A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS COMO PRINCIPAL MEIO DE CONTROLO E PROTEÇÃO NO SISTEMA AFRICANO

July 8, 2017 | Autor: Giliardo Nascimento | Categoria: African Studies, Human Rights Law, Human Rights, Direitos Humanos
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Giliardo Nascimento1

A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS COMO PRINCIPAL MEIO DE CONTROLO E PROTEÇÃO NO SISTEMA AFRICANO

RESUMO O presente estudo, constitui primeiramente uma analise do percurso da então OUA até a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, e do essencial do conteúdo e de algumas particularidades deste, para depois analisarmos, a partir do processo de consolidação do Sistema Africano de Proteção dos Direitos Humanos e dos Povos, a importância da Comissão Africana do Direito Humanos e dos Povos nesse sistema, através de uma abordagem analítica e jurídico-formal, para apurar a sua operacionalidade bem como o seu próprio enquadramento institucional na Unidade Africana enquanto mecanismo de proteção. Em suma esse estudo analisa com claridade essa importância, que é efetivada através de competências que a Carta Africana atribui à Comissão Africana, essencialmente na receção e análise de relatórios dos Estados partes da Carta, bem como na receção de comunicações previstas pela Carta Africana que podem ser submetidas à Comissão Africana, tanto dos Estados parte, como também comunicações provenientes de indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não-governamentais sejam eles vítimas ou não de violações de direitos humanos. PALAVRAS-CHAVE: Proteção dos Direitos Humanos; Africa; Comissão Africana; Carta Africana; Mecanismo de proteção; União Africana.

LISBOA, 2015

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Licenciado em Relações Internacionais pelo Instituto Superior de Ciências Socias e Politicas da Universidade de Lisboa, Mestrando em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa

CONSIDERAÇÕES INTRODUTORIAS Para além do sistema global de proteção dos direitos humanos, tutelado pelas Nações Unidas, existem também sistemas regionais que abrangem três grandes regiões do globo – a América, a Europa e a África- inseridos num regime amplo de integração (Brownlie e Goodwin-Gil, 2010). Na América a organização que tutela o sistema de proteção regional dos direitos humanos é Organização dos Estados Americanos, na Europa é o Conselho da Europa e em África o sistema de proteção está integrada no âmbito da União Africana (UA), antiga Organização da Unidade Africana (OUA). A dialética da proteção dos direitos humanos em África, resulta inequivocamente do próprio contexto histórico do continente, fortemente conotado com o período colonial e consequentemente com a descolonização e com o direito a autodeterminação2 dos povos que ocuparia os trabalhos da Organização da Unidade Africana (OUA) desde da sua criação em 1963, representando a génese de um sistema regional Africano de proteção dos Direitos dos Homens e dos Povos (Murray, 2004), sem prejuízo das liberdades, direitos e garantias consagradas no plano jurídico-internacional. Em conformidade com a natureza existencial do sistema interamericano e do sistema europeu, o sistema africano de proteção dos direitos humanos surge, também, como uma plataforma ativa de construção, monitorização, promoção e efetivação de mecanismos de proteção dos direitos dos homens e dos povos no continente africano, essencialmente através da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos3. Neste sentido, o estudo que ora se pretende desenvolver subordinado às questões relativas a origem, a estrutura, competência, ao modus operandi e a respetiva natureza jurídica das decisões e das recomendações da Comissão Africana dos Direitos dos Homens e dos Povos, bem como a verificação da responsabilidade dos Estados em entregar relatórios sobre a situação dos direitos humanos nos seus territórios. No primeiro Capitulo, faremos uma sumaríssima introdução histórica, que pretende analisar de forma objetiva o percurso da então OUA até a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos4, bem como, entendemos ser necessária para a

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Que ganhara vigor com os resultados da conferência de Bandung de 1955. Adiante referida como Comissão Africana. 4 Adiante referida como Carta Africana. 3

compreensão do tema em epígrafe, dissecar, ainda que de forma sumaria, sobre o essencial do conteúdo e de algumas particularidades da referida carta. No segundo e último capítulo, com carater central no trabalho, não é espectável uma mera transcrição do conteúdo da Carta africana. Pelo que, pretendemos perseguir objetivos de índole analítico e jurídico-formais tendo em vista apurar de forma clara e objetiva o papel da Comissão Africana no sistema regional africano de proteção dos direitos humanos que dela decorre, para que, analisando a sua operacionalidade bem como percebendo o seu próprio enquadramento institucional na Unidade Africana, possamos proceder para este fim um estudo legal e doutrinário, que através de novas abordagens seja capaz de compreender as diversas perspetivas e produzir novas conclusões. DA ORGANIZAÇÃO DA UNIDADE AFRICANA À CARTA AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS 1.1-

Breve Enquadramento Histórico

Assumindo relevante importância no quadro histórico da OUA e consequentemente no âmbito da construção do sistema de proteção dos direitos humanos em África, a conferência de 1961 realizada em Nigéria, comummente conhecida como a Conferência de Lagos5, destaca essencialmente pela sua natureza pioneira na abordagem dessas questões em Africa (Murray, 2004). Uma das suas importantes declarações afirma que, realizada com o firme propósito de atribuir total efeito e eficácia à declaração do Direitos do Homem de 1948, exortava os governos dos Estados africanos a refletirem sobre a necessidade de adoção de uma Convenção Africana de Direitos Humanos6 consequentemente salvaguardada pela criação de um tribunal com poderes jurídicojurisdicionais apropriadas, ao qual qualquer cidadão dos Estados signatários teria direito a recurso7.

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Participaram nesta conferência 194 pessoas, tonto juízes, como advogados e professores de Direito de 23 Estados africanos, bem como de 9 Estados fora do continente. 6 Neste sentido, Sheila Keetharuth (2008) ressalva que esta proposta de criação de Convecção africana de Direitos Humanos esteve na ordem do dia da Conferencia dos Chefes de Estado e de Governo Africanos de Maio de 1963 quando os trinta Estados assinaram a Carta Constitutiva da OUA, porém sem sucesso, visto que os trabalhos da conferência concentrou os seus esforços em outros temas considerandos de maior importância. 7 Cf., sobre a conferencia em geral, African Conference on the rule of law, Lagos, Nigéria, 3-7. Janeiro de 1961: A Report on the Proceedings of the Conference, Geneva, Internacional Commission of Jurists, 1961.

Observa-se, no entanto, que desde da constituição da OUA até a segunda metade da década de 70 todos os esforços canalizados para a consciencialização relativamente aos direitos humanos e sua consequente proteção em África resumiam a seminários, simpósios e conferências (Piovesan, 2011) sendo que os princípios da não ingerência interna e do respeito pela soberania dos Estados obstaculizaram de forma inequívoca a implementação de um sistema de proteção (Andrade, 2002), prevalecendo assim um sentimento de pessimismo relativamente a operacionalização de um mecanismo de proteção dos direitos humanos tanto ao nível técnico-político como ao nível jurídicojurisdicional em África. Porém, em 1978 a Nigéria apresentaria uma resolução, que seria considerada na Sessão da Comissão de Direito Humanos da ONU, que no essencial do seu conteúdo solicitava às Nações Unidas auxílio para a adoção de organismos com jurisdição ao nível regional relativamente aos direitos humanos, com especial referência à África (Andrade, 2002). É nesta lógica evolutiva que o Presidente do Senegal, Leopold Sedar Segnor, proporia em julho de 1979, no 16º conferência dos Chefes de Estado e de Governo Africanos que teve lugar em Monróvia na Libéria, uma resolução conducente a decisão 115/XVI / 1979; relativo à preparação de um delineamento preambular, por uma equipa de peritos, uma Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Cançado Trindade, 2006) consubstanciando a necessidade de criação de um sistema próprio, aprovisionada de instituições necessárias e capacitadas para a fiscalização, manutenção e proteção desses mesmos direitos no continente africano. Atendendo a exortação da Assembleia geral bem como da Comissão do Direitos humanos da ONU em setembro de 1979, o Secretário-geral realiza um seminário em Monróvia, a convite do governo da Libéria, mormente sobre a necessidade de estabelecimento de comissões regionais especialmente em África, sustentando que princípios como a não ingerência interna e o respeito pela soberania dos Estados não poderiam representar um obstáculo para as estratégias de denúncia e erradicação de violações de direito humanos (Simmons, 2009). Pelo que, julgar-se-ia, que a função promocional, inter alia, deveria constituir o primeiro objetivo a justificar a génese da Comissão Africana de Direitos Humanos, que estabeleceria essencialmente em divulgar e informar a população dos seus direitos protegidos (Álvarez, 2008). O grupo de peritos, encarregados de trabalhar na preparação de um esboço da requerida Carta Africana, referidos na Decisão 115/XVI / 1979, reunidos em Dakar em

1979, depara-se com um preliminar feito pelo Secretário-geral seguindo essencialmente os trâmites normativos dos dispositivos das convenções Europeia e Americana relativos aos Direitos Humanos (Heyns, 2003). Porém, numa lógica consensual, a conclusão foi a de que a OUA carecia de um de um instrumento com dispositivos especiais a adaptados às realidades específicas do continente, com principal enfase nos direitos dos povos merecendo relevante destaque: os direitos económicos, sociais e culturais (Okafor, 2007); o principio da não descriminação, os deveres do indivíduos para com a família, a sociedade, o Estado e outras coletividades legalmente reconhecidas e para com a comunidade internacional (Alston e Goodman, 2008); a segurança dos Estados, a necessidade de adequação da legislação, da prática e de métodos de aplicação dos dispostos na Carta (Risse e Sikkink, 1999) e a criação do órgão que assegurasse a promoção e proteção dos direitos decorridos da Carta (Keetharuth, 2008). Concluído o desejado esboço, foi convocado uma reunião de índole ministerial que decorreria em junho de 1980 na cidade de Banjul, Gambia, com o intuito de aprovar o documento (Andrade, 2002), pelo que somente 11 artigos foram revistos e adotados, essencialmente por causa da existência de dificuldades em encontrar soluções para as divergências entre as delegações relativamente a operacionalização conceptual de Direitos humanos, perpetrada pelo clima de desconfiança entre as delegações e ainda pela atitude preventiva e de pouco avanço, centrado na preocupação de manutenção do Status quo (Heyns, 2003), pelo que o desfecho foi marcado por um relativo fracasso, deixando patente a necessidade de uma nova reunião ministerial que realizaria também em Banjul, em janeiro de 1981, no qual todos os artigos remanescentes foram revistos e aprovados (Andrade, 2002). 1.2-

A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos

Como anteriormente verificado, a décima-oitava Conferencia de Chefes de Estados e de Governo dos Estados Africanos membros da OUA, reunidos em Nairobi, na capital do Quénia, a 26 de Junho de 1981 adotou a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, denominada também de Carta de Banjul, que, como consagra o artigo 63º da mesma, entraria em vigor três meses depois do deposito junto do Secretário-geral dos instrumentos de ratificação da maioria absoluta dos Estados membros, que apenas aconteceria em 21 de outubro de 1986, representando a consolidação do terceiro sistema regional de proteção de direitos humanos, que constituiu um marco relativamente aos esforço feitos tanto no plano global bem como no plano regional, para a proteção desses direitos em África (Heyns, 2003).

O preambulo da Carta Africana revela-se de extrema importância quando se pretende analisar e/ou perceber o âmbito de aplicação da mesma, que não obstante ser concebida confinado às particularidades africanas em sede de Direitos Humanos, não se distanciou muito das noções consagradas em instrumentos internacionais já existentes e que consequentemente já vinculavam muitos Estados Africanos. Neste sentido, Van Boven (1986) afirma que a Carta Africana foi projetada numa lógica de congregar valores universais com as tradições, as condições e com a realidade socio-histórica do continente africano, que na ótica de Rachel Murray (2004) apresentava-se, muitas vezes, como um obstáculo a alguns direitos considerados contemporâneos e de extrema relevância para a efetivação dos direitos humanos, como é o caso da democracia representativa e pluralista8 enquanto sistema politico, no âmbito dos direitos universalmente consagrados no Pacto internacional sobre os direitos civis e políticos. O preambulo também faz uma alusão introdutória à alguns mecanismos normativos que ao longo da Carta foram desenvolvidas, como é o caso do principio da não discriminação, o respeito dos direitos dos povos, o cumprimento dos deveres dos indivíduos, bem como o direito a autodeterminação e ao desenvolvimento. Logo, revelase de extrema importância a necessidade de despender uma atenção minuciosa a quando da analise do preambulo no sentido de determinar dimensão jurídico-política do seu conteúdo, bem como precisar o contexto histórico e social em que ele foi adotado (Andrade, 2002), pelo que, a carta africana e consequentemente o sistema africano de proteção dos Direitos Humanos assumem contornos específicos e diferenciadores dos dispositivos das convenções Europeia e Americana9. Logo, embora a Carta Africana se encontra relativamente bem influenciada no seu conteúdo pelos dispositivos da convenção Europeia e Americana e ainda pelo sistema de proteção de direitos das Nações Unidas, constata-se que ela consubstancia um carater inovador ao distanciar-se, ainda que em parte, de determinados instrumentos já existentes em sede de Direitos Humanos que 8

Não obstante, Sheila Keetharuth (2008) acresce que com a efetivação da Carta Africana, o Secretáriogeral da OUA de então não aceitava a ideia de incompatibilidade da experiencia democrático com a história do povos do continente africano, visto que a carta, no seu preambulo consagrava a dimensão universal do direitos humanos, tanto os culturais, sociais e económicos bem como os direitos civis e políticos. 9 Embora mais adiante faremos menção a algumas diferenças sistémicas, um estudo exaustivo das diferenciações ou mesmo as particularidades dos sistemas regionais de proteção dos Direitos Humanos não constitui objetivo deste estudo, porém para aprofundar sobre a matéria pode-se ver MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Os sistemas regionais de proteção dos direitos humanos. E ainda PIOVESAN, Flavia. Direitos Humanos e Justiça Internacional: um Estudo Comparativo dos Sistemas Regionais Europeu, Interamericano e Africano, 2º ed. São paulo: Saraiva, 2011.

atribuem mais relevância aos direitos clássicos – individuais de índole liberal-, para consagrar com o mesmo grau de importância e relevância e num único documento todos os direitos coletivos na sua dimensão mais ampla, os direitos de primeira e segunda geração contempladas nas mais diversos instrumentos de proteção, como também abarca os de terceira geração, e não em documento dispersos10 como sucede nos demais sistemas referidos (Simmons, 2009). A Carta Africana também inova ao prever uma monitorização, promoção e efetivação de mecanismos de proteção próprios dos direitos dos homens e dos povos no continente africano, bem como mecanismos de comunicação individual e interestadual através da Comissão Africana que é criada por mérito da Carta Africana, e capacitada para receber e apreciar comunicação e denuncias feitas entre Estados e dos Indivíduos contra os Estados que violam os direitos protegidos e previstos na referida Carta (Baderin, 2002) e vai mais longe e consagra a noção de direitos dos Povos11, atribuindo uma dimensão coletiva e comunitária a esses direitos e não apenas individual. A COMISSÃO AFRICANA DOS DIREITOS HUMANOS E DOS POVOS 1.1-

Considerações introdutórias

No âmbito sistémico da União Africana deverá verificar-se a operacionalidade de dois mecanismos de proteção12 dos direitos humanos: por um lado a Comissão Africana do Direitos Humanos e dos Povos13 que, não sendo um órgão judicial deveria funcionar apenas como sendo de índole técnico, jurisdicional e político (Murray, 2000), e por outro lado o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos (TADHP), que deveria completar e reforçar o mandato de proteção da Comissão, com carater jurídicojurisdicional, criado pelo Protocolo à Carta sobre o Estabelecimento de um Tribunal 10

No âmbito do sistema de proteção Europeia de Direito Humanos, os direitos civis e políticos encontramse protegidos pela Convenção Europeia, enquanto que os direitos sociais encontram-se garantidos na Carta Social Europeia. No sistema interamericano, os direitos civis e políticos são garantidos pela Convecção Americana, que também faze um breve e superficial referencia no artigo 26º aos direitos económicos, sociais e culturais. Porém esses direitos são melhor garantidos no conhecido Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre direitos humanos, confinado a matérias de os direitos económicos, sociais e culturais, também conhecida como o “Protocolo de San Salvador”. No sistema das Nações Unidas esses direitos estão garantidos pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civil e Políticos e no Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966. 11 Relativamente a especificidade da noção de “Povos” da Carta Africana ver KIWANUKA, Richard, The Meaning of people in the African Charter on Human Rights, In American Jounal on international as comparative law, Washington, Vol. 82, 1991, pg. 307. 12 Assemelhando-se assim ao sistema Interamericano, pela previsão de dois órgãos de proteção que é uma comissão e um tribunal que abrangem os direitos denominados de primeira e segunda dimensão. 13 Prevista na Parte II da Carta Africana, em sede das medidas de salvaguarda entre os artigos 30º e 34º.

Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, adotada em Borkina Faso a 10 de junho de 1998 (Viljoen, 2014), que, segundo o disposto no número 3 do artigo 34º entraria em vigor depois do decimo-quinto instrumento de comprometimento (ratificação ou adesão), que aconteceria em 24 de Janeiro de 2004. O TADHP representava sem dúvida um órgão fundamental para conferir maior relevância e eficácia jurídica à proteção dos Direitos humanos em África (Keetharuth, 2008), porém, depara essencialmente com dois problemas que são considerados um entrave à sua operacionalidade; por um lado pela morosidade no processo de ratificação do protocolo que o criou, por outro a previsão de criação, através de um protocolo adicional à Carta africana adotada em junho de 2003, de um Tribunal de Justiça da União Africana (ainda inexistente), o que representaria uma duplicidade institucional ao nível jurídico-jurisdicional (Viljoen, 2014), sendo que a melhor solução, até agora encontrada pela Conferencia de Chefes de Estado e de Governo terá sido a intenção de fundir os dois tribunais (Piovesan, 2011). Pelo que por quanto, parece-nos admissível acentuar o fracasso do TADHP, e afirmar que a Comissão Africana continua a desempenhar um papel preponderante como um único mecanismo operacional de controlo dos compromissos aceites pelos Estados no domínio da proteção dos direitos dos homens e dos povos no sistema da União Africana e consequentemente com uma instituição com funções quasi-judicial que a semelhança dos seus instrumentos análogos14 é criada pela Carta Africana. Estabelecida em julho de 1987 na vigésima terceira sessão da Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo15, a Comissão Africana encontram regulamentada na carta africana entre os artigos 31º e 44º (composição e organização) que correspondem ao primeiro capítulo da parte II que versa sobre as “Medidas de Salvaguarda”. É composta por 11 membros, denominados de comissários, que não são necessariamente juristas, mas que sejam de reconhecida competência na áreas de direitos humanos e dos povos16, devendo desempenhar as suas funções sempre a título pessoal17, na tentativa de estabelecer uma independência dos comissários relativamente aos seus Estados de 14

Convenção Americana entre os artigos 33º e 51º e a Carta Europeia no entre os artigos 19º e 37º, artigos relativos a comissão europeia que aqui mencionamos apenas a titulo informativo visto que o protocolo 11 à convenção Europeia que entrou em vigor em outubro de 1999 fez com que esta ficasse extinta. 15 Foi a primeira Sessão após a entrada em vigor da Carta Africana, que teve lugar em Adis Abeba na Etiópia. 16 Carta africana, artigo 31 (1). 17 Ibidem, art. 31 (2).

origem18. Esses membros da Comissão, que não podem ser mais de um natural de cada Estado19, são eleitos, de uma lista apresentada pelos Estados partes da Carta Africana, de forma secreta em Conferencia de Chefes de Estado e de Governo2021. Constata-se ainda, que os elegíveis devem ser nacionais dos Estado partes da Carta Africana, mas é presumível que um Estado apresente como seu candidato um cidadão de um outro Estado parte da Carta Africana22, o que possibilita a participação de especialistas e peritos em matérias de proteção e promoção dos direitos humanos no trabalho da Comissão, que transcende verdadeiramente as fronteiras dos Estados (Murray, 2000). Neste particular, cumpre ainda observar que o Presidente da Comissão23 da União Africana dispõe de uma intervenção relevante no processo de eleição dos membros da Comissão Africana, sendo que é ele quem escolhe o Secretário-geral da Comissão Africana2425. Sendo ele também

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A questão da imparcialidade dos membros da comissão africana tem realmente suscitado muitas reações entusiásticas na literatura relativa a esta matéria, mormente por causa da politização da nomeação e da atuação destes membros. Neste sentido Evelyn Ankumah (1996) considera que em sede do segundo parágrafo do artigo 31º considera existir na prática uma politização da escolha e da atuação dos membros da comissão; ainda Mashood Baderin (2002) considera que o fato de o segundo parágrafo do referido artigo salvaguardar o desempenho a título pessoal das funções, não elimina a possibilidade de um dos comissários atuarem de forma coagido pelo seu Estado caso tome posições contra este; por sua vez Michelo Hansungule (2010) observando a prática, fala de “representante do governo do seu Estado” e não de um comissario que exerce “funções a título pessoal”, exemplificando com o facto de o anterior presidente da Comissão Africana abandonou o cargo para assumir o ministério dos Direitos Humanos do seu Estado; ainda nesta linha Frans Viljoen (2012) critico relativamente a violação clara do segundo parágrafo do referido artigo, afirma que comissários que são representantes de governos, como tem sido o caso, não podem nem conseguem promover a Carta Africana “animadamente e de coração” pretendendo a proteção dos Direitos Humanos em Africa; e por fim Rachel Murray (2004) que considera que poucos dos membros da Comissão Africana estão lá para promover os direitos, visto que a maioria deles são identificando como amigos pessoais de funcionários dos governos, isso, se eles não são, eles próprios membros e funcionários dos governos, sem atender ao seu historial em relação aos direitos humanos, nem ao seu necessário distanciamento dos poderes governamentais dos Estados de que são naturais. Acrescentando ainda que mesmo o requisito de competência técnica deve estar intimamente ligada com a experiencia e interesse pessoal dos candidatos em matéria de direitos humanos. 19 Carta Africana, art. 32. 20 Ibidem, art. 33. 21 Alguns autores têm questionado o fato de a eleição dos membros da Comissão Africana ser feito no âmbito da conferência de Chefes de Estado e de Governo da Unidade Africana, essencialmente por vicissitudes politicas e pelos interesses envolvidos, visto que também têm direito a voto decisório os Estados Membros da Unidade africana que não são partes da Carta Africana. Neste sentido ver MURRAY, Rachel. The African Commission on Human and People's Rights and International Law. Hart Publishing, 2000; VILJOEN, Frans. International human rights law in Africa. Oxford University Press, 2012; e ainda BADERIN, Mashood, et al. The African Commission on Human and People’s Rights and International Law. Human Rights Law Review, 2002, 2.2: 330-335. 22 Carta Africana, art. 34. 23 Sendo responsável executivo máximo, couberam-lhe a ele as atribuições que antes eram conferidas à extinta figura do Secretário-geral da OUA. 24 Carta Africana, art. 41. 25 Isto ficou estipulado apenas na quinta sessão da Comissão que teve lugar em 1988 no Cairo, Egito. Até então este cargo havia sido ocupado cumulativamente pelo conselheiro jurídico da extinta OUA.

encarregado de fornecer todo o pessoal, meios e serviços necessários para o cumprimento das funções atribuídas à Comissão Africana, bem como os custos do seu respetivo funcionamento. No entanto, a Comissão Africana enfrente constantemente graves problemas financeiros, o que limita em muito as suas atividades de proteção e promoção (Heyns, 2003), pelo que este constante “sufoco financeiro” influência de forma considerável a independência da respetiva Comissão. Ademais, acresce problemas de índole politico em sede de votação do orçamento da UA – que evidentemente abrange a da Comissão Africana- já que nela Estados que não são parte da Carta Africana são detentores de poder de voto decisório, e logo poucos inclinados para as questões de Direito Humanos e dos povos (Baderin, 2002). Estes membros da Comissão são eleitos por um mandato de seis anos, sendo possível a reeleição após o término do respetivo período26, bem como gozam de privilégios e imunidades diplomáticos previstos pela convenção da União Africana relativo aos privilégios e imunidades27. 1.2-

Competências da Comissão Africana

O artigo 45º do Capitulo II da Segunda parte da carta Africana prevê as competências. No primeiro parágrafo consagra o que podemos denominar de competências promocionais28 da Comissão Africana, consideravelmente prejudicada pela supra referida dificuldade financeira. No segundo parágrafo do referido artigo, prevê a missão da Comissão africana em assegurar a proteção dos direitos humanos e dos povos nos trâmites definidos pela própria Carta Africana, que segundo Rachel Murray (2000) constitui a competência jurisdicional da Comissão africana, prevista na Carta africana. A carta prevê ainda no parágrafo número três do artigo 45º a competência consultiva da Comissão africana, capacitando-a para fazer interpretações de qualquer disposição da referida carta29, na medida em que o pedido seja procedente de um dos Estado parte, de uma Instituição da UA ou de alguma outra organização africana por esta reconhecida. Ainda nesta particular, à luz do artigo 45º precisamente no parágrafo quatro a Comissão Africana é competente para executar qualquer outro tipo de ofício que eventualmente a

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Carta Africana, art. 36. Ibidem, art. 43. 28 Inter alia levantamentos documentais, estudos, seminários, transmissão de informação, simpósios, conferencias, cooperação com outras organizações internacionais, regionais ou globais, governamentais ou não governamentais que se dedicam a promoção e proteção dos direitos humanos e dos povos. 29 Flávia Piovesan (2011) ressalva que abriu-se a possibilidade ainda que restrita, de determinadas organizações não-governamentais terem acesso a essa competência da Comissão Africana, que não é necessariamente exercida apenas quando exista uma violação à Carta africana. 27

Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo lhe pode solicitar ou confiar, exemplificado pelo fato de a Conferencia já ter autorizado a Comissão Africana, em função de um requerimento que esta fez, a cobrar dos Estados partes relatórios anuais 30 devidos (Piovesan, 2011) mormente pelo disposto no artigo 62 da Carta Africana. 1.3-

Comunicações à Comissão Africana: Uma Instituição Quasi-Judicial

Existem essencialmente dois géneros de comunicações previstas pela Carta Africana que podem ser submetidas à Comissão Africana. Por um lado as comunicações que provenham dos Estados parte e, por outro lado, outras comunicações31 provenientes de indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não-governamentais sejam eles vítimas ou não de violações de direitos humanos (Viljoen, 2012). O primeiro tipo, resulta essencialmente de um dever de contro Inter partes, pelo que se um Estado parte tiver evidências claras de que um outro Estado parte cometeu uma violação à carta africana, necessita de informa por escrito tanto o Presidente da Comissão Africana bem como o Secretário-geral da UA relativamente ao veredito. Este procedimento formal entre os Estados constitui uma particularidade da Carta africana (Murray, 2000). Posto isto, existe um primeiro procedimento no âmbito das comunicações Estatais, segundo o qual os Estados em causa têm um prazo de três meses para efetivarem suas negociações para solucionar o problema de forma pacífica. Caso tal não seja possível qualquer uma das partes podem submeter o caso à Comissão Africana. O segundo procedimento possível já tem o seu início de forma direta no âmbito da Comissão, sendo que a resolução pacífica de forma bilateral não tem carater obrigatório para as partes32, sendo a única condição de admissibilidade seja o prévio esgotamento dos recursos internos33, que só deve ser invocada caso a questão da comunicação seja um violação de um direito individual por parte do Estado violador. Assim depois de recolher todas as informações julgadas imperativas34, e ter tentado uma solução pacífica para o problema, a Comissão africana prossegue com a preparação do relatório de onde deve 30

Que constitui uma das grandes lacunas do sistema de proteção dos direito humanos africanos, na medida em que os Estados partes da Carta de Banjul, não entregam esses relatórios, e na melhor das hipóteses entregam-nos atrasados e sem coerência na sua organização e sem veracidade no que consta do seu conteúdo, pelo que a Comissão até fez um modelo de apresentação desses relatórios, mas de pouco ou nada serviu. 31 Previstos no Capítulo III da Parte II da Carta Africana, denominado “Do Processo da comissão” nos artigos 47º à 54 e 55º à 59 respetivamente. 32 Carta Africana, art.,49. 33 Ibidem, art., 50. 34 Ibidem, art., 51.

constar todos os fatos e as conclusões obtidas, bem como podem ser anexadas recomendações necessárias por parte da Comissão, para posteriormente ser enviado aos Estados parte bem como à conferência de Chefes de Estados e de Governo35. O segundo tipo, que são provenientes de indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não-governamentais sejam eles vítimas ou não de violações de direitos humanos, são apreciadas com o consentimento da maioria dos membros da Comissão, devendo tais comunicações preencher as condições previstas no artigo 56º36 da carta africana. Vencidas os procedimentos respeitantes a admissibilidade, a Comissão deve relatar á Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo todas as violações cometidas, embora só nos casos em que sejam evidente um conjunto de violações graves e maciças dos direitos humanos e dos povos37, e caso isso se verifique a referida Conferencia pode solicitar à comissão um estudo detalhado e informações através de um relatório aprofundado bem como as conclusões e as respetivas recomendações38. Neste particular, cumpre ainda evidenciar o carater confidencial de todas as medidas tomadas durante os respetivos procedimentos, salvo se a Conferencia de Chefes de Estados e de Governo decidir em contrário, e a favor a sua publicação3940. Pelo que conclui-se que o único poder sancionatório real passível de ser exercido pela Comissão – a publicidade das medidas- é consideravelmente condicionada pelos respetivos poderes que a Carta Africana outorga à referida Conferencia, que sendo um órgão eminentemente politico não é o mais preocupado e interessado nas questões de Direitos Humanos. Ainda, em sede das competências da Comissão africana, merece atenção o artigo 62º localizada no capítulo IV respeitante aos princípios aplicáveis, que estabelece que os Estados partes devem entregar num período de dois em dois anos um relatório41 detalhado relativamente as medidas tomadas para a efetivação dos direitos e liberdades garantidos

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Ibidem, art., 52. Que não estabelece o prazo necessário a cumprir após o esgotamento dos recursos internos, submissão da comunicação à Comissão, pelo que, no se sexto paragrafo este artigo prevê apenas que seja um prazo razoável. 37 Carta Africana, art., 58 (1). 38 Que segundo, Mashood BADERIN (2002) representa uma clara semelhança com o Sistema que teve origem na resolução 1/503 do Conselho Economico e Social da ONU que prevê o estudo de comunicações que denunciam violações flagrantes de Direitos humanos. 39 Carta Africana, art., 59 (1). 40 Ibidem, art., 59 (2). 41 José Andrade (2002) ressalva que o sistema de relatórios previsto pela Carta Africana apresenta com relevantes semelhanças ao previsto pelo Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, essencialmente devido a tentativa de existência de diálogo entre a Comissão Africana e os Estados. 36

pela Carta africana. Não sendo inicialmente evidente a que órgão deveriam apresentar o relatório, a Comissão Africana por sua iniciativa requereu a Conferencia de Chefes de Estado e de Governo permissão para os requerer e receber (Brownlie e Goodwin-Gill, 2010), que foi concedido ao abrigo do parágrafo quatro do artigo 45º da respetiva Carta. Neste particular, Rachel Murray (2000) considera que a submissão destes relatórios por parte dos Estado é, ou deveria ser o eixo fundamental da missão da Comissão Africana, principalmente no cumprimento eficaz da sua atuação quasi-judicial compreendido pelo sistema de comunicações supra referido. Realça ainda que em junho de 1991 a Comissão apenas tinha recebido 7 relatórios42, sendo que dois anos após a entrada em vigo da Carta Africana 25 já estavam em atraso. 1.3.1- Consequência das recomendações da Comissão Africana relativamente as Comunicações O carater não vinculativo dos pareceres emitidos pelos meios de controlo dos Direitos Humanos relativamente aos Estados partes (que teriam o mesmo valor do que as decisões juridicamente vinculativas, se os meios fossem judiciais e jurisdicionais strito sensu ) acontece a nível universal (Alston, 2008), essencialmente no âmbito do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, porém geralmente são consideradas e acatadas pelas partes em função dos compromissos assumidos ao aceitarem serem partes de algum instrumentos internacional que garante ou protege esses direitos (Risse e Sikkink, 1999), pelo que o cumprimento das recomendações ou medidas contidas nos pareceres parece-nos de relevante importância. No âmbito do sistema regional de proteção dos Direitos Humanos europeia, criouse um mecanismo eminentemente jurídico-jurisdicionais que atribuíram os pareceres um grau superior de obrigatoriedade no que toca a força jurídica resultante da própria natureza jurídica dos acórdãos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e que se materializa efetivamente no engajamento dos Estados em cumprir e fazer-se cumprir esse diretos (Moco, 2009). No que tange ao sistema misto interamericano, os pareceres da Comissão têm os mesmos efeitos das comunicações no supra referido sistema universal, no entanto, as decisões do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos assemelham-se aos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Piovesan, 2011). O que nos permite

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A título exemplificativo, cumpre realçar que os relatórios do Ruanda, da Tunísia e da Líbia foram considerados e revisto na 9º sessão da Comissão Africana.

concluir que que o sistema africano encontra-se em clara transição para um modelo misto do tipo Interamericano com a criação do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos43 (Moco, 2009), que representaria sem dúvida um órgão fundamental para conferir maior relevância e eficácia jurídica à proteção dos Direitos humanos em África, cuja atuação deverá completar e reforçar o mandato de proteção da Comissão, com carater jurídico-jurisdicional. A Carta Africana não é explícita relativamente ao carater obrigatório ou não das decisões da Comissão, porém no âmbito teórico-formal encontramos as diretrizes necessárias para apurar a natureza jurídica das decisões da Comissão Africana, principalmente em relação as comunicações apresentadas de forma individualmente. Estas decisões assumem um valor de recomendações sem força vinculativa, porém, não deixam de ser observadas e cumpridas pelos Estados da União Africana, partes da carta africana, sob o principio do Pacta Sunt Servanda. Ideia que aparece como corolário do artigo primeiro da Carta Africana que prevê que todos o Estados partes da referida Carta reconhecem os direitos, deveres e liberdades garantidos na Carta, e consequentemente comprometem-se a adotar medidas legislativas e outras necessárias para os aplicar. No entanto, pelo que se verifica na prática, o não cumprimento das recomendações da Comissão Africana a um nível minimamente aceitável representa uma constante entre os Estados africanos, por diversas razões (Moco, 2009). Algumas destas Razões prendemse com as relativas dificuldades na promoção e proteção dos direitos humanos bem como a excessiva dependência operacional da Comissão às diretrizes politicas a novel do continente africano, essencialmente no âmbito da União Africana. Ainda no que tange as comunicações feitas à Comissão Africana e a título adicional, cumpre observar que, vinculado à necessidade de uma exaustão dos recursos internos para a admissibilidade de casos em instâncias internacionais, cumpre-nos constatar duas questões. Por um lado, deveras o mais relevante, é o fato de as instâncias internacionais de proteção e promoção de direitos humanos do tipo jurisdicional ou quasi-judicial, como é o caso da Comissão Africana e do Comité de Direitos Humanos da ONU, não operam como instâncias de recurso relativamente às decisões produzidas pelas instâncias internas dos Estados (Moco, 2009). Pelo que se conclui, que só é possível recorrer a estas instâncias 43

Que como supra referido a sua existência esta condicionada pela previsão de criação, através de um protocolo adicional à Carta africana adotada em junho de 2003, de um Tribunal de Justiça da União Africana (ainda inexistente).

internacionais quando não existe nenhuma decisão jurisdicional de índole interno relativamente à restituição do direito violado, ou seja, assume-se uma impossibilidade de recorrer a instâncias acima da última instancia interna, mesmo que esta tenha proferido decisões supostamente injustas ou reconhecidamente erradas. Problema esse que levanta sérias preocupações principalmente relativamente à alguns Estados Africanos onde superabundam acusações sobre a ausência de independência, imparcialidade e transparência de determinados juízos e de alguns tribunais, frequentemente manipulados pelos executivos (Olaniyan, 2014). É neste sentido que surge a relevância do “direito ao processo Justo ou equitativo” tanto previsto no artigo 14º do pacto internacional sobre os direitos civis e políticos bem como no artigo 7º da Carta Africana. Neste caso, parece-nos pertinente realçar que em casos que possam faltar pressupostos substantivos para recorrer a uma instancia internacional devido a atuação jurisdicional de instâncias internas, podem as irregularidades do processo, invocando os artigos supramencionados, favorecer o recurso à instâncias internacionais (Moco, 2009). No entanto, é necessário ter presente que o referido artigo 14º do pacto internacional sobre os direitos civis e políticos refere unicamente “às acusações em matéria penal” e “as contestações sobre direitos e obrigações de carater civil”, no entanto, no âmbito das particularidade do sistema africano, o artigo 7º da Carta africana e a própria “jurisprudência” da Comissão Africana parecem propiciar o caminho para a impugnação de todo o tipo de processo injusto no sistema africano relativamente aos direitos humanos e dos povos. BREVES CONSIDERAÇÕES FINAIS Não obstante os demais órgãos e particularidade do sistema africano de proteção dos direitos dos humanos e dos povos, pretendeu-se nesse estudo compreender o papel daquele que consideramos ser o maior ativo desse sistema. Concluindo-se, que ainda que o TADHP tenha proferido a sua primeira e única sentença em 2009, é um órgão que, dado ao seu fracasso funcional, efetivamente não funciona, cabendo assim à Comissão Africana um papel preponderante dentro do sistema africano. Porém, o TADHP em pleno funcionamento e cumprindo o seu mandato, representaria sem dúvida um órgão fundamental para conferir maior relevância e eficácia jurídica à proteção dos Direitos humanos em África, que pela morosidade no processo de ratificação do protocolo que o criou, e pela previsão da existência de um Tribunal de

Justiça da União Africana, constituem um entrave a sua existência. Logo, apurado esse fracasso do TADHP, concluímos que a Comissão Africana continua a desempenhar um papel preponderante como um único mecanismo operacional de controlo dos compromissos aceites pelos Estados no domínio da proteção dos direitos dos homens e dos povos no sistema da União Africana e consequentemente com uma instituição com funções quasi-judicial. A Comissão Africana realiza o seu mandato através das suas competências previstas no artigo 45º do Capitulo II da Segunda parte da carta Africana que consagra as competências promocionais, as proteção dos direitos humanos e dos povos nos trâmites definidos pela própria Carta Africana, que é considerado como uma competência jurisdicional da Comissão africana prevista na Carta africana, e ainda a competência consultiva da Comissão africana, capacitando-a para fazer interpretações de qualquer disposição da referida carta, que seja solicitada por um dos Estados parte, ou uma Instituição da UA ou de alguma outra organização africana por esta reconhecida, e ainda é competente para executar qualquer outro tipo de ofício que eventualmente a Conferencia dos Chefes de Estados e de Governo lhe pode solicitar ou confiar, exemplificado pelo fato de a Conferencia já ter autorizado a Comissão Africana, em função de um requerimento que esta fez, a cobrar dos Estados partes relatórios anuais, que verdadeiramente é um fracasso, sendo que mais de metade do Estado parte não fazem esses relatórios, e quando o fazem, fazem-no sem qualidade e sem veracidade nos fatos. Igualmente, ela é competente para receber comunicações previstas pela Carta Africana que podem ser submetidas à Comissão Africana. Tanto comunicações dos Estados parte, como também comunicações provenientes de indivíduos, grupos de indivíduos ou organizações não-governamentais sejam eles vítimas ou não de violações de direitos humanos.

BIBLIOGRAFIA 

LIVROS

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ARTIGOS CIENTIFICOS ONLINE E EM REVISTAS DA ESPECIALIDADE

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LEGISLAÇÃO E OUTROS DOCUMENTOS

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