A Claridade de Cabo Verde

June 3, 2017 | Autor: I. Carneiro de Sousa | Categoria: Cape Verde, Cabo Verde, Literatura de Cabo Verde, Claridade de Cabo Verde, History of Cape Verde
Share Embed


Descrição do Produto

Terra madrasta é a das dez ilhas do arquipélago que hoje formam a orgulhosa República de Cabo Verde. Geógrafos e geólogos foram esclarecendo a sua origem vulcânica, a sua quase marítima continuação das areias desérticas do Sahel e do Sahara, depois descrevendo com monotonia o seu clima árido, seco e tórrido fustigando uma paisagem acinzentada, sublunar, tão pobre como sempre sequiosa. Ilhas paupérrimas eram que não tiveram sequer direito a baptismo próprio: o nome Cabo Verde lhes seria dado a partir desse cabo longe no Senegal que, mais próximo de Dacar, as embarcações portuguesas começaram a ultrapassar ao longo da década de 1450, procurando as riquezas e os escravos do continente africano que, nos quatrocentos anos seguintes, alimentaram sem cessar a ganância do colonialismo europeu que era também exactamente a do português. Ainda hoje se discute esse ocioso problema da descoberta original das ilhas desabitadas que, entre 1456 e 1460, começaram a ser identificadas por caravelas vindas de Portugal. O que é mais prudente escrever do que continuar a falar – como sempre se faz em acríticos exornos – de pioneiros e originais descobridores portugueses. É que entre os primeiros

lusofonias nº 22 | 10 de Dezembro de 2013 Este suplemento é parte integrante do Jornal Tribuna de Macau e não pode ser vendido separadamente

COORDENAÇÃO: Ivo Carneiro de Sousa

TEXTOS: • Pobreza, Emigração e Fedagosa • Cultura, Literatura e Identidade • A Claridade • Finaçom • Claridade. Revista de Arte e Letras (1936)

Dia 16 de Dezembro: Monteiro Lobato, o maior escritor infantil de Língua Portuguesa

APOIO:

A Claridade de Cabo Verde

A Claridade de Cabo Verde

contrariar a pujante concorrência colonial britânica, sendo devidamente extinta em 1778 no meio de fundos prejuízos. Uma nova Companhia de Comércio da Costa de África, agora imitando o modelo colonial francês em desenvolvimento na África ocidental, dura escassos seis anos, entre 1780 e 1786. Pelos finais do século XVIII, ainda se tenta fomentar o povoamento de São Vicente com gente pobre da Madeira e dos Açores, mas sem ganhar mais do que um Ivo Carneiro de Sousa pequeno punhado de famílias. Entretanto, começam a chegar nas décadas seguintes as pressões abolicionistas e quando, em 1876, a escravatura erra madrasta é a das dez ilhas do arquipéla- bem mais simples e evidente: seguindo o modelo é definitivamente abolida, as ilhas de Cabo Verde go que hoje formam a orgulhosa República de da colonização feudal da Madeira e dos Açores, o perdem em interesse comercial o que ganham em Cabo Verde. Geógrafos e geólogos foram esclare- novo arquipélago na órbita das navegações por- abandono, secas, miséria e muita emigração. Recorde-se que, entre 1830 e 1833, as secas cendo a sua origem vulcânica, a sua quase marí- tuguesas quatrocentistas é rapidamente entregue tima continuação das areias desérticas do Sahel nos finais de 1460 ao poderoso infante senhorial prolongadas multiplicam-se em fomes mortais e do Sahara, depois descrevendo com monotonia que era D. Fernando, irmão do rei Afonso V, ad- que, sem socorro de Portugal, são apenas acudio seu clima árido, seco e tórrido fustigando uma ministrador também da Ordem de Cristo que, por das pelos Estados Unidos que rapidamente se torpaisagem acinzentada, sublunar, tão pobre como isso, mobilizou gentes dos seus latifúndios no Sul de nam miragem de emigração e sonho de nova vida sempre sequiosa. Ilhas paupérrimas eram que não Portugal e capitais emprestados por banqueiros e para muitos caboverdianos. Estrangeiros são tamtiveram sequer direito a baptismo próprio: o nome grandes mercadores italianos para tentar desenvol- bém os interesses dos britânicos que, em 1830, Cabo Verde lhes seria dado a partir desse cabo ver a lucrativa produção de açúcar por essas outras abrem o porto do Mindelo, em São Vicente, à circulação comercial do carvão. O que não impediu o longe no Senegal que, mais próximo de Dacar, as ilhas atlânticas em frente às costas da Guiné. embarcações portuguesas começaram a ultrapasNão vingou como produto comercial, pelo que rosário recorrente de fomes catastróficas e muito sar ao longo da década de 1450, procurando as ficou, ontem como hoje, a posição estratégica de mais emigração, apesar da II Guerra Mundial ter riquezas e os escravos do continente africano que, um arquipélago fundamental nos itinerários anuais espevitado o interesse dos contendores pela posinos quatrocentos anos seguintes, alimentaram da carreira da Índia e no caminho marítimo para ção mais do que estratégica das águas marítimas sem cessar a ganância do colonialismo europeu o Brasil que foi ganhando interesse e atenção à e, nessa altura, também do espaço aéreo das dez ilhas de Cabo Verde. que era também exactamente a do português. medida que o império A história recente é Ainda hoje se discute esse ocioso problema da marítimo português se descoberta original das ilhas desabitadas que, en- contraía a Oriente. Em (...) em 1876, a escravatura mais rápida e, provavelmente, melhor conhetre 1456 e 1460, começaram a ser identificadas armazém e praça de é definitivamente abolida, cida. Por Setembro de por caravelas vindas de Portugal. O que é mais escravos africanos logo 1956, esse vulto maior prudente escrever do que continuar a falar – como se especializou Cabo as ilhas de Cabo Verde das lutas de libertação sempre se faz em acríticos exornos – de pioneiros Verde para alimentar nas antigas colónias e originais descobridores portugueses. É que entre os tratos escravistas perdem em interesse portuguesas que contios primeiros dos tais descobridores documentados que levaram milhões comercial o que ganham nua a ser Amílcar Cabral arribando às várias ilhas que viriam a ser Cabo Ver- de jovens africanos promoveu em Bissau a de encontramos portugueses, como Diogo Gomes para as terras muito em abandono, secas, criação do PAI (Partido e Diogo Afonso, mas também italianos como Alvise mais ricas do Brasil. O Africano da IndepenCadamosto e Antonio da Noli que viria mesmo a inevitável sistema de miséria e muita dência – União dos Povos ser um dos primeiros capitães donatários da parte capitanias retalhou a emigração(...) da Guiné e Cabo Verde) sul da ilha de Santiago centrada na Ribeira Grande posse das ilhas entre que estaria nas origens (hoje, Cidade Velha), para aí levando colonos do capitães que praticaAlentejo e do Algarve. As histórias heróicas ainda mente as desconheciam, muitas vezes vendendo ou do PAIGC. No princípio de 1963, a guerra de liberagarradas às memórias muito nacionalistas do Im- arrendando as suas donatarias a quem mais desse. tação chegou à Guiné-Bissau, mas pouparia como pério cultivadas pelo Estado Novo ergueram em Por São Filipe, a actual ilha do Fogo, ainda se ten- facilmente se compreende as ilhas de Cabo Verde, exclusivo lugar da memória esse sonante tema tou a vinha sem grandes resultados; pelas ilhas da finalmente independentes a 5 de Julho de 1975. Apesar de instituirem estados-nações separados Descobrimentos Portugueses, multiplicando- Boavista e Maio introduziram-se gados que nunca -se em estátuas, nomes de ruas e singular ethos foram abundantes; até meados do século XIX foi-se dos, Cabo Verde e a Guiné-Bissau começaram por pátrio, assim esquecendo muito convenientemen- explorando a urzela para tingir os têxteis pobres ser igualmente governados pelo mesmo PAIGC, te um processo em que se foram reunindo muitos que se trocavam por escravos nas costas da Guiné. concretizando o sonho que Cabral não viu nascer saberes e pessoas europeus: italianos, franceses, À volta de 1612, a construção do porto da Praia ao ser tragicamente assassinado em 1973. O sistecastelhanos, muita gente da Catalunha (ou não fixa a principal polarização económica e adminis- ma dual, porém, extinguiu-se, como se sabe, em tivesse sido o Condestável D. Pedro (1429-1466), trativa do arquipélago, substituindo a antiga Ri- 1980, quando o golpe de estado na Guiné-Bissau filho do infante de Avis com o mesmíssimo nome, beira Grande, assim se encontrando a capital que, dirigido por Nino Vieira depôs o presidente Luís eleito Conde de Barcelona para se intitular du- elevada a cidade em 1858, ainda o é hoje. Mais Cabral e foi respondido pela criação do Partido rante três anos Rei de Aragão, Sicília, Valência, tarde, desde 1650 demoradamente até 1879, a Africano para a Independência de Cabo Verde Maiorca, Sardenha e Córsega), das Baleares, ma- partir da Praia se administravam os enclaves colo- (PAICV). Em Fevereiro de 1990, muito mais felizgrebinos e outros norte-africanos trazendo para niais portugueses na Guiné numa cronologia que é mente, o sistema de partido único foi abolido em Portugal os conhecimentos náuticos, científicos e matematicamente a do apogeu, queda e abolição Cabo Verde, as forças da oposição organizaram-se em torno do activo Movimento para a Democracia técnicos cerzidos por esse Mediterrâneo em que da escravatura. os navegadores, pilotos e capitães portugueses É certo que o mercantilismo seiscentista rece- (MpD) e, em 1992, o país aprovou uma Constituiforam treinados entre corso, comércio e outras bido e trocado em recorrentes tratados comer- ção democrática e multipartidária. E um exemplo de democracia tem vindo a ser aventuras marítimas. Sem o Mediterrâneo antes e ciais progressivamente mais desvantajosos com a Europa do Renascimento durante não teria ha- o Reino Unido trouxe brevemente, desde 1664, a Cabo Verde, cultivando talentos (como agora se vido os famosos Descobrimentos Portugueses que Companhia da Costa da Guiné, monopolizando o diz...), investindo nas pessoas, repensando o tornaram a nossa memória histórica tão estreita comércio escravista, sucedida entre 1676 e 1682 país, enfrentando os fados passados da pobreza, como assustadoramente limitada esta nossa me- pela Companhia de Cacheu e Rios da Guiné, logo conseguindo mesmo ser reconhecido como um mória colectiva ainda em busca de iluminações substituída em 1690 pela Companhia do Cacheu e país de médios rendimentos (o único entre as anmais modernas e sinceramente democráticas. Cabo Verde. Nenhuma conseguiu mobilizar capi- tigas colónias africanas portuguesas até ao moUltrapassando depressa o muito pouco interes- tais e lucros decentes, pelo que a exploração do mento), mais excelente reputação internacional se destas discussões sobre origens e prioridades, o arquipélago e das costas da Guiné seguiu em 1757 em que se reconhece a seriedade, trabalho e inprocesso histórico que, na longa duração, coloniza para a muito pombalina Companhia Geral de Co- teligência de um país em que rigorosamente só a com gentes, equipamentos, escassos capitais e es- mércio do Grão-Pará e Maranhão. Sem qualquer terra é mesmo madrasta: as suas gentes chegam tratégias coloniais o arquipélago de Cabo Verde é sucesso que se visse, a companhia era incapaz de e sobram como tesouro.

T

LUSOFONIAS - SUPLEMENTO DE CULTURA E REFLEXÃO Propriedade Tribuna de Macau, Empresa Jor­na­lística e Editorial, S.A.R.L. | Administração e Director José Rocha Dinis | Director Executivo Editorial Sérgio Terra | Coordenação Ivo Carneiro de Sousa | Grafismo Suzana Tôrres | Serviços Administrativos Joana Chói | Impressão Tipografia Welfare, Ltd | Administração, Direcção e Redacção Calçada do Tronco Velho, Edifício Dr. Caetano Soares, Nos4, 4A, 4B - Macau • Caixa Postal (P.O. Box): 3003 • Telefone: (853) 28378057 • Fax: (853) 28337305 • Email: [email protected]

II

Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013 • LUSOFONIAS

lusofonias

Pobreza, Emigração A

s descrições de Cabo Verde legadas pelas aventuras coloniais portuguesas são escassas, breves e fatídicas: das ilhas que não prestavam só se aproveitava mesmo a sua muito feliz situação geográfica nas encruzilhadas do Atlântico e nos itinerários dos abundantes tráficos escravistas. Assim, em 1584, o capitão André Álvares de Almada intitula o seu estudo Tratado breve dos rios da Guiné do Cabo Verde porque o arquipélago apenas interessa por se encontrar protegidamente em frente às costas guineenses de onde vinha escravatura lucrativa. O mesmo modelo se encontra na obra de André Donelha, concluída em 1625 como uma Descrição da Serra Leoa e dos rios da Guiné do Cabo Verde. Saltando outros títulos menores, é preciso aguardar pelos finais do século XIX para se descobrir em 1899 numa obra editada pela Academia das Ciências de Lisboa o trabalho razoavelmente documental que Cristiano José de Sena Barcelos difundiu como Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné. Nomes, factos e alguns documentos interessantes generosamente somados, o arquipélago não escapava pela história à sua sina colonial: terra pobre, apenas rica por ajudar a levar escravos (e outras naturais necessidades...) africanos para o Brasil e, por vezes, bem mais além. Um fado traçado bem cedo, ainda pelos finais do século XV, quando nessa obra fundamental chegada até nós incompleta com o título de Esmeraldo de Situ Orbis – magnificamente estudada por Joaquim de Carvalho para encontrar a originalidade do Renascimento português... – o muito educado Duarte Pacheco Pereira descreve que “Estas ilhas são estéreis porque são vizinhas do trópico de Câncer e têm muito pouco arvoredo por causa de nelas não chover mais dos ditos três meses: são terras altas e fragosas e serão más de andar (...) os frutos não se dão nesta terra senão de regadio.” Quase um século mais tarde, em 1587, o preciso ano em que chega o primeiro governador a Cabo Verde,

lusofonias

o também primeiro cronista (com optimismo, quase) brasileiro, Gabriel Soares de Sousa, esclarecia na sua Notícia do Brasil que o arquipélago muito interessava como plataforma para a colonização portuguesa da grande terra sul-americana: “...as primeiras vacas que foram à Bahia levaram-nas de Cabo Verde e depois de Pernambuco, as quais se dão de feição, que parem cada ano e não deixam nunca de parir por velhas; as éguas foram à Bahia de Cabo Verde, das quais se inçou a terra; as ovelhas e cabras foram de Portugal e de Cabo Verde, as quais se dão muito bem; e comecemos nas canas-de-açúcar, cuja planta levaram à capitania dos Ilhéus das ilhas da Madeira e de Cabo Verde; foram os primeiros cocos à Bahia de Cabo Verde, donde se encheu a terra; levaram a semente do arroz ao Brasil de Cabo Verde; da ilha de Cabo Verde e de S. Tomé foram à Bahia inhames que se plantaram na terra logo, onde se deram de maneira que pasmam os negros da Guiné, que são os que usam mais deles”. Terra colonial, afinal, não tão madrasta como isso, mas amarrada a uma economia de transporte para a qual, entre projectos de companhias e tardios planos de fomento, o colonialismo português não trouxe desenvolvimento, antes consideração pouca e ainda menos liberdade já que autonomia ou independência eram impensáveis. Na verdade, o regime colonial português, progressivamente mais vigiado e repressivo com o advento do salazarismo, ensinava a viver com humildade e aceitante penitência à mais profunda miséria e pobreza. Fado e resignação se ensinavam também às gentes de Cabo Verde: as notícias de secas e calamidades eram censuradas, a solidariedade quase nenhuma e a palavra fome proibida tanto como os batuques festivos, porque das mornas desconfiava-se, a hostilidade ao crioulo era continuada e a repressão da intelectualidade crítica severa: o Tarrafal era aqui, na última ilha do Barlavento que é Santo Antão. O colonialismo portu-

e

guês pregava-se como esse sucesso singular em que, do Minho a Timor, todos comungavam agradecidamente da mesma ideia generosa e civilizada de raça e nação lusitanas. Puro ardil. As desigualdades eram mais do que enormes, o silenciamento das oposições mais do que muito e a desconsideração pelas culturas, gentes e identidades locais era a norma. Mas mesmo assim, as culturas populares locais foram ganhando voz e intervenção que foi circulando e até se fixando por escrito com o liberalismo dos finais de Oitocentos e as muitas utopias educativo-democráticas da I República. Em Cabo Verde, entre batuques, normas, folclores, contos e poesias populares, a miséria e o desespero foram mesmo sendo cantados e denunciados como nestes versos de anónima autoria popular: Oi Fêdagósa Fêdagósa bô ê mau Bô matá-me nha mamã Bô matá-me nha papá. Oi Fedegosa Fedegosa, você é má Você matou a minha mãe Você matou o meu pai. Apesar de se torrarem as suas sementes como substituto dos grãos de café – café negro ainda se chama hoje no Brasil –, a fedegosa era considerada pelos caboverdianos “comida de bicho”, arbusto de cabra. A canção recorda, por isso, a fome de milhares de pessoas que, talvez nas secas da década de 1860, tentaram sobreviver comendo essa animalesca fedegosa que, à falta de tudo e de um mínimo de ajuda, lá vai conseguindo medrar entre os mais secos pedregulhos. Por isso, estas terras naturais que, como as ilhas de Cabo Verde, são excessivamente madrastas em terras de emigração se transformam depressa. Hoje vivem quase tantos caboverdianos na sua terra natal como nas mais diferentes diásporas pluricontinentais: mais de 250.000 nos Estados Unidos; uns 100.000 por Portugal; mais de 37.000 na Holan-

Fedagosa da e uns 35.000 por Angola; mais de 22.000 no Senegal e quase 20.000 no Brasil, a somar a vários milhares de outros emigrantes que se foram espalhando pelos mais diversificados horizontes geográficos. Em rigor, trata-se de uma realidade brutal de muito longa duração. Durante o século XIX, por exemplo, foram milhares os caboverdianos obrigados à emigração forçada para as roças de São Tomé mobilizados para a produção de cacau e café. A situação agravou-se com as secas de 1863 e com a abolição da escravatura, em 1878, não tendo existido ilha ou aldeia por mais remota que não tivesse assistido à emigração forçada dos seus jovens para São Tomé. Uma história recordada para sempre nessa canção que Cesária de Évora sabia sempre cantar como ninguém: “Quem mostra’bo ess caminho longe, ess caminho pa Santome?” Com a decadência do cacau, muitos caboverdianos procuraram perto pela Guiné e Angola trabalho, mas a maioria rumou para as economias mais ricas dos Estados Unidos e da Europa. Difícil era e continua a ser firmar uma identidade caboverdiana, cultural, colectiva e, mais desafiante ainda, nacional quando os pedaços insulares que formam Cabo Verde foram expulsando os seus para as mais diferentes diásporas em que eles próprios recriam memórias, tradições e identidades. A identidade tornou-se dinâmica e porosa, discutida e pluri-reflectida, destacando a sua condição histórico-geográfica de encruzilhada para alguns nem africana, nem atlântica, nem rigorosamente nada a não ser simplesmente cabo-verdiana. Um debate complicado que se foi instalando e enformando a própria formação das elites de Cabo Verde quando as primeiras décadas do século XX trouxeram o liceu, tertúlias, clubes, mais jornais e algumas revistas, muito mais circulação de ideias tanto como os primeiros textos e livros em que se procurava descobrir o mistério singular da caboverdianidade.

LUSOFONIAS • Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013

III

Cultura, Literatura e Identidade A

pesar da primeira escola primária oficial ter aberto ainda em 1817 na cidade da Praia, mas fechada pouco mais de uma década depois, seria preciso esperar muitos anos pela abertura do Liceu Nacional, em 1861, também logo rapidamente fechado para se entregarem os escassos lugares de ensino secundário aberto aos civis ao Seminário da Ribeira Brava. Em 1917, a generosidade educativa da I República entendeu abrir um Liceu no Mindelo, mas a Praia aguardou demoradamente por 1960 para voltar a albergar ensino liceal oficial. Muito pouco. O que não impediu o paulatino florescimento das letras e o aparecimento de alguns activos escritores no arquipélago, obrigatoriamente atentos às dificuldades da terra, aos sofrimentos das suas gentes e ao esquecimento da metrópole, temas, afinal, recorrentes que se foram instalando quase plurissecularmente nas mais variadas manifestações das culturas populares locais entre as festas do batuque, contos e legendas orais, os cantos e as poesias etnográficas que haviam de desaguar quase originais na morna (são mesmo precisas outras coisas muito mais complicadas para se ouvir e sentir apaixonadamente a identidade caboverdiana?). Ao longo das décadas de 1910 e 1920, beneficiando, dupla e paradoxalmente, dos grandes sonhos educativos e cívicos da I República Portuguesa, mas também do seu mais prometido do que concretizado renovado vigor colonial, entre agitações muitas, crises seguidas, emigrantes de torna-viagem e muito mais jornais, folhetins, panfletos e toda a palafernália mediática do florescente capitalismo

Eugénio Tavares IV

tipográfico, alguns naturais de Cabo Verde e alguns portugueses instalados ou em circulação pela então colónia procuram redescobrir e escrever sobre essas ilhas madrastas mas de gentes corajosas e singulares. Natural da ilha Brava, Eugénio Tavares (1867-1930) é um desses vários auto-didactas que acede qualificadamente à leitura sedenta e à escrita torrencial, jornalista, prosador e poeta, descobrindo Cabo Verde a partir da sua posição de funcionário da Fazenda Pública do Tarrafal, decidindo expressar-se em crioulo para se tornar quase um dos pais fundadores do que continuamos a identificar em canto e poesia por morna. Acompanha-o um outro jornalista e poeta, oriundo da ilha do Fogo, Pedro Cardoso (1860-1942), diligente professor primário, publicando em 1933 um mais do que referencial Folclore Cabo-Verdiano, dirigindo depois o jornal Manduco e escrevendo multiplicadamente em defesa do arquipélago e das suas culturas na Voz de Cabo Verde. Um grupo em que, entre outros, é obrigatório incluir José Lopes da Silva (1872-1960), um natural de São Nicolau, também professor primário, um par de anos docente liceal, preceptor privado de inglês e francês, escrevendo continuadamente em favor da valorização das ilhas, desfibrando a sua etnografia e as culturas populares, defendendo esse crioulo criticado pelos responsáveis coloniais tanto como pelas minguadas elites de assimilados ao serviço da precária administração. Nestes três nomes mais conhecidos de uma geração que escreveu apaixonadamente à descoberta das singularidades de Cabo Verde ainda se encontra uma ligação dominante ao sistema literário português, simpatia até pelas ideias republicanas de uma nova civilidade colonialista, apesar do apego às suas gentes e à mobilização folclórica e tímida dos crioulos e práticas culturais do arquipélago. A este grupo a três convém juntar, mas com a devida distância, o destino cultural desse homem nascido na Praia entre famílias abonadas e importantes, mistura de pintor, actor e dramaturgo, genuíno democrata e profundamente anti-salazarista: António Pedro (19091966). Muito mais conhecido pela sua recepção e difusão em Portugal dos ecos do surrealismo, António Pedro impressionou e causou viva polémica entre a curta intelectualidade caboverdiana com o seu livro de poemas Diário, editado em 1929 pela Imprensa nacional de Cabo Verde, escrito durante uma visita à Praia, tinha na altura ardentes vinte anos. Nos seus poemas, os caboverdianos são apresentados como “pobres selvagens” e as suas festas populares do batuque descritas como “bacanal!”, “dança doida”, “mole e sensual / meneio de ancas e de ombros”, “cópula carnal”. Não admira que, com estes termos,

Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013 • LUSOFONIAS

o seu Diário tenha sido rasgado por um grupo de estudantes da Praia e os pedaços remetidos ao autor. A obra de António Pedro parecia muito pouco apaixonada pelas culturas e gentes da sua terra natal, mas em contraste mostrava-se profundamente aberta ao primeiro modernismo literário. E este é também parte do itinerário que, entre vários outros nomes menos conhecidos e estudados, vai conduzir a essa obra já maior que, em 1935, é o Arquipélago de Jorge Barbosa. Nascido na Praia, em 1902, falecido em Almada, em 1971, Barbosa reúne naquele seu livro referencial uma poesia definitivamente moderna e modernista, mais do que comprometida com as realidades sociais e políticas de Cabo Verde que se transformam em inspiração e motivo poéticos. Caminhos literários em que parece conveniente não esquecer alguns outros transeuntes que se quiseram também de letras, nados e criados em Portugal que, pelas décadas de 1920 e 1930, se interessaram visitada ou instaladamente pelas culturas caboverdianas que logo vazaram em escrita original: Augusto Casimiro (1889-1967), poeta, jornalista, activo opositor ao regime do Estado Novo, foi o autor dessas Ilhas Crioulas com que os famosos Cadernos Coloniais em 1935 ofereciam um muito interessante sumário demográfico, cultural e etnográfico do arquipélago pejado de apontamentos inteligentes e curiosidades abundantes; um nome a somar ao de José Osório de Oliveira (1900-1964), poeta e crítico literário, funcionário do Ministério das Colónias que a Cabo Verde chegaria vindo de Moçambique pelos finais da década de 1920 para se encantar e, depois, divulgar a sua singular cultura. A Oliveira devemos mesmo a compilação e edição das Mornas – Cantigas crioulas, de Eugênio Tavares, reportório ainda hoje tão precioso como inspirador do sucesso de muitas mornas e dos seus mais conhecidos cantores. Convém, finalmente, não esquecer e passar a investigar muito mais pormenorizadamente que muitos destes autores trouxeram para Cabo Verde a excitação do primeiro modernismo português, alguns eram leitores fiéis dessa Presença fundada por Coimbra, em 1927, outros ainda traziam livros e escritores percorridos em viagens e emigrações em que se foi incluindo um progressivo reconhecimento dos grandes modernistas brasileiros, da poesia de Manuel Bandeira, mais a revolução do romance nordestino através das penas geniais de Rachel de Queirós, Graciliano Ramos, Jorge Amado e, sobretudo, José Lins do Rego, cujos primeiro romances, Menino de Engenho (1932) e Doidinho (1933) foram frequentados por alguns daqueles escritores caboverdianos com essa mesma atenção dirigida às gentes populares, às contradições da terra natal, às suas tradições ou a essas infâncias e aventuras juvenis vividas entre seminários, liceus e descobertas rebeldias. Destas confluências muitas em terra madrasta de gente singular das ilhas viria a nascer A Claridade.

P

ublica-se no Minde ro número de uma tras muito auspiciosam ridade. Os seus funda eram formalmente J Lopes e Baltasar Lope va de assinar como Os representavam um g cabo-verdianos um em que, entre tertúl conferências públicas se devem também inc Figueiredo e o escrito pados com a situação ilhas, a miséria, a pob tecção social de uma mais do que indigent diu nove números, e princípio, os três núm pados seguidamente e mais ofereciam do q anos mais tarde, pass da II Guerra Mundial, a editar mais seis núm e 1966, foram dirigid da Silva para congreg tas em que, chegando desfilava uma muito te intelectualidade ca Corsino de Azevedo e ra, colaboradores nos ros, juntam-se na seg ridosa, entre outros, Sousa, Félix Monteiro Duarte, Arnaldo Fran Madeira Melo, Tomás Onésimo Silveira, Fra Corsino Fortes, Artur ni e Virgílio de Melo. O primeiro número tanto um monumento modernista desenhad redo dava o tom a um te em que, a abrir, s e inovadoramente trê oral em crioulo: “lan finaçom (batuques da novel revista de Arte sim, desde o seu iníc sorvido nessas festas p do interior de Santia por esses poemas de muita paródia, gera conhecidos por finaço O segundo número seguia a aventura qua do a morna Vénus d Cruz (1905-1958) que do por B. Léza, foi um autores, músicos e g das suas mornas com meio-tom. Ainda nest A Claridade, José Osór um muito significativo lavras sobre Cabo Ver Brasil”, destacando a poesia e romance bra de uma autêntica lite Apesar do largo hia Claridade regressa a p derradeiros números das identidades, dos rações do se queria e nidade: assim se fixa e arquipélago, divulga-s

lusofo

elo, em 1936, o primeia revista de Arte e Lemente intitulada A Claadores e proprietários Jorge Barbosa, Manuel es da Silva – que gostaOsvaldo Alcântara – mas grupo de intelectuais pouco mais alargado lias, clubes e algumas s pelos anos anteriores, cluir o pintor Jaime de or João Lopes. Preocuo difícil das gentes das breza e a falta de proadministração colonial te, A Claridade difunentre 1936 e 1966. Ao meros iniciais, estamem 1936 e 1937 pouco que dez páginas. Onze sados os anos terríveis l, A Claridade voltaria meros que, entre 1947 dos por Baltasar Lopes gar colaborações muio-se às oitenta páginas, mais activa e militancabo-verdiana: a Pedro e José Osório de Oliveis primeiros três númegunda fase da vida cla, Henrique Teixeira de o, Nuno Miranda, Abílio nça, Luís Romano de Martins, Virgílio Pires, ancisco Xavier da Cruz, Augusto, Sérgio Fruso-

o de A Claridade é hoje o como um mito. A capa da por Jaime de Figueim volume surpreendense ofereciam corajosa ês poemas da tradição ntuna & 2 motivos de a Ilha de Santiago)”. A e e Letras assumia, ascio a defesa do crioulo populares dos batuques ago marcadas também crítica social, sátira e almente improvisados, om. o de A Claridade prosase nativista, difundinde Francisco Xavier da e, muito mais conhecim dos mais importantes grande revolucionador m a feliz introdução do te segundo número de rio de Oliveira assinava o artigo intitulado “Parde para serem lidas no a importância da nova asileiros para a criação eratura cabo-verdiana. ato temporal, quando A partir de 1947, os seus ampliam a descoberta problemas e das aspierguer em caboverdiae revisita o folclore do se ainda mais a poesia

onias

A Claridade popular do batucu (que agora se prefere em crioulo ao aportuguesado batuque...), publicam-se as cantigas de Ana Procópio (1866-1957), a imortal cantadeira do Fogo, estudam-se tabancas e muitos festivais populares, convoca-se análise sociológica, crítica literária e sócio-política, ensaios, muita poesia original e alguns contos em que se preparam obras tão fundamentais como esse romance Chiquinho, precisamente publicado em 1947, livro com que Baltasar Lopes da Silva ajudava mesmo a fundar uma literatura cabo-verdiana. Não se veja, porém, em A Claridade o que ela não foi nem se leiam o seus variados textos com anacronismo, fora do seu tempo e espaços históricos. A revista ainda não era a do tempo da militante luta de libertação anti-colonial e dos projectos de

e azedos porque nada de novo colheram, nenhum mistério desvendaram: não viram manipansos, não assistiram sequer a uma sessão de magia negra. O problema do caboverdiano é menos de ordem tradicional e estático, que cultural e dinâmico.” Uma busca de uma renovada caboverdianidade pela cultura que não se foi fazendo sem equívocos. Um é bastante conhecido e remete sempre para esse nome omnipresente que é o de Gilberto Freyre e a génese da teoria do luso-tropicalismo que, passada a II Guerra Mundial, a política colonial do salazarismo haveria de convenientemente apropriar para tentar destacar a singularidade da presença colonial portuguesa sempre baseada no que se propagava ser a democracia das raças. Os primeiros números e os vultos fundadores de A Claridade foram-se encan-

Os Claridosos independência, conquanto tivesse funcionado como semente importante de futuros ideários nacionais e de plena soberania das gentes e culturas de Cabo Verde. A Claridade vai-se distanciando paulatinamente, mas com alguns equívocos, do discurso colonial, cortando progressivamente com qualquer herança sanguínea lusitana, ainda que devidamente miscigenada, afastando-se mesmo da tradicional posição geográfica do arquipélago como ponto de aporto e plataforma de transporte para destacar um outro lugar, um muito mais renovado locus: o da cultura. Uma mutação do fatídico espaço madrasto em generoso berço de paternidade cultural que se encontra imediatamente presente no ensaio que Manuel Lopes logo publicou no primeiro número da revista para tentar reflectir sobre o que um europeu vem verdadeiramente procurar a Cabo Verde: “É vulgar verem-se desembarcar nessas ilhas africanas, principalmente em São Vicente, estrangeiros sedentos de exotismos, com aquela doentia curiosidade de quem pisa terras de África e, por conseguinte, terras de mistério e que ao cabo de meia hora de cirandagem tornam a embarcar desiludidos

queria, pelo menos, desenvolver como mais fértil; escrevia-se sobre as montanhas e planícies áridas e secas; sublinhava-se a dimensão telúrica e o amor quase inacreditável àquela terra avarenta; cantava-se a partida e a saudade; e voltava-se constantemente à violência das secas e das fomes. Por isso, A Claridade foi também obrigada a pensar e a escrever sobre esse movimento absolutamente oposto à revalorização do arquipélago, das suas culturas, linguagens e gentes: a emigração. O tema invadiu sobretudo a claridosa poesia, dramatizando o tópico da terra longe, a fuga, a evasão, sublinhando o elemento pantalássico em que mar se torna prisão, mas que pode igualmente proporcionar paradoxal libertação longe da saudosa terra natal. Vista a princípio pelo regime colonial

membros da

tando pela miscigenação cultural agitada pelo autor de Casa-Grande e Senzala que julgavam poder ser também a marca identitária de Cabo Verde. O deslumbramento passou com a viagem de Gilberto Freyre às então colónias portuguesas (com a prudente excepção de Macau e Timor-Leste), realizada a convite do Ministério do Ultramar em 1953, depois publicada pelo sociólogo brasileiro em Aventura e Rotina, dois anos mais tarde. Os poucos dias passados por Freyre em Cabo Verde foram fixados sem generosidade no seu livro em que se destaca a fragilidade económica do arquipélago, o uso comum de um “dialecto bárbaro”, absolutamente incapaz de servir como meio de expressão, muito menos literário, correndo a par com a ausência de uma legítima arte popular. Tomando as dores dos claridosos, Baltasar Lopes mais do que se incomodou e rebateu veementemente as ligeiras e ignorantes críticas freyrianas em texto que, publicado na Praia, em 1956, se intitulava Cabo Verde visto por Gilberto Freyre. Neste período, A Claridade continuava a reflectir sobre as possibilidades de sobrevivência numa terra madrasta, mas que se

Revista

de

Arte

e

Letras “A Claridade”

português como uma manifestação de regionalismo, semelhante ao de revistas dos Açores ou da Madeira, A Claridade foi reescrevendo tragédias e emigrações em crioulo, mais saudades e identidades cruzadas, pelo que ensaios, contos e poesias foram assim navegando cada vez mais para longe mesmo das crenças luso-tropicalistas, preparando as gerações que finalmente transformaram a libertação na independência que é condição de identidade nacional. Mesmo da sua discussão que é ainda mais condição para existir. A Claridade é tanto etapa como raiz deste processo. Sucedeu, e bem, a essa primeira geração novecentista que, em Eugénio Tavares ou Pedro Cardoso, foi escrevendo em sentimento nativista, entre o folclórico e o paternalismo popular, conseguindo ao longo dos seus nove números reivindicar tanto um estatuto de igualdade como uma consciência cultural que, ainda carregada de ilusões quase regionalistas, prepara mesmo essa outra geração da afirmação nacionalista que Amílcar Cabral transmutou com inteligência em exigência de liberdade e autonomia política.

LUSOFONIAS • Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013

V

Finaçom O

s nove números de A Claridade. Revista de Arte e Letras (1936-1966) foram esmeradamente reeditados em edição fac-similada organizada com especial competência por Manuel Ferreira pela altura do cinquentenário da sua publicação, em 1986. Um esforço que renovou o interesse pela revista, suscitando alguns qualificados trabalhos de investigação agora a aguardar prolongamento mobilizando novas problemáticas, contextos históricos rigorosos, leituras cruzadas, conhecimento de influências, intertextualidades e tratamento de muita documentação a aguardar pesquisa e investigadores, o que sempre quer também dizer financiamentos, competências, muito tempo. Não estou certo que nestes nossos dias

de intenso consumo imediato, fácil e curto entre sítios web e redes sociais mais do que muitas, a aventura de A Claridade seja mesmo conhecida e duvido ainda mais que continue a ser lida. Seguem, por isso, para leitura que se quer – agora, sim – de descobrimentos, os dois poemas de finaçom com que se abria o primeiro número da mítica revista de Arte e Letras fundada no Mindelo, em 1936. Poesia à época tão desconsiderada como as festas de batuku que, com a independência de Cabo Verde, em 1975, se transfigurou em género musical já valorizado já inspirador de novas músicas, grupos, artistas. Os poemas de finaçom seguiram directos para a vibrante capa do primeiro número de A Claridade no qual

A Claridade Revista de Arte e Letras Nº. 1 (1936)

Baltasar Lopes estudava também valorizadamente a tradição do batuku a que voltaria nos números 6 e 7 mais tardios da revista, como também nos argumentos demolidores mobilizados para Cabo Verde visto por Gilberto Freyre. Os dois poemas de finaçom apareceram como devia ser em crioulo no primeiro número de A Claridade. Aqui se publicam também assim, depois acompanhados por leitura nesse português que agora se quer muito certinho e ortograficamente mais uniformizado, mas que esquece com tanta facilidade esses crioulos sem os quais é muito mais difícil perceber a saudável policromia mais do que pluricultural das lusofonias.

Finaçom 1 M pidi Nhôr-Dés pê câ matám bedjo di-más pamodi bedjo ‘n tá bá storido nobo ‘n tá bá di trabessado na subida ‘n tá bá mondudo na dixida ‘n tá bá stendedo na trabessa ‘n tá bá sereno Quel hó qu’n grandi qu’m pôdê ‘n tá mandâ rombâ Pic’ Antone pân djobê dento chuba chobê! (Leitura: Pedi a Deus para não me matar demasiado idoso porque idoso iria muito esturrado novo iria atravessado à subida iria encolhido na descida iria aprumado na planície iria sereno Quando for grande e puder mandarei arrombar o Pico de António para poder ver dentro de Chuva-Chove!)

Finaçom 2 Mocinhos sim namorado ê sim mâ boca sim bocado ê sim mâ carnisim mandioca ê sim mâ copo sim garafa. S’in tenê bedjo tâ’ infadâm s’in tenê nobo ta borregam Nha guenti s’in ca pupa n’ca cudido s’in pupa ‘n ta rabenta!

VI

Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013 • LUSOFONIAS

(Leitura: Mocinhos sem namoradas são como boca sem bocado são como carne sem mandioca são como copo sem garrafa. Se estou com a velhice a enfadar-me se estou com a mocidade a excitar-me Minha gente se não gritar não sou atendido se não gritar me arrebento!)

lusofonias

Economias... Reúne

estudos e análises sobre o desenvolvimento económico dos

CHINA |Indústrias influenciam m Novembro, a actividade empresarial nos mercados emergentes cresceu no ritmo mais rápido em oito meses, sustentada pelo ímpeto da actividade da indústria chinesa, revelou uma pesquisa do HSBC. O índice de mercados emergentes composto do HSBC avançou para 52,1 ante 51,7 em Outubro, avançando acima do patamar de 50 que separa a expansão na actividade da contracção, embora o crescimento no sector de serviços tenha ficado no mesmo nível de Outubro. As indústrias foram o principal motor de crescimento, lideradas pela China, onde a mais forte demanda doméstica conduziu a um crescimento industrial também ligado à Índia. “Na Índia, as condições empresariais da indústria estão a ficar positivas depois de alguns meses de contracção”, disse o economista de mercados emergentes do HSBC, Murat Ulgen. “A China é um peso enorme, a Índia é um país enorme e retornou para o crescimento (da indústria)”. Outros mercados emergentes também tiveram crescimento mais rápido na indústria, com a Europa Central e Oriental e a Turquia beneficiando da recuperação na zona euro. O índice industrial, porém, foi pressionado pela desaceleração do crescimento no Brasil, Rússia e Coreia do Sul e por contracção na Indonésia. JTM com agências

O

lusofonias

Língua Portuguesa

e a sua cooperação com a

República Popular

da

China

Mercado atrai comércio a retalho

A

ngola é actualmente dos mercados mais atractivos para o comércio a retalho internacional, devido à expansão acentuada da população e do rendimento médio, de acordo com a Economist Intelligence Unit. A mais recente empresa a anunciar planos para entrar no mercado angolano foi a sul-africana Spar, seguindo o exemplo de grupos do mesmo país, portugueses e brasileiros, afirma a EIU no seu mais recente relatório sobre Angola. “Juntamente com o crescimento do rendimento disponível e do desenvolvimento da classe média, o mercado de retalho deverá assistir a um crescente afastamento das vias informais”, como mercados e vendedoras de rua, escrevem os analistas britânicos. O PIB real, sublinha a EIU, tem evoluído positivamente todos os anos desde 1994 e em oito destes anos expandiu-se a taxas com dois dígitos. Também o perfil etário é “muito prometedor”, uma vez que em 2010 cerca de metade da população tinha menos de 24 anos, proporção que deverá manter-se elevada nos próximos anos, “dando aos retalhistas claras oportunidades de longo prazo para expansão e construção de lealdade de marca”, refere a EIU. Já no mercado está a sul-africana Shoprite, depois de a brasileira Odebrecht ter sido chamada pelo governo para uma parceria na gestão logística da cadeia estatal Nosso Super. O governo angolano tem vindo a perseguir uma estratégia de formalização da economia não-petrolífera, em grande medida não regulada, tendo em vista melhorar a qualidade, expandir a concorrência e criar empregos, bem como melhorar as receitas fiscais. JTM/Macauhub

CABO VERDE | Sector portuário privatizado em 2014 governo de Cabo Verde está a ultimar o quadro legal e de regulação para a privatização do sector portuário em 2014, anunciou a ministra das Infra-estruturas e Economia Marítima, Sara Lopes, de acordo com a imprensa cabo-verdiana No decurso de uma conferência sobre a reforma do sector dos transportes em Cabo Verde, a ministra que o novo quadro legal e institucional a entrar em vigor no próximo ano visa dar uma nova dinâmica ao sector. Em Junho passado o Parlamento cabo-verdiano concedeu uma autorização legislativa ao governo para alterar o regime jurídico dos portos de Cabo Verde aprovado em Novembro de 2010, tendo em vista a privatização da sua exploração económica. No âmbito da privatização, o governo pretende que a Empresa Nacional de Administração dos Portos (Enapor) continue a ser a concessionária geral dos portos do arquipélago, mas que lhe seja permitido subconcessionar, sempre que possível, a operação e os serviços portuários aos agentes económicos. As subconcessionárias portuárias poderão também ter outros negócios no seu objecto social, sendo-lhes apenas exigido conhecimentos no sector marítimo para utilizar os portos do país e desenvolver negócios com outros portos estrangeiros. A futura lei deverá também definir os bens do domínio público portuário e clarificar as competências dos diversos agentes públicos do sector marítimo, nomeadamente a Direcção-Geral de Mobilidade e Transportes, o serviço integrado do Ministério das Infra-estruturas e Economia Marítima, o Instituto Marítimo e Portuário e a Enapor. JTM/Macauhub

de

ANGOLA

mercados emergentes

E

Países

Governo

TIMOR-LESTE paga mês extra à

FP

O

governo de Timor-Leste decidiu, em Conselho de Ministros extraordinário, pagar um mês de salário extra ao setor público, refere em comunicado o executivo timorense. “Este diploma aprova o pagamento extraordinário, com carácter único, de um mês de salário base aos funcionários e agentes, ainda que temporários mas contratados há pelo menos um ano, aos dirigentes da Função Pública, aos elencados no artigo 2.º deste Decreto-Lei e aos membros dos órgãos de soberania do Estado”, pode ler-se no comunicado divulgado, à imprensa. Segundo o documento, a decisão foi “tomada de acordo com a política de preservação, valorização e reconhecimento dos recursos humanos ligados à Administração Pública que o Governo mantém”. Os funcionários públicos em Timor-Leste não recebem subsídios de férias, nem 13.º mês e têm 20 dias de férias. Desde 2010, que o governo timorense aprova o pagamento de um mês de salário extraordinário em dezembro ao sector público.

Aposta

MOÇAMBIQUE na modernização de linhas férreas

A

s obras de modernização da linha de caminho-de-ferro do Sena, em Moçambique, que visam aumentar a capacidade de escoamento para 20 milhões de toneladas por ano, deverão ficar concluídas até finais de 2015, informou a agência noticiosa moçambicana AIM que adiantou estarem actualmente a decorrer as obras de construção de pontos de cruzamento de comboios e de reparação da via para permitir o aumento da velocidade média dos comboios que transitam na linha. Estão também em curso obras de ampliação e modernização do porto da Beira, para garantir o processamento da carga transportada nas linhas de Sena e Machipanda e facilitar o escoamento de mercadorias para os países do interior, casos do Malawi, Zâmbia e República Democrática do Congo. O transporte de passageiros é outra componente a ter em conta na modernização da linha de Sena, ao longo dos cerca de 600 quilómetros de sua extensão, nos trechos Beira/Moatize e Beira/Marromeu. A linha vai igualmente servir para o transporte de calcário, matéria-prima para a fábrica de cimento de Dondo, de açúcar produzido em Marromeu e dinamizar a agricultura e a actividade comercial. JTM/Macauhub LUSOFONIAS • Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013

VII

Angolanidade:

Publica

textos de estudo e opinião sobre a diversidade cultural das Lusofonias

Pressuposto para a teoria da literatura em Angola

Ideias N

Pombal Maria*

O conceito de Crioulidade “é uma forma semiofágica, alterofágica, relativista e eurocêntrica de compreender o mundo angolano. Representa, por isso, uma corruptela da expressão do universal, ao fazer apelo a ressonância da visão imperial do colonialismo português em Angola”. Ao contrário do conceito de crioulidade, “o conceito de Angolanidade, apresenta-se como um conceito aberto, marcado pela universalidade”

VIII

a história sociocultural de Angola, existe um conceito filosófico que norteia o preceito cultural nacional, contribuindo para o modus vivendi do cidadão, na base de uma visão humanista, de solidariedade, amor ao próximo e ao bem comum. Esse conceito reside na palavra Angolanidade, formada por sufixação. A expressão, a dado passo da nossa história política e cultural, emergiu; e ao longo do tempo, ganha formulações de capital interesse para a compreensão dos desígnios do povo angolano. A Angolanidade é um conceito de elevado primor, deve ser público, compreendido e amparado para que cada um de nós, encontre, na sua vivência, a base sustentável de identificação nacional, baseada no princípio filosófico nacional, actual e sustentável, para que na formulação de políticas sociais, culturais e mesmo económicas, se tenham bem vivos os valores que norteiam o ser angolano. É exactamente na base desse pressuposto que deve existir a nossa visão de nação. Visão essa, plasmada acima de tudo, pelo olhar da cultura nacional, já que a cultura é o dia-a-dia de um povo, como diz o escritor angolano Luandino Vieira. É exactamente no capítulo dos estudos da literatura angolana onde o conceito em apreço emergiu, talvez por ser uma disciplina auxiliar da filosofia. Alfredo Margarido, escritor Português, estudioso das literaturas africanas, em l96l, escreveu um “ ensaio significativo” sobre a poesia de Agostinho Neto em que “propunha a utilização do conceito de Angolanidade, para definir a substância nacional angolana”. O conceito foi, nesse momento, pela primeira vez, inserido num texto escrito. O escritor Costa Andrade escreveria igualmente, logo a seguir, um artigo dedicado a “Dois poetas da Angolanidade”(l962: 76-9l), encomendado por Mário Pinto de Andrade que preparava então um dos números da revista “Présence Africaine” consagrado a Angola. Numa entrevista concedida ao autor destas linhas, Costa Andrade afirmava que “a ideia de Angolanidade como formulação da palavra em si (...) é de l959”. Na sua “Introdução a um colóquio sobre poesia angolana”, Agostinho Neto lamentava em l960, o risco da assimilação e da desreferencialização dos intelectuais angolanos que “(...) perturbados pelo processo de coisificação, esqueceram por muito tempo que existia a civilização africana” (Luís Kandjimbo, Ler: Apologia de kalitangi). A palavra Angolanidade, ao longo da história, ganha várias abordagens, quer do ponto de vista antropológico, sociólogo, literário e etc. Abordagens essas, vindas de cientistas sociais angolanos como Mário Pinto de Andrade, Luis Kandjimbo, Victor kajibanga, etc, e portugueses como o ensaísta Manuel Jorge e Alfredo Margarido e etc. Para Mário Pinto de Andrade, “...a Angolanidade requer enraizamento cultural das comunidades humanas, abraça e ultrapassa dialecticamente os particularíssimos das regiões e das etnias, em direcção à nação. Ela opõe-se a todas as variantes de oportunismo (com as suas evidentes implicações políticas) que procuram estabelecer uma correspondência automática entre a dose de melanina e dita autenticidade angolana. Ela é, pelo contrário, linguagem da historicidade dum povo”. Para o ensaísta português Manuel Jorge, a “An-

Terça-feira, 10 de Dezembro de 2013 • LUSOFONIAS

golanidade deve construir-se a partir dos elementos concretos da sua manifestação, e não como um esforço de negação de uma realidade cultural imposta, mas como esforço de afirmação de uma realidade cultural nova, nascida do cruzamento das civilizações e das suas obras (…)”. Pois, segundo ele, a “Angolanidade constrói-se com tudo o que a história legou ao povo angolano: o substrato negro-africano, e os elementos da cultura dominante que através dos séculos penetraram até ao mais fundo do consciente popular”. Neste capitulo o ensaísta angolano Luís Kandjimbo, apresenta-nos um estudo de obrigatória referência, intitulado “O ENDOGENO E O UNIVERSAL NA LITERATURA ANGOLANA”, comunicação apresentada no painel cultural do Seminário sobre a Realidade Política, Económica e Cultural de Angola, Paris 6-9 de Novembro, realizado pela Embaixada de Angola em França por ocasião da festa nacional. Para L. Kandjimbo “(…) no discurso cultural angolano, a problemática do endógeno e do universal revela-se no debate que se trava no âmbito do discurso crítico literário, em torno de dois conceitos, que se constituem ao mesmo tempo em paradigmas para o discurso crítico: Angolanidade e Crioulidade”. O conceito de Crioulidade, segundo ele, “é uma forma semiofágica, alterofágica, relativista e eurocêntrica de compreender o mundo angolano. Representa, por isso, uma corruptela da expressão do universal, ao fazer apelo a ressonância da visão imperial do colonialismo português em Angola”. Ao contrário do conceito de Crioulidade, argumenta o ensaísta angolano, “o conceito de Angolanidade, apresenta-se como um conceito aberto, marcado pela universalidade. Torna defensável o pluralismo cultural. É revelador da necessidade do diálogo intercultural. Nega a pureza das culturas. Faz apologia da resistência à penetração da visão colonial e luso-tropicalista que vai sobrevivendo ainda hoje”. “O conceito de Angolanidade enraíza-se numa dimensão ontológica como pressuposto para a produção de um discurso teórico-literário. Congloba não só os resultados das estratégias de enunciação literária em língua portuguesa. Incorpora ainda o sistema semiótico da oralidade, onde imperam, códigos diferentes, nomeadamente paralinguísticos, cinésicos, proxémicos, lúdicos, etc. (…)”, acrescenta. Para o conceito “estratégico de Angolanidade”, aquele notável ensaísta angolano, recomenda reunir “todas as características para fundar uma teoria geral explicativa, introduz processos de categorização que, por operar com elementos da cultura angolana e não apenas com alguns dos seus elementos contingentes e supérfluos, têm de responder aos desafios e tentações hegemónicas de outras teorias consagradas pela história do colonialismo em Angola, por exemplo, a teoria do luso-tropicalismo e a teoria da Crioulidade. Por outras palavras, diremos que a teoria da Angolanidade há-de obedecer aos imperativos de uma descolonização epistemológica, exigindo, no plano intelectual, a elaboração de «conceitos hemeomorfos», para empregar uma expressão de Raimundo Panikkar(…)”. *Escritor angolano. Texto publicado no semanário “O País”

lusofonias

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.