramente, também lhe traria o reverso da medalha, se olhasse o problema de frente e lhe desse a solução justa: dar-lhe-ia despesa do lado da receita, o que, convenhamos, em tempos de aperto, não era muito atrativo9. O chato desta história é que os pagadores da fatura, que não obstante ter número de contribuinte, mesmo que não pedido, não conta para os sorteios das noites anunciadas, são os mesmos que tendo nome e rosto, fizeram a revolução neste País, construíram aqui a democracia e colocaram Portugal na Europa e no Mundo e mereciam um pouco mais de consideração da sua pátria: os pensionistas e os reformados. Em 31 de dezembro de 2010, o ano 0 da CES, o artigo 53.º do CIRS tinha a seguinte redação10: Artigo 53.º 
 Pensões 1 - Aos rendimentos brutos da categoria H de valor anual igual ou inferior a € 6 000 deduzse, até à sua concorrência, a totalidade do seu quantitativo por cada titular que os tenha auferido. (Redacção da Lei n.º 67-A/2007 de 31/12) 

 2 - Se o rendimento anual, por titular, for superior ao valor referido no número anterior, a dedução é igual ao montante nele fixado. 3 - (Revogado) (Lei n.º 53-A/2006 de 29/12) 4 - Aos rendimentos brutos da categoria H são ainda deduzidas: 

 a) As quotizações sindicais, na parte em que não constituam contrapartida de benefícios relativos à saúde, educação, apoio à terceira idade, habitação, seguros ou segurança social e desde que não excedam, em relação a cada sujeito passivo, 1 % do rendimento bruto desta categoria, sendo acrescidas de 50 %; 

 b) As contribuições obrigatórias para regimes de protecção social e para subsistemas legais de saúde, na parte que exceda o montante da dedução prevista nos n.os 1 ou 5. (Redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro

 5 - Os rendimentos brutos da categoria H de valor anual superior a (euro) 22 500, por titular,

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O que no Acórdão n.º 187/2013, do TC, foi denominado “perspectivação ambivalente, privilegiando o efeito prático do lado da despesa ou da receita, consoante o seu âmbito subjetivo de incidência” – cfr. DR, 1.ª Série, n.º 78, de 22 de abril de 2013, pp. 2382, n.º 73 do texto. 10 Utilizaremos as redações constantes do Portal da AT – Autoridade Tributária e Aduaneira, em razão da fiabilidade que, legalmente, garantem (n.º 6 do artigo 59.º da Lei Geral Tributária)



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têm uma dedução igual ao montante referido nos n.os 1 ou 4, consoante os casos, abatido, até à sua concorrência, de 20 % da parte que excede aquele valor anual. (Redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro)

 6 - (Revogado) (Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) 7 - Excluem-se do disposto no n.º 1 as rendas temporárias e vitalícias que não se destinem ao pagamento de pensões enquadráveis nas alíneas a), b) ou c) do n.º 1 do artigo 11.º

Este já não era, longe disso, o regime originário da dedução específica das pensões. Deve, aliás, referir-se que a não integração originária das pensões na categoria A, como sucede na maior parte dos países com impostos sobre o rendimento pessoal idênticos ao nosso, ficou a dever-se à circunstância de as pensões, no sistema de tributação dos impostos cedulares, não estarem, em regra, sujeitas a imposto profissional. Apenas o estavam quando acumuladas com rendimentos de trabalho. Ora, nesse quadro, foi necessário criar uma categoria própria para acomodar as pensões, tendo em vista garantir-lhes em sede de IRS, por via do tratamento analítico, uma dedução que não teria propriamente como fundamento o princípio do rendimento líquido, na sua vertente objetiva (o rendimento bruto deduzido dos encargos necessários à sua obtenção), e, consequentemente, uma tributação que não seria, em média, superior àquela de que eram objeto no anterior modelo de tributação (princípio político assumido sem qualquer hesitação como alavanca essencial da divulgação e defesa da nova reforma fiscal). Devem-se ao Doutor Amaral Tomaz os correspondentes estudos estatísticos, projeções e cálculos, e, finalmente, a criação da dedução que permitiu não apenas a consecução desse primeiro e principal objetivo, mas permitiu também, sem necessidade de qualquer regra que expressamente a salvaguardasse, que nenhuma pensão de valor igual ou inferior ao valor anual do salário mínimo nacional mais elevado fosse, também ela, tributada. Toda esta lógica veio, posteriormente, a ser abandonada e, crê-se, deixou depois de haver qualquer lógica na dedução específica da categoria H. Se a há, escapa-nos o privilégio de conhecer o princípio que a rege e, então, o defeito só pode ser nosso. Aliás, a primeira entorse introduzida à dedução específica das pensões sucedeu logo em 1992/93, quando alguém, com poder para o efeito, incomodado com o facto de haver notários a reformarem-se, à data, com reformas superiores ao vencimento do primeiroministro, entendeu, na sua professoral perspetiva, que a culpa era do sistema fiscal e isso mesmo escreveu, pelo seu punho, na página de um dos diários da república que evidenciava a (triste) realidade: “algo está mal no sistema fiscal” foi frase que nunca mais conseguimos limpar da nossa memória, tal foi o murro no estômago que nos provocou quando dela tomámos conhecimento, por força das funções que então exercíamos11. Pois bem, é essa célebre frase que está na origem do n.º 5 da norma acima transcrita, aditada ao então artigo 51.º do CIRS, com o n.º 3, pela Lei n.º 30-C/92, de 28 de dezembro, com a seguinte redação: Para rendimentos anuais, por titular, de valor anual superior ao vencimento base anualizado do cargo de Primeiro-Ministro, a dedução é igual ao valor máximo 11

As prestigiantes, e que muitos honraram, funções de primeiro diretor de serviços do IRS o que, para o bem e para o mal, a história registará. Só lamentamos as muitas vezes que não estivemos à altura dos desafios que elas nos colocaram. Não obstante, ficámos e continuamos de consciência tranquila relativamente a essa fase da nossa vida profissional.



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referido no número anterior, abatido, até à sua concorrência, da parte que excede aquela importância. Ora, mesmo esta inusitada e inapropriada restrição foi já adulterada, de que as primeiras e principais vítimas foram, imagine-se, cidadãos ingleses que tinham a sua residência no Algarve num tempo em que ainda só havia sol e não eram conhecidos os vistos Gold nem regimes especiais para residentes não habituais, que tinham reformas razoáveis e não lhes era imputável qualquer culpa pelo miserabilismo fiscal português12, em relação à sua ratio originária, passando a ser apenas mais um elemento de agravamento de tributação das famigeradas pensões. Verificamos, então, nesta deriva da dedução específica, ainda aproximada do modelo originário, que as principais novidades são duas: i) À dedução “normal” acrescem as quotizações sindicais, nos mesmos termos previstos para a categoria A, fruto do reconhecimento, no âmbito de negociações com as centrais sindicais, que, afinal, muitos trabalhadores reformados, continuavam a ser sindicalizados e, na reforma, as quotizações sindicais não eram dedutíveis em categoria, nem, à data, abatíveis ao rendimento líquido global; ii) Integram-se na dedução “normal” os descontos obrigatórios para regimes de proteção social, os quais todavia serão sempre dedutíveis mesmo quando se perca o direito à dedução específica por força da restrição, melhor, ablação, constante do n.º 5 a que acima nos referimos. Esta norma reconhece que, também na reforma, se mantinham, à data, nalgumas situações, nomeadamente no setor bancário, descontos obrigatórios para regimes de proteção social (no caso mencionado, para o subsistema SAMS), a que, aliás, se veio juntar, mais tarde, o desconto para o subsistema ADSE dos funcionários públicos. Não se deu, porém, o passo que a justiça na tributação impunha. Em vez de considerar tais descontos dedutíveis autonomamente à luz de um princípio de equidade vertical em relação ao tratamento primário ou analítico dos rendimentos (vimos antes que a razão fundamental da dedução específica da categoria H não foi a de permitir a dedução de encargos inerentes à obtenção dos rendimentos, mas tão só a de os colocar em pé de igualdade com os restantes rendimentos antes do englobamento), o legislador fiscal acabou por integrá-los na dedução já prevista na categoria, apenas lhes dando carta de alforria quando superassem o valor da dedução específica já com a ablação que lhe devia ser feita nos termos da alínea do n.º 5 do artigo 53.º do CIRS. Com a vigência no nosso ordenamento jurídico, em 2011, pela primeira vez, da CES, um tributo relativamente ao qual, sem entrarmos aqui em polémica, vamos aceitar como boa a qualificação que lhe foi dada pelo Tribunal Constitucional no já referido Acórdão n.º 187/2013, de contribuição para a segurança social13, a que, para efeitos de IRS, ape 12

Talvez isto ajude a perceber um pouco melhor a razão dos “instrumentos de atração subjetiva” de que acabamos de falar: quando se tem visitas, manda a genuína tradição portuguesa que se ponha na mesa a melhor ornamentação, o melhor serviço de loiça, o melhor talher, os copos do melhor cristal; a “miséria encoberta” fica para os de casa. Se sempre assim foi, por que não há de continuar a ser? 13 Op. e loc. cit.



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nas acrescentaremos, de nossa lavra, mas com óbvio respaldo legal, o adjetivo “obrigatória”, passando, assim, a ser considerada uma contribuição obrigatória para a segurança social ou, o que vai dar no mesmo, contribuição obrigatória para regime de proteção social, a questão da dedução específica da categoria H ganha, obviamente, outra relevância em sede de tributação de IRS. Porque a “medida justa” que se impunha, se a natureza da CES relevava preponderantemente de um instrumento de diminuição de despesa, traduzir-se-ia14, em todos os casos, independentemente da tal “perspetivação ambivalente” de que fala o Tribunal Constitucional, na sua declaração, para efeitos de IRS, pelo montante líquido da CES. Na verdade, o rendimento “bruto” de um pensionista, depois da CES, uma medida predominantemente tomada como de diminuição de despesa, é o que ele recebe depois daquela deduzida. Chamem-lhe CES ou corte de pensão, para o titular do rendimento efeito prático é o mesmo. A justiça, na sua dimensão redistributiva, imporia essa medida justa, assim se equiparando, também para efeitos de IRS, os cortes nos salários e os cortes nas pensões. Todavia, não foi esse, ab initio, o caminho seguido, camufladamente, e em clara discriminação negativa dos pensionistas e reformados, pelo legislador fiscal. Nesta matéria, assinalam-se, embora não simultâneas, duas alterações relevantes: i) Pressentindo o “escândalo mediático” que seria a não dedutibilidade total da CES por força da natureza perentória do n.º 5 do artigo 53.º do CIRS, a mesma lei que criou a CES, a Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, alterou, embora sem dar grande publicidade à alteração, a al. b) do n.º 4, garantindo a suscetibilidade de a dedução específica já reduzida nos termos do n.º 5 do artigo 53.º ser substituída por contribuições obrigatórias para regimes de proteção social ou para subsistemas legais de saúde, embora, num certo sentido, a dupla remissão que no normativo se verifica pudesse levar a uma “entrada em círculo” capaz de justificar uma interpretação diversa daquela que, e bem, acabou por ser adotada; ii) A dedução específica “de base”, com as limitações a que já se fez referência, fixada há muito em € 6000, foi reduzida, pela Lei n.º 64-B/2011 de 30 de dezembro, para “72% de 12 vezes o valor do IAS”, assumindo-se neste caso ainda o valor da remuneração mínima mensal garantida15 ou seja 72% x 12 x 475 = € 4104, uma redução da ordem dos 30%! Para cúmulo, como então foi politicamente defendido, justificou-se a alteração com o desígnio “de aproximar a categoria H da cate 14

Foi essa, naturalmente, a consequência dos cortes salariais. Também a falta de igualdade neste tratamento, discrimina negativamente as pensões. E dizem-nos que não há razões para inconstitucionalidade? Onde, então, as encontraremos? 15 Outro absurdo, em nosso entender, introduzido no Código do IRS, foi o indexante assistencialista IAS, quando o indexante fiscal relevante, aquele que merece proteção constitucional, é a remuneração mínima mensal garantida (rmmg). Foi, em nossa opinião, apenas um modo de fazer crescer artificialmente a receita do imposto (aumentar o imposto, sem aumentar as taxas – expediente velho como o imposto, mas que de que alguns ainda se julgam achadores). Mas o que é mais confuso e complexo é que, não obstante em todos os casos constar hoje do CIRS o IAS como indexante, nuns casos tem de utilizar-se o seu valor, mas noutros, ao abrigo de normas de salvaguarda, mantém-se o valor da rmmg, enquanto o valor do IAS a não atingir. Com o IAS “congelado” vai para 6 anos, esta forma de legislar fará algum sentido? Ou apenas serve para chumbar alunos distraídos?



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goria A”. Houvesse algum decoro e dir-se-iam menos inverdades para justificar o aumento da receita do IRS. Portanto, temos de convir que, conscientemente, o legislador fiscal limitou-se a preparar, e de um modo não isento de críticas, o artigo 53.º do CIRS para a solução que, perante a CES que aí vinha, menores estragos financeiros fizesse ao nível do IRS, sabido como é que as pensões, não obstante o seu, infelizmente, reduzido nível, constituirão hoje, provavelmente, não obstante a opacidade das estatísticas oficiais e mesmo da Conta Geral do Estado, o segundo pilar financeiro do imposto, a seguir aos rendimentos do trabalho dependente, ou seja, a garantia da dedução autónoma da CES, embora apenas a partir do momento em que o seu montante excedesse o valor da dedução específica já consagrada para a categoria H. E com essa solução, mais iníqua tornou, em termos de equidade horizontal, a tributação das pensões no imposto sobre o rendimento pessoal.

3. A relação entre a CES e o IRS

3.1 Com a dedução específica da categoria H A relação entre a CES e o IRS é, pois, a de minimis, entre pelo menos três que seriam possíveis: i) A declaração das pensões já sem a CES, solução que seria, sem dúvida, a medida justa; ii) A declaração das pensões com a CES incluída e a sua dedução autónoma em todas as situações em relação à dedução específica já existente; iii) A declaração das pensões com a CES incluída e a sua dedução não autónoma em relação à dedução específica já existente, apenas se autonomizando quando o montante das contribuições para a segurança social e para subsistemas legais de saúde são superiores àquela, solução vigente. As dúvidas que esta matéria suscitou resultaram de alguma opacidade por parte da administração fiscal em sede de informação pública, que não em sede de ação concreta no que diz respeito à liquidação do imposto. Neste particular domínio, julgamos que as regras de liquidação sempre aceitaram, e efetivamente deduziram, para efeitos de determinação do rendimento líquido da categoria, o montante das contribuições para a segurança social e para subsistemas legais de saúde quando superiores à dedução específica. Tem é de entender-se que esta expressão “quando superiores à dedução específica” não é absoluta, pois tem sempre de conjugar-se com o disposto no n.º 5 do artigo 53.º do CIRS. Por força desta norma, a dedução específica de €4104 vai sendo abatida, a partir de pensões anuais, por titular, de valor superior a € 22500, em 20% da parte que as excede, até à sua concorrência. Por seu turno, a CES, admitindo-se que só esta existe no caso, vai aumentando e aumenta mais que proporcionalmente, uma vez que é progressiva. Existe, pois, um momento em que a curva descendente da dedução específica e a curva ascendente da CES se cruzam e é neste momento que a dedução da categoria H sofre

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uma involução e começa de novo a aumentar, mas agora constituída exclusivamente pela CES. Por aproximação, diremos que a inversão se verifica em pensões próximas do montante mensal de € 2333, pagas 14 vezes no ano, e em que o “desconto” dedutível se resuma à CES. Com efeito: CES (cálculo): 1800 x 3,5% = 63 533 x 16% = 85,28 Desconto mensal: € 148,28 Desconto anual: 148,28 x 14 = € 2075,92 DEDUÇÃO ESPECÍFICA (cálculo): Valor anual da pensão: 2333 x 14 = € 32662 4104 – 20% (32662 – 22500) = € 2071,60 Daqui decorre, com óbvia clareza, que todos os pensionistas e reformados com pensões mensais até € 2530, e serão a esmagadora maioria, não beneficiam, em IRS, em rigor, de qualquer dedução da CES que suportam e lhes retira rendimento, porque a dedução préexistente a consome. O que, em termos de equidade horizontal, evidencia igualmente uma intolerável discriminação negativa porque as pensões superiores acabarão por ter uma dedução efetiva da CES. Como referimos, esta solução minimalista não é sufragada pelo princípio da justiça, na sua dimensão distributiva. Mas, por tudo quanto antes expusemos, também reconhecemos que o intérprete fiscal não podia ir mais longe do que aquilo que foi, perante a lei que o legislador fiscal lhe legou. E, finalmente, não sendo o que, em nosso entender devia ser, mas sendo mais, muito mais, do que até agora tinha sido, temos conhecimento de que a atual diretora de serviços do IRS, Dr.ª Helena Vaz, a quem queremos, nesta primeira vez que publicamente a ela nos referimos, cumprimentar e desejar as maiores felicidades na espinhosa missão que a espera, divulgou pelos Serviços de Finanças um entendimento sancionado superiormente em cujos termos, e de harmonia com o disposto na al. b) do n.º 4 do artigo 53.º do CIRS, a CES é sempre e integralmente considerada para efeitos de dedução específica da categoria H e, em conformidade, deverá ser incluída / declarada na sexta coluna do campo 4A do Anexo A da declaração modelo 3, assim, de algum modo, retificando as instruções de preenchimento que apenas se referem ao trabalho dependente16 16

Com efeito, nas referidas instruções, pode ler-se: Sexta coluna: Devem ser declaradas as contribuições obrigatórias para regimes de proteção social e para subsistemas legais de saúde, efetivamente descontadas nos rendimentos do trabalho dependente, declarados no campo 401. Excluem-se as contribuições relativas a rendimentos totalmente isentos, ainda que sujeitos a englobamento declarados no quadro 4 do Anexo H.



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3.2 Com a dedução específica da categoria A Mutatis mutandis, o que dissemos para a categoria H serve, em certo sentido, para a categoria A. Não é surpresa para ninguém, esperamos, que muitas “reformas” são qualificadas, para efeitos de IRS, como rendimentos de trabalho dependente. Com efeito, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do artigo 2.º do CIRS, são considerados rendimentos de trabalho as importâncias, pagas ou colocadas à disposição, que resultem de: d) Situações de pré-reforma, pré-aposentação ou reserva, com ou sem prestação de trabalho, bem como de prestações atribuídas, não importa a que título, antes de verificados os requisitos exigidos nos regimes obrigatórios de segurança social aplicáveis para a passagem à situação de reforma ou, mesmo que não subsista o contrato de trabalho, se mostrem subordinadas à condição de serem devidas até que tais requisitos se verifiquem, ainda que, em qualquer dos casos anteriormente previstos, sejam devidas por fundos de pensões ou outras entidades, que se substituam à entidade originariamente devedora.

Alheio ao princípio da “unidade do sistema jurídico”, o legislador da CES ignorou esta norma qualificante e incluiu no perímetro de incidência da CES desde logo todas as situações de pré-reforma e pré-aposentação, situações que, aliás, têm regime jurídicos bem definidos. E parece querer nelas incluir, apesar de os respetivos titulares não poderem juridicamente designar-se, nem poderem reclamar o estatuto de reformados ou aposentados, aqueles que revogaram por mútuo acordo o contrato de trabalho com a sua entidade empregadora e esta, diretamente ou por intermédio de algum instrumento financeiro (fundo de pensões ou seguro de vida), lhes está a pagar uma prestação pecuniária de algum modo equivalente a uma prestação de reforma, mas que mais não é que uma prestação contratual e de natureza meramente obrigacional e à qual, em nosso entender, não é aplicável, para todos os efeitos, o regime das pensões ou reformas, não podendo, por isso, considerar-se sequer “equivalente a pensão ou reforma”. Independentemente desse/s problema/s, fica aqui uma certeza: há prestações tributadas em IRS por inclusão na categoria A, como rendimentos de trabalho dependente, que sofrem a ablação da CES. E é aqui muito evidente a discriminação negativa em que incorrem, quando comparadas com os cortes salariais: os salários serão incluídos na declaração de rendimentos e ficarão sujeitos a IRS pelo seu valor “líquido”, isto é, já sem o corte salarial que lhes foi aplicado; as prestações sujeitas a CES serão incluídas e ficarão sujeitas a IRS pelo seu valor “ilíquido”, isto é, antes do seu “corte salarial”, traduzido na CES. O mecanismo de funcionamento da CES na categoria A é idêntico ao da categoria H. Com uma pequena diferença. Embora integrada na dedução garantida (também de € 4104) não se verificará na Categoria A a hipotrofia da dedução e depois a involução, como acontece na categoria H. O que tudo se pode confirmar no disposto no artigo 25.º do CIRS. Na categoria A não existe o “n.º 5 do artigo 53.º”, isto é, a dedução garantida mantém-se íntegra até a CES ser superior a € 4104, passando depois a substituí-la. Quem havia de dizer que a categoria H, que se criou para dar um tratamento equitativo



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às pensões face aos rendimentos do trabalho, com todas estas “voltas” passaria a dar-lhe um tratamento muito menos benevolente e negativamente discriminatório, de tal modo que parece poder hoje afirmar-se que a categoria H deve ser extinta de imediato e integrada, pura e simplesmente, na categoria A, não se alterando nesta qualquer regra. Os pensionistas só teriam a lucrar com a integração e o imposto ficaria mais simples, com menos uma categoria. 3.3 Com a sobretaxa extraordinária O artigo 72.º-A do CIRS acolhe hoje a “sobretaxa extraordinária” que já em anos anteriores vigorou, por via de norma avulsa na lei orçamental. Não nos digam que uma coisa é a CES e outra coisa é esta “sobretaxa extraordinária”. Não nos digam que a CES é uma contribuição para a segurança social e que a sobretaxa é um mero adicional ou adicionamento ao IRS. Não nos digam que a CES é um imposto subjetivamente restrito e que o IRS é um imposto subjetivamente universal. Ao cabo e ao resto são tributos que incidem sobre a mesma realidade, sobre o mesmo rendimento, e mais, que a CES e a sobretaxa extraordinária o fazem adicional e cumulativamente. A sobretaxa instituída pelo artigo 72.º-A não é compreensiva, pois não incide sobre todos os rendimentos sujeitos a IRS. Aliás, e não temos qualquer dúvida em aqui o repetir, pesem embora todas as doutas opiniões em contrário, já defendemos que, em razão da sua não compreensividade, da sua forma própria de determinação da matéria coletável, do facto de não atender aos rendimentos e às necessidades do agregado familiar e da sua taxa proporcional é um novo imposto sobre o rendimento, violador, por isso, da unicidade consagrada no artigo 104.º da Constituição. Viola os princípios constitucionais da unicidade do imposto sobre o rendimento pessoal, da familiariedade e da progressividade. Não vamos, por isso, aprofundar aqui o tema17. Mas não podemos deixar de defender que se algum rendimento devia estar excluído da sobretaxa extraordinária esse rendimento seria o constituído pelas pensões, precisamente porque já suportam uma tributação extraordinária. Não sendo esta dedutível à coleta do IRS (uma quarta hipótese de solução que bem poderia ser adicionada às três que anteriormente descrevemos, se o legislador tivesse “pensado” no caso), julgamos igualmente defensável a tese de que se está aqui perante uma herética (RODRIGUES PARDAL) e intolerável dupla tributação sobre o rendimento. 3.4 Com as taxas adicionais de solidariedade E, por último, há ainda a questão das taxas adicionais de solidariedade em IRS, de 2,5% e 5%, previstas no artigo 68.º-A do CIRS, ainda que para matéria coletável superior a €80000. Não somos preconceituosos quanto a valores e, como já referimos, muito menos aceitamos igualizações ou nivelações miserabilistas, pelos limiares inferiores. 17

Para maiores desenvolvimentos, FAUSTINO, Manuel, Da retroatividade do Imposto Extraordinário, Revista de Finanças Públicas e Direito Financeiro, Lisboa, n.º 3, ano IV, janeiro de 2012, pp. 47/54.



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Pois bem, também aqui é suscetível de verificar-se uma plúrima penalização fiscal. O que teria remédio fácil: as pensões deveriam ser excluídas da base tributável sujeita a estas taxas de solidariedade. Por uma razão simples: já contribuíram para esse peditório. E assim, também por esta via, se faria justiça. 4. Conclusão Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. E estamos preocupados. Se do lado do Governo não é de esperar que este estado de coisas se altere, apenas se podendo esperar que piore, também não vemos do lado da Oposição, para além das generalidades e banalidades habituais, o enunciado de medidas concretas que, neste caso de injustiça fiscal clamorosa, que afeta alguns milhões de portugueses incluídos naquele sub-universo considerado mais frágil, que já não tem poder reivindicativo, incapaz, por outro lado, de encontrar alternativas que lhe permitam recuperar, ao menos parcialmente, o rendimento que, como acabamos de demonstrar, não receamos afirmar, pese embora a estranha interpretação que do conceito fez o Tribunal Constitucional18, lhes é confiscado por 18

E que vale a pena transcrever (op. cit., pp. 2387, n.º 83) : “A variável quantitativa não é, contudo, contrariamente ao que possa parecer, única ou determinante. Para aferição do que seja ou não imposto confiscatório, apela-se a uma ideia de equidade ou «tributação equitativa»: «saber se um imposto tem efeitos confiscatórios não depende apenas dos montantes das respetivas taxas. Importa, isso sim, aferir desses efeitos confiscatórios em relação a determinado contribuinte em concreto. O fator decisivo não é aquilo que o imposto retira ao contribuinte, mas o que lhe deixa ficar» (Luís Vasconcelos Abreu, Algumas notas sobre o problema da confiscatoriedade tributária em sede de imposto sobre o rendimento pessoal», in Fisco, n.º 31, maio 1991, págs. 26 e segs.)”. Lamentamos, enquanto cultores do direito fiscal, a ligeireza com que o Tribunal Constitucional abordou esta questão. Desde logo, porque a frase citada foi expurgada do seu primeiro parágrafo, descontextualizando-a. Reza assim: “Há, portanto, que incluir o princípio da tributação equitativa na definição de imposto confiscatório”. O princípio da tributação equitativa implica a equidade na tributação, tanto na sua dimensão horizontal, como na sua dimensão vertical. Se um rendimento de 1000 foi prévia e inesperadamente cortado em 300 por um tributo e depois ainda vai ser submetido a outro tributo que o pode tributar em mais 30%, 40% ou 50%, esse rendimento não fica em igualdade de circunstâncias com outro rendimento idêntico, proveniente de outra fonte, que não tem a ablação prévia, seja qual for o tratamento, exceto se de pagamento por conta se tratasse, que os 300 cortados ao primeiro vão ter no segundo. Em segundo lugar, a confiscatoriedade não pode ser analisada tributo a tributo ou imposto a imposto: no mínimo, terá de somar-se, tratando-se de rendimento, o total da tributação direta que recaiu sobre o rendimento auferido num dado período, em regra anual, para se concluir se a carga tributária suportada é suscetível de afetar ou não fundamental e excessivamente a situação financeira dos contribuintes. Ou seja, a confiscatoriedade, face à cumulação de impostos da mesma natureza que recaem sobre uma determinada realidade, tem de ser analisada compreensivamente. É neste pressuposto que se baseiam os “escudos fiscais” que já existiram e em alguns casos continuam a existir, em países como a França, Itália e Israel. Por último, é inaceitável, na definição adotada, o casuísmo individual. Para além da sua óbvia impraticabilidade, encerra a suscetibilidade de a tributação do rendimento exceder os 100% do rendimento auferido no período de tributação, na medida em que, olhado o contribuinte em concreto, mesmo retirados os 100%, ele pode ainda ficar, por poupanças feitas, por heranças ou doações recebidas, ou por outras vias lícitas, ficar com “capacidade económica” suficiente para viver muito melhor do que a maioria dos seus concidadãos. Esta é uma ideia com a qual não nos conformamos. Como não nos conformaríamos com uma sentença que absolvesse tout court um réu acusado de furto porque, comprovadamente, tinha roubado apenas 1 garrafa de whisky de uma garrafeira onde havia 500! Afinal, deixara lá 499.



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sinuosa e opaca via tributária. Não se dá, afinal, aos de casa, o que, com pompa e circunstância, se oferece de mão beijada aos de fora, a troco de umas míseras lentilhas. Não encontro melhor expressão para finalizar este escrito, como aquela com que, há pouco tempo, MIGUEL DE SOUSA TAVARES finalizou a sua crónica semanal no Expresso: “Ditosa Pátria que tais elites tem”. Lisboa, 10 de março de 2014



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