A circulação do pensamento político de Plínio Salgado entre o Brasil e Portugal nos tempos da segunda guerra

October 1, 2017 | Autor: Giselda Brito | Categoria: SEGUNDA GUERRA MUNDIAL
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A circulação do pensamento político de Plínio Salgado entre o Brasil e Portugal nos tempos da segunda guerra Giselda Brito Silva (UFRPE/CNPq/ICS-UL)

Introdução O regime de Salazar contou com muitos doutrinadores portugueses. Mas, também houve os estrangeiros que, tendo que conviver no regime, deram seu contributo na propagação da ideologia nacionalista e católica bases do salazarismo. Um destes foi o Plínio Salgado. Exlíder político do integralismo brasileiro e exilado pelo regime estadonovista de Getúlio Vargas, ele procurou Portugal, nação de seus colegas do integralismo lusitano, intelectuais e católicos que mantinham algum tipo de contato com a realidade brasileira. O integralismo brasileiro manteve forte relação com o catolicismo, desde sua doutrina política pautada no lema “Deus, Pátria e Família” até sua base de apoio na intelectualidade e laicato católico. O movimento começou a arregimentar jovens estudantes de nível secundário e superior, através do incentivo e doutrinação de católicos e professores de escolas e cursos do país. Esses teriam se tornado os principais divulgadores do “Manifesto de Outubro de 32”, principal documento-programa das ideias políticas de Plínio Salgado, líder do movimento, através do qual propagou a ideia de um Estado Forte e Integral, critica à liberal democracia e combate ao comunismo. De 1932 a 1937, a Ação Integralista Brasileira (AIB), forma orgânica e burocrática do movimento, passa a atuar na sociedade brasileira com seus membros fardados de “camisa verde”, contendo a insígnia do movimento “∑” num dos braços da camisa, desfilando nas principais vias públicas com o braço estendido e gritando Anauê em cumprimento ao público, entre eles e saudando o líder. Estética e teoricamente copiava muitos aspectos do fascismo italiano, do nazismo alemão e outros do gênero. O movimento causou grande impacto na sociedade brasileira, que rapidamente viu crescer o número de seus núcleos por todo país. O movimento tinha como principal luta combater violentamente o comunismo, paralelamente apontava a crise do liberalismo como principal causador do surgimento do comunismo. Com isso, a proposta foi bem recebida entre famílias tradicionais e católicas. Obtendo ampla visibilidade no campo político, o líder do movimento, Plínio Salgado, entrou em competição pelo cargo de Presidente do país. Em novembro de 1937, contudo, antes das eleições presidenciais, ocorreu o Golpe do Estado Novo, dando início à ditadura de Getúlio Vargas que vai até 1945. Todos os partidos políticos e movimento foram proibidos de atuar, entre eles a própria AIB. Diz-se, entre os historiadores e cientistas políticos brasileiros, que os integralistas ajudaram a construir o Estado Novo com seus discursos e projetos de Estado forte, de partido único, oferecendo uma milícia preparada para defender os ideais da nação, legitimando a noção de ordem e controle de toda a sociedade por um líder inquestionável. Entretanto, teriam sido traídos por Getúlio Vargas e alguns generais que se diziam simpáticos ao integralismo, mas, que não aprovavam a competição da milícia integralista, nem pretendiam jurar fidelidade a Plínio Salgado. Depois disso, começa o cerco aos integralistas pela polícia do DOPS (Delegacia de Ordem Política e Social). Alguns integralistas reagem e começa um período de conspiração integralista contra o regime, seguido da repressão em nome da segurança nacional contra os estrangeirismos exóticos, como declarava Getúlio Vargas. O Estado Novo se fortalece com a propaganda de repressão aos integralistas paralelamente aos comunistas, apontados como os males que invadia a sociedade brasileira.

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Depois de um ataque armado ao governo, por parte de um grupo identificado como formado por integralistas, Plínio Salgado é responsabilizado, preso e levado a prestar depoimentos. Em seguida é obrigado a sair para o exílio, onde viveu de 1939 a 1946. Ele segue para Portugal, viveu a maior parte do exílio em Lisboa, onde já possuía contatos e amigos. Procurou se integrar ao perfil do regime de Salazar, com o qual simpatizava abertamente desde seus tempos de líder dos integralistas no Brasil. Inicialmente, evitou chamar a atenção. Assim, de 1939 a 1944, manteve-se centrado em cartas para o Brasil, através das quais procurava se articular para um retorno ou transferência para a Argentina. Depois de 1944, passou a colaborar abertamente com o salazarismo, através das suas bases católicas. Com a publicação da edição portuguesa de sua obra A Vida de Jesus, em fins de 1943, ele começa a ter ampla visibilidade na sociedade portuguesa. Seu principal contato entre os católicos foi o Padre Moreira das Neves, que o recomendou ao Cardeal Cerejeira. Aprovado, por esse último, ele se aproxima dos intelectuais do regime, dos jovens da Mocidade Portuguesa, da Legião, das faculdades e escolas de várias cidades. Torna-se um dos doutrinadores do regime, construindo seus discursos com temas da relação do nacionalismo com o catolicismo. Com isso, Plínio Salgado se tornou um dos doutrinadores estrangeiros mais conhecidos do regime salazarista dos últimos anos da segunda guerra. Plínio Salgado e as condições do exílio: um retorno à “revolução espiritualista” As condições do exílio de Plínio Salgado foram marcadas por etapas diversas que, muitas vezes, mesclavam-se no mesmo momento, visto que ele nunca deixou de articular seu retorno ao Brasil e ao campo político. Entretanto, podemos perceber que ele teve fases em que se mostrou mais cauteloso, outras mais agitado em torno das articulações de retorno ao Brasil e/ou procurando uma transferência para a Argentina, pois temia a posição geopolítica de Portugal nas questões da guerra, e algumas em que parecia aceitar a situação e teria se dedicado a colaborar com o regime salazarista, como um dos doutrinadores da juventude portuguesa. Está última fase se deu com o contato e apoio do Padre Moreira das Neves, seguida do Cardeal Cerejeira, esse considerado um chefe católico de confiança e amigo pessoal de Salazar. Por seus intermédios, Plínio Salgado passou a atuar em conferências públicas no Teatro Dona Maria de Lisboa, nas Faculdades de Direito de Lisboa, de Coimbra e de Porto, em diversas escolas de cidades ao longo do país, com seus resultados e conteúdos publicados nos principais jornais do país. Paralelamente, começou a fase de publicação de obras literárias de cunho nacionalista e católico. Portanto, ele doutrinou a juventude portuguesa e católicos dentro dos ideias do regime por conferências, obras literárias, cartas e pelos jornais, tornando-se bastante conhecido da sociedade portuguesa nos tempos da Segunda Guerra. Os registros de sua passagem e colaboração ao regime estão nos jornais depois de 1944, principalmente os católicos, nas suas obras preservadas pela Biblioteca Nacional e localizadas facilmente pelo seu nome e nos documentos do AOS/SNI-TT (Arquivo Oliveira Salazar/Secretaria Nacional de Informação-Torre do Tombo). Seus contatos com personagens do catolicismo português datam do período anterior ao exílio, conforme mostram revistas e jornais católicos do Brasil, a exemplo das Revistas Fronteiras, Tradição e a Ordem, lugares discursivos dos jesuítas portugueses que viviam no Brasil, desde 1910 , resultado de seus conflitos com a Primeira República. A procura por Portugal para exílio não era de se estranhar. Além de ter raízes familiares portuguesas, ele estreitava laços antigos entre intelectuais e católicos do Brasil e de Portugal. Ele via no país um porto seguro, não apenas comungava com o regime de Salazar como tinha seus contatos entre os integralistas lusitanos e católicos que circulavam entre um país e outro. Não se pode esquecer que ele saiu do Brasil na condição de julgado pelo Tribunal de Segurança Nacional do regime estadonovista de Getúlio Vargas, como traidor que havia conspirar contra o governo e a nação.

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Precisava da segurança que Portugal representava naquele momento para um exilado do seu perfil. A relação de Plínio Salgado com alguns católicos jesuítas da ordem portuguesa que viviam no Brasil se deu através do Padre Serafim Leite, SJ (Jesuíta). Esse Padre era responsável pelo periódico Fronteiras, onde localizamos, inicialmente, a relação de Plínio Salgado com membros do catolicismo brasileiro, com o integralismo lusitano e informações cotidianas de Portugal. Outro contato foi o Padre Diogo, SJ, que circulava entre a cultura portuguesa e a brasileira através de livros e outros meios de circulação da cultura lusitana na formação da intelectualidade brasileira. Além desses, havia o Padre Fernandez, SJ, que liderou a luta contra os comunistas no Brasil com o apoio e forte colaboração de professores e bacharéis da Faculdade de Direito do Recife, espaço de forte influência das ideias e intelectuais portugueses e franceses. Enquanto esteve exilado, Plínio contou com o apoio de católicos se mobilizando em prol de seu retorno, apesar dos conflitos de posição em relação ao regime e às condições da guerra. Os conflitos se davam, principalmente, quando a polícia de Getúlio passou a perseguir alguns sacerdotes de nacionalidades italiana e alemã, por suspeitas de apoio a Hitler ou de campanha fascista no Brasil. Nestes momento, eles negavam qualquer apoio a Plínio Salgado. Diante da participação do Brasil na segunda guerra, houve até pronunciamentos contra Plínio Salgado por parte de alguns representantes da Igreja, a exemplo de Dom Becker, arcebispo de Porto Alegre, Sul do Brasil, que declara ao Diário de Pernambuco (02/04/1942) nunca ter apoiado: “[...] no tempo do integralismo alguns padres professoravam essas ideias, mas eu nunca deixei de combater esse sentido político. [...] condenei em pastoral o integralismo e mantive essa posição apensar de procurado por Plínio Salgado” (Correspondência Pessoal, cf. APHRC – Arquivo Público e Histórico de Rio Claro - São Paulo). Importante dizer que as posições católicas no Brasil não eram iguais nos diferentes estados, nem em relação ao governo, nem aos integralistas. Havia os conflitos e alianças de todos os lados. Em Portugal, apesar de alguns conflitos entre Salazar e alguns católicos, ele encontrou um campo fértil para os “guia das multidões” entre os católicos que se harmonizavam com o regime. Foi chamado de “Doutor Angélico” (Novidades - 08/3/1944) e pôde circular nos editoriais católicos, ganhando amplo espaço para publicar suas conferências nos jornais, para publicar suas obras literárias, para falar ao povo português. Seus discursos defendiam a relação da Pátria com a Fé, da força de um líder espiritualmente guiado, da relação cultural entre Brasil e Portugal, exemplificando o valor da missão colonizadora de Portugal. O nome de Cristo e sua missão como guia dos desprotegidos era outro tema dos seus discursos, através dos quais ele legitimava a figura de Salazar como guia e orientador dos perdidos, dos ameaçados, do povo português, repetindo em muitas conferências as “Palavras de Ordem” de Salazar. Os títulos de suas conferências eram emblemáticos do seu lugar enunciativo da missão de Cristo, do guia das multidões: A Vida de Jesus, o Mistério da Ceia, Pensamentos de Ontem tragédias de hoje, O Rei dos Reis, A Mulher no Séc. XX, O Rei e o Poeta (neste último compõe sua mensagem ao lado de poemas de António Sardinha, destacando que “este encontro estava destinado a ocorrer, era um encontro esperado pelos nacionalistas”. (Novidades, 07/01/1945). Era um encontro previamente combinado antes do exílio. Mas, é no editorial de 11/01/1945 que ele faz referências diretas ao salazarismo através da conferência intitulada “O Reino de Deus”, quando recorre a frases já ditas por Salazar: “Nós sabemos o que queremos e para onde vamos. Esperando, sabemos o que esperamos, de quem e quem esperamos, e porque esperamos”. Todas as suas conferências publicadas nos principais jornais, entre 1944 a 1946, mostram que ele se integrou ao regime, influenciando e sendo influenciado no cotidiano do salazarismo na ideologia do catolicismo nacionalista. Por várias cartas enviadas ao Brasil, ele registra: “Agora entendo melhor o que precisamos aí no Brasil”. E,

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retorna ao Brasil criando o PRP (Partido de Representação Popular) sob a influência de uma possível “democracia cristã” aos moldes de Portugal, percebeu o poder de Salazar na sociedade e sua força no catolicismo. No auge de sua atuação em Lisboa ele deu ressonância e visibilidade aos discursos dos representantes do regime, confirmando o “direito natural e a ordem jurídica” do direito divino do salazarismo. (Novidades, 09/4/44). Reforçou a educação colonial e pregou a “dilatação da fé e do império português” na conferência intitulada “O Reino de Deus”, onde se observa uma apologia ao regime, ao movimento religioso nas colônias, à missão colonizadora e civilizadora de Portugal. Na conferência intitulada “Imagens daquela noite” (Novidades, 01/04/1945) ele levanta muitos aplausos depois de narrar as cenas da Paixão de Cristo, descrevendo com emoção cada momento do sofrimento de Cristo crucificado, quase se comparando a ele. Com isso, ele despertava muita admiração entre os católicos portugueses. Depois de observar as comemorações de Fátima, a fé do povo, ele corria a escrever e a conferenciar sobre a cultura de fé do povo lusitano, ganhava aplausos. É importante, contudo, registrar que a relação de Plínio com o tradicionalismo católico vem de sua base familiar, de origem portuguesa e se aprofunda com as experiências sofridas com a morte do pai, da mãe, da primeira esposa, a doença da irmã, acrescidos dos momentos de desespero no exílio. Ele temia as consequências da guerra, o ataque dos antifascistas e comunistas portugueses, temia não voltar mais ao Brasil e não conviver mais com sua única filha. A fé católica observada em Portugal ampliou sua posição espiritual diante da experiência do exílio, principalmente nos momentos da doença do pulmão, de incertezas da guerra. Ele volta a defender a “revolução espiritualista” como lugar de combate ao “materialismo capitalista e comunista”. Retoma as bases filosóficas de suas ideias antes da criação da AIB. Relembra as influências recebidas por Jackson de Figueiredo e Farias de Brito. No Brasil, este último é considerado “o pensador pátrio de inícios do século XX, entre os bacharéis da Faculdade de Direito do Recife”, que também circulavam suas ideias na cultura portuguesa, entre os bacharéis. Farias de Brito foi o principal doutrinador da “Revolução Espiritualista” entre a intelectualidade tradicional católica de oposição ao positivismo dentro das Faculdades de Direito do país, tendo como principal representante Jackson de Figueiredo. Com o surgimento do movimento nacionalista no Brasil, na década de 1920, Farias de Brito passa a escrever sobre o tema do nacionalismo como movimento do espírito, criando uma escola e muitos seguidores do que se chamava de “teosofia”, mistura de teologia com a filosofia. Plínio Salgado, no momento de criação da AIB diz que Farias de Brito “foi o maior pensador e filósofo brasileiro, o maior das Américas”. (MATTOS, 1978, p. 41-42) No exílio, ele retoma essas reflexões espiritualistas, ampliadas pela proximidade com a intelectualidade e católicos portugueses. As condições do exílio favorecem essa proximidade com as questões espiritualistas e católicas. No clima de insegurança da guerra, não se pode dizer que ele se sentia livre no regime salazarista, temia as decisões do julgamento no Brasil, percebia-se controlado de todos os lados. Dedicar-se ao pensamento nacionalista católico representava um lugar enunciativo viável, seguro e, do ponto de vista político do regime salazarista, até promocional. Por outro lado, em suas cartas enviadas ao Brasil, ele não cessa de se lamentar, mostra sua inquietude, diz-se injustiçado, martirizado, pedia reconhecimento pelo seu nacionalismo, pela sua luta, mas, era julgado como traidor e foi “crucificado” como Cristo. Desabafava nos seus discursos de conferências em Lisboa, o publico português demonstrava sua simpatia, não entendiam como um “ilustre escritor e orador” da fé católica e da nação não era bem aceito em seu país. No campo mental pesavam as incertezas, os medos diante das indefinições da guerra e os possíveis reflexos sobre sua pessoal, estava longe da família e dos militantes que lhe davam certa imagem de poder e segurança. Ele registra, frequentemente por cartas, que está em crise depressiva e mergulhado nas reflexões do espírito. O salazarismo e a força pessoal de Salazar eram suas inspirações, dizia em público e nas cartas. Por outro lado, havia os momentos de depressão, quando se queixava de tudo no exílio: da carestia dos preços com a guerra, das

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dificuldades dos correios e de comunicação, da pressão psicológica das incertezas, da censura sobre sua cartas à família. Queixava-se até de morar defronte uma funerária cujo nome era Salgado, que isso lhe deprimia ainda mais o espírito, como dizia à filha pelas cartas. Não é sem propósito o título de sua obra mais comentada em Portugal: “A Vida de Jesus”, texto por onde narra a peregrinação e a vida de Cristo martirizado, procurando dar à mesma uma representação bastante próxima de sua própria história, martirizado e injustiçado por Vargas e por outros brasileiros. São muitas as questões que o direcionavam para um retorno à “revolução espiritualista”, ampliadas pela proximidade com os católicos portugueses. Seria entre eles que ele encontra apoio para suas questões, ao mesmo tempo em que também dá algo em troca.

Plínio como doutrinador entre os católicos no regime salazarista Como já dissemos, Plínio se aproxima dos doutrinadores católicos portugueses em decorrência da produção da obra “Vida de Jesus” (1942), depois da edição portuguesa de 1944. Neste caso, é importante considerar que foram seus escritos em torno do cristianismo e do catolicismo nacionalista que lhe permitiram inserção entre os doutrinadores do regime, responsáveis pela formação da juventude salazarista. Ele tornou-se um militante da fé e um dos orientadores da “cruzada anticomunista”. Como doutrinador ele investiu no pensamento católico cristão formado nos debates filosóficos do séc. XIX ao XX, reafirmava as questões que prejudicavam o “bom católico”, ou seja, o católico militante dentro do nacionalismo extremo e defendia o regime salazarista de base católica. Ao se ler as cartas de Plínio entre Portugal e o Brasil, relacionando-as com outros documentos, particularmente alguns jornais da imprensa católica autorizada, vamos percebendo momentos diferentes, de adaptações, de movências do discurso e da conduta de Plínio Salgado. Com a recepção positiva do público português, ele vai crescendo sua imagem como um “grande escritor e pensador” brasileiro, cobra pelas suas conferências entradas pelos ingressos, pela publicação das conferências nos jornais, recebe apoio para publicação de suas obras. Sua autoconfiança cresce entre 1944 a 1946, quando retorna ao Brasil sob aplausos e agradecimentos de ilustres intelectuais da sociedade portuguesa. Quando chegou em Portugal, em julho de 1939, ele demonstrava grandes crises de ansiedade, registrava que temia aparecer em público e “falar demais”, temia incomodar o “anfitrião”, temia seu destino e situação da guerra. Em pesquisas nos principais jornais portugueses, do período do exílio, percebemos que ele tem pouca importância. Sua chegada é noticiada apenas uma pequena nota nos jornais. Apesar de dizer em cartas que todos os jornais alardearam sua chegada e que foi recebido pelos legionários, tudo que encontramos foi a nota muito pequena no Diário da Manhã em meio à várias outras propagandas e pequenas notícias locais, no dia seguinte à sua chegada a Lisboa, entre os jornais pesquisados, e que dizia: “Plínio Salgado. Acompanhado de sua esposa chegou ontem à noite a Lisboa, onde vem fixar residência, o antigo chefe político brasileiro. Sr. Plínio Salgado”. (“Plínio Salgado”. Diário da Manhã. 08/julho/1939. p. 2.) Depois disso, não se houve mais falar dele, até 1944, quando ganha páginas inteiras de jornais para expor suas ideias e pensamentos. Ao retornar para o Brasil em 1946, publicou na integra o “Manifesto Diretiva” com que funda o PRP (Partido de Representação Popular), do qual se torna o Presidente. Entre 1939 e 1940, entretanto, ele se volta para as cartas, para os contatos no Brasil entre a família e membros da antiga AIB. Em 1941, ele pega a doença do pulmão e passa um tempo fora de Lisboa se tratando; em 1942, ele lança o livro A Vida de Jesus, no Brasil, mas também é o momento em que o país entra na Segunda Guerra e ele começa um período de euforia e expectativas de receber o perdão de Vargas e retornar ao Brasil, pelas articulações que passa a fazer para provar a Vargas seu poder de mobilizar os militantes integralistas a entrarem na Guerra auxiliando o governo. Este não só não lhe dá crédito como amplia o controle e a censura sobre sua comunicação, inclusive retendo algumas de suas cartas. Plínio recua no

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entusiasmo, envia cartas justificativas de total apoio ao governo, sabendo que elas iam parar nas mãos de Vargas, e entra numa fase depressiva se queixando de vigilância e cerceamento da comunicação de todos os lados, em Portugal e no Brasil. Neste momento, passa a falar de sua aproximação com Cristo, do drama do martírio de Jesus, como se a falar de si mesmo. Com o lançamento da edição portuguesa de “Vida de Jesus”, em dezembro de 1943, ele entra em nova fase de contatos e atividades em Portugal. O ponto de partida é o Padre Moreira das Neves, que conheceu a obra e deseja circular a mesma entre os católicos portugueses. Dele, Plínio chega a um grupo de jovens do Seminário de Cristo Rei, do Seminário dos Olivais, que o convidam para conferenciar entre eles assunto de caráter filosófico-religioso. Nesse grupo, ele aborda o tema “Pensamento de Ontem e Tragédia de Hoje”. A conferência é presidida pelo Cardial Patriarca de Lisboa, D. Manuel Gonçalvez Cerejeira, que passa a indicar seu nome para outros lugares de formação da mentalidade dos jovens portugueses e católicos. Logo depois da conferência, o Cardial recomendou ao Padre Moreira Neves, autor da obra mendigo de Deus, que Plínio Salgado, “brasileiro de alma cristã, deveria ser ouvido em toda a Portugal”, marcando-se a partir daí uma série de conferências entre elas a mais comentada, a do Teatro D. Maria II, a convite da Juventude Feminina Católica, para os quais amplia a conferência anterior e lhe deu o título de “A Aliança do Sim e do Não”, onde fala das contradições do cristão entre discursos da fé a ausência da prática edificadora. (DOREA, 1999, p. 30) Esta conferência circulou pelos jornais de Lisboa, alguns apresentam à sociedade portuguesa a conferência completa, outros trazem trechos comentados. E outros comentam muito pouco, mas não deixam de falar, a exemplo do Diário de Lisboa, que inclusive não traz o nome de Plínio no título da conferência, apenas um título vago: “O Sim e o Não”, no dia 26 de abril de 1944. Em Portugal sob as “orientações” de Salazar como Presidente do Conselho, os católicos circulavam nos jornais, ainda que com algumas matérias visadas, auxiliando nos discursos de doutrinação do nacionalismo com fé, do patriotismo-cristão, Plínio aparecia nas conferências publicadas entre os convidados da Ação Católica, onde passou a ser considerado um doutrinador da juventude, uma frente espiritualista com base na fé em Cristo, uma posição que não ameaçava o regime e ainda colaborava com o mesmo. Essa imagem de Plínio, orientador da fé entre os jovens, foi bastante divulgada também por Antero de Figueiredo, escritor católico, que lhe convidou para “enfrentar o materialismo do tempo, numa inadiável frente espiritualista” na formação da mentalidade da juventude portuguesa. Ele percebe que volta à cena pública em nome através do pensamento cristão, isso reflete com certeza na reformulação dos seus discursos ao longo da guerra. Ganha simpatia e admiração entre os católicos que defendiam a democracia cristã, entre os jovens e professores do CADC. Ele doutrina, guia, orienta, mas, também recebe influências. Nas cartas à filha Maria Amélia do exílio, ele escreve: tudo me influencia. Em suas viagens a Porto, a Fátima, suas observações cidades portuguesas, Plínio vai registrando em suas cartas suas impressões do regime e sua percepção dos Atos de Fé do povo português. Passando a incorporar ideias do tradicionalismo católico. Plínio viu a força do catolicismo na base do regime de Salazar, na luta anticomunista, na força política apropriada para os tempos de guerra. E a partir dessa percepção passa a circular entre os católicos como “doutrinador cristão”. Colaboram com essa sua posição sua imagem de martirizado e injustiçado pelo governo brasileiro. Alguns contatos portugueses e católicos, entre eles padres, comentam que não entendem o porquê da sua perseguição e reinterpretam sua imagem no papel de Cristo, que ele reafirma constantemente em cartas, em memórias, nas obras. O Padre João Maia, da ação católica portuguesa, registra em suas memórias que “Plínio passou em Portugal fazendo o bem, depois que voltou para o Brasil seu nome já era conhecido e permaneceu influindo nos pensamentos dos jovens”. Plínio foi um dos anunciadores do Rumo, diz o Padre Moreira Neves. Plínio provocava mudanças nas pessoas que o liam e o ouviam em Portugal, dizia outros comentadores de suas conferências no jornal Diário da Manhã e A Voz. Os depoimentos de vários padres de Lisboa é que ele prendia atenção dos alunos e seminaristas. (Dorea, 1999. p.39) Diz a autora que, quando voltou para o Brasil, Plínio havia deixado forte

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impressão entre os católicos do regime de Salazar, ao que Hipólito Raposo teria dito, que ele “levava Portugal consigo e deixava o Brasil conosco”. (Dorea, 1999, p.40; Jornal A Voz, 23 de junho de 1946). Plínio deixou entre os católicos portugueses, a imagem de um “doutrinador e moralista, capitão da nova cruzada anticomunista, ardoroso vingador da fé”, “O mensageiro da Paz”, como se lê em várias notas do Jornal Católico, A Voz, entre os meses de março, abril e agosto de 1944. Importante não esquecer que suas tantas conferências, palestras e discursos publicados, pronunciados foram autorizados. Dado que nada ia a público sem autorização dos órgãos de censura do regime, sem a leitura de Salazar. Este perfil do regime encontra-se bastante registrado nas memórias de Alfredo Pimenta, um dos contatos de Plínio Salgado, que também agia como um dos doutrinadores do regime entre a juventude portuguesa nos moldes da juventude hitlerista, pelos quais declarava ampla admiração. No ano de sua chegada, 1939, Plínio encontrou em Portugal ampla propaganda e a ação dos doutrinadores na educação e orientação das fileiras da Legião e da Mocidade. Observou os discursos, as condutas e a liderança dos intelectuais católicos junto à juventude portuguesa, a exemplo dos Professores Marcelo Caetano, Leite Pinto e Leonel Ribeiro, além de outros que conheceu por ocasião do I Congresso da Mocidade Portuguesa. (“I Congresso da Mocidade Portuguesa: a educação moral da juventude”. (Jornal O Século, 24/05/1939. p.1) Percebeu, logo nos primeiros anos do exílio, o poder da doutrina católica e do tradicionalismo radical na matriz ideológica dos intelectuais que comandavam por sua vez a formação moral, social e patriótica da juventude portuguesa, desde a escola primária até a Universidade. Com a proximidade do fim da guerra, foi percebendo a opção da democracia cristã reforçada na base do Salazar, nas instituições burocráticas que eram comandadas por bacharéis provenientes do CADC, membros das tradições das Universidades de Coimbra e Lisboa, do Centro Católico. Seu discurso foi, portanto, tomando o mesmo rumo. Considerações Finais Obviamente, os rumos e os momentos tumultuados e incertos da segunda grande guerra interferiram nas condições do exílio de Plínio Salgado, assim como interferiram na ordem e movimento político do regime de Salazar e nas suas determinações político-ideológicas em relação aos destinos das ideologias da extrema direita. Plínio observava o cotidiano do regime, o perfil de Salazar na reconstrução da relação do nacionalismo com catolicismo na cruzada ideológica anticomunista, o auxilio das práticas repressivas da sua polícia política, pela orientação cristã guiando a disciplina militar entre os jovens. Ele percebeu a questão de ajustes do regime para questões defendidas pela democracia cristã, vê suas possibilidades na reformulação do seu pensamento. Essa percepção não se dá exatamente com os resultados de 1945, vem ao longo da experiência do exílio. Essa percepção dos movimentos de Salazar entre o nacionalismo radical e o catolicismo não vêm para o Brasil exclusivamente como resultado da presença de Plínio em Portugal, a cultura católica circulava entre os dois países. No Brasil, os textos do Padre Serafim Leite, conhecido historiador e formador da juventude católica e simpático ao integralismo brasileiro, circulavam entre o Brasil e Portugal através de revistas e jornais católicos, levando imagens de Plínio, trazendo para o Brasil imagens de Sardinha. Além dos discursos saudosistas da presença portuguesa na colônia brasileira, circulavam nas aulas e textos da imprensa católica. No período do exílio, 1939 a 1946, a imprensa católica brasileira traz cotidianamente notícias de Portugal, falando de Salazar, do integralismo lusitano, de António Sardinha, do passado colonial brasileiro. Colaborava com a história saudosista, de glorificação do passado português, professores de história tanto de Portugal como do Brasil. Nesse, a formação histórica estava nas mãos dos jesuítas. Em Portugal se destacava o historiador João Ameal e outros, que também circulava nas revistas católicos do Recife e do Rio de Janeiro. Durante o período do exílio, ele chamou Plínio Salgado de

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“doutrinador da fé”, “orientador dos rumos”, comentando sua conferência do Teatro Dona Maria, em Lisboa. (Rumo, n.6, 1944) Os temas das conferencias de Plínio, espaço de doutrinação no salazarismo, são voltados para a formação da mentalidade da juventude católica e nacionalista, anticomunista. E é entre essa juventude que Plínio Salgado teve seu espaço de atuação e visibilidade no regime de Salazar nos momentos finais da guerra. Ele voltou ao Brasil em 1946, mas, deixou as marcas de sua passagem por Portugal no Teatro Dona Maria, no Seminário dos Olivais, onde doutrinou entre os jovens católicos sobre o pensamento de Cristo, como convidado do Bispo de Viseu entre as escolas da cidade, no CADC, nas Universidades e outros espaços registrados nos jornais da época da segunda guerra. Portanto, tem a figura de Plínio Salgado, como exilado brasileiro e doutrinador do regime salazarista, certa importância aos que procuram ainda hoje compreender aquele momento político de amplo controle da vida dos jovens e da sociedade em geral. E, como diz Hipólito Raposo, orador da despedida de Plínio Salgado, em 1946, quando retorna ao Brasil, Plínio levaria Portugal consigo e deixaria o Brasil com os Portugueses, figurando como um dos doutrinadores, ainda mal conhecido, do regime salazarista. Esperamos ter dado nossa contribuição ou pelo menos despertando para a importância dos estudos históricos entre Brasil e Portugal nos tempos da segunda guerra e o lugar dos exilados no regime. Referências CRUZ, Manuel Braga da., (1978), As origens da democracia cristã em Portugal e o salazarismo (I). Revista Análise Social, vol. XIV (54), 2.°, 265-27. DOREA, Augusta. Um Apóstolo em Terras de Portugal. São Paulo: GDR, 1999. FERRO, António., (1933), Salazar, o Homem e a Sua Obra, Lisboa, Empresa Nacional de Publicidade. MATOS, Carlos Lopes de. O pensamento de Farias Brito. In: CRIPPA, Adolpho (Coordenador). As Idéias Filosóficas no Brasil: séc. XX parte I. São Paulo: Convívio, 1978. MARCHI, Riccardo., (2008), A direita radical na Universidade de Coimbra (1945-1974). Análise Social, vol. XLIII (3.º), 551-576. MELO, Daniel., (2001), Salazarismo e Cultura Popular (1933-1958). Lisboa: Editora do ICS, (Estudos e Investigações número 22) PAYNE, Stanley G., (1993), “Fascismo, Modernismo e Modernização”. Revista Penélope. Número 11. RUMO (1944), Revista de Cultura Portuguesa, n.6. SALGADO, Plínio., (1986a) Minha Segunda Prisão e Meu exílio. Seguido de Diário de Bordo e Poema da Fortaleza de Santa Cruz. São Paulo: Editora Voz do Oeste. ______., (1986b) Tempo de exílio: correspondência familiar-1. São Paulo: Editora Voz do Oeste. ______., (1986c) In Memorian. (Volume II – Autores Estrangeiros). São Paulo: Editora Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado. TORGAL, Luíz Reis., (1994) “Salazarismo, Alemanha e Europa: discursos políticos e culturais”. Revista de História das Idéias. Vol. 16 – Do Estado Novo ao 25 de Abril. Coimbra: Instituto de História e Teoria das Idéias, Faculdade de Letras. GISELDA BRITO SILVA Professora da Graduação e Pós-Graduação em História da UFRPE, Doutora em História e Pós-Doutorado em História Política (2011) pelo ICS-UL (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa) com apoio financeiro do CNPq/PDE, Processo número 201455/2010-2, sob a supervisão do Prof. Dr. António Costa Pinto. E-mail: [email protected]

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