A colaboração entre as partes no processo civil: análise consoante o pensamento de Robert Alexy e Jürgen Habermas

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A COLABORAÇÃO ENTRE AS PARTES NO PROCESSO JUDICIAL E O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ANÁLISE DO DIREITO PROJETADO A PARTIR DO PENSAMENTO DE ROBERT ALEXY E DE JÜRGEN HABERMAS THE COLLABORATION BETWEEN THE PARTIES IN THE JUDICIAL PROCESS AND THE PROJECT OF THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE: ANALYSIS OF DESIGNED LAW FROM THE THOUGHT OF ROBERT ALEXY AND JÜRGEN HABERMAS JOÃO FELIPE CALMON NOGUEIRA DA GAMA1 TAÍS DIAS CAVATI 2

1

Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito de Vitória. Bolsista Capes. Advogado. [email protected]. 2 Mestranda em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Assessora de Juiz de Direito/ES. [email protected].

NOTA AO LEITOR

O presente artigo foi apresentado no XXIII Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI), realizado na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) - João Pessoa/PB, entre os dias 05 e 08 de novembro de 2014, sendo posteriormente publicado no Livro correspondente ao Grupo de Trabalho – Filosofia do Direito III. A pesquisa busca tratar de tormentoso tema (colaboração entre as partes) sob uma perspectiva filosófica, com enfoque nos pensamentos de R. Alexy e J. Habermas. O assunto é tratado sob a perspectiva do Projeto de Lei nº 8.046/2010 – Substitutivo da Câmara dos Deputados, tendo em vista que à época da publicação do artigo não havia ainda sido aprovado o Novo Código de Processo Civil. Em razão disso são feitas referências ao Projeto do CPC e ao direito projetado. Isso não faz, contudo, com que o tema deixe de ostentar relevância: o artigo 6º do Projeto foi mantido no texto final do CPC/15 e determina que todos os sujeitos do processo devem entre si cooperar (do que se conclui que é devida a cooperação entre os sujeitos parciais). Confira-se o teor do enunciado prescritivo supracitado: “Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. Certamente as partes não desejam cooperar. Se há lide (conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida), qual então seria a extensão dessa colaboração? Quando e de que maneira ela pode ser evidenciada? Eis as perguntas que são postas em pauta com o presente artigo, com o exame do então direito projetado sob a perspectiva de dois grandes filósofos do Direito que, de alguma maneira, já externaram suas posições sobre a matéria: Robert Alexy e Jürgen Habermas. Submete-se o texto (que se trata de primeiras linhas sobre o problema da colaboração entre as partes) à apreciação da comunidade científica, para promover e aprofundar o debate sobre o tema pesquisado. Vitória, 19 de maio de 2015. João Felipe Calmon Nogueira da Gama

FILOSOFIA DO DIREITO III: XXIII CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI Tema do Evento: A HUMANIZAÇÃO DO DIREITO E A HORIZONTALIZAÇÃO DA JUSTIÇA NO SÉCULO XXI 05 a 08 de novembro de 2014 Universidade Federal da Paraíba / UFPB / João Pessoa – PB

Membros da Diretoria: Raymundo Juliano Feitosa Presidente José Alcebiades de Oliveira Junior Vice-presidente Sul João Marcelo de Lima Assafim Vice-presidente Sudoeste Gina Vidal Marcílio Pompeu Vice-presidente Nordeste Julia Maurmann Ximenes Vice-presidente Norte/Centro Orides Mezzaroba Secretário Executivo Felipe Chiarello de Souza Pinto Secretário Adjunto

Aires José Rover Secretaria de Informática Alexandre Walmott Borges Secretaria de Relações com a Graduação Antonio Carlos Diniz Murta Secretaria de Relações Internacionais Clerilei Aparecida Bier Secretaria de Apoio Institucional Eid Badr Secretaria de Educação Jurídica Valesca Raizer Borges Moschen Viviane Coêlho de Séllos Knoerr Secretaria de Eventos Vladmir Oliveira da Silveira Secretaria de Apoio Interinstitucional

Conselho Fiscal José Querino Tavares Neto Roberto Correia da Silva Gomes Caldas Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches Lucas Gonçalves da Silva (suplente) Paulo Roberto Lyrio Pimenta (suplente) Representante Discente Mestrando Caio Augusto Souza Lara (titular) Coordenadores da obra

Pietro de Jesús Lora Alarcón Colaboradores: Elisangela Pruencio Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira Marcus Souza Rodrigues Eduardo Scottini F488 Filosofia do direito III [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI/UFPB; coordenadores: Pietro de Jesús Lora Alarcón. – Florianópolis : CONPEDI, 2014. Inclui bibliografia ISBN: 978-85-5505-018-3 Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações Tema: A Humanização do Direito e a Horizontalização da Justiça no século XXI. 1. Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Brasil – Congressos. 2. Direito - Filosofia. I. Congresso Nacional do CONPEDI/UFPB (23. : 2014 : Paraíba, PB). CDU: 34

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

Caríssima(o) Associada(o),

Com desmedida satisfação apresento os livros dos Grupos de Trabalho, do XXIII Congresso Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI), realizado na cidade de João Pessoa entre os dias 5 a 8 de novembro de 2014. Registro a satisfação de presidir um Congresso do CONPEDI, com a honrosa e difícil situação de substituir o nosso presidente Professor Vladimir Oliveira da Silveira, que realizou profícuas administrações. .

Cabe aqui o registro de que, “mais uma vez, superamos a marca de artigos submetidos ao nosso evento e a participação de mais de setenta programas de pósgraduação reconhecidos pela CAPES/MEC – o que confirma a expansão e credibilidade de nossa associação. A partir do árduo trabalho dos associados conseguimos colocar o CONPEDI entre os maiores eventos científicos, do Brasil e das Américas, recebendo cerca de 2000 artigos científicos, envolvendo mais de 300 avaliadores na organização de 80 grupos de trabalhos, inseridos entre as inúmeras linhas de pesquisa dos nossos mais de 80 programas stricto sensu na área do Direito”. Ao longo desses últimos anos, o CONPEDI fez florescer a pesquisa jurídica como uma importante aliada para a construção de uma sociedade mais democrática, justa e solidária, como sempre assinalou nosso ex-presidente, o professor Vladimir Oliveira da Silveira. O Congresso desenvolveu a temática sobre “A humanização do Direito e a horizontalização da Justiça no século XXI”. Sem dúvida é marcada a importância do debate, nos primórdios do século XXI, quando estamos diante de uma série crescente de desafios ao Direito. Ao longo dos 04 (quatro) dias do congresso foram debatidos, uma série de temas da maior relevância para o Direito, tais como: (1) Instrumentos de efetivação de Direitos Fundamentais, (2) Experiências interdisciplinares em Direitos Humanos, (3) Democracia e Cidadania na América Latina , (4) ensino jurídico, (5) justiça de transição, (6) A humanização do mundo; (7) Direitos Econômicos, sociais e culturais

e desenvolvimento; (8) Educação Jurídica: o novo marco regulatório; (9) Humanização das penas; (11) Teoria do Direito e gênero nos Tribunais Internacionais; (12) Dirteito e Sustentabilidade; (13) O Direito Internacional Público Contemporâneo; (14) Direito e Economia; (15) Direito e Novas Tecnologias; (16) Direito do Consumidor; (17) Direitos Econômicos e Globalização; (18) Direito Internacional e globalização; (19) desafios do novo código de processo civil; (20) A atualidade do pensamento de Celso Furtado, dez anos depois de sua morte; (21) Acesso a justiça; (22) fomento e inovação em pesquisa; (23) efetividade do Direito Ambiental na contemporaneidade e (24) Biodireito. Registramos igualmente, a realização dos fóruns dos Coordenadores e da Federação de Pós-Graduandos em Direito – FEPODI. Importante destacar e reconhecer o apoio recebido do CNPq e da CAPES. Registramos também o comparecimento e participação da professora Claudia Hoesler, coordenadora da área, que recém nomeada, procurou assinalar as linhas gerais de sua atuação e a ela desejamos uma feliz condução da área a exemplo do que foi realizado pelo seu antecessor, professor Martônio Mont’Alverne Barreto Lima. É importante fixar que, dando continuidade a grande aproximação que foi desenvolvida pela diretoria anterior, com o IPEA nos últimos anos, ampliamos o dialogo institucional principalmente através do painel Contribuição da Estatística para a Pesquisa Jurídica, onde concretizamos um avanço no debate sobre métodos quantitativos e pesquisa jurídica. Não podemos deixar de realçar o grandioso esforço da equipe da UFPB, da UFCG e especial destaque para a UNIPÊ , Evidente que os desafios foram imensos, mas enfrentados e finalmente superados, pelos professores, técnicos, discentes da pósgraduação e da graduação.

Florianopólis, verão de 2015

Raymundo Juliano Feitosa Presidente do CONPEDI

PREFÁCIO Sustenta-se, com acerto, que a Ciência do Direito avança na medida em que tem como auto referência seu olhar filosófico. E é precisamente essa perspectiva a que permite ao estudioso obter uma visão panorâmica do fenômeno jurídico, compreender sua dimensão históricocultural e, consequentemente, determinar a contribuição do próprio Direito à superação dos graves problemas da nossa época. Nessa passagem analítica a dimensão Ética se sobrepõe ao mero exercício tecnicista. Logicamente que sempre poder-se-á arguir que o Direito é também sofisticada técnica. Entretanto, o pensar filosófico nos oferece outros horizontes, ou se assim se prefere, nos convida a voos mais distantes. Do que se trata é de desentranhar o sentido ou a justificativa do “Direito”: é, por acaso, um sistema normativo no qual cabe qualquer conteúdo? Ou então, estamos diante de um retrato da realidade que pode e deve ser transformado como condição para superar as próprias circunstâncias que lhe deram origem? É um suposto consenso histórico sobre as formas de organizar a vida comunitária? Um repertório ideológico de uma classe dominante? E, então, se o Direito não é ahistórico, quem o produz? Quais suas fontes contemporâneas? Note-se que são indagações por demais importantes e de extrema relevância, que dificilmente se esgotam numa tarde de trabalho. Contudo, algo afigurou-se indiscutível desde o começo dos debates - e que Eros Grau em certa oportunidade já afirmou com lucidez - o fenômeno jurídico é muito mais amplo que o Direito posto pelo Estado, praticado nos tribunais e ensinado nas faculdades de Direito. De maneira que qualquer que seja a nossa opção, a construção da Ciência do Direito, em seus aspectos fundamentais – a teoria geral e a dogmática – implica um exercício reflexivo no qual se indaga o porquê e o para quê do fenômeno jurídico e se identifica e atualiza seu objeto de estudo com método e disciplina. Nesse “substrato jurídico” haverá um conteúdo hermenêutico, regularmente orientando, pelo menos na nossa ótica, a prestigiar fins e valores, porque de alguma maneira todo direito é uma projeção da essência do ser. De tudo resulta que o Direito é sistema, mas não qualquer sistema, senão uma ordem axiológica e finalística, construída culturalmente. Pois bem, os artigos apresentados na oportunidade, e hoje compilados, são o resultado de complexos elementos argumentativos, que conduzem a visões sobre a justiça, a liberdade, a igualdade, a dignidade, nos quais a vida concreta é a opção para filosofar. Resultado de estudos de professores e alunos de graduação e pós-graduação presentes no XXIII Congresso do CONPEDI, abordam, abertamente ou nas entrelinhas, alternativas possíveis de solução as nossas mais cruas realidades, aquelas que precisamente exigem uma tomada de posição enérgica em favor dos direitos mais elementares do ser humano. Isso supõe, logicamente, um inconformismo com o presente. Sugere abandonar formas de pensar o Direito que outrora se impuseram monoliticamente, bem como rejeitar as pretensões de fórmulas jurídicas baseadas na unilateralidade, impondo-se um olhar sobre o ser humano que o identifica como protagonista de uma ética libertaria. E por isso repare-se a procura por referencias epistemológicas pautadas pela necessidade de transformar a realidade realizando direitos e superando o eufemismo de um ser in abstrato, romântica ou metafisicamente livre, para situar ao homem concreto, o da nossa realidade. Oportuno dizer que ao se tratar de um debate em evolução continua os artigos devem ser tomados como ponto de apoio de pesquisas cada vez mais aprofundadas em nosso meio. Para no alargar-nos vale ressaltar a importância que este esforço tem para o desenvolvimento do Direito

na América Latina, pois quer nos-parecer que estamos a construir um sentido mais vivencial dos direitos humanos. Época de debates sobre a nossa pluralidade, sobre etnias, género, classes sociais, solidariedade, na qual confrontamos o pensamento tradicional com o crítico, revelandose os dilemas da relação entre autonomias e individualidades, muitas vezes em franca contradição com uma certa moral que pretende unanimemente declarar o considerado “correto”. Simultaneamente, ausculta-se no capitalismo tardio as razões da inexistência do Estado de bem –estar e consolida-se como um dever o refletir nas formas mais eficazes de distribuição da riqueza produzida para gerar condições objetivas para a vida digna. Por sinal, de um lado, no debate jurídico a dignidade da pessoa humana não se torna, como alguns pretendem, um ícone inofensivo. É possível exigir responsabilidade em igual grau à potencialização da liberdade (alguém é livre quando pode ser responsabilizado por aquilo que faz no exercício da liberdade, diz Petit). De outro, conceitos como o de justiça, por exemplo, superaram os limites do positivismo clássico, para atrelar-se à cotidianidade, com referências menos abstratas. No terreno das tarefas estatais, a discussão sobre o trabalho do legislador, as virtudes das políticas públicas e o papel do Judiciário são recorrentes. Sobre este último órgão particularmente trava-se a polêmica em torno a seu possível papel garantidor de uma ordem de direitos fundamentais. Podem os juízes decidir discricionariamente ou deve se rejeitar qualquer função criativa do magistrado? As soluções a tamanhas preocupações superam as indiscutíveis virtudes que teriam uma única explicação. Daí destacar-se nos artigos o pensamento de vários autores como Benjamin Cardozo, Foucault, Dworkin, Alexy e Vaihinger, Habermas, Arendt, dentre outros. Finalmente cumpre observar que os artigos não omitem uma preocupação com a qualidade da nossa democracia e as exigências de um acentuado nível de participação popular. Nesse campo, as opções filosóficas de matriz democrática cumprem um papel primordial, pois colocam, no meio de uma delicada contextualização histórica, a necessidade de contar com sujeitos atuantes, plenamente livres, capazes de transformar realidades e não apenas de contempla-las. Isso implica entender os fluxos comunicacionais entre as estruturas de poder, os centros não oficiais de decisão e os próprios indivíduos. E repensar a democracia significa a construção de um discurso com argumentos suficientemente ancorados na realidade que aproxime os sistemas político e jurídico e afaste qualquer tendência totalitarista negadora da dignidade humana. Como se vê, os artigos que ora apresentamos abordam temas variados e de interesse. E se deduz que a discussão prossegue, aliás, felizmente. Assim que, por enquanto, apenas resta compartilhar com todos a alegria da sua leitura.

Pietro de Jesús Lora Alarcón

CAPÍTULO 1

FILOSOFIA DO DIREITO: SER, PESSOA E DIGNIDADE • • • • • • • •

A PESSOA COMO CAUSA E FIM DE TODO DIREITO SUPERAÇÃO DO SUJEITO TRANSCENDENTAL E EMERGÊNCIA DO SUJEITO CONCRETO: UM PONTO DE PARTIDA PARA A ÉTICA DA LIBERTAÇÃO UMA TENTATIVA (NECESSIDADE) DE CONCEITUAR O DIREITO RACIONALIDADE, VERDADE PRAGMÁTICA, RELATIVISMO CIENTÍFICO E DIREITO RECONSTRUÇÃO DAS BASES DE FORMAÇÃO DO MONISMO JURÍDICO DIREITOS HUMANOS: O EMBATE ENTRE TEORIA TRADICIONAL E TEORIA CRÍTICA DIREITOS HUMANOS E POLÍTICAS PÚBLICAS, UM OLHAR JUS-FILOSÓFICO. HANS VAIHINGER. UM CONVITE AO SISTEMA FICCIONAL DA FILOSOFIA DO “COMO SE”

CAPÍTULO 2 FILOSOFIA DO DIREITO: DEMOCRACIA, IGUALDADE, PODER E PARTICIPAÇÃO • • • •

• • • •

SOBRE A RELAÇÃO ENTRE O BEM E O JUSTO EM UMA TEORIA DA JUSTIÇA: UMA ABORDAGEM A PARTIR DA CRÍTICA DE CHARLES TAYLOR E JOHN RAWLS SOBRE A RELAÇÃO ENTRE DIREITO E POLÍTICA NA TEORIA DA DEMOCRACIA DE HANS KELSEN TOTALITARISMO E O ANIQUILAMENTO DO SER HUMANO A TEORIA DA LIBERDADE DE PHILIP PETIT E SUA APLICAÇÃO À REALIDADE ATUAL DO ESTADO BRASILEIRO IGUALDADE, UM DEBATE ENTRE JOHN STUART MILL E RONALD DWORKIN A INSTITUCIONALIZAÇÃO DISCURSIVA DA RAZÃO NUM MODELO DE DEMOCRACIA DELIBERATIVA MICROFÍSICA DO PODER: CONTRIBUIÇÕES E LIMITES DA OBRA DE MICHEL FOUCAULT BREVES APONTAMENTOS SOBRE A FILOSOFIA DE RONALD DWORKIN E SUA APLICABILIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.

CAPITULO 3. FILOSOFIA DO DIREITO: JUIZES E PROCESSO: PRAGMATISMO E SEGURANÇA JURÍDICA • •

• •

O PAPEL DOS MAGISTRADOS NA DINÀMICA DO ESTADO: ENTRE A TOLERÂNCA E A VIOLÊNCIA A COLABORAÇÃO ENRTE AS PARTES NO PROCESSO JUDICIAL E O PROJETO DE NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ANÁLISE DO DIREITO PROJETADO A PARTIR DO PENSAMENTO DE ROBERT ALEXY E DE JÜRGEN HABERMAS A SEGURANÇA JURÍDICA FRENTE ÀS DECISÕES PRAGMÁTICAS DEFENDIDAS POR BENJAMIN CARDOZO SUBSTRATOS JUSFILOSÓFICOS DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA OU DE COMO OS JUIZES ESTÃO LEGITIMADOS PARA DECIDIR QUESTÕES AFETAS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

A COLABORAÇÃO ENTRE AS PARTES NO PROCESSO JUDICIAL E O PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: ANÁLISE DO DIREITO PROJETADO A PARTIR DO PENSAMENTO DE ROBERT ALEXY E DE JÜRGEN HABERMAS

THE COLLABORATION BETWEEN THE PARTIES IN THE JUDICIAL PROCESS AND THE PROJECT OF THE NEW CODE OF CIVIL PROCEDURE: ANALYSIS OF DESIGNED LAW FROM THE THOUGHT OF ROBERT ALEXY AND JÜRGEN HABERMAS João Felipe Calmon Nogueira da Gama 1 Taís Dias Cavati2

RESUMO

O presente artigo analisa a questão da colaboração entre as partes no Projeto do Novo Código de Processo Civil. Assim, busca estabelecer o alcance da colaboração em âmbito processual a partir de duas visões do processo: como um agir estratégico e como um discurso prático de caso especial. Com base no exame de ambos os posicionamentos sob a luz do Projeto do Novo Código de Processo Civil, defende-se o processo como um discurso prático de caso especial, de modo que as regras do “jogo” e a atuação do juiz, ao coibir condutas maliciosas, imprimem a colaboração entre as partes no processo civil. Conclui-se que as partes e o juiz (em posição simétrica) devem cooperar, todos eles, uns com os outros, para a construção da decisão judicial, resolvendo-se adequadamente o conflito de interesses.

PALAVRAS-CHAVE

Colaboração entre as partes no processo judicial; Processo judicial como discurso prático de caso especial; Projeto do Novo Código de Processo Civil.

1

Mestrando em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. Bolsista Capes. [email protected] 2 Mestranda em Direito Processual pela Universidade Federal do Espírito Santo. [email protected]

ABSTRACT

The article analyzes the issue of collaboration between the parties in the Project of the New Code of Civil Procedure. Thus seeks to establish the extent of the collaboration on procedural framework from two views of the process: as strategic action and as a special case of practical discourse. From the examination of both positioning under the light of the Project of the New Code of Civil Procedure, it defends the process as a special case of practical discourse, so that the rules of the "game" and the role of the judge to restrain malicious conducts engrafts collaboration between the parties in civil proceedings. It concludes that the parties and the judge (in symmetrical position) should cooperate, all of them, to build the court decision, in order to properly solve the conflict of interests.

KEYWORDS

Collaboration between the parties in the judicial process; Judicial process as a special case of practical discourse; Project of the New Code of Civil Procedure.

INTRODUÇÃO

O presente artigo visa examinar a questão da colaboração entre as partes no processo judicial, notadamente no Projeto do Novo Código de Processo Civil (Substitutivo da Câmara dos Deputados - Lei nº 8.046/2010), cujo art. 6º determina a colaboração entre todos os sujeitos do processo para o atingimento de uma decisão, em prazo razoável, justa e eficaz. A importância do tema decorre da tranquila aceitação da colaboração no sentido partes-juiz e juiz-partes (inserindo-se o juiz no debate desenvolvido no processo) e, por outro lado, na incerteza a respeito da colaboração entre as partes (parte-parte). Para alguns cientistas que se dedicam ao estudo do direito processual civil, as partes não tem o dever de colaborar entre si no processo, pois se interessam apenas pela vitória, pelo êxito, pelo sucesso, razão pela qual elas não querem colaborar (ao menos não entre si mesmas). Desse modo, a racionalidade das partes seria orientada apenas para os fins, para que o órgão julgador acolhesse seus interesses pessoais (egoístas). Num quadro como o descrito, as partes agem estrategicamente e, por isso, sequer lhes é imposto dever de veracidade pelas

normas jurídicas (elas de tudo fariam para alcançar seus objetivos consubstanciados no acolhimento ou na rejeição da demanda). Por outro lado, cientistas de outra linha argumentativa concluem existir um dever de colaboração entre todos os sujeitos processuais, ao considerarem o processo como um procedimento em contraditório, ou seja, um processo comunicativo em que a fundamentação das posições das partes se dá de modo dialógico e reflexivo (levando em consideração aquilo que fora aduzido pela outra parte) e com pretensão de correção (as partes não podem se desvincular do debate jurídico instaurado e não podem justificar suas ações com base em meros interesses pessoais, mas em padrões normativos compartilhados). Nesse contexto, embora se reconheça a possibilidade de as partes agirem estrategicamente no processo (não se pode ter a ilusão que as partes entram de mãos dadas quando vão ao Tribunal, mesmo porque se há um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, elas em princípio não querem colaborar), sustenta-se que as regras processuais e a inserção do juiz no diálogo se dispõem a inibir condutas processuais contrárias à boa-fé. Percebe-se assim que o debate entre os cientistas do direito processual civil desenvolve-se a partir da discussão filosófica de ser interpretado o processo como ação estratégica (perspectiva afirmada por Ulfrid Neumann e já defendida Jürgen Habermas) ou como discurso prático de caso especial (tese sustentada por Robert Alexy e posteriormente aceita por Jürgen Habermas). Para o desenvolvimento do trabalho, valeu-se do método dedutivo, de maneira que partindo de premissas gerais – a descrição do histórico do Projeto do Novo Código de Processo Civil no primeiro tópico; a exposição, no segundo tópico, da discussão sobre a colaboração entre as partes realizada pelos cientistas do direito, fixando o posicionamento das duas correntes em conformidade com as visões filosóficas do processo como ação estratégica ou como discurso prático de caso especial; o exame, no terceiro tópico, das normas constantes do Projeto do Novo Código de Processo Civil, especialmente dos deveres atribuídos às partes – chegou-se à conclusão específica consubstanciada no entendimento de que o processo tem de ser visto como um discurso prático de caso especial, de modo que todos os sujeitos devem colaborar, inclusive as partes entre si. A pesquisa assumiu caráter exploratório e bibliográfico, desenvolvendo-se da seguinte maneira: busca de livros e artigos de periódicos; estudo do material levantado e das opiniões dissonantes a respeito do tema objeto de estudo; análise do direito projetado (Projeto de Novo Código de Processo Civil).

1 HISTÓRICO DO PROCESSO LEGISLATIVO DO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL

Importa primeiramente observar o histórico do Projeto do Novo Código de Processo Civil, a fim de salientar que o próprio Legislador pátrio hesita no que pertine à colaboração entre as partes no processo civil. Em sua versão primeva apresentada ao Senado Federal, o Projeto do Novo Código de Processo Civil (Projeto de Lei nº 166/2010) continha a seguinte disposição: “Art. 5º. As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando entre si e com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência” (BRASIL, 2010a, p.1). Atendendo às críticas formuladas por Daniel Mitidiero e Luiz Guilherme Marinoni (2010, p.73), segundo a qual a própria estrutura adversarial do processo contencioso repele a ideia de colaboração entre as partes, o Senado Federal, no Substitutivo enviado no final do ano de 2010 à Câmara dos Deputados, conferiu nova redação ao dispositivo supramencionado, dele retirando a previsão da colaboração entre as partes. Com as alterações apresentadas no relatório-geral pelo Senador Valter Pereira, passou a prescrever o Projeto Substitutivo do Senado Federal: “Art. 5º. As partes têm direito de participar ativamente do processo, cooperando com o juiz e fornecendo-lhe subsídios para que profira decisões, realize atos executivos ou determine a prática de medidas de urgência”. (BRASIL, 2010b, p. 1). Ocorre que, o Substitutivo da Câmara dos Deputados (Projeto de Lei nº 8.046/2010), recentemente enviado ao Senado Federal, alterou o dispositivo supracitado, transformando-o no artigo 6º, que prescreve a colaboração de todos os sujeitos processuais entre si. Prescreve o artigo mencionado: “Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (BRASIL, 2010c, p. 2). Conforme será possível observar, a trepidação do Legislador nada mais é do que reflexo dos posicionamentos divergentes a respeito do que se trata o processo judicial: um canal em que vigora a ação estratégica (tendo em vista o claro interesse das partes em obter uma decisão favorável, pouco importando se é correta ou justa) ou um discurso prático em que as partes argumentam a partir de padrões normativos compartilhados e que, por isso, ainda que desejem a vitória, formalmente são obrigadas a fundamentar seus atos processuais segundo uma pretensão de correção (a qual é necessariamente perseguida pela decisão judicial).

2 O PROCESSO JUDICIAL: AGIR ESTRATÉGICO OU DISCURSO PRÁTICO DE CASO ESPECIAL?

Há que se determinar: as partes devem ou não entre si cooperar? Comecemos pelos argumentos contrários à colaboração. Em artigo científico destinado a estabelecer um debate sobre a colaboração com Lenio Luiz Streck, Daniel Mitidiero (2011, p. 62) explica seu posicionamento refratário à colaboração inter partes:

E aqui importa desde logo deixar claro: a colaboração no processo civil não implica colaboração entre as partes. As partes não querem colaborar. A colaboração no processo civil que é devida no Estado Constitucional é a colaboração do juiz para com as partes. Gize-se: não se trata de colaboração entre as partes. As partes não colaboram entre si simplesmente porque obedecem a diferentes interesses no que tange à sorte do litígio.

São sectários desse posicionamento Michele Taruffo e Enrico Tulio Liebman. Acerca do posicionamento do primeiro autor (Taruffo), assevera Cabral (2010, p. 220) que

A comunicatividade do procedimento, mediada pelo discurso e pela linguagem, faria com que as partes tivessem que narrar suas versões direcionadas para a vitória, ou seja, sem “pretensão de veracidade” das suas afirmações. [...] Taruffo reconhece a existência de regras éticas restritivas para a atividade processual, mas afirma que a omissão voluntária de alegações ou mesmo a distorção de fatos relevantes, quando operadas pelos advogados no melhor interesse do cliente, devem ser vistas como alternativas legítimas.

Já Liebman (1984, p. 123) afirmava que o processo civil, no qual as partes argumentam segundo suas próprias razões, “é refratário a uma rigorosa disciplina moralista do comportamento daquelas”. Para tais autores, a atuação da parte em âmbito processual seria unicamente orientada para fins pessoais, isto é, para a decisão que lhe é mais vantajosa, independentemente se é ou não a mais correta (de acordo com a ordem jurídica vigente) e justa (que o direito aplicado seja racional ou justo). Assim, ignorariam os sujeitos parciais se a decisão judicial formula pretensão de correção, cujo duplo aspecto acima ressaltado (correção e justiça) é claramente afirmado por Robert Alexy (2013, p. 320):

[...] devem-se distinguir dois aspectos da pretensão de correção que se formula com as decisões judiciais. Até agora não se encontrou essa distinção com suficiente

clareza. O primeiro aspecto se refere ao fato de a decisão se fundamentar corretamente se se parte do Direito válido, independentemente de como tenha sido ele criado. A fórmula de que as decisões jurídicas pretendem ser corretas “segundo a ordem jurídica válida” deve ser esclarecida aqui, portanto, no sentido de que pretendem ser corretas no âmbito da ordem jurídica válida. O segundo aspecto se refere à exigência de que o direito válido seja racional ou justo. Se se tomam conjuntamente ambos os aspectos, deve ser explicada a fórmula mencionada no sentido de que as decisões judiciais pretendem ser corretas enquanto decisões jurídicas

Nessa linha, interpreta-se o processo judicial não como um discurso 3 (em que os sujeitos fazem uso de argumentos, a partir da problematização das pretensões de validade levantadas, para justificar a correção de determinada ação ou norma), mas como um agir estratégico que, como tal, pode até mesmo se orientar por intenções enganadoras 4. Por agir estratégico compreenda-se, consoante pensamento de J. Habermas (1995, p. 42-43) a ação orientada para o êxito, isto é, a busca de posições de poder. Em detalhada explicação sobre a ação estratégica, assevera Habermas (1995, p. 43):

Diversamente da deliberação, a interação estratégica tem por fim a coordenação mais do que a cooperação. Em última análise, o que se exige das pessoas é que não levem em conta nada que não seja o interesse próprio. Seu meio é a barganha, não o argumento. Seus instrumentos de persuasão não são reivindicações ou razões mas ofertas condicionais de serviços e abstenção. Seja formalmente incorporado num voto ou num contrato ou simplesmente efetivado de modo informal em condutas sociais, um resultado estratégico não representa um juízo coletivo da razão mas uma soma vetorial num campo de forças.

Mesmo J. Habermas já interpretou o processo judicial não como um discurso, mas como ação estratégica. Nesse sentido, colhe-se trecho da obra de Robert Alexy (2013, p. 215): [...] em relação às discussões da Ciência do Direito podem-se apresentar boas razões em favor da tese do caso especial. Muitos mais problemático é se isso vale também para a argumentação que se dá nos diferentes tipos de processo, em que existem as limitações pelas regras processuais, os limites de tempo e a frequente motivação de os participantes não se interessarem por um juízo correto ou justo, mas por um juízo vantajoso para eles, assim como, no que se refere ao processo penal, à distribuição assimétrica de papéis já mencionada anteriormente. Por isso, Habermas interpreta o processo não como discurso, mas como ação estratégica.

3

Robert Alexy (2013, p. 110-111) esclarece, ao analisar o pensamento de Habermas, a distinção entre ação e discurso: “Ação são jogos de linguagem em que as pretensões de validade presentes nos atos de fala são tacitamente reconhecidas. Ao contrário, nos discursos, as pretensões de validade que se tornaram problemáticas se transformam no tema e se investiga sua fundamentação. [...] Tão logo sejam postas em dúvida, ou seja, tão logo se pergunte pela verdade da proposição usada na transmissão da informação, deixa-se o âmbito da ação e se ingressa em outro âmbito da comunicação, o do discurso”. 4 A respeito do agir estratégico e da orientação do sujeito, cujos valores de verdade adotados em razão de suas próprias preferências e objetivos não se tornam pretensões de verdade talhadas para um reconhecimento intersubjetivo, cf. HABERMAS, 2004, p. 124.

Certamente, um discurso prático ideal deve buscar solução para uma questão prática sob condições de tempo ilimitado, participação irrestrita e não coagida, informação completa, capacidade e disposição completa para a troca de papéis e ainda ausência de preconceitos (ALEXY, 2013, p. 305). Daí a dificuldade de se reconhecer o processo judicial como um discurso, em virtude das limitações de tempo e objeto (temas a serem discutidos e decididos) realizadas pelas regras processuais e da motivação dos atores processuais de obterem ganhos. No entanto, como afirma Alexy (2013, p. 212), deve o processo ser analisado como discurso prático de “caso especial” (dadas as restrições acima mencionadas) 5, tendo em vista que as discussões se referem a questões práticas (sobre o que pode ser feito ou omitido) e que as argumentações, tanto quanto a decisão judicial, suscitam pretensão de correção, isto é, os atos processuais se efetuam mediante fundamentações jurídicas e quem fundamenta pretende que sua fundamentação seja a certa e, por isso, sua afirmação correta. Nas palavras de Alexy (2013, p. 212-216), Esta pretensão de correção não deixa de existir pelo fato de perseguir quem fundamenta algo unicamente a partir de seus interesses subjetivos. [...] As partes ou seus advogados formulam com suas intervenções uma pretensão de correção ainda que só persigam interesses subjetivos. O que expõem como razões em favor de uma determinada decisão poderia, pelo menos em princípio, ser incluído em um tratado da Ciência do Direito. [...] Além do mais, os argumentos formulados diante do tribunal são comumente recolhidos na fundamentação judicial; e torna-se difícil duvidar que ela se situa conforme a pretensão de correção.

A essa afirmação de Alexy, objeta Ulfrid Neumann, em síntese formulada por aquele autor (2013, p. 322), que [..] o fato de se formular uma pretensão de correção na argumentação diante dos juízes, não se pode deduzir o caráter discursivo desta argumentação. A formulação desta pretensão seria uma ‘condição necessária da ação estratégica exitosa’. Ele se remete nesse contexto à negociação coletiva. Para aquele que quer alcançar um aumento de salário, a exposição de suas demandas como justas seria mais acertada estrategicamente do que a declaração aberta de pretensões egoístas.

Alexy contradita a assertiva de Neumann ao asseverar que não se duvida que seria uma melhor estratégia afirmar sua demanda como justa do que declarar publicamente uma 5

Alexy (2013, p. 216), reconhecendo a intenção geralmente egoísta das partes, evidencia, ainda assim, que elas desejam que seus desígnios sejam reconhecidos como válidos, de forma que o processo judicial se trata de uma situação intermediária especial (não satisfaz plenamente os critérios para ser classificado como ação estratégica ou como discurso) que, se por um lado, não pode ser designada simplesmente como discurso, não pode, por outro lado, ser compreendida teoricamente sem referência ao conceito de discurso. É, pois, discurso prático de “caso especial”.

pretensão egoísta. Entretanto, tal exemplo só confirma o caráter necessariamente discursivo da argumentação diante dos juízes. E mais: diferentemente da negociação, em que os atores podem explicitamente se comportar de maneira estratégica ao se limitarem a votar em favor de seus interesses conforme suas posições de poder, no processo judicial isso não ocorre, de modo que a pretensão de correção não é aqui apenas condição de êxito, mas “condição do jogo” (ALEXY, 2013, p. 322). Conquanto afirmasse o processo como ação estratégica, Habermas alterou seu posicionamento e passou a aderir à tese do caso especial na obra “Teoria da ação comunicativa”. Efetivamente, em consulta à versão espanhola do trabalho, extrai-se o novo entendimento do autor (HABERMAS, 1999, p. 60): La argumentación ante un tribunal (al igual que otras formas de discusión jurídica como, por ejemplo, las deliberaciones de los jueces, las discusiones dogmáticas, los comentarios a las leyes) se distingue de los discursos prácticos generales por su vinculación al derecho vigente y también por otras restricciones especiales que les impone el orden procesal, las cuales explican la necesidad de una decisión dotada de autoridad y que en la litispendencia las partes puedan orientarse en función del éxito. No obstante lo cual, la argumentación ante un tribunal contiene elementos esenciales que sólo pueden ser aprehendidos según el modelo de la argumentación moral y, en general, de la discusión sobre la rectitud de enunciados normativos. De ahí que todas las argumentaciones, ya versen sobre cuestiones de derecho o de moral, o sobre hipótesis científicas u obras de arte, exijan la misma forma de organización básica de una búsqueda cooperativa de la verdad que subordine los medios de la erística al objetivo de obtener convicciones intersubjetivas basadas en los mejores argumentos6.

Assim é que a teoria do discurso não se mostra apenas adequada, mas necessária para entender o processo judicial. Novamente se colhe lição de grande relevância de Robert Alexy (2013, p. 216 e 322-323): No processo civil, por exemplo, as partes geralmente não querem convencer umas às outras, [...], mas pretendem ao menos que seus argumentos sejam de tal natureza, que encontrem acordo sob condições ideais. [...] O cerne está em que os participantes pretendem argumentar racionalmente. Pelo menos, constroem seus argumentos de maneira tal que, sob condições ideais, poderiam encontrar o acordo 6

Em tradução livremente feita por nós: “A argumentação ante um tribunal (tal qual as outras formas de discussão jurídica, como, por exemplo, as deliberações dos juízes, as discussões dogmáticas, os comentários às leis) se distingue dos discursos práticos gerais por sua vinculação ao direito vigente e também por outras restrições especiais impostas pela ordem processual, as quais explicam a necessidade de uma decisão dotada de autoridade e que no curso do processo as partes podem orientar-se em função do êxito. Não obstante, a argumentação ante um tribunal contém os elementos essenciais que somente podem ser apreendidos segundo o modelo da argumentação moral e, em geral, da discussão sobre a retidão de enunciados normativos. Daí que todas as argumentações, que versem sobre questões de direito ou de moral, ou que versem sobre hipóteses científicas ou obras de arte, exigem a mesma forma de organização básica de uma busca cooperativa da verdade que subordine os meios da erística ao objetivo de obter convicções intersubjetivas baseadas nos melhores argumentos”.

de todos. Essa é a razão pela qual sua argumentação deve conceituar-se como um caso especial do discurso prático geral. [...] Suponha-se que as partes no processo civil se limitam a declarar seus respectivos interesses. Não afirmam que têm direito, pedem meramente ao juiz uma decisão que seja vantajosa.[...] Se o juiz entra no jogo e pronuncia uma sentença como “outorgo uma vantagem a N porque é para ele que mais favoravelmente me tendi”, não se trata mais de um debate judicial, ainda que tudo se desenvolva dentro do âmbito institucional de um sistema judicial. Se o juiz deixa as partes agirem (mas não entra no jogo), decidindo ao final como se tivesse o Direito válido como correto, então ele trata as partes como pessoas que não compreenderam o que é um debate judicial e que, por isso, não podem realmente participar nele. Isso mostra que a argumentação diante do juiz não só pode, mas que deve ser interpretada no sentido da teoria do discurso.

Desse modo, interpretando o processo judicial como um discurso prático de caso especial, é correto afirmar que, embora as partes no seu íntimo pretendam a vitória, devem elas formalmente argumentar segundo uma pretensão de correção (os atos processuais postulatórios nada mais são que modelos ou esboços da decisão final que se pretende correta e justa), de modo que o agir estratégico puro não se manifesta no processo civil. Nos dizeres de Antonio do Passo Cabral (2010, p. 222) [...] o agir estratégico puro, que pode até ser orientado por intenções enganadoras, não ocorre em qualquer circunstância processual, pois existe regramento contra expedientes contrários à boa-fé. No processo, a ação comunicativa dos sujeitos é regrada e normatizada, e quando as preferências comportamentais são posicionadas num contexto formalmente regulamentado, as preferências não podem ser justificadas com remissão pura às preferências egocêntricas, mas aos padrões normativos compartilhados. Nesse sentido, o processo evita a guerra ou o jogo desleal que prejudicaria a todos.

Aliás, cumpre observar que nem sempre as partes resistem em colaborar entre si no âmbito processual: a previsão da conciliação judicial (e outros métodos autocompositivos, como a mediação – art. 335 do Projeto do Novo Código de Processo Civil) e, ainda, a possibilidade de se entabularem negócios jurídicos processuais (art. 191 do Projeto7) servem de exemplos nos quais, embora formalmente em polos opostos, não se observa efetiva contraposição de interesses. Eis a redação dos artigos citados (BRASIL, 2010c, p. 77-78 e 131-132):

Art. 335. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência. 7

Interpretando os enunciados prescritivos do art. 191, caput e parágrafos, confira-se interessante enunciado aprovado na Carta de Salvador (II Encontro de Jovens Processualistas do IBDP): “21. Art. 191. São admissíveis os seguintes negócios plurilaterais, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado da lide convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais.” (grifo nosso). (BASTOS, BUENO, DIDIER JR., 2014, p. 5).

§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação ou de mediação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária. § 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à conciliação e à mediação, não excedentes a dois meses da primeira, desde que necessárias à composição das partes. § 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado. § 4º A audiência não será realizada: I– se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II – no processo em que não se admita a autocomposição. § 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu, por petição, apresentada com dez dias de antecedência, contados da data da audiência. § 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes. § 7º A audiência de conciliação ou de mediação pode realizar-se por meios eletrônicos, nos termos da lei. § 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado. § 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos. § 10. A parte poderá constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir. § 11. A autocomposição obtida será reduzida a termo e homologada por sentença. § 12. A pauta das audiências de conciliação ou de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de vinte minutos entre o início de uma e o início da seguinte. Art. 191. Versando a causa sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. § 1º De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso. § 2º O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. § 3º Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário. § 4º De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão ou no qual qualquer parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.

Certamente, não se pode ter a ilusão que as partes querem, por regra, colaborar entre si. Todavia, quando não perseguida a cooperação espontaneamente pelas partes, cabe ao juiz inserir-se no diálogo impelindo-as à cooperação, bem como tolher eventuais abusos de posições jurídicas processuais, aplicando correções sancionatórias (multa por litigância de má-fé ou por ato atentatório à dignidade da justiça) em virtude de infringências das regras do jogo (CABRAL, 2010, p. 225-226).

Impõe salientar, nessa quadra, que a colaboração (positivada como princípio do processo) não chega ao ponto de determinar estratégias (não no sentido de agir estratégico, mas de preferências) argumentativas processuais das partes. Se é certo que não se pode falar em um dever de veracidade 8, porque se devem balancear ampla defesa e iniciativa da parte com os deveres de colaboração, não sendo possível obrigar a parte a expressar todos os fatos que conheça e tampouco a trazer fatos desfavoráveis ou desonrosos a si, que possam, por exemplo, gerar autoincriminação, certo também que há um dever das partes de não alterar fraudulentamente (de modo malicioso) as circunstâncias alegadas (CABRAL, 2010, p. 218).

3 ANÁLISE DOS DEVERES DE COLABORAÇÃO DAS PARTES NO PROJETO DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: A VEDAÇÃO AO AGIR ESTRATÉGICO

Após o estudo sobre as teorias acima, sintetiza-se que o processo deve ser visto como um discurso prático de caso especial, de maneira que cumpre às normas processuais, tais como aquelas previstas no Projeto do Novo Código de Processo Civil, coibir o agir estratégico das partes e promover a colaboração entre os sujeitos do processo. A colaboração, positivada pelo Projeto do Novo Código de Processo Civil em sua versão mais recente como princípio processual, se dispõe a, além de inserir o juiz no contraditório desenvolvido entre as partes (atribuindo-lhe dever de engajamento, gênero que engloba quatro deveres, quais sejam, esclarecimento, consulta, prevenção e auxílio 9), inibir a vitória das partes a qualquer custo, vedando comportamentos imbuídos de má-fé ou “fintas maliciosas”. Desse modo, imputa às partes o dever de não causar ruídos comunicacionais intencionalmente, o que arruinaria o diálogo e acarretaria a violação ao contraditório colaborativo (as partes ao adotarem posturas processuais, refletem sobre seus argumentos e os contra-argumentos possíveis da parte contrária, de forma a exercerem suas alternativas processuais futuras com base nessas previsões, como, por exemplo, ao requererem meios de prova). Nesse sentido, é a lição de Antonio do Passo Cabral (2010, p. 217): 8

Mesmo porque, partindo-se da compreensão de que a linguagem nunca toca o plano da realidade, constitui-se o processo de uma reconstrução linguística dos eventos que se passaram no mundo físico, de modo que nunca se pode alcançar uma pretendida verdade real, nem se pode impelir a parte a um dever de verdade nesses moldes. A respeito da verdade e da interpretação do processo como reconstrução linguística, confira-se: CAMBI, 2013. 9 Acerca dos deveres do órgão julgador para com as partes, cf. CABRAL, 2010, p. 228-229. Ver também: MITIDIERO, 2011, p. 117-167; MENDONÇA, 2011, p. 67-70.

Como a influência se exerce a partir da prognose das atuações dos demais, o déficit informacional pode causar distorções ao debate, fazendo com que certos sujeitos deixem de lançar mão de argumentos, requerer meios de prova, ou tomar qualquer outra conduta que, caso soubessem da tendência dos demais sujeitos a adotar um comportamento a adotar um comportamento, talvez estivessem propensos a utilizar.

Nesse contexto, atribui-se às partes o dever de esclarecimento10, consistente no dever de redigirem suas demandas com clareza e coerência, sob pena de inépcia (art. 331, I e §1º, I, II, III, IV e V, do Projeto do Novo Código de Processo Civil). A esse dever das partes, corresponde o dever de prevenção do órgão julgador, possibilitando ao demandante que emende sua petição antes de indeferi-la por inépcia (art. 322 do Projeto do Novo Código de Processo Civil11). Eis os enunciados prescritivos mencionados (BRASIL, 2010c, p. 123-124 e 126-127): Art. 331. A petição inicial será indeferida quando: I – for inepta; [...] § 1º Considera-se inepta a petição inicial quando: I – lhe faltar pedido ou causa de pedir; II – o pedido ou a causa de pedir for obscuro; III – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; IV – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; V – contiver pedidos incompatíveis entre si. Art. 322. Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos dos arts. 320 e 321 ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor, no prazo de quinze dias, a emende ou a complete, indicando com precisão o que deve ser corrigido ou completado.

Outra manifestação do princípio da colaboração processual se constitui no dever de proteção, que obriga o sujeito a não causar danos à parte adversária em sede de atividade executória (DIDIER JR. 2011, p. 221). Nesse viés, os artigos 534, I e 792 do Projeto do Novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2010c, p. 205 e 298) determinam responsabilidade objetiva do exequente nos casos de execução injusta, senão vejamos:

Art. 534. O cumprimento provisório da sentença impugnada por recurso desprovido de efeito suspensivo será realizado da mesma forma que o cumprimento definitivo, sujeitando-se ao seguinte regime: I – corre por iniciativa e responsabilidade do exequente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os danos que o executado haja sofrido;

10

Sobre o dever de esclarecimento, cf. DIDIER JR., 2011, p. 221. O novo preceito dilata o prazo atual de 10 (dez) para 15 (quinze) dias para que o autor emende a petição inicial. 11

Art. 792. O exequente ressarcirá ao executado os danos que este sofreu, quando a sentença, transitada em julgado, declarar inexistente, no todo ou em parte, a obrigação que ensejou a execução.

Exige-se, finalmente, dever de lealdade (inserido no gênero dever de cooperação) que implica a proibição à litigância de má-fé e a observância da boa-fé processual (DIDIER JR., 2011, p. 221). Tal dever é positivado nos artigos 79 a 81 que cuidam da vedação à litigância de má-fé, bem como no artigo 77, que trata da proibição de atos atentatórios à dignidade da justiça, todos do Projeto do Novo Código de Processo Civil (BRASIL, 2010c, p. 25-28):

Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo: I – expor os fatos em juízo conforme a verdade; II – deixar de formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento; III – não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito; IV – cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza antecipada ou final, e não criar embaraços a sua efetivação; V – declinar o endereço, residencial ou profissional, onde receberão intimações no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva; VI – não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso. § 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça. § 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta. Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que: I – deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II – alterar a verdade dos fatos; III – usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV – opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V – proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI – provocar incidente manifestamente infundado; VII – interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. Art. 81. De ofício ou a requerimento, o órgão jurisdicional condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, e a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu, além de honorários advocatícios e de todas as despesas que efetuou. § 1º Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção de seu respectivo interesse na causa ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2º O valor da indenização será fixado pelo juiz, ou, caso não seja possível mensurá-la, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos. § 3º Quando o valor da causa for irrisório ou inestimável, a multa poderá ser fixada em até dez vezes o valor do salário mínimo.

Como se pode notar, o Projeto do Novo CPC impele as partes, pois, a argumentar e a colaborar com uma decisão justa e eficaz a ser proferida em breve lapso temporal, competindo ao Estado-juiz sancionar as condutas maliciosas que desbordem o dever de lealdade atribuído às partes. Reitere-se: ainda que as partes não queiram colaborar (objetivem a vitória), as regras processuais e a atuação do juiz ao coibir condutas refratárias à colaboração pressionam as partes para que argumentem com pretensão de correção, o que acaba por auxiliar a busca judicial por uma decisão correta (conforme a ordem jurídica em vigor) e justa (que a aplicação do Direito válido seja racional).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se que há dever de colaboração entre as próprias partes, pois embora elas tragam em seu íntimo o desejo de agir estrategicamente, tentando alcançar a vitória a qualquer custo, as regras processuais lhes exigem a elaboração de discursos nos quais argumentem a partir de padrões normativos compartilhados, com fundamentos que pretendem ser corretos e aceitos (ao menos sob condições ideais). Razão assiste, portanto, a Alexy e a Habermas (em seu último posicionamento sobre o tema). O agir estratégico puro, em decorrência das regras processuais, não se manifesta no processo judicial, que deve ser analisado, pois, como discurso prático de caso especial, por se referir à solução de questão prática e, ainda, pelo fato de as argumentações, tanto quanto a decisão judicial, suscitarem pretensão de correção (quem fundamenta pretende correção e aceitação de seu argumento). As partes, cientes da busca por uma decisão correta e justa, baseada no diálogo, são compelidas a deixar de lado o desejo de manter um agir estratégico para colaborar com a formação da convicção do juiz, oferecendo razões que sustentam as pretensões de validade questionadas pela parte contrária. Nesse contexto, para que a decisão judicial (como consequência lógica do diálogo processual) se afigure legítima, deve resultar da participação dos sujeitos processuais no discurso, sendo validada pela aceitação racional de todos (ao menos idealmente) (JEVEAUX, 2012, p. 60-61). Essa é a visão acolhida pelo direito projetado, tendo em vista o Projeto do Novo Código de Processo Civil trazer em seu bojo dispositivos que compelem as partes a cooperar,

mesmo que por intermédio da intervenção do órgão judicial, destacando-se o art. 6º do Projeto que prescreve a colaboração entre todos os sujeitos processuais (e não apenas das partes para com o juiz e deste para com as partes) para se chegar a uma decisão correta, justa e eficaz, em lapso temporal razoável.

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