A Coisa Julgada Secundum Eventum Probationis e a possibilidade de revisão das decisões por prova nova: conceito de prova nova para o processo coletivo

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A Coisa Julgada Secundum Eventum Probationis e a possibilidade de revisão das decisões por prova nova: conceito de prova nova para o processo coletivo. Res Judicata Secundum Eventum Probationis and the possibility of revision of decisions by new evidence: the concept of new evidence for Brazilian Collective Redress. Gustavo Alves1 Cássio Pretti2

(Texto publicado na Revista Eletrônica “Processos Coletivos” (ISSN: 2176-1795), v. 6, n. 3, jul-set/2015. Link

para

acesso:

http://www.processoscoletivos.com.br/index.php/revista-eletronica/67-volume-6-

numero-3-trimestre-01-07-2015-a-30-09-2015/1606-a-coisa-julgada-secundum-eventum-probationis-e-apossibilidade-de-revisao-das-decisoes-por-prova-nova-conceito-de-prova-nova-para-o-processo-coletivo).

Área do Direito: Processo Civil; Constitucional; Consumidor; Resumo: O presente trabalho possui o escopo de abordar, no âmbito do direito processual coletivo, a coisa julgada secundum eventum probationis, bem como a possibilidade de revisão das ações coletivas julgadas improcedentes pela fragilidade probatória, com a apresentação das denominadas “provas novas”. Para tanto, será feita uma análise normativa do instituto da coisa julgada, tanto no contexto do processo individual, quanto do processo coletivo, sempre buscando trazer a lume as suas principais características. Ato contínuo, com base no denominado Microssistema do Processo Coletivo, composto principalmente pelas Leis da Ação Civil Pública, Ação Popular e o Código de Defesa do Consumidor, procurar-se-á delimitar o conceito de coisa julgada secundum eventum probationis, assim como estabelecer uma definição abrangente de “prova nova”, como sendo aquele elemento probatório dotado de força probante potencialmente suficiente a alterar o resultado jurisdicional da demanda coletiva, independentemente do momento em que foi produzido. Palavras Chave: Coisa Julgada – Processo Civil Coletivo – Secundum Eventum Probationis – Prova Nova.

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Mestrando em Direito Processual Civil na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Participante do Grupo de Pesquisa “Processo Coletivo: Modelo Brasileiro” liderado pelos professores Hermes Zaneti Jr. e Antonio Gidi. Advogado. 2 Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

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Abstract: The present work has the scope to study, within the collective procedural law, res judicata secundum eventum probationis as well as the possibility of revision of collective actions dismissed by the evidentiary weakness, with the presentation of a new evidence. Therefore, a normative analysis of the institution of res judicata will be taken, both within the individual process, as the collective process, always seeking to bring to light res judicata main features. After this, based on the Microsystem of Collective Process, composed especially, of the Laws of Civil Action, “Class Action”, and the Code of Consumer Protection, it will be sought-define the concept of res judicata secundum eventum probationis and how to establish a definition of "new evidence", in a broad perspective of this institute. Keywords: Res Judicata – Class Actions – Secundum Eventum Probationis – New Evidence. Sumário: 1. Introdução; 2. Linhas gerais sobre o regime jurídico da Coisa Julgada: conceito, natureza jurídica, limites objetivos, subjetivos e modo de produção; 3. Res Judicata no Processo Coletivo; 3.1. Normatização da Coisa Julgada Coletiva à luz do Microssistema do Processo Coletivo Brasileiro; 3.2. O Devido Processo Legal Coletivo e a dicotomia Interesse Público x Estabilidade Jurídica do Comando Sentencial; 4. A Coisa Julgada Secundum Eventum Probationis e a possibilidade de revisão judicial na hipótese de improcedência pela carência probatória; 5. O conceito de prova nova como elemento probatório potencialmente suficiente a alterar a sorte da lide coletiva; 6. Conclusão; 7. Referências bibliográficas.

1. Introdução.

Como cediço, o ordenamento jurídico pátrio, especificamente após a segunda metade do século XX, notadamente com a ascensão dos denominados direitos metaindividuais (também chamados de segunda e terceira geração), teve que se amoldar a nova realidade social apresentada, de modo que alterou e adequou, tanto em seu âmbito material, quanto processual, inúmeros dispositivos legais com o objetivo de tutelar os mais diversos recém-abarcados direitos coletivos lato sensu, característicos dessa nova sociedade globalizada, em que a figura da coletividade ganha cada vez mais espaço. Assim, especialmente no tocante ao direito processual, não poderia ser diferente quanto à sua necessidade de adaptação - dado o seu patente caráter instrumental em 2

relação ao direito material tutelado - de sorte que inúmeros institutos processuais tiveram que ser revistos, sobretudo porque, caso permanecessem intactos, seriam totalmente ineficazes frente às peculiaridades existentes nestes novos direitos sociais e coletivos emergentes. Destaquem-se, na presente obra, as alterações realizadas no contexto do instituto da coisa julgada, especificamente após a criação das Leis da Ação Popular, da Ação Civil Pública e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), as quais modificaram sobremaneira as suas características, sobrelevando-se o seu modo de formação, com a previsão da coisa julgada secundum eventum probationis, que, ante a relevância do bem jurídico coletivo tutelado, permite a revisão das ações coletivas julgadas improcedentes pela fragilidade probatória, na hipótese de apresentação das chamadas “provas novas”, de conceito ainda não consolidado na doutrina pátria. Dessa forma, com escopo de analisar detidamente as mais diversas características desta nova modalidade de coisa julgada, mormente a possibilidade de revisão judicial pela apresentação das ditas provas novas, abordaremos desde as linhas gerais sobre o regime jurídico da coisa julgada, perpassando pela sua normatização à luz do ordenamento jurídico pátrio, para, enfim, abordar a fundo a coisa julgada secundum eventum probationis e o conceito de prova nova para o processo coletivo. De curial relevância ressaltar que a presente obra não objetiva esgotar a temática em tela, sendo, por outro lado, uma tentativa de elucidação dos pontos alhures citados, de modo que deixaremos para outra oportunidade a abordagem das alterações dos demais institutos do direito processual coletivo, como, a título de exemplificação, a competência, legitimidade e processo executivo.

2. Linhas gerais sobre o regime jurídico da Coisa Julgada: conceito, natureza jurídica, limites objetivos, subjetivos e modo de produção.

A coisa julgada é tema importantíssimo no Processo Civil e vem sempre sendo posta em pauta em diversos debates jurídicos desde os tempos antigos até os dias de hoje. Isto não podia ser diferente, tendo em vista sua importância, uma vez que, proferida uma sentença, mesmo com os possíveis recursos a serem interpostos, chegará 3

um momento em que esta se tornará irrecorrível, ocorrendo, assim, seu trânsito em julgado. É exatamente neste momento que vem a tona a coisa julgada, a qual tem inclusive previsão constitucional, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI da Constituição Federal3. Dessa forma, podemos perceber, conforme ensinamentos de Eduardo Talamini, que a coisa julgada é um instituto que tem íntima ligação ao princípio da segurança jurídica, justamente pelo motivo de a res judiciata tornar indiscutível uma questão trazida ao Judiciário, garantindo, assim, estabilidade e segurança jurídica aos provimentos jurisdicionais4. Um dos primeiros juristas a tratar sobre o tema foi Guiseppe Chiovenda, segundo o qual a coisa julgada seria a eficácia da própria sentença, sendo que em respeito à ordem e segurança da vida em sociedade, a situação das partes decidida em sentença pelo juiz não poderia ser mais contestada5. Com o passar do tempo, novas teorias surgiram, sendo a desenvolvida por Enrico Tullio Liebman a que predominou na doutrina brasileira, inclusive a qual restou adotada em nosso Código de Processo Civil. Segundo o ilustre jurista italiano, a coisa julgada pode ser definida como “a imutabilidade do comando emergente de uma sentença”6, de modo que nada mais é do que uma qualidade da sentença que torna seus efeitos imutáveis e indiscutíveis. Embora seja esta a posição predominante, surgiram outras teorias que criticaram o posicionamento de Liebman7, das quais entendemos ser a mais correta a sustentada por Barbosa Moreira8, segundo o qual a coisa julgada é uma situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada material), quando esta for irrecorrível. 3

“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. TALAMINI, Eduardo. Coisa Julgada e sua Revisão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 50/51. 5 CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas. BookSeller, 1998. p. 452. 6 LIEBMAN, Enrico Tullio. Eficácia e Autoridade da Sentença. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 54. 7 Segundo Ovídio Baptista, seguidor da doutrina alemã de Hellwig, a imutabilidade só atinge a eficácia declaratória da sentença, diferentemente do que afirmava Liebman de que todas as cargas de eficácia da sentença são passíveis de gerar coisa julgada. (SILVA, Ovídio A. Batista. Sentença e Coisa Julgada: Ensaios e Pareceres. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 74/75). 8 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Coisa Julgada e sua Declaração. Revista dos Tribunais, Ano 60, v. 429. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971, p. 26/27. Na mesma linha de raciocínio vide o escólio de Alexandre Câmara. (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Procesual Civil. 22ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2012, p. 479/480). 4

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Uma vez instituído o conceito e a natureza jurídica da res judiciata, passemos a tratar de seus limites, objetivos e subjetivos, os quais tem grande importância no âmbito do processo coletivo, principalmente quanto aos limites subjetivos, onde encontraremos peculiaridades que trataremos no decorrer deste trabalho. Quanto aos limites objetivos, somente se submeterá a coisa julgada o dispositivo da sentença, sendo admitido que os fundamentos da decisão venham a ser novamente discutidos em outro processo9. Nesse ponto, a coisa julgada coletiva assemelha-se a coisa julgada individual, seguindo-se naquela a regra geral. Já quanto aos limites subjetivos, a coisa julgada pode ser inter partes, ultra partes ou erga omnes e, como já dito, esta divisão é de extrema importância para a perfeita compreensão da coisa julgada nos processos coletivos. A coisa julgada inter partes é aquela que vincula somente as partes, não vindo a atingir terceiros, somente aqueles que serão beneficiados ou prejudicados pela mesma. Esta é a regra geral para os processos individuais, encontrando-se disposta no artigo 472 do Código de Processo Civil Brasileiro10. A coisa julgada ultra partes, a seu turno, atinge não só as partes do processo, mas também terceiros determinados, A título de exemplificação, têm-se os processos em que há substituição processual, em que o substituído, malgrado não ser parte no processo, será atingido pelos efeitos da coisa julgada. Finalmente, quanto à coisa julgada erga omnes, como o próprio nome já diz, é aquela que atinge a todos, sem nenhuma exceção, atingindo até aqueles que não tenham participado do processo. Maior exemplo desta res judiciata é aquela que advém dos processos de controle concentrado de constitucionalidade. Tratando sobre o modo de produção, existem três tipos de coisa julgada: a pro et contra, a secundum eventum litis e a secundum eventum probationis, sendo necessário nesse momento tecer linhas preliminares sobre a temática, principalmente sobre a coisa

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NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil . São Paulo: Método, 2012. p. 538. 10 “A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros”.

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julgada secundum eventum probationis, para que mais a frente essa seja abordada à luz do processo coletivo. A primeira delas, a coisa julgada pro et contra é a regra geral nos processos individuais, tendo sua origem nos ensinamentos de Chiovenda, o qual afirmava que a coisa julgada se opera “inter partes et pro et contra”11, ou seja, essa espécie de coisa julgada se forma independentemente do resultado do processo, seja ele julgado procedente ou improcedente12. A coisa julgada secundum eventum litis é aquela que poderá se formar ou não dependendo do resultado do processo, conforme prescrito em lei, podendo se dar somente em caso de procedência ou improcedência, por exemplo. Já a coisa julgada secundum eventum probationis, detalhadamente analisada na sequência, é aquela, com base nas lições de Freddie Didier Jr, e Hermes Zaneti Jr, que só se formará caso ocorra esgotamento das provas, ou seja, caso sejam exauridos todos os meios de provas possíveis13. Dessa maneira, fixadas estas premissas gerais sobre instituto da coisa julgada, faz-se necessário, para que compreendamos a coisa julgada secundum eventum probationis e a possibilidade de revisão de decisão por prova nova, uma análise da coisa julgada coletiva à luz do ordenamento jurídico brasileiro.

3. Res judicata no processo civil coletivo. 3.1. Normatização da Coisa Julgada coletiva à luz do Microssistema do Processo Coletivo Brasileiro. 11

CHIOVENDA, Guiseppe. Instituições de Direito Processual Civil. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1. p. 463. 12 DIDIER JÚNIOR, Fredie Souza. Cognição, construção de procedimentos e coisa julgada: os regimes de formação da coisa julgada no direito processual civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 58, 1 ago. 2002, p. 1. Disponível em: . Acesso em: 29 maio 2014. 13 DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2014. v. 4, p. 334 e 335. Na realidade, nos casos de coisa julgada secundum eventum probationis não ocorre o enfrentamento do mérito, pois segundo ensinamentos de Kazuo Watanabe a própria cognição é secundum eventum probationem, isso porque a matéria debatida e conhecida tem condicionamento quanto à profundidade de cognição que se alcançará com o conjunto probatório ou ainda por motivo de política legislativa, possibilita-se que haja uma mitigação da eficácia preclusiva da coisa julgada material. (WATANABE, Kazuo. Da Cognição no processo Civil. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 121).

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Analisando o ordenamento jurídico brasileiro quanto à tutela dos direitos coletivos, mais precisamente quanto à coisa julgada, temos diversas legislações especiais regulando o assunto, com destaque para a Lei Popular (Lei 4.717/65), Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85) e, principalmente, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), que juntas com outras legislações pertinentes aos direitos transindividuais (Lei de Improbidade Administrativa, Lei do Mandado de Segurança Coletivo e etc.) formam o denominado Microssistema do Processo Coletivo, cuja existência, inclusive, já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ)14. Tal microssistema tem como característica principal e especial, como leciona o renomado professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Rodrigo Mazzei, a interpenetração entre as diversas legislações que o formam, possibilitando, assim, uma reunião intercomunicante não somente das regras gerais, como ocorre na maioria dos microssistemas, mas também de regras e institutos específicos, como é o caso da coisa julgada15. Assim, vejamos o que dispõe o artigo 103 do CDC, o qual funciona como regra geral do microssistema da tutela coletiva16: Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; 14

“A lei de improbidade administrativa, juntamente com a lei da ação civil pública, da ação popular, do mandado de segurança coletivo, do Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente e do Idoso, compõem um microssistema de tutela dos interesses transindividuais e sob esse enfoque interdisciplinar, interpenetram-se e subsidiam-se (...)”. (STJ – Resp nº 510.150/MA, 1ª T., Rel. Min. Luiz Fux, j. 17.2.2004.). 15 “A concepção do microssistema jurídico coletivo deve ser ampla, a fim de que o mesmo seja composto não apenas do CDC e da LACP, mas de todos os corpos legislativos inerentes ao direito coletivo, razão pela qual diploma que compõe o microssistema é apto a nutrir carência regulativa das demais normas, pois, unidas, formam sistema especialíssimo”. (MAZZEI, Rodrigo Reis. A ação popular e o microssistema da tutela coletiva. In: DIDIER JR., Fredie Souza. MOUTA, José Henrique. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Tutela Jurisdicional Coletiva. Salvador: Juspodivm, 2009. p. 373-395). 16 “A disciplina comum das ações coletivas no Brasil encontra-se, portanto, estabelecida no Título III do CDC, que representa, por ora, o ‘Código Brasileiro de Processos Coletivos’. Chega-se a essa conclusão, como foi visto, pela interpretação sistemática entre as regras do art. 21 da LACP e o do art. 90 do CDC.” (DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 46). No mesmo sentido, entende Gregório Assagra de Almeida que o artigo 103 do CDC atua como “norma de superdireito processual coletivo comum”. (ALMEIDA, Gregório Assagra de. Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um novo ramo do direito processual. São Paulo: Saraiva. 2003. p. 379).

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II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. Para uma análise mais didática do artigo, devemos separá-lo de acordo com seus incisos, os quais tratam, individualmente, dos direitos difusos (CDC, Art. 103, I), direitos coletivos strictu sensu (CDC, Art. 103, II) e direitos individuais homogêneos (CDC, Art. 103, III). Quanto à coisa julgada nas ações que versam sobre direitos difusos (inciso I) e coletivos (inciso II), estabeleceu-se a regra da coisa julgada secundum eventum probationis, sendo que a única diferença existente entre estes é quanto a seus limites subjetivos, optando-se pela coisa julgada erga omnes para os direitos difusos e ultra partes quanto aos direitos coletivos17. Vale destacar que essa regra já havia sido prevista anteriormente no ordenamento normativo pátrio, demonstrando, assim, ser essa uma característica dos processos coletivos. Senão vejamos o que dispõe, respectivamente, o artigo 16 da Lei da Ação Civil Pública e artigo 18 da Lei da Ação Popular: Art. 16: A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova. Art. 18. A sentença terá eficácia de coisa julgada oponível "erga omnes", exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.

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Os doutrinadores Freddie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. apontam a importância da quanto aos limites subjetivos dos direitos difusos e coletivos strictu sensu: “Bem pensadas as coisas, a coisa julgada erga omnes ou ultra partes porque a situação jurídica litigiosa é coletiva. Como se trata de situação jurídica titularizada por um grupo, todo o grupo, e por consequência seus membros fica vinculado à coisa julgada. A coisa julgada diz respeito apenas à relação jurídica discutida, que, pelas suas peculiaridades, é uma relação jurídica de grupo. A premissa ajuda a compreender a razão pela qual a distinção entre ultra partes e erga omnes, no caso, é um tanto cerebrina: a coisa julgada atingirá todo o grupo e seus membros: se o grupo é composto por pessoas indetermináveis, direito difuso, ou se ele é composto por pessoas determináveis, direitos coletivos, é dado sem maior importância, pois a coisa julgada sempre vinculará o grupo e seus membros, de toda sorte, como referimos, trata-se de parâmetro legal. (DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 336)

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Ressalva a ser feita é de que só é possível reexame por prova nova em caso de insuficiência de provas, de modo que, caso a decisão seja de procedência ou improcedência com esgotamento do conteúdo probatório, não é possível revisão, conforme brilhante escólio do atual Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Albino Zavascki18. Assim percebemos que, diferentemente do que grande maioria da doutrina processualista brasileira adota19, a coisa julgada coletiva é secundum eventum probationis e não secundum eventum litis. Isto porque, nas palavras de Antonio Gidi20, a coisa julgada somente será secundum eventum litis apenas quanto à sua extensão subjetiva, unicamente para beneficiar os titulares dos direitos individuais. Já a coisa julgada nos processos que versam sobre direitos individuais homogêneos (CDC, Art. 103, III) quanto aos limites subjetivos, será erga omnes somente quando houver procedência do pedido, beneficiando as vítimas e seus sucessores. Entretanto, não há no aludido inciso uma regulamentação quanto à coisa julgada coletiva e a possibilidade aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis. Dessa forma, em que pese o entendimento da doutrina majoritária que adota uma interpretação literal do artigo21, acreditamos ser mais adequado ao caso em tela a aplicação da mesma regra prevista nos incisos I e II, quanto aos direitos difusos e 18

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 79. 19 Nesse Sentido: LEONEL, Ricardo de Barros. Manual do processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 266; MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores: (Lei 7.347/85 e legislação complementar). 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 391; MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 18ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 492/493. 20 “Rigorosamente, a coisa julgada nas ações coletivas do direito brasileiro não é secundum eventum litis. Seria assim, se ela se formasse nos casos de procedência do pedido, e não nos de improcedência. Mas não é exatamente isso o que acontece. A coisa julgada sempre se formará, independentemente de o resultado da demanda ser pela procedência ou pela improcedência. A coisa julgada nas ações coletivas se forma pro et contra. (...) O que diferirá com o ‘evento da lide’ não é a formação ou não da coisa julgada mas o rol de pessoas por ela atingidas. Enfim, o que é secundum eventum litis não é a formação da coisa julgada, mas a sua extensão ‘erga omnes’ ou ‘ultra partes’ à esfera jurídica individual de terceiros prejudicados pela conduta considerada ilícita na ação coletiva” (GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 73-74). 21 Nesse sentido: LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 286; GRINOVER, Ada Pelegrini. Código de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 5ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 1998, p. 926.

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coletivos strictu sensu, respectivamente, ou seja, exceção quanto a possibilidade de revisão por prova nova, em caso de ter sido a causa julgada improcedente por insuficiência de provas. Isso porque as demandas decorrentes de direitos individuais homogêneos devem ser consideradas como verdadeiras ações coletivas e não como uma demanda individual tutelada coletivamente, pois esses direitos pertencem a grupo fictício de indivíduos22. Assim, após uma análise da coisa julgada coletiva, à luz, principalmente, do Código de Defesa do Consumidor, usado como norte no processo coletivo, pode-se perceber que esta é secundum eventum probationis, ou seja, em caso de improcedência do pedido por falta de provas, possibilita-se o reexame, na hipótese de apresentação de prova nova.

3.2. O Devido Processo Legal Coletivo e a dicotomia Interesse Público x Estabilidade Jurídica do Comando Sentencial na Coisa Julgada secundum eventum probationis.

Após exposição da coisa julgada coletiva no ordenamento jurídico brasileiro, faz-se necessário para que entendamos a opção pela coisa julgada secundum eventum probationis, uma análise de suas justificativas e motivações, começando pela particularidade do due process of law no processo coletivo. O devido processo legal necessita ser adaptado à realidade e peculiaridades do processo coletivo, uma vez que não existe aplicabilidade prática e teórica se fosse feita uma simples transposição do devido processo legal no processo individual para o processo coletivo23. Isso porque estamos tratando no processo coletivo de relações jurídicas diferenciadas, onde o número de pessoas abrangidas pode ser enorme, somando-se a

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GIDI, Antônio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: As ações coletivas e uma perspectiva comparada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 286/287; DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 338. 23 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e a Coisa Julgada: teoria geral das ações coletivas. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 286.

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isso o fato de que as matérias tratadas em sede coletiva tem largo espectro social, como por exemplo, meio ambiente, relações de consumo e ordem econômica24. Vale destacar que essa problemática já havia sido percebida por juristas como Mario Cappelletti, o qual foi o criador do chamado “devido processo social”, que nada mais é do que o devido processo legal visto sob a ótica da sociedade de consumo e da sociedade de produção em massa25. Dessa maneira, é necessário que diversos institutos (legitimidade, competência, coisa julgada etc.), dentro do processo civil coletivo tenham regramento próprio para que possam se adaptar às peculiaridades deste, valendo destacar que a legislação brasileira já possui avançado posicionamento quanto ao tema, mas muito ainda tem-se para evoluir. Nessa esteira, um dos institutos que tiveram de ser adaptados ao processo coletivo brasileiro, como dito, foi a coisa julgada (artigo 18 da Lei 4.717/65, artigo 16 da Lei 7.347/85 e artigo 103 da Lei 8.078/90), especialmente ante o surgimento dos denominados “direitos metaindividuais”, também chamados de direitos de terceira geração, característicos da segunda metade do século XX, ligados a valores como fraternidade e solidariedade26. Dessa forma, analisando especificadamente a coisa julgada quanto ao seu modo de produção no processo coletivo, esta teve de sofrer uma pequena alteração. No processo individual a res judicata se forma pro et contra, ou seja, independentemente do resultado, já no processo coletivo a coisa julgada também se forma pro et contra, entretanto com as peculiaridades da coisa julgada secundum eventum probationis, a qual possibilita a reanalise da demanda em caso de prova nova, conforme previsto no microssistema da tutela coletiva. Nesse momento, surge um entrave: de um lado estão a segurança e a estabilidade jurídica dos comandos judiciais, as quais obviamente são afetadas com essa possibilidade de revisão da decisão por prova nova, pois colocaria o polo passivo do 24

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e a Coisa Julgada: teoria geral das ações coletivas, p.284. 25 CAPPELLETTI, Mauro. Formazioni social e interessi di grupp davanti ala giustizia civile. Rivista di Diritto Processuale, n. 3, 1975, p. 365. 26 GIDI, Antônio. Coisa Julgada e Litispendência em Ações Coletiva, p. 57/58. No mesmo sentido: MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 4ª ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2005, p. 705.

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processo em situação de delicadeza e vulnerabilidade, tendo em vista que uma situação jurídica já decidida pelo Judiciário poderá ser reanalisada, podendo ser outra a decisão27. Por outro lado, temos o interesse público e o valor de justiça presentes nos processos coletivos, uma vez que nas ações coletivas, em sua grande maioria, defendem-se direitos da coletividade, perante os quais se tem interesse público. A título de exemplificação, cite-se o caso de uma ação civil pública que verse sobre danos à Floresta Amazônica, em que, evidentemente, há um interesse de toda a sociedade, de modo que se abre essa exceção, possibilitando uma reanalise em caso do surgimento de uma prova nova. Alia-se a isso, o fato de que, como cediço, as ações coletivas são propostas muitas das vezes dentro de um âmbito regional ou nacional, o que por si só dificulta produção de provas. Assim, essa possibilidade de reexame por prova mostrar-se-ia adequada, pois nem sempre na instrução probatória conseguiríamos produzir e analisar todas as provas existentes. Valendo destacar que essa mesma lógica, quanto à dimensão territorial dos processos coletivos, é utilizada para determinação da competência fórum shopping28. Por todos esses motivos, não há qualquer dúvida de que a opção da coisa julgada secundum eventum probationis veio a prestigiar o valor de justiça e o Interesse Público em detrimento do valor de segurança jurídica29, sendo esta posição acertada por parte do nosso legislador. Estabelecidas estas considerações iniciais sobre a coisa julgada secundum eventum probationis, notadamente as justificativas teóricas, passa-se a uma análise mais pormenorizada sobre o assunto, especificamente a possibilidade de revisão judicial das demandas coletivas nos casos de julgamento de improcedência pela fragilidade probatória, com a apresentação das denominadas “provas novas”.

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ZANETI JR., Hermes. O “Novo” Mandado de Segurança Coletivo. Salvador: Juspodivm, 2013, p.246/247. 28 DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 105/107. 29 DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 336.

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4. A Coisa Julgada Secundum Eventum Probationis e a possibilidade de revisão judicial na hipótese de improcedência pela carência probatória.

Conforme amplamente demonstrado na presente obra, verifica-se de forma incontestável que o Direito Processual Civil, face o latente surgimento de novas necessidades sociais, aliada a um inexorável aperfeiçoamento da ciência jurídica, vem sofrendo com o passar do tempo por um processo de constante adaptação, notadamente em razão do influxo da onda de Acesso à justiça dos denominados direitos coletivos e metaindividuais30 - característica da segunda metade do século passado - que o fazem continuamente reciclar os seus mais relevantes institutos31. Nesta esteira, consoante sobredito, não poderia ser diferente no tocante à coisa julgada, a qual, a partir do advento do denominado microssistema do processo coletivo, reformulou-se diante do processo civil tradicional (individual), ganhando, no contexto do processo coletivo, uma nova feição no concernente ao seu modo de formação, bem assim no que pertine à extensão de seus efeitos. Desse modo, surgiram, respectivamente, as denominadas coisa julgada secundum eventum probationis e secundum eventum litis, que, à luz de suas características e definições, integram esta nova sistemática processual civil brasileira com o escopo de possibilitar, cada vez mais, que haja uma tutela verdadeiramente eficaz dos inúmeros bens jurídicos coletivos existentes. Destaque-se no presente trabalho a coisa julgada secundum eventum probationis32, cujo regime jurídico, para um melhor entendimento, está categoricamente estabelecido no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor. Confira-se:

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MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e a Coisa Julgada: teoria geral das ações coletivas, p. 301. 31 Nas palavras de Adalgiza Paula Oliveira Mauro, tal necessidade de adaptação ocorre “porque quando se fala em direitos difusos e coletivos, esbarra-se na indivisibilidade do objeto, na titularidade pulverizada, muitas vezes até mesmo indeterminável dos sujeitos, fatores que, quando não dificultam, impedem o acesso à tutela jurisdicional.” (MAURO, Adalgiza Paula Oliveira. Limites Subjetivos da Coisa Julgada nas Ações Coletivas. Revista de Processo. v. 124, Jun/2005, p. 214). Neste mesmo sentido: DOS SANTOS, Ronaldo Lima. Amplitude da Coisa Julgada nas Ações Coletivas. Revista de Processo. v. 14, Dez/2006, p. 43. 32 Salienta-se que existe uma divergência doutrinária no tocante à (in)constitucionalidade da previsão da coisa julgada secundum eventum probationis. Defendendo a tese da inconstitucionalidade, destaca-se o festejado processualista José Rogério Cruz e Tucci, que sustenta uma violação ao princípio da isonomia, dado que este sistema demonstra uma proteção maior dos autores da ação em detrimento dos réus. (CRUZ

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Art. 103. Nas ações coletivas de que trata este código, a sentença fará coisa julgada: I - erga omnes, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com idêntico fundamento valendo-se de nova prova, na hipótese do inciso I do parágrafo único do art. 81; II - ultra partes, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe, salvo improcedência por insuficiência de provas, nos termos do inciso anterior, quando se tratar da hipótese prevista no inciso II do parágrafo único do art. 81; III - erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese do inciso III do parágrafo único do art. 81. Com base em tal dispositivo, observa-se que o legislador optou por estabelecer que naquelas hipóteses em que as ações que tutelam direitos difusos e coletivos stricto sensu (incisos I e II) forem julgadas improcedentes33, haverá a possibilidade de revisão judicial

desta

demanda34,

quando,

(a)

além

da

improcedência

decorrer

fundamentalmente da ausência ou fragilidade do arcabouço probatório35, (b) o legitimado obrigatoriamente esteja munido de prova nova36. Desta análise, a contrario sensu, extrai-se claramente o conceito de coisa julgada segundum eventum probationis, que, nas palavras dos ilustres processualistas Hermes Zanetti Jr. e Freddie Didier Jr.37, pode ser definida como aquela que somente se configura com o esgotamento das provas, seja no julgamento de procedência - quando sempre haverá esgotamento das provas -, seja no julgamento de improcedência - quando houver suficiência probatória.

e TUCCI, José Rogério. Limites Subjetivos da sentença processual civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 121/122). Lado outro, constata-se uma doutrina majoritária a favor da constitucionalidade, representada por Daniel Assumpção Amorim Neves, com arrimo na ideia de que “não seria justo impingir a toda uma coletividade, em decorrência de uma falha na condução do processo, a perda definitiva de seu direito material. A ausência da efetiva participação dos titulares do direito em contraditório é fundamento suficiente para defender essa espécie de coisa julgada material.” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, p.554). 33 Conforme já dito, perfilhamos o entendimento de que vacilou o legislador ao não ter previsto a coisa julgada secundum eventum probationis às demandas que tratam de direitos individuais homogêneos (inciso III), haja vista que, malgrado muitos doutrinadores entenderem que tais ações são individuais, somente sendo tuteladas coletivamente, partimos da premissa de que tais ações são deveras dotadas de caráter coletivo, eis que a pretensão discutida pertence, abstrata e genericamente, a um grupo de indivíduos. 34 Os legitimados encontram-se previstos no artigo 82 do Código de Defesa do Consumidor. 35 É de se ressaltar, como já destacado, que esta conclusão também pode ser defluida dos artigos 16 da LACP (“exceto se o pedido for julgado improcedente por falta de provas”) e 18 da LAP (“exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova”), o que demonstra, inarredavelmente, a coerência sistêmica no tocante à regulamentação do processo civil coletivo brasileiro. 36 Ponto chave da presente da obra, a seguir conceituada. 37 DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 336.

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Vislumbra-se, assim, que a coisa julgada segundum eventum probationis produzirá unicamente seus efeitos naqueles casos em que a análise jurisdicional do litígio coletivo estiver baseada em um conjunto probatório insuscetível de ser elidido por qualquer elemento probante inédito que, eventualmente, venha a ser descoberto e posto novamente em Juízo para reanálise38. Nestes termos, no âmbito da tutela jurisdicional coletiva, verifica-se, nas palavras do eminente processualista Elton Venturi, que a autoridade da coisa julgada material encontra-se relativizada, eis que sempre incidente nos casos de julgamento de procedência da ação coletiva e sempre ausente quando das situações de improcedência derivada da deficiência ou insuficiência das provas produzidas39. À luz deste panorama, portanto, mormente considerando que esta prova supervenientemente conhecida deve ser dotada de força probante suficiente a ensejar um novo juízo de direito acerca da causa, pode-se afirmar indubitavelmente que o escopo da inserção da coisa julgada secundum eventum probationis ao ordenamento pátrio teve como norte, além de privilegiar o valor justiça em detrimento do valor segurança, afastar qualquer possibilidade de ajuste processual fraudulento40. Neste contexto, é importante a observação de que a modalidade de coisa julgada em tela terá muito mais utilidade naquelas causas coletivas em que, em razão de seus meios de produção de prova estarem amplamente interligados a uma questão tecnológica, o aperfeiçoamento da ciência ensejará a comprovação de novos fatos que outrora seriam impossíveis de serem revelados, como no caso das ações que versam sobre direito ao meio ambiente, bem como o direito à saúde41. Com tais premissas em mente, inarredável a ilação de que, nas hipóteses de ações coletivas julgadas improcedentes pela insuficiência ou ausência de provas, não 38

GRINOVER, Ada Pelegrini. WATANABE. Kazuo. MULLENIX, Linda. Os processos coletivos nos países de civil law e common law: uma análise de direito comparado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.245. 39 VENTURI, Elton. Processo Civil Coletivo: A tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos no Brasil. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 451. 40 Neste mesmo sentido, a seguinte exemplificação dada por Alexandre Freitas Câmara: “Pense-se, por exemplo, numa ‘ação popular’ proposta em conluio entre o demandante e um governante que tivesse praticado um ato ilegal e lesivo ao patrimônio público, na qual o demandante, propositadamente, não apresentasse provas suficientes para demonstrar a veracidade de suas alegações. A sentença que rejeitasse o pedido faria coisa julgada erga omnes, impedindo que qualquer outro membro da coletividade, ainda que de posse de novas provas, atacasse aquele ato. Por esta razão, mostra-se fundamental a utilização do sistema aqui descrito.” (CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Procesual Civil. p. 480). 41 DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p. 337.

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ocorrerá a formação da coisa julgada material, uma vez que, na esteira dos ensinamentos de grandes doutrinadores, como Hugo Nigro Mazzili42, Marcelo Abelha43 e Alexandre Câmara44, os efeitos da imutabilidade e indiscutibilidade do conteúdo sentencial - exclusivos da coisa julgada material - são inconciliáveis com a possibilidade de revisão judicial pela propositura de nova ação com os mesmos elementos (partes, causa de pedir e pedidos) da demanda inicialmente proposta45. Com efeito, a posterior ação deflagrada destituída de prova nova deve sempre ser extinta sem resolução de mérito, tendo em vista a existência do pressuposto processual negativo da coisa julgada, a teor do que dispõe o art. 267, V, do CPC, que vedará a reanálise da questão coletiva posta em Juízo. Neste diapasão, cumpre trazer à baila uma importante dissensão doutrinária acerca da necessidade ou não de o juiz, no momento da prolação da sentença, ter que explicitar na fundamentação ou no dispositivo da sentença que a improcedência do pedido decorreu da insuficiência ou ausência de provas. Tal divergência se faz relevante, haja vista que, dependendo do entendimento adotado, haverá repercussão direta na formação do conceito de “prova nova”, instituto de extrema importância na presente obra, que doravante será analisado. Primeiramente, registre-se que a corrente restritiva, defensora da exigência em se consignar a circunstância da ausência ou insuficiência de provas na sentença, pautase no raciocínio de que, por se tratar de uma exceção à regra geral da coisa julgada material, imprescindível que o magistrado indique a questão probatória como motivação

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MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses, p. 427. 43 RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, vol. 2, p. 327. 44 CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Procesual Civil. p. 481. 45 Em sentido contrário, o entendimento do eminente processualista Daniel Assumpção Amorim Neves, para quem, nestas situações, ocorrerá sim coisa julgada material, nada obstante os seus efeitos da imutabilidade e indiscutibilidade estejam integralmente condicionados à inexistência de prova nova que possa fundamentar a nova demanda. Em outras palavras, a sentença será dotada de coisa julgada material até que se apresente em Juízo prova nova suficiente a alterar o resultado da demanda. Assim, lança a seguinte indagação: “Como deverá o juiz proceder ao receber uma petição inicial de um processo idêntico a um processo anterior decidido nessas condições, em que o autor não indica qualquer prova nova para fundamentar sua pretensão, alegando tão somente não ser possível suportar a extrema injustiça da primeira decisão. Sem ao menos indícios de que existe uma prova nova, ainda que o fundamento da primeira decisão tenha sido a insuficiência ou ausência de provas, poderá o juiz dar continuidade ao processo?” (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, p. 555).

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da improcedência, sendo que, do contrário, operar-se-á a coisa julgada material como tradicionalmente é conhecida46. A doutrina não restritiva, por sua vez, reconhecidamente majoritária neste aspecto, com a qual, inclusive, concordamos, sustenta a desnecessidade em constar na sentença tais circunstâncias, uma vez que a fragilidade probatória da primeira ação proposta somente poderá ser verdadeiramente evidenciada quando do ajuizamento de uma nova demanda, munida de elementos probatórios novos, suficientes a eventualmente resultar na alteração do resultado jurisdicional. Tal corrente é corroborada pela ideia de que, em alguns casos, o juiz julga improcedente não por entender que realmente faltam ou inexistem provas para a procedência, mas porque o arcabouço probatório posto em Juízo naquele momento não era tão robusto como poderia ser em outra oportunidade futura, notadamente naqueles casos em que a evolução tecnológica permite a criação de meios probatórios mais eficazes. Nesta mesma esteira, o brilhante escólio do renomado processualista Antonio Gidi, para quem, à luz de uma análise comparativa com o sistema jurídico norteamericano, considera ineficaz e indevida a exigência de que o magistrado registre expressa ou tacitamente a fragilidade probatória dos autos, haja vista que, na maioria das vezes, impossível que o mesmo, no momento da prolação da sentença, tenha a certeza de que alguma prova nova deixou de lhe ser apresentada, sobretudo pela rápida evolução dos meios tecnológicos existentes47.

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NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, p. 556. Perfilhando tal entendimento: MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Jurisdição Coletiva e a Coisa Julgada: teoria geral das ações coletivas, p. 318; ALVIM, José Manoel de Arruda. Código do Consumidor comentado. 2ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 464. 47 “De acordo com a maioria dos juristas brasileiros, para que a ação coletiva não transite em julgado por falta de provas, é imperativo que o juiz reconheça expressamente na sua fundamentação que julga por insuficiência de provas (...) Todavia, na maioria dos casos o juiz não terá como saber que alguma prova relevante não lhe foi apresentada. Como visto, é regra estabelecida no direito processual civil americano que um juiz não está em condições de determinar o efeito de coisa julgada das suas próprias decisões. Seguindo esta sábia norma, o direito brasileiro deve ser interpretado de forma a não exigir que o juiz expressa ou implicitamente reconheça a falta de prova. Portanto, segundo pensando, se a qualquer momento depois da decisão uma nova prova for descoberta que possa alterar a decisão do caso, a ação coletiva poderá ser reproposta. Essa interpretação liberal é imperativa para que a norma seja efetiva na prática e não seja indevidamente limitada por uma exigência que não está na lei nem deriva do bom senso.” (GIDI, Antônio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: As ações coletivas e uma perspectiva comparada, p. 285/286).

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Por todas estas razões, à luz da incidência da coisa julgada secundum eventum probationis, não há dúvidas de que caso uma demanda primeiramente ajuizada, v.g., por uma associação, for julgada improcedente com base em falta de provas, faz-se permitido a outro co-legitimado – por exemplo, o Ministério Público – ajuizar nova ação coletiva, desde que, como dito, apresente as referidas provas novas. Outrossim, o mesmo raciocínio se aplica ao caso que a improcedência tenha sido justificada no convencimento do Juízo, com base no arcabouço probatório, de que carecem de razão as pretensões do titulares do direito coletivo tratado, de sorte a estar vedada, nesta hipótese, o ajuizamento de nova demanda por qualquer dos colegitimados48. Fixado, assim, o conceito da coisa julgada secundum eventum probatinis¸ subsiste-se a análise do conceito da denominada “prova nova”, cuja definição, malgrado ser um instituto reconhecidamente de extrema relevância para o processo civil coletivo brasileiro, deixou de ser abordada pelo legislador pátrio, relegando-se, assim, à doutrina a incumbência de estabelecer os seus contornos.

5. O conceito de prova nova como elemento probatório potencialmente suficiente a alterar a sorte da lide coletiva.

Trata-se do ponto nodal da presente obra, eis que pela leitura do artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, já comentado, estamos diante de requisito indispensável para a revisão judicial daquelas demandas coletivas lato sensu julgadas improcedentes pela carência probatória. De início, registre-se que não há um consenso doutrinário sobre os limites do conceito de “prova nova”, existindo, neste contexto, tanto uma corrente restritiva sobre o assunto – limitando aos elementos probatórios produzidos somente após a análise da primeira ação julgada improcedente - quanto uma vertente abrangente, com a qual coadunamos entendimento, que preleciona ser desimportante o momento de produção

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KLIPPEL, Rodrigo. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Comentários à Tutela Coletiva (Lei de Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Popular) Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 200, p. 102.

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do instrumento probante, mas, sim, a sua potencialidade de alteração da resposta jurisdicional da demanda coletiva. Pois bem. Partindo das premissas estabelecidas até o presente momento, em que pese existir uma corrente limitativa sobre o tema, como dito acima, não poderíamos deixar de fixar o conceito de “prova nova” senão como aquele elemento probatório inédito ao Juízo, produzido antes, durante ou depois da propositura da primeira ação julgada improcedente, dotado de uma força probante suficiente a gerar na mente do julgador, minimamente, uma aparência de êxito à nova ação deflagrada49. Em outros termos, não se pode confundir, como a corrente restritiva busca propagar50, o conceito de “prova nova” com as denominadas “provas supervenientes”, eis que, como se observa, é irrelevante para a sua admissibilidade o momento da produção probatória (se preexistente, contemporânea ou posterior), mas, sim, unicamente, se a mesma é capaz de gerar ao Poder Judiciário uma expectativa de alteração do resultado jurisdicional da demanda superveniente proposta51. Nas palavras do mestre Arruda Alvim, "a ideia de 'nova prova' pode ser contemporânea ao fato probando e não provado, como, também, pode ser posterior. Mas parece que é necessário que essa 'nova prova' possa aparentar o êxito da ação coletiva.

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Nesta esteira, o seguinte ensinamento de Antonio Gidi: “Ao contrário do que ocorre com a necessidade de apresentar "documento novo" nas ações rescisórias, não é necessário demonstrar que a prova era préexistente, ou que se ignorava sua existência ou que não se pôde fazer uso dela no processo original. A mera apresentação da nova prova é suficiente para a reabertura do processo. A nova prova pode, inclusive, derivar de um desenvolvimento da ciência. Igualmente, ao contrário do que ocorre com o 'documento novo' nas ações rescisórias, a nova prova não precisa ser capaz, por si só, de assegurar pronunciamento favorável ao grupo. Todavia, ela deve ser suficientemente relevante para justificar a possibilidade de um resultado diferente. O juiz da segunda ação deverá avaliar todas as provas disponíveis nos autos, inclusive aquelas consideradas insuficientes na ação anterior. Todavia, o juiz da segunda ação não deve rejulgar a causa, desconsiderando a decisão anterior: ele somente poderá alterar o resultado obtido na primeira ação coletiva, se autorizado pela nova prova apresentada.” (GIDI, Antônio. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos: As ações coletivas e uma perspectiva comparada, p. 286). 50 Nos trabalhos para elaboração do Anteprojeto de Código de Modelo de Processos Coletivos para a Íbero-América, entenderem Ada Pelegrini e Kazuo Watanabe que as provas que já poderiam ter sido produzidas, mas não foram, ficam acobertadas pela eficácia preclusiva da coisa julgada. Concluem, assim, que fato novo seria, portanto, fato superveniente, regra esta encontrada no artigo 12, §1º do Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. 51 Nesta linha de raciocínio, a brilhante lição de Freddie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr: “Somente a prova capaz de levar a um ‘diferente resultado’ é hábil a ultrapassar o juízo de admissibilidade da ação coletiva re-proposta.”. (DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p.337).

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Ou, é preciso que o juiz disso se convença, in limine litis, ainda que, por certo, possa vir a julgar improcedente a segunda ação também"52 E arremata, em outra oportunidade: “o significado de nova prova não é o de uma prova surgida ulteriormente ao termino da ação civil coletiva julgada improcedente, senão que essa prova, conquanto existente ou mesmo pré-existente a essa ação civil coletiva julgada improcedente, nela não foi apresentada.53”. Neste mesmo sentido, velejam os ensinamentos do renomado processualista Daniel Neves, para quem “o que interessa não é se a prova existia ou não à época da demanda coletiva, mas se foi ou não apresentada durante seu trâmite procedimental; será nova porque, no tocante à pretensão do autor, é uma novidade, mesmo que, em termos temporais, não seja algo recente. 54”. Por fim, quanto ao momento de apresentação das aludidas “provas novas”, tratando-se, como já falado, de requisito de admissibilidade da demanda coletiva55, deflui-se do texto legal que as mesmas devem ser mencionadas pelo autor no bojo da peça vestibular, fazendo o magistrado, diante da exordial, uma juízo da probabilidade em relação à força das mesmas sobre o resultado jurisdicional da lide, na medida em que somente conseguirá exercer uma cognição exauriente quanto a isto durante a fase instrutória do procedimento, oportunidade em que serão produzidas, com a ressalva, por obvio, das provas documentais56. Diante de todo o exposto, verifica-se que o Código de Defesa do Consumidor, aliado às demais legislações que versam sobre o tema, possibilitaram, a toda evidência, com a aplicação da coisa julgada secundum eventum probationis, a revisão judicial das demandas coletivas julgadas improcedentes pela fragilidade probatória, unicamente 52

ALVIM, José Manoel de Arruda. Tratado de Direito Processual Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. vol. 2,p. 153). 53 “(...) O adjetivo nova, portanto, quer significar, apenas, novidade em relação à ulterior ação civil coletiva, igual à precedente, julgada improcedente por insuficiência de prova” (ALVIM, José Manoel de Arruda. Notas sobre a coisa julgada coletiva. RePro. v. 57,1997, p. 31). 54 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil, p. 557. Neste mesmo sentido: RODRIGUES, Marcelo Abelha. Ação Civil Pública e Meio Ambiente. 2ª ed. São Paulo: Forense Universitária, 2009, p. 243/246. 55 Da mesma forma que na ação de mandado de segurança é a prova documental pré-constituída; da ação executiva, é o título executivo; e da ação monitória, é a “prova escrita da obrigação”, etc., como bem lembrado pelos ilustres processualistas Freddie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. (DIDIER JR., Freddie Souza. ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil, p.337). 56 KLIPPEL, Rodrigo. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Comentários à Tutela Coletiva (Lei de Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor e Lei da Ação Popular) Doutrina, Jurisprudência e Questões de Concurso. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 103.

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naquelas hipóteses em que a nova ação deflagrada esteja munida das denominadas “provas novas”, as quais, conforme defendido, devem ser entendidas como os elementos probatórios dotados de potencialidade suficiente a alterarem o resultado jurisdicional da lide, independentemente do momento em que foram produzidas.

6. Conclusão

À guisa de conclusões, formulam-se a seguir as seguintes proposições: O instituto da coisa julgada encontra-se previsto na Constituição Federal, especificamente no seu artigo 5º, inciso XXXVI, e tem uma íntima ligação ao princípio da segurança jurídica, na medida em que, ao tornar irrecorríveis as sentenças proferidas, tornando-as, assim, indiscutíveis, estabiliza as questões trazidas ao Poder Judiciário. Existiram inúmeras teorias que buscaram explicar o conceito de coisa julgada, prevalecendo-se, atualmente, a proposta por Barbosa Moreira, na qual a coisa julgada é vista como uma situação jurídica consistente na imutabilidade e indiscutibilidade da sentença (coisa julgada formal) e de seu conteúdo (coisa julgada material), quando se encontra irrecorrível. Com o advento do denominado sistema integrado da tutela coletiva, composto pelas Leis da Ação Popular, da Ação Civil Pública e do Código de Defesa do Consumidor, o instituto da coisa julgada no contexto do processo coletivo sofreu alterações, notadamente no tocante ao seu modo de formação, com a previsão da denominada coisa julgada secundum eventum probationis (LAP, Art. 18; LACP, Art. 16; e CDC, Art. 103), que se opera apenas com o esgotamento das provas, isto é, com o exaurimento de todos os meios de provas possíveis. Tais modificações decorrem da necessidade de o Devido Processo Legal se adaptar à nova realidade social que se apresentou com o surgimento dos denominados direitos transindividuais (também chamados de direitos de terceira geração), cujos titulares fazem parte de uma coletividade, inseridos no contexto das relações de ordem consumerista, econômica, ambiental, entre outras, onde é largo o espectro social.

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Diante disso, observa-se que o legislador, ao prever a coisa julgada secundum eventum probationis, prestigiou o valor de justiça e o interesse público em detrimento do valor segurança jurídica. Conforme pôde ser demonstrado, a partir da coisa julgada secundum eventum probationis, há a possibilidade de revisão judicial das demandas coletivas julgadas improcedentes pela carência probatória, com a apresentação da denominada “prova nova”. Nada obstante haver divergência doutrinária, perfilha-se, no presente trabalho, a corrente que entende ser desnecessária a consignação na fundamentação ou no dispositivo da sentença de que a improcedência decorreu da fragilidade probatória, uma vez que somente a propositura de outra ação, munida com uma prova nova - capaz de alterar o juízo de direito sobre a causa - pode demonstrar a carência de provas da demanda anterior. Com base nesta premissa, conceitua-se o instituto da prova nova, à luz da mais abalizada doutrina, como aquele elemento probatório inédito ao Juízo, produzido antes, durante ou depois da propositura primeira ação coletiva julgada improcedente, dotado de uma força probante tal em que se gera ao Poder Judiciário uma expectativa de alteração do resultado jurisdicional da demanda superveniente proposta. Destarte, não se pode confundir a prova nova com as chamadas “provas supervenientes”, eis que o momento da sua produção é desinfluente para sua admissibilidade, residindo unicamente o seu fundamento na capacidade de, nas palavras dos mestres Hermes Zaneti Jr. e Freddie Didier Jr., levar a ação coletiva a um diferente resultado.

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