A cisão entre ensino e aprendizagem na informática educativa: uma análise do construtivismo e do construcionismo

June 19, 2017 | Autor: E. Moura da Costa | Categoria: Psicologia da Educação
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1 A CISÃO ENTRE ENSINO E APRENDIZAGEM NA INFORMÁTICA EDUCATIVA: UMA ANÁLISE DO CONSTRUTIVISMO E DO CONSTRUCIONISMO Eduardo Moura da Costa

Introdução O computador se tornou o grande signo do avanço tecnológico e da modernidade nas útlimas décadas. Sua popularização tem realizado transformações sociais profundas. As relações de trabalho, o comportamento, a comunicação, o entretenimento e a educação são apenas alguns exemplos de esferas da vida humana que estão sendo influenciadas pelas novas tecnologias. No campo do trabalho, por exemplo, Braga (2009) assevera que as tecnologias tem contribuido para uma maior exploração e precarização, ao contrário do tão sonhado fim do trabalho. Já no campo educativo, que está determinado substancialmente pela base material do trabalho, Paiva (2011) afirma que o fetiche da “sociedade do conhecimento” tem produzido uma mais-valia virtual, principalmente através dos programas de formação de professores a distância e das propostas de inclusão digital. As tecnologias informáticas foram criadas e se desenvolveram em um momento histórico, social e econômico singulares, caracterizadas como sendo a terceira revolução tecnológica. Tais tecnologias possuem, como um dos principais nascedouros as necessidades tecnológicas suscitadas pela Segunda Guerra Mundial. Também se somam a isso as revoluções técno-científicas que se desenrolaram durante o século XX, principalmente no campo da microeletrônica e da informática. Tais revoluções não surgiram somente dentro dos laboratórios de pesquisa, mas também por exigências do sistema produtivo que se intensificaram na década de 70, com as crises que o capitalismo e seu sistema produtivo passaram a enfrentar. No decorrer dos anos, essas tecnologias responderam às demandas especificas de produção da classe dominante, sendo a partir da década de 1990 que, no Brasil, tais tecnologias se expandiram para todas as esferas da sociedade. As tecnologias digitais vêm sendo utilizadas de várias maneiras na educação, seja na formação de professores a distância, no acesso a uma vasta quantidade de informação, na utilização de ferramentas para auxiliar o ensino de pessoas com deficiências intelectual, visual, auditiva ou surdocegueira; em programas de simulação virtual variados, dentre outras aplicações. Contudo, notamos que pouco dessas

2 inovações, ou quase nenhuma, estão sendo de fato aplicadas nas escolas públicas brasileiras, que historicamente são marcadas por carências elementares, tanto de estrutura material básica quanto na valorização de seus profissionais. A partir de uma breve análise da literatura, é possível constatar que na maioria das escolas, o acesso aos computadores está limitado à “sala de informática” e às “aulas de computador”. Também é nítido o fato de que os usos das tecnologias estão muitas vezes relacionados com uma demanda do mercado de trabalho, além de notarmos um processo de fetichização delas, como sendo uma panaceia para os problemas sociais. Escolhemos os construtivismo e o construcionismo para analisarmos porque são as maiores influências em informática educativa e aparentemente possuem convergências. Segundo Duarte (2001), o construtivismo é o ideário pedagógico mais presente na educação brasileira de um modo geral, e seria de se esperar sua influência na informática educativa, de modo particular. No que concerne ao construcionismo, que é uma derivação do construtivismo, é uma importante referência teórica na utilização das tecnologias digitais na educação (Ferreira & Duarte, 2012). Segundo os autores citados, essas duas teorias fariam parte de um mesmo lema pedagógico, que seriam as teorias do aprender a aprender. Variantes desse lema, como construtivismo, construcionismo, projetos de aprendizagem, pedagogia das habilidades e competências, têm notável frequência nessa literatura. Verifica-se a quase completa ausência de orientação pedagógica distinta, o que caracteriza a forte hegemonia dessa tendência (Ferreira & Duarte, 2012

, p.1020). Ainda segundo esses autores, pouco se tem

analisado a problemática contraposição entre ensino e aprendizagem presente nessas propostas de utilização das tecnologias na educação. Nos próximos itens analisaremos como essas perspectivas compreendem esse processo, após isso, é apresentada a Psicologia Histórico-Cultural como uma contraposição a essa visão, para então finalizarmos o texto com uma discussão que procura articular as problemáticas apresentadas. Construtivismo, Construcionismo e o uso das Tics na educação No presente item trataremos de forma breve das principais características do construtivismo e do construcionismo. Além disso, tentaremos articular os conceitos centrais dessas duas perspectivas com com suas propostas de utilização das Tics na educação. Isso será feito, no que tange ao construtivismo, através das proposições de César Coll sobre a utilização das tecnologias na educação, que estão localizadas no livro

3 organizado por ele, intitulado “Psicologia da Educação Virtual: Aprender e Ensinar com as Tecnologias da Informação e da Comunicação”. No que se refere ao construcionismo, foram estudados livros e artigos de José Armando Valente, que é considerado o principal divulgador dessa perspectiva no Brasil. O construtivismo tem em Jean Piaget sua maior referência. Sua teoria genética do desenvolvimento da inteligência é fortemente influenciada por uma base biológica que, consequentemente, naturaliza o desenvolvimento da inteligência. O objetivo de Piaget, no início de suas investigações, foi compreender como se desenvolve a inteligência e o pensamento lógico da criança independentemente do ensino ou da interferência da escola. Para Piaget, a inteligência faz parte do processo de adaptação biológico, seja a adaptação do homem ou dos demais seres vivos. Esse processo é compeendido a partir de cinco categorias centrais: esquema, assimilação, acomodação, adaptação e equilibração. Não entraremos nos detalhes de cada estágio desse processo adaptativo, pois nosso interesse é destacar como o construtivismo compreende a relação entre conteúdos ensinados e o desenvolvimento humano. Eidt (2009) argumenta que apesar de Piaget em determinado momento de suas produções ter negado o caráter positivista de sua epistemologia, ao se analisar a totalidade de sua obra não é possível concordar com este autor. Isso porque este biológo buscou na natureza explicações para os processos sociais e humanos, apresentando os dados empíricos como forma de comprovação, sem teorizar sobre os achados. Seguindo a tradição da escola nova, o construtivismo criticou a escola tradicional. Ainda segundo Eidt (2009), tanto o construtivismo quanto a escola nova propõem que a pedagogia deve abandonar a centralidade do trabalho do professor e a transmissão dos conteúdos no contexto educativo. A resposta de Piaget para essa questão é através de uma educação baseada nos métodos ativos de conhecimento. Foi postulado que deve caber ao aluno construir seu conhecimento, ao contrário do ensino bancário do modelo tradicional. Existiria uma valorização dos alunos nessa perspectiva, onde o aprendizado realizado por eles seria qualitativamente superior àqueles em que há a interferência do professor (Eidt, 2009). Os alunos deveriam aprender a desenvolver os métodos de conhecimento e não adquirir os conhecimentos em si. Há aqui uma dicotomia entre forma e conteúdo, o acento cai na forma do pensamento, na estrutura em detrimento do conteúdo. Eles não necessitariam aprender o máximo de conteúdos clássicos, como propunha a escola tradicional, mas aprender aquilo que lhes fosse útil para a adaptação ao meio.

4 Piaget, ao partir de uma perspectiva biológica para entender o desenvolvimento humano, teoriza que deve haver antes uma maturação orgânica para que o desenvolvimento se processe. Para este biólogo, o desenvolvimento antecede a aprendizagem, ou seja, este é dependente daquele. Essa ideia maturacional deu origem aos famosos estágios do desenvolvimento: sensório-motor, pré-operatório, operatório concreto e operatório formal. Nesse sentido, a escola e os professores deveriam pautar as propostas de ensino com base em cada estágio do desenvolvimento, respeitando as estruturas da intelegência que lhes são próprias (Eidt, 2009). O construtivista espanhol César Coll, com base nas proposições de Piaget sobre o desenvolvimento humano, organizou o livro “Psicologia da Educação Virtual: Aprender e Ensinar com as Tecnologias da Informação e da Comunicação” para discutir como a educação deve pensar a introdução das novas tecnologias no contexto escolar. Coll (2010) problematiza que a utilização das Tecnologias da Comunicação e da Informação (TICs) devem modificar as práticas educativas mais do que adaptar-se a elas. Ele observa que as tecnologias no contexto educativo tem sido utilizadas mais como fonte de transmissão e acesso a informações. Para ele as tecnologias devem servir como ferramentas que ajudem a produção do conhecimento pelos alunos. Tal perspectiva está inteiramente alinhada com os pressupostos construtivistas apresentados logo acima. Ele comenta essa questão da seguinte forma: Em outras palavras, os professores tendem a dar às TIC usos que são coerentes com seus pensamentos pedagógicos e com sua visão dos processos de ensino e aprendizagem. Assim, com uma visão mais transmissiva ou tradicional do ensino e da aprendizagem, tendem a utilizar as TIC para reforçar suas estratégias de apresentação e transmissão de conteúdos, enquanto aqueles que têm uma visão mais ativa ou “construtivista” tendem a utilizá-las para promover as atividades de exploração ou indagação dos alunos, o trabalho autônomo e o trabalho colaborativo. (Coll, 2010, p. 75).

Em relação ao papel dos professores em tempos de avanços tecnológicos e, claramente afinado com as perspectivas do construtivismo, César Coll expressa da seguinte maneira seu ponto de vista: No médio prazo, parece inevitável que, diante da oferta de meios e recursos, o professor abandone progressivamente o papel de transmissor de informação, subsitituindo-o pelos papéis de seletor e gestor dos recursos disponíveis, tutor e consultor no esclarecimento de dúvidas, orientador e guia

5 na realização de projetos e mediador de debates e discussões. (Coll, C. 2010, p. 31).

Já se tratando do construcionismo, este eleva ao extremo a noção de construção do conhecimento, apresentado anteriormente. Para o construcionismo a construção do conhecimento pelo aluno deve estar relacionado com o seu interesse e deve responder a uma demanda de seu contexto social, seja uma obra de arte, um relato de experiência ou um programa de computador (Valente, 2005). O construcionismo foi criado pelo matemático norte americano Seymour Papert. Seu objetivo foi desenvolver uma teoria que pudesse embasar a utilização do computador na educação. Ele cunhou esse termo em 1986 e tomou como base a perspectiva construtivista de Piaget. Valente (1998, p.) comenta duas distinções do construcionismo de Papert em relação ao construtivismo de Piaget: Primeiro, o aprendiz constrói alguma coisa ou seja, é o aprendizado através do fazer, do "colocar a mão na massa". Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo do seu interesse e para o qual ele está bastante motivado. O envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa (Valente, 1998, p. 6).

Contudo, o autor complementa que a principal diferença é o uso e a construção de algo mediado pelo computador. O aprendiz ao usar o computador adquire conceitos da mesma forma que adquire em contato com os objetos do mundo, nos termos de Piaget. Valente (2005) atualiza as proposições de Papert ao propor um modelo de ciclos de ações na interação aprendiz-computador. A ideia dos ciclos foi desenvolvida para compreender como se dá a construção do conhecimento pelos alunos por meio do uso dos softwares de aprendizagem. Nas palavras do autor: “A ideia do ciclo permitiu identificar características que os softwares oferecem e como elas podem ou não auxiliar no desenvolvimento de atividades que contribuam para a construção do conhecimento’ (Valente, 2005, p. 50). Para a criação dos ciclos de aprendizagem este autor toma como base não só as proposições de Piaget, como também de Freire e Vigotski. Freire foi identificado pelo aspecto social, Vigotski com a descrição da solução do problema e pela mediação, Piaget com as reflexões e com a descrição da solução do problema através de uma linguagem de programação. A contribuição de Papert, se localiza na interação do

6 aprendiz com o computador, uma vez que ele, até meados dos anos 1990, não havia trabalhado a questão do mediador (Valente, 2005). Os ciclos de aprendizagem na interação entre o aluno e o computador teriam quatro estágios: descrição, execução, reflexão e depuração. O estágio de descrição corresponde a tradução de um determinado problema para a linguagem do computador. Após a descrição do problema o computador executa os procedimentos. Em seguida o aluno reflete sobre os resultados do problema que foi executado pelo computador. Segundo Valente (2005), apoiado em Piaget, esse processo de reflexão produziria diferentes níveis de abstração. Após a reflexão o aluno pode entender que o computador lhe deu um resultado satisfatório e o problema está resolvido ou ele ativa o último nível do ciclo que é o processo de depuração. Esse processo nada mais é do que a procura de algum erro durante o processo. Ainda de acordo com este autor esse processo não ocorre em uma sequência, mas podem ocorrer simultaneamente na medida em que o aluno vai se deparando com os problemas apresentados pelo computador. No entando, Valente (2005) alerta que o processo depende de alguém que faça a mediação entre o aluno e esse processo. O processo de descrever, refletir e depurar não acontece simplesmente colocando o aluno em frente ao computador. A interação aluno-computador precisa ser mediada por um profissional que conhece Logo, tanto do ponto de vista computacional, quanto do pedagógico e do psicológico. Esse é o papel do mediador no ambiente Logo. Além disso, o aluno como um ser social, está inserido em um ambiente social que é constituído, localmente, pelos seus colegas, e globalmente, pelos pais, amigos e mesmo a sua comunidade. O aluno pode usar todos esses elementos sociais como fonte de idéias, de conhecimento ou de problemas a serem resolvidos através do uso do computador (p.52).

Este autor se utilizou das proposições de Vigotski para evidenciar o papel do mediador no processo de aprendizado que utiliza o computador como ferramenta. Ao contrário do método clínico ou investigativo de Piaget, o mediador teria como papel atuar na Zona de Desenvolvimento Proximal do aluno. Se o mediador intervém no nível de desenvolvimento atual do aluno, o mediador está "chovendo no molhado" — o aluno já sabe o que está sendo proposto

pelo

mediador.

Se,

atuar

além

do

nível

potencial

de

desenvolvimento, o aluno não será capaz de entender o mediador.

7 Certamente, a teoria da ZPD, não prescreve nenhuma receita de como o mediador deve atuar efetivamente no ambiente Logo. No entanto, ela mostra que o papel do mediador vai além do uso do método clínico piagetiano: a atividade do mediador é mais pedagógica do que psicológica (a de investigar a estrutura mental do aluno) (Valente, 2005, p. 57).

Apesar dessa ideia de ciclo servir para explicar o processo de adaptação do invidíduo ao meio, o autor pondera que a melhor ideia para representar esse processo é a espiral. A ideia de circulo denota um sistema fechado, já a espiral um processo que cresce contiuamente. Em resumo, a interação do aluno com o computador, mediado por um agente da aprendizagem, ao mobilizar a resolução de problemas, estaria contribuindo para a formação de conceitos pelos alunos.

Psicologia Histórico-Cultural e a relação entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento Antes de inicarmos as considerações sobre como a Psicologia Histórico-Cultural entende o processo de desenvolvimento humano e o papel do ensino neste, discutiremos brevemente o problema das traduções dos textos de Vigotski, pois compreendemos que esta questão possui um impacto significativo no entendimento dos conceitos desse autor. A utilização do termo “aprendizagem” nos textos de Vigotski, traduzidos tanto no inglês como no português, pode levar a equívocos de compreensão, como aponta Prestes (2010). A palavra russa obutchenie significa simultaneamente “instrução”, “estudo” e “aprender por si mesmo” (Prestes, 2010). Esta autora pondera que o melhor tradução para essa palavra russa seria “instrução”. Observamos a partir dessa problemática em relação a tradução de um termo que para Vigotski não existiria uma separação entre ensino e aprendizagem. Esses dois processos ocorreriam simultaneamente. Ensino-aprendizagem é entendido por Vigotski e seus seguidores, tais como A.N Leontiev e D. B. Elkonin, como uma atividade principal. Para as teorias de aprendizagem, esta é um processo psicológico próprio do sujeito. Para Vigotski obutchenie é uma atividade, atividade essa que gera desenvolvimento e, por isso, deve estar à frente do desenvolvimento e não seguindo o desenvolvimento como uma sombra (Prestes, 2010).

8 Feitas essas condiderações introdutórias sobre como Vigotski entende ensino e aprendizagem, já é possível antever como a teoria orienta sua concepção sobre o desenvolvimento humano. De forma sintética, Vigotski propõe que o ensinoaprendizagem (a instrução) não dependem da maturação orgânica para ocorrer, mas ao contrário, faria o processo de desenvolvimento avançar na medida em que os alunos se apropriam dos conhecimentos e formam os verdadeiros conceitos. A apropriação dos conceitos científicos pelos alunos levaria ao pensamento abstrato e, num movimento dialético, estariam relacionados com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A produção teórica de Vigotski e de outros membros da psicologia históricocultural deve ser vista dentro de um contexto específico, que foi a União Soviética pósrevolução de 1917. Esta sociedade, ao eliminar o poder burguês do Estado, tinha na sociedade socialista o primeiro passo para o comunismo. Nesse processo, a educação seria de suma importância para cumprir tal objetivo. Foi preciso educar aquela sociedade, não só para que ela desenvolvesse a ciência e a técnica, mas para que ela também se apropriasse dos ideais revolucionários e assim continuassem desenvolvendo tal projeto. Portanto, um novo homem deveria ser construido por meio da educação. E o professor seria o principal agente da formação das novas gerações. Vigotski criticou duramente as concepções tradicionais do desenvolvimento do psiquismo humano. Para ele essas pesquisas baseavam o estudo das funções psicológicas elementares apenas no desenvolvimento biológico da criança, ou seja, o desenvolvimento de tais funções dependeria da maturação cerebral. Os estudos centravam-se no reducionismo do superior ao primitivo ou biológico. Estudar as funções psicológicas superiores seria impossível sem estudar a histórica do desenvolvimento cultural das condutas. Para Leontiev (1978), a hsitória das condutas humanas tem origem com o surgimento do trabalho. A partir deste surgiu outro elemento indispensável para a conduta humana, a linguagem simbólica. Estes dois processos representam a atividade de intercâmbio entre os homens para a transformação da natureza com o objetivo de garantia da sobrevivência. A ontogênese não repete a filogênese, ou seja, para que a ontogênese ocorra o indivíduo precisa se apropriar dos bens culturais e materiais produzidos filogeneticamente (Facci, 2004). Em outras palavras, não existiria uma consciência individual se essa não fosse mediada pelo desenvolvimento da sociedade.

9 A mediação entre os indivíduos e as produções culturais é feita pelos instrumentos e pelos signos. Os instrumentos são utilizados no trabalho para modificar a natureza, enquanto os signos modificam a conduta humana. A internalização e utilização dos signos, criados através do trabalho e da linguagem, caracterizam o fucionamento dos processos psicológicos superiores. Por meio da mediação que essas funções se desenvolvem (Facci, 2004). Os signos teriam um papel de auto-estimulação, ou seja, seria a partir de sua mediação que o homem tem o auto-controle de sua conduta. A invenção e o emprego de signos, como meios auxiliares para a solução de alguma tarefa psicológica estabelecida ao homem (memorizar, comparar algo, informar, classificar, eleger etc.), supõem uma analogia com o emprego de ferramentas na modificação da natureza (Facci, 2004). Assim, as funções psicológicas superiores, tais como a atenção voluntária, a memorização ativa, o pensamento abstrato e outros, são resultado do desenvolvimento cultural, enquanto as funções psicológicas elementares são provenientes do aparato biológico. De acordo com Facci (2004), a linguagem seria a principal responsável pela interiorização das funções psicológicas superiores. Nesse sentido seria a palavra o principal agente na formação dos conceitos. Facci (2004, p.212) definiu os conceitos da seguinte maneira: Os conceitos envolvem um sistema de relações e generalizações contido nas palavras e determinado por um processo histórico. O contexto cultural no qual o indivíduo se desenvolve vai fornecer-lhe os significados das palavras do grupo em que está inserido. Todo conceito é sempre uma generalização.

Os conceitos amadureceriam seu desenvolvimento apenas na adolescência. Vigotski identificou três estágios pelos quais os conceitos passam até se desenvolverem: agrupamento sincréticos, formação de complexos e conceitos verdadeiros. No primeiro estágio a, agrupamentos sincréticos, criança agrupa elementos de forma desorganizada, sem relação entre os elementos e sem uma ordem interna. “Nesta fase, o significado da palavra não está completamente definido, é um conglomerado informe e sincrético de elementos individuais que, de acordo com a percepção da criança, estão de algum modo relacionados entre si em uma imagem” (Facci, 2004, p.213). Já o segundo estágio, de formação de complexos, a criança começa a fazer conexões entre os elementos, na medida em que passa a subordinar um determinado elemento a um conjunto maior. Contudo, esses agrupamentos ainda não atingiram seu grau mais elevado, que se dará na

10 adolescência, pois se formam a partir de leis distintas desse estágio mais desenvolvido. Existem cinco tipos principais de complexos: associativo, complexo de coleção, complexo de cadeia, complexo difuso e pseudoconceito. De acordo com Facci (2004, p.215) “nos conceitos, os objetos são generalizados segundo um só atributo; nos complexos, pelo contrário, estão organizados por múltiplos vínculos reais e refletem conexões, casuais e concretas”. Nesse sentido, esses vários estágios representam o desenvolvimento do pensamento até o último estágio, o dos conceitos verdadeiros. Nesse último estágio, também ocorrem outras fases de desenvolvimento, que são a fase de abstração, de conceitos potenciais e dos verdadeiros conceitos. Na abstração, como o nome já indica, a criança isola elementos para tentar agrupá-los dentro de um grupo. “A criança faz um agrupamento de objetos com base na máxima semelhança possível e abstrai um conjunto de características sem, no entanto, distingui-las claramente entre si. Ela baseia-se apenas numa impressão vaga e geral da semelhança entre os objetos” (Facci, 2004, p. 217). Os conceitos potencias são a realização de agrupamentos com base em apenas um atributo do objeto. Segundo Facci (2004), com base em Vigotski, é somente com o domínio do processo de abstração e com o desenvolvimento do pensamento em complexo que a criança forma os verdadeiros conceitos, que é o último estágio. Segundo Leontiev (1978) com o desenvolvimento da cultura humana, suas práticas se tornaram mais ricas e complexas, impossibilitando que o contato cotidiano entre os homens propiciasse o desenvolvimento das suas máximas potencialidades. Para garantir que a humanidade continuasse a se desenvolver, a educação precisou se enriquecer no mesmo nível da sociedade. Assim sendo, a educação tem a complexa tarefa de transmitir a máxima elaboração cultural de cada momento histórico, para que esses indivíduos desenvolvam suas máximas potencialidades, ou seja, suas funções psicológicas superiores, e assim possam continuar o caminho trilhado pelas gerações precedentes. Segundo Facci (2004, p. 226) [...] pode-se dizer que a função da escola seria contribuir no desenvolvimento das funções psicológicas superiores, haja vista que estas se desenvolvem na coletividade, na relação com outros homens, por meio da utilização de instrumentos e signos; levar os alunos a se apropriarem do conhecimento científico atuando, por meio do ensino desses conhecimentos, na zona de desenvolvimento próximo.

11 Atuar na zona de desenvolvimento próximo significa que a escola e o professor devem ensinar aquilo que a criança não sabe fazer sozinha, ou seja, aquilo que ela consegue fazer com a ajuda de outras pessoas. Dessa forma, o ensino e a aprendizagem estariam se adiantando ao desenvolvimento e promovendo este. Portanto, a criança precisa se apropriar dos conceitos que estão além da sua realidade imediata. Os conceitos científicos promoveriam na criança uma revolução no seu pensamento, elevando seu desenvolvimento a um nível qualitativamente superior daquele que ela teria se fosse educada para resolver apenas seus problemas cotidianos. Em suma, com a apresentação dessas duas concepções sobre o processo de ensino e aprendizagem e o papel desses para o desenvolvimento, pudemos perceber as diferenças gritantes entre o construtivismo/construcionismo e a psicologia históricocultural. Enquanto as duas primeiras teorias propõem um papel ativo do aluno na construção do seu conhecimento, a segunda entende que é papel do professor se adiantar ao desenvolvimento da criança, sendo agente mediador entre a criança e produções culturais humanas. Seria por meio do processo de apropriação que a crinça entra na cultura, desenvolve as suas funções psicológicas superiores e constrói os verdadeiros conceitos. Tudo isso tem o potencial de formar sua personalidade e modificar sua concepção de mundo. Discussão Ao lermos as propostas de utilização das Tics na educação por uma perspectiva materialista-histórica e dialética, que foram as bases da teoria vigostskiana, observamos que a dicotomia entre ensino e aprendizagem responde a uma exigência do atual estado do capitalismo neoliberal, onde existe uma primazia por sujeitos flexíveis, que desenvolvam competências e que sejam capazes de “saber fazer”. Neste ponto, o que importa é o aprendizado puramente pragmático e utilitarista. Nesse sentido, as Tics seriam a expressão da ideologia da democratização do conhecimento, cabendo a cada um se apropriar dela para obter sucesso no mundo do trabalho cada vez mais competitivo. Moraes (2001) fala do recuo da teoria como sintoma desse momento do capital. Isso porque a educação se tornou uma mercadoria, que tem como fim a produção de mão de obra qualificada. Ela deve formar os cidadãos para lidarem com as novas formas de trabalho. Em decorrência disso, o foco saiu da transmissão de conhecimento para o desenvolvimento de competências. A prática passou a ser mais importante que a

12 reflexão. Também nesse sentido, Duarte (2008) alerta para uma negação do conhecimento e das metanarrativas através das concepções pós-modernas. A sociedade atual, para as teorias do “aprender a aprender”, estaria mudando a cada dia e, em consequência, os indivíduos deveriam ser capazes de aprender a aprender novas competências, para “sobreviverem” nesse sistema. Essa ideia abarcaria várias concepções sobre o processo educativo. Corroboramos com a analise de Ferreira & Duarte (2012) ao colocarem o construcionismo no rol das teorias que tem como premissa o lema "aprender a aprender". O construtivismo já foi obra de muitos de seus trabalhos (Duarte, 2000, 2001), sendo a muito tempo agrupada nessa categoria. Na medida em que o construcionismo parte das proposições teóricas de Jean Piaget, já seria esperado tal filiação. O construcionismo eleva ao máximo a noção de construção do conhecimento, se limitando ao contexto dos educandos. Essa perspectiva não levaria em conta as diferenças de classe no processo de construção do conhecimento “contextualizado”. O que está em jogo nesse tipo de proposta de utilização das tics em educação é o que Duarte chamou de concepções negativas em educação. No caso das proposições de Valente (2005), este afirma categoricamente que o conhecimento não pode ser transmitido, sendo, na verdade, a construção interna de uma informação aplicada a uma situação prática. A seguinte passagem deixa claro a posição deste autor: O conhecimento é o que cada indivíduo constrói como produto do processamento, da inter-relação entre interpretar e compreender a informação. É o significado que é atribuído e representado na mente de cada indivíduo, com base nas informações advindas do meio em que ele vive. É algo construído por cada um, muito próprio e impossível de ser transmitido – o que é transmitido é a informação que é proveniente desse conhecimento, porém nunca o conhecimento em si (Valente, 2005, p.83)

Nossa hipótese é que essa perspectiva compara as funções cognitivas do homem com as do computador. Na informática, se uma enorme quantidade de códigos não são“conhecidos” pelo computador, se tornam inoperantes e, dessa forma, não podem ser traduzidos em ações. Em outras palavras, quando o computador possui um programa que é capaz de “ler” aqueles códigos e executar uma determinada tarefa, isso seria um conhecimento válido. O que Valente está levando em conta para o homem é exatamente isso, pois para ele, se uma informação não pode ser construída pelo próprio aluno, a fim

13 de ser “aplicada”, isso não seria um conhecimento. Esta é uma noção extremamente utilitarista e pragmática do conhecimento. Compreender que o conhecimento não pode ser transmitido e julgar que cada um constrói seu conhecimento sobre a realidade, de forma subjetiva, seria uma ilusão da sociedade do conhecimento, como propõe Duarte (2008). Este autor comenta que as perspectivas pós-modernas relativizam o papel do conhecimento: o conhecimento [para os pós-modernos] não é a apropriação da realidade pelo pensamento, mas sim uma construção subjetiva resultante de processos semióticos intersubjetivos, nos quais ocorre uma negociação de significados. O que confere validade ao conhecimento são os contratos culturais, isto é, o conhecimento é uma convenção cultural (Duarte, 2008, p.15).

Comparando as duas passagens podemos observar que a proposta de Valente está de acordo com uma das ilusões da chamada sociedade do conhecimento e coerente com as perspectivas pós-modernas. Desconsiderar o ensino e a apropriação dos conhecimentos é negar o papel da escola e do professor no desenvolvimento humano. Limitar o conhecimento aos contingentes do contexto do aluno é desconsiderar o movimento da história e as contradições sociais. O processo educativo deve ir além da vida cotidiana, das objetivações em si, para as objetivações para si, como afirma Duarte (1993). Em outras palavras, o conhecimento científico, enquanto pensamento abstrato, deve ser desenvolvido para os sujeitos compreenderam o concreto, e não o caminho inverso. Valente (2002) aponta que no início do desenvolvimento da utilização dos computadores no processo educativo eles eram utilizados como máquinas de ensinar, já nas últimas duas décadas eles

vêm sendo utilizados como auxiliares para a

aprendizagem dos alunos. Esta afirmação evidencia o próprio movimento dos ideários pedagógicos, que saíram das concepções ditas tradicionais, onde o foco era o ensino de conteúdos, para as perspectivas escolanovistas e construtivistas, que têm como foco o aluno e seu processo de aprendizagem. Esse ideário pedagógico também se evidencia na informática educativa. Em resumo, perante uma perspectiva epistemológica do conhecimento e do trabalho educativo, as duas propostas de utilização das Tics para contexto educativo colocam em segundo plano, tanto o ato de ensinar quanto a apropriação do

14 conhecimento como motores do desenvolvimento dos indivíduos. Do ponto de vista psicológico, esta postura possui impactos importantes como veremos. Vigotski (2009, p.387) em seu livro A construção do pensamento e da linguagem afirma que “o que funciona determina até certo ponto como funciona”. Ele está querendo dizer que a apropriação dos conceitos científicos, ou seja, os conteúdos, modificam a forma e a estrutura do pensamento, elevando as funções psicológicas a um nível superior, mesmo que não sejam “úteis” em um primeiro momento. Portanto, deixar que os alunos construam o conhecimento por si só, os impossibilitaria de se apropriarem dos conceitos científicos e consequentemente desenvolverem suas funções psicológicas superiores. Para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, estas propostas de utilização das tecnologias tem um impacto negativo muito forte na educação. Isso porque na medida em que se apregoa a construção individual em detrimento da apropriação das produções historicamente desenvolvidas, e com isso também, o desenvolvimento dos conceitos científicos, se estaria impossibilitando que os individíduos desenvolvessem sua personalidade e sua consciência do mundo. A respeito do legado de Vigotski e do papel que este dá para os conteúdos Facci (2004, 234) assevera: “o que se percebe nos estudos realizados pelos continuadores de Vigotski é uma grande valorização dos conteúdos, e com investimento no pensamento abstrato, teórico e na defesa da escola como instituição que tenha como função transmitir os conhecimentos cinetíficos”. Em suma, as perspectivas que se apoiam no construtivismo para propor formas de utilização das TICs na educação acabam por desvalorizar o trabalho do professor no ensino dos conteúdos clássicos, e o papel desses no desenvolvimento das funções psicológicas superiores. A utilização das novas tecnologias somente elevaria o ideário do aprender a aprender ao limite, ao passo que todo a informação estaria difundida, somente dependendo dos indivíduos as utilizarem para resolverem seus problemas. Nessa ideia estaria inserida a noção da mínima apropriação do conhecimento científico, já que essa apropriação não ultrapassaria os limites dos contingentes cotidianos.

Considerações finais Ao argumentar sobre a postura de Vigotski, o qual este assume a objetividade e uma hierarquia no conhecimento, Duarte (2008) deixa claro a filiação da psicologia Histórico-Cultural com a pedagogia Histórico-Crítica. “A psicologia vigotskiana dá

15 todo respaldo a uma pedagogia na qual a escola deve ter como papel central possibilitar a apropriação do conhecimento objetivo pelos alunos.”(Duarte, 2008, p.80). Para Vigostski, seria a partir da reflexo da realidade, não de forma passiva, que o individuou formaria sua personalidade. Em outras palavras, qualquer método educativo, mediado pelas tecnologias ou não, que não leve em conta a apropriação pelos alunos dos conhecimentos historicamente construídos, limitaria a formação de sua personalidade e a sua concepção de mundo. Essas formas de inserção da tecnologia nos processos educativos reflete o atual estado do capitalismo. Neste, não há tempo para o aprofundamento de quaisquer relações, portanto, a apropriação aprofundada dos conhecimentos também não faz parte dessa lógica. A velocidade prevalece, assim como a primazia pelo tempo presente e a completa negação da história e do planejamento futuro. Este estado de coisas reflete as crises que o capitalismo vem passando, e as constantes inovações tecnológicas exigem um igual aumento do consumo, seja ele de produtos ou de informação (Duarte, 2008). Negar o ensino e a transmissão dos conhecimentos científicos pela escola e pelos professores, em prol de um construção individual, é calcar a base da educação nas exigências pragmáticas, imediatistas e utilitaristas do capitalismo. Portanto, se faz necessario pensar novas formas de utilização das tecnologias na educação, com vistas a apropriação dos alunos da cultura humana, caminhando, portanto, para além da simples democratização acesso a informação atualmente apregoada.

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