A citação da doutrina nas decisões judiciais no direito comparado

July 6, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Direito Processual Civil, Direito Processual Comparado
Share Embed


Descrição do Produto

A citação da doutrina nas decisões judiciais no direito comparado


Sumário: 1. Introdução. 2. A doutrina na teoria do direito. 3. A doutrina
nas decisões judiciais no Brasil. 4. A proibição de citação na Itália. 5. A
etiqueta inglesa de não citar autor vivo. 6. A citação doutrinária nos EUA,
Alemanha, Portugal e na França. 7. Conclusão. 8. Referências.





1. Introdução



É sabido que no ordenamento jurídico brasileiro não existe qualquer
proibição de ser citada a doutrina por parte dos juízes e tribunais.

A prática da citação dos autores e suas doutrinas, no entanto, não é algo
comum aos ordenamentos jurídicos.

Buscamos, assim, neste trabalho, de uma forma objetiva, apontar o
entendimento a respeito dessa possibilidade em alguns ordenamentos
jurídicos.



2. A doutrina na teoria do direito



Sustenta-se que a doutrina é fonte de direito. Por fonte de direito devemos
entender a origem, "o manancial de onde provém o direito"[1].

"Fontes do direito", em realidade, é uma expressão figurada, metafórica,
utilizada para indicar a origem do direito. Como ensina André Franco
Montoro, "em sentido próprio, 'fonte' é o ponto em que surge um veio de
água. É o lugar em que ele passa do subsolo à superfície, do invisível ao
visível"[2]. Assim, fonte do direito "é o próprio direito em sua passagem
de um estado de fluidez e invisibilidade subterrânea ao estado de segurança
e clareza"[3].

Para Washington de Barros Monteiro, "fontes são meios pelos quais se formam
ou pelo quais se estabelecem as normas jurídicas. São os órgãos sociais de
que dimana o direito objetivo"[4].

Em suma, fontes de direito são os fatos sociais que geram ou as normas que
revelam o direito. E os doutrinadores classificam as fontes do direito em
fontes formais e materiais.

Por fontes materiais se entende "o conjunto de fenômenos sociais, que
contribuem para a formação da substância, da matéria do direito"[5]. É a
realidade social que contribui, em sua dinâmica, para a formação do
conteúdo do direito (elemento sociológico), assim como os valores que o
direito procura realizar, sintetizado no conceito de justiça (elemento
axiológico)[6].

A realidade social é representada pelas questões econômicas, culturais,
políticas, sociais e naturais dos quais se origina o direito. São os
fatores sociais que condicionam e impulsionam a formação da norma jurídica.

Assim, condicionam a formação do direito positivo, por exemplo, as
condições econômicas da sociedade, a influência religiosa (cultura), o
sentimento de moralidade (cultura), as influências políticas (as idéias
dominantes), assim como os fatores naturais, como uma seca prolongada, o
clima, um terremoto, etc.

Mas, além desses fatores sociológicos, condicionam a formação da norma os
valores de uma sociedade. Assim, por exemplo, o senso de justiça (do que é
justo), da igualdade, da dignidade da pessoa, da solidariedade humana, são
valores que influenciam a criação da norma. Constituem-se, assim, fontes
materiais do direito.

Neste sentido é que a doutrina não constitui uma fonte formal do direito,
mas, sim, uma fonte material, pois fruto das idéias dominantes numa
sociedade. A doutrina não passa, em realidade, da expressão material da
cultura de um povo. Ela é fruto do pensamento humano, na interpretação das
normas, usos, costumes e valores dominantes numa sociedade.

A doutrina, assim, é fonte material do direito.



3. A doutrina nas decisões judiciais no Brasil



No Brasil é pacifico que os juízes e tribunais podem citar a doutrina
jurídica, assim como nominar seus autores.

É farta na nossa jurisprudência, seja qual for seu grau, a prática de se
citar a doutrina e os doutrinadores. Podemos afirmar até que o juiz ou
tribunal que apóia suas decisões na doutrina, citando-a, revela maior grau
de pesquisa e mesmo de conhecimento sobre a matéria. Elogia-se essa
prática, que revelaria que o juiz não estaria adotando uma posição isolada,
mas, sim, já acolhida por parcela da doutrina, que, por sua vez, representa
as idéias vivas da sociedade.

Ela, ainda, está em consonância com a própria prática de se avaliar os
juízes, quando das promoções por merecimento, a partir dos seus trabalhos
jurídicos publicados, ao lado de outras qualificações e elementos de
aferição do desempenho. Ora, se se avalia o juiz por sua doutrina, não
haveria nenhuma razão para se vetar a citação doutrinária nas decisões
judiciais.

Essa interação, por sua vez, é deveras importante para o desenvolvimento do
direito. Isso porque "o jurista, sem um juiz disposto a ouvir e aceitar as
suas opiniões seria impotente. Por outro lado, sem os ensinamentos do
jurista nem mesmo juiz criaria uma norma diferente. Portanto, a interação
entre estes dois atores jurídicos é altamente relevante para o
desenvolvimento da norma"[7].

E, sem dúvida, os doutrinadores, especialmente os acadêmicos, são
reconhecidos, em um certo grau, como influenciadores na tomada das decisões
judiciais.



4. A proibição de citação na Itália



Se no Brasil a praxe permite a citação da doutrina nas decisões judiciais,
na Itália o art. 118 das denominadas "Disposições para aplicação do Código
de Processo Civil e disposições transitórias" veda expressamente a citação
dos autores ("In ogni caso deve essere omessa ogni citazione di autori
giuridici").

Ainda que recentemente atualizado (Lei n. 69 de 18 de junho de 2009), para
estabelecer que na decisão cabe a citação do precedente judicial, o
referido dispositivo se manteve na parte que veda a citação dos autores
doutrinários.

Essa proibição, no entanto, conduz a verdadeiros plágios, pois os tribunais
acabam por citar a doutrina, omitindo o autor do trabalho jurídico. É o
exemplo da decisão da Corte de Cassação de 16 de maio de 2000, n. 6.323 (in
Nuova giurisprudenza civile commentata 2001, I, 357 a 367) na qual os
juízes citam uma passagem de C.M. Bianca, no livro Diritto civile, Il
contratto (1984), na página 284, sem mencionar o autor do livro[8].

É comum, todavia, a referência a expressões como "doutrina prevalente"
(dottrina prevalente) ou "doutrina dominante" (dottrina maggioritaria),
usadas para indicar o entendimento refletido na maioria dos juristas, bem
como há citação da "doutrina minoritária" (dottrina minoritaria). Também a
referência a "doutrina da autoridade", expressão normalmente utilizada ao
trabalho do jurista mais respeitado. Tudo isso, no entanto, sem se fazer
menção aos autores ou o título de seus trabalhos [9].

Os juízes italianos, outrossim, dificilmente analisam em pormenor a posição
da doutrina em seus julgamentos. Assim, em geral, os juízes e tribunais
italianos não exploram os argumentos dos juristas a quem se referem. Além
disso, eles não costumam se pronunciar sobre os méritos ou deméritos do
trabalho acadêmico[10].

O precedente mais imediato da proibição contida na legislação processual
civil italiana se encontra no CPC italiano de 1865, que também vedada, em
seu art. 265, a citação dos doutrinadores ("senza invocare l'autorità degli
scrittori legali").

A pesquisadora Alexandra Braun, todavia, ensina que as origens desta
proibição remontam ao Século XVIII, bem antes da unificação italiana, época
na qual os juízes estavam obrigados a se submeter à autoridade dos
juristas[11].

Esta referida pesquisadora nos ensina que até então, e desde início do
Século XIII, as decisões italianas foram fortemente influenciadas pelos
doutrinadores, através das questões que eram consultados. Era comum, até o
Século XVI, os litigantes e juízes solicitarem a um jurista um parecer
formal ou "consilium sapientis"[12]. E essa opiniões, em alguns casos,
tinham verdadeiro efeito vinculante nos processos cíveis e freqüentemente
serviam de base para a decisão judicial.

Contudo, com o aumento da produção literária jurídica começaram a surgir
opiniões das mais diversas sobre o mesmo tema. Inicialmente, então, os
tribunais civis tentaram lidar com o problema através do desenvolvimento da
doutrina da "opinião comum dos doutores"[13]. Porém, como é natural, com o
passar do tempo, a quantidade crescente de opiniões levou inevitavelmente a
uma redução e, posteriormente, à perda de autoridade por parte dos
doutrinadores. Isso considerando, ainda, que o entendimento doutrinário não
estava mais relacionado com a alta qualidade dos seus escritos.

Assim, como destaca a pesquisadora Alexandra Braun, já durante o Século 17,
alguns Estados italianos, como os de Piemonte e Savóia, Roma e de Florença,
começaram a reagir contra a dominação da opinião dos doutrinadores.
Passaram, então, a referir à doutrina de acordo com sua relevância e
"rank"[14].

Já durante o Século XVIII, o tribunal de Roma, às vazes, já decidia por não
contar com os pareceres jurídicos ou se pronunciava contra a sua
utilização. Essa reação judicial, por sua vez, foi seguida por atos
legislativos em Piemonte e Savóia, bem como em Nápoles. E foi justamente em
Piemonte e Savóia que um estatuto real de 1.729 proibiu a fundamentação das
decisões judiciais sobre a autoridade dos doutores, ficando juízes e
advogados proibidos de citar as opiniões e escritos desses autores sob pena
de suspensão do cargo[15].

A partir de então os juízes e tribunais passaram, então, a "interpretar os
estatutos locais, bem como os textos do direito romano, sem recorrer à
escrita dos doctores"[16]. E foi a partir desse precedente legislativo de
Piemonte e Savóia que essa regra se espalhou pelos demais Estados
italianos, sendo reproduzido no CPC da Sardenha de 1.854 e em uma ordem
real de 1.774 em Nápoles. Neste último caso, a ordem real obrigava os
tribunais a fundamentar as suas decisões, mas proibindo-os de se basearem
sobre a autoridade dos doutrinadores[17].

A proibição da citação doutrinária, assim, surgiu muito mais como uma
reação dos juízes à grande quantidade de opiniões dos doutrinadores, nem
sempre concordes entre si, bem como com a intenção de limitar o poder dos
doutrinadores, enfatizando a soberania do
Estado e, em especialmente, da função real. Além disso, essa regra foi
resultado do mito do século 19, que pregava que o texto da lei era
exaustivo e única fonte na qual as soluções judiciais deveriam ser
retiradas[18].

Nesta trilha, então, é que surgiu a proibição estabelecida no art. 265 do
CPC italiano de 1.865, praticamente reproduzido no CPC atualmente vigente
naquele país (de 1.941).

Frise-se, todavia, que a regra do CPC de 1.941 não proíbe que a decisão se
baseie numa opinião doutrinária, mas, apenas, veda as citações ou
referências ao autor. Isto significa que o juiz está implicitamente
autorizado a basear a sua decisão sobre a "autoridade" de um doutrinador,
mas não deve mencionar o seu nome e os trabalhos pertinentes. O objetivo da
proibição, portanto, não é mais limitar a autoridade dos doutrinadores.

A jurisprudência italiana, no entanto, inclina-se por não invalidar a
sentença na qual o juiz cita nominalmente o doutrinador, não sofrendo,
ainda, o magistrado qualquer sanção[19].

Essa proibição, todavia, não impediu da doutrina influenciar as decisões
judiciais[20].



5. A etiqueta inglesa de não citar autor vivo



Se na Itália há expressa proibição de citação dos doutrinadores, na
Inglaterra prevaleceu, em sua praxe, uma regra mais pitoresca. Por ela os
juízes estavam proibidos de citar um doutrinador vivo!

Na Inglaterra há (ou havia) uma etiqueta (praxe) de não citar autoridades
vivas[21]. E ao que parece o primeiro precedente a mencionar essa praxe se
encontra num caso de 1816. No julgamento, o juiz Gibbs explicou que ele
estava inclinado a decidir com base em dois livros "de alta estima na
profissão", mas não poderia fazê-lo no momento, pois eles não teriam
autoridades, já que os livros eram de autores vivos e eles não podiam ser
citados ("books of living authors are not usually")[22]. Essa decisão
revela, outrossim, que, de fato, essa prática era mais antiga.

Entendia-se que "uma fonte de direito é a opinião de pessoas de alta
autoridade que estão mortas"[23]. Havia, no entanto, quem ironizava essa
situação, como Lord Donaldson: "acontece que o diretor [General of Fair
Trading] é co-autor de um livro sobre a lei de desacato [law of contempt]:
Borrie and Lowe's Law of Contempt, 2 ª ed (1983). Felizmente ele está muito
longe de ser autoridade ainda no sentido técnico, uma vez que o diretor
está vivo e bem"[24].

Alguns estudiosos apontam a razão a um certo preconceito contra escritores
acadêmicos[25]. Outros justificam a razão dessa etiqueta no medo do juiz em
causar ofensa ao autor vivo, cuja opinião eventualmente não era aceita.
Para evitar uma rivalidade com o autor vivo, os juízes preferiram tratar a
todos os autores da mesmo
forma, não citando qualquer deles[26].

Outro fundamento apontado seria o estilo da decisão judicial inglesa, que
eram normalmente produzidas de forma oral, o que contribuía para que não
fossem feitas as citações doutrinárias[27]. Tal argumento, porém, não
justifica a diferença entre doutrinadores portos ou vivos.

Outra possível explicação para a prática convencional mencionada recaiu
sobre a teoria declaratória do direito, segundo a qual apenas juízes
estavam autorizados a verificar e "declarar" o direito, que implicava
tratar todas as opiniões extrajudiciais como não-autorizadas[28]. Mas esse
argumento também não justifica o desprezo apenas da opinião do doutrinador
vivo.

Alexandra Braun, no entanto, aponta que a resposta parece estar na
combinação de vários fatores que surgiram entre final do século XVIII e
início do XIX. Assim ela explica que, por esta época, na Inglaterra, o
valor do precedente era forte, mas ainda não vinculativo, e o Judiciário
provavelmente sentiu a necessidade de afirmar sua própria autoridade e seu
controle sobre o desenvolvimento do direito (common law). Necessidade essa
causada pelo crescimento da literatura jurídica. "A proliferação de livros
de direito tornou-se objeto de crescente preocupação do Judiciário (the
bar)"[29]. Sentiu-se, então, que era necessário manter certo controle sobre
quais textos estariam autorizados ou não a serem invocados como de
doutrina, de modo a servirem de base para a decisão judicial.

Havia, ainda, a preocupação de os juízes, ao invés de se apoiar nas fontes
primárias e nos precedentes, passassem a adotar a opinião dos
doutrinadores, que, nem sempre, estavam vinculados aos casos já julgados.
Tudo isso, porém continua a não explicar a diferenciação entre juristas
vivos e mortos.

Contudo, como dito acima, surgiu uma preocupação em distinguir a doutrina
autorizada, daquela menos refletida (não autorizada). Daí porque surgiu o
critério não arbitrário da morte[30]. "Embora não totalmente incontroversa,
o fato de que a morte se tornou um dos requisitos pode ter várias
explicações"[31]. A primeira delas é que, com o tempo, um texto doutrinário
passa a ser mais considerado como relevante ou de autoridade (um
"clássico"). Quando então a tê-lo como relevante ou de autoridade? Surgiu,
então, a necessidade de se estabelecer um critério não arbitrário.

Junte-se a este um outro argumento: o de que o doutrinador pode mudar de
opinião. "Como conseqüência, se os juízes levassem em conta pontos de vista
que poderiam mudar, a fonte da lei se tornaria incerta e a integridade do
processo judicial poderia ser colocado em risco"[32]. Procurava-se evitar
ou reduzir a citação do doutrinador imaturo ou de um irrefletido
comentário[33], conquanto não haja garantia de que um livro de um autor
morto é mais maduro ou livre de erros do que de um autor vivo.

Apesar de questionável esse argumento, ele, no entanto, seria plausível num
momento em que houve, na Inglaterra, uma forte necessidade de dar maior
certeza às leis e às decisões judiciais. E "este é atestada pelo fato de
que o princípio da stare decisis, embora ainda não estabelecida no início
do século XIX, já estava em discussão. Logo, se os juízes foram proibidos
de mudar de opinião [em respeito ao precedente], por que eles deveriam ser
autorizados a basear a sua decisão sobre a opinião de alguém que não estava
impedida de mudar seu entendimento? E se o tribunal baseasse a sua decisão
sobre a autoridade de um escritor que posteriormente mudou de opinião sobre
o ponto em questão?"[34].

Daí porque, diante dessas circunstâncias, é plausível supor que os juízes
tenham preferido "reconhecer" a autoridade doutrinal apenas dos autores que
já estavam mortos.

Essa prática, no entanto, tem sido abandonada na Inglaterra[35]. "O
processo de
relaxamento da convenção foi, assim, lento e se aproximou de seu fim apenas

cerca de 30 anos ou mais atrás"[36].

O abandono dessa prática, por sua vez, se explica pelo fato de que as
condições, o que provocou o seu aparecimento, mudaram. O fortalecimento dos
juízes, mais confiante sobre o seu papel e posição e, portanto, menos
preocupado em valorizar ou não a doutrina, ao lado do fato de que a
literatura jurídica se tornou demasiada rica para ser ignorada, são fatores
apontados como determinantes do abandono da referida convenção[37]. "E, ao
contrário de alguns 50 anos atrás, juízes e profissionais são hoje em dia
geralmente menos relutantes em levar em conta o material
extrajudicial"[38].

"O caráter da literatura jurídica inglesa se alterou significativamente ao
longo do último século. Escritos jurídicos, especialmente os produzidos por
acadêmicos, já não são apenas fontes de informação de segunda mão da
jurisprudência, mas fontes originais de raciocínio jurídico"[39].

O juiz inglês também, assim como parcela da magistratura brasileira, mudou
a maneira de conceber a si mesmo. Os juízes procuram ser cada vez mais
"especialistas altamente qualificados". Para eles, portanto, "não interessa
apenas ficar atualizado sobre os desenvolvimentos recentes da doutrina
acadêmica, mas também interessado em mostrar que eles são informados sobre
o debate acadêmico"[40].

"Os juízes Ingleses são hoje, não só mais disposto a olhar para os escritos
acadêmicos, mas também prontos a reconhecer a sua influência. Além disso,
mais do que no passado, os juízes participam do debate doutrinário,
escrevendo artigos em jornais acadêmicos, participando de conferências ou
palestras em universidades"[41].

"Referências a textos acadêmicos em julgamentos não só aumentaram em
freqüência, mas eles também evoluíram consideravelmente em estilo e
linguagem. Ao analisar a prática de citação de juízes ingleses dos últimos
tempos, nota-se, por exemplo, o respeito com que os juízes endereça aos
autores acadêmicos, e isso não apenas quando o Judiciário concorda com o
acadêmico. Os tribunais são invariavelmente respeitosos em sua língua,
mesmo ao discordar do autor. Além disso, eles expressam sua dívida e
gratidão para com os autores e muitas vezes descrevem seu trabalho como
'iluminado', 'interessante', 'valiosos', 'excelente', 'influentes',
'comemorado', 'útil' ou 'de grande ajuda'. Em algumas ocasiões os juízes
ingleses reconhecem explicitamente a influência da literatura acadêmica
sobre as suas decisões, ou no desenvolvimento de áreas específicas do
direito"[42].

"É um fato que hoje em dia, os juízes, quer sejam ou não de acordo com os
doutrinadores, normalmente discutem seu trabalho, ponderam os seus
argumentos, e, assim, muitas vezes expressando a sua posição própria e
freqüentemente citam passagens de seus escritos. Em alguns casos, eles
relatam o debate doutrinário sobre um determinado tema, dedicando
parágrafos inteiros à análise acadêmica...
Assim, parece que os juízes estão conscientes do valor potencial da
pesquisa acadêmica, fazendo uso dos escritos acadêmicos que não pode mais
ser retratada como meramente descritivas ou expositiva. Conseqüentemente, a
literatura inglesa acadêmica é de valor não só porque ela reflete a lei,
mas também porque fornece argumentos, idéias e propostas sobre como a lei
deveria ou poderia ser"[43].



6. A citação doutrinária nos EUA, Alemanha, Portugal e na França



Se na Itália a citação é vedada e na Inglaterra até recentemente apenas se
admitia a referência ao doutrinador morto, em diversos outros países a
legislação é silente a respeito, abrindo campo para a liberdade do juiz.

Assim é que nos EUA, apesar de herdar parte da tradição das Cortes
inglesas, não sobreviveu a prática de somente citar os doutrinadores
mortos. Em verdade, nos Estados Unidos se valorizou a doutrina como fator
de progresso jurídico e estímulo para que os juízes possam mudar o
direito[44].

Já na Alemanha praticamente não há decisão que não cite a doutrina[45]. Lá,
mais do que no Brasil, "a jurisprudência não se limita a só citar
nominalmente um autor ou autores, mas a efetuar um verdadeiro balanço do
estado concreto da questão jurídica que está abordando, precisamente na
doutrina científica (com citação de posições doutrinárias a favor e contra,
e com valoração crítica efetuada pelos próprios juízes desses mesmos
escritos doutrinários)"[46].

O mesmo se pode afirmar de Portugal. Lá, tal como no Brasil, valoriza-se a
citação doutrinária, tendo-se também a produção doutrinária dos juízes como
elemento de aferição do seu mérito profissional (v. Estatuto dos
Magistrados Judiciais, arts. 33 e 34).

Já na França a citação da doutrina nas decisões judiciais é nula. Aliás,
pode-se afirmar que, no geral, as decisões judiciais francesas são
lacônicas, secas, cortantes, breves ou simples extratos[47]. E tal se
verifica da simples leitura das decisões judiciais francesas, especialmente
das Cortes de Cassação (Cour de Cassation), ao ponto de serem questionadas,
do ponto de vista da motivação, pela Corte de Estrasburgo. E foi a partir
das decisões da Corte de Estrasburgo que os tribunais franceses, nos anos
mais recentes, têm procurado produzir decisões "mais sofisticadas"[48].
Mas, mesmo assim, ainda não cederam espaço para citação da doutrina.



7. Conclusão



No presente trabalho procuramos traçar, ligeiramente, uma pequeno panorama
sobre a questão relativa à citação da doutrina por parte dos juízes e
tribunais nas suas decisões judiciais.

Verificamos que há países que, por expressa disposição da lei, vedam a
citação dos doutrinadores e seus trabalhos (na Itália), enquanto outros não
fazem a citação por conta de sua praxe judiciária (França e Espanha).

Há país que, no passado, apenas autorizava a citação dos doutrinadores
mortos (Inglaterra). Na maioria dos países pesquisados, no entanto,
verificou-se que a citação doutrinária se faz sem qualquer amarra ou limite
(Brasil, Alemanha, EUA e na Inglaterra dos últimos 30 anos).

Da pesquisa se extrai, todavia, a certeza de que, mesmos nos países nos
quais há forte restrição à citação doutrinária nas decisões judiciais, há o
reconhecimento do valor dos estudos jurídicos extrajudiciais, especialmente
dos autores acadêmicos. E tal se dá em decorrência da autoridade desses
estudos, que, em verdade, apenas procuram contribuir para o maior
amadurecimento da ciência jurídica, ao invés de disputarem com os juízes,
procurando fazer prevalecer as suas opiniões.









8. Referências

BRAUN, Alexandra. Professors and Judges in Italy: It Takes Two to Tango, in
Oxford Journal of Legal Studies, Vol. 26, n. 4 (2006), p. 665–681.

BRAUN, Alexandra. Burying the Living? The Citation of Legal Writings in
English Courts. In American Journal of Comparation Law, v. 58, n. 1 (2010),
p. 27-52.

MARANHÃO, Délio et al. Instituições de Direito do Trabalho. v. I. 11 ed.
São paulo: LTr, 1991.

MARTÍNEZ GIRÓN, Jesús. La cita nominal de doctrina científica por la
jurisprudencia laboral. Un estudio de derecho comparado. Revista Española
de Derecho del Trabajo, n. 150, (2011), p. 331-348.

MONTORO, André Franco. Introdução à Ciência do Direito. 20 ed. São Paulo:
revista dos Tribunais, 1991.

MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. v. I. São Paulo:
Saraiva, 1975.



-----------------------
[1] Maranhão, Délio, Instituições de Direito do Trabalho", p. 148.

[2] Montoro, André Franco, Introdução à Ciência do Direito, p. 322.

[3] ibidem.

[4] Curso de Direito Civil, p. 12.

[5] Maranhão, Délio, ob. cit., p. 148.

[6] cf. Montoro, André Franco, ob. cit., p. 323.

[7] Braun, Alexandra. Professors and Judges in Italy: It Takes Two to
Tango, p. 665-666.

[8] Ibidem, p. 671, nota de rodapé 28.

[9] Ibidem, p. 670.

[10] Ibidem, p. 670-671.

[11] Ibidem, p. 671.

[12] Ibidem, p. 671.

[13] Ibidem, p. 672.

[14] Ibidem p. 672.

[15] Ibidem, p. 673.

[16] Ibidem, p. 673.

[17] Ibidem, p. 673.

[18] Ibidem, p. 674.

[19] Ibidem, p. 674-675.

[20] A este respeito, cf. Braun, Alexandra. Professors and Judges in Italy:
It Takes Two to Tango, p. 675-679

[21] Braun, Alexandra. Burying the Living? The Citation of Legal Writings
in English Courts, p. 29.

[22] Ibidem, p. 30.

[23] Ibidem, p. 46.

[24] Ibidem, p. 45.

[25] Ibidem, p. 34.

[26] Ibidem, p. 38.

[27] Ibidem, p. 39.

[28] Ibidem, p. 41.

[29] Ibidem, p. 42.

[30] Ibidem, p. 73.

[31] Ibidem, p. 73.

[32] Ibidem, p. 44.

[33] Ibidem, p. 39.

[34] Ibidem, p. 44.

[35] Ibidem, p. 49-51.

[36] Ibidem, p. 49.

[37] Ibidem, p. 49.

[38] Ibidem, p. 50.

[39] Ibidem, p. 49.

[40] Ibidem, p. 50.

[41] BRAUN, Alexandra. Professors and Judges in Italy: It Takes Two to
Tango, p. 667.

[42] Ibidem, p. 668.

[43] Ibidem, p. 668-669.

[44] Martínez Girón, Jesús. La cita nominal de doctrina científica por la
jurisprudencia laboral. Un estudio de derecho comparado, p. 341.

[45] Ibidem, p. 342.

[46] Ibidem, p. 343.

[47] Ibidem, p. 344.

[48] Ibidem, p. 345.
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.