A ciência e o mundo moderno (review Alfred North Whitehead ´s book)

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A ciência e o mundo moderno Alfred North Whitehead 263 págs, R$ 39,00 Publicado no jornal Valor Econômico, em março de 2006. Jorge Felix1 A economia brasileira vive uma dicotomia crônica. De um lado o governo defende os resultados macroeconômicos para sustentar sua política monetária com a justificativa de que o país cresce satisfatoriamente. De outro, seus detratores apontam para esta mesma política na hora de encontrar culpados por um desenvolvimento muito abaixo de outras nações emergentes. Quem estaria com a razão? Sempre diante de situações como esta, a importância de um filósofo como Alfred North Whitehead (1861-1947) ganha dimensão. Embora célebre e notável professor de Harvard, este também matemático e físico, aqui no Brasil, é ainda – injustamente – um nome limitado excessivamente às salas acadêmicas. Whitehead é o pai da moderna lógica matemática (ao lado de seu ex-aluno Bertrand Russel). Nasceu na Inglaterra e lecionou nas principais universidades daquele país da primeira metade do século 20, depois ensinou Filosofia na Universidade de Harvard. Sua bibliografia em português (do Brasil) até agora era bastante escassa - apenas a editora Martins Fontes publicara “O conceito de Natureza”. Agora a editora Paulus lança o clássico “A ciência e o mundo moderno”, pela coleção Philosophica. E o leitor vai logo dizer, com razão, em meio à turbulência que vivem os mercados neste momento: filosofia numa hora dessas? 1

Doutorando em Ciências Sociais (bolsista CAPES) na PUC-SP, mestre em Economia Política e professor da PUCSP (Cogeae) e da FESP-SP. [email protected]

É isso mesmo. A pausa para meditação é válida quando se trata de um pensador como Whitehead, uma das melhores leituras para quando temos dicotomias nem tão simples como a da economia tupiniquim. Uma frase dele já explicaria a indicação. O filósofo inglês afirmou em seus últimos anos de vida que a Filosofia simplesmente se ocupa da questão: What is all about?, que indaga do todo e que quer saber o que o todo tem a ver com esta realidade concreta. Os cientistas, segundo ele, dedicavam-se a apenas um aspecto (científico) dos problemas. E a economia, não nos esqueçamos, é uma ciência. Para ele, a ciência estava constituída de saberes setoriais. Qual é a causa dessa doença? Qual a estrutura do átomo? Como se produziu tal evento histórico? Whitehead defendia que as ciências existem por causa dos limites que as opõem uma às outras. Ou seja, quando um físico observa um corpo nunca pensa em aspectos interessantes para o biólogo ou para o químico. Assim como um economista pode analisar um fato sem considerar um lado importantíssimo para um assistente social. E, na história recente, um deles, Herbert de Souza, fez alguns economistas tremerem quando chamou a atenção para outros pontos do processo econômico. Ou, no passado, um dos generais nosso de cada dia saiu-se com a frase: “O país vai bem, o povo é que vai mal”. Apenas filosofia? Nesta obra clássica, Whitehead aborda o desenvolvimento da ciência e suas relações com a cultura ocidental. Escrito na década de 20 do século passado, o livro passeia pelas conseqüências das grandes descobertas dos três séculos anteriores (17, 18 e 19) e do desenvolvimento da ciência no mundo moderno, nas crenças religiosas, nas atitudes, nos pensamentos e claro – para quem souber pensar nas questões como um todo – na economia. Num dos melhores trechos de “A ciência e o mundo moderno”, o autor analisa como o avanço tecnológico desenhou um novo mapa

mundial (com as grandes descobertas) e como essa nova geopolítica empurrou a Humanidade para uma nova moral. Uma moral que avança até hoje flexível (e aí nos faz lembrar os escândalos corporativos) e novamente devolve ao homem conceitos perdidos para a manutenção daquela mesma riqueza que a ciência, lá atrás, tornou viável. Sim, falamos de governança corporativa. “O mundo ocidental padece agora da concepção moral limitada das três gerações anteriores”, afirma. Whitehead continua com uma crítica aos valores provocados por esta nova visão de mundo. Sem nenhum tom ideológico, condena a desimportância da matéria e enaltece a beleza natural e artística (muito antes da moda da preservação do meio ambiente). Cita exemplos de degradação da vida urbana ocorridos em sua época que a única diferença da atualidade é o endereço. A leitura ganha fôlego também nos trechos sobre a formação profissional. Whitehead condena a era dos especialistas. Segundo ele, as funções especializadas podem ganhar, mas a direção geral carece de visão. Ou seja, o autor antecipa aí uma crise de liderança e gestão. “A linha do progresso é tal que, qualquer ser humano, em idade média comum, será obrigado a enfrentar situações que não encontram nenhum paralelo em seu passado. A pessoa fixa para os deveres fixos, que nas sociedades antigas era uma dádiva divina, no futuro será um perigo público. (...) Os perigos resultantes desse aspecto do profissionalismo são grandes, especialmente em nossas sociedades democráticas ”, afirma. Ainda bem que, pelo menos por três anos, o Brasil teve à frente da economia um médico. Muitos dizem que foi bom. Talvez seja isso que Whitehead ainda tenha para dizer ao mundo.

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