A coletividade de bens entre os cristãos do primeiro século

August 26, 2017 | Autor: Valmir Medina Riga | Categoria: Cristianismo Primitivo, História das religiões e religiosidades
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A coletividade de bens entre os cristãos do primeiro século Valmir Medina Riga – graduando Profa. Dra. Érica de Campos Vicentini – orientadora Universidade do Oeste Paulista

Resumo

Essa pesquisa visa a investigação de aspectos peculiares verificados nas comunidades apostólicas recém adeptas ao cristianismo durante a segunda metade do século I, abordando, especificamente, as novas relações sociais e econômicas vinculadas à prática da coletividade de bens e à disponibilizacão das propriedades privadas à pertença comum, conforme relatado no livro “Atos dos Apóstolos”. Através da análise e interpretação de obras bibliográficas (traduções de fontes primárias; obras historiográficas, antropológicas e arqueológicas; biografias e textos de cunho filosófico e teológico), o objetivo desse trabalho é averiguar o grau/intensidade de ocorrência do referido fenômeno, bem como as causas de sua brevidade e descontinuidade – e, até mesmo, a hipótese de sua não ocorrência.

Premissa

A história das religiões e das religiosidades caracteriza-se, hoje, como uma importante ferramenta de investigação da ação humana, posto que seus objetivos também se voltam ao “[...] estudo do papel social das religiões, ou de suas crenças e práticas.” (CARDOSO, 1997). Conforme ainda esse autor, ao explicitar o modelo de análise difundido pelo historiador Mircea Eliade, é de fundamental importância, também, para se desvendar o sentido da experiência religiosa, atentar-se às estruturas originais de uma religião. Dentro, portanto, dessa perspectiva de trabalho sumariamente exposta, a presente pesquisa intitulada “A coletividade de bens entre os cristãos do primeiro século”, no intuito de apreender o sentido da experiência religiosa e a concomitância do papel social do nascente cristianismo, adota como objeto de estudo alguns aspectos peculiares da religião cristã já presentes em sua gênese e estrutura ideológica básica: a coletividade de bens e a disponibilizacão das propriedades privadas à pertença comum. Isso se deve ao fato de que essas práticas, mesmo que caracterizadamente religiosas, acabam por perpassar também as dimensões culturais, sociais e econômicas da sociedade em estudo, possibilitando-nos o Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP-USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.

empreendimento de novas releituras e interpretações que permitam extrair o sentido do nascente cristianismo além do seu contexto religioso.

A coletividade de bens e suas implicações

Durante o período inicial do cristianismo, em sua fase comumente denominada “era apostólica”, compreendendo a segunda metade do primeiro século da era cristã, Jerusalém foi palco de ocorrência de algumas práticas peculiares por parte das primeiras comunidades que passaram a adotar a nova fé: a coletivização dos bens e o despojamento solidário entre seus membros. Nessa região da Palestina, conforme relatado em textos do primeiro século do cristianismo – de modo mais específico, no livro neotestamentário intitulado Atos dos Apóstolos, o qual, segundo Davies (1967), data de cerca de 85 d.C – e conforme corroboração de Touchard (1970), aqueles que “[...] abraçaram a fé eram unidos e colocavam em comum todas as coisas, vendiam suas propriedades e seus bens e repartiam o dinheiro entre todos, conforme a necessidade de cada um.” (BÍBLIA, 1997, p. 1393). E mais: “Entre eles ninguém passava necessidade, pois aqueles que possuíam terras ou casas as vendiam, traziam o dinheiro e o colocavam aos pés dos apóstolos [...]” (BÍBLIA, 1997, p.1395). Segundo o biblista e filósofo Ivo Storniolo, in Bíblia (1997), essa prática caracterizou-se como uma forma de a comunidade apostólica de Jerusalém expressar sua conversão e simpatia à nova religião e de demonstrar o ideal da igreja nascente. Mas apesar desse fato qualificar-se como um fenômeno eminentemente religioso, seus aspectos (e influência) de âmbito econômico e social, e mesmo político, merecem a devida atenção. Segundo ainda comentário de Storniolo in Bíblia (1997), essa nova forma de relação interpessoal, em seu contexto local, acabou por extrapolar os limites da dimensão religiosa, chocando-se, naturalmente, com os paradigmas sócio-econômicos daquela sociedade, sobretudo no que se refere à questão da propriedade privada; dessa forma, focos de conflito foram gerados, envolvendo, de um lado, os que defendiam a justiça social e, de outro, as classes político-economicamente dominantes, que faziam uso da opressão para garantir o status quo. Além disso, ressalta-se o fato de que, mesmo em casos mais veementes como os de Jerusalém, essa prática solidária, de um modo geral, não carregava consigo a idéia de se suprimir as hierarquias ou de se eliminar a divisão das classes sociais envolvidas. Esse fenômeno é confirmado por Davies (1967, p. 95), segundo o qual os cristãos permaneciam submetidos a uma “[...] série gradual de relações sociais: as mulheres submetendo-se aos

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maridos, e os filhos aos pais; no âmbito da sociedade, os escravos aos senhores, e todos ao poder civil [...]”. Soma-se a isso, ainda, o fato de que, mesmo com o progressivo desenvolvimento e alastramento da nova religião, a prática da coletividade de bens, no seu aspecto mais abrangente, não logrou continuidade – o que indica a complexidade desse fenômeno, e sua intersecção e impacto nos mais diversos setores da atuação humana. Diante do exposto, portanto, a presente pesquisa tem por objetivo identificar em que grau chegou a ocorrer o fenômeno em questão, bem como as causas de sua brevidade e descontinuidade ou, até mesmo, a sua não realização concreta. De modo mais específico, a investigação dos fatos concentra-se nas práticas verificadas dentro dos limites geográficos da cidade de Jerusalém (considerando esta como esfera de atuação primeira dos apóstolos na divulgação e alicerce da nova crença), visando, sobretudo, analisar a organização da sociedade-foco com relação à dinâmica histórica de sua evolução e transformação, e, com a investigação das causas e efeitos, explicar o referido fenômeno segundo paradigmas sóciocultural-econômicos. Para tanto, através do método histórico de investigação, o trabalho fundamentase na análise e interpretação de obras essencialmente bibliográficas – traduções de fontes primárias (livros

neotestamentários, apócrifos e doutrinários); obras historiográficas,

antropológicas e arqueológicas (com ênfase na história cultural, social e econômica); biografias; textos de cunho filosófico (clássico e cristão) e teológico (católico romano e protestante) – tendo em vista a contribuição e somatório para a investigação e releitura do referidos fenômenos. Considerando, enfim, a relevância histórica e antropológica do fenômeno aqui abordado, e em se concebendo o cristianismo como fato histórico determinante dos caminhos trilhados pela humanidade ao longo de séculos, influenciando todo pensamento e conduta política, social, econômica e cultural da civilização ocidental, a presente pesquisa, centrando seu estudo na gênese do processo histórico-religioso do cristianismo e visando concepções, abordagens e interpretações diversificadas, pretende colaborar de modo qualitativo ao debate acadêmico na área da história das religiões.

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