A ciência do Asana além do Corpo  e a Dimensão Filosófica do Conceito

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A ciência do Asana além do Corpo  e a Dimensão Filosófica do Conceito

Jayadvaita Das 2014

Graduação em Linguística e Filosofia; Especialização em Teoria da Linguagem e Filosofia da Linguagem. Pós-Graduação em Filosofia (Metafísica/Ontologia). Profissional do Yoga; Professor de Filosofia; Diretor do Vaishnava Vedanta Yoga; Bhakti-yogi desde 2005; especializado em Pranayamas e Meditação aplicado ao Desenvolvimento Pessoal e Saúde Mental. Escritor, Palestrante e Mentor. Gestor de Conhecimento no Yoga Culture e Idealizador do Projeto Vedyah.


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Resumo

Explanação sobre o conceito original do termo ‘asana’ e sua relação com as concepções modernas em uso. Ao traçar uma análise sobre os conceitos tradicionais do Yoga e seu propósito teleológico, encontramos uma raiz conceitual mais clara sobre os fundamentos do asana, que impõe uma abordagem filosófica que abrange aspectos ontológicos do suelto, mais que meros artefatos físicos e corpóreos que tanto envolveram a compreensão contemporânea do uso e aplicação de posturas psico-físicas num set de yoga. Há uma tentativa de, dentro dos moldes que margeiam este artigo, expormos uma compreensão mais abrangente sobre o termo ‘asana’ para que produzam um efeito mais profundo em sua prática.


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Summary

Explanation of the original concept of the term 'asana' and its relation to modern conceptions in use. In drawing an analysis of the traditional concepts of Yoga and its teleological purpose, we find a clearer conceptual root for the asana's foundations, which imposes a philosophical approach that encompasses ontological aspects of the loose, rather than mere physical and bodily artifacts that have so much involved Contemporary understanding of the use and application of psycho-physical postures on a yoga set. There is an attempt, within the framework of this article, to expose a more comprehensive understanding of the term 'asana' so that it produces a deeper effect on its practice.


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A ciência do asana além do corpo e a dimensão filosófica do conceito Jayadvaita Das   Mais do que simples postura corporal, asana é um instrumento para se dimensionar o ser em sua particularidade transcendente e ativa, fato que se constata não de modo teórico ou posterior ao intrincado e inexpressivo processo de yoga, mas se revela diretamente na ação prática do ser no mundo físico, fenomenal e orgânico. O tempo do asana não é diferente do tempo da presença do ser em sua individualidade recíproca com Isvara, no exato e único momento real da existência de ambos (jivatma e paramatma). A relação não se dará em alguma dimensão futura da experiência do ser em sua relação imediata da realidade que virá a ser, mas no imediato momento do ato do ser no mundo interior e exterior, sem que o tempo seja arrastado para a solidez do passado. Estar no asana é estar no presente e portando todas as dimensões do ser. Dimensão passa a ser uma palavra chave neste conceito que estamos querendo apresentar – dimensão da filosofia e dimensão do asana. Filosofia do yoga indica conhecimento (jñana) e asana indica prática experiencial (vairagya). Ambos estão interligados pela evidência de se alicerçar a prática sobre o conhecimento que estabelece os parâmetros capazes de se traduzir o que a consciência é capaz de ver (drasthu). Numa consideração imediata, asana constitui somente o aspecto técnico de uma dimensão psicofísico, porém, o asana não está isolado ou desprendido do aspecto consciência (atma, citta) que envolve o sujeito da experiência do asana. Em suma: não há separação entre corpo e mente ou corpo e consciência. Para se compreender a dimensão profunda e transcendente do asana é necessário entendermos alguns aspectos fundamentais da filosofia do corpo – diria uma filosofia prática e orgânica do yoga, onde o ser se constitui de todas as suas dimensões espirituais, intelectuais, psíquicas, energéticas e físicas. Para isto, estabelecemos que o asana apresenta três dimensões básicas; uma se relaciona com a especialidade, outra com a temporalidade e a terceira com a ontologia do ser (atma). Asana como disciplina Asana não é uma mera ginástica como foi implantado no mercado do yoga nas décadas iniciais do século vinte, quando o yoga e sua filosofia começaram a difundir no Ocidente. A concepção errada prevaleceu, pois a cultura do corpo e do fisiculturismo estava em alta na Europa e principalmente nos Jayadvaita Das

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Estados Unidos. Este equívoco prevalece até os dias atuais e caracteriza o yoga como ginástica indiana. Na verdade, os asanas compõem os fundamentos da disciplina da consciência, mais que força ou desempenho do corpo. A abordagem do yoga parte da consciência do sujeito observador para o corpo e seus campos perceptivos, ou seja, de dentro para fora, enquanto que na atividade física a abordagem faz o caminho inverso sem, com isto, ter a garantia de que se alcançará a percepção sobre si mesmo, no sujeito observador que passa de passivo contemplador do campo de percepção para o objeto que se observa sob a consciência atemporal da presença completa do ser. A diferenciação ocorre devido aos fundamentos filosóficos que envolvem a concepção ontológica (filosófica) do ser e do asana enquanto que presente na presença do ser e expressa em seu próprio ato de se estar na completa temporalidade e especialidade de sua existência enquanto ser e asana. É muito comum encontrarmos praticantes que se limitam a prática do asana em sala de aula (enquanto respira e trabalha sua concentração observadora), mas que não consegue levar esta presença do asana e no asana para sua vida prática, como se a prática de yoga e a vida funcional fossem instâncias diferentes e separadas do mesmo ser, do mesmo sujeito. Isto certamente causa uma dicotomia na personalidade do ser, uma espécie de bipolaridade existencial e ontológica. A integração não se torna pertinente à medida que se compreende que a filosofia do yoga aplica os asanas para o corpo e a filosofia e meditação para a mente, pois não há uma separação filosófica entre corpo e mente. A ideia racional de que os conceitos dizem respeito somente no campo mental (manamaya-kosha) é equivocada. Tudo que alimenta a mente pode vir da percepção sensorial, mas seu maior manancial brota da consciência do próprio ser e envolve cada membro ou célula das camadas físicas (annamayakosha) que envolvem a consciência individual (jivatma). Em meio às incorporações de estilos e metodologias teremos alguns perfis de praticantes que se relacionam com as várias maneiras de se ver o aspecto filosófico do yoga. Vejamos três deles. Outro lado do equívoco  São dois extremos que se apresentam num primeiro momento: o atleta que quer apenas o trabalho escultórico da educação física Hindú ou o fugitivo alienado da realidade, pois este não estará seguro nesta reflexão por buscar no yoga uma prática em completa ausência de asanas, considerando que não é Jayadvaita Das

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um atleta, mas um místico buscador da iluminação espiritual – podemos até dizer: egoísta; enquanto que aquele também não terá grande emancipação de suas necessidades físicas superficiais. Este primeiro perfil de abortivo filosófico do yoga seriam os (extremos) que somente querem ginástica ou incenso. Uma consideração importante: filosofia do yoga não é dogma religioso ou fundamentalismo ideológico, mas conceitos metafísicos que possibilitam a realização completa do ser em seu campo imanente sem desintegrar sua consciência original do campo transcendente. Tal dualidade existe em termos de estruturas e densidades de energia que define a individualidade ética de cada sujeito (pañca-koshas) e se desenvolve a partir da individualidade intrínseca e eterna do ser (jivatma). A característica desta visão dissociada entre sujeito e objeto é característica cognitiva do monismo que apresenta todos os aspectos do ser sem qualquer vínculo com o Real, como se o asana tivesse em si apenas o sentido de preparar a mente para a prática. Mas, na verdade, o asana tem a importância de revelar a consciência que está presente no corpo e nutre a existência de uma personalidade individual neste corpo. O transcendente não está separado do que se apresenta para o observador assim como o observador não está separado do transcendente enquanto observa tanto o campo sensorial (que também envolve seu corpo) quanto sua realidade interior, na qual – como consciência – gravitam as camadas de dimensões do ser (pañca-kosha). O asana se desenha na consciência e se estabelece na mente, no fluxo vital e na fisiologia do corpo.

Um suposto mercado do asana Sem considerar os aspectos conceituais da filosofia do asana, enrijece-se uma concepção totalmente voltada ao corpo, fisicamente focada nos alinhamentos, alongamentos e superações físicas. Este mercado tem crescido de maneira inesperada nas três últimas décadas. Entretanto, havendo uma intensa procura por compreender os mecanismos sutis que atuam em outros campos que não apenas o denso corpo, aos poucos a experiência levará a despertar uma nova percepção sobre o objeto observado: o corpo presente na temporalidade e especialidade do asana, durante a prática. O que dará esta guinada na prática pessoal do yoga será a filosofia do yoga. Assim como ser um yogi deva ser o objetivo prático da experiência com yoga, a filosofia posta em prática deverá tornar o praticante também um filósofo – não teórico, mas prático, orgânico, que viva em seu ser completo a experiência do ser que o yoga possibilita. Jayadvaita Das

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Ainda assim, devemos ressaltar o risco de se tornar um partidário dogmático da filosofia do yoga. Consideremos sempre como ponto de partida a ética do yoga e a mais certa lógica de que tudo está em seu devido lugar no seu mais preciso tempo. Assim como há o risco de se proteger dos conceitos filosóficos do yoga por considera-los misticismo esotérico ou aspectos culturais de um diacronismo racionalista, também há a possibilidade de se considerar a ética e a moral do yoga (yama niyama) como de menor importância à prática do asana. Esta é a principal característica do perfil do praticante puritano, que segue o roteiro da moda do yoga, mas não vive o sujeito da prática de yoga. Perfeição sem profundidade O pragmatismo técnico do asana traz um perfil que se aperfeiçoa nas técnicas, mas não se aprofunda na prática. Praticar a perfeição do alinhamento sem se aprofundar na experiência do ser que está presente como sujeito e objecto da ação prática pode gerar um ego extremamente técnico e perfeccionista. Somente sobriedade e restrição sensorial para a prática técnica do asana não conduz nenhum praticante à liberação. Este, sem dúvida, tem sido o grande celeiro de ambição dos yuppies do yoga como mercadoria. Embora traga milhares de praticantes para as ruas, parques e jardins, sem que ao menos um praticante acorde para perceber sua presença e sua importância como responsável por sua própria transformação a nível de ser humano, muito não valerá o pelo show ou a apresentação. Um fator importante que não se encontra com facilidade é a solidão da prática. Pratica-se yoga em grupos, com televisor ligado (algo comum em academias de ginásticas que se atrevem a dar aulas de yoga…) ou mesmo conversando sobre as tendências da moda ou o último pregão. A diacronia cultural de uma prática meramente física do asana chega a ser vergonhosa. A qualidade filosófica do asana Há uma simples e marcante questão que devemos aclarar: praticar filosofia com asana é mais que praticar asana com filosofia. Uma questão de forças que partem de fora para dentro e forças que se expandem de dentro para fora. A filosofia não é algo que deva ser dogmático, como dissemos acima, mas um ato consciente dirigido pelo conhecimento. A filosofia do yoga (Upanishad, Vedanta-sutra e Bhagavad-gita) oferece visões sobre um mesmo objeto de análise ou observação: o ser – este mesmo sujeito que se apresenta na prática e experiência do yoga. Jayadvaita Das

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Tal concepção filosófica do asana não significa modelar uma série de asanas para algumas sequências de aulas, mas usar a capacidade e limitação de cada aluno para experimentar seu ser em toda sua expressão – do transcendente ao fisico, da observação ao sensível. Sobre filosofia  Filosofia se faz pela prática filosófica. Segundo a hermenêutica de Gadamer toda compreensão necessita de uma interpretação, mas como podemos interpretar algo que não temos referência teórica ou filosófica?  Sem esta base, não se tem condições de interpretar o que estamos experienciando na prática de um simples asana e sem esta condição interpretativa não haverá condições de compreender a prática e seus resultados ontológicos: compreender a si mesmo. Não se considera relevante uma interpretação via instrumentos empíricos. A interpretação deve vir via o próprio objecto de interpretação (seja ele um insight, uma situação, uma observação sobre si mesmo ou um objeto). Assim, mostra-se essencial a prática filosófica que dará alicerce às experiências no yoga, o que não significa alguém que divague dia e noite sobre todos os estímulos que lhe surgem, mas alguém que saiba se posicionar e se manter integro aos seus valores orgânicos, vitais, diante de todo e qualquer estímulo. Sem isto, podemos justificar a dificuldade que se encontra numa longa permanência em um asana por não se estar com a mente focada no que se está fazendo no exato momento da permanência e em tudo que se apresenta internamente à consciência observadora – drstva. Logo, o ato da filosofia é buscar e conhecer a verdade referente ao ser individual e sua essência, como algo que nenhuma filosofia descreverá, mas que alguns conceitos filosóficos poder oferecer instrumental para que esta observação se evidencie. Esta filosofia está naturalmente presente na metafísica dos Upanishad e Bhagavadgita. Em Phaidros, Platão diz que a filosofia é algo natural à mente humana. Nos Vedas, filosofia é essencialmente ontologia e leva a entender as questões do ser na situação real de sua existência. Foge, deste modo, o simples filosofar como pensar para existir – um racionalismo impetico fecundado pelas ideias positivistas europeias. Na vida diária não encontramos tempo ou viabilidade para se praticar filosofia, assim como não temos condições de praticar, nos afazeres diários superficiais, as séries de asanas que o professor passa nas aulas. É um fato. Porém, há nesta condição limitante da prática de asana e filosofia uma visão que pode alterar por completo a separação entre as duas disciplinas que compõe o yoga. Jayadvaita Das

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Sobre asana Diria que é um equívoco considerar o asana apenas em sua superfície, sem sua profundidade real, assim como pensar que filosofar se restringe à reflexões lógicas, racionais e impalpáveis. O asana não é somente fisico. A filosofia não é somente ideia. Ambas são práticas que se coadunam como que polaridades num movimento constante de interiorização e externalização de ambos: do físico ao sutil; do conceito à prática. Como tenho enfatizado em outros textos, o conceito mais profundo de asana significa essencialmente estar situado em sua própria posição constitucional eterna de plena integração com o Ser Supremo. Algo além da mera descrição de fisiologia e anatomia técnica. De modo prático, estar em asana é estar consciente do que constitui o ser e estar situado, posicionado neste parâmetro fundamental de existência. Em contrapartida, o ato da filosofia é o observar aquilo que se mostra sob a luz da consciência que observa. Em sânscrito a palavra darshnan significa a verdade que se apresenta diante dos olhos da consciência e é o parâmetro epistemológico das seis escolas filosóficas ortodoxas védicas. Isto nos leva a considerar que enquanto a filosofia tem seu viés visceral o asana o tem  transcendente. Diferente, mas não dissociado O ponto evidente desta dificuldade de se estabelecer ou se aceitar a relação entre asana e filosofia está em não se compreender a distinção fundamental entre corpo e alma. O ser completo inclui desde o corpo com suas funções até a alma individual (atma), passando pela consciência, intelecto, ego, mente e sentidos. Considerar o oposto corpo x alma sem compreender a unidade que há entre ambos é uma interpretação superficial e equivocada  do tipo: o praticante leva seu corpo para fazer posturas de yoga; ou o corpo vai criar as condições para a alma prestar atenção nos conceitos filosóficos. Nada mais inocente e incoerente.   O corpo (no asana) será o instrumento para o ser se estabelecer em sua posição constitucional (consciente). A filosofia dará consciência ao ser para que ele mantenha sua independência e não identificação com o campo amórfico da realidade objetiva, sem cair vítima de um solipsismo subjetivo. Embora possam soar como conceitos acadêmicos distantes, a filosofia do yoga se assemelha ao existencialismo emergencial do momento presente, do momento da prática. Há uma relação muito vital entre prática e experiência Jayadvaita Das

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de um lado, e observação analítica e interpretação de outro. Isto significa que a filosofia do asana visa estabelecer um aprofundamento refinado na percepção de seu próprio corpo e compreensão mais amplas sobre sua essência como alma. Carl Jung chama este processo de individuação e está claramente presente nos conceitos de autoconhecimento, como apresentado no Svetasvatara Upanishad. Ali, encontramos no primeiro capítulo questões pertinentes sobre a existência, as condições que definem o ciclo de vida e o propósito da vida. No segundo capítulo, após ter sido apresentado as questões, se apresenta o processo de yoga como resposta às dúvidas existenciais capazes de serem elucidadas na própria prática do yoga, baseada no conhecimento presente no capítulo anterior. Uma questão Metafísica  Da antiguidade Ocidental até final do século dezenove, tivemos uma forte ideia distintiva entre matéria e espírito. Tal dualidade criou o conceito de que Isvara (o controlador Absoluto) está situado em sua morada distante e inalcançável. Ao mesmo tempo, o corpo (matéria) e o espírito permaneceram em posições bem distintas, criando a lacuna mente e corpo separados – o que gerou também a dicotomia consciência e presença; ato e eternidade. O fato é que com a nova metafísica ocidental, muito mais próximo da metafísica oriental, teremos que entender novos horizontes de limites do próprio ser para chegarmos à conclusão de que este limite existe unicamente no campo mental, perceptivo e externo, mas não no próprio ser. Estes termos devem ser entendidos com subtileza durante a prática do asana e compõe a natureza essencial da filosofia do asana. O fato de estar no asana e buscar dentro de si mesmo a percepção de que o transcendente não se realiza num estado mental futuro ou além do material, mas pura e simplesmente no estado completo em que nos encontramos no momento. O transcendente e o imanente não são instâncias diferentes, mas observação de pontos de vista e consciência que envolve o imanente sem excluí-lo, firmando sua presença no ato. O transcendente não é uma realidade ideal, mas a presença estabelecida no ato de ser o que se é no momento em que só se pode ser o que se é – nada mais. Isto é a própria essência do tempo presente no ser e que se faz tempo à medida que o ser se efetua em sua presença no tempo. Como diria Lavelle: “uma dialética do eterno presente”. O corpo não é apenas um objeto externo visto pelo outro. Ele só está externamente exposto por haver uma presença que o precede: espiritual. A diferença mente corpo surge quando se observa o corpo como algo externo e sem substância. O observador consciente toca seu corpo quando, ao tocar o corpo de outros, sente o toque e a presença que diferencia um e outro. Mas, à Jayadvaita Das

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medida que esta noção se efetiva ela estabelece o corpo como algo também externo aquele que observa. Também é um fato que o corpo não é a causa de um observador, de uma consciência, de um ser. O ser é que causa a existência do corpo. Basta entender que pelo fato da consciência poder ver é que o ser, ao adquirir um corpo, adquire olhos para poder ver; por ter a faculdade de ouvir, adquire ouvidos. Não são os órgãos dos sentidos que geram suas funções, mas as funções perceptivas que são geradas da consciência que determinam os órgãos funcionais do corpo físico. Assim como as mãos são extensões do corpo, o corpo é uma extensão da alma, do ser. Isto nos leva a concluir que o corpo se torna possível por ganhar existência manifesta inicialmente na mente. Podemos dizer que antes da mente pensar ou julgar existe um intervalo espontâneo onde o ser está pleno. Ao passar pela linha racional o ser se limita no campo cognitivo. Zaratustra diz que o corpo é a grande razão – e isto ganha sentido quando o corpo não se diferencia, em essência, do ser. Dois conceitos de corpos Pode facilitar a compreensão da abertura de consciência quando se entende a diferença entre o corpo intencional ou direcional e o corpo transcendente. O corpo intencional tem a faculdade de ver e direcionar a atenção aos objetos e entidades presentes no espaço externo. O corpo transcendental se revela à medida que se direciona e foca a atenção aos aspectos internos, subjetivos presentes no campo interior que se observa. Mesmo sendo ainda um corpo direcional em que a consciência tem sua importância para este direcionamento, aos poucos o ser passa a ser o foco de dimensionamento da própria observação. Embora conscientemente não desperto, ambos nunca estão separados. Assim, deverá ocorrer em determinado momento da prática de asanas – onde a atenção, o foco e a observação passem a ser o somatório do processo interno da prática – a tomada de consciência sobre o objeto externo observado, o objeto interno que observa e a consciência observadora que agora observa os objetos internos e externo. Nesta condição ôntica da consciência observadora é que se instaura o movimento interno do asana como impulso e origem em si mesmo como elemento que fortalece a percepção corpórea e a presença plena do ser como consciência corporificante – de dentro para fora; da consciência para o corpo.

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O corpo da prática O corpo da prática é o corpo transcendente; ou seja, o corpo pré-julgamento, pré-reflexivo. Isto propõe uma prática que envolve e se faz presente em um campo mútuo de temporalidade e especialidade. Em ambos há a necessidade de se estabelecer uma raiz tanto no campo transcendente do ser como no campo presente do corpo: estar no espaço do ser enquanto consciente do ser no tempo. O corpo, deste modo, se expande não apenas em relação à pele ou ao campo físico, mas principalmente no campo espacial, na ambiência, percebendo e interagindo com a realidade momentânea e imediata. Do ponto de vista do corpo transcendente, esta mesma expansão ocorre no campo metafísico, em direção ao ser. Ao especialidade é uma parte do nosso ser. Por exemplo, o alongamento não é somente uma extensão muscular no campo do corpo; ela envolve também uma extensão em nosso campo espacial que se abre na consciência. Em outras palavras, a extensão do asana e sua mobilidade é desenhada e adquirida do campo do ser. O espaço e o tempo do ego O ego, ou falta identificação com o eu, exige seu próprio espaço no campo físico por partir de um referencial ilusório e baseado em seu grau de ansiedade e autodefesa. Primeiro há o espaço limitado do ego e seu campo de proteção. O segundo é o espaço alienado do outro e que também é definido pelo primeiro. Entre ambos há uma parede conceitual. Podemos experimentar uma mudança significativa na relação com o tempo quando notamos que um aluno chega à aula com uma velocidade semelhante ao seu estado interno de ansiedade. Isto indica sua relação com o tempo em frações muito curtas de percepção do seu ser com o seu corpo, tornando a percepção externa muito mais forte e devastadora do que realmente é. A sensação é de perda, de vazamento do tempo que parece fugir do ser, sem ter um foco ou direcionamento. Ao final da aula, percebe-se que o estado de ansiedade foi alterado para uma sensação de expansão do tempo, de ritmo coordenado com o ritmo natural do próprio ser, onde não há necessidade de correr ou ansiar por qualquer perda, pois tudo está em seu devido lugar, em seu devido tempo. Tudo continua como sempre foi, mas a consciência se alterou para uma percepção mais coerente com a realidade do ser e não mais pela realidade sensitiva do corpo. Este fato revela a realidade da temporalidade ser relativa e depender claramente de nosso estado mental, de nossa fluxo de consciência. Jayadvaita Das

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O asana deve possibilitar esta experiência tanto ao final da prática quanto no andamento da prática. Isto é o que o professor que conduz a prática de asana deve ter em mente, pautado em todos os aspectos que já abordamos acima e aplicados nestes conceitos práticos de observação realizada pelo próprio aluno. Perceber esta essência do tempo é conceber tanto o passado quanto o futuro unidos ao mesmo centro do presente. Esta observação dará a oportunidade de perceber o próprio ser no tempo – e isto é fundamental para se traçar a rota do processo meditativo como meio de se conhecer e superar o conflito do ser com o tempo, uma vez que o tempo do ser não é o tempo do corpo e ainda assim o mesmo tempo. Deste conflito surge a completa incapacidade de se absorver ou controlar o tempo. Ele foge e com ele a experiência incompleta. Dela, a frustração e o lançar-se novamente para um futuro que se tornará novamente uma experiência incompleta e passada, tornando inviável viver a realidade presente do tempo do ser em sua mais completa esfera. Transitoriedade e permanência  Permanência em um asana é vencer o aspecto transitório do tempo externo, do corpo e se colocar sempre e novamente no presente. O presente nunca sairá de seu campo ontológico por ser da mesma natureza ao ser. Por isto, mais do que uma experiência com o corpo e sua superfície fisiológica, o asana deve possibilitar a experiência com o tempo real do ser. A expansão do asana ocorre tanto espacialmente quanto temporalmente. A experiência do tempo deve mudar, se tornar real. O asana possui um esforço e ritmo interno que deve ser percebido, apreendido e aplicado diariamente, dentro das condições existenciais que estão mudando constantemente. O ritmo interno é o verdadeiro ritmo do ser. Enquanto externamente somos sugados e lançados para a ação desmedida e ininterrupta, internamente rege um fluxo natural do tempo metafísico que constitui o ser. Considerações finais Fica evidente, para aqueles que estudam e praticam seriamente o yoga, não como um estilo de vida, mas como um modelo visceral de integração do ser com a totalidade do Supremo Ser, que sem filosofia o yoga não passa de mero exercício físico que melhor seria nem ser chamado ou categorizado como alguma disciplina orientada para o autoconhecimento. Diria até mesmo que, Jayadvaita Das

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livre de qualquer constrangimento, sem filosofia não há yoga. Sem compreensão filosófica não há prática de asana. Sem aprofundamento no conhecimento filosófico não há clareza prática nos pranayamas e muito menos lúcido mergulho na meditação. No entanto, munido destes fundamentos integrais do yoga – a filosofia, aglutinam-se linhas, perspectivas, interpretações e dogmas que acabam por estagnar o processo pessoal ou individual do aluno em sua prática. Ou seja, além da necessidade inerente do conhecimento filosófico para o aprofundamento na prática do yoga, torna-se urgente a compreensão dos diferentes ramos que a filosofia do yoga ganha ao ser usada não mais como uma simples base teórica para o autoconhecimento e passa a ser um instrumento de dominação ideológica impregnada de dogmatismo que fogem, muitas vezes, de suas raízes e propósitos, como por exemplo nos dois extremos apresentados pelas filosofias monistas e dualistas das escolas de yoga. O que deveria ser puramente um sistema de conhecimento epistemológico passa a ter uma conotação motivada pelos modismos ou pela doutrinação seca e indireta. Isto perde todo conteúdo simples e prático do yoga e estabelece leituras equivocadas da realidade e dos aspectos ontológicos do ser, da vida e do Supremo. Somente sob a via de uma prática baseada na sinceridade, no comprometimento e na verdade oriunda do conhecimento transcendental puro e simples é que se pode ter acesso ao profundo e amplo universo que o yoga revela ao praticante sério.  


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Referências bibliográficas BATER, Karl. On the Philosophical Dimensions of Asana. Lecture given at the Euro Yoga Convention. London, 1993. BHOWMICK, Shukdeb. The Theory of Acintya-bhedabheda. Sanskrit Pustak Bhandar. Kolkata, Índia. 2004. CHAKRABARTI, Kisor Kumar. Classical Indian Philosophy of Mind. Motilal Banarsidass Press. Delhi, 2001. DESIKACHAR, T.K.V. O Coração do Yoga – Desenvolvendo Uma Prática Pessoal. Editora Blocker (edição em português) – 1995. São Paulo, Brasil. PANNEERSELVAM, Dr. S. “A Hermeneutical Reading of Indian Philosophy” In, National Seminar on Indian Philosophy: It’s Relevance in the 21st Century – 18th & 19th January, 2008. PRABHUPADA, Bhaktivedanta Swami. Bhagavad-gita Como Ele É, Ed. Bhaktivedanta Book Trust, 3a ed., São Paulo, 2001. SINGLETON, Mark. Yoga Body: The Origins of Modern Posture Practice. Oxford University Press. NY, 2010

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