A China e o Brasil para além dos BRICS

June 3, 2017 | Autor: I. Carneiro de Sousa | Categoria: Brazil, China, BRICS, China-Brazil Relations
Share Embed


Descrição do Produto

Filho de abastada família do Rio de Janeiro, mas nascido a 13 de Agosto de 1774 na colónia do Sacramento, devolvida por Portugal à Espanha em 1777 e hoje parte do Uruguai, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça foi provavelmente o primeiro verdadeiro director, redactor e jornalista brasileiro. Activo maçon, membro da Academia Brasileira de Letras e diplomata, Hipólito Mendonça foi colocado pela Coroa portuguesa em Londres, em 1802, depois de passagens pelo México e pelos Estados Unidos da América. Regressado ao reino, acusado de propagar perigosas ideias maçónicas, foi preso pela Inquisição às ordens do famoso intendente Diogo Inácio de Pina Manique, mas acabou por se conseguir invadir para a Espanha, em 1805, depois retornando à Grã-Bretanha sob a protecção do príncipe Augustus Frederick (1773-1843), duque de Sussex, grão-mestre da maçonaria inglesa e sexto filho do rei Jorge III do Reino Unido. Suficientemente abonado e protegido, Hipólito comprou as muitas acções do Banco da Escócia que lhe davam direito a adquirir a nacionalidade inglesa. Em Londres fundou, em 1808, aquele que é considerado o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense ou Armazém Literário, publicado

lusofonias nº 10 | 26 de Agosto de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • O Brasil e a China: os BRICS e mais além • As relações económicas e comerciais entre a China e o Brasil • O modelo do comércio entre a China e o Brasil • O modelo de investimentos • O Fórum de Macau e os serviços à relação económica e comercial China-Brasil

Dia 02 de Setembro: Viriato da Cruz, o nacionalista e poeta angolano que morreu em Pequim

APOIO:

A China eo Brasil para além dos BRICS

A China e o Brasil

para além dos BRICS Ivo Carneiro de Sousa

F

ilho de abastada família do Rio de Janeiro, mas nascido a 13 de Agosto de 1774 na colónia do Sacramento, devolvida por Portugal à Espanha em 1777 e hoje parte do Uruguai, Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça foi provavelmente o primeiro verdadeiro director, redactor e jornalista brasileiro. Activo maçon, membro da Academia Brasileira de Letras e diplomata, Hipólito Mendonça foi colocado pela Coroa portuguesa em Londres, em 1802, depois de passagens pelo México e pelos Estados Unidos da América. Regressado ao reino, acusado de propagar perigosas ideias maçónicas, foi preso pela Inquisição às ordens do famoso intendente Diogo Inácio de Pina Manique, mas acabou por se conseguir invadir para a Espanha, em 1805, depois retornando à Grã-Bretanha sob a protecção do príncipe Augustus Frederick (1773-1843), duque de Sussex, grão-mestre da maçonaria inglesa e sexto filho do rei Jorge III do Reino Unido. Suficientemente abonado e protegido, Hipólito comprou as muitas acções do Banco da Escócia que lhe davam direito a adquirir a nacionalidade inglesa. Em Londres fundou, em 1808, aquele que é considerado o primeiro jornal brasileiro, o Correio Braziliense ou Armazém Literário, publicado entre 1 de Junho daquele ano e 1 de Dezembro de 1822,

O Brasil

Q

e a

China:

uando, em 2001, o agora famoso economista Jim O’Neill  da Goldman Sachs publicou o relatório intitulado Building Better Economics – BRIC (Brazil, Russia, India and China), convidando os investidores a prestar mais atenção ao rápido crescimento dos quatro países, estava provavelmente longe de pensar que o seu feliz acrónimo se transformaria num fórum devidamente institucionalizado tanto como influente. Na verdade, depois de várias reuniões desde 2006, os BRIC formalizaram-se em cimeira ao mais alto nível realizada em Yekaterinburg, aberta a 16 de Junho de 2009, reunindo os líderes do Brasil, da Rússia, da Índia e da China, à época Luiz Inácio Lula da Silva, Dmitry Medvedev, Manmohan Singh e  Hu Jintao. Neste mesmo ano, as moderadas previsões daquele primeiro célebre relatório BRIC da Goldman Sachs foram substancialmente revistas: o PIB da China deve ultrapassar o dos EUA entre

os

tendo oferecido ininterruptamente com rigorosa britânica pontualidade 175 números agrupados em 29 volumes. O jornal cuidadosamente estampado e escrito num impecável português oitocentista era um paladino das ideias liberais e da emancipação do Brasil, tendo adoptado como divisa dois camonianos versos de Os Lusíadas (canto VII, estrofe 14): Na quarta parte nova os campos ara/ E, se mais mundo houvera, lá chegara. Impresso em forma de livro, oscilando geralmente entre 70 a 140 páginas, o Correio Braziliense saía mensalmente e era suportado por 300 pontuais assinantes para se dirigir ao que designava por mundo lusíada, mas entrava quase sempre clandestinamente em Portugal e no Brasil. A independência do grande país sul-americano, em 1822, parece ter chegado tarde ao nosso também activo jornalista que, falecido no ano seguinte, a 11 de Setembro de 1823, não chegou sequer a saber da sua nomeação para cônsul do Império do Brasil em Londres. No cuidado número mensal de Setembro de 1813 do seu Correio Braziliense, Hipólito José da Costa brindou os seus leitores com este exacto original texto de opinião: “A China não tem comércio externo, e contudo é um próspero, rico e respeitável país. A comparação da China com o Brasil não é descomedida, em ponto de capacidade de

BRICS

terreno, fertilidade do chão, bondade do clima, e facilidade de comunicações internas. Logo, julgamos muito ajuizado imitar no Brasil a política dos chineses.” Segue-se um sentido apelo ao desenvolvimento da agricultura, indústrias e, sobretudo, do mercado interno do Brasil, o que obrigava à rápida abolição da escravatura que, “não consumindo nada”, tinha desaparecido com vantagens na China, segundo o nosso autor, “há muitos milénios”. Texto verdadeiramente premonitório, mas hoje largamente incorrecto: a escravatura seria abolida tarde, apenas em 1888, enquanto a China se transformou na segunda economia do mundo graças em muito às suas gigantescas exportações, sendo mesmo o primeiro parceiro comercial do Brasil. Não adianta também comprovar com delonga que os dois grandes países continentais são fundamentalmente diferentes, culturalmente até bem diversos, pelo que qualquer modelo de imitação só existe conjecturalmente em algumas combinações mais ou menos de oportunidade concretizadas em reuniões dos BRICS e, ainda que mais esparsamente, nas cimeiras do G20, conquanto China e Brasil prossigam estratégias políticas externas pautadas por vários assimétricos protagonismos e sejam frequentemente fortes concorrentes comerciais, especialmente em África e na América Latina.

e mais além

2025 e 2030; o PIB da Índia poderá ultrapassar o norte-americano a partir de 2050; e o PIB do Brasil será superior ao de qualquer país europeu e ao do Japão à roda de 2030,

e variados vizinhos nem sempre acomodados ao emergente poder da quadriga original. O Brasil era, no entanto, na versão a quatro dos BRIC o país mais diferente pela geo-

tornando o país a quarta economia do mundo em 2050. Os quatro países que constituíram inicialmente os BRIC partilham uma grande dimensão territorial, populações abundantes e longas fronteiras com muitos

grafia, história e cultura, enquanto China, Índia e Rússia partilhavam grande parte da Eurásia e fronteiras comuns conquanto ainda pontuadas por velhos conflitos e desavenças do passado. A entrada da África

do Sul, a 24 de Dezembro de 2010, para este selectivo clube das economias muito mais do que emergentes consagrou, para além de factores económicos, também um prospectivo sentido estratégico visto que, se ligarmos a crescente presença da China em Angola, na África do Sul e no Brasil, descobrimos uma espécie de novo Atlântico Sul que, pelo menos comercial, pode muito bem vir a competir vantajosamente com o tradicional predomínio na economia mundial desse Atlântico Norte ligando os Estados Unidos e a Europa que agora se preparam também para demoradas negociações visando criar a maior zona económica comum do planeta. A ver vamos. Os BRICS são fundamentalmente um arranjo cooperativo mais do que uma verdadeira coligação económica e, muito menos, política, pelo que, para além de algumas concertações pontuais sobretudo sobre a agenda financeira global, cada um dos paí-

LUSOFONIAS - SUPLEMENTO DE CULTURA E REFLEXÃO Propriedade Tribuna de Macau, Empresa Jor­na­lística e Editorial, S.A.R.L. | Administração e Director José Rocha Dinis | Director Executivo Editorial Sérgio Terra | Coordenação Ivo Carneiro de Sousa | Grafismo Suzana Tôrres | Serviços Administrativos Joana Chói | Impressão Tipografia Welfare, Ltd | Administração, Direcção e Redacção Calçada do Tronco Velho, Edifício Dr. Caetano Soares, Nos4, 4A, 4B - Macau • Caixa Postal (P.O. Box): 3003 • Telefone: (853) 28378057 • Fax: (853) 28337305 • Email: [email protected]

II

Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS

lusofonias

ses valoriza mais outras conexões políticas, nomeadamente com (por vezes também contra ou em função de...) os Estados Unidos. Ao mesmo tempo, é preciso matizar algum do optimismo económico que rodeia os BRICS: o conjunto das trocas comerciais em 2012 entre os cinco países foi de 310 biliões de dólares, ainda muito longe do total do seu comércio com os diferentes destinos mundiais que chegou a 5,6 triliões de dólares, ilustrando a predominância dos mercados da Europa, dos Estados Unidos, do Japão e de outras economias emergentes. Mais ainda, uma leitura atenta demonstra que a força central neste agrupamento agora a cinco é a China, representando 85% das trocas intra-BRICS, estando sempre entre os três maiores destinos de exportação com todos os outros quatro parceiros, representando 55% do total do PIB somado dos BRICS. Assim é também com o Brasil. Em 2012, o total das trocas comerciais entre a China e o Brasil totalizou o valor impressionante de mais de 75 biliões de dólares, cerca de 60% do conjunto de todo o comércio entre a China e os PLP. Recorde-se que, em 2009, o comércio bilateral era de 37 biliões, poucos anos antes, em 2003, de 6,7 biliões de dólares e, em 2000, de apenas 2 biliões, o que equivalia então a curtos 8% do intercâmbio comercial com os EUA e a marginais 1,8% do comércio exterior total do Brasil. Números actualmente muito acima do intercâmbio comercial com os outros membros dos BRICS. Assim, o comércio bilateral entre o Brasil e a Índia atingiu em 2012 o valor de 10,6 biliões de dólares, aumentando 15% dos 9,2 biliões de 2011 e quando, dez anos atrás, em 2002, era apenas de 1,2 biliões, mesmo assim muitíssimo mais do que os insignificantes 177 milhões de dólares em 1992. Bastante atrás do comércio brasileiro com

a China, os EUA e a UE ou mesmo com a Argentina, o Japão, a Índia e a Coreia do Sul, as trocas comerciais entre o Brasil e a Rússia chegaram em 2012 a 5,9 biliões de dólares, colocando o país apenas como 12º parceiro brasileiro. Pelo seu lado, a África do Sul situa-se ainda mais abaixo, tendo sido em 2012 o 29º parceiro comercial do Brasil com trocas bilaterais em torno de 2 biliões de dólares. É a relação comercial com a China que verdadeiramente conta no desenvolvimento da economia brasileira como, aliás, mais do que conta para todos os outros membros dos BRICS. A China é, desde 2009, o maior parceiro comercial do Brasil e tem vindo ano após ano a reforçar esta posição. No entanto, em 2012, com um aumento de 11,2% face ao ano anterior, as trocas comerciais entre a China e a Rússia foram as maiores no universo BRICS chegando a um valor de 88,16 biliões de dólares. Razoavelmente acima dos 66 biliões de trocas comerciais entre a China e a Índia e muito mais dos que os 20 biliões entre a China e a África do Sul, mesmo assim suficientes para transformar a RPC no maior parceiro comercial do grande país africano.   A adesão da África do Sul ao selecto fórum mostra também, para além das estratégias políticas e comerciais, que o continente é um objectivo fundamental para os BRICS ou não fosse essa sorte de última fronteira dos recursos naturais do planeta sem os quais é impensável a emergência económica e industrial. Na verdade, todos os cinco países se encontram a alargar vertigionosamente o seu comércio, cooperação e investimentos em África. A começar pela própria África do Sul: uma década atrás, o comércio do país com os quatro BRIC originais era de apenas 5%, alcançando em 2012 17%. Significativamente, os BRICS trocam mais com a África do

que entre eles próprios, tendo o comércio com o continente alcançado em 2012 o valor impressivo de 340 biliões de dólares, dez vezes mais numa rápida década. E, apesar de representar somente 2,5% do total somado do PIB dos BRICS, a África do Sul é responsável por 11% do comércio total BRICS-África, 35% mais volumoso do que o comércio Brasil-África e 200% superior às trocas Rússia-África, apesar do seu crescimento significativo nos últimos cinco anos. Em consequência, por volta de 2015, as trocas comerciais entre os BRICS e a África devem ultrapassar os 500 biliões do comércio dos EUA com o continente, mas prevendo-se que 60% deste volume, cerca de 300 biliões, saiam directamente do continuado crescimento do intercâmbio comercial entre a China e os diferentes países africanos. Apesar destes números, a novidade dos BRICS não é essencialmente comercial ou política, antes representa uma dinâmica de desenvolvimento que o fórum agora de cinco países procura subsumir em agenda internacional vazada numa globalização ainda mais multilateral e numa nova ordem mundial definitivamente multipolar. O que passa por alianças em torno de uma nova governação económica internacional ou, simplesmente, mais posições nas direcções das organizações transnacionais, como ocorreu recentemente na eleição do diplomata brasileiro Roberto Azevedo para director-geral da Organização Mundial do Comércio, o que foi geralmente interpretado como uma vitória dos BRICS. De qualquer modo, os BRICS encontram-se institucionalizados, enformam uma aliança activa de comunicação e, por vezes, de contraposição ao poder político e económico dos países industrializados do Norte que, sobretudo os EUA e a UE, continuam a ser os seus maiores mercados.

As Relações

económicas e comerciais entre a China e o Brasil: um fenómeno recente de uma complementaridade singular

A

pós a sua independência, em 1822, o Brasil inaugurou relações diplomáticas com a China em 1881, mas sem grandes resultados comerciais para além das exportações de tabaco em pó que remontavam, aliás, aos inícios do século XVIII com a activa intermediação de Macau. Depois da instauração da República Popular da China (RPC), em 1949, e da Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953, sob pressão dos EUA, o Brasil cortou as ligações diplomáticas com a República Popular da China reatadas somente em 1974. É certo que, em Agosto 1961, se deu a célebre visita do Vice-Presidente do Brasil João Goulart à China onde recebeu a notícia da resignação do Presidente Jânio Quadros, mas a sua ulterior presidência, com poderes muito limitados pelo parlamento, não desenvolveria as relações com a RPC, logo depois soçobrando face ao golpe militar de 1 de Abril de

lusofonias

1964. O governo do regime ditatorial que se lhe seguiu, dirigido por Castello Branco, decidiu um alinhamento com os EUA e o repúdio ao que considerava serem as perigosas ideias comunistas propagadas pela China Popular. E, no entanto, no início da década de 1970 mudanças importantes na circulação internacional da China poderiam ter permitido uma aproximação do Brasil. Recorde-se que, neste período, a RPC entendeu privilegiar as relações Estado a Estado, independentemente do seu formato ideológico, aproximando-se também dos EUA para receber mais protecção face à URSS, o que haveria de ser premiado, em 1971, com a sua entrada para o Conselho de Segurança da ONU substituindo definitivamente Taiwan. Contudo, os governos do regime militar desperdiçaram estas oportunidades e, entre 1969 e 1974, o famigerado governo do general

Emílio Garrastazu Médici privilegiou aumentar ainda mais brutalmente a repressão, promovendo também um chamado “milagre económico” que, assentando na intervenção do Estado e na construção de grandes infra-estruturas, beneficiou apenas as classes muito ricas enquanto os rendimentos per capita caíam para parcos 40 dólares mensais, recuando o poder de compra dos brasileiros para os níveis de 1960. Tudo o que fosse minimamente democrático e progressista, da imprensa aos círculos intelectuais, passando pelas universidades, pela música, pelo livro, foi violentamente perseguido, muito mais tudo o que se aproximasse de alguma coloração comunista, assim inviabilizando completamente o reatamento de relações com a China. A abertura de relações diplomáticas faz-se em 1974, no primeiro ano da presidência do general Ernesto

Geisel, um pouco mais pragmático em matérias internacionais e ligeiramente mais flexível na dureza das medidas anti-democráticas. Antigo presidente da Petrobrás, Geisel assistiu ao impacto profundo da crise petrolífera de 1974 na economia brasileira e tentou encontrar novas fontes de importação, o que ajuda a explicar tanto a inauguração de relações siplomáticas com a China como, em 1975, logo após a independência, com Angola. Restabelecidas, assim, em Agosto de 1974, as relações diplomáticas com a China, o comércio bilateral cresceu muito paulatinamente de 19,4 milhões de dólares, nesse ano, para 202 milhões em 1979, ajudado por um Acordo Comercial assinado no ano anterior. Neste período, o Brasil exportava para a China sobretudo algodão, açúcar e farelo de soja contra importações que, desde CONTINUA NA PÁGINA SEGUINTE >

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

III

OM A

< CONTINUADO DA PÁGINA ANTERIOR

1978, eram dominadas a 95% por petróleo chinês. É na década de 1980 que, quando se consolida a política de reformas na China e a sua progressiva abertura ao mundo, se começam lentamente a desenvolver as relações comerciais e de cooperação com o Brasil. As viagens à RPC do último presidente do regime militar, João de Figueiredo, em Junho de 1984, e depois de José Sarney, em Julho de 1988, permitiram a assinatura de mais de vinte actos bilaterais nas áreas económicas, científicas e tecnológicas, destacando-se em 1988 a proposta de construção conjunta de satélites em projecto conhecido por China-Brazil Earth Resource Satellite, o CBERS. Neste período, a China tornava-se o segundo parceiro comercial brasileiro na Ásia depois do Japão, chegando as trocas bilaterais a 1 bilião de dólares, exportando o Brasil principalmente minérios, óleos vegetais, produtos siderúrgicos e agropecuários, comprando petróleo, produtos químicos e peças de máquinas. É a partir de 1993 com a assinatura de uma parceria estratégica que as relações comerciais e a cooperação se desenvolvem um pouco mais significativamente. Grandes companhias brasileiras como a Companhia de Projectos e Obras (CBPO) e a Andrade Gutierrez participaram em licitações para a construção de hidro-eléctricas na China, a cooperação no programa de satélites CBERS foi incentivado (o primeiro satélite foi lançado em 1999, o segundo em 2003 e o terceiro em 2007) e as trocas comerciais voltaram a instalar-se na ordem do bilião de dólares, registando-se em 1994 importações brasileiras de 460 milhões de dólares contra 820 milhões de exportações. A seguir, durante os governos do presidente Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, foi desenhada uma estratégia para conciliar as relações tradicionais do Brasil com os países desenvolvidos, especialmente os EUA, e as oportunidades que se começavam a abrir com o rápido crescimento económico da China. A partir de 2000, com o fim do Plano Real e a estabilização cambial e financeira ganha pelo Brasil, as relações comerciais com a RPC aumentam as impor-

IV

tações chinesas até 2004 em 351%, enquanto as exportações brasileiras crescem 106%, logo transformando a China em quarto parceiro comercial do Brasil com um valor total de trocas a situar-se na ordem dos 8 biliões de dólares. As vendas brasileiras, contudo, assentaram em 70% na exportação de matérias-primas e alimentos com baixo conteúdo tecnológico – agropecuária (32%), mineração (21,6%), siderurgia (7,8%), celulose (5,3%) e óleos vegetais (9,1%) –, enquanto em contraste as importações do mercado chinês se situaram a 57% em equipamentos electrónicos, produtos químicos e farmacéuticos: um modelo comercial que, como veremos, se tem vindo a aprofundar. Pese embora estes desenvolvimentos, o Brasil representava em 2000 somente 0,72% das importações chinesas (24º lugar), passando em 2004 para 1,55% (14º lugar). Neste período, como se sabe, praticamente 50% das importações da China saíam de quatro países – Japão (16,81%), Taiwan (11,54%), Coreia do Sul (11,09%) e Estados Unidos (7,96%) –, ao mesmo tempo que 55,14% das exportações chinesas se dirigiam para outros quatro destinos dominantes – Estados Unidos (21,06%), Hong Kong (17%), Japão (12,39%) e Coreia do Sul (4,69%). Seja como for, pode situar-se a maturação, desenvolvimento continuado e especialização das relações económicas e comerciais entre a China e o Brasil a partir de 2004, abrindo uma década de impressionante crescimento das trocas comerciais transformando a China, desde 2009, no principal parceiro comercial do Brasil. Naquele ano, concretiza-se a importante viagem do anterior presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, em Maio, mobilizou nove ministros, seis governadores e mais de 400 empresários. Firmando nove acordos bilaterais e catorze contratos bilaterais, esta visita procurava destacar a dimensão continental do Brasil, a sua autonomia em política internacional, mais o seu comprometimento com uma nova cooperação Sul-Sul, para além de reconhecer definitivamente a importância política e económica da China tanto na construção de uma ordem internacional multipolar quanto na multilateralização do processo de globalização. Pou-

Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS

cois meses depois, em Novembro de 2004, o antigo presidente chinês Hu Jintao visitava oficialmente o Brasil no preciso momento em que o governo brasileiro decidiu conceder à RPC o estatuto de economia de mercado, apesar dos fortes protestos de muitos empresários brasileiros que, liderados pela poderosa Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), acusavam a concorrência desleal das grandes companhias estatais chinesas com o seu forte apoio governamental, créditos abundantes, taxas e condições de trabalho muito especiais. O que não impediu o franco reforço das relações bilaterais com a criação, em 2006, da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban); o lançamento governamental em 2007 da Agenda China e do Diálogo Estratégico; a especialização, em 2008, do Diálogo Financeiro Brasil-China; mais a institucionalização dos BRICS, o diálogo mantido no G20 e na abertura das cúpulas da OMC às economias emergentes. Refira-se ainda que, actualmente, quando a RPC continua a reforçar a sua posição de principal parceiro comercial do Brasil, ainda é a Agenda China a dilucidar tanto as orientações quanto as principais disfunções numa relação que tem sido muito mais comercial do que efectivamente política. Recorde-se, por isso, que a agenda definia várias metas bilaterais, algumas ainda largamente por concretizar, a saber: (i) aumentar o valor tecnológico das exportações brasileiras para o mercado chinês; (ii) equilibrar quantitativa e qualitativamente a balança comercial bilateral através do aumento da exportação de produtos industrializados brasileiros; (iii) incrementar as exportações brasileiras de produtos intensivos no uso de recursos naturais; (iv) aumentar a participação brasileira em missões, feiras e projetos específicos com a China; (v) atrair mais investimentos chineses para o desenvolvimento do Brasil, incluindo nas áreas de infra-estruturas e logística. Sete anos volvidos, convém tentar perceber como é que esta brasileira Agenda China se comportou em comércio e investimentos com a segunda maior economia mundial.

s relações comerciais do Brasil c -se lentamente desde a reabertu em 1974, explodindo verdadeirame se confirma através dos muito porm rio do Desenvolvimento, Indústria e tico pelo menos original...): em 200 -Brasil chegaram a 4.074.972.311 de para 6.681.164.162; em 2004, cre em 2005, situaram-se já em muito em 2006, atingiram 16.392.817.26 23.370.087.139; em 2008, desenvol cativamente para 36.567.112.752; e da crise internacional, conseguiram 36.915.020.034; em 2010, aumenta mente para 56.381.325.447; em 201 resultado com 77.105.013.552; caind do, em 2012, para 75.476.039.012, m saldo positivo em favor do Brasil de 6 inferior aos generosos 11.524.177.12 Afectados pelo abrandamento do sileiro, agora também contestado em festações públicas, o comércio Brasi valor total de exportações brasileira 41.227.540.253 de dólares (-6,97% d mais especializada destes números damente estável há mais de duas d ou commodities (que mercadorias s talvez sem o mesmo economicista e literal como comodidades parece muito material campo das trocas eco leram de forma mais do que dominan (82,8%), os produtos industriais sem a 4.671.421.501 (11,3%) enquanto o valor acrescentado se quedaram por se acresceram ainda em operações e exactamente cem produtos, as esta ano transacto registaram cinco prod de 1 bilião de dólares: os minérios d (33,84%); a soja em grão e farelo e lor de 11.880.053.533 (28,82%); o pe 4.834.736.660 (11,73%); o muito bras no mercado chinês 1.063.070.877 ( atingiu os 1.008.407.370 (2.45%). O p industrial nas exportações brasileira rece em sétimo lugar, constituído pe que, valendo 785.721.160 (1,91%), sã Embraer. As exportações chinesas para o B valor de 34.248.498.759 de dólares, uma enorme variadade de muitas o cem produtos listados pelas estatís apenas se descobrem quatro com e vendas chinesas de televisões, rádio única exportação acima de 1 bilião d sos 1.606.693.213 (4,70%); aparelho valeram aos exportadores chineses 67

lusofo

Modelo do comércio entre a China e o Brasil

com a China desenvolveramura de ligações diplomáticas, ente na última década, como menorizados dados do Ministée Comércio Exterior (um tríp02, as trocas bilaterais Chinae dólares; em 2003, subiram esceram para 9.151.882.865; expressivos 12.189.516.341; 61; em 2007, saltaram para lveram-se ainda mais signifiem 2009, apesar do impacto m crescer ligeiramente para aram ainda mais expressiva11 atingiram o mais volumoso ndo ligeiramente o ano passamesmo assim conseguindo um 6.979.041.494 de dólares, mas 20 de 2011. o crescimento económico braem recorrentes grandes maniil-China registou em 2012 um as para o mercado chinês de do que em 2011). Uma leitura revela um modelo continuadécadas: os produtos básicos se pode dizer em português, efeito, já que uma tradução excessivamente exterior ao onómicas e comerciais...) vante 34.147.262.539 de dólares mi-manufacturados chegaram os manufacturados de maior r 2.373.217.008 (5,7%), a que especiais 35.639.205. Listando atísticas oficiais brasileiras do dutos com exportações acima de ferro com 13.950.844.361 exportou para a China no vaetróleo em crude chegou aos sileiro açúcar de cana vendeu (2,58%); a pasta de madeira primeiro produto tecnológico as para a China em 2012 apapelos aviões e veículos aéreos ão negócio maior da poderosa

Brasil atingiram em 2012 um , mas aparecem pautadas por ofertas industriais. Assim, nos ísticas ministeriais do Brasil, exportações acima de 1%: as os e seus componentes são a de dólares com os seus precios telefónicos e de telegrafia 679.948.128 (1,99%); as expor-

onias

tações de turbinas a vapor chegaram a 502.957.030 (1,47%) e as telas para microcomputadores alcançaram 467.729.215 (1,37%). Segue-se uma lista marcada pela diversidade das mais diferentes produções industriais que somam às habituais manufacturas baratas em têxteis, calçado e brinquedos produtos de alta tecnologia, da informática aos painéis solares. Em rigor, 97% das exportações chinesas para o Brasil fazem-se em produtos manufacturados com muito maior valor agregado do que as importações chinesas de commodities brasileiras: mais de 40% das vendas da China fazem-se já em produtos de alta tecnologia enquanto os de baixa caíram para 20%. Mais ainda, as manufacturas chinesas concorrem directamente com os produtos industriais brasileiros domesticamente e em mercados terceiros, neste caso tanto entre economias emergentes como nas economias em desenvolvimento, especialmente na América Latina e na África. Trata-se de um modelo que não é exclusivo das trocas bilaterais China-Brasil, mas que se verifica na maioria das relações comerciais brasileiras com os outros países asiáticos, exceptuando-se apenas o caso da Índia para onde o total das exportações do país lusófono contempla quase 50% de produtos manufacturados. Assim, no geral, ao longo de mais de uma década, tanto a China como os demais mercados asiáticos compraram maioritariamente ao Brasil commodities, sobretudo soja e minério de ferro, acrescentado de crude já que, com as descobertas e início da exploração das enormes reservas descobertas no pré-sal da bacia marítima de Santos, as exportações brasileiras de produtos petrolíferos tenderão a aumentar substancialmente nos próximos anos. O que terá certamente impacto nas trocas comerciais bilaterais ou não fosse a China desde 2009 o maior consumidor energético do mundo com os seus 2.252 biliões de toneladas de petróleo equivalente, superando nessa altura os 2.170 biliões de consumo dos EUA. Mas nesta área, como se bem sabe, a concorrência é quase feroz até porque a China soube diversificar as suas importações de crude do Médio-Oriente, da África e da América Latina. De qualquer forma, desde 2008, concretizando precisamente essa política de diversificação das importações de recursos energéticos, a China tornou-se o segundo destino das exportações brasileiras de petróleo, mas as vantagens do Brasil nos mercados globais são muito mais evidentes em soja e minérios de ferro. A soja conhece actualmente apenas três grandes produtores mundiais com escala suficiente para a procura do enorme mercado chinês que são, por ordem decrescente, os EUA, o Brasil e a Argentina. O minério de ferro só é verdadeiramente produzido em grande escala pela Austrália e pelo Brasil. Desde 2006, a Vale transformou-se no principal fornecedor de minério de ferro ao mercado da China, na altura com 75,7 milhões de toneladas embarcadas, representando 23,2% das importações chinesas, percentagem que se tem vindo a alargar nos últimos anos. A China vai continuar a precisar de importar nas próximas décadas quantidades colossais destas commodities, apesar dos sentidos esforços e investimentos em diversificação económica, das energias ao alimentar. O Brasil parece, assim, pelo menos nestas duas áreas, em condições de impôr níveis suficientemente lucrativos de preços como, aliás, o fez a gigante Vale na exportação de minério de ferro para a China. O que, porém, não resolve a situação de fundo do insuficiente valor agregado destes produtos. Com efeito, mesmo

a soja é exportada para o mercado chinês a 95% em grão, sem o valor industrial agregado que poderia vir do farelo e, sobretudo, do óleo. O que não se afigura fácil de reverter já que as alfândegas chinesas cobram uma tarifa de 3% sobre as importações de grão, mas impõem 9% sobre óleo de soja, à semelhança de outros produtos primários industrializados brasileiros como o aço, papel e celulose. A complementaridade assimétrica de um modelo comercial que, apesar de favorável ao Brasil, intercambia as commodities primárias brasileiras por produtos manufacturados chineses, incluindo de altas tecnologias, tem vindo a suscitar a preocupação crescente de vários sectores manufactureiros brasileiros que, especialmente nos têxteis, vestuários, calçados e nas componentes industriais, denunciam repetidamente a perda de competitividade nos mercados interno e externos face à China, situação agravada ainda pela valorização do Real, aumento dos custos salariais, correndo a par com disfunções estruturais brasileiras, da burocracia à irritante corrupção, passando pelos custos de transporte ou pelas dificuldades logísticas. Preocupações inteiramente justificadas: o modelo actual do comércio Brasil-China é mais assimétrico que o padrão comercial Brasil-Estados Unidos ou Brasil-União Europeia. Em rigor, enquanto no ano passado a participação do comércio intraindustrial nas trocas bilaterais com os EUA foi de 50% e de 39% com a UE, situou-se com a China em benévolo optimismo apenas em 16% se incluirmos os produtos semi-manufacturados. Paradoxalmente, o modelo do comércio China-Brasil segue exageradamente as assimetrias tradicionais do padrão mais do que conhecido “Norte-Sul”, sendo mesmo muitíssimo mais acentuado do que com os grandes países industrializados. Uma assimetria económica e socialmente grave, insustentável na longa duração. Efectivamente, apesar dos extraordinários avanços no desenvolvimento económico e social brasileiro nas últimas décadas com uma larga redução da pobreza e um crescimento significativo da classe média, conquanto em muito à custa do crédito e do endividamento talvez na ordem dos 40%, vários economistas brasileiros sublinham com razão que, nas economias desenvolvidas do Norte industrializado, a diminuição do sector industrial no PIB deu-se geralmente quando essas sociedades cruzaram um PIB per capita de 20.000 dólares, um patamar que o Brasil ainda está longe de alcançar. Neste contexto, a progressiva substituição do peso das indústrias em favor de serviços especializados de grande valor acrescentado parece ainda difícil, mais ainda quando não existe o mercado interno para sustentar económica e estamentalmente esta mudança. Logo, uma continuada desindustrialização do Brasil potenciada pela promoção nos mercados globais das commodities e pela concorrência das muito mais competitivas manufacturas chinesas pode configurar um fenómeno económico excessivamente precoce somando à desvalorização comercial externa graves consequências sociais. Por isso, o futuro das relações comerciais entre a China e o Brasil vai exigir muito mais diversificação de actores, sectores e inovação, para além de um modelo de investimentos e de cooperação económica capaz de qualificar complementaridades e infirmar as assimetrias. O que não se vislumbra no horizonte próximo quando se analisa o modelo de investimentos dominante nas relações económicas China-Brasil ainda mais assimétrico do que o jogo das trocas comerciais.

LUSOFONIAS • Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

V

O Modelo À

semelhança das relações comerciais, é sobretudo a partir de 2004 que se alargam os investimentos chineses no Brasil com a assinatura do Memorando de Entendimento sobre Cooperação em Matéria de Comércio e Investimento, concedendo à RPC o referido estatuto de economia de mercado, ano também marcado como se sublinhou pela visita do presidente Lula da Silva à China e do presidente Hu Jintao ao Brasil. No entanto, não é fácil analisar e avaliar qualificadamente os impactos destes investimentos, existindo continuadamente uma discrepância entre intenções, projectos e realizações concretas: entre 2007 e 2012, um total de 60 projectos de investimento foram anunciados por 44 companhias chinesas, mas apenas 39 foram confirmados, enquanto 21 continuam em processo de negociação e avaliação por empresas de ambos os países. Assim, até ao ano passado, tinham sido anunciados investimentos chineses no valor de 68,5 biliões de dólares, mas apenas se concretizaram até agora 24,4 biliões, cerca de um terço do prometido. O modelo geral dos investimentos chineses no Brasil capta-se com mais facilidade, decorrendo directamente do padrão das trocas comerciais. Com efeito, até 2010, os investimentos situaram-se nos sectores dos recursos, especialmente em minérios de ferro, soja e petróleo, assim acompanhando e procurando proteger as principais exportações brasileiras para a China. Destacaram-se em valor neste período os investimentos no sector petrolífero: os 7,1 biliões de dólares pagos pela Sinopec pela compra de 40% da subsidiária brasileira da espanhola Repsol; os 3,1 biliões da compra pela Sinochem de 40% do campo de exploração de petróleo denominado Peregrino, concessionado à norueguesa Statoil; e os 4,8 biliões dispendidos pela Sinopec na aquisição de 30% de participação na Petrogal Brasil. Os investimentos nesta área tinham recebido já forte impulso

VI

de Investimentos

em 2009 através de um contrato de financiamento celebrado pela Petrobrás com o China Development Bank (CDB) que disponibilizou uma linha de financiamento de 10 biliões à gigante petrolífera brasileira com a contrapartida de exportação de 200 mil barris de petróleo diários até 2019 à Unipec Asia, subsidiária da Sinopec. A partir de 2011, e ainda mais claramente no ano passado, os investimentos chineses começaram a perseguir alguma ténue diversificação e a associar as gigantes estatais a algumas empresas privadas. Descobrem-se investimentos no sector automóvel, reunindo 19 projectos que representam 5,8% dos investimentos totais chineses no Brasil. Encontram-se igualmente nos sectores dos produtos electrónicos e de veí-

com os seus mais do que impressionantes activos de 2,7 triliões de dólares. Uma presença a ligar ao acordo assinado no passado mês de Junho pelos dois governos e bancos centrais permitindo às empresas brasileiras operar na China em reinminbi (yuan) e as chinesas em reais no Brasil. Em consequência destas tentaivas de diversificação dos investimentos chineses no grande país lusófono, juntaram-se às gigantes estatais dos sectores dos petróleos, outras empresas como a Wuhan Iron & Steel Group, Baosteel Group, AOC TPV Technologie Group, ZTE Zhongxing Ltd., China Trade Center, China Aluminiun Ltd., Phihong, Baoan, Gree, Jialing, Huawei, ZTE, Citic, operando principalmente na indústria siderúrgica, na exploração de minérios, no processamento de ma-

culos de duas rodas, mas apenas representando 3,4% do total, disseminando-se por mais de 51 projectos com um valor médio de investimentos relativamente baixo à roda dos 30 milhões de dólares. Mais recentemente, algumas empresas chinesas investiram em agronegócios e ampliou-se moderadamente a presença financeira, tendo o Banco da China, presente timidamente no Brasil desde 2009, recebido agora a companhia do gigantesco Industrial Commercial Bank of China (ICBC)

deira e na montagem de eletrodomésticos, ampliando também aquisições e fusões empresariais. Em radical contraste (muito mais do que mera assimetria...), os investimentos brasileiros na China são mais do que modestos. No conjunto dos investimentos do Brasil no exterior somente 0,06% se dirigem para a China, representando escassíssimos 0,04% do IDE que entra abundantemente na RPC. Identificam-se actualmente 57 empresas brasileiras a operar na China, concentradas

Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS

especialmente na produção de aviões através da Embraer que mantém uma fábrica em Harbin e na indústria de carvão, tendo a Vale adquirido algumas posições minoritárias em companhias chinesas. Existem também empresas brasileiras activas no imobiliário, na industria têxtil e na produção automóvel como a Embraco, Marcopolo, Maxion, Veg, Schulz, notando-se igualmente a presença atenta da Petrobras, entidades financeiras estatais e privadas (Banco do Brasil, BNDES, BM&F, Bradesco) e uma série de escritórios de advocacia. Tudo somado é ainda muito pouco para que os investimentos brasileiros possam competitivamente tirar vantagens do gigantesco crescimento do mercado de consumo interno da China. Trata-se de um contraste que convém situar no seu verdadeiro contexto global: o Brasil é ainda muito mais receptáculo de IDE do que investidor no estrangeiro, enquanto investimentos chineses no Brasil se integram numa estratégia de internacionalização das grande empresas da RPC, maiormente estatais, desenhada a partir de 2002 com a conhecida política governamental do Going Global, misturando indisfarçadamente o económico e o geopolítico. Por isso, o alargamento dos investimentos da China no Brasil deve integrar-se também na atracção que o grande país sul-americano continua a exercer para os mais variados investimentos directos estrangeiros, mais ainda com a crise global de 2008 com Petrobrás origem nos EUA e a arrastada crise das dívidas soberanas na UE. Em 2012, apesar do baixo crescimento económico dos últimos dois anos, o Brasil recebeu 65,3 biliões de dólares de IDE, colocando-se na quarta posição mundial, atrás dos EUA com 167,6 bilhões, da China com 121,1 biliões e de Hong Kong com 74,6 biliões. O ano passado, a RPC foi mesmo o terceiro maior investidor mundial com os seus 84 biliões de dólares, ainda assim muito atrás dos 329 biliões dos EUA e em menor volume do que os 123

lusofonias

biliões do Japão. Em contraste, o Brasil praticamente não investiu em 2012 no estrangeiro, tendo mesmo as empresas brasileiras repatriado cerca de 3 biliões de dólares. O que é mais grave no modelo ainda dominante de investimentos chineses no Brasil é a sua decorrência directa do padrão comercial com a sua esmagadora preferência pelos produtos primários. É que a primarização da economia por mais comercialmente lucrativa que seja na conjuntura global presente não solucionará os problemas estruturais da economia e sociedade brasileiras. O sector das commodities emprega muito pouco: em 2010, apenas 3,2% dos trabalhadores formais estavam empregados no sector agropecuário e menos de 0,5% no sector mineral. Além de empregar pouco, o sector de produtos básicos gera pouco emprego quando cresce. A primarização não parece ser avenida com futuro para a criação de mais e melhores empregos, muito menos se afigura o melhor caminho para um país que elegeu (e bem...) a superação da pobreza e das desigualdades como os seus principais objetivos de políticas públicas. Em alternativa, tanto as relações comerciais como os investimentos China-Brasil precisam de ser verdadeiramente pensados em diversidade com mais ciência, investigação, tecnologias e cultura. Alguns exemplos parecem promissores. Em 2010, a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universidade de Tsinghua criaram um centro dedicado à investigação das mudanças climáticas e segurança energética para o qual o governo brasileiro canalizou 2 milhões de dólares. Abriram os inevitáveis Institutos Confúcio em universidades brasileiras, em São Paulo e Brasília. O governo brasileiro financia cursos de Português na Universidade de Pequim, na Universidade de Comunicações da China e na Universidade de Shijiazhuang. Mas nenhuma destas, e algumas outras, formas de cooperação sino-brasileira parece tão importante como o acordo assinado em 2011 pelos ministérios da Ciência e Tecnologia da China e do Brasil para o desenvolvimento conjunto de investigação e inovação em nanotecnologias. Inovação e investigação são condição de diversificação tanto no Brasil como na China: os 5000 trabalhadores da chinesa Foxconn poderiam até montar todos os iPads e iPods do mundo, mas provavelmente menos de 5% do preço cobrado ao consumidor ficaria na China. A ideia, o conceito, a marca, o grande valor acrescentado ainda fica nos EUA – investigação e inovação são os desafios que a China e o Brasil devem abraçar, porque não também com renovado comércio e novos investimentos.

lusofonias

O Fórum

de Macau e os serviços à relação económica e comercial China-Brasil

A

s trocas comerciais entre a China e o Brasil representaram em 2012 praticamente 60% do conjunto do comércio entre a RPC e os Países de Língua Portuguesa. O engajamento do Brasil no Fórum de Macau é, por isso, mais do que fundamental. É certo que o cônsul-geral do Brasil em Hong Kong e Macau representa o país oficialmente no Secretariado Permamente do Fórum, mas faz muita falta um delegado permanente que acompanhe crítica e activamente as acções quotidianas do organismo. É certo também que o Embaixador do Brasil em Pequim segue as reuniões ordinárias do Fórum e o país tem estado presente nas cimeiras ministeriais, mas nunca aos mais altos níveis. Sendo as relações económicas e comerciais entre a China e o Brasil assunto bilateral, quais poderão ser os serviços pertinentes do Fórum de Macau a oferecer ao desenvolvimento das ligações sino-brasileiras tão complementares como, afinal, assimétricas? Convém esclarecer que o o Brasil não conhece a China, reagindo ao enorme crescimento chinês com lugares-comuns, desconfiança e mesmo alguns preconceitos que se manifestam em todas as sondagens e estudos de opinião. O chinês é, no Brasil (como em muitos países ocidentais...) o “outro”, domesticado por uma espécie de regime incompreensível e concorrente desleal. A cultura chinesa é estranha e distante, sendo desconhecida mesmo pela maioria dos políticos e empresários brasileiros que se relaciona ou visita a China, geralmente ignorando tradições, hábitos, mentalidades tanto como regras comerciais, economia e sociedade. Apesar do exponencial desenvolvimento comercial, o Brasil ainda não conhece a China. Esta, por sua vez, desconhece ainda mais o Brasil fora de alguns tópicos cómicos e folclóricos subsumidos entre carnavais e tropicais pecados. O Fórum de Macau pode e deve ser um instrumento para melhorar compreensão, entendimentos e reconhecimento da diversidades das culturas e das sociedades do Brasil e da China. Aproveitando a sua história – foi Macau que, no século XIX, informou o Brasil sobre a civilização chinesa... – e as vantagens do segundo sistema, o Fórum deve promover conferências, reuniões e debates em que responsáveis políticos, ermpresários, académicos e investigadores chineses e brasileiros se possam conhecer e, assim, aprender a trabalhar em conjunto. Pode e deve contribuir também para multiplicar a presença e visita de empresários brasileiros em feiras e certames comerciais em Macau

e na China, colaborar no intercâmbio académico e científico, nos intercâmbios de escolas e associações de estudantes, promovendo igualmente muito mais encontros e actividades marcadas pelas indústrias criativas e culturais. Em seguida, aproveitando tanto os muitos quadros de língua portuguesa instalados em Macau, vários capazes de se expressarem em mandarim, assim como os muitos quadros chineses que na RAEM se movimentam com competência em português, o Fórum deve prestar serviços de estudo, jurídicos, de aconselhamento e facilitação, de capacitação e planeamento capazes de servir empresas e instituições brasileiras e chinesas interessadas em comerciar, investir e cooperar. Deve também o Fórum de Macau servir para convidar empresas brasileiras a encontrar no território facilidades para entrar nos mercados chineses, aproveitando as vantagens do acordo CEPA e dos entendimentos formalizados no quadro do Grande Delta do Rio da Pérola que, certamente, agradecerá as ligações às empresas industriais e tecnológicas do Brasil. O que implica mais investimento na formação de recursos humanos, convidando quadros e empresários brasileiros a partilhar livremente as suas experiências em Macau com auditórios especializados vindos dos PLP e da China continental. Finalmente, o Fórum de Macau deve mobilizar os saberes e competências da cooperação brasileira, especialmente em África, para ajudar tanto o desenvolvimento económico e social dos outros países lusófonos quanto a cruzar experiências com a crescente cooperação chinesa que, tantas vezes, se embaraça em preocupantes faltas de entendimento das outras sociedades e culturas. Referencial em áreas fundamentais como o combate à pobreza, o desenvolvimento e investigação agrícolas, a saúde e a socialização da energia, a cooperação brasileira em África constitui um património fundamental que o Fórum de Macau deve transformar em oportunidades para mais cooperação e projectos concretos ao serviço do desenvolvimento sustentado que cada vez mais vai desafiar as relações entre a China e os PLP. A China e Brasil, apesar de concorrentes em várias áreas, não poderiam ser mais complementares – fraquezas e virtudes foram igualmente distribuídas entre ambos. Cabe ao Fórum de Macau transformar em formação as virtudes e ajudar com serviços especializados de intermediação a limitar as fraquezas. LUSOFONIAS • Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013

VII

Literatura angolana “versus” línguas nacionais

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

Ideias

Norberto Costa*

“Nestes termos, julgamos que a nível da literatura angolana, já era sem tempo a promoção e a valorização daqueles autores que se exprimem em línguas nacionais, sob pena de vermos o comboio passar das muitas literaturas africanas, que para além da sua afirmação nas línguas étnicas (como é cado da Nigéria, em que existe uma literatura em língua igbo), continuam a arvorar, concomitantemente, o estandarte das suas literaturas nacionais, nas línguas do excolonizador.”

VIII

A

gostinho Neto afirmava, a propósito, num colóquio por si animado em Lisboa, em Novembro de 1958: “Um poeta negro que escreve em Francês, língua em que é considerado mestre, disse não onde que se sentia muito orgulhso em escrever na língua fracesa. Não sei qual seria o espanto do povo francês, qual o espanto de que seria possuído o povo francês caso os seus intelectuais, reconhecendo a enorme beleza da língua chinesa, entendessem todos em escrever em chinês.” E Neto avança ainda sobre o drama do intelectual colonizado e não só: “É mais triste que espantoso que uma maior parte de nós “os assimilados” não sabe falar ou entender qualquer das nossas línguas. E isto é tanto mais dramático, quanto é certo que pais há que proíbem os filhos de falar as línguas dos seus avós”, observando que “encontramos em alguns de nós apenas a preocupação de lamentar o pobre homem negro a quem não é fornecida igualdade absoluta com valorização intelectual. A maior parte das vezes não se voltaram para o lado mais importante da questão: para as tradições e para as suas línguas que não sabiam.” Nestes termos capta-se o conflito sociocultural e o drama psicológico em que vive mergulado o intelectual africano colonizado, com todas as incidências actuais atinentes. O facto de a literatura angolana, bem como as demais literaturas dos “Cinco” (PALOP), serem quase que exclusivamente praticadas em língua portuguesa, não deixa de constituir um paradoxo aparente. Muito embora tal facto seja um caso arrumado na história das nossas literaturas, no sentido de se esclarecer e ajudar a compreender as demais nuances e matizes envoltas no assunto, tendo em atenção a praticamente inexistente produção literária em línguas nacionais, excepção feita – para bom entendedor meia palavra basta – a alguns textos da tradição oral ou de alguns raros poemas, por exemplo, em kimbundu. Contrariamente ao que acontece em Cabo Verde e Moçambique, literaturas que sempre acompanharam a “démarche” da nossa, várias foram as obras que surgiram nas respectivas línguas nacionais, como é o caso do romance em crioulo de Manuel Viega, o mais pronunciado nestas lides, embora não seja o único. Em Moçambique, tal tipo de produção em línguas locais é uma constante no quadro das preocupações sociais e culturais da nova vaga de escritores surgida nos anos 80 (sobretudo surgida no marco da geração literária da “Charrua”), como é o caso de Bento Sitoé, que publicou já dois livros de prosa na sua língua materna – o tsonga. Entre nós, porém, tal experiência parece estar longe de ser efectivada. No entanto, pensamos, sem qualquer chauvinismo, que não será de maneira nenhuma serôdia a promoção desses valores literários, quer seja através de concursos ou outras realizações que preenchem no plano institucional a literatura, atribuindo-se prémios, quando for caso disso, aos mais conseguidos dos autores e das obras. Nesta vereda, achamos importante chamar a atenção do leitor para tão apaixonante problemática, já que tal questão tem merecido a atenção duma boa parte dos fóruns que se realizam sobre a matéria das líguas maternas e a sua articulação com a literatura, não só ao nivel do nosso continente, bem como fora dele, constituindo a UNESCO um dos seus principais aeropágos. Quer dizer, o problema da valorização das línguas africanas tem assumido cada vez mais foro de cidadania, no quadro das preocupações que atravessam a “inteligência” africana e não só. Deste modo, e em relação à questão que nos mobiliza hoje, aqui e agora, que é a da produção literária em línguas nacionais, ou dito doutro modo e mais concretamente, a relação entre o escritor angolano e o seu público, convidamo-lo a ouvir um reputado intelectual africano, cujo país guarda bastantes similitudes com Angola, o conhecido escritor moçambicano Marcelino dos Santos, quando

Segunda-feira, 26 de Agosto de 2013 • LUSOFONIAS

refere: “Algumas angústias acompanham o escritor africano, nomeadaente quando tem de usar a língua do ex-colonizador como seu instrumento de trabalho (…) Esta situação determina o facto de o escritor no seu país comunicar-se apenas com uma minoria letrada”. Neste pormenor ganha primazia a questão da alfabetização em línguas nacionais e não só: o surgimento de autores que nela se exprimam, é fundamental. Prosseguindo na sua análise, o poeta Kalungano (pseudónimo literário de Marcelino do Santos), manifesta a necessidade de se empreender uma vasta acção continental, no sentido da valorização de tão valioso património linguístico, sublinhando que algumas dessas línguas estão ameaçadas de degenerescência, “constituindo deste modo um forte golpe para milhares ou milhões de pessoas que nelas se expressam”. Finalmente, aquela legendária figura do nacionalismo africano e, consequentemente, um dos combatentes pela afirmação da identidade cultural africana remata:“ As nossas línguas têm de ser defendidas e preservadas (…) Investigar e usar as linguas africanas tem de ser tambem um acto do escritor, na sua ânsia de se fazer ouvir e comunicar”. No fundo, o drama psicológico e o conflito sócio-cultural (de que vos falávamos incialmente, pela voz de um seu companheiro de rota, aquele que viria a ser o poeta da Sagrada Esperança, e que já tinha escrito a “Renúncia Impossivel”, em 1949); drama que atravessa a sua geração reunida em torno do mais vasto “Movimento de Reafricanização dos Espíritos”, que os reconduziu a repensar as suas origens ancestrais, baseadas no continente negro, nomeadamente Angola, Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, onde tinham plantado o seu cordão umbilical e à criação do Centro de Estudos Africanos, em Lisboa, em Outubro de 1951, depois de terem rompido com as associações oficiais e reformistas, como a Casa dos Estudantes do Império (organização oficial que congregava os estudantes universitários oriundos das cinco colónias africanas de Portugal), e a Casa de África ( capitaneada pelo reformista Artur de Castro, um jornalista proto-nacionalista santomense que agia sob o signo do legalismo), respectivamente. Nestes termos, julgamos que a nível da literatura angolana, já era sem tempo a promoção e a valorização daqueles autores que se exprimem em línguas nacionais, sob pena de vermos o comboio passar das muitas literaturas africanas, que para além da sua afirmação nas línguas étnicas (como é cado da Nigéria, em que existe uma literatura em língua igbo), continuam a arvorar, concomitantemente, o estandarte das suas literaturas nacionais, nas línguas do excolonizador. Finalmente, haja em vista assinalar que Mário Pinto de Andrade publicou nos anos 50 um poema em kimbundu; Wanhenga Xitu igualmente publicou um poema em kimbundu, na revista “Angolense”, em 1976(?), além de empréstimos da sua língua materna na sua ficção narrativa em língua portuguesa), Óscar Ribas (recolha da tradição oral kibumdu), Samuel Cakueiji (tradição oral cokwe, da região do México), Raúl David e Fernando Costa Andrade (estes dois últimos têm livros com recolha da tradição oral umbundu). O que não resolve efectivamente o problema em termos de material didáctico para leitura, em caso de uma já eventual adopção das línguas maternas angolanas no ensino, pelo que urge a produção de mais textos literários em línguas nacionais. A este respeito vale ainda recordar Cordeiro da Mata, o primeiro a publicar um poema na sua língua materna, intitulado “Kicôla”(Pecado, em kimbundu), ou ainda Eduardo Neves que publicou um poema bilingue (kimbundu-português), dando conta da mesma inquietação existencial, que atravessam os escritores (angolanos) vítimas do assimilacionismo colonial. *Jornalista, escritor e ensaísta angolano, in: Cultura. Jornal Angolano de Artes e Letras

lusofonias

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.