A cidade universitária de São Paulo

May 24, 2017 | Autor: Felipe Contier | Categoria: Architecture, Urbanism, São Paulo (Brazil)
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A cidade universitária de São Paulo
Felipe de Araujo Contier

A Cidade Universitária de São Paulo se destaca como um território de exceção na cidade. Seu caráter excepcional e até mesmo utópico, no entanto, não é um caso isolado. De modo geral, as chamadas "cidades universitárias" refletem o papel que as universidades desempenharam na modernização das repúblicas latino americanas no início do século XX, quando as centenárias universidades coloniais foram refundadas e dezenas de novas universidades foram criadas a partir da reunião dos institutos de pesquisa e de ensino superior existentes.
A noção de cidade universitária é relativamente recente e, apesar das precedências europeias e da semelhança com o modelo norte-americano, o sentido particular que essa noção adquiriu na América Latina possui raízes no subdesenvolvimento e na concentração de recursos e conhecimentos especializados em metrópoles de crescimento acelerado.
No Chile, Argentina, México, Colômbia, Venezuela e Brasil o modelo universitário foi debatido por volta dos anos 1920, quando surgiam os primeiros planos de "bairros universitários". O chamado modelo norte americano influenciou a preferência por grandes glebas que abrigariam diversos edifícios da universidade. Na América Latina, porém, esses territórios foram quase sempre buscados áreas de expansão das grandes cidades e pensados como um equipamento público, ao contrário do que acontecia na maioria das universidades privadas norte-americanas.
O Plano de Alfred Agache para o Rio de Janeiro, de 1930, importou a denominação da Cité Universitaire de Paris, então recém-inaugurada. Mas enquanto o exemplar francês era um empreendimento particular (filantrópico) de moradia para estudantes estrangeiros, sua versão tropical, rapidamente propagada, passava a incluir, além de edifício de moradia, pesquisa e ensino, diversos equipamentos de cultura, lazer e esportes, denotando um território autônomo administrado pela universidade pública e à serviço da sociedade. Enquanto na Europa as cidades universitárias de Roma e Madri – as únicas da época a adotar essa denominação – foram celebradas como monumentos dos regimes fascistas, na América Latina, ainda que expressassem os ensejos políticos dos ditadores progressistas, acumularam-se experiências mais numerosas e radicais.
Por aqui, os primeiros planos de cidades universitárias incluíam jardim botânico, zoológico, campo de aviação, teatros, bibliotecas, museus, centros esportivos completos, além de uma grande área verde, em meio a qual os universitários viveriam plenamente. Tudo dentro de preceitos do urbanismo moderno e higienista. Para se ter uma ideia da ambição desses planos, cogitou-se nos primeiros estudos para a cidade universitária de São Paulo, de 1936, um território contínuo desde o Hospital das Clínicas até a Fazenda Butantã.
No Brasil, pelo menos, os arquitetos modernos tiveram pouco protagonismo nesse início. Uma das maiores autoridades nacionais em matéria de campus universitário, Ernesto de Souza Campos, por exemplo, defendeu as composições acadêmicas de Gustavo Pujol Jr em São Paulo e foi o principal responsável pela recusa aos planos de Lucio Costa e Le Corbusier no Rio de Janeiro, bem como pelo convite à Marcelo Piacentini.
O primeiro passo concreto para a construção da cidade universitária de São Paulo se deu apenas em 1943, quando Fazenda Butantã foi destinada para abrigá-la. Desde então seus sucessivos planos urbanísticos estiveram sujeitos a oscilações de governos. Aos poucos, a Comissão da Cidade Universitária, protagonizada por Souza Campos e Anhaia Mello, se firmou como instância de decisões e autoria do plano geral. Um escritório técnico foi constituído para assessorar a comissão, acumulando experiências de planejamento de obras, terraplanagem, obras de infraestrutura e projetos de arquitetura. Surgia desse modo um novo modelo de administração direta de obras públicas com equivalentes em outras cidades universitárias.
Dificuldades técnicas e econômicas associadas a instabilidades políticas fizeram com que, por toda a América Latina, a maioria dos planos sofresse inúmeras alterações e as inaugurações levassem décadas, com resultados frequentemente abaixo das expectativas. Ainda assim as cidades universitárias de Caracas, Bogotá e Cidade do México foram inauguradas na década de 1950 com excelentes resultados arquitetônicos e urbanísticos.
Enquanto isso, na cidade universitária de São Paulo, alguns edifícios de maior porte receberam projetos de arquitetura de professores da universidade, pouco articulados entre si. Nesse período a cidade universitária chegou a ser cogitada para abrigar as comemorações do IV centenário da cidade, mas, desde então, o atraso das obras pesou para que a proposta fosse substituída pelo Ibirapuera, que levou consigo a maior parte dos recursos do Estado.
Passadas as vultosas comemorações de 1954, Jânio Quadros foi eleito governador com críticas aos gastos de seu rival e antecessor, Ademar de Barros. A política de contenções de Jânio paralisou completamente as obras já lentas da cidade universitária. Por outro lado, o professor e arquiteto, Hélio Duarte – que havia dirigido o Convênio Escolar até ter o orçamento do programa cortado por conta do IV Centenário – foi convidado a dirigir o Replanejamento da Cidade Universitária, agora chamada de "Armando Salles de Oliveira" (ASO).
Duarte inaugurou uma nova fase que fortaleceu a equipe do Escritório Técnico. Seu Plano Geral, ao contrário dos anteriores, não trazia os edifícios das escolas, apenas setores. O sistema viário foi otimizado e os conjuntos de moradia, esportes e cidadania (core) foram dispostos na área mais próxima do acesso principal. Em meio à crise, estes projetos de maior vulto não avançaram. Ao invés disso, foram concluídas as obras que estavam paradas e novos edifícios – quase todos menores – foram projetados por arquitetos do Escritório Técnico, entre os quais foi contratado o ex-presidente do IAB nacional, Paulo de Camargo e Almeida. Hélio Duarte projetou o edifício do Biênio, da Escola Politécnica, que decidiu se mudar definitivamente para cidade universitária, onde já funcionava o Instituto de Pesquisas Tecnológicas e alguns laboratórios de física.
Nas eleições seguintes Carvalho Pinto, secretário de finanças do governo Jânio, foi eleito com apoio da esquerda católica e conseguiu aprovar seu Plano de Ação do Governo do Estado que dispôs de um orçamento comparável ao do Plano de Metas, de Juscelino Kubistchek. O Estado de São Paulo assistiu à uma verdadeira revolução no ritmo das obras públicas. O IAB paulista, com Artigas à frente, havia fechado um acordo com o novo governo para que centenas de arquitetos pudessem assumir tais encargos com uma remuneração reduzida, evitando, desse modo, os projetos-padrão feitos pela Diretoria de Obras Públicas.
A Cidade Universitária recebeu um orçamento inicial de 1,5% dos 100 bilhões de cruzeiros do PAGE, sendo que o dobro disso foi executado entre 1959 e 1962. Para administrar tais obras, foi criado o Fundo para a Construção da Cidade Universitária, que logo passou a contar com um amplo e qualificado quadro de técnicos e operários, além de maquinário próprio. Sua atuação incluía detalhamento de projetos, fiscalização de obras, compra de materiais, mobiliário e equipamentos científicos, contratação de projetos e serviços especializados, além da execução direta das obras de infraestrutura, urbanização e edificação. Paulo de Camargo e Almeida tornou-se o diretor executivo do Fundo e comandou o Plano Geral da CUASO entre 1960 e 1963.
O novo plano incluía projetos de vários arquitetos, indicados pelos membros do Conselho Administrativo do Fundo, entre os quais, o reitor Ulhôa Cintra, o diretor da FAU, Anhaia Mello, e o próprio Paulo de Camargo e Almeida. Paralelamente, Anhaia Mello conduziu uma série de reuniões na Vila Penteado para discutir com os arquitetos e engenheiros encarregados os planos setoriais e diretrizes de projeto. Entre elas foram estabelecidas a preferência por edifícios de poucos pavimentos, a simplicidade dos acabamentos, a generosidade das circulações (e rampas), a redução do número de portas – porque dentro da Cidade Universitária – bem como os programas coletivos dispostos nos térreos.
A força dos espaços coletivos e a exposição dos processos construtivos podem ser atribuídos ao debate sobre os novos rumos da arquitetura brasileira. Para muitos, a produção desse período demonstrava uma arquitetura propositiva, em que o formalismo era substituído pela coordenação metodológica em torno do problema construtivo.
Segundo Geraldo Ferraz, em 1963 a cidade universitária era o maior canteiro de obras do país. Isso por conta das obras de terraplanagem e urbanização, já que apenas uma parte dos edifícios projetados para o Plano de 1960 foram construídos, como o Conjunto Residencial (usado como alojamento nos jogos pan-americanos de 1963), o Conjunto da Químicas, o edifício da História e Geografia e os Departamentos de Minas, Metalurgia, Mecânica e Engenharia Naval da Escola Politécnica. Por razões distintas, a Academia de Polícia e o edifício da FAU estiveram entre os poucos edifícios daquele plano iniciados após o golpe civil-militar de 1964.
Nos anos que se seguiram, o novo regime se empenhou em transferir emergencialmente para a CUASO as faculdades dispersas pela cidade. A Cidade Universitária era agora indissociável do controle e do isolamento. Ignorando o plano anterior, foram erguidos primeiramente barracões improvisados e, após 1969, desenvolvido um sistema de planejamento de obras modulares. À esta altura o Fundo para Construção da Cidade Universitária havia se transformado no FUNDUSP, e exportava seus projetos para outros campi da universidade e até mesmo para universidades federais.


Professor da Faculdade de Medicina de São Paulo, viajou aos EUA sob patrocínio da Fundação Rockfeller para visitar cerca de 200 campi norte-americanos no início da década de 1920. Em 1935, além de participar da Comissão da Cidade Universitária de São Paulo, foi convidado pelo Ministro Gustavo Capanema o compor a comissão análoga do Rio de Janeiro.
Entre os quais, José Maria das Neves, Ariosto Mila, Rino Levi, Alcides Rocha Miranda e Gio Ponti (professor visitante em 1952).
FERRAZ, Geraldo. "Uma Cidade Universitária no Brasil: CUASO", Zodiac, n. 11, Milão, 1963, p. 77.

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