A Cimeira de Díli e a Nova Visão Estratégica da CPLP: Contributos do Setor da Defesa

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Centro de Análise Estratégica

CAE

X Seminário Político-Diplomático COMUNICAÇÕES A Cimeira de Díli e a Nova Visão Estratégica da CPLP: contributos do sector da Defesa Tenente-Coronel Luís Falcão Escorrega Coordenador do Núcleo Nacional português do CAE (IESM); Professor de Estratégia

Maputo, 26 de Fevereiro de 2016

Rua Aurélio Benete Manave, nº 383 Maputo - Moçambique [email protected]

A Cimeira de Díli e a Nova Visão Estratégica da CPLP: Contributos do Setor da Defesa1   Luís Falcão Escorrega

INTRODUÇÃO O tema proposto para o presente texto - A Cimeira de Díli e a Nova Visão Estratégica da CPLP: contributos do sector da Defesa – é um tema muito relevante e atual. A CPLP tem merecido crescente atenção por parte de diversos países e organizações que têm manifestado interesse em, pelo menos, conhecer melhor uma comunidade que completa este ano vinte anos de existência e que, em diversas áreas, tem funcionado de forma considerada bastante positiva e útil. Por outro lado, esse interesse tem impulsionado a própria organização, levando a importantes mudanças no seu seio e à identificação da necessidade de uma nova visão estratégica, adaptada ao contexto geopolítico e dinâmicas globais em curso. A temática em questão merece, pois, devida análise. Para a tratar, e em virtude das suas consequências, começaremos por abordar as principais implicações da Cimeira de Díli. De seguida, recorrendo a publicações de organizações credíveis e tendo por base ferramentas de análise estratégica e cenarização, identificaremos algumas tendências e desafios com que o mundo e a CPLP terão de lidar no horizonte dos próximos 15-20 anos. Nesse quadro desse contexto, iremos apresentar um conjunto de contributos, uns de caráter mais geral, outros mais direcionados para o setor da Defesa, para que a Organização se mantenha relevante, mas principalmente, útil aos países que a compõem.

1. DAS PRINCIPAIS DECISÕES DA CIMEIRA DE DÍLI A cimeira de Díli que decorreu em julho de 2014 em Timor-Leste, foi marcada pelo alargamento da comunidade, em particular, pela adesão da Guiné Equatorial. Esse foi sem dúvida um acontecimento marcante que provocou no seio da organização uma rotura com o seu passado recente, pelo menos, na forma como os critérios e processo de adesão2 até então tinham sido considerados. Não parece ser                                                              1

Artigo que resulta da comunicação feita pelo autor do texto no X Seminário político-diplomático do CAE/CPLP, que decorreu em Maputo. A Cimeira de Díli e a Nova Visão Estratégica da CPLP: contributos do sector da Defesa 2 No âmbito dos artigos 5º e 6º dos Estatutos da CPLP é referido que para além dos membros fundadores, qualquer Estado, desde que use o Português como língua oficial, poderá tornar-se membro da organização, mediante a adesão sem reservas aos Estatutos, realçando-se neste âmbito o

possível, para já, determinar todas as consequências geopolíticas e estratégicas desta adesão, seja ao nível interno ou externo da CPLP, mas uma coisa parece ser certa: tomada que está esta decisão, a CPLP terá de se adaptar a esta nova realidade, encontrando as melhores soluções para os desafios que se avizinham. Consideramos ser normal - e até positivo - as Organizações Internacionais (OI) se adaptarem às variações dos contextos geopolíticos e estratégicos em que se inserem: assim é o caso de diversas organizações como a União Europeia, a NATO, ou a própria União Africana. O que se deve salvaguardar neste âmbito é que os países que as constituem se continuam a rever nos seus propósitos, natureza e funcionamento e, principalmente, que considerem que os seus interesses continuam a ser salvaguardados no seio dessa organização. Esta é a lógica realista, baseada no interesse e Poder dos Estados e que, apesar de desafiada por perspetivas mais ou menos idealistas, há de continuar a prevalecer nas relações internacionais, como o provam as situações recentes no Médio Oriente, no Leste da Europa ou noutros continentes. Além desse acontecimento da cimeira de Díli, merecem destaque outras decisões importantes, as quais irão certamente ter impacto no futuro da organização: 1)

A aprovação da Resolução sobre a concessão da categoria de Observador

Associado 3 da CPLP à Geórgia, Namíbia, Turquia e ao Japão, materializa a projeção e visibilidade política internacional que a Comunidade já tem, mas também o interesse que a Comunidade desperta em diversos atores do sistema internacional. 2)

A iniciativa de Timor-Leste para a criação de um grupo técnico de estudo,

aberto à participação dos Estados membros da CPLP, para a exploração e produção conjunta de hidrocarbonetos no espaço lusófono e também o estabelecimento de um consórcio para a exploração petrolífera no onshore de Timor-Leste, aberto à participação das empresas dos países da Comunidade. A cooperação neste domínio, se operacionalizada, pode representar um importante contributo para o aumento do potencial geopolítico da CPLP. 3)

Foi reiterado o apoio da comunidade à integração do Brasil no Conselho de

Segurança da ONU como membro permanente, facto este que, no quadro da aguardada reforma do Conselho de Segurança, pode vir a trazer importância acrescida à lusofonia e, naturalmente, à CPLP.                                                              compromisso dos membros com o objetivo de promover as práticas democráticas, a boa governação e o respeito pelos Direitos Humanos. 3 Já tinham este estatuto a Ilha Maurícia e o Senegal. Os Observadores Associados poderão participar, sem direito a voto, nas Conferências de Chefes de Estado e de Governo, bem como no Conselho de Ministros, sendo-lhes facultado o acesso à correspondente documentação não confidencial.

4)

O incentivo à edificação de «espaços» de Ensino Superior, de Ciência e

Tecnologia e de Inovação da CPLP, configura uma plataforma de diálogo e de articulação de sinergias ao nível dos Estados membros da CPLP e da CPLP com as organizações internacionais, no que às prioridades estratégicas de cooperação académica, científica e tecnológica diz respeito. Consideramos este aspeto bastante importante, pois é nesses espaços de ensino e reflexão que se promove a partilha de ideias diferentes e de pensamento crítico, tão necessários neste contexto de mudança rápida, em que soluções novas são requeridas para problemas tão diferentes e complexos. 5)

Uma importante decisão da Cimeira de Díli foi a “Resolução sobre a Criação

de Grupo de Trabalho para a Definição de uma Nova Visão Estratégica da CPLP”. Do que é possível saber, este grupo de trabalho foi constituído, já reuniu e tem trabalhado no sentido da discussão e proposta de diretrizes e políticas que servirão de base para a aprovação, na XI Conferência de Chefes de Estado e de Governo da CPLP, da nova Visão Estratégica que guiará a Comunidade na sua terceira década de existência. Espera-se que esta visão traduza uma visão ajustada ao contexto e desafios futuros, mas também abrangente, realista e integradora das diversas dimensões e instrumentos da CPLP. Curiosamente, não houve em Díli nenhuma referência à cooperação no setor da defesa, o que pode indiciar menos prioridade dada à cooperação multilateral neste setor, pelo menos, naquela altura e contexto. Enfim, podemos sintetizar e concluir que as decisões da Cimeira de Díli são marcadas pelo alargamento da comunidade e pela eleição da economia no espaço da CPLP como uma das prioridades da organização (no sentido da criação do tal 4º pilar), tendo os decisores políticos assumido a intenção de reforçar o comércio, o investimento e as parcerias para uma maior inclusão e interação dos agentes económicos e das economias dos países-membros.

2. DAS TENDÊNCIAS ESTRATÉGICAS Feita a uma breve súmula das decisões da cimeira de Díli, importa de seguida fazer um exercício prospetivo no sentido de identificar os contornos gerais do contexto estratégico em que situará a CPLP nos próximos 20 anos. Na tentativa de melhor contribuir para uma nova visão estratégica para a CPLP, julgamos importante utilizar ferramentas de prospetiva, pelo que nos socorremos de estudos dessa natureza feitos por organizações credíveis neste âmbito, tais como a União Europeia,

o Center for Strategic & International Studies, do Alto-Comissariado para os Refugiados ou o Fórum Económico Mundial. Uma metodologia possível é analisar diversos estudos prospetivos e, de forma comparativa, tentar encontrar tendências semelhantes e, dessa forma, prosseguir o objetivo de maior credibilidade. Comecemos pelo contexto estratégico. Iremos entrar numa nova era. Importantes e fraturantes dinâmicas permitem a constatação simples que o mundo estará bem diferente do que o fim da guerra fria pronunciava, marcado pela globalização enquanto processo e pela rotura enquanto consequência. Neste âmbito podemos considerar que dinâmicas com poder de reestruturação global se manifestam já em três domínios: No domínio tecnológico e económico, a convergência de tecnologias industriais, digitais e biológicas e a proliferação de ferramentas digitais facilmente acessíveis e disponíveis para qualquer fim, irá alterar profundamente a forma como as sociedades e as economias funcionam. A sociedade do conhecimento apresenta enormes oportunidades em termos de produtividade, melhoria no bem-estar e “empoderamento” dos indivíduos; mas esta situação também pode criar ruturas sociais críticas: o aumento do desemprego em setores de menor especialização; aumento da desigualdade social; e o empobrecimento das classes médias (ESPAS 2015, 7). No domínio social e democrático, indivíduos com mais ferramentas e conhecimentos, e melhor ligados entre si serão mais criativos, mais dinâmicos, menos agarrados a empregos para a vida, mas também mais exigentes e críticos. Isto pode contribuir para o questionamento do contrato social tal como existe e reinventar as formas de governação. No âmbito da resolução de problemas ou de exigência sociais ou coletivas, surgirá o recurso a iniciativas menos tradicionais e, em qualquer acontecimento, haverá mais pressão para prestação de contas e transparência nos diversos níveis de governação (ESPAS 2015, 7). No domínio da geopolítica, a ascensão da Ásia parece ser um facto adquirido, relegando para segundo plano regiões tradicionalmente geradoras e detentoras de Poder, como o caso da Europa ou dos EUA. Juntamente com a emergência de outras potências na América Latina, e possivelmente em África, haverá tendência para uma crescente multipolarização do sistema internacional. A globalização já não será guiada e dominada pelas potências do Ocidente, advogando mais democracia, mercados abertos e cooperação internacional pacífica. Esta mudança de paradigma pode bem trazer mais confrontação entre atores-chave como os EUA e a China. O

mundo multilateral do pós-guerra poderá ficar sob pressão acrescida, colocando em risco a capacidade coletiva de gerir eficazmente situações de crise. Atores nãoestatais com capacidade destrutiva, alguns deles guiados por extremismo religiosos, podem tirar vantagem das zonas cinzentas e deste clima de confronto. Ao mesmo tempo, a comunidade internacional terá de lidar e, na medida do possível, restaurar um crescente nº de estados frágeis ou falhados (ESPAS 2015, 8). Além destas dinâmicas pode-se ainda constatar que o rápido desenvolvimento tecnológico associado à globalização irá provocar alterações mais rápidas que afetam o nosso dia-a-dia e, como tal, contribuirão para o desenvolvimento do sentimento de imediatismo, em que decisões em diversos setores e nível se centrem no curto-prazo, gerando assim vulnerabilidades importantes. Incerteza e complexidade vieram para ficar, tornando o nosso mundo mais difícil. Por outro lado, este mundo em rápidas mudanças, mais complexo, irá naturalmente obrigar a que as organizações sejam mais adaptativas e ágeis, que se adaptem a este novo paradigma com aproximações interdisciplinares que promovam a antecipação, facilitem a reação e forjem a resiliência (ESPAS 2015, 12). Acima de tudo, será necessária a priorização de objetivos e estratégias de longo-prazo, contrariamente ao quadro do imediatismo que já vivemos, que a comunicação social exige e que a tecnologia viabiliza. Neste quadro, um estudo de 2015 da European Strategy and Policy Analysis System, um organismo dedicado à análise e prospetiva estratégica da União Europeia, elenca cinco grandes tendências gerais para 2030 (ESPAS 2015, 15):

1. A raça humana está a envelhecer e a ficar mais rica, mas com maiores desigualdades. 2. O peso económico e o poder politico mudam para a Ásia; desenvolvimento sustentado da economia mundial torna-se mais vulnerável aos desafios e fraquezas da globalização. 3. Uma revolução na tecnologia e nas suas aplicações transformam radicalmente as sociedades em todos os domínios. A digitalização é o invasor e a mudança disruptiva e radical a consequência. 4. Gerir a escassez de recursos torna-se um desafio cada vez mais importante, com um aumento crescente de energia e mudança nos padrões de produção. 5. A interdependência dos países, em resultado da globalização, não é acompanhada de um fortalecimento da governação global. O mundo torna-se mais frágil e imprevisível.

No âmbito destas cinco grandes tendências, o estudo apresenta um interessante quadro de tendências e incertezas globais para o horizonte de 2030 (cfr. tabela 1).

TENDÊNCIAS E INCERTEZAS GLOBAIS PARA 2030 PROJEÇÕES Mundo mais complexo, frágil, instável e inseguro. “ERA DA INSEGURANÇA”

GERAL

Mudança Economia Mundial para África Comércio de mercadorias diminui, aumentando os serviços e investimento; As Nações emergentes serão forças de mudança económica e política global; “G3 económico” dominante, com China em 1º lugar; Aumento emissões CO2 ECONOMIA

Aumento competição na energia, matérias-primas e outros recursos naturais

Desalavancagem financeira e intervenção do Estado. Aumento da concorrência Norte/Sul e Sul/Sul nos mercados de exportação. Aumento importância acordos regionais.

TECNOLOGIA

SOCIEDADE

RELAÇÕES EXTERNAS

INCERTEZAS Riscos sistémicos ligados a países emergentes, diminuindo o ritmo de enriquecimento global Desaceleração económica da China, com consequências sistémicas? Alteração global da alocação dos fluxos de investimento? Revolução tecnológica nas áreas da economia ou comunicações? Impacto gás de xisto, redes inteligentes, novas energias renováveis? Impacto alterações climáticas? Impacto da classe média? Guerras cambiais? Riscos sistémicos ligados a sistemas financeiros nos países emergentes? Geopolitização do comércio? Estagnação da globalização?

Tecnologias convergentes. Novos modelos de negócios em todos os serviços. Novas tecnologias militares

Velocidade de convergência de tecnologias? Impactos nas pessoas? Reações sociais?

Crescente classe média. Aumento desigualdades. Crescente descontentamento. Maior poder individuo. Padrões de migração regionalizados (sul para sul, norte para norte).

Era de revoluções? Indivíduos desafiam estruturas coletivas? Ascensão do nacionalismo e do extremismo (religiosos)?

Mais multipolar, mas menos multilateral. Regresso à “Power-politics”

Realinhamento geopolítico global? Surgimento de novas instituições impulsionado pelos BRICS?

Novos conflitos (esp. desastres naturais e suas consequências). Insegurança global e maior violência com aumento de grupos rebeldes não estatais.

Terrorismo, tensões políticas. Instabilidade, crescimento lento?

“WILDCARDS”

Globalização pode parar ou mesmo recuar; Grande crise financeira afetando a maioria dos países emergentes; Tensões geopolíticas ou conflitos que afetem a economia global; Grave desestabilização em África; Avanços na tecnologia de fusão nuclear poderia mudar o panorama energético e, a longo prazo, acabar com o aquecimento global.

Aumento na expetativa de vida; Ciber-conflito grande escala com consequências sistémicas; Revoltas étnicas, religiosas ou sociais desencadeadas por desigualdades podem afetar estabilidade. Contínuo crescimento inesperado com efeitos muito negativos sobre questões alimentares, saúde, disponibilidade energética e estabilidade; Pandemias globais descontroladas poderiam se espalhar com impactos sistémicos. Um grande conflito, possivelmente nuclear, que teria consequências radicais; O colapso de um estado crucial na vizinhança mais vasta da UE pode desestabilizar a região e da própria União Europeia; Possibilidade de um novo confronto entre duas grandes potências, similar à Guerra Fria.

Tabela 1 - Tendências e incertezas globais (ESPAS, 2015, Global Trends to 2030: Can the EU meet the challenges ahead?)

Identificadas que estão as principais tendências que provavelmente caracterizarão o cenário global nos próximos 20 anos, interessa agora projetar a CPLP para esse espaço temporal.

3. DOS CONTRIBUTOS PARA A NOVA VISÃO ESTRATÉGICA 3.1. Gerais

Neste quadro estratégico, numa altura em que a organização completa 20 anos da sua existência, em que fruto da adesão da Guiné Equatorial se abrem as portas à entrada a novos membros, importa em seguida contribuir para a definição os principais focos de orientação estratégica para que a organização se continue a adaptar aos novos tempos. Julgamos que é fundamental começar por definir claramente a visão da CPLP para os próximos 20 anos. Nesse sentido, a comunidade deverá abraçar a ideia de uma organização credível, útil na promoção dos interesses dos países que a compõem, tendo por base a língua portuguesa e os objetivos e os valores comuns que partilham e, como principal instrumento, a cooperação multilateral eficiente enquanto mecanismo de resposta eficaz aos desafios que se colocam ao conjunto desses países. No quadro desta visão, gostaríamos de clarificar o que se entende ou deve entender por credibilidade e utilidade de uma OI. A credibilidade exige que uma Organização seja: 1) realista em termos das suas metas e objetivos; 2) imparcial nas suas relações com os membros e não-membros; 3) confiável em termos de ser consequente com as decisões e ações, e 4) legítima nos seus mandatos e ações no quadro do Direito Internacional, respeitando as regras e boas práticas internacionais. A utilidade tem a ver com a capacidade da organização em acomodar os interesses nacionais de cada um dos Estados Membros no quadro multilateral; é no equilíbrio entre os interesses nacionais e os multilaterais que se maximizam as vantagens de uma comunidade de países e, portanto, se mantêm úteis. Para que a Organização se mantenha relevante nos próximos 20 anos, é fundamental maximizar as potencialidades e minimizar as vulnerabilidades da comunidade. Neste âmbito, como principais potencialidades 4 realçaríamos a sua própria composição e amplitude, dispersa por quatro continentes, pelos valores que promove, pelo dinamismo da língua que une os respetivos Estados-Membros e pelo enorme potencial de recursos naturais e energéticos que dispõe. Como principais                                                              4

Neste âmbito ainda, julga-se que uma organização como a CPLP teria um enorme um enorme potencial no apoio a situações como a recente “crise de refugiados”, na Europa. A natureza intercontinental da organização, os conhecimentos que tem das dinâmicas sociais em África e na Europa, a sua aceitabilidade em ambas as margens do Mediterrâneo e a sua experiência no apoio à resolução de crises, são importantes ativos que poderiam constituir parte de uma solução e contribuir ativamente para atenuar o sofrimento humano em situações deste género.

vulnerabilidades salientaríamos a instabilidade política nalguns estados-membros e a pouca tendência para a multilateralização da cooperação, sendo na maioria das vezes preferida a tradicional cooperação bilateral. No campo geopolítico, a CPLP deve aproveitar as importantes dinâmicas em curso ao nível dos grandes espaços. Se no plano económico a centralidade se mudou para a Ásia, deve-se maximizar a morfologia alargada da CPLP para aproveitar esse fator, potenciando a localização de Timor-Leste (e mesmo Macau), como pivot ou hub comercial relativo ao mercado asiático. Também no quadro do Atlântico Sul se deve maximizar o facto de aí se situar a maior parte dos países da CPLP. Nesse sentido, as naturais aspirações do Brasil a membro permanente do Conselho de Segurança da ONU - com as inerentes e enormes responsabilidades daí resultantes devem contribuir para que o Atlântico Sul se constitua como um espaço privilegiado para atuação da CPLP. As relações com outros países e organizações nas duas margens do Atlântico Sul devem ser potencializadas (como, por exemplo, com a Comunidade Ibero-Americana), maximizando a cooperação e a criação de sinergias sempre que desejável, devendo-se contudo acautelar a manutenção da matriz identitária das organizações; neste quadro, como exemplo, a pretensa agregação destas duas organizações - já defendida inclusive em tese de doutoramento e com base no conceito de “iberofonia” - até pode ter validade científica em sede de trabalho académico, mas não tem a respetiva tradução cultural e histórica que se exige e que com certeza grande parte dos países reclama. Outros importantes desafios se colocam à organização e dos quais destacaríamos: reforço da coesão político-diplomática; a correção de assimetrias em termos de desenvolvimento económico e social; a melhoria da arquitetura organizacional por forma a tornar-se mais adaptativa e ágil, promovendo a antecipação e forjando a resiliência; a melhoria da comunicação institucional; e o alargamento da CPLP, importando neste ponto escolher entre estratégia de “crescimento” ou de “consolidação” da organização. 3.2. Para o Setor da Defesa O principal desafio para o setor da defesa da CPLP é a multilateralização da cooperação neste domínio. A cooperação multilateral no domínio da defesa é uma atividade que tradicionalmente é vantajosa e acarinhada pelos diversos países, principalmente em situações e contextos em que são identificadas claramente ameaças e desafios comuns e/ou são identificados benefícios significativos – normalmente de cariz diplomático – para todos. Fora deste quadro, a cooperação

bilateral no domínio da defesa é normalmente preferida, percebendo-se as razões para tal; a defesa é um dos pilares da soberania nacional e os Estados tendem a limitar a procura de parcerias estratégicas àquelas áreas específicas onde percecionam lacunas no seu sistema defensivo nacional; a assunção dessas lacunas assume muitas vezes o caráter de informação sensível pelo que os Estados preferem tratar desses assuntos com um parceiro em que confiem mais. Por outro lado, os Estados que fornecem equipamentos e/ou serviços de defesa – normalmente potências regionais ou globais, também privilegiam uma abordagem bilateral neste domínio, devido a razões de caráter estratégico, associadas à salvaguarda dos seus interesses específicos numa determinada região. Neste quadro, um dos principais contributos que o setor da defesa deu para a nova visão estratégica da CPLP foi o documento elaborado pelo CAE da CPLP e intitulado de Identidade da CPLP no domínio da Defesa. Este documento tem, em nosso entender, diversos méritos, dos quais destacaríamos: 1) é um documento objetivo que identifica claramente os objetivos, os interesses e as ameaças comuns, elementos imprescindíveis para a definição de qualquer estratégia multilateral no domínio da defesa; 2) é inovador, pois ao definir a identidade da comunidade neste domínio dá sentido aos projetos comuns, promove a solidariedade entre membros e contribui para justificar a existência perante as respetivas nações; 3) é útil, pois vem preencher um vazio que havia neste setor servindo como trave-mestra, como documento enquadrador e orientador, a partir do qual se pode construir todo um edifício de documentação coerente com as finalidades para a cooperação neste domínio. É um documento que assume a centralidade da cooperação entre Forças Armadas dos países da CPLP, com especial relevância no domínio da cooperação técnico-militar e, em particular, no âmbito do ensino e formação militar. Nas suas disposições finais, identifica como fundamental que esta identidade se materialize em ações concretas, enquadradas por um protocolo de cooperação ajustado, e que englobe as estruturas já criadas, as dinâmicas em curso e aquelas que se preveem. Neste âmbito, importantes questões se colocam ou se vão colocar em breve à organização, no quadro da cooperação multilateral no domínio da defesa. Destacaríamos as seguintes: 1)

Uma maior institucionalização do pilar da Defesa da CPLP: Considerando

que 1) não há desenvolvimento sem segurança; 2) que os atuais riscos e ameaças implicam respostas coletivas e multidisciplinares e, 3) a “consolidação da paz e da

estabilidade é considerado elemento estruturante num Estado de Direito”, a comunidade deve dar uma maior importância à cooperação neste domínio, o que implica que esta vertente seja considerada na agenda para a cooperação multilateral. 2)

A clarificação do quadro de emprego de militares sob os eventuais auspícios

da CPLP. O art.º 4º do protocolo da CPLP identifica algumas situações em que existe a possibilidade de emprego das forças armadas dos países da CPLP como instrumento para a manutenção da paz e segurança, realçando-se 1) as situações de desastre ou agressão que ocorram num dos países da Comunidade, ou 2) a procura de sinergias para o reforço do controlo e fiscalização das águas territoriais e da zona económica exclusiva dos países da CPLP. Dado o contexto estratégico e as tendências identificadas, talvez fosse útil definir também um quadro de emprego de militares sob eventuais auspícios da CPLP5, principalmente no quadro da prevenção e gestão de crises/conflitos. Entendemos, pelo menos numa primeira fase, que se deveria dar primazia a atuações ou mecanismos tais como equipas de observadores, sistemas de alerta antecipado, iniciativas de mediação ou “painéis de sábios”, à semelhança também de outras organizações congéneres, como é o caso da OIF. 3)

A melhoria dos instrumentos de cooperação no setor da defesa. A revisão

recente do protocolo de cooperação no domínio da defesa veio melhorar a estrutura da cooperação neste domínio, clarificando diversos aspetos, melhorando a organização e funcionamento dos diversos órgãos e incorporando práticas e iniciativas até então não consideradas. Contudo, tem havido algumas sugestões que a breve trecho, muito provavelmente, a comunidade se terá de pronunciar. De entre elas realçaríamos a eventual reformulação do SPAD e a recente iniciativa da criação do colégio de defesa da CPLP e sobre as quais gostaríamos de tecer breves comentários. a) Sobre a reformulação do SPAD, consideramos que este órgão tem desempenhado eficazmente a sua missão, contribuindo para o sucesso da cooperação neste domínio. Contudo, em virtude do alargamento da comunidade, do aumento das atividades de cooperação e seu impacto na DGPDN de Portugal, e outras considerações de natureza financeira ou diplomática, será talvez de ponderar, no futuro, a melhor forma para o funcionamento deste órgão6. De entre diversas possibilidades, e além da atual, a fórmula já encontrada noutras áreas de                                                              5

Devidamente mandatada. Um aspeto que também merece atenção é a melhoria dos canais de comunicação entre o SPAD e as demais estruturas da CPLP, principalmente com o Secretariado Executivo. As vantagens de uma melhor comunicação e consequente integração das diversas iniciativas são naturalmente do interesse de todos os Estados membros.

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cooperação para os seus secretariados técnicos – que se baseia no sistema de troika, em que participam o Estado membro que detém a Presidência da Reunião de Ministros, o Estado membro que a irá assumir no ciclo subsequente e o Estado membro que a deteve no ciclo anterior - poderá ser interessante, pois entre outras vantagens, obriga a um maior comprometimento do país que tem a presidência neste domínio. b) Sobre a já conhecida intenção da criação do colégio de defesa da CPLP, gostaríamos de realçar o mérito da iniciativa, pois pode trazer para o seio da comunidade um importante instrumento para a formação complementar dos quadros superiores da CPLP. Contudo, julgamos ser importante aprofundar o seu real alcance e clarificar alguns aspetos. Os institutos deste género visam, normalmente, objetivos e conteúdos dedicados a quadros superiores da estrutura de defesa, ou afim, de uma organização ou de um país. Além de se promover o relacionamento entre quadros, estudam-se e analisam-se dinâmicas no quadro da “Grande Estratégia” e incentivam-se reflexões sobre assuntos pertinentes que afetem a defesa e a segurança, abrangendo componentes críticas, de cariz estrutural, genético, operacional ou mesmo político. A instituição de um colégio de defesa da CPLP implicará, entre outros aspetos, a clarificação da sua missão, a aceitação da sua criação por parte de todos os países da CPLP, a definição dos conteúdos (cursos) abordados, e o estabelecimento de uma estrutura de pessoal e meios que promova o ensino e o respetivo apoio. Os custos financeiros associados à criação e funcionamento de um instituto deste género terão que ser bem ponderados, pois as despesas com viagens, alojamento e alimentação de pessoal docente e discente, necessariamente de vários países, serão elevadas, independentemente

do

modelo

escolhido

para

a

sua

organização

e

funcionamento. c) No quadro da Identidade de Defesa da CPLP, existem ainda outras iniciativas que, eventualmente, poderão ter interesse para a organização. A criação de um Erasmus Militar entre as instituições universitárias dos países da CPLP (à semelhança do que se quer implementar no seio civil) e a criação de um mecanismo de alerta/resposta rápida a crises da CPLP (à semelhança do que existe nalgumas OI - v.g., União Africana ou União Europeia) são possibilidades a ponderar e a aprofundar, caso entendido apropriado pelos responsáveis.

CONCLUSÃO

Enfim o texto já vai longo e, apesar de muito haver a fazer na cooperação em matéria de defesa da CPLP, reiteramos que a cooperação multilateral neste domínio é uma atividade que tem cumprido eficazmente os seus objetivos e que tem sido apontada como exemplo para a cooperação noutros domínios. Como referido anteriormente, consideramos que o grande desafio para o setor da defesa da CPLP é a multilateralização da cooperação neste domínio. As dificuldades são grandes, o percurso é difícil, mas também julgamos que as vantagens justificam a aposta numa melhor cooperação multilateral e acreditamos que a CPLP pode e deve ser mais do que um espaço multilateral onde apenas se promovem as relações bilaterais. Tem seguramente potencial para isso.

Principais Referências: - CAE. (2015). A Identidade da CPLP no domínio da Defesa. Obtido de CPLP Componente de Defesa: https://cplp.defesa.pt/Normativos/20150526_IDENTIDADE%20DA %20CPLP%20NO%20DOMINIO%20DA%20DEFESA.pdf - Center for Security Studies. (2015). Strategic Trends 2015. Zurich: Center for Security Studie. - Center for Strategic and International Studies. (2016). 2016 Global Forecast. Washington: Center for Strategic and International Studies. - European Strategy and Policy Analysis System (ESPAS). (2015). Global Trends to 2030: Can the EU meet the challenges ahead? Bruxelas: ESPAS.

- World Economic Forum. (2016). The Global Risks Report 2016. Geneva: World Economic Forum.

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