A cidade submersa: produção da mídia exterior e representações mercantis de São Paulo

July 13, 2017 | Autor: M. Golobovante | Categoria: Urban Planning, Publicidade, Comunicação, Comunicacion Social, Publicidad, Cidades, Mídia, Cidades, Mídia
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Descrição do Produto

Maria da Conceição Golobovante

A cidade submersa: produção da mídia exterior e representações mercantis de São Paulo

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Tese de Doutorado em Comunicação e Semiótica PUC São Paulo 2004

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Maria da Conceição Golobovante

A cidade submersa: produção da mídia exterior e representações mercantis de São Paulo

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção

do

Comunicação

título e

de

Doutor

Semiótica,

sob

em a

orientação da Profa. Dra. Leda Tenório da Motta. Área de concentração: Signo e significação nas mídias.

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PUC São Paulo 2004

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PROGAMA DE ESTUDOS PÓS-GRADAUDOS EM COMUNICAÇÃO E SEMIÓTICA

Banca examinadora:

P Profa. Dra. Ana Zilocchi

Profa. Dra. Elaine Caramella

P Prof. Dr. Gino Giacomini Filho

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P Profa. Dra. Olgária Matos

P Profa. Dra. Leda Tenório da Motta (orientadora)

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Pesquisa de Doutorado realizada com o auxílio concedido pelo

CNPq



Conselho

Nacional

de

Desenvolvimento

Científico e Tecnológico, bolsa integral e bolsa-sanduíche, e pela PUC-SP, bolsa dissídio.

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Para d. Lourdes, Daniel e Rafael

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Agradecimentos Especiais

aos meus entrevistados, Sergio Viriato (Audimex), Thomas Assumpção (Urban Systems), Renata Tartuci (DataFolha), Norbert Maire (Metrobus), Marc Augé (EHESS), Wagner Yoshihara (Tônica Comunicação), Carlos Sganzerla (Klabin Kimberly Klark), Grace Vahle Franco (JCDecaux), Jorge Luiz Mussolin (Sepex), Marisa Gomes (IBGE), Lilah Carvalho (SEMPLA) e Gustavo Souza (FSEADE), pela generosidade com essa pesquisa.

à minha orientadora, Leda Tenório da Motta, pela referência de ética e integridade nesses quase oito anos de convivência, pelo apoio e paciência com os altos e baixos, enfim, pelo privilégio da escuta e pela comunhão em pensamentos transgressores.

aos caros Marli, Sadao e Regiane, pessoas raras, sem as quais esta tese não existiria senão em minha imaginação, pela interlocução generosa e paciente, Inarra e Marcão, pelos contatos, pela delicadeza e, sobretudo, pela ética e parceria nesse trânsito nem sempre tranqüilo entre o mercado e a academia. Paulinho, talentoso aluno do curso de Publicidade da PUC-SP. Rose Rocha e Gustavo Coelho de Souza, acho que nem vocês sabem o quanto foram preciosos nessa trajetória, valeu! Bob, pela casa-casulo, cara de anjo, afeto de peixe-boi e alma de Logum, Claudia, delicadeza em películas de espelhos memória, e também à Dimi, Jorane, ternura cabocla em 24 quadros, Amazona encarnada, por Paris, por Cannes, por tudo.... Ricardo, parceiro de tudo, deboche de tudo – pim!!! Rose, dignidade em estado de urgência, com quem aprendi a força do nãodito, Saraiva, grande Saraiva, energia + etnia = Ogum Tadeu, tão importante que nem sei.

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às pessoas que admiro, Lilia Chaves, Pedro Galvão, Silvia Borelli, pelo privilégio de compartilhar poucas mas inesquecíveis fatias de tempo... Agradecimentos

aos professores e funcionários da PUC Déa Fenellon, Jerusa Pires Ferreira e Rogério da Costa, porque docência é doação, Edna e Cida, pelo apoio e competência.

aos colegas, Sandra Mraz, liderança íntegra, pela compreensão nesses últimos tempos. Cecília Laudísio e à Regina Rizzo Ramires, pelas senhas.

às “minhas” cidades Belém, pelo ventre essência, fonte de tudo, São Paulo, pelo cais de concreto presente, e Paris, pelo spleen inacabado de choro-riso. A g r a d e c i m e n t o s ( mai s do qu e p el a tese, por tudo ...) Dedé e Tião, onde estiverem, Eli, irmandade renascida, distância próxima, e também pelas traduções, Miguel e Hugo, maravilhosos tios, Álvaro, pelo apoio sincero durante todos esses anos, André, Júnior, Cris e Celso, porque Paris será sempre Paris, Armando (amante amigo) pela poesia que é, Bel, companheira de rupturas e concretudes, Cássia, irmandade que ignora a geografia, Diego, que passou em minha vida como uma luz... e também à Chris. Elane, o melhor encontro desse percurso, generosa arquitetura humana,

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Fábio, amigo distante, leitor primeiro do texto embrião, Fabize, pingo valioso de amizade, ternura e bom-humor cotidianos, Fernando, irmandade dessa e de outras vidas, Fina e Simone, Paulo e Guilherme, pela inserção carinhosa e pelo afeto, Gi, a distância mais próxima que conheço, Heloisa, pela escuta de estórias sem tempo, apenas rindo, indo e vindo, Hygino, legalidade transgressora, generosidade contra tudo e todos, Ji (mena), menina de olhos doces e herdeira de todos os castelos imaginados, Jorge, virilidade gentil, cais para onde sempre posso voltar, Josy, delicadeza altiva na tessitura de textos encantados, Orlando, pela ansiedade de ser a todo instante, pulsão de vida e de arte, Osvaldo, meu maninho, e sua loucura salvadora, Rocha F., alma gêmea no VG diário onde cada nova vida comprova a impensável resistência e o link umbilical selva-sertão, Rogério Ferraraz e Marquinho, pelo alto astral de nossos encontros, Silvia Paverchi, mestra maestra e mãe de um trio maravilhoso, Sinval, pela paz de ser no toque das mãos, Sônia Célia, pela pedagogia do afeto, Tia Conceição, matinta marajoara emanando bondade, Tias queridas, pelas orações e ladainhas em latim, Zé Roberto, pelo companheirismo e pelas imagens poéticas do metrô concreto, Vanessa, a mais semiótica das secretárias, pelo exemplo de superação, Vasti, por se manter sempre ali, vastíssima em bondade e olhos meigos, Washington, por ter criado “O primeiro sutiã”, e a todos que me ajudaram a concluir esta tese.

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“Cidade sem anúncios, pra mim, é blecaute”. Grande Otelo

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Resumo Como a publicidade, por meio de seus principais atores, representa e mapeia a cidade de São Paulo? Qual a idéia de cidade presente nessas representações? E ainda: o que acontece por trás dessa paisagem publicitária? Tais questões implicam perceber a intencionalidade dos agentes que apreendem uma cidade sempre em fuga, dinâmica, onde os deslocamentos se alteram na medida em que o espaço é apropriado por todos que nela vivem e transitam. A opção metodológica enfatiza a representação (cartografias e índices de leitura) que determinados agentes do meio publicitário (Audimex, DataFolha e Urban Systems) produzem de São Paulo. Focam-se as relações entre os atores e os mecanismos implícitos dessa paisagem a partir de dois movimentos: a abordagem empírica que visa a analisar o problema sob a ótica da sua produção, ao apresentar e problematizar o conceito de mídia exterior e a configuração do setor. Quem são os atores, como eles se organizam, e, sobretudo, que tipo de representação eles constroem da cidade. Parte-se daí para a reflexão histórica da relação entre a publicidade e a cidade — aspectos da transformação e privatização da esfera pública: o espaço público como o espaço da “visibilidade”. A publicidade ao ar livre é a ocorrência mais antiga do fenômeno publicitário e a sua intensificação a partir do século XIX, quando as grandes metrópoles centrais assumem a frente da cena e influenciam as emergentes metrópoles periféricas, como São Paulo, no sentido de uma urbanização voltada para a racionalização dos fluxos e a estetização dos espaços públicos.

Palavras-chave: comunicação – mídia – publicidade – cidade – espaço urbano.

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Abstract The submerged city: the outdoor advertising and the production of the marketing landscape in São Paulo How does advertising, by means of its main actors, represent and map the city of Sao Paulo? How is the idea of the city presented in these advertisements? In addition, what happens behind this advertising landscape? Answering these questions will help us to better understand the intentions of the advertisers who attempt to understand the perceptions of a dynamic city always on the move. Therefore, advertising patterns will relocate according to where people live, their lifestyles and commuting patterns. The methodological alternative in this research emphasizes how the advertisements of some market research organization such as, DataFolha, Audimex and Urban Systems in Sao Paulo can be either graphic or textual. This research also focuses on the relationships between these actors and the implicit mechanisms of the landscape from two movements: 1) An empirical approach that analyzes the problem through its production when presenting and questioning the concept of outdoor advertising and the configuration of the sector; 2) Who the actors are, how they get organized, and last but not least, the kind of urban representations they build, and the criteria, data, strategies, analyses and concepts that guide the mercantile graphics of the city. With this information in hand, we can develop a historical analysis of the relationship between advertising and the city — aspects of the transformation and privatization of the public sphere: the public space as the space of “visibility”. It is important to note that outdoor advertising is the oldest example of the advertising phenomenon beginning in the nineteenth century. Its presence has grown and intensified since then. This phenomenon occurs when the central offices in the large metropolitan areas become center

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stage and influences the emerging suburban areas, as in Sao Paulo, where the direction of the urbanization takes into account the rationalization of the flow and aesthetics of the public spaces.

Key-words: space

marketing – communication – city – media – urban

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S u m á r i o Proposição CAPÍTULO I - Notícias da mídia exterior Mídia exterior: conceito em contraponto A dinâmica da produção: as atividades e os atores da Mídia Exterior São Paulo entre leis e placas Legislação e fiscalização: os interesses públicos e privados A polêmica da poluição visual A relação publicidade-mídia Forma e conteúdo da mídia exterior

CAPÍTULO II - cidade(publi)cidade: conceitos implexos Publicidade: o fazer-valer Marketing e publicidade Publicidade e cultura: desvios e aproximações A homogeneidade de um sistema de comunicação Arqueologia dos anúncios de rua A “polis” como o lugar da visibilidade e da “lexis” Tensões entre o público e o privado O urbano transformado em espetáculo Os lugares e as técnicas

CAPÍTULO III – Dos cartazes à mídia exterior, a constituição de um ofício Muralhas e mercados Consumo simbólico e intervenções urbanas no século XIX Panoramas e cartazes A era dos cartazistas Edifícios publicitários, cartazes arquitetônicos O modelo europeu de modernidade em São Paulo De cidade soturna a metrópole Anúncios e animação urbana O automóvel e a lógica circulatória A Cia. City e o plano de avenidas Os anúncios povoam São Paulo

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A metrópole e a consolidação da cidade de serviços

CAPÍTULO IV – Representações mercantis de São Paulo O modelo publicitário brasileiro em xeque A ascensão das empresas de pesquisas Demanda e oferta de pesquisas para a mídia exterior I V M E X ® — A visibilidade quantificada Metodologia Comentário técnico DataFolha Cidades São Paulo. A cartografia mercantil interativa A base de dados Metodologia Comentário técnico Urban Systems. Cidade mental e análise qualitativa Metodologia IQM do meio Outdoor em São Paulo Comentário técnico Análise comparativa

Conclusão Bibliografia Catálogos Periódicos Sites Nacionais Sites Internacionais

Lista de Figuras Figura 1. Outdoor (acervo pessoal). Figura 2. Mobiliário: abrigo de Ônibus (acervo pessoal). Figura 3. Mobiliário: relógio (acervo pessoal). Figura 4. Mídia móvel: táxi (acervo pessoal). Figura 5. Mídia móvel: caminhões (acervo pessoal). Figura 6. Empena/topo de prédio (acervo pessoal). Figura 7. Frontlight: outnet. Fonte: Meio& Mensagem. Figura 8. Painel Eletrônico (acervo pessoal). Figura 9. Anúncio Contato. Fonte: Meio& Mensagem. Figura 10. Anúncio outdoor. Fonte: Central de Outdoor. Figura 11. Fonte: Revista Sinal Extensivo.

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Figura 12. Anúncio SEPEX. Fonte: Meio&Mensagem. Figura 13. Av. Faria Lima (acervo pessoal). Figura 14. Av. Faria Lima com Pedroso de Moraes (acervo pessoal). Figura 15. Av. Rebouças (acervo pessoal). Figura 16. Anúncio Clear Channel. Fonte: Meio&Mensagem Figura 17. Anúncio Eletromídia: Fonte: Folha de São Paulo Figura 18. Fonte: Koolhaas, 2001: 612-3. Figura 19. Seqüência Noa. Amsterdam, Holanda. Foto : Jorane Castro. Figura 20. Benim, África. Foto Jorane Castro. Figura 21. Benim, África. Foto: Jorane Castro. Figura 22. Barcelona, Espanha (acervo pessoal). Figura 23. Barcelona, Espanha (acervo pessoal). Figura 24. Cidade do México. Foto: JoraneCastro. Figura 25. Cidade do México. Foto: JoraneCastro. Figura 26. Columbia, Missouri, EUA (acervo pessoal). Figura 27. Columbia, Missouri, EUA (acervo pessoal). Figura 28. Rodovia Ljbljana-Kötler, Eslovênia (acervo pessoal). Figura 29. Marrakech, Marrocos. Foto: Jorane Castro. Figura 30. Marrakech, Marrocos. Foto: Jorane Castro. Figura 31. Piran, Eslovênia (acervo pessoal). Figura 32. Santiago, Chile (acervo pessoal). Figura 33. Viena, Áustria (acervo pessoal) Figura 34. Viena, Áustria (acervo pessoal). Figura 35. Havana, Cuba. Foto: Jorane Castro. Figura 36. Cidade murada. Fonte: Godard, 2001: 16. Figura 37. Feira. Fonte: Godard, 2001: 15. Figura 38. Cours da passagem Vivienne. Foto: Tadeu Costa. Figura 39. Fachada galeria Colbert. Foto: Tadeu Costa. Figura 40. Mosaico galeria Colbert. Foto: Tadeu Costa. Figura 41. Passagem Palais Royal. Fonte: cartão postal. Figura 42. Atrium galeria Colbert. Foto: Tadeu Costa. Figura 43. Mapa das passagens, década 1840. Fonte: Biblioteca do Patrimônio de Paris. Figura 44. Ilustração. Fonte: cartão postal. Figura 45. Jules Chéret. Fonte: www.affiches-de-france.com Figura 46. Steinlen. Fonte: www.affiches-de-france.com Figura 47. Rodtchenko. Fonte: Gráfica utópica, 2000. Figura 48. El Lissitzki. Fonte: Gráfica utópica, 2000. Figura 49. Maiakovski. Fonte: Gráfica utópica, 2000. Figura 50. Cartaz de Maiakovski para o filme de sua autoria: Acorrentada pelo filme. Fonte: Gráfica utópica, 2000.

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Figura 51. Cartaz de Boris Bilinsky para o filme Metropolis. Fonte: UFA Film Posters. Figura 52. Anônimo para o filme Metropolis. Fonte: UFA Film Posters. Figura 53. Jean Cocteau. Fonte: www.internationalposter.com Figura 54. Pablo Picasso. Fonte: www.internationalposter.com Figura 55. Henri Matisse. Fonte: www.internationalposter.com Figura 56. Cassandre. Fonte: www.internationalposter.com Figura 57. Carlu. Fonte: www.internationalposter.com Figura 58. Savignac para Aspro. Fonte: www.internationalposter.com Figura 59. Savignac para Musée de l’Affichage. Fonte: www.internationalposter.com Figura 60. Donald Brun, Suiça. Fonte: www.internationalposter.com Figura 61. Herbert Leupin, Suíça. Fonte: www.internationalposter.com Figura 62. Anônimo, Suíça. Fonte: www.internationalposter.com Figura 63. Fritz Bühler, Suiça. Fonte: www.internationalposter.com Figura 64. Andy Warhol, Liz Taylor/Marilyn. Fonte: Les anées pop. Figura 65. Roy Lichtenstein, Liz Taylor. Fonte: Les anées pop. Figura 66. 35 anos de evolução do mobiliário urbano. Fonte: www.jcdecaux.fr Figura 67. Times Square, New York. Fonte: cartão postal. Figura 68. Piccadily Circus, Londres. Fonte: Cartão Postal. Figura 69. Bonde 1954. Fonte: www.gowheresp.terra.com.br/44/sp450anos/ transportes.htm Figura 70. Fonte: http://www.portalspaulo.com.br/cafe.htm Figura 71. Fonte: http://www.portalspaulo.com.br/cafe.htm Figura 72. Anúncio Mappin. Fonte: Gracioso, 2001: 32. Figura 73. Anúncio A Brazileira. Fonte: Gracioso, 2001: 36. Figura 74. Anúncio Dubonnet. Fonte: Gracioso, 2001: 32. Figura 75. Anônimo. Fonte: Cartão Postal. Figura 76. Anúncio Bromil. 1º letreiro no teto do teatro S. José. Fonte: Cadena, 2001: 39. Figura 77. Zepelim da Good-Year. Fonte: Gracioso, 2001: 67. Figura 78. Fonte: Central de Outdoor. Figura 79. Fonte: Central de Outdoor. Figura 80. Fonte: Central de Outdoor Figura 81. Fonte: Central de Outdoor Figura 82. Fonte: Central de Outdoor Figura 83. Fonte: Central de Outdoor Figura 84. Rua XV de Novembro. Fonte: Cadena, 2001: 42. Figura 85. Estação da Luz na década de 1930. Fonte: www.gowheresp.terra.com. br/44/sp450anos/transportes.htm

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Figura 86. Largo São Bento na década de 1920. Fonte: www.gowheresp.terra.com.br /44/sp450anos/transportes.htm Figura 87. Tela “gazo” de Tarsila do Amaral. Figura 88. Anúncio GM. Fonte: Gracioso, 2001: 34. Figura 89. Fonte: http://www.portalspaulo.com.br/cafe.htm Figura 90. Fonte: Arquivo Folha Imagem. Figura 91. Rua da Consolação, 1956. Fonte: Arquivo Folha Imagem. Figura 92. Fonte: Cadena: 2001, 111. Figura 93. Fonte: Central de Outdoor. Figura 94. Fonte: Central de Outdoor. Figura 95. Fonte: Central de Outdoor. Figura 96. Caminhão Gessy. Fonte: Gracioso, 200: 47. Figura 97. Fonte: Central de Outdoor. Figura 98. Fonte: Central de Outdoor. Figura 99. Fonte: Central de Outdoor. Figura 100. Fonte: Central de Outdoor. Figura 101. Fonte: Central de Outdoor. Figura 102. Fonte: Central de Outdoor. Figura 103. Campanha UsTop: “Fernandinho”. Fonte: Cadena: 2001, 233. Figura 104. Campanha Sundown. Fonte: Central de Outdoor, 77. Figura 105. Campanha Itaú. Fonte: Meio&Mensagem. Figura 106. Transporte em Ônibus São Paulo Cpaital. Fonte: Estado de S.

Paulo/SPTrans. Figura 107. (inserir 1,2,5 e 6) Fonte: Metrobus. Figura 108. Sub-prefeituras. Fonte: SEMPLA. Figura 109. Logo Audimex. Figura 110. Sistema Viário. Fonte: SEMPLA Figura 111. Fonte: Audimex. Figura 112. Mapa temático. Fonte: DataFolha. Figura 113. Mapa Sumaré&Consolação. Fonte: DataFolha. Figura 114. Tela geradores de fluxos, av. Tiradentes. Fonte: DataFolha. Figura 115. Mapa geradores de fluxos, av. Tiradentes. Fonte: DataFolha. Figura 116. Mapa geradores de fluxos, distritos de Perdizes e Consolação. Fonte: DataFolha. Figura 117. Mapa e tela dos Suportes de ME. Fonte: DataFolha. Figura 118. Tela suportes de ME, av. Faria Lima. Fonte: DataFolha. Figura 119. Mapa com Suportes da ME, região da av. Faria Lima. Fonte: DataFolha. Figura 120. Anúncio DataFolha. Fonte: Meio&Mensagem. Figura 121. Mapa temático renda. Fonte: Urban Systems.

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Figura 122. (Mapa temático origem do target) Figura 123. (Mapa temático geradores gerais) Figura 124. (Mapa temático geradores especificos) Figura 125. (Mapa temático corredores urbanos) Figura 126. (Mapa temático IGM) Figura 127. Mapa Temático, distritos de Perdizes e Consolação. Fonte: DataFolha. Figura 128. Cartaz afixado na av. Sumaré. Fonte: (acervo pessoal).

Lista de Gráficos Gráfico 1. Evolução anual dos investimentos por mídia: São Paulo. Fonte: Meio&Mensagem. Gráfico 2. Nível externo ou macro. Gráfico 3. Nível interno ou micro. Gráfico 4. Fonte: Gracioso, 200: 102. Gráfico 5. Fonte: DataFolha. Gráfico 6. Fonte: Datafolha. Gráfico 7. (Seqüência de análise) Gráfico 8. (IQM mídia exterior)

Lista de Tabelas Tabela 1. Fonte: DataFolha. Tabela 2. Target. Fonte: Urban Systems. Tabela 3. Pesos de relevância. Fonte: Urban Systems. Tabela 4. Perfil dos fluxos. Fonte: Urban Systems.

Anexos

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PROPOSIÇÃO

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A presença da publicidade no espaço urbano da cidade de São Paulo pode ser analisada por múltiplos olhares e questionamentos. O que a produz? O que antecede a “aparição” do zepelim da Good-Year, do luminoso relógio do Itaú, das Tvs e painéis gigantes que povoam as ruas da cidade? Em busca de uma qualidade para este “acontecer” publicitário, admite-se seu poder amplificado historicamente e sua esfera de influênciapresença da qual, parece, não ser possível escapar mas apenas conviver. A publicidade constitui um importante vetor de sociabilidade cotidiana na medida em que, cada vez mais, se mostra paradoxal. Não é ciência mas é produtora de conhecimento, não é arte, mas é produtora de fruição estética, e, ao ser e não ser, a publicidade produz valores econômicos e culturais capazes de delinear muitos parâmetros da contemporaneidade. Esse objeto multifacetado demanda um olhar à história e à conjuntura que o engendra. Se a racionalidade do mercado é de outra ordem da racionalidade teórica reflexiva, se os atores, os métodos e os fins mesmos de uma e de outra diferem, somente o enfrentamento da questão permitirá a elaboração de hipóteses sobre os limites da diferença. Talvez o maior desafio metodológico de um trabalho que tem a publicidade por objeto seja o de testar a possibilidade do uso de paradigmas e instrumental da literatura mercadológica para pensá-la teoricamente, comprovando que não se tratam de raciocínios tão distintos que não possam ser acionados conjuntamente para efeito de uma análise.

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A

publicidade

é

entendida

pela

racionalidade

mercadológica,

essencialmente, como uma técnica de comunicação capaz de divulgar eficazmente

determinado

produto

ou

serviço

a

um

público-alvo

pesquisado e aferido anteriormente. Em maior ou menor grau, seus objetivos se resumem basicamente a dois, a depender do tipo de publicidade em questão. Primeiramente, busca-se posicionar determinada marca na mente do consumidor para que, sempre que necessite de determinado produto ou serviço, ele estabeleça a associação (sobretudo emocional) com aquela marca e, conseqüentemente, transforme essa associação em ação — a compra efetiva do produto ou serviço anunciado. Nesse sentido, a publicidade é uma força econômica, hoje pertencente a uma esfera maior das ciências da administração, o marketing. E assim ela é tratada por boa parte dos autores que pesquisaram esse tema, ou seja, como uma estratégia mercadológica. Mas, num outro plano, em sua ambigüidade estrutural, ela é também cultura, na medida em que cria uma linguagem cuja articulação estética e retórica produz um repertório comunicante analisado por lingüistas, semióticos e cientistas sociais. No âmbito das ciências humanas, trata-se de uma produção cultural que explora a linguagem em todos os seus códigos, para criar paradigmas simbólicos que se incrustam ao imaginário coletivo, gerando níveis de identificações de um determinado grupo social àquela matriz.

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Note-se que esse poder de produzir e disseminar padrões simbólicos e de comportamento não é, contudo, específico da publicidade, mas do conjunto de estratégias de comunicação midiáticas engendradas pela lógica do capital. As cidades são, nesse contexto, o palco privilegiado dessas ações. Em São Paulo, o tema está na pauta do dia com as recentes ações da Prefeitura visando ao maior controle e à racionalização da presença publicitária na paisagem. Para a publicidade exibida nas ruas, nomeada tecnicamente de mídia exterior ou externa, a cidade é o locus da produção e também o seu suporte. Antes de margear trajetos e desejos, sua produção implica um fluxo vultoso e heterogêneo de valores financeiros e informações entre agentes de um setor norteado pela racionalidade capitalista, o que não significa, contudo, convergência geral de interesses nem ausência de conflitos, mas múltiplas representações da cidade e constante luta pelo “espaço simbólico” que antecede e determina o surgimento de um anúncio na paisagem urbana. O Capítulo I informa as atualidades da Mídia Exterior, sua estrutura — relações entre empresas, agentes e investimentos —, suas diferenças em relação à comunicação visual e a polêmica da poluição visual. Dá-se a palavra aos atores, representantes do mercado, da sociedade civil e do poder público, para que o leitor perceba as diferentes opiniões que caracterizam o debate próprio à cidade de São Paulo.

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Parte-se nos Capítulos II e III para a reflexão histórica da relação entre a publicidade e a cidade, os aspectos da transformação e privatização da esfera pública: o espaço público como o espaço da “visibilidade”. A publicidade ao ar livre apresenta-se como a ocorrência mais antiga do fenômeno publicitário e a intensificação do fenômeno, a partir do século XIX, quando as grandes metrópoles centrais tomam a frente da cena e influenciam as emergentes metrópoles periféricas, como São Paulo, no sentido de uma urbanização voltada para a racionalização dos fluxos e estetização dos espaços públicos. A partir do fim da Segunda Guerra, a história do cartaz que até ali se desenvolvera quase artesanalmente, assume a especialização ocorrida primeiramente nas agências e torna-se inerente às paisagens urbanas. As intervenções urbanas e a consolidação da lógica circulatória em São Paulo vão se refletir na formação e na relação da mídia exterior com a cidade. Finalmente, no Capítulo IV, foca-se uma questão e uma hipótese centrais: como a publicidade, por meio da mídia exterior, representa e mapeia a cidade de São Paulo e(ou) qual a idéia de cidade presente nas cartografias/representações produzidas pelos agentes do mercado.

Tais

questões implicam perceber a intencionalidade dos agentes que buscam mapear e apreender uma cidade sempre em fuga, dinâmica, onde os deslocamentos se alteram na medida em que o espaço é apropriado por todos que nela vivem e transitam.

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A opção metodológica enfatiza a representação (cartografias e índices de leitura) que determinados agentes do meio publicitário (em especial as empresas de pesquisa DataFolha, Audimex e Urban Systems) produzem da cidade de São Paulo. Não se trata, portanto, de analisar uma área determinada da cidade (uma rua ou uma via expressa), nem de eleger um segmento da mídia (outdoor, painéis eletrônicos etc.) para observação, mas de identificar esses atores como porta-vozes da ascensão das empresas de pesquisa como centros decisórios do jogo produtivo no cotidiano do mercado publicitário. Sua atuação como árbitros que estabelecem os critérios norteadores das negociações entre anunciantes, agências e exibidoras, está condicionada à legitimidade das representações mercantis que eles produzem da cidade. Como os dados, parâmetros, estratégias e análises que eles apresentam da cidade são investidos de valor pelo mercado. Enfim, essas são as preocupações atuais que esta tese enfoca. Ao fim e ao cabo, talvez surjam mais questões do que conclusões mas, mesmo aí, que este trabalho tenha possibilitado uma melhor compreensão do fenômeno e, talvez, uma outra percepção para o “acontecer” publicitário nas cidades.

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CAPÍTULO I

Notícias da Mídia Exterior

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A Região Metropolitana de São Paulo recebeu, em 2003, investimentos de quase um bilhão de dólares do mercado publicitário, segundo o relatório anual do projeto Inter-Meios1. Se esse valor absoluto confirma a região como o destino preferencial das verbas publicitárias do país, quando se trata de mídia exterior, a concentração acentua-se, pois o Sindicato das Empresas de Mídia Exterior de São Paulo - SEPEX/SP estima que 60% da verba nacional direcionada ao setor ( outdoor, mídia exterior e mobiliário urbano2) concentram-se na capital paulistana, o que significou em 2003 uma movimentação de R$ 379.200.000 em investimentos publicitários. Os dados aferidos pelo projeto Inter-Meios referem-se ao volume de investimentos realizados por anunciantes na “mídia brasileira”, ou seja, no conjunto de veículos ou meios de comunicação que, representados e institucionalizados como empresas (ou outra forma jurídica estabelecida, como fundações), dispõem da autorização legal do poder público para a comercialização de seus produtos no mercado nacional. Esses produtos 1

Em números absolutos referentes ao ano de 2003, foram U$S 991,900,000 (novecentos e noventa e um milhões e novecentos mil dólares) investidos somente na Região Metropolitana de São Paulo, correspondente à capital e às cidades de Santo André, S. Bernardo do Campo, S. Caetano do Sul e Diadema. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE –, o mercado publicitário foi responsável em 2003 por 0,97% do PIB total do Brasil, ou seja, R$ 14.824.946 bilhões do total de R$1,514 trilhão. O projeto Inter-Meios é um relatório de investimentos em mídia no país, tabulado pela empresa de auditoria PricewaterhouseCoopers com exclusividade para a editora Meio & Mensagem. O relatório mede, mês a mês, os investimentos feitos pelos anunciantes na mídia brasileira. Estima-se que o projeto meça 90% do total das verbas. Fonte: jornal Meio & Mensagem. Caderno Agências & Anunciantes, Ano XXVI, no 1112, 14/6/2004, p. 8 e 16.

2

Outdoor, Mídia Exterior e Mobiliário Urbano totalizaram um volume de investimentos de R$ 632 milhões em 2003 para todo território nacional. Fonte: jornal Meio & Mensagem. Caderno Agências & Anunciantes, Ano XXVI, no 1112, 14/6/2004, p. 9.

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têm formatos-padrão em termos de espaço ou tempo e, por atingir determinada audiência3, apresentam na equação formato x audiência o seu valor comercial unitário determinado pelo mercado. Quando os investimentos são direcionados à mídia exterior, isso se reflete no cotidiano da cidade e de seus habitantes, que são diretamente afetados por seu volume e característica. Estima-se que São Paulo seja palco de quase cinco milhões de mensagens publicitárias 4, o que confirma a sensação de quem mora ou passa por aqui: a cidade tem uma das paisagens mais saturadas visualmente do mundo.

3

A audiência é contabilizada como o tempo de atenção dedicado à recepção de uma mensagem por um determinado público (grupo de pessoas), aferida por pesquisas quantitativas.

4

Segundo dados de março de 2003 do Sepex/SP à revista Sinal Extensivo, ano 6, no. 53, jun/2002, p.

17.

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Gráfico 1 - Evolução anual dos investimentos por mídia: São Paulo. Fonte: Meio&Mensagem.

Tomar São Paulo, capital, como o locus do investimento e da presença publicitária no espaço urbano, nos seus 450 anos, expõe a complexidade de discernimento de uma única lógica que relacione poder econômico e preservação ambiental, empresas privadas e poder público, expansão sem limites e vocação “auto-devoradora”. A saturação visual da paisagem paulistana que, à primeira vista, parece demonstrar um desmedido avanço de uma atividade pulverizada — a publicidade de rua —, e (ou) uma possível omissão do setor público responsável pelo controle da ocupação dos espaços, exige uma análise mais apurada. Se, de um lado, tem-se uma paisagem abundante em suas imagens e estímulos, que constitui a cidade como linguagem e, neste caso, em linguagem publicitária, por trás dos painéis e outdoors há um setor produtivo,

cuja

atuação

cotidiana

obedece

a

critérios

definidos

historicamente, a ser analisado em seus determinantes econômicos e

33

técnicos, seus discursos e suas estratégias, uma vez que o cenário das ruas resulta das disputas de sentido travadas pelos e nos discursos dos atores envolvidos no processo, no qual todos buscam a hegemonia pelo espaço da cidade. Parte-se, então, à contextualização, segundo a racionalidade mercadológica, dos conceitos de “mídia exterior” e suas diferenças em relação à “comunicação visual”.

Mídia exterior: conceito em contraponto

A “mídia exterior” ou “externa” não deve ser confundida com todo tipo de publicidade ao ar livre, porque o diferencial consiste na sua articulação como uma “mídia”. No entendimento do mercado, há uma sinonímia entre “veículos de comunicação de massa” e “mídia”, ou seja, ambos são vistos como um conjunto de empresas de comunicação de capital privado que explora o mesmo canal ou suporte, que se dedica à comercialização de formatos semelhantes. No caso da mídia exterior 5, os veículos são nomeados especificamente “exibidoras” que, após obterem a autorização legal do Poder Público, podem oferecer os seus suportes (também chamados “peças” ou “faces”), segundo padrões de tempo e espaço, para a comercialização junto às agências e anunciantes. Quanto ao fator estrutural, trata-se de suportes cuja localização será definida segundo critérios de visibilidade e fluxos. É um suporte autônomo, uma publicidade

34

à distância, visto que os anúncios não visam a referencialidade imediata, da indicação direta do local onde a atividade comercial é realizada. Embora não haja uma literatura prévia que tenha definido as atuações específicas do setor, o SEPEX/SP propõe cinco segmentos principais para a ME5: 1) Outdoor: quadro próprio para fixação de cartaz de papel (no formato padrão de 32 folhas impressas).

Figura 1 - Outdoor (acervo pessoal)

2)

Mobiliário

Urbano:

publicidade

afixada

em

mobiliário

e

equipamentos urbanos instalados em áreas públicas destinados a proporcionar conforto, segurança e informação à população.

5

A sigla ME será utilizada doravante para nomear Mídia Exterior.

35

Figura 2 - Mobiliário: abrigo de Ônibus (acervo pessoal).

Figura 3 - Mobiliário: relógio (acervo pessoal)

3) Mídia Móvel: publicidade que estiver fixada em equipamentos que se movimentam (aeroviário, onibus, táxi, rodoviário, bicicletas etc.). Figura 4 - Mídia móvel: táxi (acervo pessoal).

Figura 5 - Mídia móvel: caminhões (acervo pessoal).

4) Painel: publicidade afixada em peças instaladas em edifícios ou áreas livres, de imóveis ou em terrenos. Podem ser iluminadas ou luminosos (frontlights e backlights, empenas ou topos de prédios etc.).

Figura 6 - Empena/topo de prédio (acervo pessoal).

36

Figura

7

-

Frontlight

Outnet.

Fonte:

Meio&Mensagem.

5) Painel Eletrônico: publicidade veiculada por equipamentos eletrônicos de lâmpadas e outros, com dispositivos luminosos em movimento e com recursos visuais de imagens (televisivos), texto ou logomarcas.

Figura 8 - Painel Eletrônico (acervo pessoal).

Outra característica da ME é ser uma mídia local e localizada. A cidade é o território dessa mídia que, em cada cidade, precisa se adaptar às leis, aos hábitos e à cultura da comunidade local. Para Wagner Yoshihara, diretor de mídia da Tônica Comunicação, quando se trata de uma campanha nacional, pensar a mídia exterior é assumir um risco. Se você tem necessidade de uma comunicação que envolva todos os mercados do Brasil ou você assume alguns mercados importantes que você vai complementar ou então vai ficar pela metade, você não vai ter a mesma eficiência em todos os lugares. Raramente você vai conseguir fazer o que você faz aqui e mandar para Porto Alegre. É pouco provável, até pelo volume do dinheiro, pelos recursos das peças, pois o mobiliário urbano depende da concessão municipal de cada localidade, e em São Paulo ainda

37

está em reformulação, em Salvador já está muito melhor, o meio foi disciplinado, pode isso, não pode aquilo 6.

Ao contrário de mídias como TV, revistas ou jornais, a especificidade local da ME é marcada também por custos de veiculação menores, o que viabiliza o seu acesso aos pequenos anunciantes. A versatilidade dos seus suportes pode agregar, ao lado de campanhas monumentais, por exemplo, um pequeno frontlight de um comércio pequeno. “Se não dá para anunciar no Estado ou na Folha, uma pequena loja de bairro, com um único ponto de venda, dentro de uma cidade desse tamanho deve ficar na mídia exterior”7, complementa Yoshihara. A ME também diferencia-se das outra mídias pela sua complicada logística, relacionada a quantidade e diversidade de fornecedores, o que implica uma negociação individual, por preço, prazo e localização, além de processos de instalação e manutenção dos cartazes. Ela é uma mídia de massa com característica de mala direta. Nas outras mídias, pra você entrar em um milhão de lares, você aperta um botão de play, na ME pra você entrar em 100 pontos alguém tem que prender o seu cartaz em 100 pontos, e tem que fazer isso 100 vezes. Isso é a força e a fraqueza da ME. Ela vende uma coisa que as outras mídias não vendem, ela vende continuidade. Para garantir isso na TV, você tem que veicular várias vezes, é intermitente, na rua não, a peça está lá. Chove, as condições mudam e a exibidora tem que garantir a manutenção dela. Quem compra página de revista não está contando quantos meses esse 6

Entrevista realizada na sede da Tônica Comunicação, em 25/7/2003. Yoshihara é sócio diretor da

tônica e tem mais de 30 anos de experiência em mídia. 7

Entrevista realizada na sede da Tônica Comunicação, em 25/7/2003.

38

anúncio vai funcionar. Mas quem compra um painel por seis meses, tem durante seis meses aquele painel limpo, com as lâmpadas acesas e todas as situações de uma mídia que está exposta à rua8.

Os

contratos

de

comercialização

da

ME

têm,

geralmente,

periodicidade semestral ou anual, o que demanda uma manutenção regular dos painéis. Mas algumas exibidoras estão diversificando esses prazos. A Outnet, uma das três maiores exibidoras do país — a única com capital 100% nacional e 200 painéis instalados somente na região metropolitana da São Paulo —, lançou, em 2003, formatos de comercialização diferenciados, com prazos menores de veiculação. “Temos planos de até 30 dias quando normalmente, os contratos com os anunciantes são feitos por um ou dois anos”9, ressalta Amauri Fernandes, diretor comercial. Os prazos menores permitem que as empresas possam exibir suas campanhas de mídia exterior acompanhando o flight (tempo) de veiculação de outras mídias. Em contraponto a essas características da ME, a “comunicação visual” refere-se especificamente às mensagens que visam identificar determinada atividade comercial, alocada, geralmente, dentro do espaço

8

Entrevista realizada com Sergio Viriato na sede da Audimex, em 18/3/2004. Hoje sócio diretor do instituto de pesquisa Audimex, Sergio Viriato é um dos nomes mais respeitados do segmento da Mídia Exterior, pois já atuou em empresas como Ibope, Nielsen, Sistema Globo de Rádio e Brasil ME (a maior do segmento), onde foi diretor de Marketing Comercial.

9

Entrevista concedida à revista Propaganda, quando a Outnet recebeu o 17º Prêmio Veículos de Comunicação, concedido pela revista. São Paulo: ed. Referência, ano 48, janeiro/2004. Acessível no

site: [21/7/2004]

39

privado do estabelecimento, seja ele industrial ou comercial, sobretudo varejista. São, em sua maioria, placas de comércio, pinturas de fachadas, muros, totens, letreiros, faixas, banners, displays, enfim, toda uma gama de produtos gráficos que povoam os espaços públicos e privados da cidade. Outra distinção é que as empresas que produzem material de comunicação visual são consideradas apenas fornecedoras, ou seja, sua atividade se resume à produção das peças, ao componente estrutural e de impressão gráfica. Em seus orçamentos, entram apenas os custos do material de consumo e da mão-de-obra para a produção e instalação da peça, por não serem empresas autorizadas a atuar como “veículos”, diferentemente das empresas “exibidoras” de mídia exterior.

A d inâm ic a da pr odução : as at iv idades e os at ores da míd ia exter ior

A produção da mídia exterior pode ser examinada em dois níveis: o primeiro, externo e macro, estabelece-se entre anunciantes, agências,

exibidoras (veículos) e empresas de pesquisa. Nesse nível não há uma rigidez quanto à freqüência ou fluxo das relações entre anunciantes (da iniciativa privada, do setor público ou do 3º setor), agências, exibidoras (veículos) e desses três com as empresas de pesquisa.

40

Gráfico 2 - Nível Externo ou Macro

41

No modelo brasileiro de atuação do mercado publicitário, a relação entre esses quatro atores sempre foi desigual. Ainda que os anunciantes sejam os clientes e os financiadores da atividade publicitária, sempre coube às agências fazer a mediação entre aqueles e os veículos, o que garantia a elas centralidade e grande influência nos processos decisórios. No mercado extremamente competitivo atual, onde o marketing alcança status de ciência e os anunciantes globais e locais percebem no excesso de opções — sobretudo na ME — um grande risco de pulverização da atenção dos consumidores e, com ela, dos seus investimentos, as informações fornecidas pelas pesquisas tornam-se vitais ao atuarem como árbitros do jogo produtivo. A obsessão do mercado por eficiência na aplicação dos investimentos em mídia leva a uma hipótese essencial desta tese: as agências estão cedendo a posição central do processo produtivo para as empresas de pesquisa. Sua relação de proximidade com o anunciante, ao mesmo tempo em que é responsável pela escuta e análise da opinião pública, investe a empresa de pesquisa de autoridade para estabelecer parâmetros de medição de audiência e vocacionar a direção dos investimentos. Esse tema será desenvolvido no Capítulo IV. As exibidoras, com o aval das empresas de pesquisa, têm um sistema de troca baseado em dois critérios principais de representação do espaço urbano: o número de pessoas que transitam por áreas determinadas

42

(cobertura),

e

a

quantidade

e

intensidade

desses

deslocamentos

(freqüência) ― informações que legitimam o valor comercial praticado. Em outro nível, interno, há uma cadeia produtiva específica da ME na qual as exibidoras são a célula central, as quais, para oferecer seus formatos ao mercado, precisam abrir canais de comunicação com outras células do sistema, de forma a viabilizar sua atuação cotidiana. Essas relações se subdividem

em

dois

outros

pontos:

o

da

produção

e

o

da

negociação/veiculação.

Gráfico 3 - Nível Interno ou Micro

Na ponta da produção, estão as relações das exibidoras com os fornecedores do setor, sobretudo gráficas e fornecedores de estruturas

43

metálicas para os suportes, suas relações com o entorno em que se inserem e sua convivência com processos artesanais, industriais e digitais de produção. Na ponta da negociação ou veiculação, as exibidoras necessitam de canais de relacionamento com o poder público, proprietários privados das “faces de visibilidade”, associações de classe, além de empresas de controle e monitoria da audiência ( checking). A fixidez da representação dos Gráficos 1 e 2 não expressa a dinâmica e a simultaneidade das relações entre os atores, mesmo que ajude a visualizar como as exibidoras, na sua relação com agências e anunciantes, travam uma disputa para comprovar o impacto de seu produto através do coeficiente resultante do binômio localização x visibilidade. Quanto melhor localizada estiver a “face”, do ponto de vista posicional (ângulo, tamanho, altura), mais visibilidade (fluxo de pessoas) gerará para o anunciante. A mídia exterior, estruturalmente, diferencia-se das mídias tradicionais, na medida em que seu conteúdo restringe-se à publicidade, por ser ínfima a participação da informação e do entretenimento em seus suportes. Ao ser veiculada, contudo, a publicidade reveste o espaço de uma textura simbólica, utilizando-o como um canal de veiculação da sua mensagem, e, dessa forma, reescreve e renomeia esse espaço, influenciando a sua configuração, a qual, em contrapartida, é influenciada por ele.

As

exibidoras são conscientes dessa mútua influência e, devido a ela, os atores,

44

em seus discursos, atribuem três características comunicativas específicas da ME: passividade, simultaneidade e diversidade10. Há uma diferença de ordem estrutural dos veículos de comunicação impressos, eletrônicos e interativos, que foram criados “para serem mídia”, ou seja, para emitir e transmitir conteúdos em larga escala para uma massa de receptores e a mídia exterior, que, na verdade, aproveita um espaço que, a priori, não tem essa finalidade: a rua. Devido a esse aproveitamento, ao passante, indivíduo em fluxo, não há opção. Em seu caráter contínuo, imune ao zapping ou à vontade do indivíduo, a quem são impostas 24 horas de apelos publicitários, a ME explora duplamente o espaço urbano, quando dele se apropria para a instalação de seus suportes e faces e, quando comercializa esse espaço para terceiros. Ao comercializar uma visibilidade imposta, as exibidoras quantificam as pessoas que se movimentam em um espaço público, transformando-as em audiência e, a partir dessa manipulação do espaço e das informações, geram um setor produtivo, ou seja, uma atividade econômica que viabiliza lucros, empregos, impostos e riqueza. A lucratividade do setor de ME

10

As características foram citadas, originalmente, por Sergio Viriato, em entrevista realizada na sede da Audimex em 18/3/2004, e foram confirmadas por outros representantes do setor.

45

depende em primeiro lugar da

Figura 9

- Anúncio

Contato.

Fonte:

Meio&

Mensagem.

passividade da audiência, e tal vantagem é amplamente anunciada pelas exibidoras.

Foto 10 - Anúncio outdoor. Fonte: Central de

Outdoor.

Enquanto em todas as outras mídias a publicidade é intermitente, na ME ela é contínua, com prazos de veiculação que podem ir de planos semanais a bianuais. Mas a permanência de seus suportes não lhe garante eficácia. No espaço urbano total, a publicidade surge como um elemento a mais, em meio à diversidade de outros estímulos urbanos. Se a heterogeneidade e simultaneidade desses estímulos (diferentes) são fatores que enriquecem a dinâmica urbana, é fato que, no caso da publicidade, esses fatores acabam por comprometer seu impacto, na medida em que, nos fluxos cotidianos aos quais o sujeito urbano é submetido, a recepção simultânea dos estímulos fragmentam a percepção quanto maior for o número de mensagens, a velocidade do deslocamento e o nível de desatenção do sujeito. Em uma cidade como São Paulo, a quantidade e diversidade monumental de estímulos podem gerar um embotamento da percepção

e

um

comprometimento

da

capacidade

humana

de

46

discernimento das mensagens, o que implica uma discussão a respeito do polêmico tema da poluição visual.

São Paulo entre leis e placas A indústria da mídia exterior expandiu-se significativamente no mundo ocidental urbanizado após a Segunda Guerra Mundial. Atualmente, este tema está na pauta do dia em São Paulo, onde se configura uma arena de discussão e negociação entre os representantes do setor, as associações da sociedade civil e o poder público municipal em torno de leis restritivas, que diminuam o atual número de mensagens ao ar livre. O SEPEX/SP estima que haja em torno de cinco milhões de mensagens publicitárias exibidas pela cidade, em formatos que vão de pequenas placas a grandes

outdoors e frontlights que ocupam, por vezes, a totalidade das fachadas dos edifícios11. É fato que esses sintomas de enfermidade do tecido urbano, identificados como poluição visual, afetam a todos, mas como diagnosticar as suas causas? A quem caberia a responsabilidade pelo processo de degradação da paisagem urbana de São Paulo? À postura agressiva das empresas, sobretudo do comércio? Ou à ausência de uma legislação adequada? A Constituição Federal de 1998 define a competência das esferas do Poder Executivo, em seus capítulos II, da União e IV, do Município. Em seu

11

Dados fornecidos pela Prefeitura de SP à revista Sinal Extensivo, ano 5, no 46, set/2001, p. 22.

47

artigo 24, a Lei Maior diz que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico; [...] V - produção e consumo; VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico; VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.12

Competência concorrente, no caso, significa que a União legisla em primeiro lugar, e em caráter geral (todo o país), em seguida legislam os Estados e o Distrito Federal (DF) e, se a União não legislar, os Estados e o DF podem estabelecer leis próprias até que uma lei federal seja editada, a qual revoga as estaduais e distritais no que for contrário. No que se refere ao meio ambiente, o artigo 225 da Constituição Federal estabelece que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 13

12

No artigo 30, do Capítulo IV, a CF/88 estabelece que compete aos Municípios: “I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; VIII promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. Todos os textos referentes à Constituição Federal foram extraídos do site da Casa Civil da Presidência da República: (10/6/2004)

13

Ibidem.

48

Se a competência legislativa para editar normas gerais sobre o meio ambiente, segundo a Constituição, cabe à União, Ignez Ramos14 ressalta que o fato de o Poder Federal definir as “normas gerais” das políticas nacionais de controle ambiental evita os fatores que poderiam ocasionar uma disputa perigosa entre os Estados, se essas tivessem caráter apenas regional.

14

Ignez Conceição Ninni Ramos é advogada, pós-graduada em Direito Ambiental e do Consumidor pela Escola Superior de Advocacia da OAB-Seção São Paulo. Seu texto “Poluição Visual” está disponível no site: [01/7/2001]

49

O processo de regulamentação constitucional caracterizou-se com a publicação da Lei Federal 6.938/81, que dispõe sobre Política Nacional do Meio Ambiente. Em seu artigo 3º, a Lei define poluição como a “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente [...] afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente” (grifo meu) e define poluidor como a “pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, pela atividade causadora da agressão”. Quando insere a “estética”, além do bem-estar e da saúde, na proteção à degradação (art 3°,III, alínea d), o Poder Público Federal, indiretamente, alude à Poluição Visual que, no entanto, permanece um conceito abstrato, de senso comum, posto que não está citado diretamente no texto da Lei. No nível Federal, há ainda o Código de Defesa do Consumidor que, por sua vez, também proíbe a publicidade que desrespeita valores ambientais. O combate à poluição visual, por não possuir uma definição jurídica direta da Lei Federal, exige a conjugação de esforços das esferas públicas Federal, Estadual e Municipal, assim como da sociedade civil no combate às suas causas. Por décadas São Paulo foi vítima da omissão do Poder Municipal quanto à gestão da paisagem comercial da cidade mas, a partir de 2000, nota-se uma atenção maior ao problema. Se a licitação do mobiliário urbano foi uma medida incentivadora para o setor da ME, entre as medidas

50

restritivas, destacam-se três ações: 1) proibição da mídia escolar, que consistia em adesivar total ou parcialmente os veículos responsáveis pelo transporte escolar; 2) proibição da publicidade nas faces externas dos ônibus municipais, permanecendo apenas a inserção de pequenos cartazes no interior dos veículos; 3) criação e execução do projeto Belezura, que visa à retirada de todo anúncio sem autorização do Cadastro de Anúncios – CADAN15, assim como a fiscalização eletrônica realizada por um dispositivo fotográfico móvel, nomeado pelos funcionários municipais de “tigrão”. Em relação à publicidade em ônibus, chamada busdoor, o segmento estava em ascensão quando foi o único atingido pela legislação. “Segundo estudo da Marplan feito em 2003, a importância do busdoor no segmento de mídia exterior é de 33%, ficando apenas atrás do outdoor, com 36%”, afirma Roberto Berger, fundador e diretor da exibidora RWB. Para 2004, uma das prioridades é negociar a volta do busdoor nos ônibus da capital paulista, pois a restrição causou um grande prejuízo ao mercado. Apenas os ônibus intermunicipais podem circular na cidade com anúncios. “Para se ter uma idéia do prejuízo, São Paulo respondia por 80% desse

15

CADAN (Cadastro de Anúncios), órgão da Secretaria Municipal da Habitação e Desenvolvimento Urbano — SEHAB —, é responsável pelo gerenciamento e legalização dos anúncios na cidade. Ainda neste capítulo, consta a distinção que o órgão estabelece entre anúncios indicativos e publicitários.

51

mercado”, analisa Berger. Atualmente, apenas com os intermunicipais, a cidade representa de “10% a 15% do segmento de busdoor no Brasil”16. A promulgação da Lei municipal no 13.525, de 28 de fevereiro de 2003, foi um processo longo e polêmico. Ela substituiu a permissiva Lei n o 12.115/96 e resultou do projeto de lei no 406/02 de autoria da vereadora Myriam Athié (PPS/SP). A discussão em torno da legislação da ME insere-se no debate das profundas modificações propostas pela Prefeitura quanto ao Plano Diretor da cidade e à nova lei da paisagem urbana, que propõe novas regras para uso e ocupação do solo e planos diretores regionais por meio de um novo zoneamento. Associações representativas da sociedade civil, como o Movimento Defenda São Paulo, a Associação Brasileira de Arquitetos e Paisagistas – ABAP –, o Instituto dos Arquitetos do Brasil – IAB – e a Associação Brasileira de escritórios de Arquitetura – AsBEA –, solicitaram à prefeita, na época, o veto total ao projeto e, em carta assinada, afirmaram que “a poluição visual [promovida com o projeto de lei] é a origem e a causa maior do desamor pela cidade, trazendo perda de auto-estima do morador urbano, deterioração espaço-visual e violência” 17.

Outra entidade que assumiu

posição semelhante foi a Federação do Comércio do Estado de São Paulo – Fecomércio/SP –, que solicitou veto total ao projeto.

16

Entrevista concedida à revista Propaganda, quando a RWG recebeu o 17º Prêmio Veículos de Comunicação, concedido pela revista. São Paulo: ed. Referência, ano 48, janeiro/2004. Acessível no

site: [21/7/2004] 17

Folha de São Paulo, no site: [1/3/2003]

52

Em julho de 2003, o SEPEX/SP, que sempre defendeu a lei n o 15.525/03, assinou um convênio com a Secretaria Municipal de Habitação e Desenvolvimento Urbano – SEHAB –, do qual se tornou parceiro no controle e fiscalização da lei. Paulo Teixeira, secretário municipal da habitação, afirma que o Poder Público tem “o desafio de regularizar o setor da mídia exterior na maior capital do país, e essa parceria com o SEPEX significa uma convergência de objetivos”19, traduzidos em algumas iniciativas práticas, tais como: •

criação

do

conceito

de

rarefação,

que

prevê

um

distanciamento mínimo entre as peças. A regra também se aplica à altura das peças; •

proibição da publicidade em áreas residenciais – pela aplicação da divisão de áreas do sistema viário –, salvo os anúncios indicativos do comércio; e



previsão da licitação e concessão de mobiliário urbano para criação, instalação e exploração publicitária e conservação em São Paulo18.

Legislação e f isca lização: os interesse s públicos e pr ivados A dimensão jurídica, muitas vezes, entra em conflito com os interesses econômicos envolvidos, o que constitui um dos pontos nevrálgicos da

18

Jornal Meio & Mensagem, 10/3/2003, p. 11.

53

relação entre a ME e o meio urbano. Como a própria Lei Maior estabelece, cabe ao Poder Público e à coletividade a preservação e a defesa do meio ambiente. Para João Lopes Jr., promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo de São Paulo, não se deve pregar a eliminação total dos anúncios externos, mas a sua redução a poucas peças, de pequenas dimensões, localizadas em pontos adequados. Ainda que seja função do direito normatizar as atividades humanas, de modo a conciliá-las com o bem-estar geral, o procurador defende que não se trata de um problema a ser resolvido apenas com a promulgação de leis, pois “a falta de uma cultura que prestigie valores ambientais e de mecanismos de controle eficazes” são os reais motivos que devem ser postos em debate. Ele ratifica ainda que “é dever dos publicitários tratar os moradores como cidadãos e não como simples consumidores” 19. Por sua vez, os representantes do mercado afinam seu discurso para cobrar uma postura mais rigorosa por parte do Poder Público. Orlando Marques, presidente da Brasil Mídia Exterior, a maior exibidora de São Paulo, avalia que “a mídia exterior só é boa quando tem uma boa lei e uma boa fiscalização”20. Mais incisivo, Rubens Damato (presidente do SEPEX/SP), cobra: “a fiscalização tem de abranger tudo o que prejudica a

19

Ambas as citações estão na entrevista concedida à revista Sinal Extensivo, Ano 6, no. 53, jun/2002,

p. 17. 20

Entrevista concedida à revista About, no. 712, 17/3/2003, p. 22.

54

paisagem, não apenas nossas peças, mas também os anúncios do comércio. Ou a legislação é cumprida, ou o meio é respeitado, ou acaba o negócio”21.

Figura 11 - Fonte: Revista Sinal Extensivo.

21

Entrevista concedida à revista Marketing, no. 362, março 2003, p. 47.

55

Figura 12 - Anúncio SEPEX. Fonte: Meio&Mensagem.

Note-se que a demanda por essa fiscalização parte não apenas dos representantes das exibidoras, mas é também perceptível nos discursos de agências e anunciantes. Carlos Saganzerla, diretor de mídia da Klabin Kimberly, multinacional do ramo de produtos de higiene, admite que quando se fala em mídia exterior, você tem várias alternativas, antigamente tinha só o outdoor e o painel, depois veio o

backlight, o frontlight, depois vieram kombis, bicicletas, motos, carretas, eu sou do tempo em que só tinha o outdoor, nos anos 70, mas aí a cidade foi tomada por esse mar de comunicação sem controle, então quando eu olho para mídia exterior — e eu tenho grandes amigos na área — eu sempre olho com uma certa preocupação. A primeira vez que eu fui para NY fiquei encantado com aquelas telas que cobriam os edifícios, com aquelas campanhas do Calvin Klein, mas aqui, a coisa veio para cá em um movimento sem controle algum22. 22

Entrevista realizada em 1/8/2003, na sede da Klabin Kimberly-Clark, anunciante de fraldas Turma da Mônica, absorventes Intimus, lenços Kleenex, entre outros.

56

Carlos Aquino, presidente da Associação Nacional de Empresas de Publicidade em Ônibus – Anepo –, adverte que, antes de apontar o que é ou não é poluição visual, é preciso lembrar a distinção entre mídia exterior de comunicação visual: “cerca de 90% dos espaços visuais nas cidades são ocupados por identificadores de loja, fachadas pintadas, cartazes, painéis, totens, placas de rua e faixas, peças facilmente confundidas com mídia exterior”23. Na prática cotidiana da comercialização dos espaços publicitários urbanos, enquanto pulveriza-se a comunicação visual, a mídia exterior é centralizada. Sérgio Viriato, sócio-proprietário da Audimex, questiona: Como é que você fiscaliza o comércio? É mais fácil você tirar as peças de mídia exterior, por quê? Porque são dez empresas, é mais fácil de localizar, pegar o comércio é mais difícil porque se tem mil peças irregulares, eu tenho de multar mil empresas e aí é muito complicado tratar com mil empresas diferentes24.

Para a ME, é imperativo acatar e cumprir a legislação na medida em que as empresas exibidoras dependem da autorização do Poder Público para exercer seu ofício. Rubens Damato, presidente do SEPEX/SP, defende que a “publicidade exterior não é a única nem a principal poluidora das cidades. As publicidades do comércio, oficiais e outros fatores têm boa parcela de culpa nesse processo”. Além disso: “prédios mal-conservados,

23

Entrevista da revista Sinal Extensivo, Ano 5, no 46, p. 28.

24

Entrevista realizada em 18/3/2004, na sede da Audimex.

57

calçadas quebradas, e ambulantes nas calçadas também contribuem para a poluição visual”25. Um dos pontos de dispersão do Poder Municipal em fiscalizar a atividade publicitária reside na pulverização dessa incumbência entre diferentes órgãos municipais. Ignez Ramos nota que, enquanto à SEHAB, através do CADAN, cabe aprovar, licenciar, cadastrar e inscrever os anúncios, as atuais Sub-Prefeituras, que são órgãos da Secretaria das Administrações Regionais, fiscalizam as mensagens publicitárias: “aqui já se vê a dispersão da força do poder de polícia municipal. A Secretaria que regula, aprova e cadastra não é a mesma que fiscaliza, gerando um estrangulamento das funções”26. Em São Paulo, mídia exterior e comunicação visual são atividades regidas pela mesma Lei municipal no 13.525/03, tomada como base pelo CADAN, órgão da SEHAB, responsável pelo gerenciamento dos anúncios na cidade, para diferenciar anúncios indicativos e publicitários:

[...] o anúncio será indicativo quando trouxer mensagens do profissional ou do estabelecimento exercendo atividade no próprio local da instalação. Poderá também trazer mensagens de fornecedores, colaboradores ou patrocinadores, desde que essas mensagens ocupem até 1/3 (um terço) da área total do anúncio.27

25

Revista Sinal Extensivo, Ano 5, no 46, p. 26.

26

Ignez Ramos, ver nota 14.

27

Em conformidade ao disposto no artigo 8º, inciso IV, alínea “a”, da Lei nº 13.525, de 2003, serão considerados anúncios indicativos aqueles referentes a marcas, logotipos ou logomarcas de franquias, distribuidores exclusivos, concessionárias, postos de abastecimento e similares.

58

[...] anúncio publicitário é aquele destinado a veiculação de publicidade instalado fora do local onde se exerce a atividade. 28

A lei coaduna o que o mercado distingue. E é preciso ter essa distinção muito clara porque, embora as imagens se confundam na paisagem e seja difícil separar uma da outra, este trabalho ocupar-se-á somente da mídia exterior.

A polêmica da poluição visual Após analisar as relações entre a atividade e a legislação que a rege, é possível concluir que a responsabilidade do setor de ME é mínima em relação à saturação visual da paisagem. Estima-se que apenas 5% dos estímulos visuais da cidade caibam à ME e esta, por se restringir a uma dezena de empresas, é uma atividade altamente policiada pelo Poder Público Municipal. Se, em alguns casos, a publicidade realmente se agiganta para além dos limites aceitáveis, é porque a Lei permite e, aí, talvez seja o caso de concordar com a avaliação de Sérgio Viriatto, da Audimex: Poluição visual é um policiamento estético, é aquilo que eu não gosto. A mesma pessoa que reclama deste outdoor da capa da Playboy, já acha lindo o outdoor do Picasso. É única e exclusivamente um julgamento estético29.

28

Para

ler

o

texto

integral

da

lei,

[10/2/2004] 29

Entrevista realizada em 18/3/2004, na sede da Audimex.

acessar

o

site:

59

Essa discussão perpassa a atual operação urbana pela revitalização e embelezamento da área central empreendida pela Prefeitura Municipal e pela Empresa Municipal de Urbanização – EMURB. No caso do quadrilátero formado pela Rua Conselheiro Crispiniano, Avenida São João, Avenida Ipiranga e Rua 7 de Abril, coração da antiga Cidade Nova, onde há sessenta e cinco imóveis tombados, todos das primeiras décadas do século XX, verifica-se

a

discordância

entre

representantes

do

poder

público,

moradores e comerciantes. A Subprefeitura da Sé removeu grande parte dos cartazes e outdoors da área, que encobria a arquitetura característica das décadas de 20 e 30 do século passado. Os comerciantes, por sua vez, resistem à reforma, alegando que seus negócios dependem dos anúncios. Na avenida São João, entre o Vale do Anhangabaú e o Largo do Paissandu, alguns donos de lojas que limparam as fachadas reclamam dos vizinhos. “É a segunda vez que perco meu luminoso, porque obedeci às normas, mas a Casa das Alianças, minha concorrente, não retirou suas placas” 30, queixa-se Henrique Farina, gerente da Lupatelli Alianças. Alguns prédios removeram as fachadas falsas, mas não restauraram a arquitetura original. Ao retirarem placas e outdoors, ficaram à mostra estruturas de ferro, fios e tubos que encobriam janelas e sacadas. “As fachadas 30

falsas

salvaram

as

paredes

e

decorações

originais

que

Matéria assinada por José Maria Mayrink intitulada “Para salvar a história por trás das fachadas”, in:

Caderno

Cidade.

O

Estado

de

São

Paulo,

8/12/2002,

[08/12/2002]

disponível

no

site:

60

encobriam”, observa o diretor executivo da Associação Viva o Centro, o engenheiro Marco Antônio Ramos de Almeida, também diretor do

BankBoston. “Parece um contra-senso, mas a instalação de fachadas falsas acabou sendo melhor para a preservação da arquitetura, pois em outros casos os comerciantes destruíram o original, cobrindo as paredes de pastilhas ou alumínio”31, diz Almeida, apontando o exemplo da Rua Direita. Os prédios “modernizados” com a superposição de fachadas falsas podem ser restaurados com mais facilidade. Onde há comércio, há placas. E a constante ocupação das fachadas, faces cegas dos edifícios, tapumes etc., seja nos bairros ou na área central, apresentam tal quantidade de elementos gráficos que, vistos no seu conjunto, chegam a criar uma superfície que se sobrepõe e encobre a própria arquitetura que estrutura esses espaços. O fato chama a atenção para a incidência da comunicação visual e para a relação que ela estabelece com a totalidade das superfícies aparentes, ampliando a noção de escala, o que permite avaliar o quanto essa comunicação gráfica participa do campo de visão ao qual estamos ligados habitualmente (Ohtake, 1987: 27). Para parodiar

a definição de poluição ambiental, pode-se afirmar que poluição visual é o limite a partir do qual o meio não consegue mais digerir os elementos causadores das transformações em curso e acaba por perder as características naturais que lhe deram origem. No caso, o meio é a visão, os elementos causadores são as imagens31

Ibidem.

61

estímulo, sobretudo publicitárias, e as características iniciais seriam a capacidade do meio urbano de transmitir mensagens (Mendes, 2002)32.

Aliando-se a observação quantitativa da sucessão vertiginosa de fachadas ― o quanto a publicidade ocupa, preenche e encobre o seu suporte básico, a arquitetura ― à qualidade que tem a gráfica publicitária urbana de se destacar de todo o resto, através do uso intenso de cores, figuras, letras, nota-se que ela adquire a capacidade de atuar visualmente, a ponto de constituir, em alguns casos, forte componente de construção do ambiente, como uma característica importante: a de ter sua configuração alterada à medida que se intensificam as mudanças nas atividades das quais ela é a expressão. O que possibilita essas alterações é a criação de recursos que permitem reformular as fachadas de maneira a “corrigi-las”, para a obtenção de grandes planos lisos e coloridos, fachadas próprias para a fixação de letreiros que uniformizam e escondem a arquitetura, emprestando-lhe um ar “moderno”. Figura 13 - Av. Faria Lima (acervo pessoal).

Figura 14 - Av. Faria Lima com Pedroso de Moraes (acervo pessoal).

32

MENDES, Camila Faccioni; VARGAS, Heliana Comin. “Poluição visual e paisagem urbana: quem lucra com o caos?” acessível no site: [set. 2002]

62

Figura 15 - Av. Rebouças (acervo pessoal).

Na disputa que a publicidade trava com a arquitetura pelos locais mais visíveis, ela reveste, torna cega e plana as superfícies de vazios e relevos dos edifícios, e a eles se sobrepõe. Com suas cores e figuras, com a agilidade com que é capaz de se alterar, cria no ambiente da cidade um componente de grande poder atrativo que provoca, ilude, desvia e conquista a atenção do observador. Esse cenário que cria uma imagem às vezes transluzente, é extremamente mutável e efêmero. Aquilo que hoje se vê e registra pode estar amanhã inteiramente modificado. Os recursos gráficos básicos (cor, imagem, letra, suporte, etc.) utilizados na elaboração de uma informação gráfica determinam sua escala e de que maneira esse elemento vai, em conjunto com tantos outros, participar da construção e definição do ambiente urbano. É inegável o quanto placas, cartazes, luminosos, são ativos na vida da cidade e um flagrante da cultura. Na sua relação com a arquitetura, eles

63

podem realçá-la ou eliminá-la, disputando com ela o espaço pela sobrevivência, tornando-se outra “população” mimética da cidade, pois ao cruzá-la à noite, tem-se a nítida sensação de que ela ainda está habitada, não por pessoas, mas por esse arsenal de mensagens, piscando e palpitando incessantemente seus apelos publicitários (Ohtake, 1987: 36). A disputa pelo campo visual conduz a publicidade a reboque dos processos de ocupação e valorização dos terrenos da cidade, e da especulação imobiliária, que rastreiam a direção geográfica da riqueza local. Os edifícios são os melhores índices e os mais apropriados suportes. O melhor coeficiente de visualização dos anúncios resulta tanto dos recursos plásticos empregados nos desenhos e soluções técnicas de luz, quando das mega dimensões de escala avantajada, compatível com a ordem de grandeza dos demais objetos urbanos. Se a publicidade se agiganta é porque, antes, houve um aumento considerável da escala dos objetos arquitetônicos. Na região central da capital paulistana contrapõe-se à ostensibilidade da comunicação do comércio, a ínfima participação da mídia exterior, para quem as grandes vias e marginais são muito mais atraentes do ponto de vista de visibilidade e fluxos. A saturação visual da paisagem paulistana é produzida, em grande parte, pela espontânea, múltipla e sem controle atividade comercial, seja ela de pequeno, médio ou grande porte.

À ME interessa mapear a

qualidade e a freqüência dos deslocamentos realizados por quem transita

64

pela cidade. Na disputa pela hegemonia do espaço público da cidade, questões de gosto e de valores estão amoldadas às intenções dos atores. No que se refere à relação com os suportes específicos da mídia exterior, a discussão converge para a problematização entre forma e conteúdo, que pressupõe as condicionantes que a publicidade impõe aos meios de comunicação em que é veiculada.

A r e l a ç ã o p u b l i c i d a d e - m í d i a 33 A sustentabilidade das organizações de caráter privado voltadas para a

comunicação

midiática

repousa

sobre

dois

pilares:

audiência

e

rentabilidade. Essas organizações, denominadas também veículos ou meios de comunicação, são, de um lado, “prestadores de serviços” à sociedade, na medida em que atuam como instrumentos tecnológicos de produção e difusão de conhecimento e, de outro, são empresas comerciais que objetivam o lucro pela comercialização de seus espaços publicitários. A estrutura e a dupla finalidade dessas organizações de capital privado condicionam seus conteúdos midiáticos a três dimensões principais:

entretenimento, informação e publicidade.

33

O uso do termo “mídia” designa um conjunto de veículos ou meios, definidos por seu caráter tecnológico como impressos, sonoros, audiovisuais, interativos e exteriores. Como afirma Santaella (1996: 24), no Brasil, o termo “mídia” fixou-se historicamente mais do que os termos latinos “médium (sing.)/media (plural)” ou o plural do português, “mídias”.

Por isso, a autora

preocupa-se em justificar a opção por este último para título de seu livro “Cultura das mídias”. Embora não haja uma citação literal, percebe-se que a autora conceitua mídia como suporte tecnológico para a linguagem.

65

Visando uma audiência para o seu conteúdo, o veículo deve oferecer ao público, pagante ou não, uma matéria-prima simbólica traduzida por uma linha editorial ou uma grade de programação capaz de atingir e conquistar a sua atenção. Se a logística operacional e o binômio informação-entretenimento forem capazes de conquistar a audiência de um grupo de receptores nomeados leitores, ouvintes ou telespectadores, esse veículo poderá comercializar seus espaços34 publicitários. Na lógica do mercado, esses espaços serão atraentes para agências e anunciantes, na medida em que constituirem espaços de visibilidade junto a um público dito qualificado, seja em termos financeiros, seja em termos culturais. Esses veículos, quando percebidos em seu conjunto, são denominados “mídia” pelos representantes do mercado, classificando-os por sua natureza técnica em mídia eletrônica (rádio, TV e cinema), mídia impressa (jornal e revistas), interativa (Internet, games e produtos multimídia) e exterior. A relação entre mídia e publicidade complica-se quando, pensando no contexto da comunicação de massa, autores como Cathelat (2001: 73) classificam a publicidade como uma “supra-mídia”, por dominar “grande parte do seu espaço e do seu tempo, condicionando seu volume e seu preço, impondo sua linguagem e sua estrutura”. A publicidade seria,

34

“A expressão ‘espaço publicitário’ aplica-se indiferentemente a uma porção de superfície ou de tempo destinado a receber publicidade nos diferentes veículos de comunicação, e a expressão ‘compra de espaço’ aplica-se ao conjunto das operações efetuadas por uma agência ou anunciante sobre um espaço publicitário” (Augé, 1994: 78).

66

então, a ligação projetada, sem interrupção, entre o produtor e o consumidor, a via pela qual se restabelece o encontro comercial direto há muito perdido. Indo além de uma ponte entre o produtor e o consumidor, os meios de comunicação são também produtos tecnológicos de uma cultura, e constituem uma instituição social e, como tal, podem ser questionados, como propõe Silverstone (2002: 18-9): O que medeia a mídia? E como? E com quais conseqüências? Como entender a mídia como conteúdo e forma, visivelmente caleidoscópica, invisivelmente ideológica? Como avaliar os modos pelos quais se travam as batalhas pela mídia e dentro dela: batalhas pela posse e pelo controle tanto de instituições como de significados; por acesso e participação; por representação; batalhas que impregnam e afetam nosso senso uns dos outros, nosso senso de nós mesmos?

Ora, a publicidade é uma mediação35 comercial, na qual o emissor deve pagar pelo espaço/tempo utilizado para falar ao receptor. No caso brasileiro, nos últimos trinta anos, a mídia brasileira multiplicou-se em números e diversidade. Nos anos 1970 e 1980, a mídia concentrava-se nas mãos de poucas empresas por setor: Rede Globo, na Televisão (embora já houvesse também SBT, Bandeirantes e Manchete), editora Abril em Revista, dois grandes jornais diários em São Paulo ( Estado e Folha) e a Central de

Outdoor em mídia exterior. Tal concentração, historicamente construída 35

Mediação aqui entendida a partir do pensamento de Jesús Martin Barbero (1997: 15-6), ou seja, “um trabalho no campo da mediação de massa, seus dispositivos de produção e seus rituais de consumo, seus aparatos tecnológicos e suas encenações espetaculares, seus códigos de montagem, percepção e reconhecimento [...] a comunicação se tornou para nós questão de

mediações mais que de meios, questão de cultura”.

67

por uma série de fatores internos e externos a elas, ainda serve de parâmetro facilitador para o mapeamento da audiência total e relativa por parte de agências e anunciantes, mesmo com o incremento da oferta midiática. O surgimento e desenvolvimento da TV por assinatura, da Internet, das novas tecnologias de produção impressa e audiovisual, além do desenvolvimento das disciplinas de comunicação como promoção, relações públicas, eventos etc. deram origem a uma multiplicidade de novos veículos e possibilidades de comunicação, disparando o fenômeno da segmentação do mercado.

À explosão do número de publicações

impressas, de canais de TV, de estações de rádio, de sites acessíveis, correspondeu à fragmentação da atenção e, assim, da audiência por parte do público que, a despeito das infinitas opções, continua dispondo da mesma parcela de tempo diária: 24 horas. Curioso é perceber que a segmentação atingiu a todos os setores, com exceção da mídia exterior, pois enquanto

todas as outras mídias perderam audiência, a ME ganhou audiência porque mais pessoas trabalharam fora, os trajetos aumentaram porque a população se deslocou para longe do local que trabalha, mais pessoas estudam hoje, além do trabalho, e a ME ganhou impacto. Ela hoje talvez seja a única mídia de massa que possa se comparar com a TV. Todas as outras mídias são ultra-segmentadas. E você sabe que quanto mais você segmenta, mais cara ela fica por impacto, o custo relativo dela aumenta e mais difícil fica atingir todo seu público, você precisa fazer várias mídias para atingir o que no passado você fazia com uma mídia só. [...] Nos últimos cinco, seis anos, a ME cresceu por causa da

68

dispersão, e do encarecimento, portanto, das outras mídias enquanto na ME houve uma concentração, houve um aumento da audiência e, portanto, o custo relativo dela caiu36.

Mídia de massa ou segmentada, essa nomenclatura vai depender das

n variáveis dos objetivos de cada plano de mídia. Presentemente, em sua combinatória de custo acessível e cobertura de massa, a ME é muito utilizada para a construção e fixação de marcas, já que, em sua estrutura de mídia de trânsito e recepção instantânea, ela se presta muito à “logotipia” (termo usado no mercado para designar os símbolos das empresas, as marcas).

Em sua presença cotidiana, ela cria uma

familiaridade do sujeito em fluxo com as marcas anunciadas. As empresas de telecomunicações e tecnologia são atualmente as que melhor exploram o macro alcance e custo acessível da ME, a única mídia que oferece continuidade, na medida em que ela é uma mídia involuntária.

Forma e conteúdo da mídia exterior

Retomando a questão dos conteúdos dos suportes (forma) da mídia exterior — justamente porque a rua não foi um espaço originalmente pensado para ser uma “mídia” —, nota-se que as mensagens são preferencialmente publicitárias porque as dimensões da informação e do entretenimento não são inerentes a esses suportes, mas estão no entorno, ou seja, nos múltiplos estímulos urbanos que envolvem e se confundem 36

Sérgio Viriatto, sócio-proprietário da Audimex, em entrevista realizada em 18/3/2004.

69

com os apelos publicitários. Portanto, é questionável achar que todas as pessoas, que estão ou passam por determinada via, irão notar todas as mensagens publicitárias nela afixadas.

É razoável você supor que quem escolheu ligar a TV, para ver determinado programa, tem a sua atenção voltada pra esse programa e, portanto, o que estiver entremeado ali será percebido. É razoável supor isso e o mercado aceita essa extrapolação. [...] A mesma coisa para rádio, por quê? Porque é um consumo ativo da audiência. Ninguém sai na rua para ver comercial a não ser nós que vivemos disso, que estamos interessados. [...] Então, você dizer que todas as pessoas que estão na rua contam para uma peça que está nessa rua é exagerado. 37

Por outro lado, não se pode dizer que exista “a” mídia exterior, como uma unicidade de formatos, posto que é onde a mensagem publicitária vai encontrar grande diversidade de suportes e dimensões para abrigá-la, ao contrário do que ocorre na mídia televisiva, por exemplo. Um conjunto de veículos só configura uma mídia quando, por meio de um acordo previamente estabelecido entre os atores do processo, efetiva esse acordo em termos de formatos-padrão a serem praticados pela maioria dos veículos. Na mídia televisiva, as emissoras comerciais obedecem a padrões semelhantes, que se baseiam em tempos fixos, sobretudo de quinze e trinta segundos, para os comerciais exibidos durante os intervalos que permeiam a programação.

37

Sérgio Viriatto, sócio-proprietário da Audimex, em entrevista realizada em 18/3/2004.

70

A noção de ‘suporte de publicidade’ se comporta como um mecanismo ‘intersticial’ em relação às instituições sociais, às casas, aos programas, aos muros. As cadeias de rádio e TV, por exemplo, não se apresentam explicitamente com o objetivo de fazer publicidade, mas de fornecer distração ou notícias, e elas insinuam, nos interstícios de seus programas, uma publicidade (Moles, 1987: 65. Grifos do autor).

Mais complexa é a logística da ME e sua multiplicidade de formatos e localizações que dificultam o mapeamento e a valorização dessa mídia aos olhos de agências e anunciantes. Contudo, paradoxalmente, tem-se também o crescimento do investimento num setor em plena ebulição, expandindo-se em números e possibilidades. As novas tecnologias são a via pela qual, a depender da demanda de agências e anunciantes, a ME passa a incorporar mensagens de utilidade pública, por exemplo. Essa adaptação traduz-se no aumento de investimentos na área. Ângelo Frazão, vice-presidente executivo e diretor de mídia da agência McCann-Erickson Brasil, fala em segunda geração da ME:

[...] multiplicam-se as possibilidades de comunicação pela mídia exterior. Agora, acompanhadas das suas respectivas embalagens técnicas, permitindo comparações simuladas com as ações nos demais meios, permitindo a análise de custos absolutos e relativos, avaliações de cobertura, freqüência, enfim, de tudo o que caracteriza um bom trabalho e um atendimento profissional de mídia [...]. Porém, um fato não pode ser esquecido: a mídia exterior é um meio publicitário. Em geral, a mídia exterior é desconectada do editorial, do entretenimento, da diversão, do

71

lazer, da informação [...]; ela precisa, em sua segunda geração, se conectar à prestação de serviços, ao bem-estar comum38.

E é para os anunciantes que as exibidoras estão oferecendo um novo produto denominado cross media, ou seja, projetos integrando vários gêneros de ME. “O anunciante, quando busca a mídia exterior, não quer um gênero específico de mídia, ele quer a rua” 39, explica Orlando Marques, da Brasil Mídia Exterior. A articulação das empresas para oferecer o cross media exigirá a consolidação de um número menor de empresas maiores, que ofereçam um conjunto mais vasto de opções aos anunciantes. Essa concentração parece ser uma boa opção (senão a melhor do ponto de vista da rentabilidade) às empresas nacionais no seu atual enfrentamento com as multinacionais Cemusa, Clear Channel Adshel, Sarmiento e JC Decaux recém-chegadas ao país e a maior parte delas dedicadas ao mobiliário urbano.

Figura 16 - Anúncio Clear Channel. Fonte: Meio&Mensagem

38

Texto publicado no jornal Meio & Mensagem, especial Mídia Exterior, de 27/10/2003, p. 18.

39

Caderno Agência & Anunciantes, junho 2003, p. 8.

72

Figura 17- Anúncio Eletromídia: Fonte: Folha de São Paulo

A estratégia de cross media exige, portanto, uma articulação precisa das cinco categorias de ME: outdoor, painel, mídia móvel, mobiliário urbano e painel eletrônico, em torno da oferta de redes sincronizadas e adaptadas às necessidades dos clientes. Quando Ângelo Frazão (McCann-Erickson) citava a segunda geração da ME, ele se referia sobretudo ao painel eletrônico e ao mobiliário urbano. Voltado para um conteúdo editorial fundamentado em informação, prestação de serviços e entretenimento, o painel eletrônico consegue agregar mensagens de prestação de serviços à comunicação publicitária com grande impacto. O mobiliário urbano é considerado o meio mais nobre da ME. Integrado ao planejamento urbano, é um segmento promissor, devido à boa aceitação que totens, abrigos de ônibus, banheiros públicos, lixeiras, relógios e mupi’s (mobiliário para informação) tiveram junto à população das cidades onde foram instalados. Representa investimentos monumentais e, por isso, trata-se de um segmento dominado pelas multinacionais. Atualmente, as atenções dirigem-se para as negociações em torno da licitação da prefeitura de São Paulo, que regulamentará a exploração do

73

mobiliário da cidade pelos próximos vinte anos. Há uma expectativa no mercado de que a licitação possa gerar cem milhões de reais para a economia da cidade nos próximos anos. Verifica-se que mais de um ano após a promulgação da lei n o 15.525/03, ainda há um processo de adaptação às novas regras. Essas notícias iniciais não ambicionam dar conta da complexidade das relações dos envolvidos no processo de produção da ME, mas informam e apresentam os temas mais relevantes da questão central desta tese. As tramas e conexões, que determinam como a cidade de São Paulo é representada e cartografada pela publicidade, dependem, em grande parte, da

postura

e

opinião

dos

atores

envolvidos,

cuja

maioria

está

comprometida econômica e socialmente com o mercado. O espaço dedicado a eles neste capítulo equivale à importância que eles têm no contexto atual do setor. Propositadamente, enfatizam-se as “falas” dos atores que, em suas convergências e conflitos, desconstroem a idéia de um mercado como uma esfera “uníssona” ou transcendente. Retomando uma questão proposta por Silverstone (2002), caberia adaptá-la para: o que permeia a mídia exterior? Entender os anúncios espalhados na paisagem como portais de entrada para o implícito, para o que estrutura e produz essa mediação, a começar pelas relações, às vezes sutis, às vezes tensas, existentes entre os diferentes agentes do mercado publicitário e representantes da sociedade civil.

74

A paisagem publicitária paulistana não é produto de elaborações ou tramas maquiavélicas de capitalistas insensíveis que visam apenas ao lucro e à exploração do consumidor. Tipos de capitalismo e de capitalistas e estratégias

de

investimento

são

fatores

ligados

à

formação

e

à

transformação das redes urbanas e dos espaços econômicos da cidade. Por trás delas – pelo menos nas economias de tipo liberal – encontram-se os agentes reais, elites mais ou menos enraizadas, detentoras do capital, do conhecimento ou capazes de inovações técnicas. É na estrutura social das cidades, mais do que na soma das suas funções, que se deveria procurar a base da organização territorial, através das mudanças históricas, desde a acumulação de renda ligada à posse da terra até à constituição dos territórios de sistemas simbólicos, como a publicidade urbana. Os processos que a produzem geram um espaço controverso de interesses dos anunciantes, das agências, das exibidoras, dos fornecedores, enfim, dos implicados no processo. Uma rede infinita de conflitos convive diariamente com a pressão pela sobrevivência, dada a imprevisibilidade dos fatores que norteiam a atividade. É bom lembrar que o lançamento de uma campanha publicitária é sempre uma incógnita, sujeita a sucessos e fracassos. Ao mesmo tempo, é preciso pensar que o consumidor não é mais um mero número estatístico de uma massa inqualificável e amorfa, mas um sujeito com capacidade crítica para dar outros significados aos estímulos midiáticos, a partir de seu uso e de sua experiência cotidiana.

75

Daí a necessidade de um olhar crítico às imagens publicitárias das ruas, ao historicizá-las como um apêndice imagético do modo de produção capitalista. O mercado é uma construção social que imprime um valor cultural a um produto ou serviço. E as condicionantes para perceber que a publicidade não é somente linguagem comercial, mas também um discurso ideológico, pressupõe pensar no consumidor / espectador como um sujeito ativo e crítico, no publicitário como um ator social e na mensagem comercial como um produto cultural.

76

CAPÍTULO II cidade(publi)cidade: conceitos implexos

77

Publicidade: o fa zer -va ler A racionalidade mercadológica percebe a publicidade como um negócio que visa a objetivos comerciais. Sua constituição como linguagem e, portanto, como cultura, seria apenas reflexo da iniciativa econômica. Questionar essa visão e reivindicar a inversão desse paradigma, ou seja, assumir que é a dimensão cultural da publicidade o que lhe confere a valorização econômica, implica pensar historicamente que a troca privada de bens nunca é somente comercial, mas também um ritual fundante da cultura. A invenção da moeda, para retirar a economia de um estágio primitivo no qual imperavam as trocas diretas, ou escambo, não bastou, por si só, para estabelecer o acordo entre os negociantes quanto ao preço entre a oferta e a procura. Fez-se necessário acrescentar um discurso valorizador (Lagneau, 1981: 7) sobre os bens, que despertasse nos parceiros o desejo de intercambiá-los.

Essa troca simbólica precede a transação comercial

efetiva, conferindo-lhe um sentido. As modalidades do fazer-valer multiplicam-se, pois cada cultura inventa e pratica seus próprios ritos de troca. A publicidade coloca-se, numa perspectiva antropológica, como uma forma particular de fazer-valer aplicada especificamente aos intercâmbios mercantis, pois a

troca

comercial implica, por parte de quem oferece, uma estratégia valorizante do bem aos olhos de quem o compra.

78

Da perspectiva da teoria econômica, Vargas (2001: 52) pontua que, dos três setores básicos da economia, esta teoria sempre percebeu o setor terciário (comércio e serviços, ao qual pertence o marketing e a comunicação) como o menos nobre em relação ao primário (agricultura e pecuária) e ao secundário (no qual o produto que vem da terra é transformado — a indústria). A velocidade das transformações históricas cria um descompasso entre os paradigmas de análise da teoria econômica e o contexto atual de produção do setor. É inegável que o desenvolvimento do capitalismo financeiro, a revolução da informática, a internacionalização da economia, e o surgimento das atividades de entretenimento e do turismo como primeira indústria mundial reforçaram o caráter produtivo das atividades ditas terciárias enquanto criadoras de riqueza.

Market ing e pub lic ida de Dentre as atividades terciárias, o marketing desponta como a força motriz dessa evolução. Até o início dos anos 1950, o marketing — até então conhecido simplesmente como “vendas” — está em sua fase embrionária porque muitas empresas das economias mais desenvolvidas do Oeste Europeu e dos Estados Unidos, ao colher os efeitos benéficos da produção de massa possibilitada pela Revolução Industrial, permaneciam orientadas para a produção. Não havia preocupação com a venda, uma vez que praticamente tudo o que se produzia era vendido. Os primeiros abalos

79

se fizeram sentir após a Primeira Guerra Mundial, quando surgiu a preocupação com o escoamento dos excedentes de produção. Uma empresa orientada para as vendas sabia da resistência dos consumidores quanto à compra de bens e serviços que não julgassem essenciais. Para subsidiar o trabalho dos vendedores, as empresas começam a anunciar seus produtos, na expectativa de que os consumidores abrissem suas portas para receber os vendedores, principalmente os de venda domiciliar, como narra Hopkins (1966: 33):

Um fabricante de escovas tem cerca de 2.000 vendedores domiciliares, que vendem escovas de porta em porta. Alcança enorme sucesso num ramo que parece muito difícil. E o seria se seus vendedores pedissem às donas de casa que as comprassem. Mas eles não pedem. Chegam à porta e dizem: ‘Mandaram-me aqui para lhe dar uma escova. Trouxe umas amostras e gostaria que a senhora fizesse sua escolha’. A dona da casa é toda sorrisos e atenção. Ao pegar uma das escovas, vê diversas outras de que precisa. Está também ansiosa para retribuir o presente. E assim o vendedor obtém um pedido.

Naquele momento, divulgar e vender eram sinônimos, pois o processo de criar, produzir e veicular revestimentos simbólicos para as intenções mercadológicas das forças produtivas capitalistas davam seus primeiros passos por meio das ações retóricas dos homens de vendas. Note-se aí a ancestralidade da prática publicitária em relação ao marketing, cujas

80

estratégias atualizam o discurso herdado de dois personagens míticos da Idade Média: os charlatões e os mascates40. A intensificação daquelas relações fez o conceito de “vendas” evoluir para uma área do conhecimento das ciências da administração, o marketing, usualmente conceituado como a “planificação e a execução de um conjunto de atividades comerciais que têm como objetivo final a troca de produtos, ou serviços, entre produtores e consumidores” 41 (Gracioso, 1986: 15). Nesse contexto, inverte-se o papel da publicidade que, de protagonista, passa a ser apenas uma dessas “atividades comerciais”, que põe em conexão, ou em sintonia, as forças produtivas e os consumidores, por meio de uma estratégia de comunicação em larga escala.

O

marketing surge à frente da cena. Ao relacioná-lo com as reflexões sobre publicidade e cultura, é viável pensá-lo hoje como o cérebro do sistema produtivo de bens e serviços de consumo de massa. Cabe à publicidade ser sua expressão, ou seja, ser os sentidos da racionalidade mercadológica. Para além da corporeidade do próprio bem, cria-se uma outra, simbólica e imaginária para ele. Note-se que esse cérebro deixou de ter como objeto principal apenas o mundo do produto ou do mercado. O mercado não é mais o fim, mas a

40

Este tema será retomado ainda neste capítulo.

41 Segundo o conceito clássico da

American Marketing Association - AMA: Marketing is the process

of planning and executing the conception, pricing, promotion, and distribution of ideas, goods, and services to create exchanges that satisfy individual and organizational objectives. Para saber mais informações, acessar o site: [12/2/2004]

81

arena onde os “marketeiros” travam uma batalha de outra ordem, a batalha da percepção(Caramella, 2003) 42. O desenvolvimento tecnológico que aproximou as características técnicas dos objetos acabou por equiparálos também na mente do consumidor. A paridade técnica deslocou a diferenciação do plano material/real para o simbólico/perceptivo. É a era do “posicionamento”, para usar um termo em voga na área. Procura-se ocupar um lugar preciso na mente do consumidor-espectador para, sempre que surgir a necessidade X, ele a associe à imagem do objeto Y, e que essa imagem seja forte o suficiente para fazê-lo agir e consumir. Pertencendo o

marketing, portanto, ao mundo da percepção, e menos ao do produto, é o aparato cognitivo humano que tem precedência sobre o mercado.

Figura 18 - Fonte: Koolhaas, 2001: 612-3.

Cygler43(2003) defende que a avalanche de marcas não é o único motivo pelo qual somos compelidos a consumir marcas, ou seja, percepções — e não produtos. Outro problema é a absoluta falta de tempo 42

Informação verbal. Anotações de conferência realizada em 10/10/2003.

43

Jimmy Cygler é professor do MBA da ESPM e presidente da Resolve! Global Marketing. Em seu artigo na revista Exame “O mundo é Matrix?”, o autor analisa o atual momento das estratégias de marketing, acessível no site: [08/08/04]

82

do indivíduo contemporâneo. “A vida moderna ampliou brutalmente nossas incumbências. Um estudo recente afirma que 100 anos de vida útil não são suficientes para assimilar o conhecimento gerado na face da Terra num único dia”. A decisão de compra há muito deixou de ser uma decisão racional e individual. É claro que o produto deve funcionar, ser de boa qualidade, ser durável, ter garantias, assistência técnica etc., mas quem tem tempo para tanta racionalidade? Considerando a influência da mídia na vida cotidiana, o autor calcula que uma criança chega hoje à 1a série com suas sinapses moldadas por 6.000 horas de massacre televisivo, uma realidade que faz com que a cena em que Neo, personagem central de Matrix, aparece plugado diretamente no cérebro transforme-se numa metáfora menor, quase inocente44.

Esse bombardeio midiático moldará a forma como a criança enxerga o mundo e a publicidade, com suas táticas de sedução e por seu enfoque, ou seja, por ter objetivos bem definidos, cria percepções que pouco têm a ver com o produto em si. “O que é realmente muito complicado de avaliar é o que a mídia não comunica”, afirma Cygler. Ao forjar imagens mentais capazes de simular “realidades”, a publicidade, norteada pelos estudos de marketing, suscita o questionamento do autor: “existe, de fato, a tal da realidade, ou tudo é Matrix? Muito cuidado ao responder. Se sua opção for

44

Ibidem

83

pela segunda hipótese, você poderá ser desplugado sumariamente deste mundo”45.

Public idade e cu ltura: desv ios e apro xima ções Ao realizar uma operação simultaneamente estética e mercadológica, a publicidade extrapola em sua finalidade o âmbito estrito do mercado, para orientar, antecipar ou produzir valores e modelos de comportamento, configurando-se numa instituição social. Veículo de informação coletiva, a publicidade, assim como a família, a escola, os mass media, revela-se um agente de transmissão e de reforço de modelos culturais, para além de sua atividade comercial primeira. Ela influencia o indivíduo-consumidor a uma certa imagem dele mesmo; a um certo modelo de conduta, que ela estimula a modificar ou a reforçar, conforme as mudanças do ambiente e as intencionalidades em questão (Cathelat, 2001: 278). Ao destacar o fenômeno da ampla estetização do cotidiano que ocorreu no mundo ocidental, a partir da segunda metade do século XX, a comunicação publicitária produz-se mediante a elaboração de narrativas que afetam os modos de apreensão do mundo, como orientadores — não normativos, mas sugestivos — das condutas. A eficácia dessa comunicação não ocorre com base no argumento convincente, mas numa retórica que,

45

Ibidem

84

postulando

realidades,

opera

de

modo

performativo.

A

operação

publicitária realiza-se esteticamente: dirige-se à recepção sensorial e relaciona-se, simultaneamente, com a experiência do belo (Alves, 1998 : 10). A retórica publicitária distancia-se da referencialidade ao produto, tornando-se cada vez mais sugestiva, icônica e até metalingüística, quanto mais se intensificam dois fatores: a multiplicação da oferta de produtos e marcas, equivalentes em tecnologia e o desenvolvimento dos modos de produção midiáticos, principalmente no que tange às tecnologias de impressão e processamento de imagens fotográficas e audiovisuais. O sucesso mercadológico da publicidade reside em sua eficácia ao convocar um universo determinado de signos que, metaforicamente ligados à mercadoria anunciada, insira a mercadoria-signo em um universo de práticas e valores pertinentes a determinado grupo de receptores, supostos consumidores potenciais (Alves, 1998: 1). A eficácia da peça publicitária será avaliada pela correspondência entre o desejo provocado e o consumo efetivo. A publicidade, ao exponenciar o traço “comunicador” dos bens, ao fornecer os dispositivos simbólicos de individuação desses objetos, contribui para a ritualização do consumo. Sabe-se que, por meio de rituais, os grupos selecionam e fixam — graças a acordos coletivos — os significados que regulam a sua vida (Garcia Canclini, 1997: 58). Apesar de poder expressar-se em uma forma verbal, o ritual é mais eficaz quando surge aliado a bens materiais. Sob essa perspectiva, os bens

85

são complementos ou acessórios dos rituais: o consumo é um processo ritualístico, cuja função primeira consiste em dar sentido ao fluxo intenso dos acontecimentos e das informações cotidianas (Jahlly, 1995: 21). A mediação publicitária implica o conhecimento profundo do consumidor. Por não ser possível calcular o efeito independente da publicidade no processo de consumo é que Schudson (1984: 13) afirma que a “publicidade é bem menos poderosa do que clamam os publicitários e seus críticos”46. Contudo, a publicidade ambiciona a totalidade da cultura quando engendra “modelos de desejo”, cuja produção (sistemática) viabiliza-se no processo pelo qual “o gosto atribuível a um universo de receptores (o público-alvo) é transferido à mercadoria, como sua propriedade intrínseca” (Alves, 1998: 10). Isso não significa afirmar que a publicidade seja a cultura, porque a cultura é anterior ao mercado. Os bens podem ter funções econômicas e publicitárias, mas eles têm também outras dimensões, nem sempre funcionais, nem sempre estruturais ou fisiológicas a uma estrutura social. Os bens não são apenas produtos de uma sociedade de consumo, porque eles a precedem. Os bens estão para o homem como todas as outras dimensões da vida, posto que não é senão “totalmente” (como propõe Mauss47) que a cultura se expressa.

46

Do original em inglês: advertising is much less powerful than advertisers and critics of advertising

claim. 47

Em seu Ensaio sobre o dom, Marcel Mauss (1950: 275) estuda os fatos sociais totais ao forjar a equação concreto = completo. Os fatos sociais são, ao mesmo tempo, religiosos, econômicos,

86

Quanto à homogeneidade do sistema publicitário e sua redundância discursiva, a relação entre a publicidade e a opinião pública movimenta-se em outra direção.

As pesquisas de mercado ditas “qualitativas” são

mecanismos extremamente sofisticados de mapeamento e aferição das tendências desse “corpo social”. Contudo, o que se vê como tendência desse conhecimento é um direcionamento, uma especificação da forma argumentativa das campanhas, que restringe o espaço e a utilização das estratégias retóricas.

Reduz-se o foco da comunicação a um elemento

estético único que será amplificado pela repetição, pelo volume de inserções da campanha, ou seja, conquista-se a adesão do auditório pela via quantitativa (seja numérica, seja pela diversidade das mídias utilizadas). Nesse sentido, a opinião pública é hoje a fonte e o alvo do sistema publicitário. Cabe a ele o processamento e a transformação dos desejos e tendências, ainda não elaborados dos públicos, em conteúdos estéticos capazes de espelhar e, ao mesmo tempo, moldar esses desejos. O hábito de “escutar” essa alteridade chamada auditório e o esforço em atender às solicitações desejantes dos sujeitos, ainda que esse esforço se restrinja aos bens consumíveis, geram uma cumplicidade que fortalece a relação entre a publicidade e a opinião pública.

estéticos e morfológicos, quando são levados em consideração os sentimentos que desenvolvem os homens em grupo: “[...] podemos perceber o essencial, o movimento do todo, o aspecto vivaz, o instante fugidio quando a sociedade e os homens tomam consciência sentimental deles mesmos e de sua situação somente na relação com o outro”.

87

O público-alvo circunscreve as possibilidades de um modelo de comportamento que se atualiza no domínio da recepção, e como a recepção da publicidade ocorre com uma larga margem de independência do consumo efetivo dos produtos que ela anuncia, seu papel de difusora de modelos interpretativos do mundo torna-se ainda mais relevante (Alves, 1998: 2). A precedência do cultural confirma-se quando as imagens publicitárias globalmente difundidas geram um consumo mais imaginário do que material. No Brasil neoliberal, o discurso dominante não esconde que o usufruto de qualquer bem de mercado no país é privilégio de uma elite econômica. Para a grande maioria, que não tem acesso aos bens e serviços anunciados pela publicidade, esta se mostra uma entidade autocentrada e misteriosa, que não se refere a outra coisa senão a si mesma. Uma espécie de publicidade intransitiva, pois “no Brasil há apenas um produto cujo consumo seja provavelmente mais generalizado do que em qualquer outra parte do mundo: a própria publicidade” (Ascher, 1999: 11) 48.

A homog ene id ade de um s istema de comun icaç ão

Se é preciso ressaltar a ambigüidade do fenômeno publicitário, objetivos comerciais e efeitos culturais, deve-se também insistir em sua unidade. A publicidade não é uma coleção aleatória de anúncios: para além 48

Nelson Ascher em matéria intitulada “O paradoxo da propaganda intransitiva”, publicada na

Folha de São Paulo, revista da TV, em 10/10/2000.

88

da heterogeneidade dos produtos, dos públicos, dos argumentos, existe a homogeneidade de um sistema de comunicação de massa (Cathelat, 2001: 273). A publicidade é uma técnica que expressa códigos internacionais de elaboração simbólica. Os veículos de comunicação são meios tecnológicos de uma cultura, assim como os meios de transporte, os instrumentos de produção, os circuitos de distribuição, as formas de habitação e urbanismo. A sociedade, graças às mídias, torna-se uma caixa de ressonância, onde os ecos amplificam ao infinito a mensagem e as reações que suscita. Essa redundância não implica a sinonímia das mensagens, mas a sua coerência (Cathelat, 2001: 94-5). Parte

do

poder

da

mensagem

publicitária

advém

do

fator

redundância, ou seja, por mais que os conteúdos de todos os anúncios do mundo sejam diferentes, a mensagem de fundo é única: consiste em glorificar os prazeres e as vantagens da liberdade de escolha, defendendo as virtudes da vida privada e da ambição material (Schudson, 1984: 19). Ela idealiza o consumidor e o consumo. À essa redundância junta-se a pressão publicitária global e seu impacto repetitivo. mensagem,

sua

ubiqüidade

e

sua

profundamente os receptores em

repetição

A simplicidade dessa acabam

por

marcar

sua mediação cotidiana com a

publicidade. Assim, a publicidade assume a sua dimensão imaginária, para além das dimensões funcional e simbólica. Emprestando ao produto uma dimensão

89

especular, através do qual o sujeito vê sua própria imagem, o produto incorpora as motivações mais profundas e irracionais de evasão, de metamorfose, de idealização e de alheamento de si. À sofisticação das recentes estratégias de marketing que visam mapear a “percepção” dos sujeitos, a publicidade a replica ao produzir uma linguagem espetacular, quebrando seus códigos habituais da demonstração técnica, para fazer o objeto transmutar-se numa parte do sonho do consumidor (Cathelat, 2001: 39). A tridimensionalidade retórica e estética dos conteúdos publicitários explora os recursos técnicos oferecidos pelos suportes e veículos nos quais eles serão alocados. Os conteúdos direcionados à mídia exterior serão marcadamente sucintos, justamente pela limitação da “atenção” que o suporte da mídia exterior é capaz de gerar. Seu impacto é inversamente proporcional à manutenção a atenção do sujeito em fluxo por conta das contingências de recepção. Mas a produção da linguagem específica para a publicidade de rua é ancestral e se configura historicamente por meio da evolução de uma gráfica urbana.

Ar queo log ia dos anúnc ios de rua Quando o significado dos elementos imagéticos só pode ser entendido com a ajuda de um código ou de uma convenção social, diz-se que a imagem se tornou símbolo (Nöth, 1998: 150). As tramas das

90

manifestações simbólicas da atividade comercial, que dariam origem à publicidade, são antigas49. Na Mesopotâmia, os comerciantes de vinho divulgavam seus produtos em axones, ou seja, pedras talhadas em relevo. Os gregos gravavam suas mensagens em rolos de madeira denominados

cyrbes. E na Roma Antiga encontra-se o DNA do que seria um cartaz mural: retângulos divididos por tiras de metal instalados em muros pintados de cores claras, onde qualquer interessado poderia inscrever — com carvão — mensagens de venda, compra ou troca de mercadorias (Minami, 2001), o que prova que a publicidade exterior, de rua, feita por meio desses anúncios, é a configuração mais antiga do métier (Lagneau, 1987: 5). Até a aceleração do processo produtivo ocorrido a partir da primeira Revolução Industrial, o que havia eram traços, indícios esparsos e rarefeitos de uma linguagem. Alguns autores denominam o período da atividade que vai do seu aparecimento até à invenção da prensa guttemberguiana de

páleo-propaganda (Cathelat, 2001: 53). Até então, os anúncios ainda tinham escala humana — cartazes eleitorais ou inscrições comerciais romanas (álbum) — e local privilegiado de ação, como as fachadas dos pequenos estabelecimentos comerciais ou as praças e ruas centrais, em geral, sob duas formas: brasões de ofícios e/ou letreiros afixados sobre os mais variados suportes e formatos, ou também podiam ser sonoros, amplificados pela voz dos oradores públicos da Idade Média.

49

Os dados apresentados a seguir foram recolhidos na exposição “250 ans de la publicité”, realizada no Musée de la Publicité, Paris, 2001

91

Desde o século XII, anunciantes (leiloeiros) juramentados percorriam o coração das cidades, declamando (escandindo as sílabas métricas) receitas e pareceres diversos.

A invenção de Gutemberg amplificou o que era,

predominantemente, passado em alto e bom som pela voz empostada dos intérpretes, para tomar emprestado o termo de Paul Zumthor (2001: 55). O ritmo do tempo ainda não se uniformizara e permanecia específico aos lugares. E cada um deles era palco para o exercício da vocalidade dos intérpretes, ou seja, o uso da voz somava-se a uma performance corporal provocadora de uma percepção mais sensorial do que racional.

Pela boca, pela garganta de todos esses homens pronunciava-se uma palavra necessária à manutenção do laço social, sustentando e nutrindo o imaginário, divulgando e confirmando os mitos, revestida nisso de uma autoridade particular, embora não claramente distinta daquela que assume o discurso do juiz, do pregador, do sábio. [...] Todas as grandes polêmicas de então ganharam por essa via os lugares públicos, envolvendo as multidões nessa tradição que se manteve até os tempos de Luís XIV (Zumthor, 2001: 67-8).

Entre os intérpretes mercantis mais notórios situam-se os charlatões e os mascates. O termo charlatão, de acordo com Le Petit Robert (1988: 707), foi

[...] tomado de empréstimo (1572) do italiano, tendo o mesmo sentido de ciarlatano (séc. XV), que resulta do cruzamento de cerretano, literalmente ‘habitante de Cerreto’, de onde vem a figura de ‘apregoador dos mercados’, ‘vendedor público de drogas’, — Cerreto é o nome de um vilarejo próximo de Spoleto,

92

cujos habitantes freqüentemente vendiam drogas nos mercados —, e de ciarlare ‘chalrear, tagarelar’, formação expressiva correspondente ao provençal charrá (= algaravia, charada). A palavra designa, pejorativamente, um trapaceiro, um vendedor ambulante que oferecia drogas nos mercados e extraía dentes. Daí, por extensão, impostor que explora a boa-fé do público (1668). Não há essa conotação negativa na África, onde designa aquele que tem poderes divinatórios 50.

Esses anunciadores de fórmulas miraculosas são o marco inicial de uma relação que ainda hoje se mantém: medicamentos e produtos de beleza foram os primeiros a estabelecer uma divulgação regular, pois os laboratórios investiam em impressão de panfletos e divulgação oral dos produtos. Atualmente, a indústria farmacêutica resiste como uma das primeiras em investimentos publicitários globais. Não em virtude de uma premonição, mas porque há uma continuidade entre as atitudes dos charlatões51 e aquelas dos modernos publicitários. Em comum, a pedra de toque do discurso persuasivo, o produto miraculoso a gerar campanhas no sentido moderno do termo, aquela que contará com um argumento central

50

Do original em francês: charlatan est emprunté (1572) à l’italien de même sens ciarlatano (XV e s.),

lequel est issu du croisement de cerretano, littéralement ‘habitant de Cerreto’, d’où au figure ‘crieur sur les marchés’, ‘bonimenteur, marchand de drogues’, - Cerreto est le nom d’un village près de Spolète dont les habitants vendaient souvent des drogues sur les marchés -, et de ciarlare ‘bavarder’, formation expressive correspondant au provençal charrá (= charabia, charade). Le mot désigne un bateleur, souvent péjorativement un vendeur ambulant qui débitait des drogues sur les marchés et arrachait les dents d’où, par extension, tout imposteur exploitant la crédulité publique (1668). Il n’a pas cette valeur négative en français d’Afrique, où il désigne celui qui a des pouvoirs de devin. 51

Segundo Bonnage (1987: 19), «a pedra de toque dos charlatões foi desde sempre o produto miraculoso, o efeito placebo». Em francês: la pierre de touche des charlatans, c’est, depuis

toujours, le produit miracle, l’effet placebo.

93

visando um efeito mais psicológico do que real (Bonnage, 1987: 19). Ressalve-se que essas estratégias discursivas não são exclusivas da publicidade, pois estão presentes também nos discursos políticos e religiosos. Esse

personagem

mítico,

o

“charlatão”,

aproxima-se

do

“mascate”, assim descrito por Braudel (1979: 69):

Os

mascates

são

mercadores,

geralmente

miseráveis,

que

carregam nas costas poucas mercadorias. Eles não poupam uma série de manobras apreciáveis para realizar seus escambos. Eles preenchem nas cidades, e mais notoriamente nos burgos e nos vilarejos, as falhas das redes de distribuição costumeiras. Como essas falhas são numerosas, eles pululam, o que é uma marca da época52.

Ao enumerar as múltiplas denominações que essa atividade mercante possuía nos diferentes países da Europa, Braudel (1979: 71) afirma tratar-se de uma atividade de difícil definição, mas de extrema importância à dinâmica social dos séculos XVI e XVII: “as atividades dos mascates teve seus efeitos massivos. A difusão da literatura popular e dos almanaques entre a população campesina foi um mérito quase que só deles 53. A vocalidade (Zumthor, 2001: 21) cativante desses personagens foi capaz de 52

Do original em francês: Les colporteurs sont des marchands, d’ordinaire misérables, qui ‘portent au col’, ou

tout bonnement sur le dos, de très maigres marchandises. Ils n’en constituent pas moins pour les échanges une masse de manoeuvre appréciable. Ils comblent dans les villes mêmes, plus encore dans les bourgs et les villages, les vides des réseaux ordinaires de distribution. Comme ces vides sont nombreux, ils pullullent, c’est un signe du temps. 53

Do original em francês: les activités des colporteurs, ajoutées les unes aux autres, ont des effets de

masse. La diffusion de la littérature populaire et des almanachs dans les campagnes est à peu près leur seul fait.

94

gerar vínculos socioeconômicos, e também culturais, com as comunidades mais longínquas, na medida em que eles eram o mais eficaz meio de comunicação entre a população campesina e as “novidades” vinda das capitais. Graças ao intenso processo de alfabetização instituído a partir do século XVIII na Inglaterra e na França, nesses dois países a publicidade pôde se desenvolver. Em 1630, Théophraste Renaudot, considerado o fundador da publicidade francesa, criou em Paris o seu Bureau de rencontre

et d’adresse, um protótipo de agência, que, além de ser um espaço de encontro, também recebia pequenos anúncios e os difundia pelas vias públicas por meio de impressos (Lagneau, 1987: 23). A palavra inglesa advertising, que designa a atividade publicitária comercial (paga), é um empréstimo do termo erudito francês entr’avertir, utilizada por Montaigne (1965: 282) no pequeno capítulo intitulado D’un

défaut de nos polices (tome I, Chapitre XXXV), do primeiro livro dos Ensaios, no qual sugere que seria positivo se cada cidade tivesse um escritório público, aberto a todos, destinado à inscrição e à consulta das ofertas e dos pedidos dos particulares.

Procuro vender pérolas, procuro pérolas para vender. Fulano quer companhia para ir a Paris; beltrano busca um criado com determinada qualidade; sicrano procura um patrão; um outro pede um operário; tal isto, tal aquilo, cada qual conforme sua necessidade.

E

parece

que

esse

meio

de

nos

informar

(entr’advertir) proporciona uma nada passageira comodidade ao

95

comércio público, pois a todo momento criam-se condições de procura e, por não se entenderem e atenderem, ficam os homens em extrema necessidade

54.

Parece que Montaigne anteviu o que se configuraria, séculos depois, numa

característica

marcante

dos

espaços

públicos

burgueses.

O

desenvolvimento simultâneo dos jornais, dos cafés e das agências de publicidade tem seu mote particular na cidade de Londres onde, por volta de 1750, estima-se que havia mais de dois mil coffee houses nos quais se consumiam cafés, chás e refrescos. Esses espaços se transformaram também em gabinetes de leitura pois, geralmente, pagava-se apenas um

penny ao bar para consultar as gazetas. No centro do jogo social armado pelos cafés, havia o serviço de imprensa, que era duplo: não apenas os freqüentadores podiam consultar os jornais, como também os jornalistas ali iam para saber as novidades. E era ainda nesses cafés que os jornais encontravam os anunciantes, que os faziam cumprir o duplo papel de agência de publicidade e agência de notícias (Lagneau, 1987: 23). A urbanização da Europa Ocidental no século XIX salientou o papel dos cafés como lugar de encontro, numa sociedade que amplia a ligação entre locais de trabalho e residência, família e profissão, trabalho feminino e trabalho masculino (Einaudi, 1986: 430). 54

Do original em francês: Je cherche à vendre des perles, je cherche des perles à vendre. Tel veut

compagnie pour aller à Paris ; tel s’enquiert d’un serviteur de telle qualité ; tel d’un maître ; tel demande un ouvrier ; qui ceci, qui cela, chacun selon son besoin. Et semble que ce moyen de nous entr’advertir apporterait non légère commodité au commerce public; car à tous coups il y a des conditions qui s’entrecherchent, et, pour ne s’entr’entendre, laissent les hommes en extrême necessité.

96

A “po lis ” como o lug ar da v is ib ilid ade e da “ le xis ”

O espaço urbano como um locus da atividade publicitária é uma hipótese histórica e socialmente comprometida com as formações e transformações das esferas pública e privada das organizações sociais, incluído aí o espaço ocupado por essas esferas nas cidades. Essa discussão é fundamental porque perpassa duplamente o objeto desta tese. A ponta do debate público envolve os diversos atores na produção e veiculação da mídia exterior, no domínio da palavra ( logos), que se articula em discurso (lexis), e ação (ivo/drama) condizentes com as intencionalidades privadas momentâneas. Por outro lado, o resultado do investimento dos atores no discurso-ação ganha sua configuração física pública, visível a todos, impressa na paisagem, que passa a povoar o imaginário coletivo urbano. Na falta de uma teoria geral de cidades, torna-se essencial o conceito de centralidade: a cidade como o centro de culto e posteriormente como o espaço permanente do mercado, da concentração de órgãos de decisão, a cidade como capital de um Estado. Trata-se de uma forma que admite conteúdos variáveis, mas é a idéia de “cidade como o locus da produção” (Santos, 1985: 18) que será examinada aqui. Sua forma de comunidade ou de coletividade é, por princípio, essencialmente política. Polis provém de uma palavra que significa ‘cidadela’ e liga-se a politeia. Fustel de Coulanges (apud Einaudi, 1986:

97

397-8) afirma a respeito da polis greco-latina que “cidadania e cidade não eram sinônimos para os antigos, e cidadania era a associação religiosa e política das famílias e das tribos; a cidade era o ponto de reunião, o domicílio e sobretudo o santuário da associação”. É na polis que vai surgir o que Arendt (1997: 211) chama de “espaço da aparência e do poder”, aquele que exige dos homens a modalidade e a habilidade do discurso (lexis) e da ação (praxis). A condição para a existência da esfera pública é o poder, mas como um potencial de poder, o espaço da aparência entre homens que agem e falam, não sendo uma entidade imutável como a força. Enquanto a força é uma qualidade “natural de um indivíduo isolado”, o poder passa a “existir entre os homens quando eles agem juntos, e desaparece no momento em que eles se dispersam” (Arendt, 1997: 212). A peculiaridade da constituição formal da esfera pública reside no fato de que, ao contrário dos espaços físicos construídos pelo trabalho, ela depende do investimento humano em se relacionar: “onde quer que os homens se reúnam, esse espaço existe potencialmente; mas só potencialmente, não necessariamente nem para sempre” (Arendt, 1997: 212). A ação e o discurso nesse contexto são circundados pela teia de atos e palavras de outros homens, que estão em permanente contato com ela. A esfera dos negócios humanos consiste na teia de relações que existe onde quer que os homens vivam juntos. À revelação da identidade pelo discurso corresponde à revelação da intencionalidade pela ação, que

98

incidem sempre sobre uma teia já existente, e nela imprimem suas conseqüências imediatas. Embora o mundo seja um terreno comum a todos, os que estão presentes ocupam diferentes lugares, e o lugar de um não pode coincidir com o lugar do outro. Ser visto e ouvido por todos é importante pelo fato de que todos vêem e ouvem de ângulos diferentes. É esse o significado da vida pública. Somente quando as coisas podem ser vistas por muitas pessoas, sob muitos aspectos, mas sem alterar a sua identidade, de forma que os que estão à sua volta saibam discerni-las mesmo em um ambiente de completa diversidade, é que a realidade do mundo manifesta-se fidedigna (Arendt, 1997: 67). No espaço da antiga polis a ênfase passara da ação para o discurso como meio de persuasão e não como forma especificamente humana de responder, replicar e enfrentar o que acontece ou o que é feito. O ser político, o viver numa polis, significava que tudo era decidido mediante palavras e persuasão, e não através da força. Para os gregos, forçar alguém pela violência, ordenar ao invés de persuadir eram modos pré-políticos de lidar com as pessoas, típicos da vida fora da polis (Arendt, 1997: 35-6). Se a polis era para os gregos o que a res publica era para os romanos, ou seja, a garantia contra o despotismo da vida familiar, o espaço da permanência e das grandes causas, em contraponto à futilidade dos espaços individuais, é nela que os indivíduos buscaram o reconhecimento de seus pares. Essa busca prevê, conforme Habermas (1976), a admiração

99

pública como algo a ser usado e consumido; e o status satisfaz uma necessidade como o alimento satisfaz outra: a admiração pública é consumida pela vaidade individual da mesma forma como o alimento é consumido pela fome (Arendt, 1997: 66). A admiração pressupunha a “visibilidade” como qualidade inerente à esfera pública. No momento em que Habermas (1976: 16) afirma que “só à luz da esfera pública é que aquilo que é consegue aparecer, tudo se torna visível a todos”, nota-se como a ascensão burguesa formulou suas estratégias comerciais na esfera pública:

[...] na conversação dos cidadãos entre si é que as coisas se verbalizam e se configuram; na disputa dos pares entre si, os melhores se destacam e conquistam sua essência: a imortalidade da fama. Assim [...] a polis oferece campo livre para a distinção honorífica: ainda que os cidadãos transitem como iguais entre iguais (homoioi), cada um deles procura, no entanto, destacar-se (aristoiein). As virtudes, cujo catálogo Aristóteles codifica, mantêm apenas a esfera pública: lá é que elas encontram o seu reconhecimento (Habermas, 176: 16).

Embora os gregos não fizessem uma distinção tão severa entre o espaço íntimo da oikos (casa), e o espaço comum da agora (praça), ambas se configuravam distintamente pelas categorias associadas a uma e a outra: intimidade e visibilidade. Nesse sentido, o espaço da agora, como locus do encontro e da conversação (lexis), assume papel central da bios politikos e, portanto, da

polis. A praça era o lugar concreto no qual os cidadãos se encontravam

100

para debater as ações que interessavam ao governo da cidade, era “o espaço político por excelência e se distinguia da esfera privada do domicílio e, por extensão, do econômico” (Wanderley, 1996: 96).

Tensões entre o público e o privado É fato que ainda não havia, na língua grega, nenhum radical que se referisse à idéia de “público”. Importava a diferenciação entre o que era próprio do indivíduo — ser —, e o que era do conjunto de indivíduos — aparecer. As decisões da bios politikos deveriam ser conhecidas por todos os cidadãos para que delas tomassem ciência e se submetessem às escolhas da maioria. À época da constituição dos Estados nacionais absolutistas, essa ação de dar a conhecer torna-se equivalente a “publicizar” como categoria abstrata de eliminação do segredo burocrático e transparência na atuação, ou seja, que deveria dar informação verdadeira a toda a sociedade a respeito das atividades estatais, como base para a democratização do Estado (Wanderley, 1996: 96). Originário das Luzes, esse espaço público moderno, “burguês”, significava a contestação ao absolutismo, pois “as pessoas privadas se reuniam nos cafés, clubes, salões, para intercambiar suas experiências” (Wanderley, 1996: 97). Ali onde surge a exposição da opinião livre do cidadão origina-se a categoria da “opinião pública e a sua relativa

101

institucionalização como campo autônomo de legitimidade” (Rodrigues, 1997: 38). A opinião pública nascente constitui o direito de formação de correntes pluralistas de uma razão separada da razão do Estado, muitas vezes contraditória em relação às suas pretensões, e uma vontade independente da vontade do soberano. É nas sociedades, nos clubes privados e, mais tarde, nos cafés, que as correntes de opinião vão se formar (Rodrigues, 1997: 38).

O sujeito dessa esfera é o público enquanto portador de opinião pública; à sua função crítica é que se refere a “publicidade” (Publizität) como, por exemplo, o caráter público dos debates judiciais. No âmbito da mídia, a “publicidade” certamente mudou de significado. De uma função da opinião pública tornouse também um atributo de quem desperta a opinião pública;

public relations, nome com que recentemente foram batizadas os “relacionamentos com o público” e que têm por objetivo produzir tal publicity (Habermas, 1976: 14).

Note-se que a publicity, em inglês, citada por Habermas, corresponde, em português, às relações públicas, disciplina da comunicação que trata dos relacionamentos entre organizações e instituições e seus diversos públicos, tendo como objetivo principal a construção de uma opinião pública favorável. Em inglês, advertising é o que denomina o equivalente, em português, à publicidade comercial. A discussão a respeito da crescente subordinação das disciplinas da comunicação, como publicidade, relações públicas, jornalismo (assessoria de imprensa), promoção de vendas e

102

editoração, às intencionalidades do marketing é um debate tão atual quanto refratário à complexidade de uma reflexão a respeito das condições das esferas que deram origem àquelas disciplinas. O espaço público viu a sua ligação inicial com a esfera política e estatal deslocar-se gradualmente para a esfera burguesa. Essas primeiras “esferas públicas” burguesas eram “lugares” de convivência, notórios como cafés, passagens, clubes, salões e tavernas, em contraponto aos tradicionais espaços das ruas, avenidas e praças. E é a condição inerente da esfera pública como o espaço da “visibilidade” que vai, para Rodrigues (1997: 38), aproximar os conceitos de espaço e de mercado:

[...] à medida que a classe burguesa assume um papel determinante na organização social, a natureza representativa do poder vai cedendo às modalidades jurídicas de gestão de uma nova modalidade de espaço, a do mercado. É neste novo contexto que emerge a idéia de Estado como entidade organizadora do mercantilismo, que surge a necessidade de tornar público, de dar

a conhecer tanto os produtos disponíveis e os valores monetários como as regras que regem a sua circulação. No quadro desta nova forma de ‘publicidade’ burguesa, categoria abstrata de regulação do espaço do mercado, a privacidade converte-se, pela primeira vez, num direito que assiste ao cidadão livre, o de assegurar a defesa de sua autonomia perante a ingerência do Estado soberano, tanto no domínio de suas idéias como na esfera da vida doméstica, na esfera político-ideológica como na esfera econômica.

É a constituição da esfera pública burguesa que faz surgir a sociedade civil, corpo social cuja razão e o saber já não existem apenas como

103

contraponto

às vontades despóticas dos soberanos mas que, ao

testemunhar todas as radicais transformações ambientais provocadas pelo desenvolvimento e aplicação cotidiana de novos saberes técnicos, deslocará o lugar do cidadão de uma opinião esclarecida para um consumidor de produtos discursivos, pois

segundo a ordem social burguesa, a sociedade civil surge, aparentemente, como uma nova leitura da esfera pública da democracia grega, na medida em que, aos espaços concretos da notoriedade, à agora, à lexis, à polemos e à agonia, lhes substitui o espaço abstrato, separado, cada vez mais autônomo, condição indispensável à instauração de uma publicidade circulante, regida pelas leis modernas da mercadoria (Rodrigues, 1997: 40-1).

Restrita aos proprietários de bens e/ou de saber, isto é, aos detentores de um capital econômico e/ou simbólico, a sociedade civil excluía, até meados do século XX, vastos setores da esfera pública — mulheres, operários, camponeses. Esses grupos sociais eram vistos, no melhor dos casos, como virtuais cidadãos e apenas alguns poucos intelectuais e políticos — Mikhail Bakhtin, Antonio Gramsci e Raymond Williams (Garcia Canclini, 1997) —, admitiam a existência paralela dessa espécie de “esfera pública plebéia”, informal, organizada por meios de comunicações orais e visuais mais do que escritos. Assim, as legítimas lutas sociais que garantiram os direitos de cidadania a esses grupos só foram possíveis porque também, em determinado momento, eles foram percebidos pelo mercado como consumidores.

104

Com efeito, costuma-se dicotomizar a relação consumo x cidadania quando se imagina o consumo como o lugar do suntuoso e do supérfluo, onde os indivíduos aparecem como meros fantoches dos estudos de mercado e táticas publicitárias, ao mesmo tempo em que se reduz a cidadania a uma questão política, ou de participação ativa na esfera pública. É fato que as identidades baseiam-se, em grande parte, no consumo. Atualmente, elas dependem fundamentalmente daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a possuir. E qual é a linguagem do consumo? Qual é, como propõe Baudrillard (1993), a forma mais sofisticada da coisa mercadoria senão a publicidade? O desenvolvimento do mercado e do sistema capitalista global dotou a publicidade de tecnologia, artifício e visibilidade. Quando o ato de consumir se transforma em ato cultural legitimador, é o momento em que a forma mercadoria alcança o seu estágio mais sofisticado. Os indivíduos buscam o “reconhecimento público” (como visto por Arendt e Habermas) por meio dos sentidos agregados ao produto consumido. Note-se que o sujeito compra não apenas o objeto mas o discurso legitimador impresso nele pela publicidade. Ou quando não compra efetivamente o produto, partilha, ainda que involuntariamente, as teias de sentidos tornados públicos pela

lexis publicitária, o que reforça a idéia de propaganda intransitiva assinalada por Ascher (1999).

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Quando o espaço público, além de ser a dimensão onde o indivíduo vai buscar o reconhecimento e admiração pública, passa a ser também um espaço publicitário, ele se transforma em discurso, em espaço lexis ou uma paisagem, no qual o sujeito é duplamente implicado. A paisagem urbana, com seus pontos de referência afetivos ou habituais, com seu complicado, mas rico e significativo conjunto de signos e sinais, com seus mitos e ritos, compõe redes simbólicas que envolvem e seduzem, determinando as diferenças conceituais entre espaços e territórios na relação com as subjetividades, afinal, “o espaço do mapa dos urbanistas é um espaço; o espaço real vivido é o território. O território é uma noção que incorpora a idéia de subjetividade. [...] Esses territórios determinam as identidades” (Rolnik, 1992: 28). O espaço veicula toda uma carga simbólica. O próprio espaço é a mensagem, para citar, transversalmente, McLuhan (1988: 27). Fundamental a essa perspectiva é perceber o contraponto entre os valores rurais e urbanos, em relação à ocupação da terra, ou do espaço, porque

[...] no processo de produção social, a terra urbana transforma-se em espaço urbano. Nesta transformação da terra em espaço,

todas as qualidades naturais da terra, tão centrais à determinação da renda fundiária, caem. A renda devida aos proprietários das terras urbanas é determinada inteiramente pela valorização diferencial das atividades humanas, dos trabalhos humanos que “ocorrem” nessas terras. Aquilo que transforma esta terra em “espaço” é apenas e somente a atividade humana. No capitalismo portanto, a terra “urbana” é a forma espacial do

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trabalho humano valorizável [...]. Nos contextos urbanos, o que é fundamental ao confrontar-se com o problema da renda não é a

fertilidade do terreno mas sim a sua localização. A localização é um conceito relativo e enormemente dependente da relação que o liga à atividade humana valorizável (Jhally, 1995: 162-3).

O espaço se configura a partir das condições que ele oferece para a produção, para a circulação, para o consumo, para a residência, para a comunicação, para o exercício da política, das crenças, para o lazer, enfim, para a vida. E a cidade, nesse raciocínio, é uma “realidade sócio-espacial em permanente processo de transformação” (Santos, 1985: 49) que não se restringe a uma representação matemática ou geométrica. O uso direto do espaço, como suporte do processo produtivo e como meio de trabalho tecnicamente elaborado, eleva a uma importância inédita a sua capacidade de transferir valor ao conjunto de instrumentos e meios de trabalho que nele têm base. Trata-se de um espaço-valor, mercadoria cuja aferição se dá pela sua prestabilidade ao processo produtivo e pela parte que toma na realização do capital. Por isso, nas cidades (como, de resto, nos demais subespaços nacionais), as diversas frações do território não têm o mesmo valor e, igualmente, estão sempre mudando de valor. Esses fatores não são um privilégio do processo produtivo propriamente dito, mas são comuns à circulação, à distribuição e ao consumo. O espaço é um capital comum a todos, mas sua utilização é reservada àqueles que dispõem de um capital particular. O espaço é mercadoria universal. Assim como se fala da produtividade de uma máquina, de uma

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plantação ou de uma empresa, também se pode falar de produtividade espacial. O conteúdo técnico e científico das formas urbanas novas e renovadas, dado cada vez mais presente na evolução recente das cidades, atribui, em nossos dias, um significado todo especial à produção do espaço como condição da produção de valor pelos que devem utilizá-lo como suporte. Os lugares, portanto, distinguem-se pela diferente capacidade de oferecer rentabilidade maior ou menor aos investimentos, em virtude das condições

locais

de

ordem

técnica

(equipamentos,

infra-estrutura,

acessibilidade) e de organização (leis locais, impostos, relações trabalhistas, tradição laboral). A ocupação do espaço é resultado de uma “seletividade histórica e geográfica que obedece a um número infinito de critérios em função das necessidades presentes e futuras”, ao passo que a paisagem é o “resultado de uma acumulação de tempos” (Santos, 1982: 37) que se configura diferentemente a cada período histórico. As formas ou artefatos de uma paisagem resultam de processos passados, mas ela não é fixa e se transforma junto com a sociedade. Daí ela ser composta por objetos naturais e sociais. É a paisagem que se transmuta em imagem, em cartão postal ou em objetos, enfim, em todo tipo de

souvenirs.

108

O urbano transformado em espetáculo

O homem sempre usou a linguagem para “antropologizar” o espaço. O meio tornou-se menos hostil para o homem das cavernas a partir do momento em que ele foi capaz de representá-lo em seus desenhos. “A simbolização do espaço constitui, para aqueles que nascem numa sociedade, um a priori a partir do qual se constitui a experiência de todos” (Augé 1997: 15). O espaço se transforma, assim, num lugar. E este lugar é triplamente simbólico, pois é identitário, relacional e histórico. Naquele primeiro momento, a identidade era construída pela relação direta entre as diferentes alteridades do grupo, mas quando começaram a surgir os novos espaços da modernidade e as novas mobilidades correspondentes a eles, a elaboração do pensamento sobre o outro ficou trincada. Assim, o espaço em suas múltiplas dimensões fornece a estrutura mais satisfatória para abordar a questão identitária. E espaço em suas múltiplas dimensões, talvez seja, como sugere Castells (1996), nada mais do que um tempo simultâneo. Silverstone (2002: 23-4) propõe pensar a vida cotidiana e a relação com o espaço e com a mídia, pela metáfora do viajante, que se move de um lugar para outro, de um ambiente midiático para outro, estando às vezes em mais de um lugar ao mesmo tempo, entre espaços privados e públicos. Entre espaços locais e globais. Passa-se de lugares sagrados a seculares; de reais a ficcionais e virtuais, e vice-versa.

109

Percebem-se as semelhanças que apresentam, em diversas partes do mundo, os espaços destinados ao consumo, à comunicação e ao tráfego. Há uma multiplicação dos espaços da circulação (metrôs, auto-estradas, vias aéreas), do consumo (grandes supermercados) e da comunicação (telefone, fax, televisão, redes de tv a cabo, internet). O processo de “espetacularização” do mundo urbano baseia-se na proliferação de imagens que se impõem cada vez mais aos cidadãosespectadores. Esse processo habitua, inconsciente e insensivelmente, a uma relação que será mantida apenas pela mediação de imagens: Talvez o único mundo de que se possa falar hoje seja do mundo da imagem... Com seus grandes centros comerciais, seus aeroportos, sua publicidade de rua, todas as maneiras de difusão da imagem, suas incertezas específicas, suas zonas inqualificáveis mas também com suas seduções próprias (novas realizações, grandes

projetos,

iluminação,

inaugurações,

eventos

que

promovem a produção de imagens), a cidade reproduz a matéria do mundo, da atualidade e do espetáculo (Augé, 1997: 186).

O espaço urbano, segundo Augé, é o espaço do

trop plein (saturado) de imagens. São camadas de imagens que se sobrepõem, gerando o efeito da redundância, o reforço da imagem por outras imagens. A mensagem publicitária, inserida no meio urbano, modifica a paisagem e o passante reage a ela de formas (in) diferentes. Um olhar diurno capta uma imagem diferente daquela de um olhar noturno. Detalhes marcantes

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ficam mais visíveis em determinadas horas. A luz e o néon têm a capacidade de transformar a paisagem, através dos quais podem se fundir cores e texturas. A cidade contemporânea é um suporte de signos apreendidos instantaneamente, onde o seqüencial cede lugar ao simultâneo, onde forma e função chegam a ser unidades. “Como nos vídeos, a cidade se fez de imagens saqueadas de todas as partes, em qualquer ordem”. Para ser um bom leitor da vida urbana, “há que se dobrar ao ritmo e gozar as visões efêmeras” (Garcia Canclini, 1997: 133).

Figura 19 - Seqüência Noa. Amsterdam, Holanda. Foto: Jorane Castro.

111

A mídia oferece estruturas para o dia, pontos de referência, pontos de parada, pontos para olhar de relance e para a contemplação, pontos de engajamento e oportunidades de desengajamento. Os infinitos fluxos da representação na mídia são interrompidos pela participação pessoal neles. A mídia é do cotidiano e, ao mesmo tempo, uma alternativa a ele (Silverstone, 2002: 24-5). Se as novas tecnologias aplicadas ao processo de produção em escala igualou os produtos entre si, e provocou a distância entre o objeto produzido e o produtor, as instituições capitalistas deslocaram esse diferencial para o momento do consumo, ritualizando-o. Portanto, quando os objetos chegam ao ponto de venda, eles são individualizados, ganham singularidade e até uma certa aura em função da espetacularização. Trata-se de um modo particular de reprodução da diversidade. As marcas utilizam cada vez mais a publicidade e a comunicação visual como distintivos simbólicos. Nessa dinâmica, o espaço urbano deixa de ser apenas o lugar da produção da mensagem para se constituir no lugar da sua veiculação. E é necessário examinar a cidade como uma soma de imagens, apenas parte delas publicitárias, mas sobretudo como o lugar da relação entre os sujeitos e essas imagens pois Débord (1997: 14) já atentava que o “espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens”. 232):

Ou, como afirma Argan (1998:

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é evidente que, se nove décimos da nossa existência acontecem na cidade, a cidade é a fonte de nove décimos das imagens sedimentadas nos diferentes níveis de nossa memória. Essas imagens podem ser visuais ou auditivas e, como todas as imagens, podem ser mnemônicas e perceptivas. Há muito a cidade deixou de ser um lugar de abrigo, proteção e refúgio, para se transformar num aparato de comunicação, no sentido das relações e fluxos.

A percepção visual da cidade tem sido uma caótica e profusa organização dos sinais públicos e privados; das dualidades, dos confrontos e das diferenças físicas e visuais entre os diversos elementos que compõem a paisagem urbana (equipamentos e mobiliários, tais como bancas, cabines, postes, lixeiras etc.); da ausência de planos e projetos integrados e sistêmicos; da legislação genérica e permissiva e da incapacidade do poder público de gerir e de, conforme o caso, viabilizar ações corretivas (Minami, 2001)55. Se cada produção organiza o espaço segundo uma modalidade própria, a produção imagética voltada para o consumo — publicitária — vai sugerir uma modalidade própria de arranjo demográfico, profissional, social e econômico. A lógica dessa produção, devido à concorrência, jamais será igualitária e pacífica. Mesmo que os atores do processo se associem, sempre haverá conflitos, inclusive pelo uso do espaço, exceto se a associação, além de econômica, for também técnico-jurídica. Daí a

55

MINAMI, Issao. Texto “Paisagem urbana de São Paulo. Publicidade externa e poluição visual”, de junho/2001,

acessível

no

site

arquitextos/arq000/esp074.asp> [15/10/2001]

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das

Empresas

de

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Exterior

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-

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de

Portzemparc

(designer

de

mobiliário

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do

Painel

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309

Yanef.com: [13/7/2004]

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