A China e Moçambique: uma relação emergente

June 3, 2017 | Autor: I. Carneiro de Sousa | Categoria: Mozambique, China, China and Mozambique Rrelations, Forum de Macau, Macau Forum
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A China e Moçambique: uma relação emergente Article · September 2013

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Na sua muita conhecida e ainda mais criticada viagem por “terras portuguesas” da metrópole e das colónias, mas com a prudente excepção de Macau e Timor-Leste, a convite do então ministro do Ultramar, Sarmento Rodrigues, realizada entre 1951-1952 e, dois anos depois, publicada em Aventura e Rotina: sugestões de uma viagem à procura das constantes portuguesas de carácter e acção, Gilberto Freyre visitou durante breves dias a Beira, a segunda maior cidade de Moçambique. Entre vários contactos e animados convívios com as autoridades coloniais e elites locais, Freyre realizou também uma conferência no salão nobre do “Clube Chinês” (Chee Kung Tong). O solene evento reuniu várias dezenas de membros proeminentes da muito numerosa comunidade chinesa da Beira, principalmente comerciantes, seguindo com atenção um discurso que, esquecido das inovadoras sugestões de Casa Grande & Senzala, obra maior publicada há oitenta anos atrás, em 1933, começava a destacar essa ideologia do lusotropicalismo que o regime colonial português haveria de abraçar mais sentidamente a partir de 1960 quando se multiplicavam as críticas internacionais à sua dominação colonial, sobretudo em África. Mistura criativa

A China Moçambique

e

lusofonias nº 12 | 09 de Setembro de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • Relações históricas, solidariedade anti-colonial e independência • A emergência da relação China-Moçambique: comércio, investimentos e cooperação • Representações, Problemas e Desafios • O Fórum de Macau e o Desenvolvimento das Relações Económicas e Comerciais entre a China e Moçambique

Dia 16 de Setembro: 125 anos da Abolição da Escravatura no Brasil

APOIO:

Relação Emergente uma

A China e Moçambique:

do lusotropicalismo que o regime colonial português haveria de abraçar mais sentidamente a partir de 1960 quando se multiplicavam as críticas internacionais à sua dominação colonial, sobretudo em África. Mistura criativa de antropólogo, sociólogo e historiador, o grande pensador brasileiro estaria então longe de imaginar que, praticamente duas décadas mais tarde, a esmagadora maioria da comunidade chinesa de Moçambique, avaliada em estimativas contraditórias e grosseiras ente 100.000 a 300.000 pessoas, haveria de abandonar definitivamente o país com o agudizar da guerra colonial e a independência, em 1975, tendo grande parte dos chineses e luso-chineses da Beira encontrado refúgio no Brasil, em Curitiba. Ivo Carneiro de Sousa Uma história por refazer que recorda o continuado afluxo de milhares de trabalhadores e a sua muita conhecida e ainda mais criticada no salão nobre do “Clube Chinês” (Chee Kung famílias chineses a Moçambique, sobretudo os viagem por “terras portuguesas” da metró- Tong). O solene evento reuniu várias dezenas tristemente célebre coolies, laborando duramente por salários pole e das colónias, mas com a prudente excep- de membros proemiseráveis tanto ção de Macau e Timor-Leste, a convite do então minentes da muito (...) em 1933, começava a destacar essa ideologia na ex-colónia porministro do Ultramar, Sarmento Rodrigues, rea- numerosa comunidatuguesa como em lizada entre 1951-1952 e, dois anos depois, pu- de chinesa da Beira, do lusotropicalismo que o regime colonial trânsito para as blicada em Aventura e Rotina: sugestões de uma principalmente coportuguês haveria de abraçar mais sentidamente minas sul-africanas viagem à procura das constantes portuguesas de merciantes, seguina partir de 1960 (...) do Transval. Docucarácter e acção, Gilberto Freyre visitou durante do com atenção um mentada em 1858 a breves dias a Beira, a segunda maior cidade de discurso que, esqueMoçambique. Entre vários contactos e animados cido das inovadoras sugestões de Casa Grande & chegada dos primeiro trinta chineses a Moçamconvívios com as autoridades coloniais e elites Senzala, obra maior publicada há oitenta anos, bique, a sua proveniência encontra-se rigorosalocais, Freyre realizou também uma conferência em 1933, começava a destacar essa ideologia mente esclarecida: Macau.

relação emergente uma

N

Relações

A

históricas, solidariedade anti-colonial e independência

s relações históricas entre Macau e Moçambique são antigas, plurisseculares, datando do estabelecimento original de portugueses no enclave do Rio das Pérolas, na década de 1550. Partes oficialmente integrantes da organização política, militar e administrativa que, desde 1504, se designava por Estado da Índia com o seu vice-rei ou, por vezes, governador instalado, primeiro em Cochim, e desde 1530 em Goa, algumas posições portuguesas no litoral e ilha de Moçambique combinavam-se longe com Macau para integrarem essa rede de uma meia centena de cidades, fortalezas e feitorias a que, entre a África Oriental e o Extremo-Oriente, os cronistas portugueses de Quinhentos chamavam orgulhosamente império. Os grandes comerciantes que se foram fixando, reproduzindo famílias e parentescos euroasiáticos desde as décadas finais do século XVI para aproveitar lucrativamente a intermediação mercantil com a China, demorada e continuada, e com o Japão, até 1639, habituaram-se

também a trazer para Macau escravos africanos que, para além de trabalharem nas produções industriais mais pesadas, como a construção naval e a artilharia, organizavam as milícias privadas deste grupos dominantes. É verdade que a alta burguesia mercantil de Macau chegou a realizar entre finais do século XVII e XVIII algumas viagens comerciais a Moçambique, muito dispendiosas, geralmente financiadas pelos créditos abundantes da Santa Casa da Misericórdia, mas os lucros da venda de escravos não se mostraram suficientes tanto no mercado macaense como, principalmente, em

Manila, aproveitando a proibição da escravatura das populações locais decidida ainda por Filipe II. Muitos deste escravos, normalmente designados por cafres, vinham do Norte de Moçambique, destacando-se os macondes considerados guerreiros temíveis. A acreditarmos nas fontes históricas preservadas em arquivos da Holanda, teriam sido mesmo estes escravos africanos a desbaratar com agressiva violência a conhecida tentativa holandesa de ocupar Macau, em 1622. Mais tarde, desde as primeiras reformas das forças militares, em 1823, soldados moçambicanos foram integrando as defesas e

polícias de Macau praticamente até meados da década de 1960 quando, com o progressivo desenvolvimento da guerra colonial, passaram a ser muito mais requeridos pelo exército português em Moçambique. Uma presença historicamente continuada, pouco estudada, a ligar a essa emigração de muitos milhares de trabalhadores chineses que, através de Macau, foram também chegando desde os anos de 1850 a Moçambique, depois formando comunidades abundantes em Maputo e ainda mais na Beira, cidade que chegou a receber sacerdotes e professores primários macaenses. Actualmente, em resultado de todas estas encruzilhadas do passado mais longínquo e recente, instalou-se para ficar em Macau uma interessante e activa comunidade lusófona reunindo moçambicanos, luso-moçambicanos, indo-moçambicanos e sino-moçambicanos representados pela Associação de Moçambique na RAEM que, entre outras actividades, celebra anualmente a independência de Moçambique que a Macondes República Popular

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II

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da China também ajudou a concretizar através da solidariedade e apoio muito cedo oferecido ao movimento anti-colonial de libertação nacional. Recorde-se que, organizada oficialmente em 1962, em Dar es Salaam, fundindo vários grupos nacionalistas anteriores como a União Nacional Africana de Moçambique (MANU), a União Nacional Africana de Moçambique Independente (UNAMI) e a  União Democrática Nacional de Moçambique (UDEMANO), a FRELIMO vai receber desde o seu início a solidariedade interessada da China através de ajuda financeira, equipamento e treino militares, neste caso concretizado através da Tanzânia. Em 1963, um grupo de quadros da FRELIMO beneficou mesmo de formação militar na RPC, destacando-se José Moiane e Filipe Samuel Magaia, este último futuro responsável pelo sector de defesa do movimento de libertação. Eduardo Mondlane, o primeiro líder da FRELIMO, depois assassinado em 1969, visitaria também Pequim naquele período fundador, convencendo-se de que o exemplo da revolução chinesa era especialmente inspirador para a luta armada que, desde 1964, o seu movimento procurava espalhar por Moçambique. Por esta altura, a FRELIMO foi recebendo também apoios tanto da URSS como da Índia, adversários cada vez mais críticos da China de Mao, conseguindo através de uma certa prática de não-alinhamento acomodar as mais diversas e contraditórias solidariedades. No entanto, por 1965, quando se descobrem as dissenções no interior da FRELIMO que vão criar a COREMO (Comité Revolucionário de Moçambique), a RPC dirigiu auxílio para este novo movimento que, organizado em torno de Paulo Gumane, presidente, Fanuel Malhuza, secretário para a defesa, e David Mabunda acolheu depois da sua fuga para o Egipto, em 1970, o antigo vice-presidente da FRELIMO Uria Timóteo Simango. E, em 1966, quando divisões no seio da própria COREMO levam à formação do Partido Popular de Moçambique (PAPOMO), a RPC desbaratou ajuda num grupo que praticamente não rendeu actividade política. Divididas solidariedades que não impediram a visita a Pequim no final de 1968 de Samora Machel, à época chefe do departamento de defesa da FRELIMO,

recolhendo novos apoios, incluindo armamento, visita que repetiu com sucesso em 1971 já como líder do movimento de libertação. Dissolvida a COREMO nas vésperas dos acordos em que, a 7 de Setembro de 1974, em Lusaka, na Zâmbia, o Estado português se comprometeu com a FRELIMO à definitiva transferência de soberania, a RPC reconheceu imediatamente o novo país no preciso dia da independência, a 25 de Junho de 1975. A cooperação iniciou-se prontamente, tendo a China libertado em 1976 um empréstimo de 56 milhões de dólares sem juros, enviando pessoal médico e técnicos agrícolas que se instalaram nas propriedades estatais de Moamba, no sul. Infelizmente, estes promissores contactos foram lentamente prejudicados por um progressivo alinhamento internacional do governo de Moçambique entendido pela RPC como excessivamente favorável aos interesses da URSS. Na verdade, logo em 1977, quando o III Congresso da FRELIMO declara o marxismo-leninismo como sua doutrina oficial, a presença de uma delegação de alto nível da então União Soviética contrastava com a ausência de representantes de Pequim. As relações melhoraram em 1978 com a visita do presidente Samora Machel à China, recebendo 60 milhões de dólares em céditos, na altura o mais elevado empréstimo alguma vez concedido a países africanos, a que se juntava a activa cooperação de uma centena de especialistas militares chineses. Um ano depois, em 1979, o distanciamento regressa e agrava-se ainda mais durante a guerra entre a China e o Vietname, a invasão vietnamita do Camboja e a intervenção militar soviética no Afeganistão: Moçambique apoiou Hanói, condenou a intervenção chinesa no Vietname e votou na ONU contra a condenação da desastrosa (como as seguintes...) aventura soviética no Afeganistão. Posições que levariam à saída de Maputo do embaixador da RPC, Yang Shouzheng, oficialmente justificada pelo fim do seu apontamento diplomático, mas acompanhado igualmente pela retirada dos cooperantes médicos chineses. O embaixador acabaria por regressar a Moçambique, tendo as relações com a China sido devidamente normalizadas com a visita de Joaquim Chissano, então Ministro

dos Negócios Estrangeiros, a Pequim, em 1982, a que se sucedeu no ano seguinte significativa ajuda chinesa para aliviar a situação dramática que assolou o país durante as grandes cheias de 1983. O Presidente Samora Machel voltou a visitar a RPC em 1988, tendo sido assinados vários acordos de cooperação, incluindo formal documento de entendimento e amizade entre a FRELIMO e o Partido Comunista Chinês (PCC). No ano seguinte, em 1989, em definitivo sinal de apaziguamento, o ministro das relações exteriores da RPC, Qian Qichen, visitou oficialmente Moçambique oferecendo um pacote de assistência de 12 milhões de dólares. Recorde-se que, neste período, em plena dramática guerra civil promovida entre 1976 e 1992 pela RENAMO, a FRELIMO tinha praticamente abandonado o projecto socialista, aderindo até, desde 1984, ao FMI e ao Banco Mundial, normalizando igualmente relações políticas e económicas com o indispensável e muito influente vizinho que continua a ser a África do Sul. Muito mais tarde, em Setembro de 1997, durante variado périplo por capitais africanas, o primeiro ministro da RPC, Li Peng, visitou oficialmente Moçambique, recomeçando uma muito mais activa cooperação que se saldaria, como por todo o continente, na construção por grandes empresas estatais e muitos operários chineses de enormes edifícios e equipamentos públicos como a sede do Parlamento, terminada em 2000, o Ministério dos Negócios Estrangeiros ou o Centro de Conferências Joaquim Chissano. Ao mesmo tempo, a visita permitiu ajuda técnica, financeira e treino chineses nas operações de desminagem do território, mais o financiamento no valor de 7 milhões de dólares, em 2001, de habitações para membros das forças armadas nos arrabaldes de Maputo. Muitas datas e números que poderiam continuar a seguir-se em bem arranjada cronologia, mas suficientes para sublinhar que, à semelhança da maioria dos outros países africanos, cooperação, investimentos, ajuda e comércio chineses em Moçambique representam um movimento associado emergente que, multiplicado exponencialmente na última década, se deve identificar mais claramente a partir de 2007.

A emergência da relação China-Moçambique: comércio, investimentos e cooperação

D

epois da realização em Pequim, em 2006, da primeira cimeira do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), acolhendo 48 líderes africanos entre os quais se encontrava o presidente moçambicano, Armando Guebuza, a visita oficial do anterior presidente da RPC, Hu Jintao, constitui um marco tão emblemático quanto impulsionador do crescente interesse económico recente da China por Moçambique. Realizada em Fevereiro de 2007, a concretizadora visita do mais alto dignitário chinês ficou sublinhada pelo perdão de 52 milhões de dólares da dívida moçambicana, o investimento mais do que relevante na reabilitação do aeroporto internacional de Maputo, o desenvolvimento de um centro de tecnologias agrícolas no valor de 7 milhões de dólares, inaugurado em 2011, a doação às forças armadas de equipamento orçado em 1,5 milhões de dólares, assim como, entre outras obras, a habitual construção do maior estádio de futebol do país na capital (um modelo que tem, na

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verdade, dado a muitas nações africanas edifícios e equipamentos majestosos, mas esquecendo tantas vezes os enormes custos subsequentes da sua manutenção e sustentabilidade...). Em consequência, a China passou neste feliz ano de 2007 a ser o sexto investidor estrangeiro em Moçambique quando era o modesto 26º em 2001. Em contraste, apesar de se ter multiplicado em 2007 por oito o volume de comércio registado também desde 2001, as trocas comerciais bilaterais situavam-se ainda em escassos 284 milhões de dólares, tendo precisado de mais quatro anos para se aproximarem de um mais razoável bilião quando, em 2011, atingem os 950 milhões de dólares. O investimento parece ter progredido percentualmente de forma mais rápida, bastando chegar-se a 2008 para a China se transformar no segundo maior investidor estrangeiro em Moçambique com 76,8 milhões de dólares apenas atrás dos 136 milhões de investimentos da África do Sul. Em 2010,

os responsáveis chineses chegaram a anunciar investimentos futuros de 13 biliões de dólares para os cinco a dez anos seguintes dirigidos para o desenvolvimento de sectores industriais, turismo, energias e exploração mineira, mas a sua concretização tem sido mais lenta do que o prometido. Na verdade, o modelo económi-

(...) parte significativa das matérias-primas minerais mobilizada na produção de novas tecnologias, armamento sofisticado e fontes alternativas de energia é constituída por alguns minérios estratégicos como o lítio, o cobalto e, precisamente, as chamadas terras raras. (...)

co ainda dominante de comércio e investimentos chineses em África centrado na maciça importação e

exploração de recursos naturais não se identifica de forma tão evidente em Moçambique, verificando-se dificuldades das gigantescas companhias estatais chinesas em penetrar nas florescentes indústrias extractivas do carvão de Moatize, em Tete, dominadas por empresas australianas, indianas e brasileiras. A gigante chinesa Whuan Irin & Steel chegou, em 2010, a comprar por mil milhões de dólares comparticipação em concessão de uma mina de carvão em Moatize que, liderada pela australiana Riversdale, foi depois vendida à ainda mais poderosa Rio Tinto. Actualmente, apenas a chinesa Qingho explora uma pequena concessão de carvão em Tete, não se registando ainda presença de companhias da China na prospecção e exploração das anunciadas como muito generosas reservas marítimas de gás na bacia do Rovuna que, exigindo investimentos e tecnologias de vulto, não têm deixado de atrair CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >

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empresas das mais variadas geografias, italianas, indianas, malaias e outras. Em consequência, mais de 62% dos investimentos chineses registados em 2012 continuavam a dirigir-se para a construção civil e o sector manufactureiro em estreita ligação ao modelo comercial e de cooperação bilateral. Com efeito, o modelo de trocas entre a China e Moçambique revela uma balança comercial continuadamente favorável à China: as exportações de produtos moçambicanos para o mercado chinês chegaram em 2012 a 380 milhões de dólares, enquanto as importações de artigos chineses atingiram o valor total de 1.083 milhões de dólares. A China é o segundo mercado de exportações para Moçambique, representando 8,8% do total, longe ainda dos 2.739 milhões de dólares exportados pela África do Sul, valendo 22,2%. De qualquer forma, as exportações chinesas situam-se ligeiramente acima das da Índia (8,2%), da União Europeia (8,1%), significativamente acima das exportações dos EUA (3,7%) e da Austrália (3,2%), sendo bem mais volumosas do que as dos outros principais exportadores asiáticos para Moçambique: a Tailândia, em sétimo lugar, vale 1,5% do total de exportações, Singapura é oitava (1,3%), o Japão nono (1,3%), a Indonésia aparece em 12º lugar com 0,9%, a Malásia vem imediatamente a seguir com percentagem idêntica, enquanto a Coreia do Sul se queda pela 17ª posição (0,4%) e Hong Kong aparece em 20º com 0,2%. No domínio do total das exportações moçambicanas, a China foi o ano passado terceiro importador (6,6%), muito abaixo dos 26,4% que representam as importações da União Europeia e os 22,7% da África do Sul. Cruzando criteriosamente importações e exportações, a China foi em 2012 o terceiro parceiro comercial de Moçambique (8,1%), superada pela África do Sul (22,4%) e pela União Europeia (14,0%), mas acima da Índia (6,9%), dos Estados Unidos (2,7%), da Austrália (2,2%), da Tailândia (1,1%), do Japão (1,1%), da Turquia (1,1%) e do Brasil (0,9%), para referirmos somente as dez prin-

IV

cipais relações comerciais externas moçambicanas. A China exporta para Moçambique materiais de construção, maquinarias, veículos motorizados de duas rodas, manufacturas têxteis, calçado, produtos electrónicos, aplicações eléctricas, artigos industriais de ferro e alumínio, importando do país lusófono alumínio, sementes e óleo de palma, peixe e mariscos, sêsamo, algodão e, sobretudo, madeira em bruto, a que se somam pequenos volumes de cobre, ferro, crómio, areias pesadas e minérios de terras raras. Neste último caso, trata-se de um nicho de mercado mais do que estratégico que convém esclarecer: parte significativa das matérias-primas minerais mobilizada na produção de novas tecnologias, armamento sofisticado e fontes alternativas de energia é constituída por alguns minérios estratégicos como o lítio, o cobalto e, precisamente, as chamadas terras raras. Estas são formadas por um conjunto de 17 metais em que se destaca o neodímio (que é usado nos iPods), o lantânio, o cerium e o praseodímio (presentes como o cobalto e o lítio nas baterias dos carros eléctricos e nos geradores de turbinas a vento), o ítrio (indispensável nas fibras ópticas e lâmpadas florescentes) e o samarium-cobalto (aplicado no sistema de navegação de armamento de alta tecnologia porque é capaz de resistir a temperaturas muito elevadas). Por sua vez, as tecnologias em energia limpa requerem magnetos permanentes que, independentes de fontes externas, se produzem na base do neodímio, praseodímio e disprósio. Pese embora estes arrevesados nomes, as terras raras são relativamente abundantes na superfície terrestre, mas não se encontram físicamente concentradas, pelo que a sua extracção é complicada e muito dispendiosa, o que justifica a adjectiva raridade. Acontece que a China detém 37% das reservas mundiais destes materiais e, mais ainda, domina 97% do mercado internacional. As importações chinesas de terras raras moçambicanas têm, por isso, um valor estratégico e tecnológico fundamental que recorda mesmo a sábia visão de Deng Xiaoping quan-

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do, no final da década de 1970, no debutar da era das reformas, sublinhava que o controlo sobre metais raros daria à China uma extraordinária vantagem competitiva. Voltando à ordem da análise geral, o volume de comércio bilateral é, assim, ainda bastante modesto, mais de 35 vezes menor do que o valor total das trocas comerciais China-Angola no mesmo ano de 2012, o que não deixa de constituir problema importante no desenvolvimento de relações económicas para as quais a RPC associa normalmente comércio, investimentos e cooperação num mesmo processo estratégico e unitário. É possível, contudo, que a larga produção para exportação em andamento na exploração das enormes reservas de carvão de Moatize mais a exploração futura das reservas de gás da bacia marítima do Rovuna, comercialízáveis provavelmente a partir de 2018-2019, venham a aumentar significativamente o comércio bilateral através desse peso dominante dos recursos energéticos naturais que a China procura em quantidades gigantescas no continente africano. Seja como for, as trocas comerciais bilaterais assentam numa colecção importante de acordos de comércio, como os tratados assinados em 2001 e 2007, a que se deve aditar a generosa isenção de tarifas de importação a quase 60% dos produtos moçambicanos, com especial destaque, como seria de esperar, para todos os produtos minerais que, incluindo os chamados raros, a China precisa de importar massivamente para sustentar o seu crescimento económico geral e, em particular, a decisiva viragem para as indústrias de altas tecnologias. Arrolam-se ainda várias formas de cooperação entre a China e Moçambique que se estendem do público ao partidário. Assim, em 2008, por exemplo, a FRELIMO e o PCC assinaram um acordo de colaboração importante através do qual o partido chinês tem vindo a enviar professores e monitores para ensinarem na escola central do partido moçambicano. Em 2011, a RPC financiou generosamente os Jogos Pan-Africanos, realizados em Maputo, entregando uma verba de 156 milhões de

dólares, assim cobrindo um quarto dos custos do grande evento desportivo. Outras formas de cooperação pública englobam, como normalmente acontece com muitos outros países africanos, a atribuição de bolsas a estudantes moçambicanos para frequentarem universidades chinesas: das cinco bolsas oferecidas em 1992, passou-se a 200 no ano passado. Lá chegou também para abrir em 2012 o habitual Instituto Confúcio, estabelecido no âmbito de um acordo de cooperação entre a Universidade Eduardo Mondlane e a Universidade Normal de Zhejiang, ao mesmo tempo que a Rádio China Internacional iniciou em Moçambique o seu canal em português. Nestes domínios educativos, durante a visita de Estado de seis dias à RPC, em 2011, o Presidente Armando Guebuza assinou também um acordo no valor de 15,8 milhões de dólares para financiamento de ensino à distância mais programas de ciência e tecnologia: metade da verba foi doada pelo governo chinês e a outra metade emprestada a crédito sem juros. Em claro sinal de viragem na cooperação sino-moçambicana, respondendo a críticas recorrentes acusando o pouco comprometimento da China com o real desenvolvimento social dos países africanos, foi recentemente aberto em Maputo, a 23 de Julho passado, o Centro Kingho para a Cooperação na Redução da Pobreza. A solene cerimónia de inauguração contou com a presença do Ministro da Planificação e Desenvolvimento de Moçambique, Aiuba Cuereneia, e do membro do Conselho de Estado da RPC, Fan Xiaojian. O Centro procura actuar fundamentalmente na formação de recursos humanos, convocando a experiência chinesa na larga redução da pobreza, sobretudo rural, conseguida nas últimas décadas. O Centro beneficia de financiamento da grande companhia chinesa que lhe empresta o nome, a Kingho, uma empresa activa em Moçambique e interessada na reabilitação do porto de Nacala e da linha ferroviária de Sena, permitindo o escoamento adequado da crescente produção das minas de carvão de Moatize. O que não deixa objectivamente de voltar a sublinhar o entendimento associado com que a China desenvolve comércio, investimentos e cooperação no continente africano. Um modelo alvo de várias críticas.

lusofo

Representações, Problemas

e

Desafios

A

pesar da crescente importância comercial e, uma outra grande companhia estatal de construção Delgado, Niassa, Nampula) contabilizando apenas ainda mais, dos investimentos e da coopera- chinesa, a pagar pelo país recipiente, mas com esse 1,29% de todos os fluxos de investimento directo esção chineses em Moçambique, o desenvolvimento generoso perdão de cinco anos de juros. O final, trangeiro vindos da RPC. Neste último caso, trata-se recente das relações económicas bilaterais não se provavelmente, só poderá mesmo ser feliz, espe- de uma percentagem reduzida dirigida para o sector tem vindo a fazer exclusivamente na base dessa cialmente para os moçambicanos da região metro- agroindustrial, principalmente para o processamenharmonia que se transformou em palavra-de-ordem politana de Maputo que terão finalmente construída to de madeira e o cultivo de jatrofa, cujas semencentral da actual maneira chinesa de promover a a tão esperada ponte para atravessar a foz do rio tes são utilizadas na produção de biocombustível. estabilidade social doméstica e a concertação in- Tembe e rumar para sul, pelo menos para passear Em significativo contraste, o capital chinês não se ternacional. A começar, quase primariamente, pelo na larga praia de Catembe que o ferry, quando há, descobre na recente vaga de grandes investimenpróprio rigor ou, simplesmente, possibilidade de se demora uma boa meia hora a chegar e não garante tos em plantações florestais para pasta de papel e investigar, analisar e interpretar seriamente os nú- regresso quando se entra pela noite dentro. celulose. Com esta concentração territorial e demeros exactos de tratos comerciais e volumes de Em rigor, muitos responsáveis políticos e vastas bruçados sobretudo sobre as grandes obras públiinvestimento embaraçados como estão em mais do populações africanas prezam positivamente estas cas, os investimentos chineses têm sido criticados que bilionárias promessas e anúncios sonantes de formas expeditas de investimento em obras públi- por não contribuirem para a redução da pobreza, a que é, depois, muito difícil acompanhar a efectiva cas absolutamente necessárias, apreciando ainda geração de empregos e o urgente desenvolvimento concretização. Embaraços ainda mais complicados mais os princípios de cooperação chineses baseados social de Moçambique. Não se cura, porém, de um quando as regulares estatísticas do movimento de em equidade e não-interferência, muito diferentes inconveniente específico do modelo de investimenexportações e importações das alfândegas chinesas da ajuda ocidental que, com os seus muitos reque- tos chineses, mas de um problema geral de modelo não bate certo com as muito mais irregulares esta- sitos políticos e ambientais, se desinteressou qua- de desenvolvimento. tísticas do comércio externo oferecidas pelos orga- se completamente nos últimos anos pelos investiAssim, apesar das impressivas taxas de crescinismos oficiais de Moçambique. Um exemplo é sufi- mentos em infra-estruturas. Neste sentido, a China mento da última década, em média acima dos 7%, ciente: em 2010, as estatísticas oficiais do governo tem-se limitado em Moçambique como por toda a Moçambique permanece um dos países mais pobres moçambicano registaram 49 milhões de dólares em África a preencher eficazmente o vazio. Contudo, do mundo: o último relatório da ONU sobre o índice madeira exportada para a China, mundial de desenvolvimento humamas nas alfândegas chinesas ficou no coloca Moçambique na posição rigorosamente arquivada a entra185 entre 187 países e situa a taxa da de 134 milhões de madeira de pobreza do país em dramáticos (...) o último relatório da ONU sobre o índice mundial importada de Moçambique. Para 79,3% da população. O que signifionde terá voado a enorme difeca que os ganhos macro-económicos de desenvolvimento humano coloca Moçambique na rença de 85 milhões de dólares têm sido demasiado lentos a gerar que corresponde ao rendimento posição 185 entre 187 países e situa a taxa de pobreza redução da pobreza e desenvolvianual de mais de 194.000 momento económico e social. O que do país em dramáticos 79,3% da população (...) çambicanos? Um caso que se misnão é, naturalmente, culpa do intura com outros muitos rumores vestimento chinês. A China nunca frequentes entre gentes, redes escondeu, aliás, o seu interesse em sociais e imprensa moçambicanas que, nem sem- inquéritos, imprensa, algumas intervenções parla- desenvolver relações com os países africanos que pre comprovados, falam do comércio ilegal chinês mentares e abundantes blogs têm também vindo a são comerciais, intercambiando os recursos natude madeira, exploração clandestina de carvão ou expressar várias preocupações em torno desta cres- rais de que necessita por manufacturas e serviços, abundantes incursões pesqueiras em águas maríti- cente presença económica da China em Moçambi- mobilizando investimentos e cooperação como parmas de Moçambique sem qualquer controlo. que. Pontos comuns radicam na crítica às pobres te deste modelo. Os governos chineses têm, assim, Apesar destes e de muitos outros ruídos, fre- condições de trabalho oferecidas pelas empresas mobilizado também os seus enormes volumes de quentes, aliás, nos mais variados horizontes afri- chinesas e, principalmente, na cultura agressiva reservas em divisas estrangeiras para financiar grancanos, alimentando na crítica imprensa ocidental o dos seus agentes que, excessivamente pragmáticos des projectos de infra-estruturas em África, aumentema recorrente da chamada ofensiva chinesa em e competitivos, estariam em Moçambique mais in- tar investimentos, cooperação e ajuda. Neste proÁfrica, a verdade é que tanto responsáveis gover- teressados na obtenção de lucros rápidos do que na cesso, as grandes companhias chinesas, sobretudo namentais como empresários moçambicanos repre- construção de sinceras relações sociais. Outras con- estatais, consolidaram rapidamente a sua presença sentam e avaliam de forma geralmente positiva a siderações negativas frequentes, como a opacidade competindo geralmente com vantagens contra emcrescente presença comercial e a multiplicação dos dos negócios da China no país, dificilmente se po- presas domésticas e estrangeiras em muitos concurinvestimentos da China em Moçambique. Destacam dem avaliar correctamente como um exclusivo “mal sos públicos (que, por vezes, também perdem...). quase consensualmente a maior flexibilidade no chinês”, prendendo-se, mais razoavelmente, com O modelo é claro e constitui tanto um desafio como acesso a financiamentos chineses e os bem sucedi- disfunções legais, administrativas e contextuais da uma oportunidade. Tirar benefícios da oportunidados investimentos em infra-estruturas vitais, sendo própria organização política, económica e social de de e vencer os desafios depende principalmente dos agora corrente encontrar na capital moçambicana Moçambique. A verdade é que o governo moçam- países africanos, Moçambique incluído. muitas pessoas a sublinhar o caso muito concreto da bicano tem actuado frequentemente nestas áreas O que obriga, porém, a estudar criteriosamente sempre adiada construção da ponte entre Maputo e mais críticas. Em 2007, por exemplo, as entidades os resultados dos investimentos chineses muito para o Catembe, prometida ao longo de muitos anos pela governamentais responsáveis apresaram um carre- além das vantagens macroeconómicas imediatas, cooperação portuguesa, e agora finalmente finan- gamento de 531 contentores de madeiras de expor- aferindo a sua real contribuição em desenvolvimenciada pela China no final de 2012. A obra é mesmo tação para a China que, avaliado em 7 milhões de to económico e social. Acontece que o modelo de um paradigma do modelo chinês de investimentos: dólares, apenas conseguiu partir para o seu destino investimentos da China em Moçambique (e por toda com um custo de 725 milhões de dólares, a cons- após pagar pesadas multas. O Ministério do Trabalho a África) privilegia de forma mais do que dominante trução da ponte foi adjudicada à empresa China de Moçambique tem igualmente multado várias ve- os projectos baseados em empréstimos, seguindoRoads and Bridge Corporation (CRBC) que também zes empresas chinesas e revogado vistos de muitos -se, muito menos expressivamente, as doações, peganhou o concurso para construir a estrada circular trabalhadores vindos da China. E, apesar dos recor- quenos volumes de alívio da dívida e ajuda de emerda capital moçambicana, mais as estradas Catem- rentes protestos acusando o número excessivo de gência. A preferência por empréstimos canalizados be/Ponta do Ouro e Bela Vista/Boane, incluindo a trabalhadores chineses instalados no país, limitando por projectos, não sendo característica apenas dos realização de obras nos bairros da Malanga e de Luís o acesso ao mercado de emprego da mão-de-obra investimentos chineses, mas prática bem mais geCabral. Investimento suportado por um empréstimo local, Moçambique é, com a sua grande dimensão neralizada, tende naturalmente a seleccionar os de 681,6 milhões de dólares concedido pelo Banco territorial, um dos países africanos com menor nú- projectos que interessam tanto à consolidação do de Exportações e Importações da China (ExIm), a mero de emigrantes laborais da China, estimados padrão de relações comerciais quanto à movimentapagar em 20 anos a uma taxa de juros de 4%, mas entre 7000 a 12000. ção favorável das grandes empresas chinesas capasendo os primeiros cinco isentos de qualquer juro. Muito mais séria do que estas críticas ou mesmo zes de os desenvolverem. A alternativa favorável a Relembre-se que, fundado, em 1994, o ExIm é um o continuado deficit comercial em favor da China se um desenvolvimento económico e social sustentado banco estatal sob directa direcção do Conselho de mostra a estrutura dos cada vez mais importantes passa por canalizar investimentos e ajudas directaEstado, enquanto a gigante CRBC é uma das qua- investimentos chineses em Moçambique. Com efei- mente para os orçamentos dos estados, visto que o tro maiores companhias estatais de construção, ac- to, a colecção de investimentos, sobretudo centra- apoio ao orçamento se centra mais nos interesses do tualmente presente em mais de 50 países. Modelo, da na construção e, em menor escala, em manufac- país receptor, aumenta a eficiência, a responsabilipelo menos, interessante: um grande banco estatal turas concentra-se na província de Maputo (81,4%), dade, a sustentabilidade da dívida e o alinhamento chinês concede os créditos que vão reverter para com as províncias do norte ricas em florestas (Cabo com as prioridades nacionais de desenvolvimento.

onias

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2013

V

O

Fórum

de

Macau

e o Desenvolvimento das Relações Económicas e Comerciais entre a China e Moçambique

A

República de Moçambique é membro fundador, atento e activo do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa (o nosso já bem conhecido Fórum de Macau, agora adolescente a celebrar dez anos de vida). O país tem-se feito representar nas cimeiras do Fórum ao nível ministerial, vários responsáveis governamentais têm passado interessados pela RAEM, o organismo é também acompanhado pelo Embaixador de Moçambique em Pequim e conta ainda com a inteligente e diligente actividade diária da sua delegada no Secretariado Permanente da instituição, Dra. Esmeralda Matias Patrício. Moçambique tem colaborado, participado, enviado quadros para beneficiarem das acções do Centro de Formação do Fórum de Macau que, por sua vez, dirige regularmente apoios para a Associação dos muitos moçambicanos que vivem e trabalham na RAEM. Apesar destas colaborações muito positivas, o Fórum de Macau precisa de pensar em plataforma e intermediação os serviços a oferecer ao desenvolvimento futuro das relações económicas e comerciais entre a China e Moçambique, mobilizando quadros e competências especializadas que se movimentam na RAEM em português, das alfândegas à segurança, das finanças ao jurídico, da educação à investigação. Neste último campo, em especial, é necessário organizar urgentemente os estudos e as investigações continuadas capazes de acompanharem analiticamente, interpretarem com rigor e, depois, proporem renovadas propostas para a consolidação de uma relação que, da parte de Moçambique, vai exigir cada vez mais à RPC decidido comprometimento com o desenvolvimento económico e social de um país em luta demorada contra a pobreza e a ignorância. Descontados os estudos recentes muito qualificados que, entre outros (muito poucos), têm vindo a ser publicados por Sérgio Chichava, no Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), em Maputo, Ana Alves, no South African Institute of International Affairs (SAIIA), em Joanesburgo, e Loro Horta (que, filho de Ramos Horta, ex-Presidente de Timor-Leste e Prémio Nobel da Paz, nasceu e foi criado em Moçambique), na School of International Studies (RSIS), Nanyang Technological University, em Singapura, as relações económicas e comerciais, investimentos e cooperação entre a China e Moçambique precisam de investigação permanente em projectos consolidados e estudos continuados que o Fórum de Macau deve promover e apoiar, convocando até as diversas vantagens que, do segundo sistema à singular lusofonia instalada na RAEM, concretizam o seu papel também de plataforma no desenvolvimento de pesquisas cruzando instituições e investigadores chineses, moçambicanos e internacionais. O que se liga, quase directamente, à area de cooperação mais negligenciada pela China (e por quase todos os outros...) em Moçambique: a cooperação técnica. Um pacífico oceano de desafios e oportunidades abre-se ao papel de intermediação em serviços técnicos do Fórum de Macau. Existem, como se sabe, muitos quadros lusófonos e chineses que, técnicamente muito especializados, se expressam em português nos mais variados sectores e profissões técnicas que estariam certamente disponíveis para colaborar e qualificar projectos

VI

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS

técnicos de cooperação entre a China e Moçambique através da RAEM: não é preciso sequer semear, há que colher os muitos frutos por aí espalhados em departamentos do governo, alfândegas, polícias, laboratórios, assessorias jurídicas e técnicas, universidades e politécnicos. O que obriga igualmente no futuro imediato a sediar preferencialmente em Moçambique as acções do Centro de Formção do Fórum de Macau, chegando a muitos mais interessados, ganhando-se temas e agendas mais pertinentes para o real desenvolvimento económico e social tanto como técnico e em recursos humanos de Moçambique.

Finalmente, identifica-se a partir de Macau um exemplo importante de mobilização de recursos financeiros, projectos de investimento, quadros altamente qualificados e genuíno interesse no desenvolvimento económico de Moçambique: a Geocapital, Investimentos Estratégicos S.A. Criada em 2006, a holding funciona sobretudo como um fundo de investimentos que tem como accionistas de referência Stanley Ho, Ambrose So e o activo empresário português Jorge Ribeiro, contando ainda na presidência da sua Assembleia Geral com Almeida Santos, antigo presidente da Assembleia da República de Portugal, eminente dirigente do Partido Socialista e, provavelmente, uma das personalidades lusófonas com mais demorado conhecimento das realidades e desafios de Moçambique. Recolhendo relações, cruzamentos, experiências e empreendimentos anteriores dos seus accionistas e quadros em Macau, a Geocapital apresenta-se “como uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, entre a República Popular da China, Portugal e o mundo lusófono”, estando “vocacionada para a realização de investimentos nos sectores básicos da economia do conjunto dos Países e Territórios de Expressão Portuguesa.” Concretizando estes objectivos, a Geocapital anima projectos nas áreas da banca e dos biocombustíveis em Cabo Verde e na Guiné-Bissau, aqui detendo participação maioritária no Banco da África Ocidental (BAO), o maior do país; participou no Brasil com a TAP na aquisição da Varilog e da Vem, empresas referenciais em engenharia e manutenção aeronáuticas; movimenta-se na gestão de investimentos financeiros em Portugal; interessa-se por investir nos sectores básicos e financeiros da economia de Angola; mantém ainda investi-

mentos em São Tomé e Príncipe, impulsionando o projecto de criação do Banco Timorense de Investimento (BTI). Em Moçambique, a Geocapital mobilizou a Moçambique Capitais, reunindo actualmente cerca de 500 empresários locais, para promover a criação do Moza Banco, uma instituição com licença universal, e do Moza Capital, um banco de investimentos. Em Janeiro de 2011, a Geocapital vendeu por 9,5 milhões de dólares 25,1% da sua participação no Moza Banco ao segundo maior banco privado português, o Banco Espírito Santo, através do Grupo BES Africa Holding e do Grupo Banco Espírito Santo para África. A estrutura accionista do banco passou então a dividir-se entre os 50,4% da Moçambique Capitais-Moza Capital, 25,1% do BES e 24,5% da Geocapital, permitindo o reforço do capital, a modernização tecnológica e a expansão de uma rede bancária que assenta triplamente em unidade de negócio vocacionada para apoiar as médias e grandes empresas, outra dirigida aos clientes particulares de médio e alto rendimentos, mais o segmento virado para os clientes universais. Em Junho deste ano, a Geocapital vendeu a sua participação no banco que agora se divide entre os 51% da Moçambique Capitais e os 49% do BES. Anteriormente, em Junho de 2006, o Moza Banco associado também à Moçambique Capitais tinha promovido a criação, com um capital inicial de meio milhão de dólares, da Zamcorp (Zambeze Corporation S.A.), dirigida para investimentos no rico vale do Zambeze, um gigantesco espaço hidrográfico que, organizando cerca de 28% do território de Moçambique, tem vindo a atrair nos últimos anos tanto mega-projectos hidro-eléctricos como competitivos investimentos em agronegócios. Com sede em Tete e filial em Hong Kong, a Zamcorp não concretizou ainda investimentos significativos no Zambeze, mas encontra-se a lançar um projecto importante de desenvolvimento de produção alimentar e biocombustíveis no centro de Moçambique. Independentemente da estratégia de negócios da Geocapital em Moçambique, o que importa sublinhar é o paradigma de um fundo de investimentos que encontra a plataforma entre a China e os países lusófonos precisamente em Macau onde nos habituamos a associar o rosto da empresa a um dos mais sérios e inteligentes economistas a trabalhar na RAEM, Albano Martins. O que significa que Macau tem quadros muito qualificados movimentando-se especializadamente em língua portuguesa, pode mobilizar capitais abundantes vindos até dos generosos lucros dos grandes accionistas das companhias do jogo e concretizar projectos nos países de língua oficicial portuguesa em que se associa mobilização e inteligência financeiras ao desenvolvimento económico e social, renovando sectores primários em agronegócios e explorando as potencialidades generosas da terra moçambicana em novas actividades produtivas agrícolas que se oferecem com a alternativa energética dos biocombustíveis. Um exemplo a aprender e a seguir pelo Fórum de Macau que não pode perder as muitas oportunidades e desafios de ajudar a diversificar através dos serviços e quadros da RAEM as relações económicas e comerciais emergentes entre a China e Moçambique.

lusofonias

Economias... Reúne

estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos

CHINA | Sector de serviços sector de serviços da China cresceu de forma regular em Agosto devido à aceleração da procura doméstica, mostraram dados oficiais, ampliando os sinais de que as medidas do governo começaram a tirar a segunda maior economia do mundo de sua mais longa desaceleração. “O sector não-industrial cresceu de forma regular em Agosto. A alta nas novas encomendas criou uma boa fundação para o crescimento nos próximos meses”, disse Cai Jin, vice-chefe da Federação de Logística e Compras da China, que apura o índice em nome da Agência Nacional de Estatísticas. No meio de sinais de que a economia pode estar a melhorar, o primeiro-ministro Li Keqiang mostrou um optimismo cauteloso, na última semana. “A economia da China cresceu de maneira regular no primeiro semestre do ano”, disse Li Keqiang num fórum de investimento, salientando que “dados económicos recentes indicam que o emprego e a inflação na China estão estáveis. A economia da China desacelerou em 12 dos últimos 14 trimestres levando Pequim a adoptar medidas para diminuir a dependência económica do investimento, crédito e exportações, entre as quais apoio a pequenas empresas, que empregam grande número de pessoas, o fim de alguns impostos e mais facilidade de financiamento.

de

Língua Portuguesa

e a sua cooperação com a

Aprovados 109 projectos

continua a crescer

O

Países

República Popular

da

China

ANGOLA de PME’s

A

banca comercial aprovou 109 projectos no valor global de 16 488 milhões de kwanzas (171,2 milhões de dólares norte-americanos) apresentados por micro, pequenas e médias empresas no âmbito do programa lançado pelo governo central Angola Investe, informou o ministro da Economia, Abraão Gourgel. No decurso de um encontro com jovens empreendedores na Escola Nacional de Administração, o ministro salientou que aqueles números contrariam a realidade que era vivida no país até à data, em que os jovens passavam por enormes dificuldades para a aquisição de habitação, para obter apoio para os seus projectos e para ter acesso ao crédito e à universidade. “A geração actual vive um momento de oportunidades sem precedentes”, disse Abraão Gourgel, que acrescentou “estamos num ciclo de crescimento económico que tem conseguido enormes avanços e a beneficiar de um enquadramento estável.” “Nos últimos sete anos, a taxa de crescimento real média é de cerca de 9%, a inflação está estável e abaixo de 10%”, afirmou o ministro, citado pelo Jornal de Angola. O Programa Angola Investe dá prioridade ao financiamento de projectos dos sectores da agricultura, pecuária e pescas, materiais de construção, indústria transformadora, geologia e minas e serviços de apoio ao sector produtivo. O Programa Angola Jovem é outro instrumento de financiamento lançado pelo governo e consiste em apoiar propostas de criatividade, inovação e espírito empreendedor dos jovens angolanos. JTM/Macauhub

MOÇAMBIQUE | Defendida

CABO VERDE | Já

se fabrica vinho espumante

O

a criação de

A

Autoridade Tributária (AT) de Moçambique propôs a criação de um Fundo Soberano ou um Fundo de Estabilização Macroeconómica a ser capitalizado com as receitas dos impostos relativos a mais-valias, noticiou o jornal moçambicano O País. Em comunicado divulgado em Maputo, a AT refere que as boas práticas internacionais recomendam que as receitas resultantes da colecta de mais-valias sejam utilizadas para a criação de um daqueles fundos ou que sejam canalizadas para um banco de investimentos a fim de alimentar a economia doméstica e não para alimentar a despesa pública, como tem sido a prática até agora. De acordo com o jornal, o comunicado da AT sugere igualmente a aprovação de um dispositivo legal que defina as regras de aplicação das receitas das mais-valias. “Nenhuma opção pode ser tomada de forma ligeira requerendo-se um debate público, transversal, envolvendo a própria sociedade civil, que desemboque numa iniciativa de lei, pelas autoridades competentes, que propicie a edificação, em tempo útil e adequado, do instrumento institucional inteligente de administração desses recursos”, pode ler-se na nota divulgada pela Autoridade Tributária. JTM/Macauhub

primeiro vinho espumante fabricado em Cabo Verde foi apresentado a 29 de Agosto, na Cidade da Praia, numa cerimónia que contou com a presença das mais altas individualidades. «Espumante do Fogo» foi o nome atribuído ao vinho, produzido à base de uva moscatel branca da região vitícola de Chã das Caldeias e contém um teor de álcool em torno dos 14%, disse à agência Inforpress o responsável técnico pela produção, o italiano Franz Egger. A produção deste vinho pertence à empresa Delgado-Egger-Fonseca, propriedade de três investidores, um cabo-verdiano e dois estrangeiros, sendo um deles Franz Egger que, desde 1998, apoiou as adegas/ cooperativas da ilha do Fogo na produção de vinho de qualidade e de outros produtos. Sob a sua orientação, além dos vinhos branco, tinto e rosé, as adegas de Chã das Caldeiras e de Achada Grande produzem o vinho passito (aperitivo), destilado com ervas medicinais e, agora, o primeiro vinho espumante produzido em Cabo Verde. Ao todo, foram colocadas no mercado pouco mais de 400 garrafas de 0.75 litros. Como o preço é quase o dobro do vinho branco produzido em Chã das Caldeiras, a ideia é também analisar a reacção do mercado face ao novo produto, indicou. Franz Egger recordou que cerca de 20% dos espumantes produzidos no mundo são consumidos por alemães, pelo que espera que o vinho cabo-verdiano venha a conseguir «um bom mercado» junto dos turistas alemães e franceses que visitam as ilhas.em 2022, a ter a terceira maior frota do mundo.

lusofonias

Fundo Soberano

BRASIL | Exportação de milho para a China em 2014

A

China deverá este ano aprovar a importação de milho produzido no Brasil o que permitirá embarques do cereal já na campanha 2013/2014, disse em São Paulo um alto funcionário do Ministério da Agricultura do Brasil. “O processo é complexo e demorado porque envolve informações e questionários, a serem preenchidos em mandarim, com descrição de doenças existentes no Brasil… A nossa expectativa é que isso se resolva ainda esse ano”, disse à agência financeira Reuters o director do Departamento de Assuntos Comerciais da Secretaria de Relações Internacionais daquele ministério, Benedito Rosa. A China passou de país exportador a importador de milho há alguns anos e os montantes adquiridos nos mercados internacionais têm vindo a crescer anualmente, tendo sido de 3 milhões de toneladas na campanha de 2012/2013, estando previsto que na próxima aumente para 7 milhões de toneladas. O Brasil, por seu turno, aumentou a produção de milho em cerca de 60% nos últimos 10 anos, tendo atingido um valor recorde de 80 milhões de toneladas na campanha agrícola 2012/2013. Praticamente toda a importação chinesa de milho tem origem nos EUA e a avaliação do director do Ministério da Agricultura levará algum tempo até que empresas brasileiras tenham uma relação tão próxima quanto a que as exportadoras norte-americanas têm com os chineses. O Brasil exportou um montante recorde de 20 milhões de toneladas de milho em 2012, devido a uma quebra na produção dos Estados Unidos, o maior fornecedor mundial. JTM/Macauhub LUSOFONIAS • Segunda-feira, 9 de Setembro de 2013

VII

África? O que é África ?

“As Artes Plásticas são um dos inúmeros exemplos que constatam a realidade de um continente rico e ainda pouco conhecido por uma sociedade que só tem valorizado os aspectos estereotipados. Há a necessidade de que se desmanche na memória das pessoas o lado negativo do continente tão diverso em culturas, porque afinal de contas a África nunca foi, nem nunca vai ser uma tribo...”

VIII

Segunda-feira, 9 de Setembro de 2013 • LUSOFONIAS

de

Valente Malangatana

cre”, deixando transparecer a ideia de que até os ritos das tribos africanas foram enormemente atingidos pela brutal violência ali flagrante, prova isso o facto da partilha europeia já mencionada. São inúmeras as vozes que dizem que o trabalho de Malangatana estabelece uma relação de harmonia entre homem, natureza e animais. Sua obra é toda baseada em sua vivência, mas em nenhum momento descarta símbolos do progresso e da modernidade, que hoje se apresentam em grande parte do continente.

Obra

Aline Viana Tomé*

ão! Definitivamente a África não é uma tribo. O triste é saber que a visão mundial hoje está deformada e o que era para ser ponto pacífico entre os demais quatro continentes, torna-se uma verdade estonteante ... Em conversas corriqueiras, em bares, mesas de almoço, entre os amigos do meio acadêmico ou não, é possível perceber que para muitos a África não deixou de ser (ou nunca foi) um continente múltiplo e rico em sua cultura e diversidade étnica. Mesmo depois do processo violento da partilha (que dividiu o continente através de limites artificiais em países conforme os interesses europeus), o continente ainda persiste na cabeça de inúmeras pessoas como um local único, um bloco, de onde foram tirados os negros para o abastecimento do tráfico negreiro (consciência dada pelo facto da inserção dos negros africanos dentro da história dos livros didácticos); pedaço do mundo dominado pela SIDA e onde até mesmo criancinhas morrem de fome em meio a tanta miséria; e, é claro, o mais clássico exemplo: continente onde habitam os mais exóticos animais como girafa, zebra, leão e ... ah! O temível gorila! Efeitos da mídia e suas peripécias. Não que os factos supracitados fujam da verdade, apenas creio que encobrem a realidade. É necessário e possível ver o continente africano com outros olhos: com os olhos da arte, seja ela plástica ou cinematográfica, como é o caso Moçambique e Nigéria, respectivamente; com os olhos em nações, como é o caso de Angola, que vem adquirindo um crescimento monstruoso no PIB em relação a outros países fora do continente. Hoje, a África possui sim seus problemas mas não tem só essa cara triste e faminta que muitas vezes lhe é pintada. É possível ter uma noção de suas múltiplas faces, suas cores e suas tintas através da obra de dois grandes nomes das Artes Plásticas no continente, nomes estes que são referência em grandes exposições na Europa e Estados Unidos: Malangatana e Rodrigo Pombeiro. Dois artistas que não tomaram para si o ideal de arte europeia, apenas foram beber em suas fontes e, o que antes era padrão, tornou-se uma arte com a cara da África, suas vivências, seus sofrimentos, sua história. Valente Malangatana é nativo de Matalana, sul de Moçambique. Tendo uma infância e juventude muito humilde, o mesmo começou a trabalhar num clube na cidade de Maputo como gandula, onde fez contatos que possibilitaram mais tarde sua ascensão como artista. Tem sua arte exposta nos museus de todo mundo e possui declarações honrosas proferidas pelo director geral da UNESCO, instituição para qual também já produziu obras. Outro moçambiquenho, Rodrigo Pombeiro, realizou boa parte de seus estudos em Lisboa e, em seguida regressou à África, tendo também residido por certo tempo no Brasil. É nome presente nas mais requintadas exposições, como por exemplo: “I Salão de Arte Moderna de Moçambique”(1966), na “Design e Circunstância” na Sociedade de Belas Artes de Lisboa (1982), na “Reencontro” no Maputo (1990), “Sons D’África” em Macau (1991), no “AD LIBITUM” em Brasília. Ao ver a tela de Malangatana abaixo é possível a nítida impressão de estar frente aos horrores da guerra. O quadro em tons avermelhados nos deixa à vista rostos espremidos com olhos que parecem pular da tela. E o nome da obra deixa mais flagrante este teor insensato do que é a guerra, pois em “Perturbação na Floresta” não ocorre a utilização de tons verdes que possibilitariam a interpretação de uma floresta, há apenas a exaltação do tom avermelhado que nos deixa a sensação do sangue africano derramado em guerrilhas. Com uma análise mais minuciosa é possível enxergar animais, como aves e pequenos mamíferos, mas todos eles não fogem ao tom de vermelho, nem mesmo as máscaras e ornamentos tribais estão livres desse “sangrento massa-

Rodrigo Pombeiro

Ideias

N

de

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

Obra

Publica

Já em Rodrigo Pombeiro nota-se uma tela alegre, que faz relato a uma gente também alegre e esperançosa por dias de paz. A obra “A Guerra Acabou?” vem nos contar de um povo cansado de guerrilhas civis e sedentos de igualdade social e racial. É possivel a interpretação de uma pomba representando a paz sendo ligeiramente envolvida por uma serpente que, no caso, representaria toda a opressão de um regime ditatorial existente, se não na prática, na memória dos habitantes de Moçambique... Extremamente colorida se opõe, de certa forma, à tela de Malangatana. Mas é preciso ainda enxergar uma continuidade entre as duas telas que, na minha concepção, são traços de um movimento de evolução rumo à quebra de estigmas e preconceitos. Muito embora, seja preciso destacar que os movimentos artísticos que se dão nos vários países do continente apenas chegam até nós porque são permitidos... Ainda há uma grande barreira de repressão governamental que dita o que se deve ou não ser divulgado. Sendo assim, é pesaroso refletir que tem muita coisa boa produzida, seja no campo das artes plásticas, da literatura, da música que nunca chegará aos nossos sentidos. Um centro de riquezas sendo consumido pela pobreza de espírito presente em alguns de seus governantes! O mundo e suas contrariedades... As Artes Plásticas são um dos inúmeros exemplos que constatam a realidade de um continente rico e ainda pouco conhecido por uma sociedade que só tem valorizado os aspectos estereotipados. Há a necessidade de que se desmanche na memória das pessoas o lado negativo do continente tão diverso em culturas, porque afinal de contas a África nunca foi, nem nunca vai ser uma tribo... *historiadora, Universidade Federal de Viçosa, Brasil

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