A companhia de Jesus e sua relacao com os enclaves da expansao portuguesa

May 20, 2017 | Autor: Felipe Borges | Categoria: Society of Jesus, Companhia De Jesus, Expansão Portuguesa
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Sezinando Menezes, Célio Costa, Felipe Augusto Fernandes Borges, Saulo Henrique Justiniano Silva

A companhia de Jesus e sua relação com os enclaves da expansão portuguesa The society of Jesus and his relationship with the portuguese expansion enclaves Sezinando Menezes1 Célio Costa2 Felipe Augusto Fernandes Borges3 Saulo Henrique Justiniano Silva4

Resumo O trabalho ora apresentado analisa a expansão marítima comercial portuguesa, iniciada no século XV e consolidada no XVI, destacando a participação ativa da Igreja nesse processo. A partir de concessões às Coroas Ibéricas, especialmente a Portugal, a Igreja institui o que chamamos de Padroado Real Português, instituição que dava ao soberano luso poder e autoridade sobre as missões do Ultramar, ao passo que lhe impunha também obrigações a serem cumpridas. Não obstante, abordamos ainda a criação da Companhia de Jesus, bem como sua consolidação e estreita relação com a Coroa Portuguesa nas missões do Padroado. Mostramos como a partir de suas primeiras relações com a Coroa Portuguesa, os jesuítas adquirem um lugar privilegiado em relação às outras ordens. Palavras-chave: Companhia de Jesus. Padroado Real Português. Expansão Portuguesa.

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Doutor em História. Professor do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual de Maringá. Líder do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP) e participante do grupo de pesquisa Educação, História e Cultura Brasileira: séculos XVI, XVII e XVIII (DEHSCUBRA). Doutor em Educação. Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação (Mestrado e Doutorado) da Universidade Estadual de Maringá. Líder do grupo de pesquisa Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP) e participante do grupo de pesquisa Educação, História e Cultura Brasileira: séculos XVI, XVII e XVIII (DEHSCUBRA). Doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação (UEM, 2015). Pedagogo da Universidade Federal do Paraná. Participa dos grupos de pesquisa: Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP) e Educação, História e Cultura Brasileira: séculos XVI, XVII e XVIII (DEHSCUBRA). Doutorando em História pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em História (UEM, 2014). Professor de História na SEED/PR. Participa dos grupos de pesquisa: Laboratório de Estudos do Império Português (LEIP) e Educação, História e Cultura Brasileira: séculos XVI, XVII e XVIII (DEHSCUBRA). Contatos: [email protected]; [email protected]; [email protected]

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Abstract The presented work analyzes the Portuguese commercial maritime expansion, which began in the XV century and consolidated during the XVI century, highlighting the active participation of the Church in the process. From concessions to the Iberian Crowns, especially Portugal, the Church instituted what we call Real Portuguese Patronage, institution that gave the Portuguese sovereign power and authority on overseas missions, while it also imposed obligations to be met. Nevertheless, we discuss the creation of the Society of Jesus, as well as its consolidation and close relationship with the Portuguese Crown in the missions of the Patronage. We show how from his first dealings with the Portuguese Crown, the Jesuits acquire a privileged position in relation to other orders. Keywords: Society of Jesus. Real Portuguese Patronage. Portuguese Expansion.

Introdução O expansionismo português iniciado já no século XV e consolidado no XVI é objeto de análise do presente artigo. Todo processo de expansão portuguesa teve, desde seu início, a forte e constante presença colaborativa da Igreja Católica, que participou ativamente (por meio de seus representantes, padres e irmãos religiosos) das empreitadas de conquistas portuguesas. Ao contrário do que uma leitura descontextualizada possa sugerir, o expansionismo lusitano foi fruto não do acaso, ou obra fortuita de homens divinamente agraciados, mas, muito além, o expansionismo português foi uma junção de fatores sociais e históricos, que, em união de forças, produziram as condições históricas necessárias ao deflagrado processo de expansão. O que pretendemos neste trabalho é demonstrar como a Igreja tornou-se, por meio da instituição do Padroado Real Português, cada vez mais presente no seio do processo expansionista, consagrada como verdadeira parceira da Coroa Portuguesa na empresa colonial. Tal parceria firmou-se e tomou corpo palpável na instituição do Padroado Português, no qual os sucessivos papas concederam ao Reino de Portugal uma série de benefícios e obrigações, principalmente no que tangia ao estabelecimento, continuidade e financiamento das missões no Ultramar. Pretendemos assim mostrar como a aliança entre o secular e o religioso se fez forte, e como tal aliança teve papel decisivo para sucesso e consolidação dos espaços de controle português no Oriente, sobretudo na Índia. Apresentamos aqui, também, uma análise da relação entre a Coroa Portuguesa e a nascente Companhia de Jesus. Mostramos o início da Companhia, sua fundação, formação e sua consecutiva adoção pelo reino luso. Desde seu Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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início, a Companhia de Jesus teve em Portugal seu principal aliado, protetor e financiador. Tal relação e seus possíveis determinantes são aqui analisados e apresentados.

A expansão e a concessão do padroado real português Desde o alvorecer dos descobrimentos, Portugal carregou consigo uma marca usada para legitimar e dar força à corrida expansionista, ou seja, a Igreja Católica. Na mesma proporção em que Portugal aumentava seus domínios, a Igreja acompanhava o reino luso, representada sempre pelos padres e irmãos das várias ordens religiosas envolvidas neste processo. Em conjunto ao crescimento do reino português, a Igreja levava sua fé e influência a lugares mais distantes que aqueles já alcançados (BOXER, 1981). Portanto, cabe assim dizer que padres e irmãos religiosos sempre estiveram presentes acompanhando os colonizadores. A afirmação vale tanto para os padres das chamadas ordens regulares quanto também para alguns padres seculares, ainda que em menor número. Entendemos, assim, que a presença da Igreja é praticamente inseparável da presença portuguesa, tanto nas terras do Oriente quanto, posteriormente, quando os portugueses aportam na América. Isso porque, tanto Portugal quanto Espanha, enquanto Coroas católicas tinham subjacentes aos seus empreendimentos expansionistas, o dever de proporcionar ainda o terreno, a proteção e os meios para se levar o Cristianismo às novas terras alcançadas. Trazer até os novos termos as verdades e a salvação do Cristianismo era de certa forma uma atividade tida como atribuição inerente aos reinos católicos. Para tanto, o Rei deveria dispor de todos os meios possíveis para pôr seu reino ao “serviço de Deus”. Assim, a expansão territorial de um país como Portugal significava diretamente a expansão do território cristão, a expansão do alcance da Igreja (COSTA, 2004). Ao mesmo tempo e velocidade que portugueses e espanhóis rasgavam os mares em busca de novas terras e novas gentes, a Igreja Católica os acompanhava, em busca (essencialmente) das mesmas coisas. Sendo assim, afirmamos que nas mesmas armadas em que viajavam os descobridores, comerciantes, aventureiros e curiosos estavam também os padres e irmãos religiosos, participando do movimento expansionista do século XVI (BOXER, 2002). Devemos destacar aqui que, quando falamos em presença do Cristianismo, ou mesmo presença da Igreja, esta se refere, materialmente, aos representantes humanos daquela instituição. Por certo, a instituição Igreja não se faz presente 316

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corporalmente, mas, como já dissemos, é representada nesse caso, diretamente pelos padres, irmãos e missionários que acompanhavam cada passo da empreitada portuguesa. Além disso, indiretamente, o catolicismo também foi representado por meio dos portugueses comuns, homens que, embora nem sempre fielmente observantes dos mandamentos católicos, carregavam consigo toda uma cultura arraigada de séculos, exalando o catolicismo por onde estivessem. A cultura religiosa portuguesa, por sua vez, gerava a crença numa espécie de dever divino do rei, ou seja, o mandatário do reino católico teria a obrigação, ou ainda, o privilégio de proporcionar condições de funcionamento às missões, nas terras que estivessem sob sua autoridade. Dessa maneira, pouco a pouco, o cuidado e os investimentos com a pregação do evangelho e a cristianização dos povos vão ocupando parte considerável da empresa expansionista lusitana. Os constantes cuidados dos reis portugueses com as missões em seus domínios desencadeiam assim uma contínua e progressiva concessão de direitos e deveres por parte da Santa Sé em favor das Coroas ibéricas, especialmente Portugal. Esses direitos e deveres versavam sobre a autoridade das Coroas sobre o clero, os convertidos e as igrejas. Segundo Charles Boxer (2002), tais concessões papais receberam juntamente a designação de Padroado (em espanhol Patronato ou Patronasgo). O Padroado como instituição, compreendeu, fundamentalmente, o custeio das missões nas terras de além-mar em troca da autoridade do rei (patrono da missão) sobre o clero que trabalhasse sob seus domínios, além da autoridade sobre as igrejas e a administração das finanças da missão. Destarte, os padres e missionários além de subordinados à Santa Sé e ao Papa (e às suas ordens, quando regulares) deveriam ser também obedientes à sua Coroa financiadora. A união entre a Fé Católica e o Império Português é uma condição sine qua non do período histórico tratado. A aliança estreita e indissolúvel entre a Cruz e a Coroa, o trono e o altar, a Fé e o império, era uma das principais preocupações comuns aos monarcas ibéricos, ministros e missionários em geral. [...] Durante séculos, a união da Cruz com a Coroa foi exemplificado pela peculiar instituição [...] do padroado real da Igreja do ultramar exercido pelas Coroas ibéricas: Padroado Real em português e Patronato (ou Patronazgo) em espanhol (BOXER, 1981, p. 98-99).

No caso da Coroa portuguesa delimitamos então o Padroado Real Português. A fim de pontuar esta especificidade, Boxer prossegue: Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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O Padroado Real Português pode ser vagamente definido como uma combinação de direitos, privilégios e deveres, concedidos pelo papado à Coroa portuguesa, como patrono das missões católicas e instituições eclesiásticas na África, Ásia e Brasil (BOXER, 1981, p. 99).

Evidentemente, o Padroado não consistiu apenas de privilégios para a Coroa Portuguesa, mas sim de um contrato em que cada privilégio recobrava em uma contrapartida por parte dos patronos. Pode-se considerar que a subordinação do clero à autoridade do rei foi talvez um dos mais interessantes direitos instituídos pelo Padroado para os portugueses. Além disso, como já citado, as rendas advindas das missões também eram administradas pela Coroa que direcionava partes delas à Santa Sé e partes à sustentação das próprias igrejas. Tudo isso se somava ainda ao fato de que todos os padres, missionários e bispos passavam pelo crivo da autoridade portuguesa, nas terras submissas a seu Padroado. Além destes supracitados ainda existiram muitos outros direitos, deveres e cláusulas do Padroado Real Português. Os já citados são apenas o exemplo para compreendermos qual a abrangência e importância dessa instituição para a análise das missões portuguesas, sobretudo no Oriente. Posteriormente, citaremos outras particularidades desse Padroado, mas nesse momento, queremos ressaltar que a dualidade entre os direitos e os deveres pôde ser percebida claramente na instituição do Padroado, pois ao mesmo tempo em que os Papas, por meio de suas bulas, agraciavam a Coroa portuguesa com privilégios e regalias sobre o clero e os fiéis, os mesmos documentos insistiam nas condições mínimas necessárias para a conservação e continuidade desses privilégios. Podemos ainda compreender que o bom funcionamento das missões, seu cuidado, cuidado das igrejas, assim como sustento e proteção dos missionários são algumas das condições impostas pela Santa Sé para a adequada manutenção do Padroado Real. O mau funcionamento, abandono ou negligência das missões poderia ocasionar, em extremo, a própria perda do direito de Padroado pela Coroa. O padre Miguel Oliveira (1958, p. 201) resume informando que, O Padroado português compreendia os seguintes direitos e obrigações: apresentação para os benefícios eclesiásticos, incluindo os episcopais; conservação e reparação das igrejas, mosteiros e lugares pios das dioceses; dotação de todos os templos e mosteiros e lugares pios das dioceses; dotação de todos os templos e mosteiros com os objectos necessários

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para o culto; sustentação dos eclesiásticos e seculares adstritos ao serviço religioso; construção dos edifícios necessários; deputação dos clérigos suficientes para o culto e cura das almas.

Em síntese, Oliveira nos mostra que as principais contrapartidas da Coroa lusitana no Padroado eram o recrutamento e transporte dos missionários para as terras a serem evangelizadas; o custeio (pagamento) e proteção dos missionários; além da construção de igrejas, mosteiros, casas, colégios e demais espaços necessários, seu cuidado e manutenção. Vale também recordar que os recursos para o empreendimento do Padroado inicialmente partiram da Coroa lusa, mas, posteriormente, com a instalação e funcionamento das igrejas, tais recursos passaram (em parte) a ser gerados por elas mesmas, por meio das arrecadações inerentes ao seu funcionamento. As concessões de direitos e deveres do Padroado Português mostrados até aqui não aconteceram instantaneamente. O caminho para a sua instituição e seu estabelecimento foi, de certa forma, lento. As concessões papais ocorreram de forma progressiva, pouco a pouco dando corpo àquilo que seria a posterior instituição acabada do Padroado. Os privilégios e os deveres a respeito das missões não foram concedidos em um único momento, mas, pelo contrário, foram sendo trazidos por meio de outorgas sucessivas, porém não contínuas. Os papas trouxeram os direitos e deveres do Padroado, até onde hoje conhecemos, por meio de bulas, breves e recomendações que autorizavam aquilo que era preciso, aquilo que era possível e plausível em cada lance da história da expansão. Podemos compreender que na mesma velocidade em que os domínios portugueses iam crescendo, na medida do aumento do Império, mais benefícios e privilégios eram dados pela Santa Sé. A documentação que institui e legitima o Padroado real Português é extensa, mas novamente o padre Oliveira (1958), nos auxilia destacando aqueles que devem ter especial destaque. São eles: Bula Dum diversas, de Nicolau V, em 18 de junho de 1452; Bula Romanus Pontifex, de Nicolau V, em 8 de janeiro de 1455; Bula Inter caetera, de Calisto III, de 13 de março de 1456, que concede à Ordem de Cristo a autoridade espiritual nas terras portuguesas, guardando porém os privilégios ao rei; Bula Dum fidei constantiam, de Leão X, de 7 de junho de 1514; Bula Pro excellenti praeminentia, de Leão X, de 12 de junho de 1514; Breve Dudum pro parte, de Leão X, de 31 de março de 1516, que concede aos reis de Portugal o direito universal de Padroado em todas as igrejas localizadas em território de domínio lusitano; Bula Aequum reputamus, de Paulo III, de 3 de novembro de 1534, a Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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qual instituiu a diocese de Goa, com jurisdição desde o Cabo da Boa Esperança até a China, passando pela Índia, descrevendo, minuciosamente, os direitos e deveres inerentes ao Padroado; considerada “com razão o principal fundamento do padroado português” (OLIVEIRA, 1958, p. 201). Ainda há outras bulas que, segundo Oliveira (1958), instituem outras dioceses nos territórios do Padroado, reproduzindo a forma da Bula Aequun reputamus. Deve-se atentar ao período compreendido pelos documentos citados por Oliveira: trata-se de um período de 82 anos, em que a Igreja foi chefiada por quatro papas: Nicolau V, Calisto III, Leão X e Paulo III. Além disso, ressalta-se que a documentação não se esgotou com a lista aqui trazida, sendo que aqui se pontuaram apenas os documentos principais. Por meio desses, podemos ter uma ideia de como os processos para consolidação do Padroado aconteceram. De forma lenta, contínua e relacionada ao período, cada um dos Sumos Pontífices concedeu à Coroa o que era necessário e possível ao seu momento histórico, cobrando conjuntamente a resposta advinda das missões. Esses documentos, entre outros, regulamentaram a jurisdição portuguesa sobre a cristandade de seus domínios, o chamado Padroado. Por meio deles, os papas concederam à Coroa Portuguesa os privilégios eclesiásticos que durante muito tempo foram inerentes à expansão territorial desse país. Sendo assim, a atuação dos padres portugueses na Índia, é também regida pelos referidos documentos.

A companhia de Jesus em sua relação com Portugal No século XVI, a Europa assistiu a grandes mudanças no seio de sua sociedade, momento em que há uma série de fatos desencadeando aquilo que Paiva define como uma profunda reorganização social e política. A esse respeito, o mesmo autor esclarece que O século XVI apresenta uma Europa em reorganização social e política. O desenvolvimento comercial em nível global foi, por certo, propulsor de transformações em todas as esferas de relações sociais. Firmavam-se os Estados nacionais, centralizadores da ação política, dos negócios econômicos, dos instrumentos de formação do pensamento. (PAIVA, 2007, p. 239)

Nesse contexto de fortalecimento dos Estados nacionais, do desenvolvimento comercial, da expansão ibérica, do Concílio de Trento e da Contra-Reforma (ou a Reforma Católica) é que nasce, cresce e se desenvolve 320

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a Companhia de Jesus. Inicialmente com a intenção de retomar a Terra Santa, em especial Jerusalém para os cristãos, a Companhia nasce essencialmente permeada de um espírito missionário, sem que pudessem ser, de início, mensuradas a influência, o poder e o futuro alcance da nova ordem. Cabe ainda ressaltar que a Companhia tem seu alvorecer “em um período em que a fé cristã e a Igreja Católica se sentiram ameaçadas em sua tradição” (PAIVA, 2007, p. 241). Insistindo no raciocínio de Paiva, podemos observar que a igreja Católica enfrentava, no século XVI, uma grande crise, principalmente no que diz respeito à exclusividade de autoridade no Cristianismo até então experimentada. O autor nos assevera que: A instituição eclesiástica, organizada nos moldes de reino suzerano, enfrentava os desafios que levaram ao modelo “Estado”, obrigando-se a novo tipo de relações diplomáticas. A verdade revelada – o “depósito da fé” – monopólio da autoridade eclesiástica, vê-se contestada pela afirmação da razão como instrumento auto-suficiente do conhecimento. A fé cristã, por sua vez, era interpretada, com autoridade, por novas Igrejas, despedindo-se da submissão a um magistério único, da crença em dogmas incontestáveis, da uniformidade das liturgias e das devoções. (PAIVA, 2007, p. 241-242)

Nesse período de conturbações políticas e religiosas é que Inácio de Loiola recebe, segundo suas próprias narrações posteriores, “um chamado de Deus”. Militar, Inácio é gravemente ferido em batalha, o que o obriga a longo período de recuperação. Nesse tempo, Inácio passa por experiências particulares em sua espiritualidade, as quais dão início a uma nova fase na vida do mesmo. Tavares nos traz alguns detalhes sobre o fundador da Companhia e a gênese de sua atuação religiosa: A trajectória religiosa de Inácio de Loyola iniciou-se quando convalescia de ferimento grave obtido na batalha de Pamplona em 1521 [...]. A convalescença [...] possibilitou a Loyola entrar em contato com dois livros [...] que grande impressão lhe causou, despertando seu interesse pela vida religiosa e por seguir em peregrinação aos lugares santos. Depois de reestabelecido, Loyola executou o plano de peregrinação e, ao longo dessa viagem, desenvolveu os famosos exercícios espirituais [...]. (TAVARES, 2004, p.92, grifado no original) Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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O efetivo início da Companhia de Jesus se deu quando Inácio de Loiola juntou a si, na Universidade de Paris, um grupo de seis companheiros, com quem à época compartilhou os seus Exercícios Espirituais e mesmo a fundação da Companhia: Simão Rodrigues, Francisco Xavier, Nicolau de Bobadilha, Diogo Laiñez, Alonso de Salmerón e Pedro Fabro. A ordem teve de esperar ainda pela deliberação papal sobre o seu reconhecimento oficial, porém, a partir de seu início os membros fundadores já estabeleceram os principais pontos de sua doutrina, seus objetivos iniciais e seus votos: O grupo inicial que se reuniu à volta do Fundador era formado por seis estudantes da Universidade de Paris entre os quais se contavam o navarro S. Francisco Xavier e o português Simão Rodrigues. A 15 de Agosto de 1534, em Paris, fizeram voto de castidade e de pobreza, na capela de S. Dinis, na colina de Montmartre, com promessa de ir em peregrinação a Jerusalém e pregar o Evangelho entre os infiéis. Se não pudessem realizar essa viagem dentro de um ano, iriam a Roma, pondo-se sob a obediência do Papa para que os enviasse onde entendesse. Foi o que veio a acontecer, já que a guerra com os turcos impossibilitou a partida de Veneza onde tinham esperado, em vão, passagem para a Terra Santa. (JESUÍTAS, 2012)

A oficialização da ordem se deu no dia 27 de setembro de 1540, mediante a bula Regimini militantis Ecclesiae, do Papa Paulo III. Nesse sentido, é sempre relevante lembrar que a Companhia de Jesus optou por fazer, para além dos três votos comuns às demais ordens religiosas, um quarto voto, que estabelecia sobre os seus membros a cláusula de obediência irrestrita às ordens do Papa no que dissesse respeito às missões. A partir dessa bula estava oficialmente criada e reconhecida a Companhia de Jesus (Societas Iesu) que, posteriormente, se tornaria um dos principais instrumentos reformadores da Igreja (COSTA, 2004). Henrique Rosa S. J., discorrendo sobre como seria o agir e fazer da nova Companhia, escreve:

Que era pois a nova Ordem? – Era uma espécie de milícia, arvorando por insígnia o nome de Jesus, e inscrita sob a bandeira da Cruz, para servir só ao Senhor e ao seu Vigário na terra, desejando principalmente auxiliar as almas na vida cristã, na doutrina, na propagação da fé, mediante pregações públicas e todo ministério da palavra de Deus, os Exercícios espirituais e as obras de caridade, em especial a instrução cristã às crianças e pessoas rudes, e a consolação espiritual dos fiéis no tribunal da penitência.

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Tudo isso porém devia realizar-se nos lugares e missões que fossem do agrado do Sumo Pontífice, a quem a nova milícia estava ligada, além do vínculo comum, por um voto especial de obediência, como a Vigário de Cristo. [...] Fundada assim a Companhia de Jesus em seus traços essenciais, trazia desde o berço o nome de seu Capitão, não com o intuito humano de salientar-se, mas para combater como um esquadrão ligeiro, pronto sempre a levar reforço aonde quer que chamasse a voz ou o aceno do chefe. (ROSA, 1954, p. 39-40)

Antes da oficialização da Companhia, data de 1540, ela já iniciou sua mais importante aliança: a associação ao reino lusitano. Costa (2004, p. 25) define como “próspera” a relação da Companhia de Jesus com a Coroa Portuguesa e, segundo o mesmo autor, em 1538 já há o registro de uma carta endereçada a D. João III, informando-o sobre e existência dessa nova ordem religiosa e ainda indicando-os ao monarca como possíveis “reforços” para as missões ultramarinas, especialmente as do Oriente. O autor da carta é Diogo de Gouveia e, assim, podemos compreender que antes mesmo de sua oficialização, a Companhia já possuía a simpatia da Coroa Portuguesa, tanto que, nos anos que se seguiram, tornou-se a principal ordem a atuar sob a bandeira do Padroado luso. Depois de informado por Diogo de Gouveia, seu embaixador em Paris, sobre esses a quem chamavam de padres renovados, o rei D. João III demonstrou grande interesse nos mesmo, sugerindo desejo de que esses viessem a ser missionários nas conquistas portuguesas. Em 1539, D. João III envia carta a seu embaixador em Roma, D. Pedro Mascarenhas, ordenando que ele se certificasse das informações recebidas a respeito dos inacianos e, em caso de veracidade, os convidasse a exercer seu ministério sob a bandeira da Coroa lusitana. O embaixador entrou em contacto com Loyola e com o Papa, solicitando seis padres para o propósito revelado pelo soberano português. Mas como isso ocorreu nos momentos iniciais da fundação da ordem, só foi possível a destinação de dois religiosos: Simão Rodrigues e Nicolau Bobadilha. O segundo veio a adoecer e em seu lugar foi designado Francisco Xavier. [...] Em 1540 chegaram a Lisboa [...]. Os dois causaram grande impressão na corte portuguesa [...], fazendo com que o rei Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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retivesse Simão Rodrigues para o trabalho religioso em Portugal, enviando Francisco Xavier para o Oriente, em 1541. (TAVARES, 2004, p. 102)

Com a ida de Simão Rodrigues e Francisco Xavier a Lisboa, abriu-se um caminho que não mais se fechou. A partir deles, os jesuítas não mais se ausentaram do território português e também das missões do Padroado Luso5. Em Portugal e seus domínios, os jesuítas angariaram proteção, acolhida e financiamento, e assim puderam empreender grandes obras tais como mosteiros, colégios, igrejas, casas... Sempre contando com a ajuda e benefícios advindos da Coroa. Dessa maneira, pode-se afirmar que: O apoio imediato da coroa foi consubstanciado pelo suporte material e financeiro para as despesas dos religiosos e sua manutenção em solo português, marcando o início de uma política amistosa do poder real com os jesuítas, e que seria bem acolhida pelos sucessores do trono durante a dinastia de Avis (ASSUNÇÃO, 2004, p. 92).

Temos aqui que destacar o fato de que Simão Rodrigues fica em Portugal ao mesmo tempo em que Francisco Xavier parte para a Índia, em 1541. Na corte portuguesa, Simão Rodrigues e Francisco Xavier já haviam ganhado a simpatia de altas autoridades, em especial a do rei D. João III e ainda também da rainha (COSTA, 2004). Enquanto Xavier parte para inaugurar a atuação missionária da Companhia de Jesus no Oriente, Rodrigues permanece no reino, com a missão de “plantar” a Companhia de Jesus em Portugal. Podemos metaforicamente dizer que o plantio de ambos foi deveras proveitoso. Xavier revoluciona as missões nas Índias ao passo em que Rodrigues angaria apoio na corte, tanto que, em todo mundo, a primeira Província da Companhia de Jesus foi erigida em Portugal, no ano de 1546, quando Loiola “promoveu Simão à dignidade de Provincial” (RODRIGUES, 1938, p. 38). O crescimento da Companhia de Jesus em Portugal foi, podemos dizer, vertiginoso. Contando com numerosos benfeitores, sempre com destaque especial ao rei D. João III, a Companhia ganhou no reino lusitano uma espécie de predileção, a qual os fez, durante muito tempo, sobressair sobre as demais ordens que também militavam em solo português.

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Isto é, até o ano de 1759, quando de sua expulsão deste território, pelo Marquês de Pombal.

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Para ilustrar o crescimento (que na verdade foi muito maior do que aqui vai se apresentar), podemos trazer algumas fundações da Companhia. Antes e após a oficialização da Província Portuguesa da Companhia de Jesus em 1546, as concessões portuguesas aos inacianos e as fundações de casas, mosteiros e colégios provaram um grande e rápido crescimento: em 1542 foi fundou-se o Colégio de Jesus em Coimbra; em 1551 o Colégio do Espírito Santo, em Évora; em 1553, a casa professa de São Roque, em Lisboa (esta, centro das atividades jesuíticas na capital lusitana); ainda em 1553, o Colégio de Santo Antão, também em Lisboa; e, em 1559, foi entregue aos inacianos a Universidade de Évora. A proximidade com a Coroa certamente favoreceu os jesuítas no que diz respeito ao prestígio e às doações/concessões alcançadas. Novamente recorrendo a Assunção podemos compreender que: A atuação direta junto ao poder monárquico e a corte eram inevitáveis, pois se revelava como uma forma possível de alicerçar o prestígio que se reverteria em privilégios temporais, garantindo o crescimento da missão jesuítica na condução da humanidade para o cristianismo. O convívio com os monarcas na corte facilitaria a obtenção de privilégios que não tardariam a chegar. A atenção de D. João III, para com a Companhia de Jesus, foi zelosa desde a chegada dos primeiros religiosos da Ordem em terras portuguesas [...]. O projeto do monarca para a atuação dos religiosos em suas terras dirigia-se a dois pontos distintos: primeiro, enviar missionários para atender o Oriente, ação empreendida em 7 de abril de 1541, com o envio do Pe. Francisco Xavier para as Índias; segundo, a consolidação da Companhia de Jesus no reino, [...] responsabilidade que coube ao Pe. Simão Rodrigues. O rei lusitano constituía as bases de um projeto tendo como intuito a consolidação da fé católica por todo o disperso império português. (ASSUNÇÃO, 2004, p. 98)

A intencional ação de D. João III em beneficiar e acolher a Companhia em Portugal tinha também uma parcela a receber por parte do reino: como lemos acima, esperava o rei que estes padres, por meio de sua ação renovadora, pudessem avivar o catolicismo português, instrumento crucial para sua unidade. Talvez por isso a valorização do jesuíta que, a partir dos primeiros contatos, passa a exercer em Portugal e nas missões ultramarinas os papéis de educadores, pregadores, missionários e confessores dos reis e das cortes. A afirmação pode ser comprovada também pela alcunha de “apóstolos” que logo alguns jesuítas Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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alcançaram nas terras portuguesas. Os jesuítas que frequentavam as cortes reais eram, por vezes, os mesmos que visitavam os hospitais, os doentes, os encarcerados e que realizavam todos os tipos de trabalhos para propagação do cristianismo. A força política e a influência da Companhia foram tão grandes que, mais de dois séculos, ela esteve à frente do único sistema coeso de educação que havia em Portugal e seus domínios. As ações da Companhia de Jesus nos territórios portugueses destacaramse, ainda, pelo impacto causado às missões portuguesas nos espaços ultramarinos, em especial os trabalhos de Xavier na Índia e dos primeiros jesuítas no Brasil, chefiados por Manuel da Nóbrega. As formas e os métodos de evangelização e catequese dos padres jesuítas trouxeram ao Padroado Português resultados inéditos, situações de crescimento (qualitativo e quantitativo) nunca vistas, desde o desembarque dos primeiros padres nas Índias. O trabalho e o esforço dos padres da companhia no batismo e ensino dos nativos fizeram com que o número de conversões se multiplicasse, segundo os documentos, cartas e descrições pesquisadas para elaboração deste trabalho. É necessário novamente destacar, ainda, que sob pena da prolixidade, que a Companhia de Jesus traz em si as marcas da realidade a que está vinculada. A constituição, formação e atuação inaciana expressa consigo a necessidade premente de uma reforma da Igreja, de uma renovação das formas de agir, de ser e de estar do corpo clerical dessa instituição. Essas discussões são, em sua maior parte, advindas do Concílio de Trento. O jesuíta é, novamente nas palavras de Costa, um “instrumento da Reforma Católica” (COSTA, 2004, p. 118). Seguindo no raciocínio proposto por Costa, a estreita ligação da Companhia com as resoluções de Trento deve ser percebida na leitura das Constituições, “quando se encontra naquelas regras e normas a valorização da formação intelectual dos futuros padres” (COSTA, 2004, p. 127). Concordando com a tese de Costa, ainda trazemos o apontamento de Manso afirmando que: A política missionária dos jesuítas fez parte integrante da renovação tridentina da Igreja Católica. A formação a ser ministrada ao clero passou a ser uma das principais preocupações. Para isso foram criados seminários, destinados à preparação de homens capazes de executarem com rigor as tarefas pastorais: pregação, liturgia e administração dos sacramentos. [...] A Companhia de Jesus foi a Ordem que melhor respondeu às novas exigências doutrinais [...]. (MANSO, 2009, p. 132)

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Prosseguindo na tese da autora, compreendemos que o jesuíta e sua formação representam uma forte valorização dos sacramentos, da pregação e da liturgia católica propriamente dita. A valorização de tais objetos de fé é necessária à Igreja Católica, que os emprega em resposta direta aos movimentos protestantes, pois estes, em sua pregação, desvalorizavam justamente os referenciados sacramentos, atribuindo o valor primordial à chamada “justificação pela fé” (MANSO, 2009, p. 132). Compreendendo a Companhia de Jesus como um instrumento da renovação e reforma da Igreja Católica é, então, possível afirmar tal argumento como um dos motivos pensados para a escolha dos jesuítas para as missões lusitanas. Assim, a chamada da nova ordem para as missões portuguesas pode ser justificada justamente pelo caráter renovador que a mesma apresentou desde sua fundação. Não se pode negligenciar o fato de que já havia se passado quase meio século desde o início das missões no Oriente, e os resultados vindos daquelas partes continuavam pequenos. Podemos inferir que D. João III imaginava que a renovação, a mudança, talvez pudesse resultar num aprimoramento desse quadro, o que de fato entendemos ter ocorrido alguns anos mais tarde. Ainda que Portugal não tivesse sentido os abalos da Reforma Protestante tanto quanto outros países da Europa (Alemanha e Holanda, por exemplo), D. João III pretendia dispor desses padres para a Reforma da Igreja no reino e nas conquistas, tornando mais segura à permanência dos súditos nos dogmas e na fé Católica. Portanto, mesmo sem fortes ameaças protestantes, a Igreja em Portugal também urgia de uma renovação, urgência esta que encontrava o mais profundo sentido de seu significado nas missões do Oriente. Ou seja, Interessado em renovar as actividades do clero e religiosos que se movimentavam nos espaços ultramarinos, o rei parece ter encontrado na formação e programa da nova Companhia uma possível saída para o incremento da evangelização dos espaços asiáticos. [...] Os jesuítas haviam inserido no coração de seu carisma a castidade, a obediência e a pobreza, comprometendo-se a deslocarem-se para onde quer que o Papa os quisesse enviar, características que dotaram imediatamente a Companhia de um grande dinamismo e sentido de eficácia que se viria a revelar instrumentalmente útil nos complexos espaços da presença oriental portuguesa (MANSO, 2009, p. 37-38).

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A autora continua sua análise, referindo-se à Companhia de Jesus como necessária à missionação oriental, e traz como justificativa o que considera como insucessos, ou seja, os resultados do trabalho missionário naqueles territórios experimentados pelas demais ordens mendicantes. Além disso, Manso destaca o que classificou como “precária preparação” dos religiosos das demais ordens, frente à complexidade das religiões orientais, dificuldade essa ampliada pelo quase total desconhecimento da língua e cultura orientais pelos padres. A autora mostra que até então havia um número muito reduzido de clérigos nas missões e completa, ainda, afirmando que a disciplina e a hierarquia próprias da Companhia davam a ela condições indispensáveis para triunfar onde outros haviam fracassado. Tal triunfo representaria, na prática, maior conversão de nativos, consequentemente fazendo com que fossem servos e súditos mais fiéis aos projetos de domínio engendrados pela Coroa lusa. Em consonância com todo o afirmado, queremos aqui compreender que o ato de convidar, trazer, proteger e financiar os jesuítas em Portugal e domínios expressa diretamente a urgência percebida por D. João III de um projeto de evangelização que realmente alcançasse de maneira plena as conquistas orientais, alargando o Cristianismo, elemento cultural e religioso crucial para agregação social do Império pretendido. Se havia algo que poderia unir portugueses e conquistados sob uma só identidade, um só governo, um só Império, era o fato de terem uma só religião. O Cristianismo foi o mais importante elemento aglutinador do Império Português. Fracassar na evangelização oriental poderia representar, em longo prazo, fracassar no próprio projeto de domínio português. Com a intenção de fortalecer os laços da religião cristã e, consequentemente, o sentimento de pertença ao Império Português, D. João III agrega um novo e poderoso instrumento às missões de seu Padroado: qual seja a Companhia de Jesus. Por sua vez, a Companhia de Jesus, representada na pessoa de Inácio de Loiola, conhecia muito bem a necessidade de um padrinho, um protetor, um Patrono. Para sucesso e expansão da Companhia se fazia preciso uma agência financiadora, uma fonte da qual os jesuítas pudessem dispor para custeio de seus projetos e mesmo de seus membros. Daí a figura de D. João III como “benfeitor da Companhia”. Ao contar com a proteção, o impulso e mesmo o financiamento da Coroa Portuguesa (representando um dos mais influentes poderes políticos da época), a Companhia estava recebendo a legitimação da sua importância como nova ordem frente aos problemas, dificuldades e enclaves que a Igreja Católica enfrentava em meio ao século XVI. 328

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Conclusão Pretendeu-se, neste artigo, abordar a forma como paulatinamente ocorreu a concessão do Padroado Real Português por parte da Santa Sé à Coroa Lusitana, como forma de responsabilizar a empresa expansionista pelas missões ao mesmo tempo em que lhe concedia em contrapartida uma série de benefícios. Além disso, tratamos sobre a forma como a Companhia de Jesus entrou em íntimo relacionamento com os portugueses desde sua fundação, tomando espaço central nas missões do Padroado na Índia e no Oriente como um todo. Consideramos a exposição ora feita é indispensável no sentido de situar-nos no contexto mais amplo que envolveu as missões catequéticas e por consequência a ação da Companhia de Jesus nas Índias. Quanto às ações da Companhia na Índia, vemos Boxer nos afirmando que: [...] foi a Companhia de Jesus, em seu papel de ponta-delança da Igreja militante, que tornou a luta pelas almas tão intensa e ampliada quanto a competição pelas especiarias. Os filhos de Loiola estabeleceram e mantiveram padrões muito mais elevados do que seus predecessores, e o notável desenvolvimento das missões portuguesas entre 1550 e 1570 deveu-se sobretudo à obra deles [...]. (BOXER, 1981, p. 81)

A situação descrita acima por Boxer não é exceção na Índia. A partir da chegada dos padres da Companhia de Jesus, em 1542, houve uma real e satisfatória mudança, representando um verdadeiro impulso das missões orientais. Cabe aqui, também, destacar que, mesmo com o advento dos jesuítas, os missionários das outras ordens que já estavam nas Índias continuaram em suas atividades, como, também, mais desses missionários de diversas ordens continuaram a ser enviados para a missão. Entretanto, a partir de sua chegada, ou mais propriamente, a partir de suas primeiras relações com a Coroa Portuguesa, os jesuítas adquirem um lugar privilegiado em relação às outras ordens. Coube a este trabalho o esforço de esclarecer o papel da Igreja na Expansão Portuguesa e situar a Companhia de Jesus como intensa participante dessa empresa, já no alvorecer de sua existência.

Referências ASSUNÇÃO, P. Negócios Jesuíticos: o cotidiano da administração dos bens divinos. São Paulo: Editora USP, 2004. Rev. Humanidades, Fortaleza, v. 31, n. 2, p. 314-330, jul./dez. 2016

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BOXER, C. R. A Igreja e a Expansão Ibérica (1440-1770). Lisboa: Edições 70, 1981. ________. O Império Marítimo Português (1415-1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002. COSTA, Célio Juvenal. A racionalidade jesuítica em tempos de arredondamento do mundo: o Império Português (1540-1599). 2004. 158 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Metodista de Piracicaba, Piracicaba, 2004. JESUÍTAS em Portugal: história. [2012?]. Disponível em: . Acesso em: 12 jun. 2012. MANSO, Maria de Deus Beites. A Companhia de Jesus na Índia (1542-1622): Actividades Religiosas, Poderes e Contactos Culturais. Macau: Universidade de Macau, 2009. OLIVEIRA, P. Miguel de. História eclesiástica de Portugal. 3. ed. Lisboa: União Gráfica, 1958. PAIVA, José Maria de. A política em Santo Inácio (1491-1556). IN: MAINKA, Peter Johann (Org.). A Caminho do Mundo Moderno: concepções clássicas da filosofia política no século XVI e o seu contexto histórico. Maringá: EDUEM, 2007. p. 239-259 RODRIGUES, Francisco S. J. História da Companhia de Jesus na Assistência de Portugal: tomo segundo. Porto: Apostolado da Imprensa, 1938. 1 v. ROSA, Henrique. Os Jesuítas: de sua origem aos nossos dias. Petrópolis: Vozes, 1954. TAVARES, Célia Cristina da Silva. Jesuítas e inquisidores em Goa: a cristandade insular (1540-1682). Lisboa: Roma Editora, 2004.

Recebido em: 03/08/2016 Aprovado em: 19/10/2016

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