A COMPLEXIDADE DO MEIO AMBIENTE REQUER UMA CIÊNCIA CONSCIENTE E TRANSDISCIPLINAR

May 30, 2017 | Autor: M. Quaranta Gonça... | Categoria: Biodiversity, Educação Ambiental, Complexidade, Interdisciplinaridade, Biodiversidade
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A COMPLEXIDADE DO MEIO AMBIENTE REQUER UMA CIÊNCIA CONSCIENTE E
TRANSDISCIPLINAR


Márcio Quaranta
Mestre em Educação - Analista Ambiental, FLONA de Ipanema/ICMBio
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Rios poluídos a exalar odores fortes; lixo espalhado por ruas e
calçadas; bolsões de miséria ao lado de templos do consumismo irrestrito;
desmatamento da Amazônia; depleção da camada de ozônio; aquecimento
global... Em âmbito local ou planetário, danos causados pela ação do ser
humano sobre o meio ambiente, a prejudicar outros seres vivos e a sua
própria espécie, vias para criar um mundo inabitável, com base em uma
ciência e uma cultura onde não há o sentimento ou a preocupação de
preservar um meio ambiente propício à vida.
Ambiente, pela origem etimológica da palavra, significa tudo o que
está em volta, que envolve um determinado ponto ou ser, uma entidade real a
interagir com um ser ou o conjunto de seres por ela envolvidos, situados em
seu meio.
Para Coimbra (2002), o meio ambiente, inseparável das pessoas, tudo o
que está à sua volta, não deve ser confundido com natureza, ecossistema ou
habitat; este é o local onde uma espécie viva cumpre as funções biológicas
necessárias à sua sobrevivência; no ecossistema agem, em estreita, dinâmica
e mutável relação, fatores bióticos como os produtores
(fotossintetizantes), os consumidores (animais) e os decompositores (fungos
e bactérias), e abióticos como o calor, a umidade, o vento, os sais
minerais no solo, a luz, etc. Meio Ambiente consagrou-se como a forma de
designar uma grande realidade que a todos envolve, a partir dos elementos
naturais e das ações antrópicas; conjunto de fatores, processos e
realidades complexos, onde imergem indivíduos e comunidades, ele rodeia de
forma permanente todos os seres vivos e não-vivos que o compõe, em especial
o ser humano. Não há meio ambiente sem a presença de vida, sem os seus
elementos se ordenarem para a vida. O meio ambiente engloba aspectos
históricos, culturais, sociais, econômicos, tecnológicos e políticos, a
interação dos humanos com outros seres vivos, de sua espécie ou não, e com
fatores abióticos, em sistemas naturais ou nos elaborados pela cultura,
onde a espécie humana cambia intencionalmente a natureza para organizar seu
espaço e sua convivência; integram-no ainda os monumentos naturais,
históricos e artísticos, as áreas protegidas, a memória humana e o espírito
dos lugares.
O meio ambiente, para Bornheim (2001), pertence à condição humana, não
se acresce a partir de fora ao Homem; este não vive sem um meio ambiente,
não prescinde de um meio ambiente, algo próprio à sua condição humana.
Inserido na natureza, o ser humano conflitava pouco com seu meio ambiente;
o progresso da civilização acentuou os embates e a relação humana com o
meio ambiente dramatizou-se.
O Homem alterou seu meio ambiente desde tempos imemoriais, ativamente
participou na destruição de ecossistemas e na extinção de espécies animais
e vegetais, agravadas com o desenvolvimento tecnológico, a revolução
industrial e a expansão de ambientes sociais agressivos e insalubres, como
as grandes cidades, indissociavelmente ligados ao modelo de Ciência em
vigor a partir do século XVII. Entre o mais peculiar da ciência moderna,
Morin (1999) salienta a eliminação do sujeito observador, a extrema
objetividade, a separação de aspectos do real (reduzido a modelos com leis
imutáveis e deterministas, a simplificação), a obediência à ética única do
conhecimento, a ausência de julgamentos de valor e um caráter ambivalente:
tal forma de praticar Ciência trouxe inúmeros benefícios à humanidade (como
no campo da saúde), inseparáveis de riscos como a da extinção da espécie
pelas armas ou pelas alterações ambientais globais. O Homo sapiens/Homo
demens não pode se eximir da responsabilidade de praticar ciência com
consciência e assumir todas as conseqüências dos resultados de suas
investigações.
O complexo meio ambiente, plenitude de emergências, unidade na
diversidade e vice-versa, fruto da interação turbulenta e recursiva,
antagônica e complementar, entre a natureza, sistema complexo dotado de
auto-eco-organização, e o Homem, ser complexo, em que se indissociam o
biológico e o cultural, exige uma pesquisa que integre todos os seus
aspectos (físico, biológico, cultural, social, histórico, etc.). Para Morin
(1999), tal realidade requer um novo tipo de pensamento, não simplificador,
mas integrador, processual, dialógico, apartado da objetividade absoluta
(reintegra objeto e observador), capaz de perceber os paradoxos do real, de
conviver com a incerteza e a ambigüidade, de articular diversos campos do
saber, como a arte, a filosofia e as ciências, dentro de um paradigma
profundamente ético: o pensamento complexo.
Restaurado o sujeito, o conhecimento se assume como
reconstrução/tradução por um espírito/cérebro dentro de determinada
cultura, em determinada época; não se abdica dos princípios de ordem, nem
se autorizam todas as transgressões ou se expulsam todas as certezas; não
se opõe um holismo global a um reducionismo mutilador; integra-se o
pensamento linear ao sistêmico, há um ir e vir entre certezas e incertezas,
um distinguir e unir simultâneos, um repor as partes na todo e o todo nas
partes (MORIN, 2006).
A questão ambiental não se reduz a um mero problema técnico. A
humanidade precisa se repensar, cuidar melhor de si mesma e da
biodiversidade da Terra. Retomar as responsabilidades com relação a seu
meio ambiente exige uma consciência ecológica, expressão do conhecimento,
do sentimento do bom ou mau, vero ou falso, cumplicidade com o meio
ambiente (COIMBRA, 2002). A consciência ecológica seria uma alma da
personalidade ambiental humana: singular e coletiva, válida para cada
indivíduo e para a sua sociedade, instância interior a notificar o Homem,
de modo pessoal e perceptível, indicaria a posição a assumir, o que fazer
ou omitir quanto ao meio ambiente; antes de o Homem nele intervir, previne-
o sobre as conseqüências de sua ação; consumada esta, recompensa-o ou
condena-o pelos resultados da intervenção. No entanto, poderosos inimigos
travam uma inglória luta contra a consciência ecológica: o consumismo
desenfreado, o culto ao poder e a manutenção do status vigente.
Como abordar em Ciência o tema meio ambiente?
Para D'Ambrosio (2001), a via das disciplinas isoladas distorce o
pensamento, fragmenta conhecimentos e saberes; gera desatenção, descaso com
valores, irreflexão sobre conseqüências e implicações, conflitos
interiores, sociais, ambientais e armados; aborda apenas alguns aspectos da
realidade, situa-se como uma das causas da própria questão ambiental.
Superá-la exige reunir resultados obtidos por diversas disciplinas.
Nicolescu (1999) propõe criar laços entre as disciplinas: na
pluridisciplinaridade (multidisciplinaridade), várias disciplinas abordam
em conjunto um objeto de pesquisa, cujo conhecimento se enriquece em tal
cruzamento. Especialistas de diversas disciplinas contribuem com seus
pontos de vista, com elementos que cada especialização aconselha a inserir,
mas cada qual trata tal objeto apenas com seus próprios critérios (COIMBRA,
2002). Embora a multidisciplinaridade só justaponha resultados obtidos por
disciplinas distintas (D'AMBROSIO, 2001), a interligação ordenada de
disciplinas se apresenta como o mínimo aceitável ao se pesquisar o meio
ambiente (COIMBRA, 2002).
A interdisciplinaridade transfere métodos de algumas disciplinas para
outras, identifica novos objetos de estudo, cria novas disciplinas, mas seu
escopo ainda se atém ao campo disciplinar (NICOLESCU, 1999); especialistas
de múltiplas áreas discutem pontos de vista específicos, investigam
contradições entre seus enfoques, ponderam a importância de cada
especialização na pesquisa de um tema ou objeto (D'AMBROSIO, 2001);
estabelecem-se vínculos entre as disciplinas, busca-se um entendimento
comum e o envolvimento direto dos interlocutores, cada um com sua
metodologia própria, nos limites de seu campo; não se alcança uma linguagem
comum (COIMBRA, 2002).
A abordagem interdisciplinar do Homem ou do Meio Ambiente implica uma
convergência para facilitar a fixação dos pontos comuns e a conciliação dos
contrários; na prática, ocorre nos trabalhos de campo e nas pesquisas
conjuntas, quando se supera a dissociação entre teoria e ação, na procura
de resultados práticos. O esforço dissipado no exercício interdisciplinar
deve levar a uma síntese da problemática ambiental, das posições teóricas e
práticas a respeito do Meio Ambiente (COIMBRA, 2002).
A transdisciplinaridade situa-se, ao mesmo tempo, entre as
disciplinas, através e além das disciplinas, embora se alimente da pesquisa
disciplinar (NICOLESCU, 1999); ao transcender os limites dos métodos e os
objetos de estudo das disciplinas, recupera as várias dimensões do ser
humano para compreender o mundo integralmente; seu enfoque holístico
procura elos entre peças compartimentadas por séculos; não se contenta em
aprofundar o conhecimento das partes, mas com a mesma intensidade procura
conhecer as ligações entre as mesmas; não reconhece maior ou menor
essencialidade de qualquer parte sobre o todo (D'AMBROSIO, 2001). Aberta,
respeitosa, humilde, ela rejeita toda forma de arrogância ou prepotência;
respeita quaisquer mitos, religiões, sistemas de explicação e
conhecimentos; aceita as idéias e tradições culturais oriundas de todo o
planeta, nega existirem espaços e tempos culturais privilegiados, capazes
de julgar e hierarquizar outros complexos de explicação e convivência com a
realidade, que cercam as pessoas (D'AMBROSIO, 1997). Na
transdisciplinaridade, o pesquisador transcende a si mesmo, coloca-se no
lugar de outrem, pensa e sente como ele (empatia), supera sua formação
acadêmica e cria um novo tipo de conhecimento ao explorar temas de caráter
complexo (COIMBRA, 2002). D'Ambrosio (2001) associa a transdisciplinaridade
ao despontar da criatividade, da capacidade de se lidar com situações
novas, de criar novas seqüências de ações e de explicações; os
conhecimentos disciplinares, multidisciplinares e interdisciplinares devem
continuar a ser ampliados e cultivados, embora só conduzam a uma total
visão da realidade ao se subordinarem ao conhecimento transdisciplinar. Na
transdisciplinaridade, adquire-se o conhecimento de forma contínua, sem
intermitência, como resultado de reflexões e de elaborações sobre
experiências reais e imaginárias; ela mescla a construção do imaginário com
a percepção do real, um atributo da consciência.
Um ideal para a pesquisa científica, a abordagem transdisciplinar
religa vários saberes e áreas do conhecimento, afigura-se como necessária
ao pensamento complexo, metodologia imprescindível para abordar a questão
ambiental e caminho para o Homem alcançar uma era da consciência
(D'AMBROSIO, 2000), na qual se tornará plenamente responsável pela paz com
a natureza, com o meio ambiente e com o cosmos.
REFERÊNCIAS

BORHHEIM, G. A. A temática ambiental na sociedade contemporânea. In:
Educação: teoria e prática. Rio Claro, SP, v. 9, n. 16-17, p. 1-9,
jan./jun. e jul./dez. 2001.
COIMBRA, J. de A. A. O outro lado do meio ambiente: uma incursão humanista
na questão ambiental. Campinas, SP: Millenium, 2002.
D'AMBROSIO, U. A era da consciência: aula inaugural do primeiro curso de
pós-graduação em ciências e valores humanos no Brasil. 3. ed. São Paulo:
Fundação Peirópolis, 2000.
D'AMBROSIO, U. Educação para uma sociedade em transição. 2. ed. Campinas,
SP: Papirus, 2001.
D'AMBROSIO, U. Transdisciplinaridade. São Paulo: Palas Athena, 1997.
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1999.
MORIN, E. Da necessidade de um pensamento complexo. In: MARTINS, F. M. &
SILVA, J. M. da. Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e da
cibercultura. Porto Alegre: EDICPUCRS, 2000. Disponível em:
http://geccom.incubadora.fapesp.br/portal/tarefas/projetos-em-multimeios-i-
e-ii-puc-sp/textos-uteis/pensamentocomplexo.pdf. Acesso em 18.mai.2008.
NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 1999.
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