A Colaboração Massiva de Hatsune Miku: software VOCALOID como catalisador de criações colectivas, grassroots e multidisciplinares na subcultura otaku

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Boa tarde a todos e obrigada pela vossa presença,
O que acabámos de ver é o primeiro episódio do Mikumentary, uma série de pequenos documentários disponíveis online sobre esta entidade conhecida pelo nome Hatsune Miku, que vemos no centro do ecrã e será o tema da minha breve apresentação.

Hatsune Miku significa "primeiro som do futuro" e é o mais popular avatar humanoide de um software desenvolvido pela Yamaha Corporation, chamado VOCALOID, uma contracção das palavras "vocal" e "android".

O VOCALOID é sintetizador que permite aos utilizadores reproduzirem sequências de canto realistas a partir de vocalizações humanas pré-gravadas, bastando para isso introduzir sílabas num editor e atribuir-lhes notas musicais e controlar alguns efeitos. No caso da Miku, a dadora da voz é foi a cantora e atriz Saki Fujita.
Pode-se dizer que os VOCALOIDS são cantores virtuais que possibilitam a qualquer pessoa criar canções sem recorrer a um vocalista humano.

A Miku é o resultado de uma evolução que começa com os primeiros dois VOCALOIDS, a L LA e o LE N, distribuídos comercialmente por uma companhia britânica em 2004 e em que, como podem, ver as "personagens" se limitavam a imagens fotográficas de bocas humanas; até aos primeiros VOCALOID japoneses, a MEIKO e o KAITO, ambos da companhia Crypton Future Media e já com ilustrações em estilo anime na capa. Portanto, a Miku é na verdade o sétimo VOCALOID no total, e o terceiro japonês.

Ela foi lançada a 31 de Agosto de 2007, pela Crypton Future Media, e é a primeira das chamadas VOCALOID Character Vocal Series, daí a tatuagem 01 no braço dela. Trazia esta ilustração na box art, alguns dados pessoais e era descrita como "uma diva androide num futuro próximo em que as canções se perderam."
O sucesso comercial da Hatsune Miku foi imediato, inesperado e esmagador, ultrapassando o público-alvo original dos VOCALOIDS – que eram os produtores de música profissionais –, para alcançar uma massa de criadores amadores vindos da subcultura otaku, que é grosso modo um equivalente japonês do nerd ou geek.

O character design e a voz da Miku são muito diferentes dos VOCALOID anteriores. O character design foi encomendado a um jovem ilustrador chamado Kei, que sendo um ilustrador competente e com uma sensibilidade contemporânea, não é muito artístico ou original – algo que é importante reter. Já a voz de Miku contraria a tendência para vozes naturalistas, soul ou maduras dos outros VOCALOID, e de facto traz-nos quase o oposto, uma voz cute, infantil, aguda e ostensivamente artificial.
Vamos ouvir um excerto.

Este aspecto pós-autoral e artifical de Miku, no sentido em que ela não apresenta propriamente uma visão muito pessoal de um autor mas antes uma síntese ou sampling eficaz de elementos populares na cultura otaku recente, é importante para a compreendermos enquanto fenómeno de criação colaborativa em massa. Ou seja, ela proporciona um avatar e uma voz integradores que tornam as canções imediatamente reconhecíveis como "uma canção de Hatsune Miku," mas por outro lado pode ser radicalmente transformado à vontade e gosto de cada um. Aliás, ela é conhecida por ser uma incubadora de alter egos criados pelos fãs, como vimos no documentário.

Não é possível falarmos da Miku sem falar do site japonês Niconico, que foi absolutamente determinante na sua disseminação. O Niconico é uma plataforma de video-sharing, semelhante ao YouTube mas com algumas características mais interactivas, como a possibilidade de colocar comentários directamente sobre pontos específicos dos vídeos, criando um sentimento de partilha virtual da experiência de visionamento.
Estima-se que em 2012, havia mais de 175 000 vídeos no NN e 255 000 vídeos no YouTube com a tag "Hatsune Miku," com a canção mais popular a ultrapassar os 10 milhões de visionamentos, e que todos os dias são uploaded cerca de 4 a 5 novas canções.

Cada canção é, normalmente, o resultado da colaboração multidisciplinar entre diferentes tipos de criadores – na maioria amadores e fruto do networking virtual –,

incluindo compositores, liristas, ilustradores (muitos deles criadores de fanzines autopublicados de manga), animadores 3D, realizadores, produtores, etc.

É comum, na descrição das novas criações, incluir hyperlinks para outros vídeos, dos quais tenham sido citados sons, imagens ou qualquer outro conteúdo. Nesta gráfico, retirado de um estudo de 2008, temos precisamente uma visualização da rede em torno de um único vídeo, que pode traduzir-se em mais de 2 000 criadores envolvidos e mais de 4 000 relações estabelecidas entre eles.

Para este boom criativo contribuem, ainda, programas de freeware como o MikuMikuDance, um software criado pelo programador independente Yu Higuchi e concebido para que qualquer fã, mesmo sem conhecimentos de animação 3D, possa coreografar, manipular, animar e produzir vídeos com os Vocaloid, utilizando os modelos incluídos no programa ou outros disponibilizados pela comunidade.

Em 2009, a CFM promoveu os primeiros concertos "ao vivo" de Miku, utilizando uma tecnologia holográfica sofisticada. > Vou passar um pequeno excerto do primeiro concerto, de 2009 em Tóquio. <
Para além do impacto visual, estas performances reflectem in situ a restruturação do triângulo autor – actor – espectador que está no epicentro do fenómeno Hatsune Miku. Este triângulo transforma-se aqui num sistema de vasos comunicantes entre os autores que são os artistas amadores e autopublicados; os actores que são a Hatsune Miku e outros VOCALOIDS; e os espectadores que são os fãs. Pode dizer-se que uns não existem sem os outros, literalmente, fazendo da Miku o exemplo último daquilo a que o crítico Thomas Lamarre chama uma "user-enhanced commodity."
Claro que podemos argumentar que, apesar de todo este aparato, o produto final continua a surgir no formato mais convencional possível: canções e videoclipes pop, interpretados por uma cantora pop em concertos pop.

Mas esta não é uma condição sine qua non de Hatsune Miku, como prova o recente espectáculo The End, apresentado no Yamaguchi Center for Arts and Media em Dezembro de 2012. Concebido por Keiichiro Shibuya e Toshiki Okada durante as suas residências artísticas, The End é uma ópera multimédia sem participação de intérpretes humanos, em que Miku é a protagonista e as árias e recitativos são compostos utilizando o software Vocaloid.

A equipa de produção conjugou um leque muitíssimo diverso e multidisciplinar de criadores, desde o premiado designer gráfico YKBX; até ao PinocchioP, que é um produtor originário do NN; e inclusivamente figurinos de Marc Jacobs da Louis Vuitton, cuja associação com artistas japoneses tem precedentes nas famosas colaborações com Takashi Murakami. O espectáculo apropria-se da estrutura trágica da ópera tradicional e, como o título The End sugere, tem a ver com o que é a morte num contexto contemporâneo, usando a Miku como intermediário precisamente pela sua natureza uncanny, entre o orgânico e o inorgânico.
Para terminar, vou passar o trailer do espectáculo.


Concluindo, pareceu-me interessante apresentar o caso da Hatsune Miku no contexto do CSO uma vez que não se trata de único criador, mas em milhares de criadores unidos por este avatar. Ela tem necessariamente de ser compreendida, por um lado, enquanto fenómeno de criação colectiva em massa; e, por outro, enquanto um espaço afectivo de partilha e pertença comunitária com características só possíveis na era da Web 2.0. É por esta razão, porque ela traduz uma série de condições e contradições das nossas sociedades híper-comoditizadas e híper-mediadas, que o seu exemplo pode ajudar-nos a pensar a cartografia dos modos de produção, consumo e distribuição de artefactos culturais na mediasfera contemporânea, principalmente, este renegociar das posições relativas entre autor, commodity e fã.






























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