A cidade pós-humana: interferências digitais no urbano

June 1, 2017 | Autor: Saulo Macedo | Categoria: TICS, Redes Sociais, Espaço Urbano, Redes Digitais, INTERAÇÃO SOCIAL
Share Embed


Descrição do Produto

UFF – UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE PPGAU – PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM 
 ARQUITETURA E URBANISMO SAULO MACEDO


 A cidade pós-humana: interferências digitais no urbano

NITERÓI
 2016


SAULO JOSÉ LOPES MATUSCHKA MACEDO

A cidade pós-humana: interferências digitais no urbano

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF – Universidade Federal Fluminense para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo Orientador: Vinicius M. Netto

NITERÓI
 2016


SAULO JOSÉ LOPES MATUSCHKA MACEDO

A cidade pós-humana: interferências digitais no urbano

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFF – Universidade Federal Fluminense para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo

Aprovado (a) em: Banca Examinadora

_________________________________________________________________________________ Prof. Dr. Vinicius M. Netto (Orientador) PPGAU/UFF - Universidade Federal Fluminense __________________________________________________________________________________ ___ Prof. Dr. Sonia Maria Taddei Ferraz PPGAU/UFF - Universidade Federal Fluminense

__________________________________________________________________________________ ___ Prof. Dr. Henrique Antoun. ECO/UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro

NITERÓI
 2016


Dedicado à memória de João Carlos Vieira Lopes,
 tão injustamente apelidado por mim ‘Tio Chato’. Nosso tempo juntos foi breve e mesmo assim
 só tenho a agradecer por lhe ter conhecido, tio.


"He cannot say he has understood all of this. Possibly he's more 
 confused now than ever. But all these moments he's contemplated
 – something has occurred. The moments feel substantial in his mind, 
 like stones. Kneeling, reaching down toward the closest one, 
 running his hand across it, he finds it smooth, and slightly cold. He tests the stone's weight; he finds he can lift in, and the others too. 
 He can fit them together to create a foundation, an embankment, a castle.
 To build a castle of appropriate size, he will need a great many stones. 
 But what he's got now, feels like an acceptable start…" Braid, 2008.


AGRADECIMENTOS Devo confessar que, ainda que meu nome esteja na capa, esse trabalho não é só meu, mas de toda uma rede de pessoas que, das mais diferentes formas, fizeram ele possível. Agradeço, primeiro, à meu orientador, Vinicius M. Netto, pela confiança em mim, sem a qual esse trabalho não teria sido possível, e pelo exemplo de ética de trabalho como pesquisador. Tentarei, no melhor das minhas habilidades, honrar o seu exemplo ao longo da minha vida. Agradeço aos meus colegas de mestrado, especialmente os “deleuzes”, Adriana Milhomem, Daniel Ferrantini, Júlia Benayon, Laelia Nogueira e Maria Fiszon, pelas discussões pertinentes, mas também pelas conversas “impertinentes”, que me ajudaram a relaxar nesse período tão estressante. Agradeço também à coordenação do PPGAU, nomeadamente os professores José Pessoa e Fernanda Furtado, sem esquecer de nossa querida Angela Carvalho, sempre dispostos a nos ajudar com ao longo desses duros anos. Agradeço ainda aos meus professores do PPGAU, Sonia Ferraz, Werther Holzer, Jorge Baptista, Christopher Gaffney, Marlice Azevedo e a todo colegiado. Agradeço também às professoras Maria Laís e Vera Lúcia Rezende por terem me apresentado o curso. Agradeço aos meus pais pelo suporte durante esse período, me ajudando através das dificuldades, das tristezas e dos maus-humores, para que eu fosse capaz de chegar a esse resultado final. Agradeço à meus amigos e ao resto de minha família por entenderem o sumiço durante meses, os aniversários aos quais eu não pude comparecer, os almoços de domingo perdidos: saibam que ficar longe foi dolorido, porém necessário. Enfim, obrigado a todos que estiveram comigo durante esse período!

RESUMO Neste momento de rápido desenvolvimento das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), como as chamadas ‘redes digitais’ e nossas experiências nos espaços urbanos se relacionam? O que essa evolução significa para a cidade e as práticas sociais às quais ela dá suporte, principalmente a interação nos espaços públicos? A presente dissertação investiga a possibilidade de que, diferentemente do que possa parecer ao primeiro olhar, a evolução das comunicações digitais não significa a morte da cidade como locus da sociabilidade ou seriam prejudiciais à interação social nos espaços urbanos. A dissertação pretende verificar o quanto as novas possibilidades de comunicação proporcionadas por tais inovações tecnológicas podem gerar novas ou renovadas formas de interagir, potencializando ou não a cidade e seus espaços como espaços de contato. Inicialmente, olharei para como diferentes comentaristas, teóricos, e filósofos compreendem a forma como a tecnologia impacta a sociedade e como essas visões se relacionam com dois modelos diferentes de ‘espaços digitais’: o modelo da ‘realidade virtual’ (um espaço digital imersivo, separado cognitivamente do mundo físico em sua totalidade) e o modelo da ‘realidade aumentada’ (um espaço digital que se sobrepõe ao espaço urbano e o expande, como uma ampliação). Em seguida, analisarei algumas das ferramentas digitais contemporâneas (e.g., aplicativos para celular, sites da Internet, etc.) e alguns dos fenômenos surgidos através do desenolvimento das TIC (manifestações políticas, flash mobs, namoro via Internet, etc.), onde discutirei a condição do modelo da ‘realidade aumentada’ hoje como modelo predominante na concepção de ‘espaço digital’. A dissertação faz então a análise de um desses fenômenos (o namoro via Internet) e uma dessas ferramentas (um aplicativo de encontros chamado happn), a fim de verificar (i) o quanto os espaços digitais criados por ambos substituiriam ou não a cidade como lugar dos encontros sociais; e (ii) o quanto se tratam de fenômenos realmente novos ou se seriam variações das ‘regiões abertas’ de encontro, como define Goffman (1966).

Finalmente, através de dois experimentos empíricos na rede de usuários do happn, analisarei como o espaço da cidade e os encontros que ele ocasiona podem interferir nas dinâmicas relacionais de usuários de uma rede social digital, também potencializando-as.


ABSTRACT At a time of rapid development of Information and Communication Technologies (ICT), how does the so-called 'digital network' and our experiences in urban areas relate? What these developments mean for the city and social practices which it supports, particularly the interaction in public spaces? This dissertation investigates the possibility that, contrary to what may seem at first glance, the evolution of digital communications does not mean the death of the city as the locus sociability or that it would be detrimental to social interaction in urban areas. The research intends to verify how the new communication possibilities offered by such technological innovations can generate new or renewed ways to interact, enhancing or not the city and its spaces as contact spaces. Initially, I'll look at how different commentators, theorists, and philosophers understand how technology impacts society and how these views relate to two different models of 'digital spaces': the model of 'virtual reality' (an immersive digital space, cognitively separate physical world in its entirety) and the model of 'augmented reality' (a digital space that overlaps the urban area and expands it, as a magnification). Then, I will analyze some of the contemporary digital tools (e.g., mobile applications, web sites, etc.) and some of the phenomena that have arisen through the development of ICT (political demonstrations, flash mobs, online dating, etc.), which will discuss the model condition of 'augmented reality' today as the predominant model in the design of 'digital space'. The dissertation then makes an analysis of tone of those phenomena (online dating) and one of those tools (a dating app called happn) in order to verify (i) how much the digital spaces created by them replace or not the city as place of social gatherings; and (ii) if they create a new kind of phenomena or just a variation of the the 'open regions’ of the meeting, as defined by Goffman (1966). Finally, through two empirical experiments in the happn users network, it will analyze how the city space and the encounters it causes can interfere with the relational dynamics of users of a digital social network, also potentiating them.


LISTA DE SIGLAS ANT – Actor-Network Theory (Teoria Ator-Rede) CMC – Comunicações Mediadas por Computador GPS – Global Positioning System RSO – Redes Sociais Online SIT – Sistemas Inteligentes de Transporte STS – Science and Technology Studies (Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia) TIC – Tecnologias da Informação e Comunicação UVA – Universidade Veiga de Almeida

SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO................................................................................................................. 12 2. O QUE SÃO INTERFERÊNCIAS DIGITAIS? ............................................................ 20 2.1. 2.2. 2.3. 2.4. 2.5. 2.6. 2.7.

A visão dicotômica do espaço: a ‘morte das distâncias’ e a ‘realidade virtual’........... 22 ‘Realidade virtual’ ....................................................................................................... 24 O espaço ‘aumentado’: Sassia Sasken e as novas possibilidades do virtual ............... 25 Confrontando visões I: Cairncross e Sasken ............................................................... 25 ‘Realidade aumentada’ ................................................................................................ 28 ‘Internet das Coisas’ (Internet of Things – IoT) .......................................................... 28 Confrontando visões II: o ‘virtual’ de Pierre Lévy e as ‘redes’ de Bruno Latour ....... 29

3. QUAIS SÃO AS INTERFERÊNCIAS DIGITAIS?....................................................... 32 3.1. 3.2. 3.3. 3.4. 3.5. 3.6. 3.7. 3.8.

Aplicativos de encontros ............................................................................................. 33 Manifestações .............................................................................................................. 35 Flash mobs................................................................................................................... 38 Waze ............................................................................................................................ 39 @LeiSecaRJ ................................................................................................................ 41 Google Maps ............................................................................................................... 42 Google Night Walk ...................................................................................................... 45 Comentários sobre os fenômenos e as ferramentas ..................................................... 47

4. COMO AS REDES DIGITAIS ATUAM SOBRE O URBANO? ................................. 49 4.1. O happn ....................................................................................................................... 55 4.2. Como funciona?........................................................................................................... 57 4.3. O happn, as regiões abertas e 
 a serendipidade dos encontros no espaço da cidade .................................................... 58 4.4. Aplicativos de encontro e a cultura dos hook-ups....................................................... 60 5. COMO O URBANO ATUA SOBRE AS REDES DIGITAIS? ..................................... 63 5.1. 5.2. 5.3. 5.4. 5.5. 5.6. 5.7. 5.8.

Apresentação dos experimentos .................................................................................. 65 Experimento 1 (auto-observação)................................................................................ 65 Hipóteses estabelecidas durante o experimento-piloto................................................ 70 Experimento 2 (diários de uso).................................................................................... 73 Ator feminino .............................................................................................................. 75 Ator masculino ............................................................................................................ 79 Comparação entre o comportamento espacial dos atores feminino e masculino ........ 82 Achados do Experimento 2 ......................................................................................... 85

6. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇŌES FINAIS.............................................................88 7. FONTES BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................88

INTRODUÇÃO ‘The Internet has changed the world.’ Essa frase, que traz hoje1 1.370.000.000 resultados no Google, já se tornou um clichê em nossa vida contemporânea. Não só a Internet, mas as tecnologias modernas como um todo, principalmente através das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) e das Comunicações Mediadas por Computador (CMC), foram responsáveis nas últimas décadas por algumas das mais importantes transformações que observamos no Brasil e no mundo. Seu impacto é tão grande e tão intensamente experienciado por nós que em 2008 o artigo ‘Is Google Making Us Stupid?’ 2 do jornalista americano Nicholas Carr, eventualmente desenvolvido em dois livros (CARR, 2008; 2011), acendeu um intenso debate entre escritores, teóricos e pesquisadores sobre o possível efeito da Internet sobre o funcionamento de nosso sistema nervoso central (NAUGHTON, 2010). Mitos como o do ciborgue (HARAWAY, 1991a; KUNZRU, 2009a; 2009b; TADEU, 2009) e novas sociologias como a Teoria Ator-Rede (‘Actor-Network Theory’ [ANT]) (CALLON, 1999; CALLON & LAW 1997; LATOUR, 1987; 1996; 1999; 2005; LAW 1992; 1999; 2007) questionam os limites do natural e do tecnológico, pondo em cheque a própria existência de uma essência que nos faça humanos. É também possível encontrar escritos filosóficos mencionando a Internet como uma inteligência coletiva (LÉVY, 1998) ou como uma extensão da mente (HALPIN, CLARK, WHEELER, 2010; SMART ET AL., 2010), uma noção já presente até mesmo em meios populares, como as web-comics (Figura 1). Certamente, desde seu boom nos anos 1990, a rede mundial de computadores se tornou uma ferramenta que nos permite um acesso a um mundo de informação e conhecimento sem paralelo.

1

Pesquisa realizada em 14/jan/2016.

2

Artigo publicado inicialmente na revista The Atlantic Monthly e republicado, ipsis litteris, pelo Yearbook of the National Society for the Study of Education, versão que consta na bibliografia.

! Figura 1 xkcd, ‘The extended mind’

Contudo, embora os efeitos das redes digitais sobre o humano enquanto ser biológico já comecem a ser estudados, o que dizer de seus efeitos sobre o humano enquanto ser social? O que dizer de seus efeitos sobre a forma e a função daquilo que construímos, não isoladamente dentro de nossas próprias cabeças, mas socialmente, em conjunto com outros atores humanos e/ou não-humanos (incluindo entre eles os espaços que habitamos)? Mais especificamente, quais seus efeitos sobre a vida social urbana, os espaços da cidade que lha dão suporte, e seus usos? Responder essas perguntas significa tentar compreender o impacto da evolução tecnológica não só sobre nossos próprios corpos, mas também na forma como a sociedade como um todo se organiza e se reproduz materialmente. A dissertação busca entender a relação entre o espaço e as tecnologias digitais como ‘atores não-humanos’, segundo a definição da Teoria Ator-Rede. Um ator não-humano, como o próprio termo informa, é qualquer coisa que, não sendo um indivíduo humano, interaja com outros atores (humanos ou não-humanos), exercendo agência sobre eles. Um ator não-humano pode então ser uma caneta, um computador, uma esquina, um texto, uma organização política, etc. Para a ANT, originada no campo dos Estudos Sociais da Ciência e Tecnologia (Science and Technology Studies [STS]), é necessário não diferenciar a priori atores humanos dos nãohumanos, uma vez que ambos são capazes de agenciar outros atores. Assim, por exemplo, se um arquiteto exerce sua agência sobre o espaço ao projetar edifício, o edifício, uma vez construído, passa a exercer agência sobre os atores humanos que o habitam (através de dos códi-

gos de conduta social associados àquele espaço, dos fluxos de pessoas que o espaço permite, etc.). O que venho aqui propor é um estudo dos efeitos das redes digitais sobre nossos comportamentos nos espaços da cidade. Uma vez que o ‘mundo digital’ parece cada vez mais impactar o mundo social, facilitando a comunicação para além da proximidade no espaço (por meio de telefones celulares, mensagens de texto, Redes Sociais Online [RSOs]3, etc.), criando novos tipos de sociabilidade (e.g., as flash mobs, e os jogos e outras atividades lúdicas que, combinadas via Internet, levam as pessoas a se apropriarem dos espaços da cidade), e de transações comerciais facilitadas por tecnologias móveis que fazem parte da chamada ‘economia colaborativa’ (sharing economy), etc.4 Como explicam de Lange e de Waal (2013): Nas cidades hoje, nossa vida cotidiana é moldada pelas tecnologias de mídias digitais como smart cards, câmeras de segurança, sistemas quase-inteligentes, smartphones, mídias sociais, serviços baseados em localização, redes sem fio, etc. Estas tecnologias estão intrinsicamente atreladas com a forma material da cidade, padrões sociais, e experiências mentais. Como consequência, a cidade torna-se um híbrido do físico e do digital.5 Pode-se portanto argumentar que a cidade sempre foi um híbrido: é composta não somente de sua forma material, mas também por uma série de sistemas (de encontro, de comunicação, e de interação) imateriais que vão além de, ao mesmo tempo que estão atrelados a, sua forma construída. As redes digitais seriam mais uma camada que se sobrepõem as redes urbanas, adicionando novas complexidades à cidade enquanto fenômeno. Assim como a cidade é produto de uma sociedade (medieval, industrial, moderna, etc.), materializando seus conflitos, culturas e ideologias, também a tecnologia é uma produção social, fruto simultaneamente de interesses econômicos mas também de reflexão, paixões, interesses 3

Nomenclatura acadêmica para sites como Facebook, Twitter, Orkut, Tumblr, etc., popularmente conhecidos como ‘redes sociais’ (DE SANTANA et al., 2009).

4

A ideia básica da economia colaborativa é a aplicação de recursos digitais para o compartilhamento de bens e serviços no mundo offline (SACKS, 2011), como quartos de hóspedes, caronas, serviços de entrega, etc. Entre seus proponentes mais famosos estão companhias como o AirBnb, o EasyTaxi e o Uber.

5

“In today’s cities our everyday lives are shaped by digital media technologies such as smart cards, surveillance cameras, quasi–intelligent systems, smartphones, social media, location–based services, wireless networks, and so on. These technologies are inextricably bound up with the city’s material form, social patterns, and mental experiences. As a consequence, the city has become a hybrid of the physical and the digital.”

pessoais, etc. A tecnologia por trás das TIC e das CMC é então também um produto da sociedade onde ela se desenvolve, ou, como coloca elegantemente Bruno Latour (1990), ‘a sociedade feita durável’. Diante deste fato, faz-se necessário perguntar não só “qual o significado de todos esses novos meios de comunicação para as sociedades urbanas?”, mas também “quais são os ideais urbanos subjacentes às tecnologias” (DE WAAL, 2014, p. 9)6. É necessário abrir as caixas-pretas que são essas novas tecnologias que atuam sobre nossos comportamentos nos espaços da cidade. Se a tecnologia é ‘filosofia disfarçada,’ faz-se necessário fazêla abertamente filosófica (AGRE, 1997). Contudo, mesmo que em outros campos o debate sobre as influências das redes digitais esteja ganhando destaque, há ainda relativamente pouca produção de pesquisa associando o tema à questão urbana, sobretudo no Brasil. E mais: os textos disponíveis têm de modo geral como foco questões macroscópicas (por exemplo, economias e movimentações políticas) ou majoritariamente técnicas e/ou operacionais (por exemplo, a questão das smart cities ou sistemas automatizados de controle do trânsito). São raros os trabalhos que, olhando para esses novos fenômenos, se perguntam o que eles significam de fato para os atores urbanos. Nesse espírito, o presente trabalho quer entender o que essas interferências significam para as pessoas e suas interações no espaço público, entendido aqui como local de sociabilidade. A dissertação, então, terá como meta principal observar indícios das interferências do digital na forma como atores experienciam sua sociabilidade o espaço urbano em seus diferentes níveis e intensidades, para tentar melhor compreender como seus efeitos influenciam a cidade e as práticas sociais às quais ela dá suporte. Afinal, se o digital e o urbano se hibridizam, como afirma De Waal, o que podemos esperar desse entrelace? Como metas secundárias, tentarei também: 1) Entender o que essas interferências significam para as práticas sociais urbanas, ou seja, o modo como as pessoas se relacionam socialmente nas cidades; 2) Especular sobre elementos na construção de uma teoria que relacione as redes urbanas e as redes digitais, uma vez que essa teoria parece ainda incipiente; 3) Compreender se existe e, em caso afirmativo, como se constrói e relação e a possibilidade de hibridismo entre a materialidade do espaço urbano e a aparente efemeridade das redes digitais na cidade.

6

“What are the underlying urban ideals concealed in technologies? And what is the significance of all these new means of communication for urban societies?”

Tentarei neste trabalho uma aproximação inicial do que podemos chamar de interferências digitais nos comportamentos no espaço urbano – ou, de modo mais geral, os ‘entrelaces do digital e do urbano’ em nossos comportamentos –; fenômenos que parecem vir crescendo em intensidade e significância em nosso dia-a-dia, impactando a cidade e nossa experiência na cidade. Meu estudo será guiado a princípio por quatro perguntas básicas: i) ‘O que são interferências digitais no urbano?’
 ii) ‘Quais são essas interferências?’
 iii) ‘Como as redes digitais atuam sobre o urbano?’ – ou, considerando a agência humana, como o uso das ferramentas digitais de construção de redes sociais impactam nosso comportamento ou vida social no espaço urbano?
 iv) ‘Como o urbano atua sobre as redes digitais?’ – ou, considerando a agência humana, como nosso comportamento no espaço concreto urbano impacta ou molda redes sociais também formadas por vias digitais? Para responder a primeira pergunta, irei no Capítulo 1 olhar para duas diferentes formas de se entender as relações entre real/virtual e físico/digital e duas diferentes interpretações epistemológicas dos efeitos do digital sobre o urbano, traçando confrontos entre diferentes paradigmas tecnológicos – nomeadamente, uma visão que chamarei ‘dicotômica’, análoga ao paradigma tecnológico da ‘realidade virtual’, representada por comentadores culturais como Frances Cairncross e teóricos críticos como Paul Virilio, em oposição a visão integrada de estudiosos do urbano como Sassia Sasken e as ideias de ‘realidade aumentada’, ‘Internet das Coisas’ e o conceito de ‘virtual’ segundo o filósofo Pierre Lévy. Tentarei mostrar que, quando se trata dos efeitos da tecnologia sobre a sociedade e a cidade, tanto visões utópicas como o ‘fim das distâncias’ de Cairncross (1997), baseada nas ideias liberalistas do que se convencionou chamar ‘ideologia californiana’ 7 (BARBROOK E CAMERON, 1996; 2001; BARBROOK, 1998; MILLARCH, 1998), quanto visões críticas como a de Virilio baseiam-se fundamentalmente na noção equivocada da tecnologia como algo aprioristicamente externo ao

7

“A Internet é assombrada pelo fantasma das esperanças desapontadas dos anos 1960. Como essa nova tecnologia simboliza um período de mudanças rápidas, muitos comentadores contemporâneos olham para a revolução estagnada de 30 anos atrás para explicar o que está acontecendo agora. Mais notoriamente, os editores da Wired continuamente homenageiam os valores de liberdade individual e dissidência cultural da Nova Esquerda em seus artigos sobre a Internet. Contudo, em sua Ideologia Californiana, esses ideais de suas juventudes serão agora alcançados através de determinismo tecnológico e dos livres mercados. A política do êxtase foi substituída pela economia da ganância.” (BARBROOK, 1998)

mundo social e não como um produto da sociedade contemporânea. Veremos, ao longo do texto, como ideias sobre uma supostamente excessiva virtualização do espaço urbano e sobre o ‘fim da geografia’ (VIRILIO, 1999) foram não só evidenciadas como equivocadas pela prática, como também ignoraram o fato de que algumas das novas tecnologias já têm sido concebidas com uma preocupação de valorização do espaço concreto. No Capítulo 2, para responder a segunda pergunta (‘quais são as interferências digitais no urbano?’), trarei algumas das ferramentas digitais contemporâneas (e.g., aplicativos para celular, sites da Internet, etc.) que tem mediado os atores no espaço urbano, além de alguns dos fenômenos surgidos através do desenvolvimento das TIC (manifestações políticas, flash mobs, namoro via Internet, etc.), mostrando como muitos dos recursos digitais populares e os fenômenos que eles possibilitam já possuem, ou ao menos buscam, alguma forma de atrelamento à realidade material, expandindo seu alcance para além das redes digitais – uma propriedade em acordo com o paradigma da realidade aumentada. Veremos também como os próprios desenvolvedores de algumas dessas ferramentas já parecem admitir que alguma características das cidades, de forma específica, e do mundo material, de modo geral, são (pelo menos até o momento) impossíveis de serem simuladas através de bits e bytes (por exemplo, a chamada serendipidade dos encontros na vida urbana: os encontros e descobertas fortuitas e inesperadas comuns em nosso cotidiano). Veremos que, ao invés de tentar emulá-los em um ambiente digital, o que poderia resultar em um simulacro da característica original, os desenvolvedores têm planejado suas ferramentas para que atuem em conjunto com o espaço urbano, ao invés de tentar substituí-lo. A pergunta inicial (‘como as redes digitais interferem no urbano?’) se desdobra em uma segunda pergunta, diferente e complementar: ‘como o urbano atua sobre as redes digitais?’ Como sugerido acima, as respostas a essas perguntas compõem as partes mais estruturais, por assim dizer, desse trabalho. O Capítulo 3 busca responder a segunda pergunta fazendo uma análise teórica do online dating (encontros de interesse pessoal, amoroso ou sexual) como fenômeno social e das “novas socialidades” geradas nos espaços urbanos. Essa análise se estende ao happn, aplicativo de encontros que permite que o usuário ‘encontre as pessoas que

cruzaram espacialemnte seu caminho’8. Veremos que essa ferramenta permite observar como o espaço urbano continua sendo usado como o locus da socialidade, mesmo após o advento das ferramentas digitais. Veremos ainda como ambos os fenômenos, embora pareçam inéditos, possuem paralelos com a ideia das ‘regiões abertas’ de Irving Goffman (1966), efetivamente criando algo que poderíamos chamar 'regiões abertas urbano-virtuais’. Essa análise e breve experimento empírico permitirão refletirmos sobre a possibilidade de entrelace entre as redes urbanas e as redes digitais no espaço da cidade, as formas de interferências, ou a possibilidade de uma nova camada que se adiciona ao fenômeno urbano, aumentando-o ao mesmo tempo que é também aumentada por ele – de modo a incluir características que não podem ser simuladas, como a serendipidade dos encontros. Essas reflexões permitirão perguntas sobre como as redes digitais influenciam na apropriação do espaço físico da cidade para fins de socialização, e como esse espaço influencia na construção das redes sociais existentes digitalmente. Nesse sentido, utilizarei o termo ‘redes digitais’ para endereçar as redes de comunicação que fazem uso de infraestruturas digitais para constituir contatos e interações, e acessar informação – redes portanto mediadas pelas TICs. Prosseguindo, para responder a quarta pergunta (‘Como as redes digitais atuam sobre o urbano?’), o Capítulo 4 traz dois breves experimentos empíricos realizados utilizando a rede social do happn, com o objetivo de entender os entrelaces e interefêrencias possivelmente mútuas entre o urbano (ou nosso comportamento social no espaço urbano) e a construção de encontros e redes sociais mediada pela ferramenta digital. O primeiro experimento empírico se trata de um ‘piloto’, uma auto-observação conduzida pelo o autor documentando seu uso do aplicativo durante o period de um mês. O segundo experimento se trata de uma mini-etnografia centrada no diário de uso de dois usuários (um do sexo feminino, outro do sexo masculino) ao longo de uma semana em Setembro de 2015, e como o uso do aplicativo se dá em um grande centro urbano como a cidade do Rio de Janeiro, mostrando como esse aplicativo potencializa os encontros urbanos ao invés de substituí-los e como esse fenômeno parece caminhar em direção a um atrelamento cada vez maior ao espacial.

8

Cf. . Acesso em 25/mar/2016.

Finalmente, a Conclusão desta dissertação traça algumas obervações e apontamentos sobre como estudar um espaço e comportamentos urbanos permeados por novas redes de comunicação e de informação, e por uma nova infra-estrutura associada a esta: Certamente, a nova infraestrutura das mídias mobile e digital provém aplicações convenientes para habitantes de cidades ocupados para organizarem as praticidades de suas vidas mais eficientemente. Mas o que costumamos esquecer é que isso também muda a cidade enquanto sociedade. Pesquisa mostram que os lugares que visitamos, os significados que damos a eles e nosso contato com os outros estão todos mudando por causa do crescimento da mídia mobile. (DE WAAL, 2014, p. 8)


CAPÍTULO 1
 O QUE SÃO INTERFERÊNCIAS DIGITAIS? As interferências digitais que serão tema desta dissertação são, de forma resumida, pontos de contato entre entre os mundos online e offline, que, podendo assumir diversas configurações, vão desde formas (aparentemente) novas de sociabilidade, como os encontros românticos facilitados por aplicativos para celular (e.g. Tinder)9, até movimentos políticos, como o Occupy Wall Street nos EUA (CAREN E GABY, 2011), e os Indignados na Espanha (CASTAÑEDA, 2012), passando pelo caráter lúdico das apropriações do espaço público através das flash mobs, novos canais de informação sobre a cidade e seus eventos, desafios e problemas que, agindo de forma descentralizada, desafiam os canais oficiais (e.g. perfis do Twitter como @LeiSecaRJ), entre outros. Esses são fenômenos que tendem a acontecer apoiados pela alta densidade dos grandes centros10 (onde é mais fácil conseguir a massa crítica necessária para que eles aconteçam) e pela maior disponibilidade de pessoas conectadas (maior disponibilidade de rede celular e de Internet móvel, além de maior acesso aos produtos da tecnologia por se tratarem de centros de comércio). A atuação da tecnologia sobre o cotidianos das cidades, grandes e pequenas, não é, contudo, um fenômeno exatamente recente: a sincronização de sinais de trânsito através centrais eletrônicas, por exemplo, pode ser entendida como um exemplo bem estabelecido há décadas ao redor do mundo. De fato, a própria existência de semáforos representa a delegação de uma decisão moral (quem deve seguir e quem deve parar) a um ator não-humano.11 Ainda assim, atualmente tais atuações parecem passar por ampliações e transformações importantes. O recente desenvolvimento das TIC tem levado aparentemente a uma maior presença dos atores não-humanos (na forma de redes comunicacionais, telefones celulares, redes sociais online

9

Argumentarei, em capítulos posteriores, que os encontros românticos mediados por aplicativos não constituem um novo fenômeno, sendo uma nova configuração dos anúncios pessoais que existentes em jornais e revistas, quase tão antigos quantos os próprios jornais diários (cf. Capítulo 2).

10

Uma exceção notória a essa regra parece ser o Geocaching, uma espécie de “caça ao tesouro amparada por tecnologia”, que pode se dar dentro das cidades, mas também em locais de baixíssima densidade populacional e/ou pouca acessibilidade, como parques nacionais e trilhas. Contudo, por não se tratar de um fenômeno exclusivamente urbano, ele não está incluído entre as análises do Capitulo 2. Para mais informações sobre o Geocaching, ver O’Hara (2008).

11

“(…) nós delegamos decisões e ações à tecnologia, pois pode ser mais conveniente, necessário, ou mais moralmente desejável. Por exemplo, permitimos que semáforos tomem decisões sobre quem pode seguir e quem deve parar porque é mais conveniente, além de necessário (onde encontraremos pessoas suficientes para fazê-lo?), sendo moralmente desejável (trata cada motorista indiscriminadamente, em certo aspecto).” (INTRONA, 2007)

como Facebook e Twitter, etc.) em nossas comunicações e nas formas como experienciamos o espaço das cidades, levando ao surgimento do que Castells (1996) chama ‘sociedade em rede’. Nela, a comunicação não se dá mais de um único emissor central para vários receptores passivos, mas circula entre os diferentes ‘nós’ da rede, que funcionam simultaneamente como receptores e emissores, atuando de forma descentralizada: o funcionamento da maioria das redes sociais online (e.g. Facebook, Twitter, Instagram), sites com conteúdo criado por usuários (e.g. YouTube, Flickr), e da Internet como um todo, além das redes de telefonia móvel, seguem essa lógica. A esse fenômeno da comunicação de muitos para muitos, suportados por redes técnicas, Castells denomina ‘autocomunicação’ (CASTELLS, 2013). Este é um fenômeno que atua de maneira definitiva, não ficando restrito as redes digitais, mas se desdobrando pelas redes comunicacionais e sociais da cidade, podendo alterar o fluxo da ação e gerar eventos sociais também no cenário urbano. O que veremos nesse capítulo, porém, são duas formas diferentes de entender a tecnologia e os efeitos dos fenômenos possibilitados por ela sobre a sociedade (como a autocomunicacão mencionada acima): uma primeira visão, que talvez possa ser considerada mais popular, e que entende a tecnologia como algo externo a sociedade, e outra que vê a tecnologia como produto de uma sociedade e assim parte dela. A primeira visão, que chamarei dicotômica, representada aqui pela comentarista cultural Frances Cairncross e pelo arquiteto e filósofo Paul Virilio, tende a resultar em um dos dois cenários: um cenário apologético, no qual a tecnologia é interpretada como uma bênção ou dádiva que carrega consigo a promessa da resolução dos problemas da atualidade (posição da qual Cairncross parece mais próxima); ou um cenário apocalíptico, onde a tecnologia é percebida como uma imposição à sociedade de forças externas e irresistíveis (posição que adota Paul Virilio). Discutirei abaixo se esta visão se aproxima a uma concepção de tecnologia onde o ‘espaço digital’ se apresentaria como uma realidade virtual, segundo as ideias de Rheingold (1992). Nesta visão, há uma dicotomia entre os mundos digital e físico e uma total separação cognitiva entre esses dois espaços, e uma desconexão temporal entre habitar um espaço e outro: quando estamos habitando o espaço digital, estaríamos de algum modo retirados das experiências no espaço urbano, e vice-versa.

Quanto a segunda visão, representada aqui pela teórica urbana Sassia Sasken, os escritos filosóficos de Pierre Lévy e a Teoria Ator-Rede de Bruno Latour e seus colegas, discutirei abaixo o quanto ela se aproximaria a uma definição particular do chamado ‘espaço virtual’, a qual segue historicamente a ideia da realidade virtual: a realidade aumentada. Nessa concepção, o espaço digital não é desconectado do espaço urbano, mas se sobrepõe a ele como outra camada de informação e conectividade. Nesse caso, não há desconexão, mas a hibridização dos espaços: habitaríamos, simultaneamente, livres de dicotomias, os espaços urbano e digital. Comecemos pelas interpretações dicotômicas associadas à chamada realidade virtual. A visão dicotômica do espaço: a ‘morte das distâncias’ e a realidade virtual O que chamo aqui visão dicotômica da relação entre espaços urbano e digital pode ser encontrada já em em um dos primeiros textos sobre as interferências digitais no urbano a fazer sucesso: o livro The Death of Distance (1997), da então editora da revista especializada inglesa The Economist, Frances Cairncross. Nele, a autora nos oferece sua visão de um futuro moldado pelas TIC, no qual estas ajudariam os atores econômicos mais frágeis (pequenas e médias empresas, profissionais liberais etc.) a superar as fricções materiais causadas pelas distâncias, aumentando exponencialmente sua agência. Cairncross antecipa também que as influências das TICs não se restringiriam somente ao plano econômico ou individual dos atores, mas se estenderiam ao planos social e organizacional: Além disso, como essas mudanças tecnológicas irão alterar o mundo? A revolução das comunicações irá transformar a forma como trabalhamos e compramos e como somos governados; nossa saúde e nossa educação, nosso lazer e nossa vida social; e a forma das empresas e das cidades e o desenho de nossas casas. O que realmente importa são os efeitos sobre a economia e a sociedade, uma vez que as invenções podem afetar intimamente o padrão de vida das pessoas. (CAIRNCROSS, 1997, p. 18) Cairncross defendia então a visão de um futuro onde o desenvolvimento das comunicações e a expansão de fenômenos como e-shopping, online dating e, principalmente, home offices significaria um “afrouxamento” das condições sociais que levaram as pessoas a coabitarem em um espaço urbano. Assim, segundo ela, eventualmente as cidades “renasceriam” (e para haver um

renascimento, supomos que deve também haver uma morte) não como centros de mão-deobra e serviços, mas como centros de divertimento e cultura: A medida que os indivíduos gastam menos tempo no escritório e mais tempo trabalhando em casa ou viajando, as cidades se transformarão de concentrações de centros de emprego para centros de entretenimento e cultura; isto é, as cidades se tornarão lugares onde as pessoas irão para ficar em hotéis, visitar museus e galerias, jantar em restaurantes, participar de eventos cívicos e assistir apresentações ao vivo de todos os tipos. (ibid, p. XV) Na visão de Cairncross, a evolução das TIC dividiria a condição material que habitamos em dois: ao trabalharmos, habitaríamos a Internet (ou, mais precisamente, as redes digitais, pois segundo ela a Internet é apenas a sombra de algo que ainda está por vir) e no lazer, habitaríamos as cidades. Desse modo, parte substancial do trabalho e da economia perderia sua ancoragem espacial: as cidades existiriam sobretudo como centros de lazer, livres de seu caráter de centros de produção e de reserva de mão-de-obra. Creio que mesmo Cairncross consideraria exagerado falar sem ressalvas em uma morte das cidades. Contudo, dentro de cenário que ela elabora, não é difícil imaginar um esvaziamento dos centros urbanos, uma vez que a busca por localizações e habitações mais vantajosas e de menor custo poderia levar as pessoas a abandonarem os grandes centros, o que seria novamente facilitado pelo desenvolvimento das TICs para atividades como o e-shopping e home offices. Um teórico estendeu tais considerações dicotômicas. Assim como Cairncross, Paul Virilio fala em uma espécie de ‘fim das distâncias’, chamado por ele de ‘fim da geografia’ (VIRILIO, 1999, p. 17) – porém, com uma interpretação totalmente distinta. Para o arquiteto arquiteto e filósofo francês, extremamente crítico dos desenvolvimentos tecnológicos em toda sua obra, esse fenômeno não deve ser celebrado, mas temido. A cidade real, situada concretamente e que emprestava seu nome à própria prática política, cede lugar à ‘cidade virtual’, uma metacidade desterritorializada que se tornaria assim a sede de uma ‘metropolítica’ cujo caráter totalitário, ou antes globalitário, não escaparia a ninguém (VIRILIO, 1998, p. 18). Viríamos a viver mesmo o ‘fim da geografia’.

Quero crer que as visões de Cairncross e Virilio, embora de motivações ideologicamente distintas – parecendo ser, à primeira vista, contraditórias – são essencialmente similares: entendem a tecnologia como algo externo à sociedade e suas condições materiais, e não como um produto, resultado de práticas sociais e processos espacialmente localizados. Ao olharmos a tecnologia como algo externo a processos concretos, ela pode assumir de fato um caráter dicotômico de dádiva ou maldição. Não é surpreendente então, que, assim como Cairncross fala do ‘fim das distâncias’, Virilio fale do ‘fim da Geografia’, quando ‘a instantaneidade abole definitivamente a realidade das distâncias’ (VIRILIO, 1998, p.16). A visão ontológica que aproxima visões como a de Cairncross e Virilio possui um paralelo no mundo da tecnologia, coincidentemente bastante popular no final da década de 1990, quando esses autores lançaram seu livro: a ideia da ‘realidade virtual’. Tal visão, que esteve também presente na cultura popular das décadas de 1980 e 1990, previa a criação, através da tecnologia, de um novo mundo à parte do mundo físico, parcial ou totalmente desconectado deste. No caso da cultura popular, geralmente esse mundo retratado como um espaço autoritário, ou ao menos alienante, de modo que constituiria uma ameaça ao mundo real ou às pessoas.12 Essa impressão tem origens e antecedentes que podem ser traçados à ideia da ‘alienação técnica’ na filosofia de Martin Heidegger (1927). Vejamos algumas leituras do fenômeno (ou ideia) de ‘realidade virtual’. Realidade virtual Aprofundando a discussão do conceito de realidade virtual, Sherman e Craig o sintetizam como “um meio composto por simulações computacionais interativas via que detectam posição e ações do participante, e substituem ou aumentam o feedback de um ou mais sentidos, dando a sensação de imersão mental ou presença na simulação (um mundo virtual)”13 (SHERMAN E CRAIG, 2003, p13). Segundo os autores, chega-se a essa definição sintética através de cinco elementos-chave da realidade virtual: o ‘mundo virtual’, a ‘imersão’ (geralmente física, mas que pode ser simultaneamente mental, essa última também denominada 12

Cf. exemplos da ficção científica cyberpunk, como a trilogia Neuromancer (Gibson, 1984; 1986; 1988) e o romance Snow Crash (Stephenson, 1992), além de filmes como Tron (1982), Abre los ojos (1997), Dark City (1998), eXistenZ (1999), The Thirteenth Floor (1999), The Matrix (1999) e Vanilla Sky (2001).

13

“(…) a medium composed of interactive computer simulations that sense the participant’s position and actions and replace or augment the feedback to one or more senses, giving the feeling of being mentally immersed or present in the simulation (a virtual world).”

‘presença’), ‘feedback sensorial’, ‘interatividade’ e ‘ambiente colaborativo’. Desses cinco, nos interessam principalmente os dois primeiros, por tratarem estarem mais diretamente atrelados a questões espaciais: ‘mundo virtual’ e ‘imersão’. Eles nos oferecem duas definições para ‘mundo virtual’: "1. um espaço imaginário geralmente manifestado através de um media. 2. uma descrição de uma coleção de objetos em um espaço e as regras e relações que regem esses objetos”14 (ibid, p. 7). Já ‘imersão’ envolveria a “sensação de estar em um ambiente; pode ser um estado puramente mental ou pode ser conseguido através de meios físicos: imersão física é uma característica essencial da realidade virtual”15 (ibid, p. 9). Como podemos perceber, o mundo virtual é como um mundo paralelo, desconectado quase que completamente do espaço material, ainda que sua existência da materialidade de centrais de servidores, cabos de transmissão, etc. Uma vez vistas algumas definições dicotômicas sobre o fim da cidade e da geografia e ideias sobre a chamada realidade virtual, passemos agora a leituras distintas e largamente opostas a elas – iniciando pela leitura de Sassen sobre os impactos da tecnologia sobre as cidades no final do século XX.. O espaço ‘aumentado’: Sassia Sasken e as novas possibilidades do virtual Em clara distinção à visão de Cairncross, que dividia o mundo entre o material e o virtual, temos a tese do livro de 1991 The Global City, da socióloga Saskia Sassen. Olhando para três centros financeiros diferentes, (Nova Iorque, Londres e Tóquio), Sassen observou que os dados econômicos mostravam que, mesmo em um mundo onde o desenvolvimento das TICs ganhava proeminência, centros urbanos continuavam a desenvolver-se, assumindo a forma do que ela nomeou como ‘cidades globais’. Para Sassen, mesmo que o desenvolvimento tecnológico promova a possibilidade da descentralização das economias e serviços, “a dispersão territorial da atividade econômica atual cria uma necessidade de controle e gerenciamento centrais expandidos”16 (Sassen, 2013 [1991], p4). Ou seja, enquanto as tecnologias da informação 14

“1. an imaginary space often manifested through a medium. 2. a description of a collection of objects in a space and the rules and relationships governing those objects.”

15

“(…) sensation of being in an environment; can be a purely mental state or can be accomplished through physical means: physical immersion is a defining characteristic of virtual reality.”

16

“(…) the territorial dispersal of current economic activity creates a need for expanded central control and management.”

permitem que pequenas firmas possam se desenvolver em subcontratos com firmas maiores, aparentemente estimulando a descentralização, “esta forma de crescimento é em última instância parte de uma cadeia” 17 (ibid) que fortalece ainda mais centros estabelecidos. Para Sassen, portanto, as distâncias não morrem: o atrito econômico das distâncias é parcialmente reduzido pelas atuações das TICs, mas as forças centrípetas que o acompanham seguem centrais mesmo em uma sociedade em rede. Simultaneamente, essas mesmas atuações necessitam de centros de gerência que as controlem: ainda que um especulador financeiro possa realizar seus negócios ao redor do mundo sem sair de casa, um escritório central é necessário para evitar que as diferentes ações de diferentes especuladores a seu serviço não acabem por prejudicar os negócios uns dos outros, por exemplo. Assim, as cidades não morrem nem renascem, mas se modificam: passam a coexistir e se alimentar das redes digitais, centralizando e coordenando as atividades econômicas potencializadas por estas. Sassen reafirma a importância dos grandes centros para a economia ao mesmo tempo em que mostra que as TICs não podem prescindir do material. Mesmo que imateriais em si, também as TIC estão atreladas ao mundo físico, necessitando, por exemplo, de centros de controle e estruturas físicas (data centers, servidores, hardware de transmissão etc.). A visão de Sassen é reafirmada por Townsend (2003, p. 119), para quem as infraestruturas das redes digitais, longe de serem responsáveis pela morte das cidades, acabaram por reforçar as vantagens dos espaços urbanos densos para a interação humana. Confrontando visões I: Cairncross e Sasken Quando olhamos as visões de futuro de Frances Cairncross e Saskia Sassen lado a lado, suas divergências apontam não só para visões diferentes sobre o mundo, mas também compreensões diferentes do papel da tecnologia e das redes digitais em relação ao homem. Cairncross, ao adotar uma visão dicotômica análoga à realidade virtual não somente adotou um paradigma tecnológico que viria a perder seu destaque poucos anos depois, mas também se comprometeu com uma posição epistemológica complicada. Colocar a tecnologia como algo externo ao mundo e ao humano parece um convite à posições extremas: ficamos divididos entre abraçá-la, o que tende a visões apologéticas (como é o caso da própria Cairncross), ou rejeitá-la, o 17

“(…) this form of growth is ultimately part of a chain."

que tende às visões apocalípticas (como parece ser o caso de Heiddeger e dos romances e filmes mencionados na introdução). Essa divisão me parece improdutiva e gostaria de evitá-la. Por outro lado, a visão de Sassen parece ser capaz de olhar para a tecnologia de forma crítica, estando mais próxima ao que busco para a presente abordagem. Lembrando teorias sociais recentes (Latour, 2005) que entendem a tecnologia não como algo externo ao homem e à sociedade, mas ela mesmo como um ator que se associa aos atores humanos, essa me parece uma visão epistemológica mais capaz de trazer à tona os atores envolvidos, suas redes e relações de uma forma mais precisa e complexa. Como coloca Sassen, “[i]deologia, e não mágica, é uma das forças centrais por trás do modo como a tecnologia muda nossas vidas.”18 Assim como as ideias Cairncross, a visão de Sassen encontra interessantes paralelos no universo dos analistas da tecnologia. Se Cairncross parece refletir em sua dicotomia a ideia de uma ‘realidade virtual’ destacada da concreta, como já vimos, a visão de Sassen parece antecipar não uma, mas duas compreensões do papel da tecnologia, que, embora não sejam novas, ganharam força desde a virada do século XXI: as ideias de ‘realidade aumentada’ e da ‘Internet das Coisas’. Essas duas ideias, contrariamente à ideia de mundos paralelos e de conexão e desconexão da realidade virtual, colocam as tecnologias digitais como complementares ao mundo concreto, de modo semelhante a como Sassen entende o papel das redes digitais em relação à cidade. Assim como Sassen vê as redes digitais se somando e modificando o espaço (estruturas, padrões de centralidade) da cidade sem prescindir dele, também nas ideias de ‘realidade aumentada’ e ‘Internet das Coisas’ a tecnologia e as redes de comunicação estariam firmemente ancoradas no mundo físico. O virtual aqui não subtitui o real, mas o ‘atualiza’, para usarmos as definições de Pierre Lévy, como veremos a seguir. Não é necessário, nem desejável, desconectar um espaço para acessar ao outro. Assim, na cidade da ‘realidade aumentada’ e da ‘Internet das Coisas’, as redes digitais da informação e a comunicação aconteceriam em abertura ao mundo concreto, e não fora dele. Vejamos essas noções mais de perto. Realidade aumentada

18

"ideology rather than magic is one of the central forces behind the way in which technology changes our lives".

‘Realidade aumentada’ é a denominação dada a uma variação da ideia de realidade virtual vista acima. As qualidades espaciais que vimos anteriormente não possuem o mesmo destaque dentro desta noção. Azuma nos diz que: A realidade aumentada (augmented reality, ou AR) é uma variação dos ambientes virtuais (virtual environments, ou VE), mais comumente chamada de realidade virtual. As tecnologias de VE imergem completamente um usuário dentro de um ambiente sintético. Enquanto imerso, o usuário não pode ver o mundo real ao seu redor. Em contraste, a AR permite ao usuário ver o mundo real, com objetos virtuais superimpostos ou compostos ao mundo real. Portanto, a AR complementa realidade, em vez de substituí-la completamente19. (Azuma, 1997, p355 - 356) Temos, então, no lugar da imersão em mundo virtual, uma combinação do virtual com o real, em uma lógica que se aproxima da compreensão de Sassen: diferentes redes combinam os mundos digital e físico, sem que um prescinda do outro. Internet das Coisas (Internet of Things – IoT) A ‘Internet das Coisas’ consiste de uma visão de equipamentos que conectam-se diretamente a Internet, sem a necessidade da mediação de agentes humanos. Segundo Xia et al. (2012): De forma geral, a Internet das Coisas (Internet of Things, ou IoT) se refere a interligação em rede de objetos do cotidiano equipados com inteligência ubíqua. A IoT fortalece a ubiquidade da Internet, integrando todos os objetos para interação via sistemas incorporados, o que leva a uma rede altamente distribuída de dispositivos que se comunicam com seres humanos, bem como outros dispositivos. 20 Aqui aparece a agência que os atores não-humanos passam a ter dentro desse modelo: ao poderem se conectar diretamente à Internet, sem a necessidade de intermediários, eles passam a poder interferir silenciosamente em eventos do cotidiano de maneira direta: uma geladeira 19

"Augmented reality(AR) is a variation of virtual environments (VE), or virtual reality as it is more commonly called. 
 VE technologies completely immerse a user inside a synthetic environment. While immersed, the user cannot see the real world around him. In contrast, AR allows the user to see the real world, with virtual objects super- imposed upon or composited with the real world. Therefore, AR supplements reality, rather than completely replacing it."

20

"Generally speaking, IoT refers to the networked interconnection of everyday objects, which are often equipped with ubiquitous intelligence. IoT will increase the ubiquity of the Internet by integrating every object for interaction via embedded systems, which leads to a highly distributed network of devices communicating with human beings as well as other devices.”

pode, por exemplo, avisar sobre quais produtos seu proprietário precisa colocar na sua lista de compras; seu celular pode avisar sobre a melhor rota para chegar até um determinado destino. O celular com acesso à Internet é, aliás, um dos primeiros e provavelmente hoje o mais difundido exemplo da ‘Internet das Coisas’. Para muitas pessoas ele já é uma ferramenta indispensável no dia-a-dia e seu uso vem crescendo ano a ano a nível global. Sua ubiquidade e integração no dia-a-dia das pessoas faz com que ele hoje seja considerado até mesmo itens essenciais. E essa essencialidade é exatamente a origem de seu caráter disruptivo: uma vez que se tornem itens do dia-a-dia, sua influência na sociedade se multiplica. Confrontando visões II: o ‘virtual’ de Pierre Lévy e as ‘redes’ de Bruno Latour A teoria da cidade global de Sassen e os paradigmas tecnológicos que acabamos de revisar permite certas aproximações ao conceito de ‘virtual’ de Pierre Lévy. Segundo o filósofo francês, quando material e virtual se entrelaçam, o real e suas relações se modificam. Mais especificamente podemos falar em uma ‘atualização’ (Lévy, 1996) do real. Isso porque, da forma como é entendido pelo autor, influenciado por Gilles Deleuze, o virtual não se opõe ao real, mas ao atual, configurando-se como potência do primeiro: como complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução, a ‘atualização.’ (ibid, p. 16) Esta condição sugere a interpretação de que o virtual não existe como oposição a materialidade da cidade (a ideia de mundos paralelos ou da ‘realidade virtual’, como já vimos) mas se entrelaça com esta (a ‘atualiza’, para usar o termo de Lévy, ou a ‘aumenta’, de acordo como a ideia da realidade aumentada). Real e virtual, então, misturam-se e se integram no que Lévy vai chamar “coletivo pensante homens-coisa” (Lévy, 1993, p. 6), tornando-se elementos constitutivos da sociedade como um todo. Notadamente, esta ideia sugere interessantes paralelos ao conceito do ‘ator-rede’ da Teoria Ator-Rede – TAR de Bruno Latour e John Law, entre outros, que discutirei na nos experimentos empíricos desta dissertação.

Tanto Lévy (ibid) como Latour (2004) avisam para o perigo de tais tecnologias, ao se tornarem parte da própria constituição da sociedade, dissolverem-se e desaparecer da vista. Em outras palavras, sua presença ou atuação silenciosa pode remeter a imagem das ‘caixaspretas’ (Lemos, 2014), fechando-se para análises mais completas dos fenômenos políticos, sociais, econômicos ou culturais que lhes sustentam. Lévy coloca que: [a] ciência e a técnica representam uma questão política e cultural excessivamente importante para serem deixadas a cargo dos irmãos inimigos (cientistas ou críticos da ciência) que concordam em ver no objeto de seus louvores ou de suas censuras um fenômeno estranho ao funcionamento social ordinário. (Lévy, 1993, p. 12) Esses são alguns dos conceitos que tentam fazer sentido de fenômenos e tecnologias da informação e comunicação recentes. Tendo visto visões distintas desses fenômenos, passemos a uma crítica dos seus efeitos baseada não apenas nas questões de uma ‘técnica pura’ (uma visão tecnóloga utilitarista), uma vez que tendem a uma visão apologética e, provavelmente, teleológica da tecnologia e seus caminhos como destino incontornável. Um cuidado será necessário: como coloca Jaron Lanier, tal crítica “não deveria ser deixada aos ludditas”21 (Lanier, 2010, p. 30). Cabe aos campos ligados às ciências sociais mergulhar também nos assuntos ligados à tecnologia e à técnica, tomando o cuidado de evitar tanto as visões apologéticas quanto as visões apocalípticas, olhando para suas possibilidades ao mesmo tempo que para seus perigos. Devemos ainda tomar um segundo cuidado: não cometer o erro semelhante ao dos tecnólogos de que a tecnologia pura e simplesmeste define uma sociedade. A ideia aqui não deve ser a de revelar qualquer tipo de ‘determinismo tecnológico’ (Chandler, 2002) oculto pela técnica. Não se tem a ambição de tentar avisar aos incautos dos perigos da tecnologia, nem de cantar suas glórias. Minha intenção é discutir aspectos de uma teoria que revele as redes associativas presentes detrás de uma técnica e/ou tecnologia, possibilitando um olhar crítico sobre os efeitos desta. Segundo Lévy, uma reflexão adequada:

21

Segundo Steven Jones (2006), os ludditas foram operários da indústria têxtil inglesa que, por volta do início do século XVIII, se autoproclamando seguidores de Ned Ludd, atacavam e destruíam as máquinas da indústria têxtil que eles entendiam como ameaças a suas profissões.

não nos conduzirá a qualquer versão de determinismo tecnológico, mas sim à ideia de que certas técnicas de armazenamento e processamento das representações tornam possíveis ou condicionam certas evoluções culturais, ao mesmo tempo em que deixam uma grande margem de iniciativa e interpretação para os protagonistas da história. (Lévy, 1993, p10) Ou, de forma mais resumida, tecnologias devem ser entendidas como condicionantes, não determinantes: elas provêm condições para que mudanças na sociedade aconteçam – mas são, em última análise, os atores e suas redes que definem a atualização ou não do real. 


CAPÍTULO 2
 QUAIS SÃO AS INTERFERÊNCIAS DIGITAIS? O desenvolvimento recente das TICs tem tornado-as mais e mais ubíquas no espaço urbano (Castells, 2001). Sendo assim, encontrar indícios das atuações das redes digitais sobre as práticas às quais esse espaço dá suporte hoje não é uma tarefa demasiado complicada. Pelo contrário: ainda que incipientes devido a novidade do fenômeno, esses indícios podem ser descritos, e mesmo sentidos, em diferentes esferas. Não é raro encontrarmos hoje desde textos de opinião até discussões acadêmicas sobre os efeitos da tecnologia sobre a sociedade. Neste capítulo, primeiramente veremos exemplos das ferramentas digitais surgidas ao longo da última década e causadoras dessas intereferências, e posteriormente veremos alguns dos fenômenos aos quais elas dão origem. Segundo de Waal (2011, p5): Ao longo da última década, um novo conjunto de mídias, tecnologias, software, e práticas culturais emergiu, potencialmente capaz de mudar a forma como experienciamos a cidade e moldamos nossa cultura urbana. Elas variam de telefones celulares até navegação GPS; de aplicativos para iPhone até sistemas “inteligentes” que otimizam a circulação do tráfego; de escutar uma trilha sonora alternativa num mp3 player até usar um smartphone para localizar amigos ou lugares próximos que interessem ao usuário. 22 Assim, atuam hoje e são aparentemente notáveis os efeitos dos novos tipos de comunicação na forma como usamos a cidade e seus espaços: novas formas de atuar politicamente puderam ser vistas em manifestações no Brasil e no exterior; novas atividades econômicas, como a partilha de caronas, tem se desenvolvido e se configurado como fontes de renda; novas formas de localizar-se com precisão no espaço se tornam possíveis através de aplicações como o Google Maps e dispositivos como os navegadores via Global Positioning System (GPS), capazes de e sugerir rotas em tempo real; novas memórias urbanas podem ser construídas por atores atuando em conjunto em sites que armazenam e geolocalizam as imagens e fotos carregadas por 22

“Over the last decade a new set of media, technologies, software, and cultural practices has emerged that changes how we experience the city and shape our urban culture. They range from the mobile phones to GPS navigation; from iPhone apps to “smart” systems that optimize traffic circulation; from listening to an alternative soundtrack on an mp3 player to using a smart phone to locate friends or nearby sites that matches one’s interest.”

seus usuários; e novas atividades lúdicas de apropriação do espaço urbano podem ganhar as ruas, como as flash mobs. Todas essas interferências parecem se dar em diferentes níveis. Entretanto, vimos que, ao contrário do que se chegou a pensar, a cidade não morreu (e nem parece caminhar para tal). Ao mesmo tempo, as mudanças trazidas pelas redes digitais não são também puramente técnicas ou tecnológicas, mas, como as invenções da escrita e da prensa tipográfica antes delas, comunicacionais e, em última análise, sociológicas: nos encontramos diante de uma sociedade que passa a se estruturar e se reproduzir via novos meios, associada a atores imersos em novas formas de interação envolvendo diferentes redes (digitais, urbanas etc.) e suas interseções23, interseções estas que estão por trás de fenômenos que surgem ou se modificam a olhos vistos. Vejamos a seguir um painel dessas novas formas de interação. Aplicativos de encontros Os aplicativos de encontro (dating apps, em inglês) 24 , aplicativos para celular que utilizam o acesso a Internet móvel para informar seus usuários de pares potenciais nas proximidades (e.g., Grindr, Tinder, happn) (FINKEL et al., 2012, p11) são um desenvolvimento recente do fenômeno social mais amplo conhecido como ‘namoro online’ (online dating).25 No entanto, enquanto que os sites de namoro online eram, em suas origens, ferramentas razoavelmente desterritorializadas, e funcionavam ‘essencialmente como motores de busca, permitindo a seus usuários publicar um perfil e navegar perfis de parceiros em potencial’ (ibid, p. 10), eventualmente, se transformando, em um segundo momento, em ‘sistemas para criar casais com base “científica”’ (ibid, p. 11), com o surgimento dos aplicativos de encontro, o namoro online parece ter chegado a uma nova fase na qual a localização geográfica passa ao papel central.26

23

Para um estudo aprofundado dessas relações, ver o capítulo Entre espaços urbanos e digitais, em Netto (2014, p161–187).

24

Os dating apps também são referidos popularmente em português como aplicativos de relacionamentos, de namoro, de paquera e de pegação. Escolheu-se aqui usar a tradução que mais se aproximava do termo original em inglês.

25

Conhecidos também como ‘namoro por/via Internet’.

26

Inicialmente, não interessava aos serviços de namoro online se ligarem fortemente ao espaço: uma vez que eles se vendiam como atalhos na busca romântica pelo ‘par perfeito’, não fazia sentido restringir os parceiros em potencial a uma localização geográfica (afinal, a sua cara-metade poderia estar do outro lado do mundo). Com o surgimento dos aplicativos de encontro, porém, o foco do serviço muda: a busca pelo par perfeito é substituída pela busca pelo ‘par perto’. Discutirei no Capítulo 3 as vantagens, desvantagens e consequências dessa mudança.

Baseados na ideia de ‘redes geossociais’ (geosocial networks)27, aplicativos como o Tinder, o mais conhecido e popular dos dating apps, com um número de usuários estimado, ao final de 2014, em 50 milhões em todo o mundo (GIULIANO, 2015) tem alterado a vida dos seus usuários nas cidades onde são utilizados. Tendo como grande êxito transformar o namoro online em algo descomplicado, discreto e divertido (os modelos anteriores todos exigiam o preenchimento de, este é um aplicativo que se apoia no contigente populacional dos grandes centros urbanos. De fato, seus criadores parecem focar e entender intuitivamente os ‘desconhecidos’ dos quais nos fala a teórica urbana Jane Jacobs (2000 [1961], p30): As metrópoles não são apenas maiores que as cidades pequenas. As metrópoles não são apenas subúrbios mais povoados. Diferem das cidades pequenas e dos subúrbios em aspectos fundamentais, e um deles é que as cidades grandes estão, por definição, cheias de desconhecidos. Qualquer pessoa sente que os desconhecidos são muito mais presentes nas cidades grandes que os conhecidos – mais presentes não apenas nos locais de concentração popular, mas diante de qualquer casa. Mesmo morando próximas umas as outras, as pessoas são desconhecidas, e não poderiam deixar de ser, devido ao enorme número de pessoas em uma área geográfica pequena.28 (grifos meus) Ou seja, o usuário está sempre cercado por um mundo de pessoas que não conhece, e pode ter interesse em conhecer (ao mesmo tempo em que também elas também podem estar interessadas!). E isso não se restringe a encontros de natureza sexual ou afetiva: de fato o fundador e CEO da Tinder, Inc., Sean Rad, defende que, embora o app29 seja usado primariamente para encontros sexuais e/ou românticos, o seu mecanismo básico, a ideia de que há sempre pessoas a nossa volta por serem descobertas, é algo que atravessa as relações humanas, das potenciais amizades aos negócios. E, de fato, algumas pessoas já estão usando-o de forma criativa, como, por exemplo, para descobrir novos restaurantes, bares e lugares para visitar durante uma viagem. 27

“(…) serviços baseados na Internet ou em celulares que permite a seus usuários 1) construir perfis contendo alguns de seus dados geolocalizados (associados a informações adicionais), 2) conectar a outros usuários do sistema para compartilhar seus dados geolocalizados, e 3) interagir com conteúdos produzidos por outros usuários (por exemplo, comentando, respondendo ou avaliando).” (GAMBS, HEEN, POTIN, 2011, p34).

28

Destaque do autor.

29

Programa facilitador da realização de tarefas computadores ou em um dispositivos móveis, como celulares. (Cf. http:// www.priberam.pt/dlpo/app, acesso em 13/fev/2016)

O sucesso do Tinder foi tal que muitos outros apps semelhantes, mas com características próprias, seguiram-se. Entre estes, destacarei aqui um que dá atenção especial ao espaço que habitam seus usuários: o happn. De fato, se o Tinder parece ter semelhanças em sua operacionalidade com itens reforçados pelo dos desconhecidos urbanos, mencionados por Jacobs, o happn parece juntar a ele duas outras características da natureza das cidades, muito mais centrais na teoria da norte-americana: o contato visual entre atores (JACOBS, 2000 [1961], p. 59) e os caminhos que construímos no espaço urbano. Isso porque, diferente do Tinder, o raio de alcance do happn é bastante limitado (apenas 250 metros). O objetivo do happn não é combinar pessoas que estejam próximas em um determinado momento do dia, mas sim pessoas cujos caminhos se cruzaram durante o dia-a-dia. O aplicativo mostra todas as pessoas com quem cruzamos que também possuem o mesmo aplicativo (e, subentende-se, estão disponíveis para um relacionamento). O aplicativo enfatiza os caminhos que as pessoas fazem durante e seu dia e os espaços que elas escolhem utilizar (e há uma série de implicações pessoais que podem ser feitas sobre nossos caminhos e nossos lugares). Enfatiza ainda os contatos nas ruas – fugazes, “aparentemente despretensiosos, despropositados e aleatórios”, mas que “constituem a pequena mudança a partir da qual podem florescer a vida pública exuberante da cidade” (JACOBS, 2000 [1961], p. 78). A enorme aproximação entre rede digital e espaço urbano, central nesta ferramenta social, motivará sua escolha como objeto empírico de estudo, como veremos no Capítulo 4 desta dissertação. Manifestações Nossas ferramentas, assim como nós, e simultaneamente conosco, são importantes lugares políticos. (INTRONA, 2007) Desde 2009, com a explosão da Primavera Árabe e do movimento Occupy Wall Street nos Estados Unidos, e mesmo antes, segundo Castells (2013), acontecem pelo mundo uma série de protestos e manifestações, variados em suas formas e demandas, é verdade, porém compartilhando: (…) um sonho e um projeto: reinventar a democracia, encontrar maneiras que possibilitem aos seres humanos administrar coletivamente suas vidas de acordo com princípios amplamente compartilhados em suas mentes e em geral negligenciados em sua experiência diária. Esses movimentos sociais em rede são novos tipos de movimento democrático – de movimentos que estão reconstruindo a esfera pública no

espaço de autonomia constituído em torno da interação entre localidades e redes de internet, fazendo experiências com as tomadas de decisão baseadas em assembleias e reconstituindo a confiança como alicerce da interação humana. (ibid, p. 177) Para Castells, para que esse sonho e projeto ganhassem forma, um novo tipo de comunicação precisou surgir: a ‘autocomunicação’ (ibid, p. 11), que se utiliza das redes comunicacionais formadas pela Internet e pelos celulares. A autocomunicação se utiliza das características das TICs para criar uma mídia que, subvertendo as características das mídias tradicionais, transforma o paradigma básico da comunicação de massa: no lugar de um único emissor transmitindo para uma vários receptores, temos vários receptores transmitindo entre si como nós em uma rede. Nas manifestações no Brasil e outras regiões mundo, isso significou fotos, vídeos, mensagens e tweets30 sendo transmitidos entre os manifestantes em substituição às (ou à revelia das) mídias tradicionais de massa. Essa comunicação foi essencial não somente para reunir as pessoas em torno das mesmas causas e/ou projetos (ou seja, a transmissão da mensagem das manifestações), mas também para fornecer “apoio logístico” aos manifestantes (por exemplo, informar os manifestantes da movimentação das tropas oficiais, fossem elas policiais, como no caso brasileiro, ou militares, no caso dos países da Primavera Árabe). Assim, o suporte das TICs definiu novas formas de protestar, características da “sociedade em rede” (CASTELLS, 1996). Contudo, a autocomunicação por si só não explica o fenômeno dos “protestos urbanos 2.0” (GONÇALVES, RENÓ, MIGUEL, 2013). Se fosse assim, eles teriam provavelmente restringido a alguns posts31 e tweets revoltados, possivelmente algum comentário sarcástico em algum blog obscuro. Não. Foram necessários espaços a serem ocupados (onde os protestos pudessem se materializar) e pessoas, milhares e até milhões de pessoas, para ocupá-los. Só então a Primavera Árabe, o Occupy Wall Street norte-americano, as Jornadas de Junho brasileiras, o Movimento 15M espanhol puderam acontecer: enquanto a velocidade de comunica-

30

Nome utilizado para designar as publicações feitas na rede social do Twitter. Literalmente, o termo inglês tweet significa 'gorjeio' ou 'pio de passarinhos'. (cf. http://www.significados.com.br/tweet/, acesso em 12/fev/2016)

31

Texto publicado ou enviado para ser publicado em uma página da Internet, associados geralmente a páginas pessoais como blogs e a redes sociais como o Facebook. (cf. http://www.priberam.pt/dlpo/post, acesso em 12/fev/2016)

ção das redes digitais facilitava uma organização descentralizada e sem líderes, aparentemente a marca registrada desses protestos ao redor do mundo (ibid), a concentração populacional das grandes metrópoles provia massa crítica para que os protestos ganhassem repercussão e aceitação em outras escalas, regional e mesmo internacional. Tais protestos ganharam existência precisamente por meio das associações entre as redes digitais e as redes urbanas. Seria um erro também pensar que a associação de atores humanos e não-humanos (lugares, objetos e tecnologias) com objetivos políticos é algo novo. A própria construção da esfera pública sempre se deu através de mídias: tal fato estaria no próprio cerne das lutas políticas. Como explica Latour (2015): Toda a lenta e dolorosa história da cidadania e da representação mostra o quão árdua, complicada e dependente dos objetos práticos tem sido a construção da esfera pública: desde as cédulas de voto até os cafés, desde a imprensa até os procedimentos eleitorais, desde as manifestações até a propaganda, a história política é em grande parte, a história das inovações práticas que permitiram produzir esta situação artificial de um cidadão capaz de ter opinião e de julgar e aceitar como legítima uma decisão que coloca a ele ou ela como minoria.32 Segundo Latour, então, a construção de nossa vida política e de uma esfera pública dependeu sempre de atores não-humanos, como as cédulas de voto, cafés, imprensa, procedimentos eleitorais, protestos e propagandas. Estes recursos e meios atuam associados a atores humanos na construção de uma esfera pública. Podemos dizer que hoje juntam-se a eles a Internet, os celulares, o Twitter, o Facebook etc., que condicionam as motivações que produzem essas manifestações (CASTELLS, 2013), transmitindo-a entre os manifestantes através do processo da autocomunicação. Adicionaria que a indignação dos atores humanos necessita expressar-se não somente nesses meios transmissores, mas também nas ruas e nas praças como atores espaciais, mais tradicionalmente associados à construção da esfera pública. Eles fazem parte hoje de uma nova esfera pública, que associa redes digitais e urbanas, tweets e pessoas, e que também compõem um novo espaço público. A questão fundamental a entender neste momen-

32

“The whole slow and painful history of citizenship and representation shows how arduous, convoluted and depending on practical objects has been the construction of the public sphere: from ballots to coffee houses, from the press to election procedures, from demonstrations to propaganda, political history is largely the history of the practical innovations that allowed to produce this artificial situation of a citizen able to have an opinion and to pass judgement and accept as legitimate a decision that put him or her in the minority.” Trecho de “What is a representative government if issues cannot be represented?”, texto dado pelo professor Latour durante o MOOC ‘Scientific Humanities”.

to de nossa trajetória social e material é que “esse novo espaço público, o espaço em rede, situado entre os espaços digital e urbano, é um espaço de comunicação autônoma” (ibid, p. 16). Flash mobs Ao realizar uma performance qualquer no espaço urbano, os integrantes causam surpresa em um ponto da cidade, “quebrando a rotina” desta. Muitas são as performances produzidas pelos mobbers: urrar para dinossauros de plástico em uma loja de brinquedos, vestir-se de vermelho e gritar, tirar os sapatos e andar descalço no meio da avenida, apontar controles-remoto para um telão em pleno centro comercial. (PAMPANELLI, 2004)

As flash mobs, “mobilizações relâmpago que tem como característica principal realizar uma encenação em algum ponto da cidade” (ibid), são fenômenos que surgiram e se popularizaram ao longo dos últimos 20 anos e que partilham características com os protestos urbanos que vimos anteriormente: também se caracterizam pela utilização das TIC, pela autocomunicação de Castells e também buscam ocupar o espaço público como forma de reclamar uma parte da cidade. De fato, os limites são tão tênues que podemos entender alguns eventos simultaneamente como flash mobs e protestos urbanos.

Figura 2 À esquerda, protesto em forma de flash mob por estudantes universitários vietnamitas (© UNFPA Vietnã). 
 À direita, ação publicitária da Nintendo of America (© Casey Rodgers / Associated press)

Assim, não é necessariamente o caso a ideia de que “o propósito das flash mobs é não ter propósito” (ibid). Hoje é evidente que, embora o caráter lúdico seja sim um elemento bastante presente, a ludicidade por si já só pode ser considerada um propósito, de modo que as flash mobs não são nunca sem sentido (GORE, 2010): elas podem servir a objetivos políticos (pro-

testos), comerciais (ações de marketing), lúdicos (brincadeiras) etc., mas possuem sempre um objetivo atrelado a uma forma de ocupação do espaço. Sendo assim, elas: (…) são exemplos que demonstram que estamos vivendo em um espaço onde o público é reconfigurado por uma multitude de mídias e redes comunicacionais entrelaçadas nas funções sociais e políticas do espaço para formar um ‘espaço híbrido’. O espaço tradicional está sendo sobreposto de redes eletrônicas, como a dos telefones celulares e outras mídias sem fio. Essa sobreposição cria um sistema altamente instável, desigual e em constante mutação. O fenômeno social ocorrido nesse novo tipo de espaço não pode ser entendido sem uma análise minunciosa da estrutura desse mesmo espaço.33 (KLUITENBERG, 2006, p. 8) Mais uma vez podemos ver que a lógica dos fenômenos iniciados pelas TICs não prescinde do espaço urbano. Pelo contrário, a lógica subjacente das flash mobs, que aproxima-se bastante da autocomunicação da qual nos fala Castells, necessita tanto do espaço físico quanto os novos protestos urbanos. Assim como eles, necessita também da densidade populacional das cidades. Ambos são fenômenos da ‘sociedade em rede’ e daí vem a semelhança entre seus formatos. Waze Ao conectar um motorista ao próximo, nós ajudamos as pessoas a criarem comunidades de trânsito locais que trabalham juntas para melhorar a qualidade do trajeto diário de todos. Isso pode significar ajudálos a evitar a frustração de ficar parado no tráfego, avisá-los de um radar policial ou economizar cinco minutos em sua comuta diária ao ensinar novas rotas que antes elas não conheciam.34 O Waze é um aplicativo de navegação para celulares e tablets desenvolvido pela empresa Waze Ltd. É também um dos grandes casos de sucesso empresarial da década atual: lançado em 2009, explodiu em popularidade em 2012 e acabou sendo comprado pelo Google por mais 33 “These

examples demonstrate that we are living in a space in which the public is reconfigured by a multitude of media and communication networks interwoven into the social and political functions of space to form a ‘hybrid space’. Traditional space is being overlaid by electronic networks such as those for mobile telephones and other wireless media. This superimposition creates a highly unstable system, uneven and constantly changing. The social phenomena which occur in this new type of space can not be properly understood without a very precise analysis of the structure of that space.”

34 “By

connecting drivers to one another, we help people create local driving communities that work together to improve the quality of everyone’s daily driving. That might mean helping them avoid the frustration of sitting in traffic, cluing them in to a police trap or shaving five minutes off of their regular commute by showing them new routes they never even knew about.”

de 1 bilhão de dólares em 2013. Também aqui a autocomunicação tem papel destacado: grande parte do sucesso e da eficácia do aplicativo se dá pelo fato de que os próprios usuários, ao manterem o aplicativo aberto, compartilham sua localização por meio de uma rede, o que auxilia na identificação das condições de trânsito de cada usuário individual e na atualização dessa informação para toda a rede de usuários em tempo real. É uma abordagem que faz parte do que veio a ser chamado de Sistemas Inteligentes de Transporte (SITs) (FIGUEIREDO, 2005). Essa abordagem sistemática, misturando atores humano e não-humanos para enfrentar as questões de trânsito existentes nos grandes centros, “poderá ser a chave para resolver muitos dos problemas de transporte dos nossos dias” (ibid). Tal abordagem é mencionada no documento ‘A política Europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções’ que já em 2001 ressaltava a necessidade de “colocar a investigação e a tecnologia ao serviço de transportes não-poluentes e eficientes” (BRANCO, 2001). Assim, os SITs em geral, e o Waze em particular, vem chamando a atenção de governos supranacionais, nacionais e, principalmente, locais pela possibilidade de serem usados para aliviar o tráfego das metrópoles. Parcerias entre governos locais, através de órgãos de controle de tráfego, e a Waze Ltd. tem se multiplicado, como por exemplo o acordo assinado pela empresa com a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro para fornecer dados ao Centro de Operações Rio – COR. Segundo o acordo, firmado em julho de 2013, a Waze Ltd. cede à Prefeitura do Rio dados anonimizados sobre seus usuários na cidade (sejam eles moradores ou visitantes), recebendo em troca acesso às câmeras e aos dados de trânsito do COR, dados que a empresa israelense utiliza para melhoria de seu próprio serviço. Além do Rio, a Waze Ltd. tem também contratos com as cidades de Barcelona (Espanha), Jacarta (Indonésia), Tel Aviv (Israel), San José (Costa Rica), Boston, Los Angeles e Nova York, além dos estados da Flórida e de Utah (estes últimos, todos nos EUA). Aqui vale ressaltar que embora esses dados sejam hoje agregados e anonimizados (e não anônimos)35, a própria porta-voz mundial da empresa, Julie Mossler, admite que essa política pode ser alterada no futuro. Ainda segundo ela, na visão de futuro da empresa, o serviço do Waze poderia ser usado para modificar o comportamento dos seus usuários de forma pontual

35

Segundo a Waze Ltd., os dados de identificação dos usuários e os dados sobre seus trajetos são mantidos em bases de dados separadas e seria impossível correlacionar esses dados.

e individualizada (por exemplo, sugerindo a alguns usuários específicos que saiam de casa para o trabalho mais cedo e evitando assim a formação de congestionamentos em certos pontos da cidade).

@LeiSecaRJ Trabalhamos 24hs por dia, 7 dias por semana para ajudar as pessoas a evitarem a violência urbana, congestionamentos e ajudando vítimas de desastres naturais. Pensado inicialmente, segundo seu criador Eduardo Trevisan, como uma ferramenta para avisar aos motoristas dos engarrafamentos e transtornos causados pelas paradas policiais da Operação Lei Seca do Governo do Estado do Rio de Janeiro, o polêmico perfil do Twitter @LeiSecaRJ sofre até hoje com a oposição dos órgãos oficiais. Ainda assim, conseguiu tornar-se um ator importante, em diversos níveis, dentro da cidade do Rio de Janeiro: hoje, a página não só serve para informar sobre as localizações das operações policiais que lhe dão nome, mas também reproduz informações de seus seguidores sobre o trânsito (figura 3), violência (figura 4), acidentes (figura 5), campanhas de doação (figura 6) etc., reproduz também informações e alertas dos próprios órgãos oficiais (figura 7) e ainda faz a intermediação do contato dos seus seguidores com esses mesmos órgãos oficiais (figura 8).

!

!

!

Figura 3

Figura 4

Figura 5

!

Figura 6

!

Figura 7

!

Figura 8

Esse peso se deve ao número de seguidores da conta, atualmente 924.000 pessoas, superior até mesmo ao número de seguidores dos perfis de alguns dos órgãos oficiais. Com um alcance a (e a colaboração de) um tão grande número pessoas, o perfil se coloca não só como alternativa a quem quer fugir das blitzes da Operação Lei Seca, mas também transforma-se em um importante veículo de comunicação dentro da cidade – trabalho que acabou, em 2011, por ser premiado no Shorty Awards36 na categoria notícias. Google Maps Como qualquer tecnologia, mapas digitais estão mudando nossos cérebros, bem como nosso comportamento. Tradicionalmente, as pessoas se deslocam por entre casas, bairros e cidades com a ajuda de um “mapa cognitivo” interno. Mas esse sistema não é de forma alguma como um mapa. É mais como uma biblioteca pessoal preenchida com pedaços distintos de conhecimento, marcos (um ponto de ônibus, uma igreja, a casa de um amigo) e rotas. Quando confrontados com um novo deslocamento desconhecido, o cérebro reúne um plano desses elementos. É um trabalho complicado, e seu funcionamento exato continua a ser um assunto de disputa entre os neurocientistas.”37 (GRABAR, 2014) Desde Kevin Lynch e seu A Imagem da Cidade (1960), a forma como nos deslocamos pelo espaço da cidade vem sendo tema de pesquisas no campo dos estudos urbanos. O próprio Lynch, inclusive, ainda em sua obra seminal, já nos chama a atenção para o que denominou 36

“The Shorty Awards honor the best of social media, recognizing the people and organizations producing content on Twitter, Facebook, Tumblr, YouTube, Instagram, Vine, and the rest of the social web.” Cf. , acesso em 18/abr/2016.

37

“Like any technology, digital maps are changing our brains as well as our behavior. Traditionally, people get around their houses, neighborhoods and cities with the help of an internal “cognitive map.” But that system isn’t much of a map at all. It’s more like a personal library filled with discrete bits of knowledge, landmarks (a bus stop, a church, a friend’s house), and routes. When faced with a new way finding task, the brain assembles a plan from those elements. It’s hard work, and its exact mechanism remains a subject of dispute among neuroscientists.”

de way-finding (ibid, p. 8): atores não-humanos como mapas, números de ruas, sinais de trânsito, placas de itinerários de ônibus, que cumprem importante função no processo de deslocamento e localização dentro do espaço urbano. Ele também previu que a função de way-finding devices seria limitada por seu alcance: Também é possível instalar uma máquina que dê orientação, como há pouco se fez em Nova York. Se, por um lado, tais artifícios são bastante úteis para oferecer dados condensados sobre as conexões, por outro lado são também precários, uma vez que a orientação deixará de existir na ausência do artifício, o qual, por sua vez, precisa ser constantemente reportado e ajustado à realidade. (LYNCH, 2011 [1960], p. 12) Essa lógica, porém, parece ser alterada pela introdução de tecnologias como o Global Positioning System – GPS, as ferramentas de geolocalização e a popularização de serviços mobile de localização, especialmente o mais popular de todos eles: o Google Maps. Não mais a ‘máquina que dê orientação’ está presa a um só lugar, mas podemos agora levá-la sempre conosco, devidamente atualizada, dentro de nosso bolsos. E realmente as pessoas parecem achá-los úteis: embora evidências preliminares sugiram que instruções baseadas em distâncias (e não em marcos) como as do Google Maps não sejam ideais para a construção e memorização de mapas cognitivos (LI, FUEST, SCHWERING,, 2014), 74% dos adultos norte-americanos já usam algum tipo de serviço mobile de localização e direção, um salto de 25% em relação ao ano anterior. Nesse contexto, não é surpresa já existirem questionamentos sobre os efeitos dos mapas digitais em nossa capacidade de nos deslocarmos e até mesmo percebermos as cidades. Essa influência torna-se ainda mais forte quando nos damos conta de que ferramentas como o Google Maps influenciam não somente aspectos técnicos de nossos deslocamentos dentro do espaço urbano (quais caminhos construímos? que rotas usaremos?), mas também políticos (qual meio de transporte usaremos?) e econômicos (qual linha de ônibus escolheremos? de qual empresa?). Ou seja, os mapas digitais influenciam não somente os caminhos que construímos, mas como eles são materializados. De forma semelhante, assim como os mapas digitais afetam nossa relação com o espaço em termos de localização e deslocamentos – ou seja, ao nível individual do nosso próprio corpo

em relação à cidade – eles também afetam nossa relação com o espaço ao nível social, nos modos como o espaço urbano é lido pela sociedade. Como exemplos, temos a solicitação que a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro fez em 2009 ao Google para diminuir a presença das favelas no mapa do Rio de Janeiro, que fez com que a empresa suprimisse o nome ‘favela’ de algumas comunidades da cidade. Segundo a própria Prefeitura, o pedido foi feito pela RioTur porque “o aplicativo omitia bairros e pontos turísticos, ao mesmo tempo em que dava destaque a favelas com pequeno número de habitantes”. Simultaneamente, o próprio Google e também a Microsoft correm para incluir em seus mapas os caminhos dessas mesmas favelas tendo em vista promover seus produtos, enquanto ONGs como o AfroReggae (em conjunto com a agência de publicidade JWT) também promovem mapeamentos tendo em vista “dar visibilidade às favelas que não aparecem nos mapas da internet”. Essas iniciativas e disputas nos mostram, afinal, que mapas digitais parecem preservar as controvérsias de suas versões materiais: quem controla os mapas, continua a controlar os territórios e, possivelmente, a influenciar a vida econômica e social de áreas de uma cidade.


Google Night Walk

Figura 9

‘Night Walk’ é um projeto da artista francesa, Julie de Muer, com apoio técnico do Google, apresentado ao público em abril de 2014. Seu objetivo era retratar a vida noturna do bairro de Cours Julien, na cidade de Marseille, França, bairro que é um tradicional reduto de miscigenação e diversidade cultural, dentro de uma cidade reconhecida como polo de imigração na Europa. Nesse retrato, de Muer não apenas refaz o seus próprios caminhos, mas dá voz aos habitantes e personagens do bairro, além de permitir que os visitantes construam, através das ferramentas digitais, seus próprios os caminhos para conhecer aquele bairro e sus história. No site do projeto é explicado que: ‘Night Walk’ leva você a uma viagem imersiva através do animado Cours Julien, um bairro de Marselha famoso pela sua atmosfera e arte de rua únicas. Ouvindo seus guias Julie e Christophe, você pode passear pelas ruas vibrantes, como se estivesse realmente lá, graças a panoramas em 360 graus que nós capturamos durante a noite. Sua caminhada é enriquecida com fotos, imagens, vídeos, sons e fatos interessantes, o que lhe permite mergulhar neste bairro e aprender mais sobre

sua cultura e história diversificada. Aproveite a sua caminhada à noite!38 Temos aqui um interessante exemplo de construção de memória urbana – uma memória que é coletivamente construída pelos atores humanos, apoiados pela atuação de atores não-humanos (‘fotos, imagens, vídeos, sons e fatos interessantes’). A associação entre humanos e não-humanos é condicionante para chegarmos a um novo tipo de memória urbana coletivamente construída. Trazer um novo tipo de técnica permite a construção de um novo tipo de memória. Uma vez mais, entrelaçam-se as redes digitais e urbanas: a memória de uma cidade passa a ser construída em um espaço. Os próprios autores do projeto reconhecem a importância das redes técnicas que dão sustentação ao projeto, quando dizem que: A experiência do Night Walk foi construída em cima de uma variedade de produtos do Google, integrados a inúmeros outros disponíveis, para contar a história de Julie e da cidade de Marseille. Ele contém uma customização integrada ao Google Maps – construída sobre fotografias em 360 graus – que permite seguir o caminho de Julie com uma navegação familiar. A caminhada em si é aumentada pelo Google Knowledge Graph, que adiciona dados contextuais e informações retiradas da vasta base de dados semântica ao nosso dispor. Usuários de celulares são recebidos com funcionalidades móvel, que usam a API do Google Places para obter dados com base em sua localização. Tudo vivendo e carregado na nuvem, rodando em cima do Google App Engine. Interessantemente, apesar de sua aplicação recente, o uso das redes digitais para a construção de uma versão mais distribuída da memória das cidades já havia sido prevista por geógrafos e teóricos da cidade: na conclusão do texto ‘Sobre a memória das cidades’, Maurício de Abreu coloca que “(o)s computadores são novos e importantes ‘lugares de memória’” (ABREU, 1998). Abreu ressalta a capacidade arquivística dos computadores e como, graças a eles, se torna mais fácil, mais barato e, consequentemente, mais interessante, dar voz a diferentes atores na construção de uma “memória das cidades (que) está sendo produzida a cada dia” (ibid). Sua ideia é que a ‘memória das cidades’, como a chama, deve ser recordada ao mesmo tempo

38

“Night Walk" takes you on an immersive journey through lively Cours Julien, a neighbourhood of Marseille famous for its unique atmosphere and street art. Listening to your guides Julie and Christophe, you can wander around the vibrant streets as if you were really there, thanks to 360-degree panoramas that we captured at night. Your walk is enriched with photos, images, videos, sounds and interesting facts, allowing you to dive into this neighbourhood and learn more about its diverse culture and history. Enjoy your night walk!” (cf. https://nightwalk.withgoogle.com/en/home, acesso em 12/fev/2016)

em que é construída, evitando assim a perda de vozes e posições, geralmente de grupos minoritários e/ou fragilizados, que possam vir a desaparecer com o tempo. Ele ressalta ainda que antigamente tal processo era impossível, pois a quantidade de informação produzida excedia em muito nossa capacidade de processá-la e armazená-la, mas que hoje os computadores podem ser usados para esse fim, uma vez que “(n)ão importa que a quantidade de informações neles guardadas seja incomensurável com a capacidade que hoje temos para processá-las todas”. (ibid). Comentários sobre os fenômenos e as ferramentas É interessante observar como os casos desse primeiro painel de ferramentas, todos elas produtos desenvolvidos desde a virada do século, possuem – apesar de seu caráter digital – alguma forma de ligação operacional com o mundo material de uma forma geral, e ao espaço urbano de uma forma particular. Mais do que isso: são ferramentas de socialização, de organização de eventos sociais, de orientação espacial, etc. e que, portanto, se amarram essencialmente ao espaço, se plugam a pontos no espaço, ou operam inteiramente sobre o espaço, com o propósito de alterar dinâmicas sociais, comportamentos sociais e espaciais, dinâmicas urbanas, etc. Eles parecem apontar que, embora seja uma visão bastante difundida e possa servir como chamada à reflexão, a visão dualista da realidade material não é uma boa metáfora para pensarmos os efeitos da digital sobre o material. Aqui parece haver um processo dialético onde a autorreflexão dos atores humanos sobre os supostos “perigos do virtual” (como a substituição do real pelo “simulacro” (BAUDRILLARD, 1991), o “fim da geografia” (VIRILIO, 1993) e o “sacrifício da conversação pela simples conexão” (TURKLE, 2012b), entre outros) faz com que esses atores, ao desenvolverem novas tecnologias, valorizem a presença no espaço urbano. Afinal, os exemplos que vimos anteriormente não são voltados para atividades em um mundo desconectado do nosso, mas sim para atuações que se dão dentro do mundo físico (protestos políticos, brincadeiras, deslocamentos, relacionamentos interpessoais, memórias). Isso não significa dizer que os efeitos das redes digitais serão necessariamente sempre positivos: manifestações podem ser antidemocráticas e/ou fascistas, controles sobre os deslocamentos podem ser usados de forma autoritária e memórias podem ser impostas e/ou manipuladas.

Essas possibilidades negativas, contudo, só fazem mais essencial compreendermos melhor seus impactos nos espaços enquanto os rastros de tais interferências estão ainda frescos. Olhemos agora para os métodos analíticos que darão suporte aos breves experimentos empíricos que compõem a dissertação. 


CAPÍTULO 4
 COMO AS REDES DIGITAIS ATUAM SOBRE O URBANO? Eu queria poder falar com ela. Meia hora seria o bastante: apenas perguntar a ela sobre sua vida, contar a ela sobre minha vida, e – o que eu realmente gostaria de fazer – explicar as complexidades do destino que levaram a que nos cruzássemos numa rua transversal de Harajuku numa bela manhã de abril de 1981. 39 Como vimos no capítulo anterior, as interferências das redes digitais nas redes urbanas assumem variadas formas, afetando dinâmicas pessoais, sociais e urbanas. Contudo, se é verdade, como afirma McLuhan (1964), que da quebra de um paradigma comunicacional resultam mudanças nas regras pelas quais uma sociedade se reproduz, e ainda, como afirma Latour (1994), que a sociedade é constituída não somente de atores humanos, mas das redes entre atores humanos e não-humanos (objetos, instituições, leis, textos, etc.), essas interferências deverão se fazer perceptíveis, de alguma forma, nas relações sociais sustentadas por espaços que também são em si atores não-humanos 40. Uma vez que a cidade é capaz de sustentar um sem número de diferentes relações sociais, veremos nesse capítulo como as redes digitais afetam o papel do espaço urbano como locus da sociabilidade e o papel da cidade como o lugar de interação com o Outro. Sendo que a forma mais básica de relação social é o encontro e a interação local entre duas pessoas, uma forma que está tradicionalmente atrelada ao espaço através da necessidade da copresença, ou seja, da necessidade desses dois atores estarem no mesmo lugar, ao mesmo tempo (GOFFMAN, 1966; 1978; GIDDENS, 1984; SCHUTZ, 2012), é de se esperar que o desenvolvimento das redes digitais transformem o processo das relações interpessoais. No entanto, uma das visões mais comuns sobre tecnologia e relações interpessoais, tanto pelo lado das visões apocalípticas quando das visões apologéticas, é a crença, ao meu ver equivocada, que a tecnologia está fazendo da necessidade da copresença nas relações interpessoais algo obsoleto. Os apocalípticos apontam para um suposto “sacrifício da conversa pela mera conexão” (TURKLE, 2012b), ou seja, que estaríamos trocando a conexão direta e real com

39

Murakami, 1981. Traduzido pelo autor da edição americana.

40

Para uma coleção de relatos do espaço como ator não-humano, ver Urban assemblages: how actor-network theory changes urban studies (FARÍAS E BENDER, 2010).

pessoas que estão ao nosso lado pela conexão frágil, via celular, com os que estariam (física e/ ou afetivamente) distantes. Os apologéticos, por sua vez, aguardam com ansiedade o momento quando “todos nos tornaremos humanos virtuais” (KURZWEIL, 2003), capazes de viajar pelo mundo em questão de segundos e experimentar com diferentes identidades, limitados simplesmente por nossa vontade. Aos apocalípticos, respondo que Hampton et al. (2014), repetindo o estudo clássico de William H. Whyte (1980) sobre a vida social nos espaços públicos, não encontrou qualquer indicação de queda dos níveis de atividade social no espaço público ou mesmo um aumento das pessoas sozinhas nesses mesmos espaços. Ainda segundo esse estudo, ao contrário do que usualmente se supõe, o uso de celulares nos espaços públicos estudados tendeu a ser relativamente pequeno, principalmente nos espaços habitados por um número maior de grupos, sendo mais proeminente em espaços por onde as pessoas costumavam a caminhar sozinhas. Aos apologéticos, eu colocaria que uma série de estudos (WALTHER, LOH e GRANKA, 2005; JIANG, BAZAROVA e HANCOCK, 2011; TOBIN et al., 2014; SACCO, ISMAIL, 2014) indica que a interação face-a-face facilita a comunicação em comparação com as CMC. Drouin et al. (2014) também indicam a preferência dos entrevistados pela interação face-a-face como forma de comunicação. Mesmo o belo estudo de Longhurst (2012), que ressalta o importante papel das comunicações via Internet (aqui na forma do Skype, serviço de comunicação por áudio e vídeo via web) como forma de comunicação entre mães e filhos que vivem distantes, ressalta também entre suas conclusões, que alguns dos participantes consideram o elemento visual do Skype ‘intrusivo e desconfortável’, e que os espaços sincronizados criados pelo Skype foram descritos também pelos entrevistados como ‘desorientadores’. Além disso, o espaço não somente dá sustentação a ações de socialização, mas também é também parte ativa nesses processos sociais (NETTO, 2014, p. 128). Assim, os mesmos atores poderão ter diferentes formas de se relacionar dependendo do espaço que habitam, ainda que sua relação e os objetivos da comunicação não sejam modificados: o encontro entre um mestrando e seu orientador para rever o trabalho realizado pelo aluno tende a ser diferente caso aconteça dentro da sala de aula, na casa de um deles ou em um restaurante, ainda que o objetivo do encontro e a relação entre ambos permaneçam as mesmas. É o que Netto chama

“espaço semântico” (ibid, p. 143), um espaço “que ‘nos fala’ das práticas que ampara e expressa”. No entanto, quando falamos de cidades e espaços públicos, certamente as interações sociais predominantes (pelo menos em número de ocorrências) não são aquelas que mantemos com as pessoas que fazem parte de nossa rede social, ou seja, com aqueles que já conhecemos. Pelo contrário, nos grandes centros urbanos, devido à sua alta densidade, as relações pessoais mais comuns são aquelas que mantemos com as pessoas que nos são desconhecidas. O modo de existência dessas relações pode ser sutil, uma vez que elas se revelam apenas brevemente em pequenos rituais cotidianos, como quando evitamos encarar outros passageiros no metrô para não os constranger, ou quando cumprimentamos um vizinho de prédio que nem mesmo conhecemos pela manhã, ainda que apenas para manter um espírito de cordialidade e boa vizinhança. Fenômenos que se espalham por nosso dia-a-dia, interações que às vezes mal nos damos conta, mas que nem por isso tem importância menor enquanto fenômeno social, como colocam Simmel (1911) e Goffman (1956; 1966). De fato, como vimos nas análises de aplicativos de relacionamentos no Capítulo 2, a convivência com desconhecidos é, segundo Jacobs (1961), uma característica definitiva das grandes cidades (cities), e um dos aspectos que as separam das cidades menores (towns). Com essa ideia, Jacobs se aproxima de seu contemporâneo Irving Goffman e da ideia de ‘linha de aceno’ (GOFFMAN, 2010, p. 147): a ideia de que, a medida que comunidades crescem, as regras de conduta social entre seus participantes se alteram. Como exemplo, enquanto membros de uma comunidade menor esperam que outros membros participem de pequenos rituais sociais entre eles mesmo sem efetivamente se conhecerem (por exemplo, os moradores do prédio dando bom dia, ou acenando um ao outro), membros de comunidades maiores (passageiros do metrô, por exemplo) possuem códigos diferentes para interagir socialmente (no caso, evitar o que Goffman (1992) chama ‘interação focada’). Goffman entendia também que o espaço concreto pode influenciar a ação e o código social dos atores enquanto o habitam: comportamentos inadequados para certos lugares podem ser completamente aceitáveis em outros, ou até no mesmo lugar durante algum evento específico. Essa relativização das regras sociais vale também para as interações entre os desconhecidos.

Segundo o sociólogo canadense, embora o contato entre os desconhecidos em lugares públicos seja desencorajado socialmente, há situações e atores para os quais essas regras podem ser relaxadas. Por exemplo, nos dirigirmos a um idoso para ajudá-lo a carregar uma sacola de compras pesada ou perguntarmos a alguém que passa por direções para uma rua próxima são dois exemplos de interações entre desconhecidos perfeitamente aceitáveis. Segundo Goffman, determinados espaços e eventos podem influir no relaxamento dessas regras. Chamados por ele de “regiões abertas” (GOFFMAN, 2011, p. 146), espaços como os bares e hotéis, e eventos como festas, reuniões informais e carnavais de rua são exemplos desse fenômeno: neles a interação entre os desconhecidos é naturalizada e, por vezes, esperada. Isso se dá porque entendemos que nesses lugares e situações estamos em ambientes nos quais regras de interação se modificam: neles, ainda que possamos desconhecer alguns, ou muitos, dos que estão ali, a “pressuposição de consideração e boa vontade mútua (…) garante uma justificativa para descontar a perversidade potencial de contato entre os que não se conhecem” (ibid, p. 150). No cotidiano das cidades, porém, regiões abertas tendem a envolver situações específicas, geralmente associadas aos espaços da vida social informal, como bares e festas 41. E por um bom motivo: como já vimos, as formas de interação social mais numerosas que mantemos, vivendo em grandes cidades, é a distância que oferecemos, na maior parte do tempo, às pessoas que nos são desconhecidas. Se cada cruzamento na rua resultasse em interação social, haveria talvez dois resultados prováveis: primeiramente, por mais breves que fossem essas interações, acabaríamos por não fazer mais nada de nosso dia;42 ou viveríamos em pânico, com medo de como seria o contato com o próximo completo desconhecido que encontrássemos pela rua. Contudo, o encontro com os desconhecidos não é um fenômeno necessariamente traumático ou mesmo negativo. Muitos autores, inclusive, consideram esse aspecto fundamental das cidades um de seus aspectos mais positivos: para Hillier (2007, p. 130), a cidade é um “mecanismo para gerar contatos”; para Bettencourt (2013, p. 1441), um “reator social aberto”; para

41

O que Ray Oldenburg (OLDENBURG E BRISSETT, 1982; OLDENBURG, 1991; 2001) chama terceiros lugares, por não se tratarem nem do domicílio (primeiros lugares), nem do local de trabalho (segundos lugares).

42

Um trajeto diário em uma grande cidade é capaz de gerar centenas, até milhares de encontros, um número maior até do que o tamanho máximo possível para nossas rede sociais, segundo Dunbar (1990; 1992; 2002).

Netto, Pinheiro e Paschoalino (2014, p. 87), “o locus da pluralidade”; e, finalmente, para Boomkens (apud DE WAAL, 2014, p. 107) “onde adquirimos a identidade de que somos parte de coletivos maiores”, sendo “através desses sutis, quase-inconscientes confrontos, encontros e até simples cruzamentos que nos tornamos parte de um público muito mais elusivo: a cidade como uma comunidade de desconhecidos.”43 A importância do contato com o Outro em um espaço comum é algo, inclusive, que ultrapassa os limites dos estudos urbanos. O fenomenólogo Alfred Schutz (2012, p. 181), por exemplo, afirma que: Estar relacionado com o Outro em um ambiente comum e ser unido a ele em uma comunidade de pessoas são duas preposições inseparáveis. Não poderíamos ser pessoas para outros, nem mesmo para nós mesmos, se não pudéssemos encontrar um ambiente comum como contrapartida da interconexão intencional de nossas vidas conscientes. De Waal (2011) argumenta que essa ideia da cidade como um motor de constante encontros e confrontos é uma compreensão hoje abraçada pelo que ele denomina ‘mídias urbanas’ (urban media), termo guarda-chuva que abrange desde tecnologias até práticas culturais que focam nas capacidades de geolocalização das tecnologias modernas com a intenção de intervir no aqui e no agora. Para o autor holandês (ibid, p. 14), essas mídias urbanas tem grande interesse hoje “em remediar ou traduzir a ideia da familiaridade pública com auxílio das mídias digitais”, observando que se por um lado as redes sociais online permitem alguma noção de familiaridade descolada da copresença, por outro essas redes se constituem em grande parte de pessoas que já conheciam, ou seja, não tem grande efeito sobre a familiaridade pública. Contudo, de Waal destaca entre as mídias urbanas, como exemplo interessante de uma construção de familiaridade pública, o projeto The Familiar Stranger (PAULOS E GOODMAN, 2004) e o aplicativo resultante desse projeto, o Jabberwocky44, um aplicativo que permite que as pes‑

soas vejam os desconhecidos familiares (familiar strangers) ao seu redor: pessoas com quem

43

“The urban public sphere thus consists of those places where we, in the process of doing, thinking, observing, walking and talking, acquire an identity that is part of broader collectives. Whereas Berman sees new revolutionary publics coalescing out of nothing on the boulevard, Boomkens points out that through all these subtle, semi-unconscious confrontations, encounters and even simple passing movements, we become part of a much more elusive public: the city as a community of strangers” (grifo meu).

44“Jabberwocky captures a unique, synergistic moment – expanding urban populations, rapid adoption of Bluetooth mobile devices, and widespread influence of wireless technology across our urban landscapes. (…) Jabberwocky is a freely available mobile phone application designed to promote urban community connections and a sense of familiarity, anxiety, and play in public urban places.” Cf. < http://www.urban-atmospheres.net/Jabberwocky/info.htm>.

já encontramos outras vezes e em outros lugares mas a quem ainda não “fomos apresentados”, por assim dizer. Essa ideia de desconhecidos familiares é a ideia por trás dos que são chamados hoje aplicativos de descoberta social (social discovery apps) 45 (cf. BURKE, 2013), um sub-grupo das redes geossociais (cf. Capítulo 2), que quero destacar por estarem fortemente atrelados ao espaço: assim como o Jabberwocky, sua função é permitir aos que os utilizam descobrir e se comunicar com pessoas as próximas que façam parte daquela comunidade de usuários, sejam elas conhecidas ou, principalmente, desconhecidas46 (CHEN, KAAFAR E BORELI, 2013). Tais aplicativos, ainda que existam em diferentes estilos e formatos47 e prometam de modo geral “uma forma divertida de encontrar pessoas como você”48, são mais conhecidos quando voltados para encontros românticos ou sexuais, como aplicativos de relacionamentos que vimos no Capítulo 2. De fato, o Tinder pode ser encaixado no modelo da descoberta social, uma vez que o pareamento dos usuários é baseado em sua localização durante o uso. Porém, na procura por uma ferramenta digital fortemente ligada ao espaço e às interações sociais para efeito de estudo de caso das interferências do digital sobre o urbano, o Tinder não se coloca de modo tão interessante: seu funcionamento, ao contrário de outros apps de descoberta social, é bastante restrito, limitado ao raio de busca definido pelo usuário. Ainda que ele se utilize da ideia da densidade populacional urbana e da possibilidade dos encontros com os desconhecidos, esses encontros não possuem pontos de interseção com os encontros e caminhos materializados no cotidiano urbano dos seus usuários. Diferentemente, um dos outros casos vistos no capítulo passado, o happn, apresenta-se como um caso de estudo bem mais interessante: é altamente atrelado não só aos espaços e da densidade populacional da cidade, mas também aos caminhos que fazemos quando atuamos nos 45

Essa categoria de aplicativos ainda não possuem um nome definido, às vezes sendo referidos, popularmente, pelo categoria genérica ‘redes sociais’ e, nos círculos acadêmicos, pelas expressões “location-based social networks” (CHO, MYERS E LESKOVEC, 2011), “location-based online social network” (ALLAMANIS, SCELLATO E MASCOLO, 2012), “location-based social discovery network” (CHEN, KAAFAR E BORELI, 2013), e possivelmente outras.

46

Aqui os aplicativos de descoberta social parecem aproximar-se das salas de chat e fóruns do princípio da Internet. Para uma revisão da história desses espaços de interação online, ver Wertheim (2001, cap 6).

47

Alguns exemplos de aplicativos sociais: BeeTalk (http://www.beetalkmobile.com), MeetMe (http://pt.www.meetme.com/), Lovoo (https://www.lovoo.com/), Highlight (http://highlig.ht/), todos com propostas bastante semelhantes.

48

Cf. , acesso em 4/abr/2016.

espaços da cidade – e, potencialmente, aos encontros e interações que estabelecemos com os desconhecidos e os quase-desconhecidos em nosso dia-a-dia. Vejamos o happn mais de perto, como objeto de estudo. O happn Segundo seus criadores, o happn nasce da pergunta ‘por que deveríamos usar sites de encontros quando encontramos com tantas pessoas todos os dias, na vida real?’49 Responder essa questão levou-os a propor uma solução baseada nos cruzamentos naturais que acontecem em nossos trajetos diários ou nos espaço que habitamos ao longo do dia. O happn, então, captura e exibe os perfis das pessoas com quem cruzamos (que, supõe-se, incluem pessoas solteiras e a procura de parceiros), mostrando quando e onde cruzamos pela última vez, e quantas vezes já encontramos com aquela pessoa.

Figura 9 À esquerda, tela da linha do tempo, mostrando os encontros em ordem cronológica. À direita, tela de perfil de usuário.

49

“Why should we go on dating websites when we meet so many new people every day, in real life?”. 
 Cf. , em 4/abr/2015.

Cruzar’, entretanto, é definido de forma bastante generosa: segundo seu site, o happn considera que cruzamos com outra pessoa ‘a partir do momento em que o caminho dela cruza o seu, entre 1m e 500m.’50 51 Assim, os “cruzamentos” são, de fato, contatos, encontros presenciais ou mesmo quase-encontros sustentados pela co-presença no espaço urbano. Como a maioria dos contatos que vivemos todos os dias no espaço urbano, esses cruzamentos são frágeis temporal e espacialmente: não só o espaço da cidade, de forma geral, não favorece a interação focada entre os desconhecidos, como vimos em Goffman, como também o encontro pode ser muito breve para o contato, ou não chegar a acontecer por uma assincronia de alguns segundos. O happn, assim, captura dois níveis diferentes “cruzamentos” no espaço da cidade: o dos encontros e o dos quase-encontros. O encontro é o contato de fato no espaço da cidade, que no caso pode ser público (ruas, praças, logradouros públicos) ou semi-públicos (shopping, bares, festas). Aqui ele se aproxima da ideia romântica das “conexões perdidas”52 (BLACKALL, 2011): encontros breves, sem chance até para o contato, mas que, em outra situação ou lugar, poderiam resultar “algo mais”. O momento desse encontro pode ser reconhecido por um (eu vi a menina, mas ela não me viu) ou ambos atores (uma troca de olhares que simboliza a potencialidade da conexão) mas não se concretiza. Trata-se de um momento fortuito: a atuação da máquina de Hillier de promover encontros, como mencionado. O segundo nível de cruzamento capturado pelo happn é o dos quase-encontros (ex: Medianeras): tratam-se de pessoas que compartilham características de seu perfil (pertencem a mesma comunidade de estranhos?) e habitam as mesmas localizações geográficas, mas não necessariamente compartilham os mesmos espaços ao mesmo tempo (e.g. vizinhos de um mesmo prédio que, por azar, nunca se encontram). São cruzamentos que tem como principal característica a repetição e a serialidade: repetem-se de novo e de novo, estando sempre no limite de

50

Cf. , em 4/abr/2016.

51

Essa distância foi ajustada durante o período em que aconteceu a pesquisa, sendo anterior entre 1 e 250 metros. 
 É provável que essa alteração tenha acontecido para aumentar os números de encontros capturados peloa aplicativo.

52

Um belo projeto artístico sobre a ideia das Conexões Perdidas que vale a pena checar é o I Wish I Said Hello .

acontecer, sem nunca de fato se efetuarem. São encontros na virtualidade de Lévy: existem em potência, mas não se atualizam no mundo material. Apoiado, então, na tecnologia da geolocalização, o happn promete um ‘super-poder do dia-adia’: capturar esse encontros e quase-encontros, mostrar as pessoas com quem “cruzamos” por um momento qualquer de nosso dia e, a partir daí, trazer a possibilidade de nos comunicarmos com elas, sem este for o desejo de ambos os potenciais interlocutores. Dessa maneira, agregando dinâmicas espaciais a sua rede geossocial, o happn cria uma rede que é mais que puramente digital. Uma rede que se utiliza das dinâmicas sociais dos espaços urbanos, especialmente do que Netto (2014) chama de aleatoriedade do encontro (e eu adicionaria aqui dos ‘quase-encontros’) e a possibilidade de recursividade das interações necessários para a reprodução e mudança dos sistemas sociais (duas condições que a cidade é notoriamente apta a amparar), de modo a criar um serviço potencialmente mais interessante e diverso que seus concorrentes. O happn é então, em última análise e como outros aplicativos e sites de relacionamentos, uma comunidade de pessoas ‘solteiras e à procura’ de algum tipo de relacionamento ou encontro. Diferente do modelo tradicional de sites de encontros, onde, uma vez parte daquela comunidade, temos acesso diretamente a todas as pessoas que a compõe e podemos ‘escolher’ quais contatar entre elas, e também do modelo do Tinder, onde os participantes são apresentados de forma aleatória, um após o outro, em uma espécie de jogo de ‘sim’ ou ‘não’, no happn toda a comunidade começa oculta. Seus participantes só se revelam para nós quando “cruzamos” com eles no espaço da cidade. Só quando o aplicativo registra esses cruzamentos é que e esses perfis são “revelados” para o usuário.

Figura 10 Passo-a-passo do funcionamento do happn.

Como funciona? O aplicativo registra os cruzamentos. Os perfis criados pelos usuários com quem encontramos aparecem na tela da linha do tempo de cada usuário (Figura 10) pela ordem em que ocorreram. O aplicativo registra também os endereços aproximados desses cruzamentos e o número de vezes que eles ocorreram. No evento de um usuário mostrado pelo aplicativo não nos interessar, e não querermos vê-lo novamente, há a opção de ‘passar seu perfil’ com o botão Cruz (o outro usuário não é informada dessa escolha). Caso encontremos alguém por quem à primeira vista nos interessemos, podemos checar sua página de perfil (Figura 10), onde temos fotos53 e informações básicas (profissão, última vez que usou o aplicativo, músicas favoritas, hora e local aproximados do cruzamento). Gostando da pessoa, podemos ‘dar um like’ (botão Coração) ou ‘enviar um Charme’. O gesto do like é completamente anônimo. A outra pessoa não saberá de nada, a menos que o like seja recíproco, quando ocorre um ‘Crush’, sendo então possível iniciar uma conversa. Já o Charme é um tipo de comunicação especial: ele é uma mensagem, não-textual, que informa àquela pessoa de que houve um interesse de nossa parte.54 Enviar um Charme é gratuito e ilimitado para mulheres, custando um crédito para os homens (que recebem de início 10 créditos, podendo comprar mais através do aplicativo).55 O happn, as regiões abertas e a serendipidade dos encontros no espaço da cidade É possível notar, ao observar as descrições da funções do happn na sessão anterior, que ele faz uso das qualidades do encontro e quase-encontros ocorridos no espaço da cidade. Assim, ele cria um serviço que se destaca em relação as outras opções de aplicativos de encontros por se basear nas dinâmicas naturais de nossos caminhos e dos espaços que habitamos na cidade. Pode-se dizer que ele se propõe a capturer, como parte da sua rede social digital, os encontros aleatórios e fortuitos que ocorrem nos espaços da cidade.

53

Em aplicativos para encontros, fotos, além da aparência física, também são usadas para informar traços de personalidade e gostos pessoais. Ver o estudo de Braziel (2015) sobre o caso do Tinder.

54

Existem mais três opções ocultas pelo botão Três pontos: ‘Denunciar’, para caso o perfil seja ofensivo ou criminoso (prostituição, pedofilia, etc.); ‘Bloquear’, para casos de assédio ou pessoas inoportunas (nesse caso, a pessoa bloqueada não poderá mais, em nenhuma hipótese, ver nosso perfil e vice-versa.); ‘Não me interessa’, o mesmo que passar um perfil.

55

Os Charmes são o único aspecto do happn que acho questionável. Em si, acho-os inofensivos: é uma mensagem pré-pronta, nada além de um ‘olha pra mim’, que só podem ser enviadas para cada pessoa uma vez a cada 24 horas. Contudo, embora eu entenda que ganhar dinheiro com um app gratuito hoje é um problema real, monetizar em cima dessa função foi uma escolha bastante infeliz e que traz associações um negativas para o aplicativo.

Essa dinâmica de encontros, que pode ser interpretada como uma serendipidade dos encontros fortuitos promovidos pela cidade, se mostra como uma propriedade talvez instintivamente desejada por parte das pessoas que vivem nas cidades. Ela é a qualidade da vida urbana que encanta o flâneur56 de Charles Baudelaire e Walter Benjamin; ela é consequência do reator social de Bettencourt (2013), alimentado pelas altas densidades populacionais da cidade. Tal serendipidade de encontros e descobertas também é o motor da classe criativa, como chama o economista Richard Florida, sendo causa e consequência de seu desenvolvimento e da felicidade das cidades (FLORIDA, 2001; 2004; 2010; FLORIDA, MELLANDER E RENTFROW, 2013). Mesmo o fracasso dos modelos racionalistas de cidade criticados por Jacobs (1961), como a Ville Radieuse de Le Corbusier e a Broadacre City de Frank Lloyd Wright, implementados parcialmente ao longo do século XX (notoriamente em Brasília, por Lucio Costa) pode se dever, ao menos em parte, a ignorar essa função das cidades e esse desejo real de suas populações (cf. HERZOG, 2010). Contudo, ainda que um encontro serendipitoso possa se dar em qualquer parte da cidade, o mesmo não ocorre com a interação focada entre desconhecidos. Vimos através da teoria de Goffman que, via de regra, só nas regiões abertas, associadas a lugares de vida social informal, é que o contato entre desconhecidos se torna uma possibilidade mais efetiva. Nesse sentido, um dos aspectos mais fascinantes do happn é o de transformer virtualmente todo o espaço da cidade em uma região aberta em potencial, semelhante àquelas estudadas por Goffman – ‘virtualidade’ entendida a partir de Deleuze e Levy como potência de um espaço, que pode existir ou não, dependendo da vontade dos que o habitam). Referências aos espaços virtuais como novos terceiros lugares tem sido frequentemente apontadas (veja SCHWIENHORST, 1998; WADLEY et al., 2003; STEINKUEHLER, 2005; STEINKUEHLER E WILLIAMS, 2006; SOUKUP, 2006; RAO, 2008; FRAGOSO, 2008). Porém, essa região aberta virtual que a ferramenta cria segue restrita aos membros daquela rede de usuários.

56

“O flâneur passeia pela cidade e se delicia com a serendipidade de encontrar pessoas ou descobrir lojas, bancas de livros, vendedores de comida, arte nunca antes vista ou imenso número de estímulos que estão associados a paisagem urbana espontânea.” (HERZOG, 2010)

Aplicativos de encontro e a cultura dos hook-ups 57 Assim como já vimos Cairncross falar da ‘morte das distâncias’ e Turkle falar do ‘sacrifício das conversas’, também os aplicativos de encontro tem sua crítica apocalíptica oposicionista, nomeada pela revista Vanity Fair literalmente como a “Aurora do ‘Apocalipse dos Encontros’” (Dawn of the ‘Dating Apocalypse’) (JO SALES, 2015). Contudo, como já vimos nos casos anteriores, devemos ter cuidado ao fazer afirmações bombásticas e generalistas sobre fenômenos que ainda não compreendemos em sua totalidade. De fato, quando se fala de dating apps em geral, e do Tinder em particular e seu efeito sobre as interações sociais na cidade, provavelmente a associação mais comum a ser feita é a de uma ferramentas envolvendo suposta fragilização das relações sociais e volatilidade das conexões – ecoando a bela metáfora do ‘amor líquido’ de Bauman (2004). De forma simples, o Tinder é bastante associado ao sexo casual (HORTA, 2015). Contudo, mesmo no Brasil, onde o fenômeno é ainda mais recente, já existem diversos relatos de casais que se conheceram por meio de diferentes aplicativos.58 Já não são raros os relatos anedóticos de casais que “se conheceram no Tinder”. Desse modo, parecem haver evidências de que, embora existam tanto no Tinder como em outros aplicativos encontros puramente sexuais, esse não é seu único uso. Infelizmente, não existe até o momento virtualmente nenhuma pesquisa empírica no Brasil sobre esse fenômeno e o debate se mantém no nível da opinião. Contudo, se quisermos aprofundar nosso estudo, podemos tomar como referência algumas pesquisas realizadas nos EUA onde, apesar de ainda admitidamente incipiente (GARCIA E REIBER, 2008), alguma pesquisa empírica sobre esse fenômenos já existe. Lá, assim como aqui, os dating apps são acusados de potencializar entre jovens e jovens adultos uma “cultura dos hook-ups sexuais” (sexual hook-up culture) (GARCIA et al., 2012), na qual o fácil acesso ao sexo descompromissado e a um amplo universo de pretendentes diminuiriam o incentivo à relacionamentos estáveis, “deixando uma geração infeliz, sexualmente insatisfeita, e confusa sobre a intimidade.” (FREITAS, 2013) 57

Gíria inglesa que poderia ser livremente traduzida como pegação. Utilizo aqui a mesma definição usada no questionário de Garcia e Reiber (2008): “um encontro sexual entre duas pessoas que não estão saindo ou em um relacionamento, e onde um relacionamento romântico tradicional NÃO é uma condição explícita do encontro.”

58

Cf. Amor em tempos de Tinder ; Casal 'prova' eficácia do Tinder e cria negócio paralelo ao relacionamento ; Tinder une casais cariocas; Rio tem 7% mais "matches" do que SP , todo acessados em 4/abr/2016.

Os números dessas pesquisas, contudo, não parecem confirmar nem refutar totalmente essas proposições. De fato, eles são tão inconsistentes que mesmo a existência de uma ‘cultura dos hook-ups’ pode ser colocada em questão: por um lado, Garcia e Reiber (2008) afirmam que “os hook-ups se tornaram pervasivos entre jovens adultos, particularmente em campus universitários nos Estados Unidos, apesar dos inerentes riscos emocionais, físicos, sociais e de saúde” e que 64% dos alunos entrevistados por eles haviam admitido já terem participado em hook-ups, ao mesmo tempo ressaltam que “dos que haviam participado de hook-ups, 51% o tinham feito com intenção de iniciar um relacionamento romântico tradicional”, o que parece contradizer sua própria tese de um individualismo crescente nas relações interpessoais; por outro lado, um estudo de Twenge, Sherman & Wells (2015) feito sobre os dados das respostas ao General Social Survey59 que o número de parceiros sexuais dos jovens adultos (entre 25 e 33 anos) americanos hoje caiu em relação as gerações das décadas nascidas nas décadas de 1970 e 1980, retornando a números comparáveis aos entre 1946 e 1964. Especificamente sobre os efeitos e percepções do namoro online dentro da sociedade norteamericana como um todo, Smith e Duggan (2013) encontraram: 1) que 11% da população adulta norte-americana, ou 38% dos que estão ‘solteiros e à procura’ (single and looking), já usaram algum tipo de site ou aplicativo de encontro; 2) que 59% dos entrevistados concordava que o namoro online era uma boa forma de conhecer pessoas; 3) que, embora 32% dos entrevistados acreditasse que o namoro online impedia as pessoas de estabelecerem relacões estáveis, 29% deles conhecia alguém que estava em um relacionamento de longa duração ou casado tendo conhecido seu parceiro através de algum tipo de serviço de namoro online; 4) que 11% dos casais norte-americanos que estavam casados ou em relação estável por 10 anos ou menos havia se conhecido através de algum tipo de namoro online. Além disso, todos os indicadores pesquisados apresentam tendências positivas sobre a aceitação social do namoro online. Olhando para essas pesquisas, acredito ser ainda difícil falar, de maneira assertiva, sobre uma cultura dos hook-ups, tendo os aplicativos de encontros como sua maior ferramenta facilitadora. Isso, obviamente, não significa que tal fenômeno não exista, porém indica que ele é menos

59

Pesquisa realizada pela University of Chicago com entrevistas face-a-face com indivíduos maiores de 18 anos selecionados aleatoriamente, usada para coletar dados sobre as características demográficas e atitudes da população americana.

proeminente e pervasivo do que parece ser o consenso geral. É até mesmo possível que estejamos vivendo uma nova mudança no padrão dos relacionamentos, talvez semelhante àquela iniciada pela introdução da pílula anticoncepcional na década de 1970 (ALLYN, 2001). E talvez essa seja uma boa comparação para àqueles assustados com a possibilidade de uma superficialização dos relacionamentos românticos: assim como a força dos laços interpessoais humanos resistiu à uma maior (e bem-vinda) liberdade das mulheres na escolha de seus parceiros sexuais, eles deverão também resistir a um acesso um pouco facilitado ao sexo casual. Contudo, caso ainda estejamos convencidos que nos encontramos diante do fim do romance, podemos considerar essa citação de Finkel et al. (2012), colocando em uma perspectiva histórica o processo dos namoros online: Por milênios, culturas criaram diversas práticas para cumprir com os imperativos evolucionários do acasalamento e reprodução (Coontz, 2005). No mundo ocidental moderno, espera-se em grande parte que as pessoas identifiquem parceiros românticos por iniciativa própria, um processo que tipicamente implica um esforço significativo, tempo, e ambiguidade, ao mesmo tempo que muitos, e por vezes dolorosos, passos em falso. Assim, não é surpresa que as pessoas se sintam atraídas por um novo meio que ofereça aumentar a eficiência e a efetividade desse processo.60

60

“For millennia, cultures have created diverse practices to fulfill the evolutionary imperatives of mating and reproduction. In the modern Western world, people are largely expected to identify romantic partners on their own initiative, a process that typically entails significant effort, time, and ambiguity, as well as many, often painful, missteps. Thus, it comes as no surprise that people would be attracted to a new medium that offers to improve the efficiency and effectiveness of this process.”

CAPÍTULO 5
 COMO O URBANO ATUA SOBRE AS REDES DIGITAIS? No painel de análises no Capítulo 2, foi visto como diversas ferramentas digitais contemporâneas se conectam ao mundo material das interações, gerando fenômenos que, se desdobrando nos espaços físicos da cidade, atuam sobre as dinâmicas pessoais, sociais e urbanas. A análise apontou que não é preciso, ao tentar entender os efeitos do digital sobre o material, adotar uma visão dualista que separe a realidade do mundo material daquela do mundo digital sem considerar a permeabilidade que há entre eles. Tal lógica dicotômica, ainda que possa ser útil como chamada à reflexão crítica, não parece ser capaz de explicar os desdobramentos e os efeitos de uma ‘camada’ relacional sobre a outra. Vimos ainda que a construção das ferramentas e aplicativos digitais hoje parece guiada por um processo dialético: as críticas à excessiva virtualização da vida e os alertas sobre os “perigos do virtual”, como a substituição do real pelo simulacro (BAUDRILLARD, 1991), o “fim da geografia” (VIRILIO, 1993) e o “sacrifício da conversação pela simples conexão” (TURKLE, 2012b), etc., aparecem contrapostas e absorvidas no movimento de desenvolvedores dessas tecnologias, ao projetá-las, incorporando progressivamente janelas para (e as qualidades inerentes a) o espaço físico. As ferramentas que vimos então não se mostram voltadas para atividades em um mundo de bits e bytes isolado do mundo concreto, mas sim para atuações que se desenrolam dentro do espaço físico da cidade, como protestos políticos, brincadeiras, deslocamentos, relacionamentos interpessoais e lembranças. Subsequentemente, no Capítulo 3 olhamos com mais detalhes para todo o fenômeno do online dating, de forma geral, e para o happn, de forma particular, discutindo seus conexões com e efeitos sobre o encontro e as interações interpessoais no espaço urbano. Pudemos ver com o online dating não se configura como um novo fenômeno, mais sim como um desenvolvimento de um formato já existente em mídias anteriores, usado por vezes para substituir antigas práticas e costumes que caíram em desuso. Vimos também como esse fenômeno vem se tornando, aparentemente, mais e mais territorializado e como essa maior territorialização parece correlacionar-se com a sua maior popularidade. Notamos, finalmente, os impactos do online dating sobre a formação de novos casais na sociedade e uma rede como o happn transforma virtualmente todo o espaço da cidade em uma região aberta em potencial.

Nesse capítulo, proporei o caminho inverso. Através de uma série de experimentos empíricos, vamos olhar a para a rede social do happn e tentar compreender quais são os efeitos do espaço concreto da cidade sobre ela. Como vimos anteriormente, o happn, enquanto ferramenta, se liga ao espaço da cidade para adicionar o elemento da serendipidade urbana ao serviço que ele oferece. Isso tem por objetivo gerar encontros mais “naturais” segundo seus criadores, ou seja, a ideia de que os encontros dentro da rede do happn não seriam “forçados”, assim como em outros sites e aplicativos de encontro, e sim encontros que, em algum nível, já aconteceram no contexto espacial urbano, mas que não resultaram em interação. Se até agora olhamos para como as dinâmicas das redes digitais interferem no espaço concreto, os experimentos que veremos aqui tem como objetivo capturar como as dinâmicas do espaço concreto se desdobram na rede social digital de uma ferramenta como o happn. Assim, o presente capítulo tem por objetivo propor exercícios empíricos capazes de capturar algumas das interferências entre redes urbanas e digitais (em direção ao que poderíamos chamar redes urbano-digitais), fenômenos novos e altamente mutáveis para os quais ainda não há metodologias empíricas consagradas ou mesmo definidas. Desse modo, para traçar essa abordagem analítica e empírica, experimentei com algumas formas e modelos de pesquisa diferentes, alguns mais tradicionais, outros mais inovadores. Foram contemplados como alternativas: o modelo de auto-observação, que acabou como base do experimento piloto; o modelo de diário pessoal (‘daily diary’) (DELONGIS, HEMPHILL E LEHMAN, 1992; ALMEIDA MATOS, 1999; LISCHETZKE, 2014), que moldou o experimento principal e os mapas de encontros gerados pela pesquisa; um modelo misto, baseado em etnografias de diferentes atores e diários pessoais preenchidos por eles; um modelo baseado nas cartografia das controvérsias e nas análises sociotécnicas latourianas (VENTURINI E LATOUR, 2010; VENTURINI, 2012; LEMOS, 2013); e finalmente um modelo baseado na ideia do big data e de “pesquisa online discreta” (unobtrusive online research) (BABBIE, 2015, cap 11). Dentre essas alternativas, optei primeiramente por uma auto-observação guiada pelas regras do modelo etnográfico conhecida por mini-etnografia (KLEINMAN, 1988, p. 233 – 251; ROSA et al., 2003), em função do tempo da pesquisa mais longo que seria necessário para a realização de um modelo etnográfico completo. Durante a execução dessa mini-etnografia, alguns limites do modelo, que serão discutidos mais adiante, ficaram claros e foi desenvolvi-

do um segundo experimento baseado no modelo do diário pessoal. Este acabou se tornando o experimento principal, enquanto o primeiro foi mantido como um experimento piloto. O papel desse experimento piloto foi testar o tipo de dados a serem coletados da rede do happn pelo experimento complementar, bem como formular hipóteses que guiariam o segundo experimento. Outras metodologias foram descartadas: o modelo misto mostrou-se mais complexo que o modelo de diário pessoal simples, sem oferecer grandes vantagens em termos de dados. Um modelo baseado em dados locacionais do Twitter, realizado através de busca por termoschave, foi testado, porém não ofereceu dado novo ou relevante. E, finalmente, a chamada ‘cartografia das controvérsias’ e a análise sociotécnica, derivadas de Latour (2004) não se mostraram adequadas para a pesquisa, por oferecer dados de natureza distinta a de interesse. A análise sociotécnica terminou usada como referência em partes do capítulo anterior. Apresentação dos experimentos Como mencionado acima, a parte empírica desse trabalho é constituída pelos dois experimentos a seguir, tendo sido desenhada para melhor compreender como a rede do happn impactava a descoberta e as interações entre desconhecidos num grande centro urbano como o Rio de Janeiro. São metodologias que foram então formatadas para tentar iluminar fenômenos altamente mutáveis e novas formas de interação social na qual a volatilidade é sua principal característica. Experimento 1 (auto-observação) O primeiro experimento modelado foi uma auto-observação com um viés de mini-etnografia, que como próprio nome indica, é uma forma de aplicar o modelo etnográfico de imersão dentro no tema investigado sem porém necessitar do mesmo tempo de pesquisa. Muito utilizada em pesquisas da área de saúde para estudar a relação médico-paciente, a mini-etnografia é o “método de escolha para pesquisadores que têm menos tempo e menor experiência para a pesquisa de campo, mas que desejam entrar em contato e estudar o mundo real das pessoas” (ROSA et al. 2003, p. 16). Assim, enquanto na etnografia tradicional recomenda-se um tempo de pesquisa de no mínimo seis meses, acompanhados de descrições detalhadas das situações vivenciadas e dos objetos de estudo em seu ambiente natural, a mini-etnografia pode ser bem mais curta e simples nos seus achados, mas ainda preserva o espaço para in-

sights e observações pessoais do pesquisador. É também excelente a introdução ao método etnográfico para pesquisadores pouco experientes, método esse que me interessa bastante. Mini–etnografias podem ser realizadas mesmo durante uma única semana, mas para os efeitos dessa pesquisa, os resultados apresentados aqui se referem a um período de 33 dias, corridos entre 11 de junho e 13 de julho de 2015. Considerado todo processo da pesquisa, essa auto-observação acabou tendo duas principais utilidades: 1) familiarizar o pesquisador (no caso, eu mesmo) com o uso e as funções do happn, uma vez que embora já o tivesse utilizado, esse uso havia sido casual e despretensioso, sem grande atenção aos detalhes do funcionamento do aplicativo. Foi, enfim, uma tentativa de entender o happn como pesquisador, não só como usuário; 2) definir os dados e as dinâmicas a serem observadas no experimento seguinte. Os dados e observações pessoais feitos ao longo desse primeiro experimento geraram as hipóteses que foram testadas no experimento 2. Um exemplo da visão diferente do usuário para o pesquisador, e que acabou tendo consequências problemáticas para esse primeiro experimento (corrigidas no experimento seguinte), foi a questão de quais dados deveriam ser anotados. Como ao iniciar o piloto, ainda não tinha claro quais efeitos encontraria do uso do happn, então ainda não estavam definidos quais tipo de dados que deveriam ser coletados, nem a forma como deveria ser feita essa coleta. Originalmente, optei por anotar sete diferentes variáveis: o número de encontros (quantos perfis apareciam na linha do tempo do aplicativo), o número de novos encontros (quantos desses perfis exibiam a mensagem ‘Pela primeira vez!’ junto a foto [Figura 10]), número de perfis curtidos (daquele universo de pessoas, quantas haviam me interessado), número de perfis “passados" (daquele universo de pessoas, quantas não havia nenhum interesse), número de “charmes" enviados, número de “crushes" (interesses mútuos) e número de conversas através do aplicativo (uma vez que não necessariamente um crush resulta numa conversa) 61.

61 Os três primeiros dados acabaram sendo usados no experimento seguinte: número de encontros, número de novos en-

contros e número de cur;das. Os outros dados não pareceram relevantes ao final da análise e acabaram sendo descartados para o experimento seguinte.

FIGURA 10 A mensagem que marca um novo encontro na versão americana do happn.

Durante os nove primeiros dias do experimento, foi seguido um ritual de anotar esses dados três vezes ao dia: uma vez pela manhã, logo ao chegar ao local de trabalho62, uma à tarde, após o almoço, e outra à noite, após chegar novamente em casa. Ao final do dia, os números eram somados anotados na tabela. Contudo, observei que isso gerava problemas na contagem do número de encontros que poderiam afetar a confiabilidade dos dados. Isso porque se, por exemplo, eu cruzasse com uma pessoa no percurso que fiz pela manhã e cruzasse novamente com ela à noite, na volta para casa, ela apareceria duas vezes em contagens diferentes, uma vez na contagem da manhã e uma vez na contagem da noite, gerando um erro que, embora em termos gerais fosse pequeno, era bastante difícil de ser controlado. Após um fim de semana revisando os dados e os problemas até então, quando achei melhor não fazer as contagens, resolvi testar entre os dias 12 e 15 (22 a 25 de junho), fazer a contagem somente dos novos encontros e do restante dos dados, evitando os problemas com a contagem dos encontros. Contudo, ao final desses quatro dias, ficou claro que o número total de

62 Ao falar em ‘local de trabalho’, me refiro aos diferentes espaços, públicos e privados, onde trabalhei na conclusão deste

texto. Para referência, trabalhei ao longo desse mês em diferentes dias em minha casa na Tijuca, na biblioteca da Universidade Veiga de Almeida (UVA), também na Tijuca e no Ins;tuto Cervantes, em Botafogo.

encontros era um dado relevante e que não poderia ser descartado. Assim, passei a fazer um único registro dos dados à noite, ao chegar em casa.63 Os dados geraram a tabela 1: A partir dos valores da tabela, foram isolados os dados considerados mais relevantes a pesquisa64 (encontros, novos encontros, perfis curtidos e perfis passados) e gerou-se o gráfico a seguir (Figura 11): TABELA 1 | Dados da auto-observação FIGURA 11 | auto-observação (11/jun a 13/jul 2015) 240 REF

DATA

NOVOS DIA ENCONTROS ENCONTROS

24 qui 236 sex 24 sáb 0 dom 214 seg 49 ter 180 qua 60 qui 102 sex 0 sáb 0 dom novos encontros 0 seg

10 127 10 0 69 32 31 61 62 0 0 curtiu 126

CURTIU

14 32 1 12 33 23 64 14 34 0 0 passou 50

PASSOU

CHARMES

0 0 0 0 42 12 65 26 53 0 0 58

3 0 1 0 1 0 0 0 4 0 0 0

CRUSHES CONVERSAS

1 0 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0

1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0

DIA 012**

11/jun/15 12/jun/15 13/jun/15 14/jun/15 15/jun/15 16/jun/15 17/jun/15 18/jun/15 19/jun/15 20/jun/15 21/jun/15 encontros 22/jun/15

DIA 013***

23/jun/15

ter

0

49

11

30

1

0

0

DIA

014***

24/jun/15

qua

0

10

7

5

2

0

0

DIA

015***

25/jun/15

qui

26/jun/15 27/jun/15 28/jun/15 29/jun/15 30/jun/15 1/jul/15 2/jul/15 3/jul/15 4/jul/15 5/jul/15 6/jul/15 7/jul/15 8/jul/15 9/jul/15 10/jul/15 11/jul/15 12/jul/15 13/jul/15 TOTAL

sex sáb dom seg ter qua qui sex sáb dom seg ter qua qui sex sáb dom seg

0 131 21 90 85 59 51 26 14 86 122 126 26 135 54 220 51 37 75 2298

16 87 10 44 53 33 31 12 8 59 57 59 10 81 11 138 31 18 35 1380

4 2 2 26 14 20 14 5 5 12 10 16 0 16 11 53 6 7 12 530

11 36 6 21 22 10 10 3 1 4 5 16 7 73 11 52 20 10 29 638

0 0 0 0 1 0 0 2 0 0 0 2 0 0 1 0 0 0 0 18

0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 5

0 0 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 5

DIA 001 DIA 002 180 DIA 003 DIA 004 DIA 005 DIA 006 DIA 60 007

120

DIA 008 DIA 0 009 DIA 010* DIA 011*

DIA 016 DIA 017 DIA 018 DIA 019 DIA 020 DIA 021 DIA 022 DIA 023 DIA 024 DIA 025 DIA 026 DIA 027 DIA 028 DIA 029 DIA 030 DIA 031 DIA 032 DIA 033

* Durante os dias 010 e 011 (20 e 21/jun) não foi possível fazer a checagem. Os valores foram zerados para os efeitos dessa tabela. ** A checagem do dia 012 (22/jun) continha os encontros acumulados dos 2 dias anteriores. *** Nos dias 012, 013, 014 e 015 (22 a 25/jun) não foi feita a contagem de novos encontros. Os valores foram zerados para os efeitos dessa tabela.

63 Todos esses pequenos problemas serviram para informar os procedimentos recomendados aos atores do experimento

seguinte. 64 O restante dos dados referiam-se a gostos pessoais e não pareciam relevantes a uma pesquisa sobre dinâmicas espaciais.

FIGURA 11

À primeira vista, é um tanto difícil reconhecer padrões no gráfico acima e na tabela que o antecede. Isso aconteceu, acredito, porque estive bastante errático durante o período do experimento: embora tenho saído pouco com amigos (essas saídas, contudo, coincidem com três sextas-feiras que foram picos de encontros, como veremos a seguir), estive trabalhando na dissertação em diversos lugares diferentes ao longo desse período (cf. Nota 62). Assim, não houve parece haver, a princípio, qualquer tipo de estabilização dos encontros ou quaisquer tendências reconhecíveis. Entretanto, a semana entre os dias 29/jun e 3/jul (dias 019 a 023) oferece-nos uma indicação de padrão, ainda que tênue. Durante essa semana, sem poder ficar em casa ou visitar a biblioteca da UVA (que esteve fechada), acabei por me estabelecer na biblioteca do Instituto Cervantes, indo para lá pela Linha 1 do metrô. Isolando somente os dias úteis dessa semana, (quando estabeleci uma rotina de percursos na cidade) do gráfico acima, temos o gráfico a seguir (Figura 12):


FIGURA 12 | auto-observação (11/jun a 13/jul 2015) 100 85

75 59

50 53

51

33

31

14

20 10

14 10

12 53

14 85 1

SEG

TER

QUA

QUI

SEX

25 22 0

encontros

novos encontros

curtiu

26

passou

FIGURA 12 Semana entre os dias 019 a 029 da auto-observação isolada do restante do gráfico.

Aqui, de um percurso fixo, com horário padrão e rotinas bem definidas, nota-se que um padrão parece emergir. Nota-se que todos os números apresentam tendência decrescente, sendo essa tendência seria natural para o número de novos encontros, o número de perfis curtidos e o número de perfis passados, afinal existe um número de limitado de usuários do happn em cada parte da cidade. Quanto ao número de encontros, essa queda provavelmente pode ser explicada pelos perfis “passados”, já que, uma vez passado que um perfil é passado, os encontros com aquele usuário deixam de aparecer na linha do tempo do usuário e, portanto, não aparecem mais na contagem). Assim, tal padrão parece indicar que uma semana de “rotinas diárias” é já tempo hábil para que os padrões de comportamento espacial comecem a aparecer. Desse primeiro experimento foram formuladas duas hipóteses que guiaram a segunda fase da pesquisa empírica, os diários de uso. Hipóteses estabelecidas durante o experimento-piloto 1) Numa rotina de trajetos fixados (e.g. trajetos do tipo casa-trabalho, trabalho-casa, casaescola etc.), o número de novos encontros em tende a cair até estabilizar-se com tempo. No gráfico acima (Figura 13), que isola um período de uma semana durante o experimento no qual estabeleci uma rotina casa-trabalho fixa com horário definido e na qual não houveram outras atividades sociais que implicassem estar em locais com grande número de pessoas

(e.g., bares, festas, shoppings, etc.) podemos notar que que tantos os encontros, quanto os novos encontros apresentam tendência decrescente. Para os novos encontros essa tendência parece apresentar uma razão pelo menos à primeira vista lógica: quando repetimos um trajeto pela cidade todos os dias numa mesma faixa de horário, principalmente nos horários de entrada e saída do trabalho, tendemos a encontrar com as mesmas pessoas, também elas em suas rotinas de trabalho. Assim, podemos dizer que se dilui o potencial para novos encontros numa determinada rota. Em outras palavras, os encontros com pessoas com rotinas semelhantes ou que trabalhavam próximas, registrados como novos encontros no primeiro dia de uma rotina, tendem a se repetir nos dias seguintes somente como encontros. FIGURA 13 Queda do número de encontros e novos encontros numa rotina de trajetos casa-trabalho fixos.

AUTO-OBSERVAÇÃO | dias 019 a 023 (29/jun a 3/jul 2015) 100 75 50 25 14

8

x

12

se

26

i

31

qu

51

a

33

qu

se encontros

59

r

53

te

85

g

0

novos encontros

Contudo, espera-se também que esse número dificilmente chegue a zero: há sempre um número mínimo de pessoas novas circulando pelos espaços da cidade e, desde que elas tenham o happn instalado em seus celulares, novos encontros deverão ser capturados. O número mínimo de novos encontros deverá ser então uma função da vitalidade de um espaço: ele deverá ser maior em lugares onde há constante fluxo de novas e diferentes pessoas (e.g., bairros turísticos, centros de comércio, etc.), e menor em lugares onde as pessoas são sempre as mesmas (e.g., bairros exclusivamente residenciais, condomínios fechados, etc.). 2) atividades sociais não rotineiras (e.g., sair com os amigos; ir a shows, eventos, peças de teatro; etc.) tendem a produzir picos de encontros e de novos encontros.

Na utilização do happn, parece lógico admitir que deslocamentos maiores resultam um número maior de encontros e de novos encontros. Isso indicaria que o happn serve como um estímulo para se percorrer o espaço da cidade, uma vez que maiores distâncias percorridas resultaria um maior número de encontros. Parecem, contudo, haver duas condições para que essa proposição se confirme verdadeira. Em primeiro lugar, nossa análise inicial da semana útil entre os dias 29 de junho e 3 de julho indicou que atividades rotineiras tendem a causar uma queda no número de novos encontros e, em menor escala, de encontros ao longo do tempo. Assim, para gerar, deslocamentos que ocasionem um aumento na descoberta de novas pessoas, esses deslocamentos não podem se repetir com muita frequência, ou seja, é necessário quebrar a rotina: deslocamentos casa-trabalho e trabalho-casa tem um potencial de encontros limitado (existe um número limite de usuários do happn que pode ser encontrados ao longo daqueles trajetos). Isso novamente pode ser observado na Figura 13 da página anterior. Em segundo lugar, por mais que a quebra de rotina possibilite um aumento dos novos encontros, não é qualquer lugar da cidade que é capaz de gerar esse aumento. Lugares com baixa densidade populacional (e.g., praias distantes, trilhas, parques nacionais) dificilmente gerarão um número alto de encontros. Assim, a quebra da rotina deve ser feita preferencialmente para lugares onde há grande concentração de pessoas: festas, bares, cinemas, teatros, etc. Isso pode ser observado novamente nas datas isoladas anteriormente, incluindo agora o fim de semana (Figura 14): DIAS 019 a 023 (29/jun a 3/jul 2015) 140 105 70 35

FIGURA 14

novos encontros

m

122 57

do

b

86 59

sa

x

14 8

se

i

26 12

qu

a

r

51 31

qu

se

encontros

59 33

te

85 53

g

0

Através do experimento piloto, percebeu-se a necessidade de atrelar os encontros promovidos pela ferramenta de forma mais detalhada que simplesmente o “trajeto diário”, ou mesmo que somente os pontos inicial e final dos trajetos. Era também necessário incluir também os meios de transporte utilizados, as vias espaços públicos e mesmo espaços privados percorridos e o horário do deslocamento. assim, seria possível traçar mapas desse deslocamentos e localizar os encontros com outros atores capturados pela ferramenta. Experimento 2 (diários de uso) O segundo experimento consistiu num diário de uso do aplicativo por dois usuários (um do sexo masculino, um do sexo feminino) para comparar suas rotinas e experiências usando o aplicativo. Os resultados serão comentados, bem como os limites do experimento. Propõe-se ainda uma fórmula para expandir e aperfeiçoar o experimento Ainda, através do experimento piloto, percebeu-se a necessidade de atrelar os encontros promovidos pela ferramenta de forma mais detalhada que simplesmente o “trajeto diário”, ou mesmo que somente os pontos inicial e final dos trajetos. era também necessário incluir também os meios de transporte utilizados, as vias espaços públicos e mesmo espaços privados percorridos e o horário do deslocamento. assim, seria possível traçar mapas desse deslocamentos e localizar os encontros com outros atores capturados pela ferramenta. O experimento em questão foi realizado ao longo de 7 dias, iniciando na segunda-feira, 18 de agosto de 2015, e encerrando no domingo, 25 de agosto. Os atores deveriam, ao final de cada dia do experimento, preencher um formulário online65 (Figura 15, na página seguinte), no qual podiam ser encontradas os seguintes itens: 1.DIA Nesse item o ator deveria informar qual dos dias do experimento (numerados do ‘dia 01’ ao ‘dia 07’) as respostas se refeririam. O objetivo desse item era simplesmente manter os dados organizados temporalmente;


65 Disponível em .

FIGURA 15

2.TRAJETO PESSOAL Nesse item o ator deveria descrever o seu trajeto ao longo do dia de forma razoavelmente detalhada, incluindo aí também os meios de transporte utilizados, informando também, no caso de trajetos via ônibus, a linha utilizada. 3.ENCONTROS Nesse item o ator deveria informar o número de encontros acusados pelo aplicativo ao longo do dia. 4.NOVOS ENCONTROS Nesse item o ator deveria informar o número de novas pessoas (marcadas com a frase ‘Pela primeira vez’ dentro do happn) encontradas pelo aplicativo ao longo do dia.


5.ENDEREÇOS DOS ENCONTROS INTERESSANTES Nesse item os atores deveriam escrever os endereços informados pelo aplicativo para o que chamei primeiramente de ‘encontros interessantes’ (as pessoas que elas gostariam realmente de ter conhecido, posteriormente renomeados como ‘encontros imateriais’), não sendo necessário informar nomes; 6.RECONHECEU? DE ONDE? nesse último item os atores deveriam informar caso tivesse reconhecido algum dos ‘encontros interessantes’ mencionados anteriormente e, em caso afirmativo, como (amigo, conhecido, viu na rua etc.), não sendo necessário informar nomes; Ator feminino O ator feminino, que participou de forma voluntária, foi uma mulher heterossexual,então com 24 anos, moradora de Copacabana e mestranda. Anteriormente ao período do estudo, nunca havia usado o happn (o que pode ser visto nos dados de seu primeiro dia do experimento, quando os números de encontros e novos encontros foram os mesmo). Fez a maior parte de seus deslocamentos via carro particular e táxi, circulando principalmente pela zona sul do Rio de Janeiro, com eventuais deslocamentos até Niterói e a Tijuca (Figura 17). Os dados desse ator podem ser encontrados na tabela (Tabela 2) e no gráfico (Figura16, na página seguinte) a seguir: TABELA 2 | diário de uso (ator feminino) DATA

DIA

DISTÂNCIA (KM)

ENCONTROS

NOVOS ENCONTROS

ENCONTROS INTERESSANTES

CONHECIDOS

M001_D01

17/ago/15

seg

57,7

540

540

3

0

M001_D02

18/ago/15

ter

74,2

732

702

0

0

M001_D03

19/ago/15

qua

28,1

408

352

0

0

M001_D04

20/ago/15

qui

20

392

235

0

0

M001_D05

21/ago/15

sex

33

612

439

2

0

M001_D06

22/ago/15

sáb

38,2

475

345

0

0

M001_D07

23/ago/15

dom

2,6

374

153

0

0

253,8

3533

2766

5

0

REF

TOTAL

TABELA 2 Dados de uso do ator feminino .


ATOR FEMININO | diário de uso 800 732 702

600

612 540 408 352

400 200 0

392

439

475 345

374

235 57,7

74,2

3

0

encontros

28,1

20

33

38,2

153 2,6

0

0

2

0

0

novos encontros

encontros interessantes

distância (Km)

FIGURA 16 Dados de uso do ator feminino.

FIGURA 17 Deslocamentos do ator feminino na cidade ao longo da semana do experimento.

A partir desses dados, decidiu-se por confrontar o número de encontros e novos encontros com as distâncias percorridas.


TABELA 3 distância percorrida X nº de encontros (ator feminino) REF

DATA

DIA

DISTÂNCIA (KM)

M001_D01

17/ago/15

seg

57,7

540

9,36

M001_D02

18/ago/15

ter

74,2

732

9,87

M001_D03

19/ago/15

qua

28,1

408

14,52

M001_D04

20/ago/15

qui

20

392

19,60

M001_D05

21/ago/15

sex

33

612

18,55

M001_D06

22/ago/15

sáb

38,2

475

12,43

M001_D07

23/ago/15

dom

2,6

374

143,85

36,26

504,71

13,92

MÉDIA

ENCONTROS ENCONTROS / KM

TABELA 3

ATOR FEMININO | encontros X dia da semana 800 732,00

600

612,00

540,00 400

408,00

504,71

475,00 392,00

374,00

200

IA M

ÉD

m do

b sa

x se

i qu

a qu

te r

se

g

0

ator feminino FIGURA 18

ATOR FEMININO | encontros/km X dia da semana 100

143,85

75 50 25

M

ÉD

m do

b

IA

13,92

12,43

sa

x

18,55

se

i

19,60

qu

a

r

14,52

qu

se

g

0

9,87

te

9,36

ator feminino FIGURA 19


TABELA 4 distância percorrida X nº de novos encontros (ator feminino) REF

NOVOS NOVOS ENCONTROS ENCONTROS / KM

DATA

DIA

DISTÂNCIA (KM)

M001_D01

17/ago/15

seg

57,7

540

9,4

M001_D02

18/ago/15

ter

74,2

702

9,5

M001_D03

19/ago/15

qua

28,1

352

12,5

M001_D04

20/ago/15

qui

20

235

11,8

M001_D05

21/ago/15

sex

33

439

13,3

M001_D06

22/ago/15

sáb

38,2

345

9,0

M001_D07

23/ago/15

dom

2,6

153

58,8

36,26

395,14

10,9

MÉDIA

TABELA 4

ATOR FEMININO | novos encontros X dia da semana 800 702,00

600 540,00 400

439,00 352,00

200

395,14

345,00 235,00 153,00

IA M

ÉD

m do

b sa

x se

i qu

a qu

te r

se

g

0

ator feminino FIGURA 20

ATOR FEMININO | novos encontros/km X dia da semana 100 75 58,85

50

FIGURA 21


M

ÉD

m

IA

10,90

do

b

9,03

sa

x

13,30

se

i

11,75

qu

a

te

ator feminino

12,53

qu

9,46

r

9,36

se

0

g

25

Ator masculino O ator masculino, no caso, o autor, é um homem heterossexual, então com 28 anos, morador da Tijuca e mestrando. Anteriormente ao período do estudo, já havia utilizado a ferramenta por cerca de seis meses de forma intermitente, o que influencia o dado dos novos encontros, ou seja, eles tendem a acontecer numa proporção menor do que para um usuário novo. Fez a maior parte de seus deslocamentos via bicicleta e transporte público, circulando principalmente pela Tijuca, com eventuais deslocamentos até o Flamengo (FIGURA 22, na página seguinte). Os dados desse ator podem ser encontrados na tabela (Tabela 5) e no gráfico (Figura 21) abaixo: TABELA 5 | diário de uso (ator masculino) DATA

DIA

DISTÂNCIA (KM)

ENCONTROS

NOVOS ENCONTROS

ENCONTROS INTERESSANTES

CONHECIDOS

H001_D01

17/ago/15

seg

8,8

176

117

16

1

H001_D02

18/ago/15

ter

12,2

202

117

16

1

H001_D03

19/ago/15

qua

21,7

251

139

24

0

H001_D04

20/ago/15

qui

8,2

136

65

10

0

H001_D05

21/ago/15

sex

8,9

136

44

14

0

H001_D06

22/ago/15

sáb

8,1

63

36

5

0

H001_D07

23/ago/15

dom

0,1

9

6

1

0

68

973

524

86

2

REF

TOTAL

TABELA 5 Dados de uso do ator masculino.

ATOR MASCULINO | diário de uso 300 251

225 150

202 176 117

117

8,8

12,2

16

16

75 0

encontros FIGURA 21


139

136

21,7

65 8,2

24

novos encontros

10

136

8,9 44 14

encontros interessantes

63 8,1 36 5

distância (Km)

0,1 961

FIGURA 22

A partir desses dados, decidiu-se por confrontar o número de encontros e novos encontros com as distâncias percorridas. TABELA 6 distância percorrida X nº de encontros (ator masculino) REF

DATA

DIA

DISTÂNCIA (KM)

H001_D01

17/ago/15

seg

8,8

176

20,00

H001_D02

18/ago/15

ter

12,2

202

16,56

H001_D03

19/ago/15

qua

21,7

251

11,57

H001_D04

20/ago/15

qui

8,2

136

16,59

H001_D05

21/ago/15

sex

8,9

136

15,28

H001_D06

22/ago/15

sáb

8,1

63

7,78

H001_D07

23/ago/15

dom

0,1

9

90,00

9,71

139,00

14,31

MÉDIA

TABELA 6


ENCONTROS ENCONTROS / KM

ATOR MASCULINO | encontros X dia da semana 800 600 400 251,00 63,00

9,00

M

sa

se

b

x

i qu

qu

se

te

g

r

a

0

139,00

IA

136,00

ÉD

136,00

m

200

202,00

do

176,00

ator masculino FIGURA 23

ATOR MASCULINO | encontros/km X dia da semana 100

90,00

75 50 25

20,00

16,56

16,59

11,57

15,28

14,31

7,78

TABELA 7 distância percorrida X nº de novos encontros (ator masculino) NOVOS NOVOS ENCONTROS ENCONTROS / KM

DATA

DIA

DISTÂNCIA (KM)

H001_D01

17/ago/15

seg

8,8

117

13,30

H001_D02

18/ago/15

ter

12,2

117

9,59

H001_D03

19/ago/15

qua

21,7

139

6,41

H001_D04

20/ago/15

qui

8,2

65

7,93

H001_D05

21/ago/15

sex

8,9

44

4,94

H001_D06

22/ago/15

sáb

8,1

36

4,44

H001_D07

23/ago/15

dom

0,1

6

60,00

9,71

74,86

7,71

TABELA 7


IA ÉD M

FIGURA 24

MÉDIA

m

sa

se

ator masculino

REF

do

b

x

i qu

a qu

se

te r

g

0

ATOR MASCULINO | novos encontros X dia da semana 800 600 400

65,00

44,00

36,00

b

74,86

M

sa

x se

i qu

qu

se

te

g

r

a

0

6,00

IA

139,00

ÉD

117,00

m

117,00

do

200

ator masculino FIGURA 25

ATOR MASCULINO | novos encontros/km X dia da semana 100 75

60,00

50 25

13,30

9,59

6,41

7,93

4,94

7,71

4,44

M

ÉD

IA

m do

b sa

x se

i qu

a qu

se

te r

g

0

ator masculino FIGURA 26

Comparação entre o comportamento espacial dos atores feminino e masculino COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | encontros X dia da semana 800 732,00 612,00

200

408,00 251,00

392,00 136,00

374,00 136,00

63,00

b

9,00

M

sa

x se

i qu

a qu

r te

se

g

0

139,00

IA

176,00

202,00

504,71

475,00

m

400

ÉD

540,00

do

600

ator feminino FIGURA 27

ator masculino

COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | encontros X dia da semana 732

800

612

600 540

475

408 400 200

374

251

202

176

392

136

136

63

9

ator feminino

m do

sa

se

b

x

i qu

qu

se

te

g

r

a

0

ator masculino

FIGURA 28

COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | encontros/km X dia da semana 160 143,85

120

90,00 80

14,31 13,92

M

ÉD

IA

m do

b

7,78 12,43

sa

x

15,28 18,55

se

i

16,59 19,60

qu

te r

se

11,57 14,52

a

16,56 9,87

g

0

20,00 9,36

qu

40

ator feminino

ator masculino

FIGURA 29

COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | novos encontros X dia da semana 800 702,00

600 540,00

439,00 117,00

139,00

235,00 65,00

44,00

36,00

b

M

sa

x se

i qu

a qu

r te

se

g

0

74,86

153,00 6,00

m

117,00

do

200

395,14

345,00

IA

352,00

ÉD

400

ator feminino FIGURA 30


ator masculino

COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | novos encontros X dia da semana 800 702,00

600 540,00

439,00 139,00

117,00

235,00 65,00

44,00

36,00

b

M

sa

x se

i qu

qu

se

te

g

r

a

0

74,86

153,00 6,00

m

117,00

do

200

395,14

345,00

IA

352,00

ÉD

400

ator feminino

ator masculino

FIGURA 31

COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | novos encontros X dia da semana 800

702

600 540 439 400

352

200 117

139

345 235

117

153

65

44

36

6

ator feminino

m do

sa

b

x se

qu

i

a qu

se

te r

g

0

ator masculino

FIGURA 32

COMPARAÇÃO ENTRE ATORES | novos encontros/km X dia da semana 160 120 80

60,00 58,85

M

ÉD

m do

b

IA

7,71 10,90

9,034,44

sa

x

qu

13,304,94

se

7,93 11,75

i

6,41 12,53

qu

r

9,59 9,46

te

se

g

0

13,30 9,36

a

40

ator feminino FIGURA 33


ator masculino

Observações sobre os dados 1) A rede do happn e a segregação espacial Logicamente, seria de se esperar que o número de encontros crescesse proporcionalmente às distâncias percorridas pelos atores, porém isso não foi observado. Pelo contrário, a razão número de encontros X distância percorrida do ator feminino foi constantemente superior a do ator masculino. Após essa observação, considerei a hipótese que poderia haver uma desproporcionalidade entre o número de homens e mulheres na rede do happn, o que de fato acontece em alguns serviços de namoro online, e que poderia ser a origem dessa desproporção. Embora essa hipótese não possa ser descartada, o dia 03 do ator masculino aponta para outra explicação. Nesse dia, apesar de ter percorrido uma distância maior que a dos outros dias, podemos observar um pico do número de encontros, desproporcional aos outros dias, mesmo considerada a maior distância percorrida. Acontece que nesse dia, parte do percurso do ator masculino foi pela Zona Sul do Rio de Janeiro, área consideravelmente mais rica do que o seu percurso tradicional (Tijuca). Isso indica que pode haver uma forma de segregação econômica na rede do happn: o maior número de pessoas das classes mais ricas da Zona Sul estaria relacionado a um maior número de smartphones e, consequentemente, a uma rede de usuários do happn mais numerosa, gerando maior número de encontros. É interessante considerar como dinâmicas espaciais completamente externas a uma rede digital podem influenciar seu uso e serve para atentarmos como os efeitos perversos de fenômenos urbanos como a segregação espacial podem se manifestar nessas redes. Uma outra explicação para esse achado, coincidentemente também relacionada a questão da segregação, poderia ser que, com a popularização do Tinder, parte de seus usuários poderia ter migrado para o happn (lembrando que é perfeitamente possível ter os dois aplicativos instalados ao mesmo tempo), fazendo do happn a opção “hipster”, um fenômeno também associado às classes mais altas.

Contudo, devemos notar que a segregação está no espaço ou no uso da ferramenta, não na ferramenta em si. Mesmo num espaço altamente segmentado, como por exemplo um restaurante fino, o happn não distingue entre o cliente e o funcionário da cozinha, ele apenas registra a copresença e o encontro que se deu naquele espaço. Assim, se o happn por um lado reproduz uma segregação que é real e presente, por outro ele também pode funcionar para superá-la Ressalto ainda que este é um exemplo de fenômeno que ressalta porque precisamos hoje associar o estudo das redes digitais aos estudos urbanos: a medida que essas redes se associam à cidade, elas podem reproduzir e mesmo potencializar problemas e desafios urbanos como esse. 2) O happn e a questão ‘transporte público X transporte particular’ Os diferentes transporte públicos são talvez o principal local de contato e interação com o Outro numa cidade. Usados todos os dias por milhões pessoas de diferentes classes sociais, etnias, sexualidades, crenças religiosas, etc., são locais de explosão de diversidades e contato entre diferentes identidades como poucos na sociedade brasileira e carioca. Apresentam geralmente também, em especial durante os horários de pico, grande concentração de pessoas. Poderíamos pensar, então, que o transporte público seria um lugar onde o uso do happn geraria um grande número de encontros, principalmente em transporte de grande capacidade, como o metrô. De fato, parece existir algo como uma certa fantasia com os/as “desconhecidos/desconhecidas sexys do metrô”, de tal modo que em Londres há um aplicativo de encontros chamado Spark que funciona somente no metrô da capital inglesa (Biddlecomb, 2015). Assim, poderíamos pensar que o happn funcionaria como um estímulo, ainda que pequeno e simples ao uso do transporte público. Contudo, o happn, por uma limitação de alcance das redes GPS e celular 3G, que não funcionar em túneis subterrâneos, como os da Linha 1 do Metrô Rio, não é capaz de capturar esses encontros e estimular o uso desse transporte público em particular. Aliás, curiosamente, o happn parece, pelo contrário, estimular levemente o transporte particular.

Como já vimos anteriormente, o ator feminino, que utilizou majoritariamente carro particular e, por vezes, táxi, teve constantemente maior número de encontros que o ator masculino, que utilizou quase exclusivamente da combinação transporte público e bicicleta. 3) O happn como ferramenta de pesquisa •Algo que, embora não fosse minha meta, acabei por descobrir também durante esse experimento é o alcance e a eficiência que uma ferramenta digital simples, projetada para marcar o simples encontro, ou quase-encontro, de dois atores no espaço urbano, pode ter para a pesquisa em ciências sociais. O que foi realizado aqui é apenas uma pequena amostra, porém, caso fosse ampliado o número e a diversidade dos atores (de modo a incluir diferentes sexualidades, etnias, classes sociais, etc.), tal experimento possivelmente seria capaz de capturar redes de interação social urbana que alguns anos atrás demandariam pesquisas longas e caras, envolvendo provavelmente dezenas de pesquisadores. Porém, como pudemos observar, correlacionando os dados obtidos através de uma pesquisa que durou não mais que uma semana com outras fontes, como dados socioeconômicos, de densidade populacional, raciocínio indutivo e até mesmo um pouco de teoria pura, pudemos inferir correlações que nos ajudam a compreender um pouco melhor as dinâmicas das interações entre diferentes atores sociais urbanos. É até mesmo possível utilizá-la para realizar um modelo bottom-up de políticas públicas.

CAPÍTULO 6
 CONCLUSÃO E CONSIDERAÇŌES FINAIS Ao final desse trabalho, levando em conta a série de conceituações vistas na literatura e discutidas nesta abordagem, gostaria de trazer e enfatizar três pontos que parecem centrais no estudo das interferências entre redes sociais digitais e dinâmica de encontros em espaços urbanos – a serem posteriormente, complementados com outras considerações. 1) A cidade não perde força como locus principal de sociabilidade com o surgimento dos espaços digitais Como observamos no exame da literatura e nos usos de um aplicativo de redes sociais articuladas em torno do registro digital dos encontros e quase-encontros na cidade, as tecnologias da comunicação e as redes digitais já são hoje parte inseparável das interações sociais nos centros urbanos. Mais especificamente, não encontro indícios, pelo menos dentro do escopo desta pesquisa, de que estejamos nos tornando uma sociedade de pessoas ‘juntas e sozinhas’ como afirma Turkle (2012a). Pelo contrário, em um contexto ainda em franco movimento, se existe algo que parece claro é a resiliência (no sentido de adaptabilidade) dos laços e interações sociais que constituem grupos sociais. Ao contrário do que pensam alguns, as redes sociais com existência digital ou constituídas por meios das TICs não parecem se opor as redes urbanas e ao convívio social no espaço público. Pelo contrário, redes sociais digitais como a do happn parecem reforçar certo papel da cidade como o locus da sociabilidade e do encontro. As trocas nas redes sociais analisadas parecem somar-se a esse gigantesco e complexo produto social que é a cidade, tornando a possibilidade de encontros ainda mais diversa. Tampouco parecem destruir a coesão social de grupos coabitando a cidade – mas certamente adicionam eventos que alteram suas dinâmicas e modificam – se não a diversidade interna – a composição de conjuntos de relacionamentos e contatos. Efetivamente, vemos a incorporação de um novo meio aos hábitos de socialização – um meio digital, em diálogo ao menos parcial com os eventos e situações do encontro urbanos.

Portanto, também as práticas sociais suportadas pela cidade são modificadas nesse processo. Novas socialidades tomam corpo, com novas formas de se conectar socialmente e novas maneiras de se criar conexões significativas. Contudo, a mudança de hábitos sociais parece acontecer para além da tecnologia e independente dela. Essas interações, essas conexões, essa ansiedade pelo contato é antes de tudo uma ansiedade humana básica, sendo mesmo uma das bases de orgiem das cidades como fenômeno social, econômico, e tecnológico. Concordo com Wellman et al. (2003) quando afirmam que: a Internet está facilitando mudanças sociais que vem se desenvolvendo por décadas nos modos como as pessoas se contatam, interagem, e obtém recursos um dos outros. Ainda assim, a Internet não é tecnologicamente determinística. Mesmo antes do surgimento da Internet, outros fenômenos ecônomicos e tecnológicos afetaram a transição de grupos para redes. Ainda, porém, que o impacto da Internet e, por extensão, do atual desenvolvimento das TIC e das CMC, sobre a vida social da cidade possa ser significativo, como colocam os autores colocam acima – e esse impacto ainda precisa ser estimado mais precisamente – ele não parece ser o fator determinante. Como coloca Pierre Lévy (1993, p. 10), a tecnologia é condicionante, não determinante. Desse modo, ainda que a atuação da Internet possibilite novas práticas sociais no espaço urbano, há uma grande margem de iniciativa e interpretação para os atores humanos que vivem essas socialidades. Assim, parece que ideias de que redes digitais como a Internet ameaçam a coesão social ou de que a ‘morte das cidades’ é algo que devemos temer no futuro devem ser abandonadas. A dinâmica de criação de laços sociais se mostra resiliente e, embora expressa fundamentalmente pelos nossos processos comunicativos presenciais, englobam outros formas de comunicação . 2) Os estudos urbanos devem, ainda assim, olhar com maior atenção para os espaços digitais Creio ser necessária essa afirmação por dois diferentes motivos. Primeiramente, seria um erro olhar para as interações sociais ocorridas nos espaços digitais como menos importantes ou assumir, a priori, que seus impactos se ficam restritos às telas. Interações e trocas em ambiente digitais são tão reais, como comunicação, quanto as que ocorrem no espaço urbano, e seus

efeitos podem se desdobrar no espaço da cidade e na sociedade como um todo. Novas interações e encontros causam alterações ‘cadeia abaixo’ no tempo que terminam por se estender por toda a topologia das relações entre atores em um contexto social (veja Gravonetter, 1978). Se esse é o caso, ferramentas digitais de socialização tem o mesmo potencial. Até o momento, e porque sistemas sociais não têm transparência para os atores, as redes digitais parecem modificar uma fração ainda pequena de interações e relações sociais. Mas é possível antecipar que essas modificações tendam a repercutir em outras composições dentro das dinâmicas sociais da cidade, gerando efeitos que a rigor tem o potencial de mudar cenários sociais amplos. Ao mesmo tempo, ferramentas como o Happn permitem que encontros animados ou gerados no ambiente digital incorporem eventos ‘concretos’, ocorridos nas ruas – sendo portanto ao mesmo tempo modificadas por elas. Vimos no Capítulo 2 os fenômenos de manifestações e flash mobs que, organizadas através das redes comunicacionais das cidades, invadem, ocupam e reclamam o espaço da cidade como espaço político e de convivência. Vimos no Capítulo 3 como redes digitais como a do happn, podem incorporar simbolicamente o espaço da cidade como um espaço de interação e encontros, potencializando a serendipidade inerente ao reator social que é a cidade. Ainda que o espaço urbano seja histórica e materialmente anterior ao espaço digital, essa senioridade não parece se converter em hierarquia. Vimos no Capítulo 4, ainda sobre rede social do happn, como as consequências da segregação espacial podem ser reproduzida através de uma ferramenta digital, possivelmente estimulando a homofilia ou homogeneidade em redes sociais. Este é certamente uma questão para futura pesquisa no tema. Simultaneamente, a ‘[t]ecnologia não é algo que simplesmente aparece mas o resultado de um processo de projeto e desenvolvimento complexo e socialmente situado’ (Introna, 2007, p. 13)66. Assim, uma vez que os espaços digitais podem impactar o espaço da cidade, faz-se por vezes necessária uma desconstrução crítica desse processo de produção social da tecnologia, e uma decomposição das forças que atuam sobre ele. 3) Não parece mais ser possível falar em redes urbanas e redes digitais isoladamente

66

“technology does not simply appear but is the outcome of a complex and socially situated development and design process.”

Uma das principais conclusões a uma reflexão dessa natureza é que a construção de abordagens capazes de relacionar intrinsicamente as redes urbanas e digitais se faz necessária: se o objeto de estudo é a vida social ou a constituição de grupos sociais, simplesmente não parece mais possível olhar para a cidade sem olhar para as outras redes de comunicação que a envolvem. Talvez já não seja interessante falarmos de redes urbanas e redes digitais de forma independente, mas de um novo fenômeno, que poderíamos chamar ‘redes urbano-digitais’, uma vez que a compreensão das interações sociais às quais a cidade dá suporte passa pela compreensão das redes de comunicação das quais ela está permeada. As análises teóricas e empíricas realizadas durante a pesquisa sugerem que os meios digitais, quando atrelados à materialidade da cidade tendem a potencializar as características do espaço urbano, se beneficiam simultaneamente dessas mesmas especificidades. Outras considerações Ao começar o estudo, eu entendia que as atuações do digital sobre a cidade se dariam na forma de interferências: uma vez que o espaço urbano antecede o espaço digital historicamente, ele estaria em posição superior ao segundo em uma espécie de hierarquia material. Meu estudo pensava, então, capturar essas interferências e mesmo denunciá-las. Com o desenvolvimento do estudo, porém, meu ponto de vista mudou. Apesar de ser materialmente anterior ao espaço da cidade, não entendo, hoje, o espaço digital como mais frágil em relação ao concreto, mas envolvendo uma condição material diferente. É compreensível a apreensão de muitos quando confrontados pelas reviravoltas causadas pelo desenvolvimento das TIC. Certamente vivemos uma época de transição, quando as incertezas provocadas pelos diversos acontecimentos sociais e econômicos de um século que se inicia parecem estar virando o mundo do avesso. Alguns entendem que as pessoas estão mais isoladas, outros defendem que elas estariam mais unidas em torno de uma sociabilidade que ainda não entendemos inteiramente; alguns vêem as pessoas mais politizadas, enquanto outros afirmam que a politização de qualquer aspecto do cotidiano está tornando a comunicação e a vida social mais problemáticas. Naturalmente, cada uma dessas visões e críticas tem sua importância. No entanto, ao pensarmos a influência das TIC sobre a sociedade e os espaços – materiais e imateriais, concretos e digitais – onde ela acontece, é importante irmos além des-

ses dualismos. Se o mundo parece em rápida transformação, devemos perceber que, parafraseando Murakami, “o mundo não é virado de ponta-cabeça assim tão fácil, são as pessoas que se deixam (ou não) virar de ponta-cabeça.”67 Com isso quero dizer que, assim como Pierre Lévy, entendo a tecnologia como condicionante, sem no entanto ser determinante (1993, p. 18). O desenvolvimento das TIC nos oferece novas possibilidades, é claro; e pode mesmo apontar caminhos e formas de socialização, mas em última análise não pré-define se a sociedade irá ou não seguí-los.

! Cf. Murakami, 2014. Tradução do autor. 67

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABREU, Maurício de Almeida. Sobre a memória das cidades. 1998. AGRE, Philip. Computation and human experience. 1997. ALLAMANIS, Miltiadis; SCELLATO, Salvatore; MASCOLO, Cecilia. Evolution of a location-based online social network: analysis and models. In: Proceedings of the 2012 ACM conference on Internet measurement conference. ACM, 2012. p. 145-158. ALLYN, David. Make love, not war: The sexual revolution, an unfettered history. 2001. ALMEIDA MATTOS, Andréa Machado de. Estudo com diários. Revista de Estudos da Linguagem, v. 8, n. 1, p. 147-158, 1999. AZUMA, Ronald T. A survey of augmented reality. Presence: Teleoperators and virtual environments, v. 6, n. 4, p. 355-385, 1997. BABBIE, Earl. The practice of social research. 2015. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulações. Lisboa: Relógio d’água, 1991. BARBROOK, Richard; CAMERON, Andy. The californian ideology. Science as Culture, v. 6, n. 1, p. 44-72, 1996. BARBROOK, Richard. The hi-tech gift economy. first monday, v. 3, n. 12, 1998. BARBROOK, Richard; CAMERON, Andy. Californian ideology. In P. Ludlow (Ed.), Cyrpto Anarchy, Cyberstates, and Pirate Utopias, 2001. BAILEY, Kathleen M.; OCHSNER, Robert. A methodological review of the diary studies: Windmill tilting or social science. Second language acquisition studies, p. 188-198, 1983. BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. BETTENCOURT, Luís MA. The origins of scaling in cities. science, v. 340, n. 6139, p. 1438-1441, 2013. BLACKALL, S. Missed Connections: Love, lost and found. New York: Workman, 2011. BRANCO, Livro. A política europeia de transportes no horizonte 2010: a hora das opções. Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 2001. BRAZIEL, Stephanie. Why Swipe Right? An ethnographic exploration of how college students use Tinder. 2015.

CAIRNCROSS, Frances. The death of distance: How the communications revolution is changing our lives. 2001. CALLON, Michel. Actor-network theory—the market test. The Sociological Review, v. 47, n. S1, p. 181-195, 1999. CALLON, Michel; LAW, John. After the individual in society: Lessons on collectivity from science, technology and society. Canadian Journal of Sociology/Cahiers canadiens de sociologie, p. 165-182, 1997. CAREN, Neal; GABY, Sarah. Occupy online: Facebook and the spread of Occupy Wall Street, 2011. CARR, Nicholas. Is Google making us stupid?. Yearbook of the National Society for the Study of Education, v. 107, n. 2, p. 89-94, 2008. CARR, Nicholas. The shallows: What the Internet is doing to our brains. WW Norton & Company, 2011. CARR, Nicholas. The glass cage: Where automation is taking us. Random House, 2016. CASTELLS, Manuel. The information age: economy, society and culture. Vol. 1, The rise of the network society. Oxford: Blackwell, 1996. CASTELLS, Manuel. A galáxia internet–reflexiones sobre Internet y sociedad. Barcelona: Plaza & Janés/Areté, 2001. CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e de esperança. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2013. CASTAÑEDA, Ernesto. The indignados of Spain: a precedent to occupy wall street. Social Movement Studies, v. 11, n. 3-4, p. 309-319, 2012. CHEANG, Michael. Older adults' frequent visits to a fast-food restaurant: Nonobligatory social interaction and the significance of play in a “third place”. Journal of Aging Studies, v. 16, n. 3, p. 303-321, 2002. CHEN, Terence; KAAFAR, Mohamed Ali; BORELI, Roksana. The Where and When of Finding New Friends: Analysis of a Location-based Social Discovery Network. In: ICWSM. 2013. CHO, Eunjoon; MYERS, Seth A.; LESKOVEC, Jure. Friendship and mobility: user movement in location-based social networks. In: Proceedings of the 17th ACM SIGKDD international conference on Knowledge discovery and data mining. ACM, 2011. p. 1082-1090.

DE LANGE, Michiel; DE WAAL, Martijn. Owning the city: New media and citizen engagement in urban design. First Monday, v. 18, n. 11, 2013. DE SANTANA, Vagner Figuerêdo et al. Redes sociais online: desafios e possibilidades para o contexto brasileiro. em Semish, 2009. DE WAAL, Martijn. 1 The Ideas and Ideals in Urban Media. From Social Butterfly to Engaged Citizen: Urban Informatics, Social Media, Ubiquitous Computing, and Mobile Technology to Support Citizen Engagement, p. 5, 2011. DE WAAL, B. G. M. The city as interface. Digital Media and the Urban Public Sphere, 2012. DELONGIS, Anita; HEMPHILL, Kenneth J.; LEHMAN, Darrin R. A structured diary methodology for the study of daily events. Methodological issues in applied social psychology, p. 83-109, 1992. DUCHENEAUT, Nicolas; MOORE, Robert J.; NICKELL, Eric. Virtual “third places”: A case study of sociability in massively multiplayer games. Computer Supported Cooperative Work (CSCW), v. 16, n. 1-2, p. 129-166, 2007. FIGUEIREDO, Lino Manuel Baptista. Sistemas inteligentes de transporte. 2005. Tese de Doutorado. Universidade do Porto. FARIAS, Ignacio; BENDER, Thomas (Ed.). Urban assemblages: How actor-network theory changes urban studies. Routledge, 2012. FINKEL, Eli J. et al. Online dating a critical analysis from the perspective of psychological science. Psychological Science in the Public Interest, v. 13, n. 1, p. 3-66, 2012. FITZGERALD, Elizabeth. Towards a theory of augmented place. Bulletin of the Technical Committee on Learning Technology, v. 14, n. 4, p. 43-45, 2012. FLORIDA, Richard. The economic geography of talent. Annals of the Association of American geographers, v. 92, n. 4, p. 743-755, 2002. FLORIDA, Richard. The rise of the creative class. 2004. FLORIDA, Richard. Who's your city?: How the creative economy is making where to live the most important decision of your life. Vintage Canada, 2010. FLORIDA, Richard; MELLANDER, Charlotta; RENTFROW, Peter J. The happiness of cities. Regional Studies, v. 47, n. 4, p. 613-627, 2013. FREITAS, Donna. The end of sex: How hookup culture is leaving a generation unhappy, sexually unfulfilled, and confused about intimacy. 2013.

GAMBS, Sébastien; HEEN, Olivier; POTIN, Christophe. A comparative privacy analysis of geosocial networks. In: Proceedings of the 4th ACM SIGSPATIAL International Workshop on Security and Privacy in GIS and LBS. ACM, 2011. p. 33-40. GARCIA, Justin R. et al. Sexual hookup culture: A review. Review of General Psychology, v. 16, n. 2, p. 161, 2012. GARCIA, Justin R.; REIBER, Chris. Hook-up behavior: A biopsychosocial perspective. Journal of Social, Evolutionary, and Cultural Psychology, v. 2, n. 4, p. 192, 2008. GIDDENS, Anthony. The constitution of society: Outline of the theory of structuration. Univ of California Press, 1984. GIULIANO, Karissa. Tinder swipes right on monetization Disponível em , acesso em 5/abr,2016. GOFFMAN, Erving. Involvement. Behavior in public places. 1966. GOFFMAN, Erving. The presentation of self in everyday life. 1978. GOFFMAN, Erving. Behavior in public places. 2008. GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. A representação do eu na vida cotidiana, 2011. GONÇALVES, Elizabeth; RENÓ, Denis; MIGUEL, Katarini. Narrativa transmídia, ativismo e os multiplos discursos dos protestos brasileiros de 2013. Chasqui (13901079), n. 123, 2013. GORE, Georgiana. Flash mob dance and the territorialisation of urban movement. Anthropological Notebooks, v. 16, n. 3, p. 125-131, 2010. GRABAR, Henry. Smartphones and the Uncertain Future of'Spatial Thinking'. CITYLAB, 2014. HALPIN, Harry; CLARK, Andy; WHEELER, Michael. Towards a philosophy of the web: representation, enaction, collective intelligence. 2010. HAMPTON, Keith N. et al. The social life of wireless urban spaces. Contexts, v. 9, n. 4, p. 52-57, 2010. HAMPTON, Keith N.; LIVIO, Oren; SESSIONS GOULET, Lauren. The social life of wireless urban spaces: Internet use, social networks, and the public realm. Journal of communication, v. 60, n. 4, p. 701-722, 2010.

HAMPTON, Keith N.; GOULET, Lauren Sessions; ALBANESIUS, Garrett. Change in the social life of urban public spaces: The rise of mobile phones and women, and the decline of aloneness over 30 years. Urban Studies, v. 52, n. 8, p. 1489-1504, 2015. HARAWAY, Donna. A cyborg manifesto: science, technology, and socialist-feminism in the late twentieth century. Simians, cyborgs and women: the reinvention of nature, p. 149-82, 1991. HARAWAY, Donna. Simians, cyborgs, and women. 1991. HEIDEGGER, Martin. Sein undZeit. Tubinga: Niemeyer, v. 17, p. 71, 1927. HERZOG, Lawrence A. Return to the center: culture, public space, and city-building in a global era. University of texas Press, 2010. HILLIER, Bill. Space is the machine: a configurational theory of architecture. 2007. HORTA, Mauricio. Luxúria: Como ela mudou a História do Mundo-Série Sete Pecados na História. Leya, 2015. INTRONA, Lucas D. Maintaining the reversibility of foldings: Making the ethics (politics) of information technology visible. Ethics and Information Technology, v. 9, n. 1, p. 11-25, 2007. JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. 2000. JIANG, L.; BAZAROVA, Natalie N.; HANCOCK, Jeffrey T. The Disclosure–Intimacy Link in Computer-Mediated Communication: An Attributional Extension of the Hyperpersonal Model. Human Communication Research, v. 37, n. 1, p. 58-77, 2011. JO SALES, N. Tinder and the Dawn of the “Dating Apocalypse”. Vanity Fair, September, 2015. KLEINMAN, Arthur. The illness narratives: Suffering, healing, and the human condition. 1988. KLUITENBERG, Eric. The network of waves: Living and acting in a hybrid space. Open, v. 11, n. 6, p. 6-16, 2006. KUNZRU, Hari. “Você é um ciborgue”: Ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano / organização e tradução Tomaz Tadeu – 2. ed. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2009. KUNZRU, Hari. Genealogia do ciborgue. Antropologia do ciborgue: as vertigens do póshumano / organização e tradução Tomaz Tadeu – 2. ed. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2009.

KURZWEIL, Ray. Ser humano versão 2.0. Folha de São Paulo, v. 23, n. 03, p. 2003, 2003. LATOUR, Bruno. Science in action: How to follow scientists and engineers through society. Harvard university press, 1987. LATOUR, Bruno. Technology is society made durable. The Sociological Review, v. 38, n. S1, p. 103-131, 1990. LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. 1994. LATOUR, Bruno. On actor-network theory: a few clarifications. Soziale welt, p. 369-381, 1996. LATOUR, Bruno. On recalling ANT. The Sociological Review, v. 47, n. S1, p. 15-25, 1999. LATOUR, Bruno. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford University Press, 2005. LATOUR, Bruno. Politics of nature. 2009. LAW, John. Notes on the theory of the actor-network: Ordering, strategy, and heterogeneity. Systems practice, v. 5, n. 4, p. 379-393, 1992. LAW, John. After ANT: complexity, naming and topology. The Sociological Review, v. 47, n. S1, p. 1-14, 1999. LAW, John. Making a mess with method. Sage, 2007. LÉVY, Pierre; DA COSTA, Carlos Irineu. Tecnologias da inteligência, As. 1993. LÉVY, Pierre. O que é o Virtual; tradução de Paulo Neves. São Paulo: Ed, v. 34, 1996. LÉVY, Pierre. A máquina universo. Rio Grande do Sul: Artmed, 1998. LEMOS, André. A comunicação dos objetos: Teoria ator-rede e ciberculturab. São Paulo: Annablume, 2013. LI, Rui; FUEST, Stefan; SCHWERING, Angela. The effects of different verbal route instructions on spatial orientation. In: 17th AGILE Conference on Geographic Information Science. 2014. LISCHETZKE, Tanja. Daily diary methodology. Encyclopedia of quality of life and wellbeing research, p. 1413-1419, 2014. LONGHURST, Robyn. Using Skype to mother: bodies, emotions, visuality, and screens. Environment and Planning D: Society and Space, v. 31, n. 4, p. 664-679, 2013.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins, 1997. MEHTA, Vikas; BOSSON, Jennifer K. Third places and the social life of streets. Environment and Behavior, 2009. MILLARCH, Francisco. Net ideologies: From cyber-liberalism to cyber-realism. Cybersoc Magazine,(4). http://www. artefaktum. hu/it2/millarch. html (15.8. 2013), 1998. MOORE, Robert; HANKINSON GATHMAN, E.; DUCHENEAUT, Nicolas. From 3D space to third place: The social life of small virtual spaces. Human Organization, v. 68, n. 2, p. 230-240, 2009. MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensão do homem. 1964. NETTO, Vinicius M. Cidade & sociedade: as tramas da prática e seus espaços. ed. Sulina: Porto Alegre, 2014. NETTO, V. M.; PASCHOALINO, R.; PINHEIRO, M. Redes sociais na cidade, ou a condição urbana da coexistência. 2010. NETTO, Vinicius M. Cidade & sociedade: as tramas da prática e seus espaços. ed. Sulina: Porto Alegre, 2014. O'HARA, Kenton. Understanding geocaching practices and motivations. In: Proceedings of the SIGCHI Conference on Human Factors in Computing Systems. ACM, 2008. p. 11771186. OLDENBURG, Ramon; BRISSETT, Dennis. The third place. Qualitative sociology, v. 5, n. 4, p. 265-284, 1982. OLDENBURG, Ray. The great good place: Café, coffee shops, community centers, beauty parlors, general stores, bars, hangouts, and how they get you through the day. 1989. OLDENBURG, Ray. Our vanishing third places. Planning Commissioners Journal, v. 25, n. 4, p. 6-10, 1997. OLDENBURG, Ray. Celebrating the third place: Inspiring stories about the" great good places" at the heart of our communities. 2001. PAMPANELLI, Giovana Azevedo. A evolução do telefone e uma nova forma de sociabilidade: o flash mob. Razón y Palabra, n. 41, 2004. PAULOS, Eric; GOODMAN, Elizabeth. The familiar stranger: anxiety, comfort, and play in public places. In: Proceedings of the SIGCHI conference on Human factors in computing systems. ACM, 2004. p. 223-230.

RAO, Valentina. Facebook Applications and playful mood: the construction of Facebook as a third place. In: Proceedings of the 12th international conference on Entertainment and media in the ubiquitous era. ACM, 2008. p. 8-12. RHEINGOLD, Howard. Virtual Reality: Exploring the Brave New Technologies. 1991. ROGERS, Roo; BOTSMAN, Rachel. What’s mine is yours: the rise of collaborative consumption. 2010. ROSA, Ninon Girardon da; LUCENA, Amália de Fátima; CROSSETTI, Maria da Graça Oliveira. Etnografia e etnoenfermagem: métodos de pesquisa em enfermagem. Revista Gaúcha de Enfermagem. Porto Alegre. Vol. 24, n. 1 (jan. 2003), p. 14-22, 2003. SACCO, Donald F.; ISMAIL, Mohamed M. Social belongingness satisfaction as a function of interaction medium: Face-to-face interactions facilitate greater social belonging and interaction enjoyment compared to instant messaging. Computers in Human Behavior, v. 36, p. 359-364, 2014. SACKS, Danielle. The sharing economy. Fast company, v. 155, p. 88-131, 2011. SASSEN, Saskia. The global city: new york, london, tokyo. Princeton University Press, 2013. SCHUTZ, Alfred; LUCKMANN, Thomas. The structures of the life-world. 1973. SCHUTZ, Alfred. Sobre fenomenologia e relações sociais. Vozes, 2012. SCHWIENHORST, Klaus. The ‘third place’–virtual reality applications for second language learning. ReCALL, v. 10, n. 01, p. 118-126, 1998. SHERMAN, William R.; CRAIG, Alan B. Understanding virtual reality: Interface, application, and design. Elsevier, 2002. SHIELDS, Rob. Visualicity–on urban visibility and invisibility. In: from the conference paper ‘The city is in the eye of the beholder’given at the Visual Culture in Britain conference at the Tate Britain, London. 2002. SHIELDS, Rob. O que é que a olhadela comunica?. Contemporanea-Revista de Comunicação e Cultura, 2009. SIMMEL, Georg. Die mode. Philosophische Kultur, p. 25-57, 1911. SMART, Paul et al. Cognitive extension and the web. 2009. SMITH, Aaron; DUGGAN, Maeve. Online dating & relationships. Pew Internet & American Life Project, 2013.

SOUKUP, Charles. Computer-mediated communication as a virtual third place: building Oldenburg’s great good places on the world wide web. New Media & Society, v. 8, n. 3, p. 421440, 2006. STEINKUEHLER, Constance A.; WILLIAMS, Dmitri. Where everybody knows your (screen) name: Online games as “third places”. Journal of Computer-Mediated Communication, v. 11, n. 4, p. 885-909, 2006. STEINKUEHLER, Constance A. The new third place: Massively multiplayer online gaming in American youth culture. Tidskrift Journal of Research in Teacher Education, v. 3, n. 3, p. 17-32, 2005. WADLEY, Greg et al. Computer supported cooperative play,“third places” and online videogames. In: Proceedings 2003 Australasian Computer Human Interaction Conference (OzCHI 2003), Ergonomics Society of Australia, Canberra. 2003. p. 238-241. TADEU, Tomaz. Nós, ciborgues: O corpo elétrico e a dissolução do humano. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano / organização e tradução Tomaz Tadeu – 2. ed. – Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2009. TOBIN, Elizabeth et al. Stop Instant Messaging/Texting and Call Someone! The Downfalls of IM for Interpersonal Communication. 2014. TOWNSEND, Anthony Michael. Wired/unwired: The urban geography of digital networks. 2003. Tese de Doutorado. Massachusetts Institute of Technology. TURKLE, Sherry. Alone together: Why we expect more from technology and less from each other. Basic books, 2012. TURKLE, Sherry. The flight from conversation. The New York Times, v. 22, 2012. TWENGE, Jean M.; SHERMAN, Ryne A.; WELLS, Brooke E. Changes in American Adults’ Sexual Behavior and Attitudes, 1972–2012. Archives of sexual behavior, v. 44, n. 8, p. 2273-2285, 2015. VENTURINI, Tommaso; LATOUR, Bruno. The social fabric: Digital traces and quali-quantitative methods. Proceedings of Future En Seine, v. 2009, p. 87-101, 2010. VIRILIO, Paul. La bombe informatique. Galilee Book, 1998. VIRILIO, Paul. A bomba informática, trad. Luciano Vieira Machado, Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1999. XIA, Feng et al. Internet of things. International Journal of Communication Systems, v. 25, n. 9, p. 1101, 2012.

WALTHER, Joseph B.; LOH, Tracy; GRANKA, Laura. Let me count the ways the interchange of verbal and nonverbal cues in computer-mediated and face-to-face affinity. Journal of language and social psychology, v. 24, n. 1, p. 36-65, 2005. WEINSTEIN, Jamie; VENTRES, William. Mini-ethnography: meaningful exploration made easy. FAMILY MEDICINE-KANSAS CITY-, v. 32, n. 9, p. 600-610, 2000. WELLMAN, Barry et al. The social affordances of the Internet for networked individualism. Journal of Computer-Mediated Communication, v. 8, n. 3, p. 0-0, 2003. WERTHEIM, Margaret. História do Espaço de Dante à Internet. 2001. WHYTE, William Hollingsworth. The social life of small urban spaces. 1980.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.