A complexidade do simples - Criação do conto musical \'A Caixa dos Laços\'

July 4, 2017 | Autor: Rudesindo Soutelo | Categoria: Music, Amusia, Música, Educação Artística, Criação
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Rudesindo Soutelo

A COMPLEXIDADE DO SIMPLES Criação do conto musical A Caixa dos Laços

Mestrado em Educação Artística Área de Especialização em Educação Artística Trabalho efetuado sob a orientação da Professora Eugénia Moura

Setembro de 2010

Nota: Redigido ao abrigo das normas do Acordo Ortográfico

Citação bibliográfica: Soutelo, R. (2010). A complexidade do simples – Criação do Conto Musical 'A Caixa dos Laços'. (PDF ed.). Vila Praia de Âncora, Portugal: Autor.

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À Nela

Agradecimentos Uma vida inteira dedicada à música precisaria de muitas páginas para mencionar todas aquelas pessoas que puseram o seu grau de sabedoria na construção do meu ser. A todas elas lhes estou muito agradecido, mesmo às que não foram coincidentes ou manobraram com intenções pouco benévolas porque o seu contributo também foi essencial para o meu crescimento. Da interação de absolutamente toda essa abundante confluência de sabedoria é que posso pôr em ebulição as ideias e criar arte, cultura e economia, quer dizer, conhecimento. Muito obrigado. Mas a concretização desta dissertação de mestrado tem nomes em destaque. Em primeiro lugar –“in principio erat verbum”– a Doutora Eugénia Moura que, para além de paciente orientadora, foi quem me pôs a fervilhar as ideias com a encomenda de um conto musical; espero que esteticamente goste da obra resultante. A Doutora Anabela Moura, criadora e ‘animadora’ do Mestrado de Educação Artística no IPVC que me encorajou a candidatarme. O Doutor Carlos Almeida, coordenador do Mestrado, pela disponibilidade constante. Os Professores que desenvolveram a parte curricular, pela sua paciência, nomeadamente aqueles com os que mantenho manifestas discrepâncias estéticas e artísticas, porque me obrigaram a apurar os argumentos. A bibliotecária, Sónia Silva, pela ajuda em encontrar alguns livros esgotados. Os colegas de mestrado, pelos ânimos que mutuamente nos transmitimos. Os meus alunos, porque tiveram de refletir sobre os enigmas. Os amigos, conhecidos e contactos diversos, por participar nas minhas teimas lendo, comentando ou discutindo os meus escritos. Os laços deste conto nunca seriam o que são sem os pincéis de Núria Guardiola, artista plástica que transforma os meus laços em obras de arte e portanto em peças únicas, mágicas e inspiradoras, pelo que lhe estou transcendentemente agradecido. Fora de protocolo, um agradecimento muito especial, intemporal, sonoro e vibrante à Professora Manuela Moura que lê, relê, faz sugestões e depura todos os textos que produzo, e ainda ‘triangulou’ o conto com os seus alunos. Direta ou indiretamente providenciaram contributos valiosos para este relatório, e pelos quais estou muito agradecido, os alunos da Turma A do 5º ano da EB de Vila Praia de

Âncora (Alex, Ana, Bruno, César, Eduarda, Fernando, Inês, João M., João P., Joaquim, Jorge, Juliana, Mafalda, Maria, Mariana, Marta, Marta[2], Miguel V., Miguel P., Mónica, Nuno, Rafaela, Tatiana e Tiago) e a Turma de Área de Projeto e o Coro da Academia de Música Fernandes Fão de Vila Praia de Âncora (Alexandra, Ana, Júlia, Carlos, Catarina, Cláudia, Eva, Frederico, Joana, José F., José M., Maurício, Miguel, Pedro, Rúben, Sara, Sofia, Tânia, Teresa N. e Teresa F.). E a nível pessoal o agradecimento estende-se a: Rafael Araújo, Lurdes Brito, Duarte Carvalhosa, Carlos Durão, Ana Escoval, Idílio Fernandes, Carla Ferreira, Emília Ferreira, Ana Garcia, Flor Gomes, Susana Gonçalves, Margarida Silva, Ernesto Vázquez-Sousa e, por me auxiliar na tradução inglesa, Jõao Miguel Alves. Ainda a todos os que contribuíram mas não foram citados, para não fazer esta lista interminável ou porque não tenho registo do seu contributo, e também aos que nunca contribuíram mas que de algum modo estão no meu universo, quero expressar-lhes aqui a minha mais profunda gratidão porque entre todos permitem-me ser quem sou e até conseguem o milagre de que tudo corra bem para mim. Muito obrigado.

ÍNDICE

Resumo ...................................................................................................................... 9 Abstract .................................................................................................................... 10 1. ABERTURA ............................................................................................................. 11 Prelúdio .................................................................................................................... 11 Introito ...................................................................................................................... 12 Pertinência ............................................................................................................... 13 Intuição, estratégia e ordem do Caos ...................................................................... 14 Dupla linguagem e transcendência .......................................................................... 15 2. O CONHECIMENTO DO CONHECIMENTO ........................................................... 18 Instinto ..................................................................................................................... 18 Neurociência ............................................................................................................ 19 Currículo Nacional do Ensino Básico ....................................................................... 21 A arte de educar os sentidos ................................................................................... 22 Antecedentes filosóficos .......................................................................................... 24 Interpretativismo ...................................................................................................... 25 Transmodernidade ................................................................................................... 27 Construtivismo ......................................................................................................... 28 Do princípio de razão suficiente ao princípio de razão inteligente ........................... 30 Complexidade essencial .......................................................................................... 31 Inferência ................................................................................................................. 33 3. A CIÊNCIA DO MÉTODO ........................................................................................ 37 Fundamentos e Organização ................................................................................... 37 Paradigma ................................................................................................................ 38 Enfoque qualitativo .................................................................................................. 38 Etnográfico, Narrativo ou Fenomenológico .............................................................. 39 Estudo de Caso ....................................................................................................... 40 A favor e em contra .................................................................................................. 41 Dados ....................................................................................................................... 41 Triangulação ............................................................................................................ 42 Ética .................................................................................................................... 43 Ilação ....................................................................................................................... 43

4. O PERCURSO DA CRIAÇÃO ................................................................................. 45 Emergência da Ideia ................................................................................................ 45 Público-alvo ............................................................................................................. 46 A adivinha e o enigma da arte ................................................................................. 48 Conteúdo de verdade .............................................................................................. 50 Destruição da aura .............................................................................................. 53 Batalha do “formal” ............................................................................................. 54 Ritualidade .......................................................................................................... 56 Pensamento único .............................................................................................. 56 Construção da verdade ....................................................................................... 58 Ópio para o povo ..................................................................................................... 61 Pré-análise............................................................................................................... 63 5. O CONTO ................................................................................................................ 67 Avaliação ................................................................................................................. 77 Excertos das interações ...................................................................................... 78 Música ................................................................................................................. 81 Orquestração ........................................................................................................... 83 Edição e Direitos do Autor ....................................................................................... 84 6. POSLÚDIO .............................................................................................................. 86 Re-exposição ........................................................................................................... 86 ‘Coda’ para o futuro ................................................................................................. 87 Cadência final .......................................................................................................... 90 7. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................ 91 ANEXOS ...................................................................................................................... 96 1.Tabela e excertos musicais .................................................................................. 96 2. Interações de adultos, enviadas ao correio eletrónico do autor ........................ 106 3. Interações Turma 5º/A da EB de Vila Praia de Âncora ..................................... 115 4. Interações da Turma de Área de Projeto da AMFF (V.P. Âncora) .................... 120

Resumo A necessidade de abordar novos desafios criativos que diversifiquem o catálogo de obras, levou o compositor a considerar a criação de uma ‘peça de arte amiga das crianças’. Uma série de circunstâncias pessoais, que eram simples anedotas, passaram para primeiro plano ao receber uma encomenda para compor um conto musical. Numa mudança de cidade, o transporte perdera uma caixa com a coleção de laços do compositor e isso transformou-se na amêndoa da obra. A encomenda oferece a segurança de que a obra vai ser estreada e, neste caso, com um importante número de reposições mas o que alicia principalmente o compositor é a oportunidade de contribuir para uma possível mudança de conceitos estéticos e musicais nos futuros adultos. A criação de um conto musical ‘para educar os sentidos’ evocando a transcendência, levou a uma indagação em disciplinas longínquas mas com alguma ligação à experiência da arte. Na filosofia, jogando um papel estruturador do pensamento no texto do conto, tem a Teoria Estética de Adorno como pedra basilar mas faz um longo percurso desde Platão e Aristóteles até Habermas, Foucault, Vattimo e RodríguezMagda entre outros. A recolha dos contributos da neurociência, do evolucionismo, da função do instinto na arte, da teoria da complexidade é fulcral para modelizar a imprevisibilidade essencial da obra. A metodologia é de enfoque qualitativo e assenta no paradigma construtivista sob a forma de Estudo de Caso. Os resultados parciais da criação da obra foram triangulados com duas turmas de crianças, uma do 5º ano da EB e outra de Área de Projeto da Academia de Música, ambas de Vila Praia de Âncora, mais o Coro da mesma Academia e alunos e colegas do compositor. A investigação orientou-se para a ‘amusia’ ou ignorância musical e o processo estimulador das adivinhas como imagem enigmática da arte. O texto criou-se com metáforas filosóficas e adivinhas, e a música foi construída com uma técnica de «complexos». Os objetivos da criação foram atingidos e, como em toda obra de arte, o futuro dirá se A Caixa dos Laços contribuiu em algo para modificar os conceitos estéticos e musicais.

Palavras-chave Amusia – Educação Artística – Criação de um Conto

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Abstract The need to address new creative challenges that diversify the catalog of works, led the composer to consider the creation of ‘a children-friendly piece of art’. A series of personal circumstances, which were simple anecdotes, have passed to the foreground after receiving an order for composing a musical tale. During a city change, the transport had lost a box with a collection the composer’s ties and this transformed itself into the almond of the work. The order grants the safety that the work will be premiered and, in this case, with an important number of reruns, but what really attracts the composer is the opportunity to contribute to a possible change of aesthetic and musical concepts in future adults. The creation of a musical tale ‘to educate the senses’ referring to the transcendence, has led to enquire into distant disciplines but with some connection to the experience of art. In philosophy, playing a structuring role in the tale’s text, has the Adorno’s Theory of Aesthetics as a cornerstone but goes a long way from Plato and Aristotle to Habermas, Foucault, Vattimo and Rodriguez-Magda among others. The collection of contributions from neuroscience, evolutionism, function of instinct in art and the theory of complexity is central to model the essential unpredictability of the work. The methodology is of qualitative focus and is based on the constructivist paradigm in the form of a Case Study. The partial work creation results were triangulated with two children classes, one from the 5th year of “EB” and the other from “Área de Projecto” of the Music Academy, both from Vila Praia de Âncora, plus the Choir of the same the Academy and students and colleagues of the composer. The research was oriented to ‘amusia’ or musical ignorance and the stimulating process of riddles as a cryptic image of the art. The text was created with philosophical metaphors and riddles, and the music was built with a technique of «complexes». The creation’s objectives have been achieved and, as in all works of art, the future will tell whether “A Caixa dos Laços” contributed to the alteration of aesthetic and musical concepts.

Palavras-chave Amusia – Artistic education – Creation of a tale

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1.

Abertura Prelúdio

O conteúdo de verdade das obras de arte funde-se com o seu conteúdo crítico. (Adorno, 2008, p. 62) Para o compositor, a criação é uma função tão natural como respirar e só fala dela quando se manifesta alguma disfunção. Falar, então, da criação de um conto musical é, em si mesmo, uma disfunção que vai atrapalhar a própria criação. Mas a educação artística é criação ou apenas falar da criação? Foi o próprio artista quem propôs a criação de um conto musical como tema de investigação. Se toda a obra de arte tem de legitimar-se a si mesma, não seria arte se recusa-se, sem mais, essa legitimação. O criador também se legitima a si mesmo, ainda que esta legitimação se faça por meio das suas próprias criações. Portanto, investigar a própria criação é a constatação da legitimação de si mesmo por meio da sua própria criação; transitar do princípio de razão suficiente para o princípio de razão inteligente e construir aí a complexidade teórica concebível para compreender a complexidade prática observável. Há uma realidade intemporal com a qual lidam todas as sociedades e que se patenteia na ignorância. Refletir sobre isso leva a aprofundar na complexidade das ciências do artificial, do engenho, para transformar a ciência em arte. Certamente, a arte, enquanto forma de conhecimento, implica o conhecimento da realidade e não existe nenhuma realidade que não seja social. Assim, o conteúdo de verdade e o conteúdo social são mediatizados, embora o caráter cognoscitivo da arte, o seu conteúdo de verdade, transcenda o conhecimento da realidade enquanto conhecimento do ente. A arte torna-se conhecimento social ao apreender a essência; não fala dela, não a copia ou imita de qualquer modo. (Adorno, 2008, p. 388) A Caixa dos Laços é uma criação artística imersa numa investigação de educação artística, mas o conto musical só pretende apreender a essência da realidade e não retratá-la. É o relatório dessa criação que se espalha pelo conhecimento da realidade

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social. O conteúdo de verdade do conto e mais o desta dissertação estão vinculados mas não coincidem porque são de natureza diferente.

Introito Esta dissertação de Mestrado foi-se construindo a partir de trabalhos prévios onde se arquitetaram argumentos, análises e mesmo muitos blocos de texto. Isso é assim porque a coerência construtiva emerge duma interação complexa até alcançar uma determinada expressão escrita, sempre aperfeiçoável, mas quando correta não precisa de se mudar só para simular que é algo novo ou diferente. É uma repetição consciente e deliberada –e não um plágio pois ninguém pode roubar-se a si mesmo– que ainda se pode observar ao longo deste relatório, uma abstração formal mais do que um simples ‘leitmotiv’ ou variações sobre um tema. È o “respetivo conteúdo de verdade” enunciado por Adorno. “Na instância suprema, as obras de arte são enigmáticas, não segundo a sua composição, mas segundo o respetivo conteúdo de verdade”. (Adorno, 2008, p. 197). Convém, contudo, referir aqui qual é essa composição, estrutura ou organização que vai exprimir o conteúdo de verdade. Parte-se, como é óbvio, de uma revisão da literatura. A Teoria Estética de Adorno é o apoio basilar mas se “o espírito das obras pode ser a inverdade” (Adorno, 2008, p. 140) era preciso mergulhar na filosofia desde Platão e Aristóteles, até Heidegger, Lourenço ou Habermas, com paragens demoradas em Descartes, Leibniz, Wittgenstein, Foucault, Lipovetsky, Lévi-Strauss, Vattimo e ainda em Rosa Maria Rodríguez-Magda –que nos redime do asselvajamento cibernético com a proposta da transmodernidade– e mais no pensamento complexo de Edgar Morin, para além de muitos outros autores, figurando alguns na bibliografia. Continuou-se depois com a recolha do conhecimento que está à volta do tema, como os contributos da neurociência, do evolucionismo e a função do instinto na arte. Na revisão da metodologia procuraram-se soluções práticas que permitiram o avanço da dissertação e aqui foram fundamentais autores como Stake e Denzin. Já para quebrar a amêndoa central foram decisivas as leituras de Foucault, Boulez, Rodari, Küng, Rodríguez-Magda e ainda as Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico. “Desde que se possa apreender o conjunto, uma tragédia tanto mais bela será, quanto mais extensa” (Aristóteles, 2008, pp. 114 , 1451a).

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Para pôr em pé o “respetivo conteúdo de verdade” desta dissertação teve de se aprofundar a questão da instranscendência no pós-modernismo. O autor-compositor – que foi um ativo militante dessa instranscendência pós-modernista com propostas fraturantes, nos anos 70 do século passado, com a criação do grupo neodadá ‘Letrinae Musica’– considera isso totalmente ultrapassado, não merecendo mais do que uma mera referência histórica. Mas no ambiente académico onde se desenvolve este relatório, manifesta-se com rijeza um “asselvajamento cibernético ou mass-mediático” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 8) que precisa de ser acalmado com argumentos académicos. Isso faz com que esta dissertação seja algo mais extensa do estritamente necessário. Não há nesta declaração, como é lógico, qualquer intenção desqualificadora ou beligerante, apenas pôr em causa teorias que, na opinião do artista como sujeito ativo da investigação, banalizam a essência e função intrínseca da arte e, por extensão, da educação artística. Obviamente este apelo faz-se desde a ótica do construtivismo que inspira as chamadas ‘novas ciências’, embora, na cultura ocidental, a música seja uma das ciências mais antigas.

Pertinência A pertinência do tema desta dissertação de mestrado justifica-se, em primeiro lugar, pela experiência do mestrando de 40 anos exercendo a criação musical e porque, no âmbito dum Mestrado de Educação Artística, é necessário criar a arte com a que vamos construir o futuro, contribuindo para a renovação de um imaginário coletivo mais acorde com a estética atual e que configure a memória das gerações vindouras, já que –citando uma frase de Pierre Schaeffer (2008)– “se só fazemos a música que sabemos fazer, não fazemos mais do que perpetuar a banalidade” (p. 335). A religião do ultra consumismo pós-modernista esvaziou de conteúdos a sociedade, mas a intranscendência da sua mensagem transformou-se num Cronos –o deus grego do tempo– devorando os seus próprios filhos. A beleza deixou de ser artística, é meramente tecnológica. A imaginação já não é criativa, é tão só repetitiva. A educação já não potencia a capacidade dos sentidos, simplesmente os ocupa. “Delírio da extinção, amável irrelevância, feliz substituição das catedrais pelas grandes superfícies” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 23).

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Esse problema do ‘olhar vazio’ do pós-modernismo –“doravante é o vazio que nos governa, um vazio sem trágico nem apocalipse” (Lipovetsky, 2007, p. 11)– deve ser muito importante quando, já na primeira página das Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico, foi estabelecido “O desenvolvimento do sentido de apreciação estética do mundo” entre os Princípios e valores orientadores do Currículo. (Ministério da Educação, 2001, p. 15). Daí que a criação de um conto musical para ‘educar os sentidos’ e que reflita sobre a amusia adquirida –a ignorância musical e artística– é, pois, muito pertinente. A forma de conto permite dirigir-se tanto a crianças como adolescentes nesse período que os neurocientistas identificam como crucial na formação dos gostos musicais e do pensamento complexo. A criação artística –ultrapassada a ditadura do efémero, da estetização da propaganda, da inexistência do ser– é um ato transcendente reconhecido pelos autores das citadas Competências Essenciais do Currículo quando afirmam que as artes “perpassam a vida das pessoas, trazendo novas perspetivas, formas e densidades ao ambiente e a sociedade em que se vive” (Ministério da Educação, 2001, p. 149) o que, subtilmente, proclama a morte do pós-modernismo e rejeita a intranscendência na educação artística e, por extensão, em todo o sistema educativo. Isto faz que um conto musical que se sustenta nos valores que dão sentido à finalidade última do ser humano, a transcendência, seja mais que pertinente. Um Conto musical, uma vez criado, implica muitos setores sociais e industriais. Assim, para poder chegar ao público em alguma das suas apresentações possíveis –livro, partitura, gravação sonora ou de imagem, encenação em palco, na sala de aula ou no quarto das crianças– precisa de fazer avançar toda uma complexa maquinaria produtiva que envolve múltiplos setores económicos, o que o faz também socialmente muito pertinente. Mas nada disso é possível sem o ato primigénio da criação da obra, individual ou coletivamente, porque sem autor nada existe e, por isso, é mais do que pertinente criá-lo.

Intuição, estratégia e ordem do Caos Para atingir esse objetivo fulcral, a criação, o artista começa por observar o terreno onde vai construir a sua obra. Analisa a orografia, a paisagem, a floresta, a fauna, as correntes de água, os ventos, os caminhos, as populações, as construções existentes, os materiais precisos, esquadrinha a história, antessente o porvir, mapeia o caos e age. Os

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artistas chamam a isso ‘intuição’ –“perceção instintiva”, “conhecimento imediato”, “pressentimento da verdade”. (Priberam, 2010). Mas os generais dos exércitos, que gostam de fardas e palavras altissonantes, decidiram chamar-lhe ‘estratégia’ e até a definiram como a “ciência das operações militares”. Numa aceção menos beligerante, isso não é mais do que a “combinação engenhosa para conseguir um fim” (Priberam, 2010). Se, como diz Russ Marion (The Edge of Organization: Chaos and Complexity Theories of Formal Social Systems, 1999, p. 212), o bater de asas de uma borboleta no Texas pode mudar enormemente o modelo meteorológico de Chicago, então o movimento dos lábios, as decisões aparentemente inócuas e as condutas arbitrárias podem afetar notavelmente o futuro de uma organização. Mas a teoria da complexidade não se refere a qualquer ação da borboleta, apenas àquelas que aconteçam em interação com certos fatores e condições, ainda assim, Marion também diz: “It may be mathematical, but if you think about the whole thing conceptually, it makes perfect sense” (Marion, 1999, p. 201). O resultado pode, então, ser uma teoria que explica tudo, inclusive os resultados contraditórios, e perder qualquer sentido na formação de conceitos. É preciso mapear o caos para modelizar a imprevisibilidade essencial. Foi necessário afunilar a ‘intuição’ cara ao problema enunciado e na procura de uma adequação metodológica que torne viável o desenvolvimento do tema proposto, pois, os modelos culturais “são entidades flexíveis e maleáveis que constituem marcos de referência para o ator social, e estão constituídos pelo inconsciente, pelo transmitido por outros e pela experiência pessoal” (Hernández-Sampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, p. 9).

Dupla linguagem e transcendência Obviamente um conto musical é a junção de duas expressões numa única forma artística. Por um lado utilizam-se conteúdos verbais metafóricos e com diferentes registos de compreensão, neste caso com adivinhas que estimulem a criatividade, e paralelamente uma música complexa que gere pensamento abstrato. O processo criador de cada uma das expressões está intimamente interligado ainda que a complexidade de cada uma delas tenha soluções necessariamente diferentes.

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Também o discurso foi dividido em duas partes. A primeira contextualiza a história e acompanha o percurso da razoável dúvida que suscita o valor enigmático da arte, apoiando-se em filósofos como Adorno, Heidegger, Foucault, Sartre, Benjamin, Wittgenstein, Leibniz e outros autores. A segunda parte, com as adivinhas e a música, é mais lúdica. A finalidade da criação artística do Conto musical ‘A Caixa dos Laços’ é, pois, produzir uma ‘peça de arte amiga das crianças’. Os objetivos e todo o percurso criativo giram à volta de duas ideias força: a definição de “Educação Artística como arte de educar os sentidos” (Espiña, 2007) e a necessidade de transcendência do ser humano. A ‘Teoria Estética’ de Theodor W. Adorno (2008) –onde se considera que a arte é o antídoto mais razoável para combater uma sociedade selvagem– é a pedra basilar na qual se apoia a mensagem e a construção do projeto, um conto filosófico semeado de citações estruturadoras de pensamento. O objetivo em si tem a vantagem de envolver, numa mesma obra, pessoas de qualquer idade com interesses plurais mas que, a partir das próprias vivências e do seu nível formativo, possam fazer leituras originais da história contada. Os motivos pelos quais se chega a uma gravidez podem ser múltiplos e variados, desde algo não desejado até uma reprodução assistida, mas, uma vez que se toma a decisão de a levar para a frente, o objetivo é sempre o mesmo, transcender, ultrapassar a própria existência, deixar memória, ir além do ordinário, ser fora de si, elevar-se acima do vulgar. Do mesmo modo, os motivos, causas, móbiles, motores ou razões que levam o artista a criar uma obra determinada podem ser muitos mas –ultrapassado hoje o já antiquado e obsoleto pós-modernismo– o objetivo final é também único: transcender. “O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro. E, todavia, nenhum dos dois se sustenta isoladamente. Artista e obra são, em si mesmos, e na sua relação recíproca, graças a um terceiro, que é o primeiro, a saber, graças àquilo a que o artista e a obra de arte vão buscar o seu nome, graças à arte.” (Heidegger, 2008, p. 11).

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“Transcendência significa ‘superação’. É transcendente, quer dizer, ‘transcende’ aquilo que realiza esta ‘superação’, aquilo que se mantém aí habitualmente.” (Heidegger, 1990, p. 62). Criar, pois, um conto musical é um ato de transcendência que o artista considera, amadurece e elabora pormenorizadamente; mas esse processo não é linear e sofre múltiplas transformações até finalmente alcançar a forma definitiva. Daí que não é muito prático pôr os projetos criativos pormenorizadamente por escrito, pois precisam de ser re-escritos várias vezes cada dia e isso é pouco produtivo em termos de criação, ainda que pode ajudar a refletir mais aprofundadamente aos de escassa intuição. Fala-se aqui de criação e não de cópia, de artistas e não de amadores, de transcender e não de retrogradar. Fala-se, em definitivo, da educação artística e não de educação para o ócio nem de socialização cidadã. Tudo isso será muito interessante no seu contexto mas tem espaços próprios e ainda que possam coincidir, devem ser diferenciados para evitar que a educação artística se dilua em boas intenções carentes de conteúdo. Se queremos conseguir cidadãos adultos e competentes, a educação tem de sensibilizar as crianças na transcendência e nas artes como assim o explicita o Currículo nacional do Ensino Básico logo nos dois primeiros parágrafos do capítulo dedicado à ‘Educação Artística’: As artes são elementos indispensáveis na elaboração da expressão pessoal, social e cultural do aluno. São formas de saber que articulam imaginação, razão e emoção. Elas perpassam as vidas das pessoas, trazendo novas perspetivas, formas e densidades ao ambiente e a sociedade em que se vive. A vivência artística influencia o modo como se aprende, como se comunicam e como se interpretam os significados do quotidiano. Desta forma, contribui para o desenvolvimento de diferentes competências e reflete-se no modo como se pensa, no que se pensa e no que se produz com o pensamento. (Ministério da Educação, 2001, p. 149) A Criação Artística, como a que aqui se relata, é um projeto individual e submetido a uma constante avaliação em permanente reformulação por parte do criador até alcançar a forma definitiva, porque a motivação última de um artista é transcender.

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O conhecimento do conhecimento Instinto Em vista das múltiplas experiências documentadas de animais utilizando ferramentas com as que conseguem alguma forma de expressão supostamente ‘artística’, deveríamos pensar que os humanos não são os únicos animais inteligentes. Na internet abundam os testemunhos de chimpanzés pintores, orquestras de elefantes, de passarinhos da família Ptilonorhynchidae a decorar exaustivamente o seu imenso ninho, ou de corvos habilidosos que aperfeiçoam ferramentas. Tudo isso, quando feito pelo animal humano, pode até ser classificado de artístico mas a arte, apesar dos esforços do pós-modernismo para esvaziá-la de conteúdo, é algo mais do que um cálculo de resultados, precisa de uma vontade de transcender, uma intenção de criar algo que reclame o nosso interesse depois de acabado. “As obras de arte que se apresentam sem resíduo à reflexão e ao pensamento não são obras de arte” (Adorno, 2008, p. 188). A metanarrativa do pós-modernismo –a globalização, como conquista do neoliberalismo na sua ânsia por suprimir os estados– tem vontade uniformizadora e assim não admira que, em 1993, Vitaly Komar e Alexander Melamid, artistas judeus formados no realismo socialista soviético e na altura já residentes na Usamérica, convenceram o Nation Institute para subsidiar o macro projeto People’s Choice. Queriam analisar as preferências artísticas de perto de dois mil milhões de pessoas. O objetivo era encontrar a globalizadora ‘arte universal’ mas os resultados do projeto, divulgados no livro Painting by Numbers, são precisamente isso, números e estatísticas que nada nos dizem sobre a universalidade da arte. (Wypijewski, 1997). Os quadros mais votados –todos foram pintados pelos dois– eram aqueles que mais lembravam as imagens de calendário. Isso levou Ellen Dissanayake a publicar um interessante artigo sob o título Komar and Melamid Discover Pleistoceno Taste (Dissanayake, 1998) onde pela primeira vez se estabelece uma ligação entre a atração inata por certos tipos de paisagens e a herança do pleistoceno, quando a cultura humana começou a emergir. O evolucionismo de Darwin entrou assim nos domínios estéticos da arte. Por outra parte, a partir dos anos 70, a psicologia vinha investigando as preferências paisagísticas dos humanos. Os trabalhos experimentais realizados pelo casal Stephen & Rachel Kaplan permitiram definir quatro variáveis preditoras: Coerência – Complexidade – Legibilidade – Mistério. (Kaplan & Kaplan, 1989, p. 221). Extrapolando isso para todo o tipo de comunicação ativa, temos que a coerência é fundamental para perceber a estrutura, o contexto e o espaço. Um certo grau de

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complexidade, de riqueza de elementos, é necessário para evitar o aborrecimento. A legibilidade é a clareza para reconhecer as partes do discurso. E por último, mas de vital importância, está o encorajamento para a descoberta, o aspeto de futuro, o mistério que mexe com a imaginação humana. São quatro parâmetros básicos que determinam as preferências visuais mas também as auditivas –a música– e em geral todo o tipo de perceção ativa. Coerência, complexidade, legibilidade e mistério são, pois, as quatro incógnitas a resolver no processo criativo do conto musical. Voltando ao projeto People’s Choice, Komar e Malemid também quiseram descobrir a música universal por meio da estatística mas o resultado não revelou algo de interesse para além dos números. Talvez, como curiosidade perversa, cabe referir o fato desses dados situarem, entre as músicas mais repelentes, as que utilizam acordeões, gaitas de fole ou crianças. “É com horror que o sensório percebe a irracionalidade do racional” (Adorno, 2008, p. 484).

Neurociência Aos dois anos de idade, aproximadamente quando se inicia o desenvolvimento do processamento verbal especializado, as crianças começam a mostrar uma preferência pela música da sua cultura. Primeiro com músicas muito simples, facilmente previsíveis, e por volta dos 10 anos, quando essa previsibilidade se torna facílima e começa a aborrecê-las, procuram músicas que lhes proporcionem algum desafio. Isto tem a ver com o desenvolvimento dos lobos frontais e o córtex cingulado anterior, responsável pelo sistema de atenção, que até a essa idade não consegue atender a várias coisas ao mesmo tempo e faz com que as crianças recebam a informação sonora em bloco, o que as confronta com uma grande complexidade sónica. (Levitin, 2008, pp. 244-245). Por sua vez, diversos neurocientistas descobriram mudanças microestruturais no cérebro após a aquisição de aptidões motoras como as adquiridas pelos músicos. Gottfried Schlaug tem demonstrado que os músicos têm um cerebelo e uma concentração de massa cinzenta maior do que os não músicos. A massa cinzenta é considerada como a responsável pelo processamento da informação. O corpo caloso – a massa de fibra que conecta os dois hemisférios cerebrais– também é significativamente maior nos músicos, nomeadamente nos que começam a sua formação muito cedo (Schlaug & Gaser, 2003) e isto reforça a noção de que as operações musicais se tornam bilaterais quando aumentam a prática pois os músicos

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coordenam e recrutam estruturas neuronais em ambos os hemisférios. (Levitin, 2008, p. 241). O próprio Schlaug, numa investigação mais recente, demonstra que essas alterações estruturais no cérebro acontecem com apenas 15 meses de formação musical na infância e conclui que isso provavelmente se deva à plasticidade do cérebro induzida pelo treino. (Schlaug, et al., 2009). Os investigadores parecem coincidir em que o momento decisivo para estabelecer as preferências musicais é na idade de 10 anos, e que por volta dos 14 anos é quando as ligações neuronais atingem níveis de acabamento próximos dos níveis adultos. Asseguram, ainda, que a maioria das pessoas tem os seus gostos musicais formados entre os 18 e os 20 anos. Parece que a idade ótima para aprender um idioma como nativo situa-se antes dos 6 anos e a idade para as matemáticas e a música é antes dos 20 anos. A partir daí, as dificuldades aumentam e muito provavelmente nunca consigam dominar a linguagem da matemática ou da música como alguém que tenha feito a aprendizagem mais cedo. (Levitin, 2008, pp. 246 - 247). Já, quanto a conclusões puramente musicais e artísticas, os neurocientistas demonstram possuir uma linguagem musical bastante rudimentar e uns gostos musicais algo esquisitos e preconceituosos. Daniel J. Levitin e Oliver Sacks, dois dos mais conhecidos entre os músicos pelos seus livros divulgativos sobre o cérebro e a música, manifestam repulsa pela música de Wagner “devido ao seu antissemitismo pernicioso… e a associação da sua música com o regime nazi” (Levitin, 2008, p. 258). Este é um argumento tão precário como resistir à Teoria da Relatividade porque foi formulada pelo “pai” das bombas que transformaram as cidades de Hiroshima e Nagasáqui no mais infernal holocausto. A defesa que fazem da tonalidade apoia-se num gosto musical pelo que, mais adiante, denominamos ‘musiquetas’, e que certamente agradam a uma massa alargada de pessoas mas que não criam arte musical no sentido transcendente do termo. Daí que ignoremos, por inconsistentes, essas conclusões musicais que chegam a ser desqualificadoras quando se referem à música erudita dos últimos cinquenta anos. (Levitin, 2008, p. 281). Ainda assim, Levitin levanta um par de questões importantes para a pertinência deste trabalho. A primeira: “o equilíbrio entre simplicidade e complexidade na música” (p. 248); e a segunda: “a música que ouvimos gera esquemas e estruturas, inclusive quando ouvimos de modo passivo” (p. 261). Isto enlaça com as conclusões de Kaplan & Kaplan antes mencionadas sobre a perceção das estruturas como coerência e, ainda, o estímulo da imaginação com os desafios da complexidade.

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Levitin refere que existe uma relação regular –estabelecida em estudos científicos sobre gostos estéticos na pintura, poesia, dança e música– entre a complexidade da obra de um artista e o quanto podemos gostar dela. A complexidade é um conceito totalmente subjetivo pois o que para um indivíduo pode parecer uma complexidade impenetrável, poderia ser uma simples brincadeira para outro. Do mesmo modo, o que uma pessoa considera terrivelmente simples e sem graça, outra poderia achar difícil de compreender, devido a diferenças de formação, experiência, interpretação e esquemas cognitivos entre as pessoas. Os esquemas são tudo. Estruturam a compreensão; são o sistema no qual se situam os elementos e as interpretações de um objeto estético. Os esquemas alimentam os modelos cognitivos e as expectativas. Com um esquema, a música mais complexa é interpretável mesmo quando se ouve pela primeira vez. Existe uma tendência a não gostar das peças musicais que parecem demasiado simples mas também das que se percebem como demasiado complexas. Quando a música está a tocar, nomeadamente se se lhe prestar atenção, o cérebro vai antecipando os acontecimentos musicais e se resulta trivialmente previsível carece do mínimo interesse e considera-se como demasiado simples. Se, pelo contrário, ultrapassa os esquemas cognitivos e desorienta, então designa-se como demasiado complexa. Mas se uma peça musical radicalmente nova se ouve o suficiente número de vezes, parte dessa peça acabará por ser codificada pelo cérebro desenvolvendo pontos de referência. (Levitin, 2008, pp. 248 - 252).

Currículo Nacional do Ensino Básico A complexidade também é uma constante nas Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico 1 e, assim, na página 165, inicia-se a descrição das que atribui à música com estas palavras: “A música é um elemento importante na construção de outros olhares e sentidos, em relação ao saber e às competências, sempre individuais

e

transitórias,

porque

se

situa

entre

pólos

Na consulta feita o dia 27 de Agosto de 2010 ao site da D.G. da Inovação e Desenvolvimento Curricular – http://sitio.dgidc.min-edu.pt/basico/Paginas/CNacional_Comp_Essenciais.aspx – do Ministério da Educação, estavam disponíveis, em ficheiros PDF, duas versões do Currículo Nacional do Ensino Básico: português e inglês. Em ambos os enlaces indicavam que se tratava da ‘versão completa’, mas no ficheiro PDF da versão portuguesa foram eliminadas as páginas 2 até à 14, que contêm a informação dos autores, editorial, ISBN, e ainda o prólogo, índice e introdução. (Ministério da Educação, 2001). 1

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aparentemente opostos e contraditórios, entre razão e intuição, racionalidade e emoção, simplicidade e complexidade, entre passado, presente e futuro.” (Ministério da Educação, 2001, p. 165). Esta aberta declaração da importância da música na formação das pessoas é ainda mais contundente na página 166 quando reconhece a sua transversalidade e manifesta que: “as competências específicas para a música na escolaridade básica, têm como centro a pessoa da criança e do jovem, o pensamento, a sociedade e a cultura, numa rede de dependências e interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento complexo. Neste sentido, a música, como construção social e como cultura, pode dar um conjunto de contributos para a consolidação das competências gerais que o aluno deverá evidenciar no final do ensino básico.” (Ministério da Educação, 2001, p. 166). Nessa transversalidade que o Currículo Nacional do Ensino Básico reconhece à prática musical como educação interdisciplinar, figura a perceção e consciencialização do corpo, do espaço, do tempo, e da interação social, já que, ao acontecer em tempo real, obriga a tomar decisões rápidas e coerentes “no respeito pela partilha de contextos comuns” e favorecendo “espaços de construção de singularidades, inovações, mudanças e adaptações a novos cenários, através do desenvolvimento da autonomia e o pensamento divergente.” (Ministério da Educação, 2001, p. 167).

A arte de educar os sentidos Procurando uma definição do conceito de Educação Artística observa-se uma grande disparidade. O que para uns é educação da arte, para outros é qualidade da educação. Há quem equipare educação artística e educação científica e também há quem

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questione a educação artística ao duvidar do caráter científico dos objetos da arte. A Doutora Yolanda Espiña, da Escola das Artes da Universidade Católica do Porto, numa comunicação apresentada na Conferência Nacional de Educação Artística, (Outubro de 2007) resumia a controvérsia com o título: A educação artística como arte de educar os sentidos, e tomando como ponto de partida a alegoria da caverna da República de Platão (2008, pp. 315-320 [514a-518b]), concluía com estas palavras: Se educar é mais um processo do que um objetivo então compete à educação que chamamos “artística” o potenciar as capacidades dos sentidos nesse processo de inovar o olhar, numa perspetiva de integrar a identidade do educando no dinamismo da perceção sensível da realidade envolvente, e fornecendo critérios para interpretar simbolicamente a dita realidade envolvente. Neste contexto, a educação artística tem o dever de aprofundar o significado que a educação dos sentidos apresenta na constituição do ser humano integral, estando a seu cargo a educação do olhar e do ouvir, do tato (fundamental, por exemplo, na escultura) e dos restantes sentidos, para que todos eles, adestrados pelo conhecimento das leis do material da natureza e pelas suas potencialidades simbólicas, sirvam para confirmar sensivelmente que o desejo do homem não é em vão. (Espiña, 2007). Partindo desta definição da educação artística como ‘a arte de educar os sentidos’, reconhece-se a importância da perceção sensível na construção do conhecimento. Mas é necessário não confundir o fim com os meios, a aparência com a eficiência, e desde já devemos assumir que a função do palhaço não é fazer rir, mas utilizar o riso para fazer pensar. Gianni Rodari, na Gramática da Fantasia diz que quando se inventam histórias para crianças, estas devem ajudar as crianças a inventar sozinhas as suas histórias. (Rodari, 2004, p. 16). As crianças têm uma imaginação fértil e virgem que o processo educativo não deve apagar, mas sim enveredar pelas formas culturais para que se manifeste criativamente. Nesse processo educativo têm especial relevância as histórias pois estimulam o imaginário e geram formas de pensamento. Quando essas histórias se fazem com música, adiciona-se uma componente que pode favorecer o pensamento abstrato e ainda atua como estímulo da parte motora.

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Antecedentes filosóficos A ideia de que tudo está em processo e interagindo com o meio físico e social constitui a bagagem da construção do conhecimento. Auguste Comte, fundador da sociologia e do positivismo, escrevia em maio de 1822 que era “muito conforme com a natureza do espírito humano que a observação do passado possa facultar a predição do futuro, e que o possa fazer tanto em política como em astronomia, em física, em química e em fisiologia” (Comte, 2002, p. 146). “O Discurso do método, para bem conduzir a sua razão e procurar a verdade nas ciências, convidava prudentemente o espírito humano a limitar a sua exploração apenas ao universo ɸ dos fenómenos naturais («objectiváveis»)” (Moigne, 1999, p. 84). Jean-Louis Le Moigne, citando Paul Valéry, Martin Kemp, Leonardo da Vinci e Giambattista Vico, refere que um século antes de Descartes já Leonardo da Vinci distinguia entre ‘o primeiro universo natural’ que termina onde a natureza deixa de produzir as suas espécies, e ‘o segundo universo natural’ que se estende até ao infinito. “O homem com as coisas naturais cria, com a ajuda desta natureza, uma variedade infinita de espécies” mas as mensagens do universo ilimitado de da Vinci (Disegno) e de Vico (Ingenium) foram pouco escutadas nos três séculos que se seguiram e “compreende-se que, de Descartes a Einstein através da formulação do tão adequado

cálculo

infinitesimal,

a

ciência

se

encontrasse

demasiadamente ocupada para que pudesse explorar outra coisa que não os fenómenos naturais” (Moigne, 1999, pp. 83-84). Contra a opinião de Auguste Comte –“a imaginação apenas deve desempenhar um papel subalterno, sempre às ordens da observação”– o aparecimento excecional no coração de todas as sociedades contemporâneas das ciências do artificial, as que têm como projeto o estudo dos sistemas artificiais –ciências informáticas, ciências da comunicação, da organização, da cognição, da música ou da quimio-farmacologia– conhecem uma vitalidade que desde os anos 70 não deixa de crescer (Moigne, 1999,

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pp. 84-85). Jürgen Habermas, refletindo sobre a interpretação e a objetividade da compreensão, diz-nos: “Se comparamos a atitude da terceira pessoa daqueles que se limitam a dizer como se comportam as coisas (é esta a atitude de cientistas, entre outros) com a atitude performativa daqueles que tentam compreender aquilo que lhes é dito (é esta a atitude dos intérpretes, entre outros), vêm à luz do dia as consequências metodológicas de uma dimensão hermenêutica da investigação” (Habermas, 2010, p. 299). Desde a antiguidade grega, que na cultura ocidental, a música é uma das quatro ciências matemáticas que conformam o quadrívium, junto com a Aritmética, a Geometria e a Astronomia. Mas só com a matemática natural dos sons não dá para movimentar as emoções, para ultrapassar o limitado universo natural e criar o universo infinito da construção duma comunicação musicalmente emocional, inteligente e transcendente, para transformar a ciência em arte. As Ciências do Génio (ou do Ingenium, ou da engenharia, ou do artificial, ou da conceção) restabelecem a engenhosidade que fora coartada pelo Discurso de Descartes.

Interpretativismo A tendência da filosofia positivista é reduzir todo o conhecimento válido ao conhecimento científico e, inclusivamente, de querer resolver problemas de natureza metafísica “tornando-nos assim como que senhores e donos da natureza” (Descartes, 2008, p. 87). No século XIX, Auguste Comte criou a Igreja positivista que, após a morte do seu sumo pontífice, abandonou as ideias sociais, políticas e mesmo litúrgicas, para transformar-se –ao confundir positividade e objetividade científica– numa religião da ciência. O neopositivismo do século XX só mantém em comum com aquele positivismo comtiano o rejeitamento da metafísica, pois o empirismo lógico que o sustenta não era admitido por Comte. O positivismo e o neopositivismo contemplam as Ciências Sociais como uma física social, procurando um modelo universal válido. Frente a esse critério positivista, nos finais do século XIX e inícios do XX, surgiu um novo paradigma, o interpretativismo – que tem origem na fenomenologia de Husserl e Dilthey e na hermenêutica dos filósofos

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alemães da compreensão– e tem a intenção de compreender o mundo da experiência humana (Cohen & Manion, 1994, p. 36) pois o comportamento humano não se pode descrever e, ainda menos, explicar com base nas características exteriores e objetiváveis (Santos, 2002). “In the social sciencies, there is only interpretation” (Denzin, 1994, p. 20). Jürgen Habermas, na Fundamentação Linguística da Sociologia (2010), refere o malogro das ciências sociais convencionais que não puderam honrar as suas promessas teóricas e práticas. A investigação sociológica não foi capaz de corresponder a referências como as estabelecidas pela teoria abrangente de Parsons; a teoria económica de Keynes falhou no plano político das medidas eficazes; e na psicologia fracassou a pretensão de explicação universal da teoria da aprendizagem –afinal havia servido de exemplo paradigmático de uma ciência exata do comportamento. Tudo isto abriu o caminho a abordagens alternativas construídas sobre as bases da fenomenologia, da obra tardia de Wittgenstein, da hermenêutica filosófica, da teoria crítica, etc. Estas abordagens recomendavam-se pelo simples facto de oferecerem alternativas ao objetivismo predominante –e não tanto por uma superioridade reconhecida. Em seguida impuseram-se duas abordagens medianamente bemsucedidas que constituíram exemplos de um tipo interpretativo das ciências sociais: o estruturalismo na antropologia, na linguística e – de um modo menos convincente– na sociologia; e o estruturalismo genético na psicologia do desenvolvimento –um modelo que parece ser

promissor

para

a

análise

da

evolução

social,

do

desenvolvimento de mundividências, de sistemas de crenças morais e de sistemas jurídicos. (Habermas, 2010, p. 295) Charles Percy Snow (1996) publicou em 1959 um livro muito polémico que cunha a expressão “duas culturas” em referência à contraposição entre a cultura científica e a cultura humanística. Segundo o autor, os humanistas não conhecem os conceitos básicos da ciência, assim como os cientistas desconhecem as dimensões éticas, sociais e psicológicas dos problemas científicos. As duas culturas, como foi traduzido na edição ampliada de 1963, causou grande indignação no mundo académico mas devolveu a

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dignidade aos intelectuais de todo o mundo, ao deixar de considerá-los ignorantes em ciência. Numa secção intitulada “O imperialismo do positivismo”, Jean-Louis Le Moigne faz uma nota, no rodapé, sobre o eminente epistemólogo René Thom, antes de virar em grande inquisidor do positivismo, que em 1972 escrevia: “O acesso a um pensamento qualitativo rigoroso é a partir de agora possível”. E continua: “Uma matemática da qualidade, um pensamento qualitativo rigoroso… Proposições algo desconfortáveis para os «cientistas habituados aos rigores da racionalidade científica» e que René Thom, atualmente, propõe que sejam consideradas «como desculpáveis em autores com formação literária» já que «procedem de um certo confusionismo mental» (Moigne, 1999, p. 33). “A racionalidade intrínseca de uma civilização confere uma validade universal à sua cultura e permite-lhe impor as suas luzes às outras civilizações” (Briey, 2009, p. 26). Mas após Auschwitz e Hiroshima, a razão humana como motor do progresso civilizador entrou em crise e a pretensão positivista do modelo universal válido não dava para acreditar.

Transmodernidade A filósofa da trans-modernidade Rosa Mª Rodríguez-Magda (2004) assinala que o fim do paradigma unitário abriu as portas a múltiplas micrologias. (p. 27). As Grandes Metanarrativas da Modernidade (iluminismo, hegelianismo, marxismo, cristianismo, …) eram fruto dum esforço teórico, duma vontade de sistema, pertenciam ao âmbito do conhecimento. O descrédito das metanarrativas promovido pelo pós-modernismo gerou um novo Grande Relato: A Globalização. Mas a globalização é um resultado a posteriori duma revolução tecnológica, efeito prático duma vontade de interconectividade, e não pertence ao âmbito do conhecimento mas ao da informação (p. 28). El paradigma universalista ha sido acusado de etnocentrismo, homogeneización

totalitaria,

anulación

de

las

diferencias,

imperialismo cultural, enmascarada hegemonía de la cultura europea, blanca, cristiana, masculina, capitalista… (RodríguezMagda, 2004, p. 83)

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e umas páginas mais à frente, refere como o acelerado dinamismo do mercado globalizado deglute, centrifuga e uniformiza os hábitos, as comunidades e as formas de vida suprimindo tudo quanto fique à margem da cultura comercial; no solo iguala la alta y la baja cultura, sino que cancela la diferencia social en una especie de «plebeyización», que, lejos de promover una mayor ilustración popular, genera formas de intoxicación y engaño que lesionan blandamente la privacidad y la autonomía contribuyendo a la disolución efectiva de la sociedad civil (Rodríguez-Magda, 2004, p. 113).

Construtivismo A noção de sistema surge no século XVIII e assim, na Encyclopédie raisonnée des sciences, des arts et des métiers de Diderot e de Alambert, um dos artigos mais longos (40 páginas) é precisamente o que trata dos sistemas, e que em grande parte está dedicado ao «sistema geral» das notações musicais. Referindo-se a ele Moigne anota: “O processo de modelização mais espantoso inventado pelo espírito humano, já que permite representar inteligivelmente, reproduzir e comunicar o fenómeno mais inefável (o mais indescritível) que é possível conhecer: a harmonia musical. No século XVIII a palavra sistema exprime muitas vezes o que nós entendemos, no século XX, por um modelo ou por um método de modelização” (Moigne, 1999, p. 79). Nesse artigo da Encyclopédie, referindo-se ao sistema estabelecido por Tartini diz que “se não é o da natureza é, pelo menos, de entre todos os publicados até à data, aquele cujo princípio é o mais simples e do qual as leis da harmonia parecem nascer menos arbitrariamente”. O cartesianismo dos enciclopedistas impedia-lhes compreender a realidade da música pois não era o sistema do italiano Tartini senão o do francês Rameau, que já publicara, quarenta anos antes, em 1722, o Traité de l´harmonie, (Rameau, 1984), quem abria os caminhos que a música ocidental iria percorrer até aos inícios do século XX. Rameau estabeleceu a formação dos acordes por sobreposição de terceiras e alargou as regras da modulação para todas as tonalidades favorecendo

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assim a consolidação do temperamento igual –a afinação mais artificial e desafinada de quantas se tinham experimentado– mas garantiu um sistema coerente e universal com regras claras que tanto serviu a Mozart como a Berlioz. Só em 1865 é que outro francês, Claude Bernard, deita por terra o mito positivista dos «sistemas naturais» quando na Introduction à la mèdicine expérimentale conclue: “Os sistemas não estão na natureza mas no espírito do homem”. (Bernard, 1865, p. 297). Habermas conta que nos anos setenta, várias tendências dentro e fora do mundo académico favoreceram a aceitação do paradigma interpretativo. (Habermas, 2008, p. 32). Le Moigne refere que “de um modo assaz inovador e corajoso, sob a bandeira mais paradigmática do que disciplinar do estruturalismo no lugar da da sistémica –que não possuía ainda estatuto científico visível–, Jean Piaget restaura em 1968 as epistemologias construtivistas”, sobre um suporte construído em 1934 por Georg Bachelar; e propõe às novas ciências contemporâneas “um quadro de validação sólido e argumentado: escapando ao asfixiante dualismo cartesiano, privilegiando a interação do sujeito observador e do objeto observado mais do que a sua absoluta separação, considerando o conhecimento mais um projeto construído do que um objeto dado” (Moigne, 1999, pp. 72-73). O termo «construtivismo» tem no século XX diversos usos mas, para o propósito que nos ocupa, no Novo Dicionário da Filosofia e das Ciências Humanas de Louis-Marie Morfeaux e Jean Lefranc (2009) encontramos três definições essenciais: 1) Epistemológica ou da filosofia das ciências; 2) Lógica e Matemática; 3) Estética ou da filosofia da arte. CONSTRUTIVISMO (lat. constructus, construtivo). 1. Epist. Em todos os domínios, um ponto de vista que privilegia o construído por relação com o dado, a aquisição por relação com o inato nas atividades intelectuais. Ex. a epistemologia genética de Piaget estuda como o espírito constrói as noções de causa, de espaço, etc. 2. Lóg., Mat. Os objetos matemáticos são considerados como construções mentais e não realidades independentes da atividade do sujeito cogniscente. A não-contradição não é suficiente para demonstrar a existência de um objeto matemático. Já em Kant: «O conhecimento filosófico é o conhecimento racional pelo conceito, o

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conhecimento matemático é aquele que procede pela construção de conceitos. Construir um conceito quer dizer apresentar a intuição a priori que lhe corresponde» (R. Pura). 3. Est. Movimento fundado na Rússia por Tatline e Rodchenko em 1919. Eles queriam criar uma arte revolucionária verdadeiramente internacional, ao suprimirem as referências às artes do passado, às aparências naturais, ao recorrerem somente às formas criadas pelo homem no mundo moderno industrial, quer dizer sem pressupostos culturais. O construtivismo expandiu-se em todas as artes (artes decorativas, cinema) e em toda a Europa (ex. o Bauhaus alemão) em relação com a abstração geométrica. (Morfeaux & Lefranc, 2009, p. 117)

Do princípio de razão suficiente ao princípio de razão inteligente «Dizer algo a alguém» e «compreender o que é dito» repousam sobre pressupostos mais complicados e bem mais exigentes do que o simples «dizer (ou pensar) o que é o caso». Participar em processos de comunicação, dizendo algo e compreendendo o que é dito, é uma atitude performativa que “admite, decerto, transições regulares entre as atitudes da primeira, segunda e terceira pessoa”. “Ao comunicarem numa atitude performativa, o locutor e o ouvinte participam ao mesmo tempo naquelas funções que os seus atos comunicativos desempenham para a reprodução do mundo da vida comum”. (Habermas, 2010, pp. 298-300). A epistemologia construtivista, segundo Le Moigne, “é uma epistemologia da invenção: a produção original pelo fazer (em contraste com a praxis que será reprodução da rotina pelo fazer)” (Moigne, 1999, p. 131). “Todo o conhecimento adquirido sobre o conhecimento torna-se num meio de conhecimento iluminando o conhecimento que permitiu adquiri-lo”. Esta fórmula de Edgar Morin (1986, p. 232) revela a recursividade indesmembrável da reflexão epistemológica «conhecimento do conhecimento» e sublinha a necessária ambiguidade da exposição sequencial de um corpo epistemológico.

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Gottfried Wilhelm Leibniz (Leibniz, 2001) diz-nos que todo o ser criado está sujeito à mudança (p. 43) e como todo o estado presente de uma substância simples é naturalmente uma consequência do seu estado precedente, assim nela o presente está prenhe de futuro (p. 46). Assim, não há caos, não há confusões a não ser na aparência (p. 59). E os espíritos são ainda imagens da Divindade mesma, sendo cada espírito como uma pequena divindade no seu departamento. (p. 63) “Mas a razão suficiente deve também achar-se nas verdades contingentes ou de facto, quer dizer, na sucessão das coisas difundidas pelo universo das criaturas, onde a resolução em razões particulares poderia ir a um detalhe sem limites, por causa da variedade imensa das coisas da natureza e da divisão dos corpos até ao infinito. Há uma infinidade de figuras e de movimentos presentes e passados que entram na causa eficiente da minha escrita presente, e há uma infinidade de pequenas inclinações e disposições da minha alma, presentes, que entram na causa final”. (Leibniz, 2001, p. 50)

Complexidade essencial Reconhecer a complexidade é pensar simultaneamente os projetos de ação possível e a avalização das suas consequências múltiplas. Passar da complicação à complexidade é um logro da modelização sistémica. Mas a justificação destes exercícios de modelização inteligível dos fenómenos apercebidos como complexos com a finalidade de intervenção deliberada não é dada: ela constrói-se precisamente na própria ação modelizadora. A modelização sistémica da complexidade faz efetivamente emergir na sua prática essa inteligibilidade que cada um de nós procura nas suas próprias práticas cognitivas.

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A inteligibilidade não é sinónimo de simplicidade e ainda menos de simplificação. (Moigne, 1999, pp. 164-165) A música é um exemplo de modelização inteligível. A complexidade não está na natureza das coisas mas sim no código que utilizamos para as interpretar. “Um modelizador constrói as representações multidimensionais dos processos físicos e cognitivos no seio dos quais intervém intencionalmente” (Moigne, 1999, p. 170). Não obstante a complexidade teórica concebível pode não coincidir com a complexidade prática observável e aí, inicia-se uma dicotomia entre a teoria e a prática, a sistémica e a epistemologia, a criação e a interpretação, o que se traduz numa poderosa variável: a imprevisibilidade essencial. A imprevisibilidade é uma medida da complexidade instantânea de um sistema modelizável que relaciona comportamentos não totalmente predeterminados ainda que potencialmente antecipáveis. (Moigne, 1999, p. 191). A imprevisibilidade essencial está na construção inteligente do modelo que nos permite conceber a inteligibilidade da complexidade. A complexidade não é esse mal absoluto que a bela racionalidade francesa persegue em nome da clareza, da homogeneidade e do Universalismo. É, pelo contrário, o reconhecimento da riqueza e da diversidade das organizações de todas as dimensões e de toda a natureza (Mélèse, 1979). Na década de cinquenta, e por caminhos supostamente contrários, a imprevisibilidade dominou toda a cena da música erudita. Uma aparente revolta iconoclasta liderada por John Cage e seus colegas nova-iorquinos dava entrada ao acaso na composição musical. Na Europa, Boulez, Stockhausen ou Ligeti conseguem “ilusões auditivas” aleatórias (ao acaso) com “texturas tão complexas e ativas que não podem ser percebidas no conjunto: o ouvido seleciona, efetua as suas próprias combinações e até regista sons que não foram emitidos” (Griffiths, 1998, p. 166). A consciência da imprevisibilidade deu entrada a fatores de indeterminação e, se excetuamos os jogos musicais em voga nos finais do XVIII que permitiam construir peças musicais muito simples segundo o resultado do jogo de dados, adotara-se pela primeira vez na composição o que se denomina «forma aberta» ou, por analogia com as estruturas de Alexander Calder, «forma móvel». A obra aberta está composta por um certo número

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de «formantes» que por sua vez admite diversas variantes que o intérprete deve escolher. A complexidade essencial construída pelos compositores deu origem a obras em perpétuo devir e conhecidas por work in progress. A forma tornou-se duplamente aberta, tanto para o compositor como para o intérprete. A complexidade resulta do postulado de ambiguidade deliberada da correspondência ativa entre o fenómeno modelizado e o modelo estabelecido pelo sistema observante. (Moigne, 1999, p. 200). Mas se era possível a modelização sistémica da composição, então um computador podia compor de acordo com um determinado programa –o que aconteceu desde 1957 com a ILLIAC Suite, para quarteto de cordas, de Lejaren Hiller– e transformar a composição numa rotina generalizada como sucede com a escrita automática de poesia. Mas a criatividade –o grau de imprevisibilidade essencial certo para transcender– continua a ser uma prerrogativa dos compositores e poetas. A música eletrónica, que explora um excitante universo sonoro, tornou-se cada vez mais marginal. E isto não pelo suposto conservadorismo da música erudita ocidental, mas porque elimina o intérprete e com ele elimina algo essencial: a imprevisibilidade da execução. Se podemos conceber (modelizar) a complexidade, nada nos impede de conceber a compreensão, compreender a incompreensão, construir a conceção. Como sabiamente se lê no evangelho de Lucas (14, 28): “Qual de entre vós, se quiser construir uma torre, não começa por se sentar?” Mas talvez a opinião de Albert Einstein, citada por Popper, seja mais eloquente: “Penso que a teoria não pode ser fabricada de resultados de observação, mas há de ser inventada” (Popper, 1972, p. 525). Basta, pois, refletir.

Inferência Na criação da música erudita ocidental, nomeadamente dos últimos cem anos, verificase que, em geral, age conforme o paradigma construtivista, mesmo antes de este se formular e concordamos com Habermas quanto a que parece ser um modelo promissor para análises e desenvolvimento de sistemas de criação e de interpretação musical. Um sujeito que evolui de um grau para o seguinte deveria poder explicar porque são os seus juízos no grau superior mais

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adequados que os que formou no grau inferior (Habermas, 2010, p. 311). O Currículo Nacional do Ensino Básico declara a importância da música na formação das pessoas e assume nas competências essenciais a sua transversalidade desde uma ótica construtivista: As competências específicas para a música na escolaridade básica, têm como centro a pessoa da criança e do jovem, o pensamento, a sociedade e a cultura, numa rede de dependências e interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento complexo. Neste sentido, a música, como construção social e como cultura, pode dar um conjunto de contributos para a consolidação das competências gerais que o aluno deverá evidenciar no final do ensino básico. (Ministério da Educação, 2001, p. 166). A complexidade teórica concebida pelos autores das Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico não se reflete na Lei que o desenvolve e aplica. Assim a complexidade prática observável é reduzida pelo Decreto-Lei 6/2001, anexo II, (Ministério da Educação, 2001a) a tão só o 5º e 6º anos. Tão afastada fica a teoria da prática que não existe correspondência ativa entre o fenómeno modelizado e o modelo estabelecido pelo sistema observante. Talvez para paliar essa escandalosa discordância é que no mesmo Decreto-Lei se introduziram as Atividades Extra Curriculares ainda que só foram implementadas pelo Despacho 12591/2006 do Ministério da Educação (Ministério da Educação, 2006). Mas consultados os Relatórios da Comissão de Acompanhamento do Programa das AEC (2006) (2006/2007) (2007/2008) (2007/2008b), no que diz respeito à música, constata-se um absoluto fracasso, nomeadamente pela falta de professores especialistas em música. Para complicar ainda mais a situação, muitas Escolas Superiores de Educação fecharam ou estão a acabar os Cursos de Música. Para compreenderem o que lhes é dito, os intérpretes têm de abranger um saber que se apoia em pretensões de validade adicionais. (Habermas, 2010, p. 300).

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A formação musical dos professores de Educação Básica é extremamente deficiente para poder garantir minimamente as competências essências que declara o Currículo Nacional. Sem uma cultura da complexidade musical nem uma formação adequada não podem interpretar nem compreender como a música se integra nessa “rede de dependências e interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento complexo”. (Ministério da Educação, 2001, p. 166). E, tanto nas escolas de formação dos professores como no desempenho dos professores na sala de aula das escolas de EB, “el mundo dejó de ser factum, un conjunto de hechos, para convertirse en fictum, un adherido de simulacros” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 22). E, lembrando a já citada frase de Pierre Schaeffer, continua-se a “perpetuar a banalidade”. (Schaeffer, 2008, p. 335). Assistimos, pois, ao que Adorno (2008) na Teoria Estética assinala como “sobrevalorização do princípio de realidade que interdiz sem mais o comportamento estético” (p. 186). A questão básica desta dissertação é a ignorância musical e das Belas Artes, o ‘olhar vazio’ que as ideologias populistas e reacionárias proclamam como direito à ignorância e plebeização da sociedade. Constata-se, lamentavelmente, que se está a gerar um abismo entre a teoria e a prática que torna assustador o conteúdo de verdade que as reflexões filosóficas de Adorno nos apresentam. Quem é totalmente privado de «ouvido musical», quem não compreende a «linguagem da música», percebendo aí apenas a confusão e interrogando-se sobre o que podem significar tais ruídos, só elementarmente se dá conta do caráter enigmático; a diferença entre o que ele ouve e o que ouve o iniciado circunscreve o caráter enigmático. (Adorno, 2008, p. 187). “The knowledge is constructed, not discovered” (Stake, 1994, p. 38) o que nos autoriza a concluir que a cultura não se perde, destrói-se. Ainda que esta complexidade prática observável parece não coincidir com a complexidade teórica concebida manifestada por Habermas: A nossa teoria psicológica afirma que os indivíduos preferem o grau mais elevado de reflexão moral que dominam; afirmação essa que é apoiada pela investigação (Habermas, 2010, p. 312). Em síntese, a evidência de estarmos numa sociedade modelizada para avançar na sua surdez –na dissolução efetiva da sociedade civil (Rodríguez-Magda, 2004, p. 113)–,

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desencoraja os pusilânimes mas obriga a redobrar esforços para evitar que a amusia nos destrua.

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A ciência do método

A criação de um conto musical que reflita sobre a amusia adquirida, a ignorância musical e artística, o ‘olhar vazio’ do pós-modernismo –“aguilhoada pela aprovação cultural da arte, a amusia transforma-se frequentemente em agressão e é esta que move, hoje, a consciência geral para a Entkunstung [negação da dimensão estética] da arte” (Adorno, 2008, p. 187)–, para o qual é preciso realizar uma investigação conducente a resolver os diferentes problemas que a criação literária e musical engloba.

Fundamentos e Organização Robert E. Stake publicou um artigo, em 1994, com o título “Case study: Composition and Performance” que, obviamente, falava de composição e interpretação mas estabelecendo um paralelismo entre a relação compositor–intérprete e a do professor– investigador. Na música, o compositor compõe e o intérprete executa. Na educação musical, o professor de música compõe e o investigador de educação musical interpreta. O investigador deve escolher entre a execução inexpressiva ou a interpretação emotiva. Não é necessariamente uma escolha limpa ou posição extremista. O investigador deve concentrar-se numa descrição exata dos fenómenos, minimizando a interpretação, ou deve seguir um processo que valorize as melhores competências de análise e síntese, maximizando a interpretação? (Stake, 1994, p. 38) Fazer um estudo qualitativo ou quantitativo são opções opostas. A escolha baseada no papel do intérprete terá: um leal executante da partitura, ou uma combinação do melhor do compositor além do intérprete. A reflexão feita por Stake leva-nos a pensar se o educador artístico tem de ser um criador –um artista que suscita experiência– ou um executante de experiências alheias, de experiências do passado ou mesmo um necrófilo que só se interessa pelas experiências dos mortos, dos cadáveres, esquecendo a sua contemporaneidade artística. A fundamentação metodológica assenta, pois, em Robert E. Stake, um dos especialistas mais credenciados no campo do Estudo de Caso na investigação social, assim como noutros autores.

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O que há trinta ou quarenta anos atrás era relativamente simples, hoje tornou-se numa tarefa muito complexa por causa do incessante incremento de métodos de investigação disponíveis, “particularly in the social/applied sciences (O'Leary, 2004, p. 8). Segundo Mertens (2005, p. 2) o referencial teórico do investigador influencia a natureza da definição da pesquisa; e Mackenzie & Knipe (2006), referindo-se a esse referencial teórico como paradigma, dizem que “influences the way knowledge is studied and interpreted”.

Paradigma A escolha do paradigma é o que vai orientar as decisões sobre metodologia, métodos, literatura, desenho da investigação e, mesmo, a intenção filosófica ou motivação para a realização de um estudo (Cohen, Manion, & Morrison, 2000, p. 38). Alguns autores definem o paradigma como a junção de três elementos: a crença na natureza do conhecimento, a metodologia e os critérios de validade (Mac Naughton, 2001, p. 32). Paradigma é, pois, algo que serve de exemplo geral ou de modelo; princípios, teorias e valores que como referencial teórico sustentam as decisões do investigador. Alguns dos paradigmas teóricos discutidos na literatura científica são: positivista, pós-positivista, construtivista, interpretativo, transformativo, emancipativo, crítico, pragmático e desconstrutivista. Mackenzie & Knipe (2006), adaptando propostas anteriores como a de Mertens (2005), relacionam numa tabela os principais paradigmas com os tipos de estudo e desenho das pesquisas. O paradigma interpretativo/construtivista – que tem origem na fenomenologia de Husserl e Dilthey e na hermenêutica dos filósofos alemães da compreensão interpretativa – tem a intenção de compreender o mundo da experiência humana (Cohen & Manion, 1994, p. 36) “The knowledge is constructed, not discovered” (Stake, 1994, p. 38). Em geral os construtivistas não partem de uma teoria, como os pós-positivistas, pois é ao longo do processo de investigação que a teoria emerge e se desenvolve. A investigação construtivista assenta mais em métodos qualitativos e mistos do que em quantitativos (Mackenzie & Knipe, 2006).

Enfoque qualitativo

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“In the social sciences, there is only interpretation” (Denzin, 1994, p. 20). Numa investigação de enfoque qualitativo, na maioria dos casos, não se provam hipóteses pois estas geram-se durante o processo e vão afinando-se com a recolha de dados, sendo o resultado do estudo. Não há, portanto, um processo claramente definido e o investigador é consciente de formar parte do fenómeno. Os resultados não são generalizáveis probabilisticamente nem se pretende a sua replicação (HernándezSampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 8-9). No mundo académico de tradição positivista/pós-positivista subjazem ainda algumas resistências e preconceitos sobre a investigação qualitativa. Denzin (1994) refere que “Qualitative researchers are called journalists, or soft scientists. Their work is termed unscientific, or only exploratory, or it is interpreted politically, as a disguised version of Marxism or humanism” (p. 19). Mas o enfoque qualitativo na investigação tem já uma longa tradição consolidada nos estudos sociológicos da Chicago School entre 1920 e 1930 (Denzin, 1994, p. 15). Denzin, já no título do artigo citado, define o investigador qualitativo como ‘bricoleur’ e diz que ele entende a investigação como um processo interativo moldado pela sua história pessoal, biografia, género, classe social, etnia; o ‘bricoleur’ conhece o poder da ciência; o produto do seu trabalho é o ‘bricolage’, uma complexa, densa, reflexiva, criação–collage que representa a imagem do investigador, a compreensão e interpretação do mundo ou dos fenómenos sob análise (Denzin, 1994, pp. 17-18). Cada estudo qualitativo é, por si mesmo, um desenho de investigação, quer dizer, que não há duas investigações qualitativas iguais ou equivalentes. Podem compartir diversas similitudes mas não se podem replicar como na investigação quantitativa. Lembremos que os procedimentos não são estandardizados e o fato de o investigador ser o instrumento de recolha de dados –e ainda que o contexto ou ambiente evolua com o decorrer do tempo– fazem com que cada estudo seja único, embora seja habitual referir-se a eles pelas tipologias e assim definem-se quatro desenhos genéricos: a) Teoria fundamentada, b) Desenhos etnográficos, c) Desenhos narrativos e d) Desenhos de Investigação–ação. Não obstante as fronteiras entre estas tipologias serem muito permeáveis, a maioria dos estudos toma elementos de mais de um desenho. (Hernández-Sampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, p. 686).

Etnográfico, Narrativo ou Fenomenológico

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Nesta perspetiva de tipologias, as questões dirigem-se para um estudo de desenho etnográfico ou desenho narrativo. Por uma parte pretende-se descrever e analisar ideias e crenças culturais, mas também narrar uma experiência de criação artística. Também há elementos que apontam para um desenho de investigação-ação. Hernández, citando Creswell, classifica os estudos etnográficos em ‘realistas’ ou mistos, críticos, clássicos, micro etnográficos e os estudos de casos culturais (Hernández-Sampieri, FernándezCollado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 698-699). Hernández refere, ainda, os desenhos fenomenológicos –citando, entre outros, Mertens, Creswell, Bogden e Biklen– que se focam nas experiências individuais subjetivas dos participantes. Estes desenhos fundamentam-se na análise de discursos e temas específicos, assim como na procura de possíveis significados. O investigador confia na intuição, na imaginação e nas estruturas universais para apreender a experiência. O estudo fenomenológico pretende descrever e perceber os fenómenos desde o ponto de vista de cada participante (Hernández-Sampieri, Fernández-Collado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 712-713).

Estudo de Caso Quando o foco de atenção duma investigação é o caso, isso define-se como Estudo de Caso e Stake enumera três tipos: intrínseco, instrumental e colaborativo. No estudo de caso intrínseco o objetivo é estudar um caso único em particular (Stake, 1994, p. 35), o qual é muito semelhante com o desenho fenomenológico mas também pode ser etnográfico e narrativo para além de ter outros enfoques, mesmo quantitativos. Stake utiliza o critério de que o Estudo de Caso não se define por um método específico, mas sim pelo seu objeto de estudo; quanto mais concreto e único seja este, com maior motivo podemos designa-lo como Estudo de Caso. Atendendo ao problema de criar um conto musical, que é algo muito concreto e único pois não se quer imitar ou reformular qualquer outro conto musical já existente, o Estudo de Caso é o método mais natural e prático, dando resposta adequada às exigências da criação artística. O Estudo de Caso retrata a realidade do fenómeno criativo sem depender dos artifícios analíticos de outros métodos. O artista-investigador está mais próximo da atividade criadora, tanto durante o estudo como no relatório final, pois utilizará um discurso menos ‘académico’, mais natural e que as pessoas envolvidas na educação e na criação artística reconhecem como próprio, bem como facilitando a compreensão dos contributos.

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A favor e em contra Algumas das vantagens do Estudo de Caso para o investigador-artista são que este privilegia o enfoque holístico –defende a análise global e uma compreensão geral dos fenómenos–

em detrimento da análise de variáveis preestabelecidas; assume a

subjetividade como uma componente importante para o conhecimento científico; e incentiva o desenvolvimento de modelos a partir dos próprios dados e não de hipóteses prévias. Entre as desvantagens está a parca informação que os manuais e as bibliografias de investigação dedicam à análise qualitativa, enquanto são muito generosos com a quantitativa. Isto aponta para um preconceito sobre a investigação qualitativa o que privilegia a ‘execução inexpressiva’ frente a ‘interpretação emotiva’, prejudicando a qualificação dos trabalhos qualitativos no âmbito académico. Outra desvantagem é a imprevisibilidade do tempo necessário para que da ‘dispersão ou expansão’ dos dados e da informação emerja a teoria, hipótese ou conteúdo de verdade da obra artística. Finalmente, uma desvantagem para o Estudo de Caso em causa é a rara existência de exemplos disponíveis que possam dar alguma luz aos que se enveredam pela investigação-criação.

Dados O investigador é o próprio instrumento de recolha de dados, influindo, interagindo e decidindo da sua validade. A análise descreverá a informação e desenvolverá padrões a partir da evolução dos dados. No final poderá gerar ou não alguma hipótese. A natureza dos dados é narrativa e criativa, de tipo ‘soft’, aprendendo-se na observação como afinar o tratamento e registo dos mesmos (Hernández-Sampieri, FernándezCollado, & Baptista-Lucio, 2008, pp. 11-15). Os dados a recolher seguem um faseamento flexível a partir desta proposta inicial: – Revisão bibliográfica, com ênfase nos estudos de estética e de criação musical. – Revisão de repertórios musicais que interajam com a realidade a construir.

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– Criação de ideias, sequências e fragmentos que induzam hipóteses para a construção duma linguagem musical que favoreça o pensamento abstrato. – Criação e contextualização enigmática da história que estimule a criatividade. – Criação da partitura definitiva do conto. – Crenças, valores, contexto e historial do investigador formam parte do estudo. A realidade por descobrir, construir e interpretar é subjetiva e só existe na mente do investigador. É uma realidade que muda com a observação e a recolha de dados. Essa realidade mutante não conhece cronogramas e só o bom senso ou sentido de transcendência do artista-investigador pode dizer quando a realidade construída se aproxima da imaginada. Se esta aproximação não se dá em termos satisfatórios para o artista, pode o investigador concluir, no tempo calendarizado, o seu relatório de fracasso mas o artista destruirá as provas.

Triangulação O investigador do Estudo de Caso, como todos os investigadores, estabelece uma confiança na precisão das observações e fiabilidade das interpretações. Os investigadores qualitativos utilizam diversos métodos de triangulação para confirmar os dados. São táticas de observações repetidas, de múltiplos observadores e de pontos de vista. Os bons investigadores desafiam deliberadamente as suas próprias conclusões emergentes, buscando explicações rivais apoiadas em dados e reforçando as conclusões sobre o que aprendem (Stake, 1994, p. 38). Tanto a música como a história que se foi construindo foram sistematicamente submetidas à opinião de colegas e de alunos assim como, esporadicamente, de crianças e de adultos não relacionados diretamente com o investigador, para testar e recolher novos dados a fim de enriquecer a observação e afinar a eficácia comunicativa. Stake assinala que os investigadores de Estudos de Caso naturalístico providenciam descrições pormenorizadas, um conjunto de dados relativamente incontestáveis, uma lista de padrões de significados claros e duradouros. Não por acaso, muitas vezes os leitores são convidados a criar as suas próprias interpretações e implicações. O investigador atua como um agente do leitor, um apoio para interpretações alternativas, oferecendo dados em detalhe, que tanto podem contradizer como suportar as

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conclusões do investigador (Stake, 1994, p. 38). Essas interpretações alternativas são o enigma da arte. Toda a criação artística é, por definição, a descrição mais completa e pormenorizada possível de si mesma. Se uma descrição melhora a criação que descreve então é falsa ou a própria descrição é, em si mesma, a criação artística, mas a arte deixa de ser o que é e perde a sua especificidade, negando a dimensão estética da arte e transformando-se, como foi indicado anteriormente, no que Adorno denomina Entkunstung. A criação do Conto é, portanto, a mais pormenorizada descrição possível e este relatório não é mais do que um relato necessariamente incompleto.

ÉTICA Foi salvaguardada a identidade de todas a pessoas que providenciaram contributos para o desenvolvimento da criação do conto, sendo informadas verbalmente da investigação quando se solicitou o seu contributo. Por outra parte, a história, embora utilize uma linguagem metafórica, nunca atribui nem revela identidades. Os conceitos, ideias e pensamentos que entraram no conto diluídos no discurso mas que têm autor, na edição da obra final são identificados com uma espécie de créditos eruditos. Neste relatório são identificados no capítulo de análise do conto. Na página de agradecimentos figuram todas as pessoas que de algum modo providenciaram algum tipo de ajuda para levar adiante esta dissertação.

Ilação “Suppose that all the world could be seen only through the eyes of a music educator. What would the world look like?” (Stake, 1994, p. 31). Assim se iniciava o artigo e, numa lógica de formalidade conclusiva, Stake retomava o tema inicial do duplo paralelismo educador-compositor / investigador-intérprete para nos lembrar que o investigador de educação musical não pode deixar de ser um intérprete, um improvisador. Mas a partitura, aliás, todas as partituras estão mal definidas, são incompletas. E continuava: os significados do compositor são vagos e inconstantes. Para concluir: Não há outro mundo mais do que o observado através dos olhos de um educador de música (Stake, 1994, p. 44).

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A ilação disto é que a indefinição da partitura só é um problema para o executante inexpressivo que não ultrapassa a aritmética da pauta. Essa calculada indefinição é a que permite que o hálito da fantasia metodológica possibilite múltiplas interpretações emotivas para nos conduzir a olhar o mundo, criativamente, através do compositor. O conhecimento constrói-se com inspiração.

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O percurso da criação Emergência da Ideia No ano 2005, o compositor abandona Madrid para instalar-se em Tui, na Galiza, e na mudança perdeu uma caixa. Essa caixa continha toda a sua coleção de laços. Após a contrariedade que isso supunha, concebe a primeira ideia de fazer uma obra que se intitule A Caixa dos Laços. A ideia concebida instala-se no subconsciente do autor e lá vai fazendo amizade com outras ideias e alimentando-se do desenvolvimento de obras, de leituras, de conversas, de observações, de escutas, enfim, a ideia prossegue a sua gestação até ao dia em que é dada à luz. A fase emergente dum projeto de criação, não tem um período de gestação definido, é dificilmente calendarizável. Tanto pode alumiar em horas como em anos e muitas vezes, só é preciso uma oportunidade para que o parto seja prematuro. Assim, o autor recebe um dia a sugestão de escrever uma obra que envolva crianças, e imediatamente a ideia da Caixa dos Laços salta para a frente. Pensa numa ópera para crianças com um argumento que arranque do ponto onde a história real acaba: a ausência da caixa. Duas crianças a brincar encontram a Caixa dos Laços e quando os experimentam tudo se transforma. Cada laço transporta-os para um conto de fadas em simbiose musical: A Flauta de Neve, A Violeta Borralheira, O Violino das Botas, e assim sucessivamente. Inicialmente, o autor entusiasma-se e começa a esboçar o projeto mas há perguntas que não ficam bem respondidas, como as habilidades técnicas das crianças cantoras e instrumentistas que devam apresentar a ópera em palco, pois isso condiciona excessivamente o discurso musical. Também está o enorme investimento de meses de trabalho para escrever uma ópera para crianças intérpretes que dificilmente vai ser compensado economicamente –reduzindo a qualidade de vida do compositor– nem sequer em número de representações que preencham a sua auto-estima. Isto desencoraja a criação e vai adiando o projeto porque a ética dum artista não tolera conformar-se com obras inferiores, por compromisso. “O autor é uma espécie de foco de expressão, que, sob formas mais ou menos acabadas, se manifesta da mesma maneira, e com o mesmo valor, nas obras, nos rascunhos, nas cartas, nos fragmentos, etc.” (Foucault, 2008, p. 53)

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Público-alvo Entretanto, a ideia dos simbióticos contos de fadas musicais vai-se tornando algo leviana, pueril e fútil. A questão básica de para quem se faz um Conto Musical, dito em termos académicos, qual o público-alvo, provoca uma reflexão mais aprofundada. A resposta de manual –para satisfazer quem decide as verbas destinadas ao projeto– pode ser uma adaptação moderna do clássico ‘panem et circenses’ da Roma decadente que só pensava em comer e divertir-se. Para uma grande maioria, um Conto Musical é um ‘espetáculo que envolve crianças’ e, segundo os casos, adicionar-se-á um grão de ‘cidadania’ ou de ‘moral’; nesse contexto, mencionar à ‘filosofia’ ou à ‘arte’ pode resultar aborrecido, inconveniente ou mesmo pedantaria. Mas voltando à questão básica, existe um público-alvo para a arte? Se concordássemos, então teríamos de admitir que a arte não é apta para o resto da humanidade. Se por público-alvo só nos referimos à faixa etária ou de madureza intelectual para compreender a mensagem, isso não afeta a obra em si, tão só a forma de expressão escolhida, que pode primar a essência, a existência ou ambas com diferentes níveis de compreensão. Assim como a missão do palhaço não é fazer rir, mas servir-se do riso para fazer pensar, o artista sabe que um conto musical, como qualquer outra peça de arte, não é um espetáculo; utiliza, sim, o espetáculo da fantasia como meio, mas o seu fim é transcender, é uma oportunidade para fazer crescer, artística e humanamente. O conto, musical ou não, é uma experiência transcendente que o artista-compositor-autor partilha com os ouvintes e leitores. O compositor-autor escreve para si próprio e o público só tem acesso à sua criação quando está pronta para ser apresentada em alguma das suas possíveis formas de comunicação, quer dizer, quando o criador está satisfeito com a obra realizada, pois partilhar algo inacabado ou que não satisfaz ao próprio autor seria indigno dum artista. Não seria ético, e segundo a proposição 6421 do ‘Tratado Lógico Filosófico’ de Wittgenstein: “É óbvio que a Ética não se pode pôr em palavras. A Ética é transcendental. (A Ética e a Estética são Um)” (Wittgenstein, 2008, p. 138). Era, pois, preciso reformular o projeto porque as crianças são geralmente mais baixinhas do que os adultos mas não são bobas nem deficientes como para que no século XXI, quando o imaginário virtual e tecnológico forma parte do seu quotidiano, ainda lhes andem a moer o juízo com fadinhas ou fadonhos. Só é preciso tomar alguma

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precaução técnica como a que indica o Prémio Nobel José Saramago em ‘A maior flor do mundo’: “As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas.” (Saramago, 2001, p. s/n). ‘Poucas palavras’ não quer dizer ‘poucas ideias’, nem idiotice, porque aquilo que não se pode dizer com palavras simples é porque precisa de se refletir mais. Wittgenstein, na proposição 4.116 esclarece: “Tudo o que pode de todo ser pensado, pode ser pensado com clareza. Tudo o que se pode exprimir, pode-se exprimir com clareza. (Wittgenstein, 2008, p. 63). Daí que, na contracapa de ‘A maior flor do mundo’, Saramago ainda escreva: “E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar? (Saramago, 2001, p. contracapa). Isto levanta uma outra questão sobre qual o público-alvo, pois quem compra os livros, filmes, espetáculos e tudo o que consomem as crianças? As crianças podem pedir e até pressionar, mas quem paga? Não será que o público-alvo é universal? Qualquer assunto que implique crianças tem de lidar com duas ou três gerações: a das próprias crianças, a dos pais e a dos avós. No caso dos contos, antes de as crianças aprenderem a ler, são os pais, avós ou pessoas do seu ambiente familiar quem lhes lê o livro, quer dizer, são os adultos quem descodificam a mensagem do autor e a adaptam à criança recetora. Os adultos são, pois, tão alvos como as crianças já que filtram o que há de chegar a elas. Por público-alvo universal deve entender-se aqui, aquele que possui alguma sensibilidade para as questões das crianças, incluindo as próprias crianças. Daí que o compositor-autor não escreve um conto só para crianças –pois tem também de dirigirse aos adultos que ‘pagam’– nem para um contexto particular –como pode ser o escolar ou familiar. O que sim faz o compositor-autor é uma ‘peça de arte amiga das crianças’

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que seja utilizável em todas as circunstâncias e por qualquer pessoa, inclusive na sala de aula.

A adivinha e o enigma da arte Dilucidada a questão do público-alvo, uma nova oportunidade chegou em forma de encomenda paga para fazer um conto musical e a ideia da Caixa dos Laços voltou novamente para a frente, desta vez, com a reflexão sobre a educação artística e a formação de estruturas mentais muito mais madura. A história tem o mesmo ponto de partida, a ausência da caixa, mas agora fazendo pensar as crianças. John Dewey, o filósofo norte-americano que defendia a democracia e a liberdade de pensamento como instrumentos para a maturação emocional e intelectual das crianças, numa citação de Gianni Rodari, diz: “O pensamento deve ser reservado ao novo, ao precário, ao problemático. Daqui o sentimento de constrição mental e de perda de tempo que as crianças experimentam quando lhes pedem que reflitam sobre coisas familiares.” (Rodari, 2004, p. 207). Pensar afasta-nos do aborrecimento e se pedirmos às crianças para pensar no que aconteceria se os ingleses esquecessem de falar inglês, seguramente não terão tempo para se aborrecer. Segundo Dewer, as construções fantásticas muitas vezes antecedem um pensamento de tipo mais rigorosamente coerente. Na ‘Gramática da Fantasia’, Gianni Rodari fala da adivinha como forma de conhecimento. Traduzir um problema numa adivinha é o que distingue uma mente genial, mas qualquer pessoa absolutamente comum pode, com o contributo da instrução, inventar ou desenvolver modelos eficazes. (Rodari, 2004, p. 208). O Doutor Carlos Nogueira, do Centro de Tradições Populares Portuguesas da Universidade de Lisboa, define a adivinha como “um texto verbal curto que apela a uma resposta, contida na pergunta de modo cifrado ou encoberto”. (Nogueira, 2004). Em qualquer livraria podemos comprovar que a produção editorial de livros de adivinhas é abundante, tanto para crianças como para adultos, o qual significa que a tradição das adivinhas se mantém viva e criativa.

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Nogueira resume o processo estimulador das adivinhas deste modo: Através da adivinha, a dúvida instala-se e as coisas designadas pela linguagem perdem a sua dimensão unívoca em favor da pulverização

de

sentidos,

modificando

radicalmente

o

conhecimento que o sujeito tem do universo. Ela encerra condensadamente uma importantíssima perspetiva que nos abre caminho para uma visão singular daquilo que, no nosso quotidiano, nos aparece a cada passo como obscuro ou demasiado evidente e adquirido. Texto, portanto, que subverte e reinventa as estruturas mentais hierarquizadas, muito por ação de um estranhamento criador que valoriza outras visões do real. (Nogueira, 2004). A adivinha é, pois, uma utilização lúdica da linguagem que através da poética e enigmática estimulam a criatividade e a estética para reinventar-nos artisticamente. A proposta estética formulada por Theodor W. Adorno sobre o enigma da arte mantém-se inalterada: O caráter enigmático das obras de arte permanece intimamente ligado à história. Por ela se tornaram outrora enigmas, por ela continuam a sê-lo e, inversamente, só esta, que lhes conferiu autoridade, mantém delas afastada a penosa questão da sua raison d'être. A condição do caráter enigmático das obras de arte é menos a sua irracionalidade do que a sua racionalidade; quanto mais metodicamente são dominadas tanto maior relevo adquire o caráter enigmático. Através da forma, tornam-se semelhantes à linguagem, parecem tornar-se apenas um em cada um dos seus momentos e a este revelar, o qual desaparece em seguida. Todas as obras de arte, e a arte em geral, são enigmas; isso desde sempre irritou a teoria da arte. O facto de as obras de arte dizerem alguma coisa e no mesmo instante a ocultarem coloca o caráter enigmático sob o aspeto da linguagem. Ele macaqueia à maneira de um clown; se se estiver nas obras de arte, se se participar na sua realização, torna-se invisível; se delas se sair, se se rescindir o contrato com o seu contexto imanente, ele retorna como um spirit. (Adorno, 2008, p. 186).

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De facto, a práxis dos artistas importantes apresenta uma afinidade com o enigma; é disso testemunho o prazer que os compositores sentiram, durante séculos, na utilização de cânones enigmáticos. A imagem enigmática da arte é a configuração da mimese e da racionalidade. O caráter enigmático é algo que brota. (Adorno, 2008, p. 196).

Conteúdo de verdade Adotada a estratégia formal das adivinhas, o seguinte passo no processo criativo era estruturar a essência do conto para delimitar o conteúdo e aqui levantam-se novas questões sobre a arte e sua função mágica. Novamente Adorno nos esclarece na ‘Teoria Estética’ essa função: A arte subsiste após a perda do que nela devia outrora exercer uma função mágica e, depois, cultural. Perde o seu «para quê» - em termos paradoxais: a sua racionalidade arcaica - e transforma-o num momento do seu em-si. Torna-se assim enigmática; se já ali não está para o que ela imbuía de sentido como seu fim, então, que pode ela ser em si mesma? O seu caráter enigmático incentiva-a a articular-se imanentemente de tal modo que, através da configuração da sua absurdidade enfática, adquire um sentido. Sob este aspeto, o caráter enigmático das obras não é o seu ponto último, mas toda a obra autêntica propõe igualmente a solução do seu enigma insolúvel. (Adorno, 2008, pp. 196 - 197). Adorno aponta-nos a solução do enigma mas não o seu discurso narrativo porque não é a sua composição o que faz enigmáticas as obras de arte, mas antes o “respetivo conteúdo de verdade”. A questão pela qual cada uma se liberta por si mesma desse conteúdo de verdade que a atravessa –questão que retorna infatigavelmente– «para que serve tudo isso?» –transforma-se nesta– «É, pois, verdadeiro?» –questão do Absoluto, à qual toda a

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obra de arte reage ao desembaraçar-se da forma da resposta discursiva. (Adorno, 2008, p. 197) Daí que o pensamento discursivo vai manter o tabu sobre a resposta que procura proporcionar, “…no entanto, porque carece de juízo (Urteil), não a fornece; deste modo torna-se enigmática, como o horror do mundo primitivo, que se modifica, mas não se esvanece.” (Adorno, 2008, p. 197). Este ponto do processo pode tornar-se facilmente num beco sem saída. É preciso manter o espírito sereno para continuar a refletir sobre o enigma e a discursiva da arte até encontrar esse minúsculo ponto de luz na obscuridade que permita enfiar o pensamento para construir a obra. Um conto musical não deve ser uma pura sucessão de adivinhas desconexas, precisa de algo mais para que o enigma construa pensamento criativo, artístico, estético, ético, filosófico. A responsabilidade do criador na Educação Artística é muito importante pois é quem vai articular o discurso dos educadores. A leitura demorada de Adorno trouxe finalmente essa luz inspiradora do argumento filosófico, pedagógico ou, simplesmente, a moral da história. Na página 186 da ‘Teoria Estética’ o autor encontrou o “respetivo conteúdo de verdade” necessário para solucionar o enigma que devia ocultar. Eis porque também foi lucrativo o estudo de homens incultos: o caráter enigmático da arte torna-se neles flagrante até à sua total negação, transformando-se, sem saber, em crítica extrema da arte e, enquanto comportamento defeituoso, em suporte da sua verdade. É impossível explicar a broncos o que é a arte; não poderiam introduzir na sua experiência viva a compreensão intelectual. Está neles tão sobrevalorizado o princípio de realidade que interdiz sem mais o comportamento estético; aguilhoada pela aprovação cultural da arte, a amusia transforma-se frequentemente em agressão e é esta que move, hoje, a consciência geral para a Entkunstung [negação da dimensão estética] da arte. Quem é totalmente privado de «ouvido musical», quem não compreende a «linguagem da música», percebendo aí apenas a confusão e interrogando-se sobre o que podem significar tais ruídos, só elementarmente se dá conta do caráter enigmático; a diferença entre o que ele ouve e o que ouve o iniciado circunscreve o caráter enigmático. Mas a natureza enigmática não se refere de nenhum modo apenas à música, cuja inconceptualidade a torna quase

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demasiado óbvia. Um quadro ou um poema olham todos aqueles que, por assim dizer, não decalcam a obra «segundo a sua disciplina», com os mesmos olhos vazios que a música vira para o inculto. (Adorno, 2008, pp. 186 - 187). Aparece neste texto a palavra-chave sobre a qual arquitetar o conteúdo de verdade do conto: “amusia”. O Dicionário da Porto Editora define-a assim: amusia s.f. perda patológica de capacidades musicais; surdez musical (amusia auditiva); alexia para as notas de música (cegueira musical); perda do canto (amusia vocal); perda da capacidade de tocar um instrumento (amusia instrumental); perda da capacidade de escrever música (agrafia musical); ignorância das Belas-Artes (Do gr. amousia, pelo lat. amusia-, «ignorância musical») Não é a patologia física a que interessa ao autor –essa é uma questão médica que só muito recentemente se começou a investigar e provavelmente se consiga resolver– antes é a amusia adquirida, a ignorância musical e das Belas-Artes, o direito à ignorância proclamado por ideologias populistas e reacionárias o que o artistacompositor-autor quer evidenciar no seu conto como origem do ‘olhar vazio’ que o pósmodernismo inoculou na sociedade ocidental. O tema de que trataria o conto, ‘amusia’, ficou definido e começou a emergir o seu ‘respetivo conteúdo de verdade’. Ao passar revista ao que o mercado nos oferece com o rótulo de conto musical podemos observar que não há uma tipologia definida para este género. Assim, para além de considerar ou não como música os efeitos especiais, a função da música num conto musical pode variar desde ser um mero fundo musical, fazer uma ilustração musical, desempenhar um reforço musical da ação, ou representar uma narração musical que pode até prescindir do texto. Por sua vez o texto do conto pode ser uma história musical, uma história com referências musicais, uma história com alusões à música ou mesmo uma história sem qualquer conexão com a música. Desde a simbiose comunicativa história-música até a incomunicação de ambas tudo pode caber num conto musical. As canções são ainda um recurso muito explorado neste género e o sistema tonal a linguagem mais comum, com tendência a uma simplificação tão radical que parece ignorar a inteligência das crianças. Com o conteúdo de verdade já decidido, a história, logicamente, será musical mas o compositor, como parece óbvio, não quer que a música seja um mero fundo, nem sequer

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uma ilustração dispensável. Poderia reforçar a história ou até contá-la mas nunca ser um móvel decorativo. Se recapitulamos o conhecimento do conhecimento anteriormente revisado, podemos perceber que tanto a música como a história são processos de comunicação que implicam atitudes performativas onde o conhecimento ilumina o próprio conhecimento que permitiu adquiri-lo. A comunicação musical e a linguística podem contribuir para o mesmo fim mas, como já foi referido, empregam recursos neuronais diferentes. Portanto, se aceitássemos como objetivo o “possibilitar a construção de um pensamento complexo” como assim no-lo encorajam as Competências Essenciais do Currículo Nacional, podemos utilizar a música e a história como elementos estruturantes que se combinam entre si mas que não têm, necessariamente, de repetir uma o que já está a dizer a outra. A principal preocupação do compositor não é tanto a combinação de história e música como qual será o melhor método para exprimir adequadamente ambas narrativas com palavras simples e ideias complexas. Assim como não é aceitável confundir palavras simples com vulgaridades plebeizantes, do mesmo modo a música não deve recorrer a simplificações redutoras porque, como já descobriram os neurocientistas, aborrece as crianças. Não sabemos se acontece o mesmo com os adultos que não foram estimulados antes da idade limite dos vinte anos. Observando os espetáculos festivos que patrocinam os estabelecimentos de ensino superior para os seus alunos, onde não se dispensa a vulgaridade plebeia, o compositor interroga-se sobre a aprendizagem da ignorância, da amusia, e o prestígio social da incultura nas instituições científicas. Convém, então, rever alguns pressupostos éticos e estéticos

DESTRUIÇÃO DA AURA “O efeito Hiroxima”, um artigo do filósofo português Eduardo Lourenço publicado a 13 de Agosto de 1995 no Jornal Público e incluído no livro ‘O Esplendor do Caos’ (Lourenço, 2007, pp. 95-102), esclarece a “boa consciência” que caracteriza a cultura usamericana e o sentimento de povo eleito que lhe evita a inquietude, angústia ou escrúpulos quando instituído em nação-guia deita sobre Hiroxima e Nagasáqui “o fogo do inferno” –como Einstein, seu ‘pai’ legítimo, o denominou. Aquele apocalíptico genocídio foi designado como “histórico” e pensado como o “tempo de Deus” enquanto que Auschwitz pertence por definição à culminância perversa e tenebrosa da barbárie

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pré-histórica. A 6 de Agosto de 1945, Usamérica inaugurou solenemente, talvez sem o saber, uma nova era, a era pós-moderna ou da hegemonia mundial usamericana. O cogumelo de Hiroxima acabou por cobrir quase todo o planeta e sumiu o mundo no pensamento débil do pós-modernismo, com perda do passado e do futuro. Essa radiação de anti-modernismo trocou a ação de pensar pelo culto ao corpo e à tecnologia, renunciando às utopias e ao progresso. Diluiu as ideologias e acabou com a autosuperação e o esforço. A verdade passou a ditar-se desde os meios de massas e dos gabinetes de marketing, onde se instalou o poder real. John Cage recicla o dadaísmo –“Nel dadaismo si pone per la prima volta esplicitamente un problema di grande rilievo per la estetica contemporanea, il concetto di ‘contemplazione estetica’ … gli aspetti più scandalosi del dadaismo … contribuiscono in modo decisivo a mettere in crisi proprio questo aspetto della coscienza estetica ottonovecentesca” (Vattimo, 2008, pp. 67-68)– e leva o absurdo musical à sua última consequência escrevendo uma obra onde cada um dos três andamentos tem por única grafia a palavra latina “tacet”, um termo musical que indica uma pausa prolongada. O autor declara em Silence (Cage, 1978, p. 10) que o seu propósito era mudar a perceção dos ouvintes, não para compreenderem, tão-só para prestar atenção a atividade dos sons (“Just an attention to the activity of sounds”). A obra 4’ 33” –assim se intitula por ser essa a duração da primeira interpretação realizada em Nova Iorque a 29 de Agosto de 1952 pelo pianista David Tudor– converteu-se num ícone do pósmodernismo usamericano. Mas chegado a esse limite abismal da música alegadamente erudita, só cabia o silêncio absoluto ou o retorno ao mundo dos sons. Então começaram com a universal “culturização” de todas as músicas na linha do que Eduardo Lourenço interpreta como ‘feérie’ cultural permanente, puramente decorativa e fantasmagórica (Lourenço, 2007, p. 124).

BATALHA DO “FORMAL” No III volume de ‘Ditos e Escritos’ de Michel Focault inclui-se um diálogo com o compositor francês Pierre Boulez sobre “A música contemporânea e o público”

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publicada em 1983, onde o autor do ‘Marteau sans maître’ diz: “Será que falar das músicas e alardear um ecumenismo eclético resolve o problema? Parece que, pelo contrário, se o escamoteia… Todas as músicas são boas, todas as músicas são agradáveis. Ah! O pluralismo, nada se compara a ele como remédio para a incompreensão. … Tudo vai bem, nada vai mal; não há valores, mas há prazer”. E ainda acrescenta que “o ecumenismo das músicas é uma estética de supermercado, uma demagogia … para camuflar a miséria dos seus compromissos” (Foucault, 2006, p. 393). A industrialização da música inicia nos sessenta a mundialização mas Focault considera que muitos dos elementos destinados a dar acesso à música acabam precisamente empobrecendo a relação que se tem com ela e assim as leis do mercado terminam por estabelecer os limites de uma capacidade bem-definida de audição e delimitam cada vez mais um esquema de escuta. Isto está de acordo com a teoria da “destruição da aura” e as mudanças nas condições de produção que preconizava Walter Benjamin no ensaio de 1936 ‘A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica’ (1992, p. 82). O anti-modernismo usamericano não foi plenamente aceite na Europa onde o pensamento nunca foi banido –tão-só abrandado– e Focault, que considera Boulez como o sucessor de Shönberg e Webern, num artigo de 1982 intitulado “Pierre Boulez, a Tela Atravessada” esclarece: “Na época em que nos ensinavam os privilégios dos sentidos, do vivido, do carnal, da experiência originária, dos conteúdos subjetivos ou das significações sociais, encontrar Boulez e a música era ver o século XX sob um ângulo que não era familiar: o de uma longa batalha em torno do “formal”; era reconhecer como na Rússia, na Alemanha, na Áustria, na Europa Central, através da música, da pintura, da arquitetura ou da filosofia, da linguística e da mitologia, o trabalho do formal tinha desafiado os velhos problemas e subvertido as maneiras de pensar” (Foucault, Ditos e Escritos - Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema, 2006, p. 388). Noutro artigo publicado no Corriere dela Sera, de 30 de Setembro de 1980, com o título “L’imaginazione dell’ottocento”, Focault afirma que Boulez é “o herdeiro mais rigoroso e mais criativo da Escola de Viena, um dos mais notáveis representantes da grande corrente formalista que atravessou e renovou toda a arte do século XX (e não somente na música)” (Ditos e Escritos - Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema, p. 382). Este trabalho do formal faz-nos lembrar a Proposição 3 do ‘Tratado Lógico Filosófico’ de Ludwig Wittgenstein publicado em 1922 e que resume a essência da tradição cultural europeia: “A imagem lógica dos factos é o pensamento” (Wittgenstein, 2008, p. 38) ou,

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desde outro ângulo, “Pensar o mundo é fazê-lo com categorias filosóficas” (RodríguezMagda, 2004, p. 22).

RITUALIDADE A queda do Muro de Berlim representou para Europa a vontade de transformação, a recuperação da auto-confiança, da restauração duma certa transcendência e ética do modernismo, ainda que assumindo as críticas do pós-modernismo. A filósofa catalã Rosa María Rodríguez-Magda, desde o ano 1987, vem propondo em diversas publicações a palavra “trans-modernidade” para designar essa mudança de paradigma, pois as conotações do prefixo “trans” –transmissibilidade, transculturalidade, transnacionalidade,

transpolítica,

transexualidade,

transgénico,

transvanguarda–

sugerem transformação, dinamismo, atravessamento de algo num médio diferente; esse algo que vai “através de”, não se estanca, mas parece atingir um estádio posterior que comporta a noção de transcendência (Rodríguez-Magda, 2004, p. 16). Para isso, o indivíduo precisa de retomar a origem ancestral dos mitos e recriar a ritualidade, na qual é oficiante ao mesmo tempo que criador e depositário do segredo da ausência (p. 21). A filósofa da trans-modernidade convida-nos para uma revisão daqueles discursos dos anos sessenta e setenta que hoje exercem como novo catecismo da vacuidade. A crítica à ‘auctoritas’, no seu momento necessária, hoje legitima a falta de critérios de valor. A denúncia da autoria converteu-se na coartada do plágio. O rechaço do cânone dá crédito à literatura e à música lixo. A exibição de particularismos pretensamente universais favorece o localismo grosseiro e o fanatismo racial. A luta contra os privilégios agora anima a ditadura do igualitarismo e da mediocridade. (Rodríguez-Magda, 2004, p. 51). Mas ainda é necessário chamar a atenção para a gíria politicamente correta e o messianismo New Age e pseudo-histórico manipulador de massas. A transmodernidade não é uma ONG, é um lugar onde todos temos de brigar. (p. 16).

PENSAMENTO ÚNICO O pensamento forte do modernismo aspirava a transformar a realidade (Tese). O pensamento débil do pós-modernismo negava e desagregava a realidade (Antítese). A trans-modernidade integra a realidade com a negação da realidade num espaço virtual interativo (Síntese) (Rodríguez-Magda, 2004, p. 35). Mas a esta tríada Realidade-

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Simulacro-Virtualidade corresponde outra, Razão-Deconstrução-Pensamento único, que arrepia ainda mais por carecer de alternativa e gera uma transcultura do desarraigo global. Assim como Hiroxima significou uma mudança de paradigma, outro acontecimento apocalíptico, o dia 11 de setembro de 2001, marcou uma nova forma de pensar o mundo. Outras potências emergentes –nomeadamente Brasil, China, Índia e Angola mas não só– começam a ocupar espaços relevantes que fragmentam o poder global. Estamos ultrapassando o paradigma da trans-modernidade, caminhando para um novo pensamento forte de neo-modernidade múltipla, no sentido que Jürgen Habermas lhe atribui no ‘Discurso Filosófico da Modernidade’ como uma existência livre de dominações (Habermas, 2008). Para além disto, o desafio de pensar, a urgência de atuar, continuam pendentes. (Rodríguez-Magda, 2004, p. 46). O século passado apresenta-se-nos, ainda hoje, com uma lógica confusa; não só na política ou na economia, mas sobretudo nas ideias e nas artes, onde a felicidade fragmentária que ainda vendem os anúncios do ultra consumismo pós-moderno entrou em crise, passou de moda, irrita, inclusive aos mais intranscendentes. Mas o estupor do marketing é tão radioativo que atingiu mesmo os tecidos sociais mais profundos. O antídoto da cultura já não faz efeito porque o pósmodernismo rebaixou-a tanto que se confunde mesmo com a incultura. Para assimilar e preencher aquele enorme vazio deixado pela morte de Deus, o modernismo tinha ao seu dispor uma alta cultura bem treinada na “forma”. Para remediar o vazio absoluto deixado pelo pós-modernismo não há contingentes intelectuais suficientes, com treino do “formal”, que repensem a humanidade tão rápido como os publicistas a desconstruem. O trans-modernismo criou algumas condições para isso, como a sociedade organizada em redes de comunicação global, e que pode gerar um novo e plural pensamento forte, base do neo-modernismo. Mas é urgente pensar se queremos ser nós a reinventar-nos ou –parafraseando a Miguel de Unamuno– aceitamos ‘que inventem eles, e nós aproveitar-nos-emos das suas invenções’2.

2

Numa disputa sobre a europeização ou africanização da península ibérica, Miguel de Unamuno envia no dia 30 de Maio de 1906 uma carta a José Ortega y Gasset onde escreve: «Inventen, pués, ellos y nosotros nos aprovecharemos de sus invenciones. […] La luz eléctrica alumbra aquí tan bien como allí donde se inventó» (Unamuno, 2006, p. 219). Este paradoxo, tão arraigado no nacionalismo espanhol, teve graves consequências no desenvolvimento económico da Espanha e o Informe Anual de 2008 da OMPI sobre o registo internacional de patentes confirma que as invenções espanholas não chegaram ao 0,6% mundial, muito longe do 11,3% da Alemanha ou mesmo do 4,2% da França (OMPI, 2009), países com os que frequentemente se compara. Também pode explicar o duvidoso mérito de no ano 2008 a Espanha ser

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“O que é original é insubstituível” diz Ígor Stravinski nas Chroniques de ma vie referindose à morte de Diáguilev (Stravinski, 2005, p. 177).

CONSTRUÇÃO DA VERDADE

Forma e conteúdo são da mesma natureza, apreensíveis pela mesma análise. O conteúdo recebe da sua estrutura a sua realidade, e aquilo que chamamos forma é a ‘estruturação’ de estruturas locais de que se constitui o conteúdo. (Leví-Strauss, 1983, p. 131). Se a estrutura da história gira em torno do seu “respetivo conteúdo de verdade”, que, segundo Adorno, é o que faz enigmáticas as obras de arte, é preciso encontrar um elemento estruturador similar para a música, um conteúdo de verdade que a transforme em enigma e desafio. A propósito de Adorno, Edward W. Said, comenta: El quid, como siempre en Adorno, es el problema de intentar decir lo que da solidez a las obras, lo que les proporciona unidad y las convierte en algo más que una mera recopilación de fragmentos. Aquí muestra su aspecto más paradójico: uno no puede decir qué vincula las partes si no invoca «la figura que crean todas juntas». Uno tampoco puede minimizar las diferencias entre las partes, ya que daría la sensación de que el hecho de mencionar la unidad, o de darle una identidad específica, reduciría entonces su fuerza catastrófica. (Said, 2009, p. 35). A estrutura é a divisão do total da obra em suas partes constitutivas, a forma. O método, em música, é o conjunto de procedimentos para construir a obra nota a nota. O sistema tonal foi um método com funções estruturais, esgotado nos finais do século XIX. O atonalismo gerou diversos procedimentos, o dodecafonismo foi o mais produtivo e dele derivam todos os serialismos. Novos sons, texturas, automatismos, indeterminação,

incluída na Watch List pelo excessivo número de crimes contra a propriedade intelectual. (Office of the US Trade Representatives, 2009).

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colagem, tecnologia, computação, mixed media, etc. podem gerar novos métodos ou não. Para facilitar, falaremos aqui de «complexos» –termo utilizado por Pierre Boulez em alguns escritos como em A música hoje (Boulez, 2007, p. 38) se bem que não sigamos os seus procedimentos– como unidades estruturantes e ainda de complexos simples ou combinados segundo se manifestem só na história, só na música ou em ambas, e também de complexos homogéneos ou heterogéneos segundo os atributos constituintes como intervalos, durações, sucessões, sons, dinâmicas, métricas, timbres, ataques, espaços, ou no texto as metáforas, adivinhas e imagens. Os analistas da música do século passado preferem a terminologia da Teoria de Conjuntos. Allen Forte (1973) inventou uma classificação dos conjuntos-classe que teve muito sucesso, e Jõao Pedro Oliveira (2007) publicou uma teoria analítica abrangente que normaliza o léxico musical português. Mas o compositor, por coerência com o pensamento complexo que a música tem de induzir, mantém o termo de Boulez. Um «complexo» é, pois, um conjunto de elementos a definir, por exemplo uma sequência de números, mas Boulez chama a atenção para não cair no método axiomático que nos permite criar teorias puramente formais como nas ciências dedutivas. Devemos respeitar os princípios lógicos, senão os mal-entendidos instalamse, e em abundância. Não partamos absolutamente das substâncias e dos acidentes da música, mas pensemos nela em termos de relações, de funções. (Boulez, 2007, pp. 28 - 30). Então não deve ser qualquer sequência de números ao acaso. “Toda reflexão sobre a técnica musical deve ter origem no som, na duração, em suma: no material com que o compositor trabalha”. (Boulez, 2007a, p. 33) O compositor, obviamente, tem experiência acumulada na criação musical e alguns «complexos» transitam de umas obras para outras mantendo uma espécie de marca de autor, e isto não é metafórico pois um desses complexos está constituído pelos números 9 e 7 que são os que correspondem ao número de letras do nome (Rudesindo = 9) e apelido (Soutelo = 7) e foi suficientemente testado em obras de todo tipo. O número de complexos necessários pode ser definido por outro complexo mas, no mínimo, cada obra precisa, de um complexo próprio e identitário. Habitualmente dá bom resultado utilizar os números que correspondem à quantidade de letras de cada palavra do título e dos andamentos, assim como datas de nascimento ou composição. O título do Conto já está decidido, A Caixa dos Laços, que dá a sequência de números 1, 5, 3 e 5. Com estes dois complexos –[9,7,] e [1,5,3,5]– já podemos experimentar. Considerados como intervalos-classe (contando em semitons) obtemos uma ordenação intervalar horizontal (melódica), vertical (harmónica) ou uma combinação de ambas que com 11

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transposições dá 12 alturas diferentes e 4 leituras possíveis (Original, Retrógrada, Invertida e Retrógrada Invertida). Mas todos os intervalos têm duas orientações possíveis –Exemplo: [1,5,3,5] contem as sequências {+1+5+3+5} e {-1-5-3-5}; ambas são originais e ao mesmo tempo uma é inversão da outra– (Ver a tabela das sequências de sons no Anexo 1). Os intervalos ainda podem ser substituídos pelos seus complementares –o intervalo +7 é complementar de -5 num sistema de base 12. Este complexo dá 8 sequências originais com 4 leituras que sumam 32 possibilidades mais as suas transposições (32 x 12) que atingem um total de 384 combinações diferentes. Mais do que suficiente para que o hálito da fantasia se esprema. Podemos ainda mudar a base 12 por outra e os intervalos complementares expandirão as possibilidades. Considerados como compassos estabelecemos as estruturas formais e ainda nos pode dar o número de andamentos e a métrica. A orquestração também pode ser extraída desses complexos, e a dinâmica, os registos sonoros, ou qualquer outro parâmetro que queiramos organizar com uma lógica estruturante. Exemplo: A Abertura está dividida em 1+5+3+5 secções. A Primeira é uma chamada de atenção e as outras 13 dividemse por sua vez em 1+5+3+5 compassos de 5/8 (8=3+5). Só o primeiro e o último compassos são de 5/4. A percussão delimita as secções e as 3 centrais são só percussões. (Ver excerto no Anexo 1). O ritmo predominante é de 5 com subdivisão 3+2, 2+3, 2+1+2, 1+2+2 ou 2+2+1, como um desafio para a atenção e coordenação. A técnica dos complexos não condiciona nem reduz a imprevisibilidade essencial mas faz legível o enigma da complexidade. Seguindo a recomendação de Boulez para não cair num método axiomático é pelo que não se consideram os fractais, como teoria, ainda que os complexos nos induzam a pensar que as partes e o tudo utilizam a mesma estrutura a escalas diferentes.

Somos condicionados por nossos antecessores, não só num plano estritamente pessoal, mas também de maneira geral, como parte de uma coletividade. O que nos influencia não é, de modo algum, uma técnica pura ou um pensamento abstrato, mas são as relações entre o pensamento e a técnica, portanto a realização. De onde provém, então, a desconfiança de alguns para com a morfologia, a ponto de a negligenciarem completamente? De onde deriva a alergia dos outros a todo conceito estético? Basta olharmos em volta para notar os estragos, as devastações irreparáveis causadas

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por este estado de coisas. Se aqui se pode observar um abuso da linguagem científica, lá se conhecem numerosas caricaturas da terminologia filosófica; ambas são igualmente insatisfatórias, e o ridículo de tal incompetência ofende insistentemente os ouvidos. (Boulez, 2007a, p. 32)

Ópio para o povo Acaso a música religiosa de Mozart não é, como a religião em si, ópio para o povo? Quem faz esta pergunta é um teólogo católico, Professor Doutor na Universidade alemã de Tubinga, Hans Küng, num ensaio intitulado ‘Mozart: Spuren der Transzendenz’ (Mozart: Vestígios da Transcendência) que escreveu com motivo do bicentenário do compositor salzburguês e que está incluído no seu livro Música e Religião. (Küng, 2008, p. 22). “A música e a religião”, diz Hans Küng, “são fenómenos universais da humanidade, no sentido tanto diacrónico –ao longo da história– como sincrónico –através dos continentes”. E, como tais fenómenos universais, são altamente complexos e com patrões humanos ambivalentes. A religião pode difundir humanidade mas também justificar a inumanidade, assim como a música é utilizada tanto para o bem como para o mal. Hans Küng refere como a música deu expressão a sentimentos nobilíssimos, a belezas indescritíveis e de felicidade sublime. Mas com a música também se encaminharam os passos de milhões de pessoas face à guerra e à morte. Não admira, pois, que desde sempre os humanos diferenciem entre músicas que falam com a voz dos deuses e aquelas outras que falam com a dos demónios; ou também, que algumas pessoas religiosas a considerem uma forma de puríssima espiritualidade enquanto outras, pela mesma razão, tenham a música como a mais detestável forma de sensualidade. (Küng, 2008, p. 15). Essa ambivalência referida por Küng remete-nos para a parte mais profunda da psique humana, a que rege as emoções primárias do ‘eros’ e o ‘thanatos’ (o amor e o horror). Refletindo sobre as emoções no processo criativo, Rudesindo Soutelo sustenta num artigo que os compositores são ‘Manipuladores de emoções’ e conclui que “A componente emocional não deve ser um elemento construtivo, mas antes o resultado duma construção tecnicamente perfeita onde a imprevisível luta intrínseca da obra

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desencadeie vida emocional própria e diferenciada em cada um dos indivíduos que se relacionam com ela”. Essa ‘imprevisível luta intrínseca’ é o que diferencia a obra de arte da obra medíocre. No citado artigo define a originalidade como ‘o fator de imprevisibilidade ou grau de acontecimentos inesperados que estão presentes na lógica da comunicação, o qual desencadeia as emoções profundas.’ Também define o conceito de mediocridade como ‘a reiteração banal do discurso previsível na procura de suscitar a mesma sensação quando se dá o mesmo estímulo’. A originalidade, infere, é criativa e diversa. A mediocridade é global, alienadora e destrutiva. (Soutelo, 2007). Martin Heideger, em A origem da obra de arte, afirma: “O artista é a origem da obra. A obra é a origem do artista. Nenhum é sem o outro. E, todavia, nenhum dos dois se sustenta isoladamente”. (Heidegger, 2008, p. 11). “Será o amor uma arte?” –pergunta o psicanalista Erich Fromm no início de A arte de amar– “Se o for, então exige conhecimento e esforço. Ou será o amor uma sensação agradável, que por acaso experimentamos, algo que ‘nos acontece’ se tivermos sorte?” (Fromm, 2007, p. 11). Os compositores fazem-se a mesma pergunta com as emoções e quando assumem a primeira premissa o resultado pode ser uma obra de arte, embora não há dúvida que a maioria das pessoas acredita na segunda, uma questão de sorte. A teoria dos afetos musicais, ou da caracterização psicológica das personagens, iniciase no Renascimento e acompanha toda a música erudita da era moderna. Esta expressão ‘onírica’ da música não acontece por acaso e aí reside o que Hans Küng descreve como o “imenso poder transformador da música, apto para sublimar e metamorfosear quase qualquer experiência”. (Küng, 2008, p. 19). Duas obras musicais de Rudesindo Soutelo, com títulos que envolvem emoções do mundo onírico, vêm esclarecer isto. Feitiço (1998b) é um trio para violino, violeta e violoncelo construído sobre quatro notas, as quatro notas mais emblemáticas da história da música ocidental, as notas que conformam o nome de BACH (Si, Lá, Dó, Si). Essas quatro notas elaboradas rigorosamente numa textura contrapontística de tensão crescente suscitam uma emoção que nos abre a uma perceção diferente. O feitiço pode ser Bach mas o ouvinte não tem porque conhecer o material sonoro utilizado. O feitiço é um estado emocional abstrato que cada ouvinte vivencia de um modo diferenciado. A segunda obra, para violeta, violoncelo e contrabaixo, intitula-se Arela (1998a), que no português da Galiza quer dizer ‘anelo’, e está organizada a partir de uma escala paratonal –além, acima ou à volta da tonalidade– que gera uma inquietação, ânsia ou anelo que só se acalma no final em forma de Coral. Aí é que podemos aplicar as palavras de

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Hans Küng, “onde a música combina a sua energia com a da religião num mesmo sentido e face a uma mesma meta”. (Küng, 2008, p. 19) Estas obras foram escritas nos anos 70 mas só no ano de 2009 é que puderam ser estreadas 3 . Não foi a criatividade emocional o que as manteve vivas, antes bem o conceito de transcendência, o rigor construtivo e a “imprevisível luta intrínseca” como treino do ‘formal’. Convém dizer aqui que são das primeiras obras que Soutelo compõe após o período de pós-modernista militante com o grupo Letrinae Musica. Na altura, a trans-modernidade (Rodríguez-Magda, 2004) ainda não fora batizada e a maior parte daquelas obras teve de acomodar-se nas gavetas. A utilização industrial e fragmentária das emoções, sentimentos, crenças ou conhecimento, reduzida ao ato do consumo, sem qualquer perspetiva de passado nem futuro, transforma a visão mágica do mundo –que Jean-Paul Sartre desenvolve no Esboço para uma teoria das emoções (Sartre, 2006)– num simples ópio para o povo. Mozart transcende as categorias musicais. A música tem um hálito divino. “Em determinados momentos é dado ao ser humano abrir-se, e abrir-se tanto que chegue a perceber no som infinitamente belo o som do eterno”. (Küng, 2008, p. 19).

Pré-análise Já logo no início, no próprio texto do conto se esclarece qual vai ser a estratégia narrativa, “em forma de fábula, relato ou estória” evitando “converter isto numa historieta, anedota ou facto pouco importante”. A categoria de ‘estória’ –uma história não científica mas credível e inspirada– confronta-se com a de ‘historieta’ e serve para introduzir, de um modo simples, o conceito de ‘musiqueta’ diferenciado de ‘música’. Para a tal estória se tornar coerente, a filosofia é o elo de coesão dos fragmentos dispersos. “Há uma infinidade de figuras e de movimentos presentes e passados que entram na causa eficiente da minha escrita presente” (Leibniz, 2001, p. 50). Assim, alguns autores entram na estória quer literalmente, quer por evocação ou paráfrases mas sem alardes eruditos, de forma natural e diluídos no discurso. São conceitos, ideias

3

Estreadas o dia 24 de Abril de 2009 no Centro Galego da Arte Contemporânea (CGAC) de Santiago de Compostela pelo Grupo Dhamar.

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ou pensamentos que têm autor e serão identificados na edição final do conto numa espécie de créditos eruditos. Eis aqui algumas das expressões que semeiam a estória de ‘conteúdo de verdade’: “visão mágica do mundo” (Sartre, 2006); “sentimento oceânico” (Freud, 2008); “reprodutibilidade técnica” (Benjamin, 1992); “a ética não se podia pôr em palavras, era transcendental” (Wittgenstein, 2008); “Recordavam, consideravam e esperavam, porque o tempo estava nas suas mentes” (Agostinho, 2007); “Quem não tem amor pela música ofende a verdade, e ofende também a sabedoria”, no original refere-se à pintura (Filóstrato); “tinham substituído a política por mercado, a cultura por espetáculo, as catedrais por centros comerciais e de ócio e até a educação tinham substituído por informação fragmentária”, numa evocação da filosofia da trans-modernidade (Rodríguez-Magda, 2004). A paisagem e o contexto discursivo da estória estão fundamentados no pensamento forte da tradição filosófica ocidental que, após a fragmentariedade intranscendente do pós-modernismo, o neo-modernismo está a recuperar. Assim, para além dos citados no parágrafo anterior, outros autores como Platão, Descartes, Leibniz, Kant, Nietzsche, Dewer, Russell, Heidegger, Adorno, Gadamer, Foucault, Apel, Derrida, Vattimo, Habermas, E. Lourenço, guiam o discurso junto com Baudelaire, Fromm, Mann, Eco, Schönberg, Cage, Boulez, Kandinsky, Duchamp e toda a bagagem cultural acumulada pelo autor-compositor nos quarenta anos de atividade criadora que, finalmente, começa a ser reconhecida em teses de doutoramento e em comunicações em congressos internacionais. O conto vai ganhando corpo e consistência mas deve ser sugestivo, concentrado e curto. Neste ponto, o projeto criativo sofre uma nova deriva para adequar a eficácia e a eficiência no objetivo da educação artística como arte de educar os sentidos, que vai para além dos físicos cinco sentidos e que podemos enumerar como sentido artístico, estético, criativo, filosófico, crítico, musical, ético, enfim, o sentido humanista da modernidade. O projeto A Caixa dos Laços transforma-se numa aventura musical para crianças baixinhas embrulhada numa estória para crianças mais crescidas. Uma estória filosófica e um jogo de adivinhas que precisa da interação de diferentes gerações; pais ou avós que contam, comentam, ornamentam ou adaptam a estória às capacidades inteligíveis das suas crianças, e crianças estimuladas pela música e as adivinhas do conto que vão pôr à prova os pais e os avós. Um conto em duas partes divisíveis e interligadas: ‘A estória duma história musical’ e ‘As doze provas’. A primeira delimita o território e

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constrói o imaginário, a segunda é a parte lúdica que resolve enigmas para combater a ignorância. Ambas as partes conformam um todo orientado para a educação artística, no significado que a Doutora Yolanda Espiña lhe confere como a arte de educar os sentidos para interpretar simbolicamente a realidade envolvente. (Espiña, 2007) No apartado seguinte encontra-se o texto definitivo da primeira parte, ‘A estória duma história musical’, onde se desenvolve, em chave musical, um ‘conteúdo de verdade’ metafórico que pode ser traduzido em múltiplas leituras criativas mas para aqueles que não conseguem ultrapassar a literalidade do texto sempre está a curiosa estória musical, que não é preciso esmiuçar aqui pois seria como matar o rouxinol para tentar descobrir o enigma do seu canto. Serão os analistas quem tenham de demonstrar se a matemática utilizada é áurea ou não. Se o número ɸ foi bem calculado. Se o mistério dos números é magia ou falta de imaginação. O compositor é muito parcial para falar do resultado do seu trabalho e se, por ventura, o compositor pudesse expressar com palavras aquilo que expressa com música então seria escritor. O compositor erudito é, essencialmente, complexo e constrói o caminho a percorrer no próprio percurso da criação, tal como o poeta modernista andaluz, António Machado, descreveu no poema XXIX dos Provérbios y Cantares: “Caminante, son tus huellas / el camino, y nada más; / caminante, no hay camino, / se hace camino al andar. / Al andar se hace camino, / y al volver la vista atrás / se ve la senda que nunca / se ha de volver a pisar. / Caminante, no hay camino, / sino estelas en el mar”. Em arte, toda norma que não pode ser transgredida é desnecessária porque, como já foi citado anteriormente, o conhecimento não se descobre, constrói-se. Na música, se mexemos nos resíduos do passado, talvez descubramos alguma pérola que impacte às massas pouco instruídas no que as Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico definem como “rede de dependências e interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento complexo” (Ministério da Educação, 2001, p. 166), mas as pérolas assim achadas sempre conservarão esse princípio odorífero próprio da fermentação do lixo. Construir, e não descobrir, pérolas é a missão do compositor ainda que não ultrapasse o ‘olhar vazio’ da massa. Neste caso, o compositor sentir-se-ia muito grato se, atuando com esta obra sobre os gostos de crianças e adolescentes, lograsse modificar os gostos da massa que eles, algum dia, poderão vir a integrar. Os compositores nunca poderão igualar-se aos seus equivalentes populares no que se refere ao seu impacto instantâneo, mas, na

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liberdade da sua solidão, podem comunicar experiências de intensidade única. Desdobrando grandes formas, comprometendose com forças complexas, atravessando o espetro sonoro desde o ruído ao silêncio, mostram o caminho a seguir para se atingir aquilo a que Claude Debussy em dia chamou o «país imaginário, ou seja um país que não se encontra no mapa». (Ross, 2009, p. 539)

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5.

O conto A Caixa dos Laços consta, pois, de duas partes. ‘A estória duma história musical’ e ‘As doze provas’. Segue-se aqui o texto da primeira e o início da segunda na forma de diálogo teatral. Em anexo incluem-se alguns excertos da música. O texto aqui colocado é só uma das múltiplas formas de concretização do conto pois vai ser explorado como livro, como narração sonora, como representação cénica, como audiovisual interativo, para além das diversas explorações que permite a partitura musical e outras formas de expressão artística. *** Uma Abertura musical levanta o pano da imaginação e entra em cena a voz que relata a seguinte estória: Era uma vez um país que, não estando nos mapas, todos sabiam que ele existia e mesmo onde se encontrava. Chamavam-lhe o País da Música e obviamente estava habitado por músicos, gente muito consciente da importância da sua arte. A perceção, a razão e a emoção eram os alicerces da sua criatividade. Mas num mau dia a sua história mudou. Não querendo ser aborrecido, com pretensões de cientista historiador –mas também não querendo converter isto numa historieta, anedota ou facto pouco importante– vou contar o acontecido em forma de fábula, relato ou estória. O País da Música era uma terra muito harmoniosa e hospitaleira, sempre de portas abertas e muito confiante. Tão confiantes eram os seus habitantes que um dia chegaram lá os amusios –gente que odeia a música porque não tem a capacidade de apreciar os sons– e assumiram o controlo do país. Os amusios não se interessavam pela visão mágica do mundo, apenas pela sua dimensão económica. Assim, do País da Música, levaram tudo e mais alguma coisa, nomeadamente o que mais

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brilhava, como os instrumentos de metal, que os amusios penduravam nas suas casas para fazer ciúmes aos vizinhos, que pensavam que eram de ouro. Entre as muitas coisas que os amusios levaram do País da Música, havia uma pequena caixa, sem valor material, mas que na confusão também foi apanhada. Era uma caixa cheia de laços como os que vestiam os cidadãos do País da Música. Pelo caminho, o amusio que levava a caixa, decidiu aliviar a sua carga deitando fora as coisas de menos valor. Foi assim que a Caixa dos Laços se perdeu num lugar desconhecido. A Caixa dos Laços era o bem mais apreciado no País da Música, muito mais do que o próprio rei –afinal, qualquer cabeça servia para levar uma coroa. A Caixa dos Laços guardava o maior tesouro do País da Música, que era o segredo da inspiração musical. Quando os habitantes do País da Música queriam fazer uma música nova, iam ter com o guardião da Caixa e pediam-lhe um laço que os inspirasse, que lhes abrisse a mente para perceber o ser, que lhes aguçasse o seu juízo para pensar o mundo e que avivasse a chama do espírito com emoções profundas. Havia laços destinados a inspirar músicas brincalhonas e laços para inspirar melodias de amor; laços para inspirar músicas de crianças e laços para inspirar sinfonias. Cada música precisava de uma inspiração própria e cada laço era único, sendo devolvido à caixa mal o compositor acabasse a sua nova obra. Também havia laços para inspirar os intérpretes, laços para inspirar os maestros diretores e, ainda, laços para inspirar os cientistas da música. Para fazer música inspiradamente, os habitantes do País da Música sempre acudiam ao segredo da Caixa dos Laços, porque os laços que eles punham, diariamente, não eram mais do que uma evocação ou sacralidade estética do mistério da inspiração. Os autênticos laços da inspiração guardavam-se naquela caixinha que, para os músicos, era uma caixa sagrada, um sacrário.

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Só não havia laços para fazer musiquetas porque, como acontece com as historietas, são de moda passageira, anedóticas, pouco importantes e de valor artístico muito ligeiro. Não se ia malgastar a inspiração em banalidades porque a inspiração era um bem precioso, muito escasso, que se poupava para as coisas importantes. Sem a Caixa dos Laços, os músicos não conseguiam transmitir o sentimento oceânico, que era a comunhão do espírito com a imensidão e a sensação de eternidade ou plenitude. Sem os laços da inspiração tudo se tornava superficial e a arte musical esmorecia, enquanto os amusios iam controlando o país inteiro. Os amusios consideravam que essa moda dos laços era uma extravagância algo esquisita e antiquada. Para eles, que já tinham substituído a política por mercado, a cultura por espetáculo, as catedrais por centros comerciais e de ócio e até a educação tinham substituído por informação fragmentária, o modelo de elegância era o desarranjo. Para controlar os países, os amusios não precisavam derrubar governos nem mudar autoridades, pois, privados de perceber as categorias musicais, culturais e artísticas, pensavam o mundo em categorias económicas –mercancia, valor, dinheiro, capital, maisvalia, lucro, custo, salários e produção. Era o mercado que ditava as leis aos governos e este estava nas mãos dos amusios. Diferenciar o canto de um passarinho do mugido de uma vaca era tarefa impossível para os amusios puros ou congénitos. Não eram surdos mas, para eles, ambas as coisas eram uma barulheira desconfortável. Alguns nem sequer conseguiam distinguir os ritmos mais simples, pelo que não podiam dançar, nem cantar, nem emocionar-se com as belezas da música. Isso também os impedia de aprender línguas, pelo que, com o seu poder económico, obrigavam, todos os que queriam entrar no mercado, a falar o amusianês.

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Os amusios puros ou congénitos não eram assim tantos mas geriam as grandes corporações transnacionais. Para controlar efetivamente o mercado eles tinham uma enorme rede de ajudantes espalhados por toda a parte. Estes ajudantes eram colaboracionistas dispostos a trair o seu país, a sua cultura e a sua língua para assumir, como própria, a língua e a cultura invasoras. O amusianês começou assim a espalhar-se pelo País da Música e muitos, mal aprendiam a dizer quatro palavras, iam velozes vender o seu saber musical aos novos poderosos, mas os amusios, como não percebiam patavina de música, não confiavam naquele entusiasmo prematuro. Então, o apetite económico destes colaboracionistas levou-os a planear uma arma secreta para oferecer aos amusios e, assim, serem aceites no clube dos poderosos. Depois de algumas tentativas, acertaram na fórmula e, finalmente, os amusios decidiram testar a arma secreta que lhes era oferecida. Os resultados pareciam promissores. As musiquetas entontecedoras, concebidas pelos perversos colaboracionistas, começaram a ouvir-se nas lojas, nas ruas, nos elevadores, nos telefones, nas escolas. Foi uma invasão em massa! Até mesmo nos conservatórios de música se ouviam aquelas musiquetas amusianesas. O silêncio desapareceu do mundo e já ninguém conseguia pensar direito com tanta musiqueta entontecedora à sua volta. Nunca antes se tinha conseguido algo assim. Só a utilização habilidosa dos desportos passivos de massas atingira, pontualmente, quotas entontecedoras igualmente destacáveis mas que nada tinham a ver com o entontecimento contínuo das musiquetas. A adoração que os amusios tinham pela tecnologia contribuiu, grandemente, para o êxito daquela invasiva reprodutibilidade técnica das musiquetas. Os amusios estavam felizes mas queriam algo mais. Queriam ter controlo sobre como e quanto entonteceriam as musiquetas. A arma secreta foi aperfeiçoada e apareceram as musiquetas subliminais para manipular a curva de rendimento laboral, de consumo, de submissão. Havia musiquetas com mensagens

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subliminais para fazer a guerra, fazer o amor, fazer a política, fazer que se fazia. E ainda musiquetas para manipular as crenças, as ideologias, e as paixões primárias do baixo-ventre. As musiquetas subliminais promoviam o consumo compulsivo e garantiam um ótimo rendimento dos mercados amusios. O amusianês era a língua franca das musiquetas mas, para obter ainda mais rendimento económico, permitiam a babelização das traduções traidoras. A fórmula secreta das musiquetas era a reprodução, a cópia, a repetição do já dito, a memória acrítica, a fragmentação. Mas essa constante confusão entre memória e repetição, sem capacidade de renovação,

gerava

decadência

e

irrelevância

porque

a

originalidade, a autenticidade, a criação era algo que não se podia copiar. O ser e o não ser eram antagónicos. A cópia desencorajava a criação. Revestidos da falsa autoridade musical que lhes proporcionava o êxito económico das musiquetas, começaram a disseminar a ideia de que já não havia categorias musicais, que todas as músicas eram boas, que todas as músicas eram agradáveis, que já não havia valores, só havia prazer, e que as musiquetas eram a música moderna, a nova música erudita. Doutores, licenciados e analfabetos num discurso ecuménico de ignorâncias plurais confirmavam a antiga sentença: “Quem não ama a música ofende a verdade e, também, a sabedoria”. Os músicos que se mantinham fiéis à ética do País da Música foram postos de parte, sendo vistos como sonhadores à procura dos laços perdidos. Obviamente, que a ética não se podia pôr em palavras, era transcendental. Ética e estética eram as raízes da autêntica diversidade musical que, em lugar de fragmentar, atuava como força de coesão dos valores comuns. A herança e a memória eram preservadas por aqueles músicos para construir a realidade do futuro. Recordavam, consideravam e esperavam, porque o tempo estava nas suas mentes.

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Como não colaboravam com o inimigo, a sua insubmissão era duramente castigada com difamação e descrédito. Os amusios sabiam que a música inspirada e criativa movimentava emoções profundas e que podia neutralizar as musiquetas. Os músicos não colaboracionistas eram, pois, os piores inimigos dos amusios, que começaram a criminalizá-los por tudo, mesmo por querer viver do seu trabalho intelectual criador. Quando eram levados ao tribunal amusio, ainda que tivessem a razão, saíam sempre a perder. Os amusios chegaram a fazer crer que a culpa de todos os males residia nos direitos económicos que as leis concediam aos compositores e intérpretes pelo uso, cópia e reprodução do seu trabalho e, assim, incitando ao roubo do labor criador, impediam os músicos insubmissos de sobreviver. Essa estratégia perversa também diminuía grandemente as receitas das musiquetas, mas os amusios que controlavam esse mercado, eram os mesmos que fabricavam a tecnologia para copiar e reproduzir a música roubada. Era um negócio rápido e redondo. A cultura da cópia contra a criação, a destruição da imaginação, o triunfo da ignorância, eram processos que se consolidavam e nos quais, sem o saber, toda a sociedade colaborava. Já todos se tinham esquecido que, no País da Música, existira uma Caixa dos Laços, antes da chegada dos amusios –essa gente que odeia a música porque não tem a capacidade de apreciar os sons. Só um velho e faminto compositor guardava memória dessa caixa mas ninguém acreditava nas suas fantasias. Consideravam-no um tolo. Todos os dias, punha o seu laço, mesmo sabendo que aquilo não era mais do que uma evocação do mistério da inspiração. Como não há mal que sempre dure, ele esperava, considerava e recordava. A memória devia, no seu entender, ser preservada em ligação com a esperança presente das coisas futuras. Tão só a magia da música poderia anular a arma secreta dos amusios, mas a Caixa dos Laços estava perdida e sem a inspiração musical não era possível enfrentar aquelas musiquetas entontecedoras.

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Mas, havia de surgir o ‘dia feliz’ em que a história do País da Música teria de mudar. Duas crianças –uma menina e um menino irmãos– aborrecidas de tanta musiqueta e de tantos brinquedos tecnológicos, foram para a floresta à procura de aventuras mais estimulantes. E lá, brincando na natureza, encontraram uma pequena caixa cheia de laços. Eram tão bonitos aqueles laços que decidiram averiguar de onde vinham para os devolver ao seu dono. Enquanto pesquisavam, puseram a caixa num lugar seguro e secreto. Perguntavam pela vizinhança se alguém sabia algo sobre laços, para que serviam, onde se conseguiam. Todos olhavam para eles com muita estranheza até que um velho lhes disse que, no País da Música, se utilizavam laços. Mas onde está o País da Música, se nos mapas não aparece? O velho afirmou que nunca estivera lá mas que, quando criança, ouvira dizer que fora invadido por pessoas que odiavam a música e que, talvez por isso, se teria apagado a sua memória pois nunca mais ouvira referir o nome do País da Música. Ao ver que os meninos ficaram muito aflitos com a resposta, o velho perguntou-lhes porque tanto se interessavam eles por laços? Olharam um para o outro, como advertindo-se mutuamente que tinham de guardar o segredo, e responderam ao mesmo tempo, como se tivessem combinado: “É que gostaríamos de ter um laço”. O velho percebeu que aquelas crianças tinham algo de especial e, talvez, fossem a esperança presente das coisas futuras. Perguntou então se, de verdade, queriam ir até ao País da Música para conseguirem o seu laço. Sim, responderam os dois com determinação. Mas o caminho não seria fácil e, para além de terem de se esquivar das armadilhas dos amusios, seriam submetidos às doze provas musicais. Desde que os amusios tinham entrado lá e controlado o país, todos desconfiavam de todos e até duvidavam se o rei seria também

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colaboracionista ou mesmo um amusio infiltrado, pois ninguém o vira a assistir a concertos. Não admirava, pois, que os músicos insubmissos tivessem de criar um sistema de autodefesa clandestina para não serem eliminados. Todas as precauções eram poucas. Os caminhos que levavam ao País da Música eram múltiplos e muito ramificados. Não importava a direção escolhida mas antes a vontade e empenho para chegar lá. O velho, que na realidade era um músico insubmisso e clandestino, disse-lhes que, para se orientarem, deviam fazer uma pergunta a cada duodécima pessoa que encontrassem pelo caminho –como se fossem as doze notas musicais– mas, ainda assim, as respostas podiam ser falsas ou mesmo não dar qualquer informação. Quando fizessem as perguntas às pessoas certas, estas só responderiam depois de os pôr à prova para se certificarem de que estavam dentro dos segredos da música e que, portanto, não eram amusios. Conseguirão os nossos meninos superar as doze provas musicais? A Caixa dos Laços voltará a inspirar os músicos para neutralizar as musiquetas entontecedoras dos amusios? Esta estória duma história musical fica por aqui, com a mente aberta à visão mágica do mundo. Mas agora, as crianças mais baixinhas, as que gostamos de acompanhar os heróis, vamos introduzir-nos no conto para ajudar os nossos meninos a superar ‘as doze provas’ –as doze adivinhas musicais– que nos permitirão salvar o País da Música e ganhar um laço de músico. O autor do conto sabe, por experiência, que o poder dos amusios é imenso e que ‘A Caixa dos Laços’ pode não chegar ao seu destino, mas aqui fica a memória, ligada à esperança presente dum futuro inspirado. *** Interlúdio musical: O coro canta ‘Aeiou’.

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*** Os nossos heróis estão num cruzamento de caminhos e não sabem qual tomar. Mas só podem perguntar à décima segunda pessoa que encontrem e começam a contar as pessoas que passam. MENINO Oito. MENINA Nove. MENINO Dez. MENINA Onze. MENINO Bom dia, minha senhora! SENHORA 1 Bom dia, meninos. MENINA A senhora vai querer ajudar-nos a escolher o bom caminho? SENHORA 1 Com certeza, para onde é que os meninos querem ir? MENINO Ao País da Música. SENHORA 1 Ao País da Música? Ummmm… Isso é por aí. MENINA E como sabe que é por aí? SENHORA 1 Porque do outro lado venho eu e não ouvi nada disso. Vão com cuidado porque hoje em dia há muito maluco pelos caminhos! (e continua o seu caminho) MENINO Muito obrigado pela informação. MENINA Tenha um bom dia. MENINO Então vamos por aí. MENINA Não. Já esqueceste o que nos disse o velho? As pessoas certas só respondem depois de nos pôr à prova. MENINO Pois é. A senhora não percebe patavina de música. Temos de contar outras doze pessoas. (Sentam-se e vão contando enquanto tocam as percussões)

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MENINO Temos de perguntar à próxima pessoa. Aí vem. MENINA Bom dia, pode ajudar-nos a encontrar o caminho? VELHO 1 Bom dia, alegres meninos. E a onde querem ir? MENINO Ao País da Música. VELHO 1 (Olha para os meninos com atenção e falando só para eles…) Sou a alma da partitura e das minhas linhas pendura toda a música que perdura. Se adivinham a resposta começa a aventura. (Vai-se embora). MENINO Bem, agora tenho a certeza de termos perguntado à pessoa certa. MENINA Certamente, agora só falta que nós encontremos a resposta certa. Tu tens alguma ideia? MENINO Sim, na sala vejo miúdos muito inteligentes. MENINA Achas que devemos pedir ajuda para resolver este enigma? MENINO (Abrindo a Caixa dos Laços e mostrando o conteúdo) Olha, a Caixa dos Laços está cheia e temos uma dúzia de enigmas por resolver antes de encontrar o seu dono. MENINA Está bem, então apontamos para uma dessas crianças baixinhas que estão na sala e se souber a resposta certa, damos-lhe como prémio um destes laços. MENINO Desde já pedimos desculpas ao dono da Caixa porque vai recebê-la com doze laços menos. MENINA Ainda bem, porque só com a ajuda da nossa ignorância, nunca chegaremos lá. MENINO Então, ainda te lembras do enigma? MENINA Acho que sim. MENINO Miúdos! Prestem atenção. Quando apontarmos para um de vocês, se souber a resposta certa vai ganhar um laço. MENINA Ouçam bem. Sou a alma da partitura e das minhas linhas pendura toda a música que perdura. Se adivinham a resposta começa a aventura.

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(Aponta para uma criança da sala perguntando-lhe o nome, e depois outra e outra repetindo, se necessário, o enigma até que alguém responda corretamente: A PAUTA. Então ilumina-se o caminho. Soa a música ‘A aventura da pauta’. Entregam o laço à criança que desvelou a chave do enigma e saem do palco pelo caminho iluminado). ***

Avaliação A ideia primeira e original da obra realizou um longo percurso em constante mudança, fruto duma avaliação permanente que levou a uma revisão sistemática do projeto e a reformulá-lo várias vezes. Os critérios da autoavaliação do autor correspondem aos da sua própria exigência de qualidade artística, mas isso tem uma excessiva carga de subjetividade pelo que era preciso utilizar outros indicadores mais objetivos como a triangulação. No processo de redação da primeira parte, ‘A estória duma história musical’, o autor foi lendo partes do texto a algumas pessoas à sua volta para comprovar a eficácia comunicativa. Quando a primeira redação esteve pronta pediu a algumas pessoas da sua confiança para emitirem uma opinião. Ponderadas as sugestões recebidas, passouse a redigir o texto definitivo e a submetê-lo a uma avaliação dos ‘consumidores’. No dia 24 de janeiro de 2010 a primeira parte de ‘A Caixa dos Laços’, ‘A estória duma história musical’ (Soutelo, A estória duma história musical, 2010), foi publicada no Portal Galego da Língua, um meio eletrónico de notícias e artigos de cultura na língua portuguesa da Galiza e está disponível nesta ligação: http://pglingua.org/index.php?option=com_content&view=article&id=1822:a-estoriaduma-historia-musical&catid=3:opiniom&Itemid=80&Itemid=36 Seguidamente, o autor enviou a ligação para os seus contactos solicitando comentários, críticas ou sugestões sobre o texto publicado. As respostas recebidas até ao dia 7 de fevereiro foram 10 e figuram em anexo (nº 2) por data de receção. Por outra parte, no dia 5 de fevereiro ‘A estória duma história musical’ foi lida pela Professora de Educação Musical da turma A do 5º ano de EB de Vila Praia de Âncora, aos alunos com idades entre os 10 e 11 anos, pedindo-lhes, no fim, para descrever por

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escrito aquilo que tinham percebido ou sentido. As 24 respostas encontram-se em anexo (nº 3). No mesmo dia 5 de fevereiro, a mesma Professora leu o mesmo texto a uma turma de Área de Projeto da Academia de Música Fernandes Fão de Vila Praia de Âncora, com idades entre os 11 e 14 anos, pedindo também, no fim, para descrever por escrito aquilo que tinham percebido ou sentido. As 18 respostas figuram em anexo (nº 4). Numa análise rápida das 52 interações produzidas por escrito pode concluir-se que o objetivo de conseguir uma ‘educação dos sentidos’ tanto de infantes como de adultos, que facilite a interpretação simbólica da realidade envolvente cumpre-se, mesmo que a obra não esteja finalizada e a parte submetida à avaliação é a de conteúdo filosófico mais denso e difícil de compreensão por crianças. Quase todos gostaram da estória: os adultos, por sentirem-se impelidos a refletir sobre algo tão quotidiano como a música e a tomar consciência da ignorância que os acorrenta; as crianças, porque perceberam a emoção da magia da estória, da ‘visão mágica do mundo’, e alguns, até parece que vislumbraram o ‘sentimento oceânico’. Isto deu fôlegos ao autor-compositor para avançar para a segunda parte, ‘As doze provas’, onde as adivinhas e a música tem de os fazer transcender. Nas interações produzidas, quer por adultos, quer por crianças, aparecem claros indicadores de que os objetivos se alcançaram. Há algum temor nos adultos sobre a capacidade de compreensão dos infantes, mas apenas 4 alunos da turma A do 5º ano, manifestaram não terem percebido bem a história. Convém esclarecer que nas duas turmas de crianças a estória foi lida uma única vez e sem qualquer comentário adicional. Em geral, pode concluir-se que as mensagens que passam nos adultos são mais literais, enquanto as crianças captam melhor a mensagem emocional.

EXCERTOS DAS INTERAÇÕES Turma do 5º A da EB de Vila Praia de Âncora. “Esta história fez-nos ver que agora qualquer pessoa vai a internet e tira músicas, jogos, filmes e muito mais em vez de os comprar. Temos que pensar que é como trabalharmos e não nos pagarem nada ao fim do mês”. (10 anos).

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“Esta história deu para ver que as pessoas muitas vezes não sabem o que é bom. A música é um dom que algumas pessoas ganham e que para eles é a sua vida. Nós não devemos estragar o que é bom”. (10 anos). “As músicas tiradas da internet são músicas falsas, a verdadeira música está dentro de nós (inspira-nos)”. (10 anos). “… gostei porque tem imaginação, criatividade e é uma história que no fim não conta tudo, é uma história que mantém o suspense”. (10 anos). “Senti que esta história é parecida com a vida real. Os músicos são mesmo os músicos que compõem músicas e põem nos CDs, e os amusios são aqueles que ‘apanham’ as músicas e as põem na internet”. (10 anos). “A música faz felicidade. Os amusios são parvos, nunca ouviram a música entrar no coração”. (11 anos). “E também me fez sentir que a música pode ter vários sentidos e emoções”. (10 anos). “Acho que os amusios estavam a brincar com o trabalho dos escritores, e a brincar com a música”. (10 anos). “… parece que o país da música vai desaparecer para sempre mas no final corre tudo bem”. (11 anos). Turma de Área de Projeto da AMFF de Vila Praia de Âncora. “Achei que é uma bonita história que está cheia de mistérios”. (13 anos) “É uma história interessante e que está aberta para a imaginação de cada um de nós. Acho que aqueles meninos iriam conseguir recuperar a música”. (12 anos). “É uma história triste, pois a magia da música foi totalmente apagada pelos amusios”. (12 anos). “… cada um tem a música dentro de si, só é preciso decifrá-la”. (12 anos). “Acho que cada um de nós, pessoas e músicos, devemos salvar este mundo e devolverlhe a tão importante música. Este conto é muito bonito e mostra-nos realmente o que está a acontecer à humanidade”. (13 anos).

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“Como os amusios eram gananciosos e só pensavam em produções económicas e riquezas, fizeram com que os compositores perdessem o espírito musical.” (12 anos). “Existem coisas, como a cultura, que nem toda a riqueza do mundo pode comprar, e que o poder económico não é o mais importante”. (11 anos). “Os amusios são as pessoas que só se importam com o dinheiro e não com a cultura. A caixa dos laços é uma ideia metafórica que simboliza a inspiração. … A mensagem desta história é que as pessoas estão a subvalorizar a música e que deveriam tentar percebê-lo”. (13 anos). “As pessoas, mas mais especialmente as crianças, em vez de darem asas a sua imaginação e criatividade, para dar continuidade a esta bonita família das artes, têm uma vida monótona e muito sedentária”. (14 anos). “… as crianças que encontraram a caixa dos laços somos nós, os jovens músicos promissores e todos os músicos que partilham esta opinião e juntos temos de voltar a encontrar a música novamente”. (13 anos). Interações de adultos enviadas por correio eletrónico ao autor. “Fizeste-me pensar na responsabilidade que tenho na difusão da MÚSICA e em como não posso deixar-me levar pelo facilitismo da gravação, do bonitinho e do deixa andar porque o que interessa é que os alunos se divirtam.” “… invita al razonamiento y nos sitúa en nuestra realidad más dura.” “Na minha opinião vivemos numa comunidade ‘amusia’ e cabe-nos a nós, músicos, educadores, Academias de Música, mudar este mundo em que vivemos, de modo a que as crianças, à semelhança do conto, se comecem a interessar pela música e se deixem invadir pelo poder extraordinário da música.” “Esta visão crítica que apresentas e que, provavelmente funcionará como uma estratégia para colocar as pessoas a pensar, será a tua forma de estar na vida: descontente com o que vês, ativo na luta contra o que de errado acontece e na construção de uma mudança.” “Gostava de ter um bom laço para ser inspirado para os trabalhos de mestrado que temos pela frente.”

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“Não consegui deixar de pensar nas práticas que fomento (enquanto professora de educação musical) e que vejo fomentar... Sem dúvida, precisamos acordar e estar conscientes das possibilidades que, tantas vezes desperdiçamos, nos encontros únicos e por isso, tão fundamentais, que acontecem dentro da sala de aula. Obrigado, por me teres provocado.” “O facto de deixar em aberto o final da estória poderá ser um bom caminho de análise para futuras intervenções, nesta área.” Há ainda duas interações que merecem atenção. A nº 3 do anexo 2 por fazer uma leitura em chave da situação da língua portuguesa na Galiza, a qual demonstra que o objetivo da metáfora simbólica também se cumpre e permite todo um mundo de interpretações; e a nº 10 do mesmo anexo 2, por ser um exemplo de como a estória estimula a criatividade e como, esta antiga aluna do autor, re-elabora a estória para resolver uma estratégia na sala de aula. “Foi então que li a estória do professor e de imediato me veio à ideia tudo o que descrevo em anexo. Também eu criei uma história com uma caixa mágica, a qual veio do país da música e que só abria depois de percutida com um ritmo secreto, o qual todos tínhamos de invocar! Lá dentro tinha informações valiosas acerca de um compositor: Vivaldi, e de um instrumento musical; o Violino e a sua família das cordas...… Muito Obrigada, Professor Rudesindo, graças a si tive, na minha profissão, durante esta semana que passou, alguns momentos onde o Belo me espreitou! Ainda há quem diga que a Perfeição não existe!”

MÚSICA Muitas das músicas que hoje consideramos obras-primas da cultura ocidental, a começar pelas do ‘divino’ Johann Sebastian Bach, nunca existiriam se fosse uma condição inescusável a verificação científica, a ‘triangulação’, o parecer de segundas ou terceiras pessoas –é suposto que tão divinas como a própria divindade o que já as torna pouco originais. Transcendência é um termo que raramente se menciona nos tratados científicos porque contraria a religião do experimental, da razão, da repetição. Os músicos cientistas buscam leis gerais simplificadoras que lhes permitam controlar o máximo de fenómenos musicais e assim, uma empresa catalã, agora com sede em San Francisco (USA) (http://uplaya.com/corp/), criou uma aplicação informática que analisa parâmetros musicais objetivos para predizer se uma canção determinada pode transformar-se num êxito. Music Intelligence Solutions baseia-se nas semelhanças que

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o tema candidato tem com os gostos dos potenciais consumidores em cada país ou grupo social. Já conseguiram êxitos como o do grupo californiano Maroon 5 ou o da cantora Nora Jones que ganhou 8 prémios Grammy e as multinacionais discográficas como Sony International, Universal ou Hollywood Records contam-se entre os seus clientes. As semelhanças com as musiquetas do conto são assustadoras. A fórmula secreta das musiquetas era a reprodução, a cópia, a repetição do já dito, a memória acrítica, a fragmentação. Mas essa constante confusão entre memória e repetição, sem capacidade de renovação,

gerava

decadência

e

irrelevância

porque

a

originalidade, a autenticidade, a criação era algo que não se podia copiar. O ser e o não ser eram antagónicos. A cópia desencorajava a criação. (Soutelo, 2010). Será que os cientistas são amusios? Quem, então, pode verificar, triangular ou avaliar uma obra musical transcendente? Mozart foi atirado numa vala comum e só o seu cão o assistiu nesse último transe, o qual deveria envergonhar a sociedade vienense mas eles transformaram-no em ópio mercantil e insistem em seguir desprezando os compositores enquanto estão vivos. Dir-se-ia que só gostam de compositores mortos, de pérolas com esse caraterístico princípio odorífero que estimula o prazer alimentário dos abutres. Ainda assim, e como os altos ideais das Competências Essenciais da Educação Artística no Currículo Nacional do Ensino Básico são, por agora, uma utopia muito longínqua, o compositor trata de submeter a sua criação a quem possa fazê-lo duvidar das certezas e mesmo das dúvidas. Hoje consideramos ridículas às autoridades que examinaram Bach para o cargo de Cantor da Igreja de Santo Tomás de Leipzig –e que o acharam um músico medíocre mas que tinham de aceitá-lo porque não conseguiam atrair aos bons– ou àquelas outras autoridades de Weimar que o recriminavam por introduzir na música tonus peregrinum ou mesmo tonum contrarium– (Kolneder, 1996, p. 25 e 60). Só a ação do tempo é que acabou pondo cada um no seu lugar. Pois com essa perspetiva e pouco entusiasmo o compositor do conto mostra alguns excertos a colegas compositores tratando de adivinhar nas suas felicitações algum indício ou suspeita de crítica. Depois entrega excertos corais a um aluno que os ensaia com o coro da Academia de Música a 22 de abril de 2010. O propósito desse ensaio era o de ele se preparar para um exame de aceso a Universidade onde teria de apresentar uma peça de coro. O compositor assiste

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em segundo plano e avalia as dificuldades de compreensão e interpretação assim como as reações espontâneas das crianças cantoras. Como estavam lá para ajudar um colega na preparação de um exame importante, todos se empenharam e conseguiram o seu melhor. Nada de negativo foi anotado na avaliação da música que estavam a cantar, era uma partitura nova com uma música algo diferente. Quando isso acontece, e nenhuma das certezas do compositor são abaladas, produzse a maior das incertezas, quer dizer, o compositor duvida de si mesmo, pois, se a transcendência de Bach demorou um século em ser percebida, saber-se compreendido no primeiro ensaio transforma o compositor deste conto num perfeito imbecil. Chegado a este ponto, e antes de cometer ‘dignicídio’, o compositor decide, prudentemente, que seja o próprio tempo quem faça a avaliação. “La necesaria crítica, en su momento, a la ‘auctoritas’, legitima hoy la ausencia de criterios de valor” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 51).

Orquestração A origem deste conto, como já foi indicado, é uma encomenda com o intuito de se representar em escolas e bibliotecas do norte de Portugal. A encomenda incluía a sugestão de utilizar algumas percussões suscetíveis de ser tocadas por crianças com um nível técnico elementar e foi tida em conta na partitura. Os espaços nos que se apresentará inicialmente o conto são de dimensões muito diversas portanto foi necessário prever uma orquestração muito flexível, ou diversas orquestrações, para adaptar-se facilmente a cada cenário. A primeira partitura foi redigida para piano e percussão e será esta a que se utilize para divulgar o conto. Muito poucos locais previstos para representar o conto dispõem de um piano útil para esse cometido mas, como a obra não está construída sobre instrumentos ou linguagens instrumentais específicas, é possível e até muito recomendável que as apresentações sejam feitas com diferentes versões instrumentais elaboradas a partir da versão de piano. Isso dará mais versatilidade e diversidade. Serão versões para instrumentos de corda, de sopros ou mistos e em formações de câmara, de orquestra ou de banda. A percussão está presente em todas as versões e tem grande relevo, mesmo com uma função estruturante marcando as secções. As peculiaridades de cada agrupamento determinarão algumas alterações na partitura, pelo que, embora se trate de uma obra fechada pode haver diferenças semânticas e mesmo substituição de certas

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partes. A versão de banda filarmónica e as de grupos de sopros justificam-se pelo grande número de bandas existentes na zona o que dá azo a ser programada com mais frequência dado a disponibilidade de efetivos. Na interpretação da partitura serão precisos músicos de bom nível técnico que garantam a coerência discursiva da música mas, simultaneamente e junto dos percussionistas profissionais, integra-se esse pequeno grupo de crianças nas percussões que, ainda que necessitam de ensaios para acertar os ritmos, não precisam de dotes especiais. Pela função estruturadora que lhe foi atribuída, a percussão mantém-se em todas as versões.

Edição e Direitos do Autor A partitura, como até agora aconteceu com todas as obras do compositor, será editada e, neste caso, em todas as versões possíveis desde que tenham alguma procura. A versão de piano, por ser a mais reduzida relativamente ao número de páginas, será a que mais se difunda tanto como partitura de estudo como acompanhando as edições do conto em formato livro e também às gravações sonoras e audiovisuais. As outras versões seguirão os usos e costumes da indústria editorial de música e algumas só estarão disponíveis em regime de aluguer. Todo o trabalho –e a criação artística é um trabalho, tão cansativo como qualquer outro– tem de ser expressado em termos de rendimentos económicos. O Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (Lei n.º 24/2006 de 30 de Junho), no Capítulo V –Da transmissão e oneração do conteúdo patrimonial do direito de autor– e Artigo 41º sobre Regime da autorização, diz: 1 – A simples autorização concedida a terceiros para divulgar, publicar, utilizar ou explorar a obra por qualquer processo não implica transmissão do direito de autor sobre ela. 2 – A autorização a que se refere o número anterior só pode ser concedida por escrito, presumindo-se a sua onerosidade e caráter não exclusivo. 3 – Da autorização escrita devem constar obrigatório e especificadamente a forma autorizada de divulgação, publicação e

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utilização, bem como as respetivas condições de tempo, lugar e preço. É clara, pois, a Lei quanto ao caráter oneroso das autorizações para utilizar as obras de criação defendendo assim o direito de toda pessoa, inclusive os criadores artísticos, a viver do seu trabalho. Quantificar o tempo que o autor-compositor dedica a criar a obra é uma tarefa quase impossível pois a experiência acumulada do artista mais o processo de pensar, ponderar e refletir na obra não é objetivamente medível pois o que se espera de um compositor é arte e não ‘metros de partitura’. A transcendência exige sacrifícios e enquanto o compositor não ficar satisfeito com o resultado não deve entregar a obra. Daí que no citado Código português, que transpõe as Diretivas Europeias sobre Propriedade Intelectual, estabelece-se –no artículo 56º 2– o princípio de que o direito do autor “é inalienável, irrenunciável e imprescritível”, e no artigo 10º 1 esclarece que “O direito de autor sobre a obra como coisa incorpórea é independente do direito de propriedade sobre as coisas materiais que sirvam de suporte à sua fixação ou comunicação”. A prática habitual, quando um compositor recebe a encomenda de uma obra nova, é pedir uma quantidade que o compense pelo tempo de plasmar a obra no papel, já que estará impedido de realizar outras atividades. É uma quantidade sempre simbólica, ainda que possa ser de importância. Esta quantia não significa qualquer cessão dos seus direitos sobre a obra. No máximo, pode levar associada a reserva da estreia da obra num prazo determinado. Quando a obra encomendada for interpretada seja pela instituição ou pessoa que a solicitou como por qualquer outra devem ser cumpridas todas as obrigações legais quanto aos direitos de autor e direitos conexos, nomeadamente as obrigações económicas, pois esse é o salário do compositor. A esperança do compositor é sempre que, antes de morrer, a obra se interprete um suficiente número de vezes para que os direitos de autor paguem o trabalho de criar cultura, de forjar futuro. Com licença dos amusios.

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Poslúdio Re-exposição O primeiro objetivo desta dissertação, a criação de um conto musical, foi atingido. O segundo, criar a arte com a que vamos construir o futuro, também, ainda que não falte quem diga que não é esse o futuro que deseja. Isso tem fácil solução: ser o próprio a criar a arte com a que quer construir esse seu futuro; o compositor já cumpriu com a sua parte e deixemos que seja o futuro a julgar. Mas outro objetivo se atingirá ainda, se a mediocridade envolvente não se importa, que é o contributo para a renovação do imaginário coletivo, iluminando os enigmas da transcendência. É aí que o balanço é mais gratificante ao identificar-se com as Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico quando invoca que “perpassa a vida das pessoas, trazendo novas perspetivas, formas e densidades ao ambiente e a sociedade em que se vive” (Ministério da Educação, 2001, p. 149). A combinação engenhosa para conseguir um fim, que os militares gostam de chamar ‘estratégia’, levou o autor-compositor por caminhos complexos, em consonância com o seu propósito de ter “como centro a pessoa da criança e do jovem, o pensamento, a sociedade e a cultura, numa rede de dependências e interdependências possibilitadoras da construção de um pensamento complexo” (Ministério da Educação, 2001, p. 166). A finalidade última da criação artística do Conto musical ‘A Caixa dos Laços’ era produzir uma ‘peça de arte amiga das crianças’ e, até onde se pode concluir num relatório desta natureza, pode inferir-se que foi plenamente atingido ainda que não podemos esquecer que o bater de asas duma borboleta no centro do poder pode provocar holocaustos, e ainda bem que Russ Marion nos esclareceu que não é com qualquer bater de asas que isso acontece. A intuição, a neurociência, a filosofia, a educação, a metodologia, a estética, as ciências e a complexidade essencial do ato criativo foi sintetizado aqui em duas ideias força: a definição de “Educação Artística como arte de educar os sentidos” (Espiña, 2007) e a necessidade de transcendência do ser humano. Mas tendo sempre presente, segundo a consideração da hermenêutica, que a mesma associação entre o enunciado e o mundo pode ser analisada intentione reta –a partir das perspetivas do locutor e do ouvinte– ou intentione obliqua –da perspetiva do mundo da vida ou perante o pano de fundo das premissas e práticas comuns em que toda e qualquer comunicação está impercetivelmente inserida desde o início. Desde esse ponto de vista a linguagem

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cumpre três funções: (a) a da reprodução cultural ou de trazer ao presente as tradições, (b) a da integração social ou da coordenação de planos na interação social, e (c) a da socialização ou da interpretação cultural de necessidades. Portanto «Dizer algo a alguém» e «compreender o que é dito» repousam sobre pressupostos mais complicados e bem mais exigentes do que o simples «dizer (ou pensar) o que é o caso». (Habermas, 2010, pp. 297 - 298). O pós-modernismo modelizou a sociedade para avançar na surdez, “na dissolução efetiva da sociedade civil” (Rodríguez-Magda, 2004, p. 113), e isso obriga a redobrar esforços para evitarmos ser destruídos pela amusia. Quanto ao método científico seguiu-se o critério de Robert E. Stake de que o Estudo de Caso não se define por um método específico, mas sim pelo seu objeto de estudo (Stake, 1994, p. 35) e a criação dum conto musical é algo muito concreto e único. Este relatório retrata uma realidade, necessariamente incompleta, vivida em primeira pessoa, “com a atitude performativa daqueles que tentam compreender aquilo que lhes é dito” (Habermas, 2010, p. 299) e sem depender dos artifícios analíticos de outros métodos. O discurso, como disse Stake, pode ser menos ‘académico’ mas facilita a compreensão dos contributos às pessoas que estão envolvidas na educação e criação artística. A construção do conteúdo de verdade levou-nos numa viagem pelo caráter enigmático da arte, e a formação de estruturas a partir da fantasia porque pensar afasta-nos do aborrecimento e “o pensamento deve ser reservado ao novo, ao precário, ao problemático” (Rodari, 2004, p. 207). Adorno deu-nos a chave do conteúdo, amusia, e a verdade eclodiu.

‘Coda’ para o futuro Em geral, todas as sociedades têm a música que merecem. Obviamente, a transcendência só pode interessar a sociedades transcendentes. Se misturamos as categorias artísticas e musicais, e dizemos que tudo é bom, é como aceitar que o lixo é gastronomia e que nos transformemos em escatófagos. Boulez é claro quanto a isso: “o ecumenismo das músicas é uma estética de supermercado, uma demagogia … para camuflar a miséria dos seus compromissos” (Foucault, 2006, p. 393). À luz do que o mercado vende como música para crianças e ainda muita da que se vende para a massa adulta, o compositor ficou algo contrariado porque é difícil de

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admitir que seja por pura casualidade a coincidência de que uma grande maioria das canções utilize, após um século de enterrada a tonalidade, estruturas simplificadoras do sistema tonal. A questão a investigar, que talvez não suscite entusiasmo na comunidade académica, é comprovar se existe alguma relação entre a audição de músicas grosseiramente simples e o grau de submissão, conformismo ou sentido acrítico dos indivíduos. Outro fio desta ‘coda’ para o futuro são as linhas de atuação marcadas pelo Currículo Nacional do Ensino Básico, que nesta dissertação serviram de referencial teórico para sustentar muitas das decisões tomadas no processo criativo do conto, pois constituem uma inovação para a educação musical, no sentido que Manuel Rivas Navarro dá ao termo “inovação educativa” e que define como a incorporação de algo novo dentro de uma realidade existente, em virtude do qual esta resulta modificada (Rivas Navarro, 2000, p. 20). Mas esta inovação pode ter significados diferentes segundo os conceitos que se desenvolvam. Assim, Rivas Navarro distingue entre ‘renovação’ e ‘reforma’ dando ao termo renovação o sentido de aplicar uma nova energia que consiga ultrapassar aquilo que já se considera velho e indica tanto a ação como o resultado de renovar. Porém, o termo ‘reforma’, segundo Rivas Navarro, denota uma forma distinta, uma nova forma, um refazer a forma precedente, o qual implica uma mudança mais intensa e abrangente que a simples renovação. (Rivas Navarro, 2000, p. 21). Nesta perspetiva é que deveríamos considerar o Decreto-Lei 6/2001, que reorganiza o currículo do ensino básico, no que respeita à música, como uma “reforma educativa” pois representa uma mudança de grande alcance. Mas na realidade essa reforma não passa de uma pura utopia pois a música só é matéria curricular no 2º ciclo, 5º e 6º anos, e em dois únicos anos é impossível desenvolver as competências específicas da disciplina, pois estabelece que é preciso ter presentes quatro grandes organizadores: 1.- Interpretação e comunicação; 2.- Criação e experimentação; 3.- Perceção sonora e musical; 4.- Culturas musicais nos contextos. E conclui: “é essencial garantir que as aprendizagens conducentes à construção de qualquer competência se devem basear em ações provenientes dos três grandes domínios da prática musical – Composição, Audição e Interpretação”. (Ministério da Educação, 2001, p. 170).

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Reconhecendo ainda que a prática vocal e instrumental, bem como a apropriação dos conceitos musicais “só podem ser considerados efetivos se assentarem neste princípio de base”. (Ministério da Educação, 2001, p. 170). De nada servem umas Competências Essências tão revolucionárias se não se disponibilizam os meios para fazê-las efetivas mas, e esta é questão chave, com que professores se pretende implementar essas competências? A formação que recebem no Curso de Especialista em Música de EB dá para pouco mais do que fazer brincadeiras ‘musicais’ com os alunos. Sendo, por Lei, uma responsabilidade dos estabelecimentos de ensino superior a formação dos professores, tanto da etapa inicial como da posterior ou contínua, e tendo já adaptado os planos de estudo ao novo marco educativo europeu, cabe agora –e esta é a proposta de futuro– implementar estruturas que permitam atingir os objetivos do novo modelo educativo baseado no desenvolvimento de competências. Está, pois, na hora de ultrapassar o velho conceito de formação contínua que considerava o professor como o objeto da formação e há que desenvolver um novo conceito da ‘aprendizagem permanente’. Neste sentido, o compositor tem proposto noutros trabalhos, as Oficinas do Ensino Curricular da Música (Soutelo, 2009), concebidas como estruturas integradas nas instituições superiores de formação dos professores para dar apoio na aprendizagem permanente que, para os docentes, representa o quotidiano processamento da informação, de análise, de reflexão, avaliação, reformulação, etc., num contexto colaborativo de interação complexa, o que Fullan define como ‘Novos horizontes’ –sistemas complexos que podem ser ‘guiados’ mas não ‘geridos’– e que é preciso experimentar e confiar no processo de mudança, ainda que este seja imprevisível. (Fullan, 2007, p. 31) Se não providenciarmos ferramentas úteis para que os professores possam adquirir essas ‘competências essências’, nunca poderão estimulá-las nos alunos e em vez de possibilitar a formação de um pensamento complexo acabaremos propiciando a simplificação redutora da ignorância. Entre todos –reformas educativas sem meios, formação insuficiente, deixar andar, perda do valor da disciplina, o bonitinho das crianças macaqueando musiquetas que não possibilitam a ‘construção de um pensamento complexo’– estamos criando uma sociedade amusia da que cada dia está mais longe o ponto de retorno.

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Cadência final Concordamos com a Doutora Yolanda Espiña em que a Educação Artística é a arte de educar os sentidos para vencer o ‘olhar vazio’ da ignorância e integrarmo-nos na realidade envolvente interpretando adequadamente o seu simbolismo. Portanto, é responsabilidade do educador dinamizar e potencializar a perceção sensível integral do ser humano. A Caixa dos Laços vai de encontro às Competências Essenciais do Currículo Nacional do Ensino Básico quando estabelece: “O desenvolvimento do sentido de apreciação estética do mundo”. (Ministério da Educação, 2001, p. 15). O potencial educativo deste conto e a eficácia na sala de aula fica provada pelas interações recolhidas no contexto escolar onde se verifica a transcendência da educação artística, nos termos reconhecidos pelo Currículo Nacional, em que as crianças no contacto com as artes “articulam a imaginação, razão e emoção”, e como “a vivência artística influencia o modo como se aprende, como se comunicam e como se interpretam os significados do quotidiano”. (Ministério da Educação, 2001, p. 149). Da leitura das interações produzidas, tanto com adultos como com crianças, quanto à primeira parte, a mais difícil conceptualmente pelo conteúdo filosófico e metafórico, observa-se uma grande identificação com o sentir artístico como antídoto contra a sociedade amusia. As interações da segunda parte, e da música, por serem mais lúdicas e com o estímulo enigmático das adivinhas a suscitar fantasia, não surpreendem. Tudo faz prever que –se não se desencadeiam manobras obstrucionistas– o conto vai funcionar bem num amplo leque de público. Se a obra atinge um êxito razoável sempre assomará a dúvida transcendental do compositor: É banalidade ou transcendência o que percebe o público? Refletir “no modo como se pensa, no que se pensa e no que se produz com o pensamento” (Ministério da Educação, 2001, p. 149) também alicia o compositor a prosseguir criando. Assim como o palhaço que só faz rir é um parasita das emoções primárias, a missão do educador artístico não é divertir. O educador tem de aprofundar o caráter enigmático da arte e treinar a perceção simbólica para dotar-nos do ‘respetivo conteúdo de verdade’. A sua função é travar a ignorância, a amusia adquirida, o que Adorno chama ‘Entkunstung’ [negação da dimensão estética da arte], o ‘olhar vazio’. Se não conseguirmos, teremos de continuar a lidar com broncos mas, como bem aponta Adorno, é impossível explicar-lhes o que é a arte. (Adorno, 2008, p. 186).

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ANEXOS 1. Tabela e excertos musicais

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2. Interações de adultos, enviadas ao correio eletrónico do autor 1 / 24-I-2010 O QUE EU PENSO DESTA ESTÓRIA… Gostei desta estória dentro duma história musical. Tocaste no essencial do ser músico e do ser educador artístico. Mesmo que a rotina se agigante diante de nós, não podemos perder a noção da dimensão do que devemos mostrar às novas gerações que nos passam entre os dedos e a quem, queiramos ou não, moldamos a alma. Fizeste-me pensar na responsabilidade que tenho na difusão da MÚSICA e em como não posso deixar-me levar pelo facilitismo da gravação, do bonitinho e do deixa andar porque o que interessa é que os alunos se divirtam. Gostava de fazer um exercício de composição com os meus alunos tendo por mote a Caixa dos Laços, o País da Música e os amusios. Obrigada por me teres feito refletir no que “ando aqui a fazer”.

2 / 25-I-2010 La historia la leí un par de días después de que me enviaras el borrador. Me pareció fascinante, un gran trabajo, pero siempre visto desde la perspectiva adulta, del mayor. Creo que esa era tu orientación, por contenido, por contexto, por léxico. Los primeros párrafos y los últimos los veo "más cuento". Los intermedios llevan una carga específica que no me extraña que termines diciendo que puede que sea "la última obra....". Pero esa claridad sirve de punta de lanza, invita al razonamiento y nos sitúa en nuestra realidad más dura. No eres subliminal, sino directo y osado. Y eso tiene valor y tal vez un precio... Te prefiero así. Creo que tu historia conquistará corazones. De momento lo ha hecho con el mío. ¿Para cuándo las 12 pruebas? Bravo!!

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3 / 27-I-2010 Caro, a correr pela página: “A perceção, a razão e a emoção eram os alicerces da sua criatividade.” Para além dos músicos, aplica-se também a/os que levamos a língua os sangominhos! “amusios” / “odeia a música” / “assumiram o controlo do país”: não posso evitar pensar nos, digamos, aglotios / aglotas / troglotas... que qu[is]erem assumir o controlo da nossa língua. “Caixa dos Laços” / “segredo da inspiração musical” / “emoções profundas”: estou a ver outro tanto nas entranhas da língua; ah!, as “emoções profundas”... (eu chamo-lhe emoções fortes). “músicas brincalhonas” / “melodias de amor”, etc.: põe “poesia” e já vês por onde vou. “Alguns nem sequer conseguiam distinguir os ritmos mais simples”: alguns/algumas não conseguem já distinguir vogais abertas das fechadas neste nosso cada vez mais deserto... “os impedia de aprender línguas”: os que pior falam inglês são os troglotas, os que melhor os que levam (e sofrem) a língua em si. “amusianês” = castrapo. “babelização das traduções traidoras”: sem comentários. “A fórmula secreta” / “a fragmentação”: fragmentar, de pessoa a pessoa, de geração a geração, de país a país, de passado a presente, now where have I heard that before?... “fiéis à ética do País” / “foram postos de parte” / “sonhadores à procura dos laços perdidos” / “raízes da autêntica diversidade musical que, em lugar de fragmentar, atuava como força de coesão dos valores comuns” / “para construir a realidade do futuro”: por algo estás na AGLP!

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“Os amusios sabiam que a música inspirada e criativa movimentava emoções profundas e que podia neutralizar as musiquetas. Os músicos não colaboracionistas eram, pois, os piores inimigos dos amusios, que começaram a criminalizá-los por tudo”: snap! Deixo de lado a análise mercado-económica, para a que não tenho “solução”; parece como que houvesse duas raças de pessoas: as que “sentem” e as que “contam”... Em todo

o

caso,

como

fazer

para

que

o

trabalho

próprio

não

seja

copiado/deturpado/estragado? para que ao mesmo tempo dê vida, encarne e frutifique? é o risco que corre quem cria: esgotar-se no criado, confiando em que não seja estragado, dar[-se], a[ni]mar... Sim, sei, não resolve o problema de viver do trabalho próprio, e suponho que os direitos de autor, com uma data de caducidade, são o que menos insatisfeitos nos deixam... Em fim, fazes-me lembrar os tempos saudosos da Sergeant Pepper's Band, do Yellow Submarine, dos Blue Meanies (=amusios!), qv.

4 / 29-I-2010 A estória de uma história é fantástica a meu ver. Esta história, na sua totalidade e depois de nos apresentar o que define o País da música e a chegada dos amusios, transfere-nos imediatamente para o nosso País. Todo o conto pode ser assumido como estando a falar do nosso País, embora também se possa ligar a outros países. O nosso País do consumismo, das cópias, em que, no geral as pessoas só ligam ao lado económico da música, a começar pelos próprios músicos. Quando há bons concertos, estão os auditórios e teatros vazios… chegando os amusios (Música Pimba) onde aparecem sempre com as mesmas músicas, editando discos diversos diferentes, mas sempre iguais musicalmente… São as chamadas “musiquetas amusianesas”, que são também o espelho do nosso país, pois em qualquer lugar que se passe, lojas, ruas, centros comerciais, etc., o que se ouve? A música dita Pimba, ou seja, a “musiqueta amusianesa”. Na minha opinião vivemos numa comunidade “amusia” e cabe-nos a nós, músicos, educadores, Academias de Música, mudar este mundo em que vivemos, de modo a que as crianças, à semelhança do conto, se comecem a interessar pela música e se deixem invadir pelo poder extraordinário da música.

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PS.:Depois de ler esta bela estória, fico ciente de que o Rudesindo tem a inspiração dos seus laços… que são uma das suas características, o uso dos laços. Transplantandonos para o conto: “Já todos se tinham esquecido que, no País da Música, existira uma Caixa dos Laços, antes da chegada dos amusios –essa gente que odeia a música porque não tem a capacidade de apreciar os sons. Só um velho e faminto compositor guardava memória dessa caixa”, leva-nos a imaginar como o Rudesindo ainda acredita no poder verdadeiro da Música e num futuro em que não existam os amusios.

5 / 29-I-2010 Considerei muito criativo, o facto de descreveres a situação atual da música com o teu toque pessoal da caixa dos laços. Esse objeto é realmente interessante e é mesmo a tua característica, associei-a imediatamente à tua pessoa, por isso gostei muito. Por vezes pareceu-me cansativa a parte final, estava ansiosa por saber a conclusão e senti que estava um bocado extensa. Também não sei para que faixa etária está escrita esta história, se é para crianças parece-me longa. Parabéns pela criatividade, aprendi muito com a história, nunca tinha ouvido falar de "amusios", gostei do termo.

6 / 29-I-2010 Relativamente ao texto que enviaste, gostei muito dele e há várias conclusões que emanam do seu conteúdo. Comecei por pensar que seria uma história para crianças, a utilizar como estratégia de abordagem da realidade musical. Depois, concluí que ele é o retrato que fazes da evolução da música e vi nele a realidade portuguesa, assim como a tua forma de estar na música e o desejo (quiçá utópico) daquilo que gostarias que acontecesse no futuro. A importância do laço na tua vida também se encontra espelhado nesta estória. Esta visão crítica que apresentas e que, provavelmente funcionará como uma estratégia para colocar as pessoas a pensar, será a tua forma de estar na vida: descontente com o que vês, ativo na luta contra o que de errado acontece e na construção de uma mudança.

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Neste texto, e pelo pouco que te conheço, eu vi o teu retrato!!! Partilho com grande parte da tua visão e muitas vezes sinto-me impotente para dar a volta. É que o próprio mundo da música é muito fechado, e para termos acesso a certas coisas é um cabo dos trabalhos, porque nem todas as portas se abrem.

7 / 29-I-2010 Tive finalmente algum tempo para ler a estória. Está bastante criativa! Gostei da mensagem, que é bastante actual, dado o que se passa com a música na atualidade. Acho que humanidade e as pessoas que nos governam precisavam de uns bons e bonitos laços para irem buscar inspiração para um mundo melhor, e que olhem para a cultura, musical e/ou outras, como uma porta para um mundo melhor. Foste feliz e criativo na escolha do país, personagens e na implicação na vida das pessoas com a magia da música. Gostava de ter um bom laço para ser inspirado para os trabalhos de mestrado que temos pela frente. Fala com as crianças e o velhinho para me arranjarem um bom laço ..... Parece que a estória não acabou ..... aguardo o seu final. Falta uma boa ilustração e publicação .... Bom trabalho!

8 / 30-I-2010 Antes de mais obrigado por partilhares o teu conto. A leitura do teu conto começou por me fazer arrepiar. É verdade. Chamaste a atenção para algo que vai acontecendo quase sem nos apercebermos: a forma acrítica como

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nos deixamos envolver e arrastar neste mundo 'global' onde o 'amusianês' se insinua. As memórias vão-se apagando. O desejo de criar quase não existe e facilmente cedemos a solicitações, conotadas de cultura (mais 'espetáculo' como disseste!). Não consegui deixar de pensar nas práticas que fomento (enquanto professora de educação musical) e que vejo fomentar... Sem dúvida, precisamos acordar e estar conscientes das possibilidades que, tantas vezes desperdiçamos, nos encontros únicos e por isso, tão fundamentais, que acontecem dentro da sala de aula. Obrigado, por me teres provocado. Relativamente ao conto, em si, posso dizer o que me parece do ponto de vista formal. Nalguns parágrafos tive que reler para não perder o 'fio à meada' como se costuma dizer. Refiro-me à 1ª leitura. Acontece que muitas vezes, o leitor se não entende de imediato a ideia, não tem vontade de repetir para tentar perceber. Claro

que

numa



leitura

esse

problema



não

se

coloca.

O desenrolar da ação, provoca algum 'suspense'. No fim estava com curiosidade de saber o que iria acontecer... Pareceu-me um pouco confusa (ou talvez, pouco clara) a descrição do caminho que o velho propõe às crianças para encontrarem o País da Música. Senti ainda uma certa contradição entre o final da estória que deixa no ar a esperança de uma solução e o comentário final do autor que ao dizer que a 'caixa dos laços' pode ser a sua última obra inspirada nos transmite uma visão muito pessimista (será?). Esta é a minha análise (talvez um pouco superficial pois não há tempo para muito mais) mas sincera.

9 / 2-2-2010 Achei a estória dentro duma história musical muito interessante, pois faz-nos refletir sobre como abordar as questões musicais aos alunos. Apesar de não estar muito por dentro desta área isto fez-me pensar como é que a musica é apresentada às crianças

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e jovens; será que se tem a preocupação de despertar e motivar as crianças e jovens para a expressão musical ou hoje em dia é vista como mais uma atividade para preencher horários. Na realidade os laços é um pormenor, sem valor material, mas que demonstra a importância que se deve dar á musica como arte. Quando a caixa dos laços é encontrada, notei falta de enredo (comparando com a 1ª parte dos amusios) o que não salienta a importância que deve ser dada á arte musical (isto no meu entender). O facto de deixar em aberto o final da estória poderá ser um bom caminho de análise para futuras intervenções, nesta área.

10 / 7-2-2010 Olá Professor Estou enviando em anexo a descrição de uma atividade que implementei em sala de aula há uma semana atrás, precisamente após ter lido o seu artigo com a estória de uma história musical. Precisava, na altura, dum fio condutor bem imaginado para que pudesse sensibilizar os meus alunos à audição do "Inverno" de Vivaldi, apresentar-lhes o Violino e a família das cordas e também o dito compositor. Mas como?!! Foi então que li a estória do professor e de imediato me veio à ideia tudo o que descrevo em anexo. Também eu criei uma história com uma caixa mágica, a qual veio do país da música e que só abria depois de percutida com uma ritmo secreto, o qual todos tínhamos de invocar! Lá dentro tinha informações valiosas acerca de um compositor: o Vivaldi, e de um instrumento musical: o Violino e a sua família das cordas. Está claro que a estória da caixa dos laços que o professor conta invadiu a minha imaginação e foi como se tivesse experimentado um dos laços da caixa do país da música, porque a inspiração foi tal que conseguiu contagiar por completo a mente destas crianças...a eloquência resultou de tal modo que o que quer que saísse daquela caixa mágica a reação de muitas das crianças era "Uhau!!!!", entravam no mundo encantado...o Violino e a sua família, o Vivaldi e a sua paixão pela música e por esta família de instrumentos, foram verdadeiras descobertas para os meus alunos, cerca de 200 crianças ouviram o "Inverno" de Vivaldi com prazer e emoção, pois quando ouviam o som do contrabaixo diziam que o pai estava zangado, e nas partes mais melodiosas, identificavam os timbres do violoncelo e do violino referiam-se à mãe que falava com o

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filho...houve comentários muito interessantes. Realizei a mesma atividade com as crianças de Jardim de Infância e também foi um sucesso, algumas crianças foram dizer aos pais que a caixa mágica deu a ouvir um violino a sério, com um som muito bonito... Enfim foi uma experiência espantosa para mim, porque me senti como uma verdadeira mediadora do poder da música sobre o ser humano...foi muito gratificante conseguir ver claramente a música a mexer com as emoções dos meus alunos de um modo bem mais profundo que o habitual. Tal como o Professor Rudesindo pediu estou respondendo com uma mensagem, mas de esperança, HAJA ESPERANÇA! Mais do que qualquer opinião estética, filosófica ou científica, para mim a história da caixa dos laços será sempre a prova viva de que a música exerce poder na sociedade...e que eu posso contribuir um pouquinho que seja para que a música seja revalorizada no mundo atual, prenhado de amusios! No final das contas há sempre um caminho a trilhar para a música, eu senti exatamente isso com esta experiência! E só peço ao Universo que existam muitos Professores Rudesindos por esse mundo fora, os quais possam dar ao mundo a Inspiração certa para que a música ganhe a força que merece e a humanidade beneficie da evolução natural do todo perfeito que existe na União harmoniosa do corpo, da mente e do espírito. Muito Obrigada, Professor Rudesindo, graças a si tive, na minha profissão, durante esta semana

que

passou,

alguns

momentos

onde

o

Belo

me

espreitou!

Ainda há quem diga que a Perfeição não existe!

Atividade na sala de aula (Expressão Musical - AEC) Sumario: Jogo rítmico na caixa mágica Violino e família das cordas. Audição do “Inverno” de Vivaldi enquanto pintam paisagem de Inverno/Violino. No país da música eu entrei, um músico deu-me uma caixa mágica que só abria com um ritmo secreto. Este músico pediu-me que transmitisse este ritmo secreto aos meus alunos. Todos invocamos este ritmo, entoamos e percutimos com as mãos na caixa, um de cada vez e depois todos juntos entoando o ritmo, quase em surdina, pianíssimo, só assim é que ela abriria.

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Por fim a caixa mágica abriu-se e encontramos a imagem de um violino, uma outra imagem com a família das cordas (Pai-contrabaixo, Mãe-violoncelo e a irmã mais velhaviola de arco), e ainda mais uma imagem do Vivaldi, com a sua peruca branca, um homem de outros tempos, segurando o seu violino. O Violino era o artista principal, sendo o filhinho mais novo desta família e o Vivaldi era um admirador incondicional desta família de instrumentos musicais. Uma vez padre, este senhor percebeu a meio da celebração de uma das missas que teria de ser músico, pois os sons da música e, em particular, desta família de instrumentos não lhe saíam da cabeça. Então Vivaldi tornou-se músico e compôs muitas peças musicais para o violino e a sua família. As “Quatro Estações” foi uma das suas obras, talvez a mais famosa. No Inverno nós estamos e o “Inverno” de Vivaldi pus a tocar no aparelho de som, enquanto pintamos uma paisagem de Inverno, com neve, chuva e frio, e ainda um violino.

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3. Interações Turma 5º/A da EB de Vila Praia de Âncora

5-02-2010 Esta história fala sobre o roubo. Serve para nós nunca roubarmos na nossa vida. Diznos que os instrumentos musicais são muito valiosos. (10 anos).

Eu não percebi muito bem a história. Acho que os amusios estavam a brincar com o trabalho dos escritores e a brincar com a música. (10 anos).

O que eu senti da história foi vandalismo no princípio e tristeza no fim. (10 anos).

Esta história é muito bonita, mas é um pouco confusa. No desenvolvimento da história, parece que o país da música vai desaparecer para todo o sempre mas no final corre tudo bem. (11 anos).

O que eu percebi da história foi duas crianças, irmãos, encontraram uma caixa de laços que pertencia ao país da música. (10 anos).

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Para mim, a música é a solução para a tristeza. A música faz felicidade. Os amusios são parvos, nunca ouviram a música entrar no coração. (11 anos).

Senti que esta história é parecida à vida real. Os músicos são mesmo os músicos que compõe músicas e põe nos CDs e os amusios são aquelas pessoas que “apanham” as músicas e as põe na internet. Esta história é mesmo parecida com a realidade. (10 anos).

Eu não percebi bem a história mas houve umas partes que eu ainda consegui “apanhar” que foram a da caixa dos laços, dos amusios e a do início. Não faz sentir nada porque não percebi. Mas um dia irei perceber. (10 anos).

Acho que não é bom tirar coisas da internet e que há pessoas que não dão importância à música. (10 anos).

Esta história fez-me pensar como será a vida dos compositores que não recebem nada pelo trabalho que têm ao imaginar e criar, e quando este é copiado ou utilizado por outros, sem imaginação mesmo sem autorização do autor. (11 anos).

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Para mim, isto foi uma história importante. Às vezes os mais pequenos são os mais espertos porque ajudam as pessoas enquanto que os grandes, ainda fazem pouco das pessoas. (11 anos).

Ao ouvir esta história, sinto-me curiosa de saber como se chama, como é o princípio e como é o fim. No caso desta gostei porque tem imaginação, criatividade e é uma história que no fim não conta tudo, é uma história que mantém o suspense. (10 anos).

Senti que os amusios vandalizaram o país da música, apenas pelo dinheiro e toda a gente esqueceu esse país e até os laços inspiradores esqueceram. Esta história faz-nos ver que agora qualquer pessoa vai à internet e tira músicas, jogos, filmes e muito mais em vez de os comprar. Temos de pensar que é como trabalharmos e não nos pagarem nada no fim do mês. (10 anos).

Esta história deu para ver que as pessoas muitas vezes não sabem o que é bom. A música é um dom que algumas pessoas ganham e que para elas é a sua vida. Nós não devemos estragar o que é bom. É bom ouvir uma música calma quando estamos cansados ou aborrecidos, é bom ouvir uma música com ritmo quando estamos muito bem dispostos, é bom ouvir uma música querida quando estamos zangados com um amigo. Ninguém, mas ninguém gosta de não ouvir música. A música é vida, é alegria que corre dentro do coração. (10 anos).

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Fez-me sentir emoção e raiva: raiva dos amusios que tiraram todas as músicas ao país da música. Achei engraçada a parte dos laços. A história é muito bonita e fez-me sentir verdadeiramente como eles gostavam da música. (11 anos).

Eu não percebi muito bem a história, mas houve umas partes em que senti que esta história tinha como base o roubo da música. (10 anos).

Eu não percebi bem a história. (10 anos).

A música é importante na vida. Há pessoas que brincam com o trabalho dos outros. Para as coisas más há sempre uma esperança. Às vezes, ouvindo música, faz-nos sentir melhor. As músicas tiradas da internet são músicas falsas. A verdadeira música está dentro de nós (inspira-nos). A música é especial. (10 anos).

Eu senti que este país existia. Esta história transmite-nos que nunca devemos ir buscar coisas à internet sem as lermos. (10 anos).

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Esta história fez-me sentir que a música é arte, é alegria… Fez-me sentir também que não se deve vandalizar a música. A música é tudo e todos gostamos dela!!! (10 anos).

Senti que esta história era muito longa e também senti que os amusios eram as pessoas que “roubavam” aos músicos as suas obras musicais e depois inventavam músicas irritantes para substituir as originais”. (? anos)

Eu não percebi muito bem a história que a professora contou. (10 anos).

Esta história fez-me sentir que não devemos “roubar” músicas da internet sem ter-mos autorização do autor que a criou. E também houve outras partes que não consegui perceber muito bem porque acho que a história era um pouco complexa. E também me fez sentir que a música pode ter vários sentidos e emoções. (10 anos).

Eu não percebi bem a história. (10 anos).

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4. Interações da Turma de Área de Projeto da AMFF (V.P. Âncora)

05.01.2010 Achei que é uma bonita história e que está cheia de mistérios. E que há pessoas que não gostam da música e por isso desprezam-na de todas as formas. Mas que existem outras, seja de que idade forem, que ainda têm a esperança de que a música nunca acabará. (13 anos).

Esta história fala-nos que a inspiração dos compositores foi perdida por causa das novas tecnologias e que as músicas estão a ser substituídas por “musiquetas”. As “musiquetas” são músicas que fazem as pessoas fazerem coisas que não são necessárias e são ouvidas por pessoas que não sabem apreciar a música. São fragmentos que estão sempre a ser repetidos. Esta história mostra que a música está a ser esquecida. (11 anos).

Para mim, esta história fala da importância que a música tem e que foi esquecida por causa dos amusios que substituíram a música por musiquetas, por interesse económico. É uma história interessante e que está aberta para a imaginação de cada um de nós. Acho que aqueles meninos iriam conseguir recuperar a música. (12 anos).

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Esta história dizia que muitos adultos são grandes músicos e muitas crianças gostam de ser como eles. Sendo assim, a música tem um papel muito importante na vida das pessoas. (11 anos).

É uma história triste, pois a magia da música foi totalmente apagada pelos amusios. O país da música era um país extraordinário, que não aparecia nos mapas. Os músicos usavam um laço para se inspirarem, para compor e fazer músicas. Quando a caixa dos laços foi parar às mãos dos amusios, o país começou a ficar triste, todos começaram a esquecer a música. A única solução para a música ser recuperada era alguém passar pelos 12 desafios dos amusios. (12 anos).

Na minha opinião, a história é muito interessante, mas era longa. Os amusios ao tentarem controlar tudo e mais alguma coisa, destruíram tudo em que os músicos acreditavam incluindo a caixa dos laços, fonte da inspiração dos músicos. (12 anos).

Esta história é, de facto, muito interessante. Demonstra o verdadeiro amor pela música e que realmente há pessoas que não sabem dar valor às coisas bonitas que existem. Espero mesmo que cada um encontre o verdadeiro amor pela música que existe dentro das pessoas, porque sim, cada um tem a música dentro de si, só é preciso decifrá-la. Nunca deixem de sonhar. (12 anos).

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Eu acho que este texto é interessante mas ao mesmo tempo um bocado injusto por parte dos amusios, pois apesar de não gostarem de música e instrumentos de música, não tinham que fazer o que fizeram aos músicos como retirar-lhes os instrumentos e porem em suas casas para fazer inveja aos vizinhos, também não tinham de tirar o seu maior bem precioso, a caixa de laços. Sem a caixa de laços, os músicos não tinham ideias para fazerem novas músicas e cada vez mais interessantes. No fim, os amusios acabaram por gostar de música e transformaram-na numa coisa comum, sem categoria. Duas crianças, um rapaz e uma rapariga tentaram encontrar a caixa dos laços. (13 anos).

Esta história mostra-nos que o espírito musical e a inspiração dos compositores foi perdida por causa das inovações tecnológicas, por causa das pessoas que não sabem apreciar música, realmente como ela é. As “musiquetas” referidas no conto são aquelas músicas que controlam as pessoas, aquelas que não podem ser apreciadas e que “absorvem” as mentes, obrigando-as a “obedecer” à função por ela exercida. Acho que cada um de nós, pessoas e músicos, devemos salvar este mundo e devolverlhe a tão importante música. Este conto é muito bonito e mostra-nos realmente o que está a acontecer à humanidade. (13 anos).

Eu penso que a história é muito interessante e tem muita fantasia. Havia um país da música que não aparecia no mapa, mas existia e os habitantes eram os músicos e havia uma caixa que continha laços que davam a inspiração para a música, por exemplo: havia laços para música de crianças, música de sinfonia...

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E um dia, os amusios invadiram o país da música e levaram tudo o que brilhava, instrumentos de metal porque brilhavam e eram parecidos com o ouro. Uma vez, dois meninos fartaram-se das musiquetas e encontraram a caixa de laços e um velhote sabia o que era a caixa e disse: “É preciso passar 12 provas para salvar o mundo da música. (13 anos).

Esta obra é interessante, pois faz com que o ouvinte se sinta dentro da história e que imagine como reagiram os compositores e os amusios. Como os amusios eram gananciosos e só pensavam em produções económicas e riquezas, fizeram com que os compositores perdessem o espírito musical. A história requer uma certa compreensão devido ao vocabulário e às várias etapas do texto. Como os laços significavam para os compositores do país da música, a música significa para nós, ou seja, é a música que ouvimos que nos dá um bom ou um mau dia, é a música que nos dá a inspiração para o resto do dia, é ela que nos dá a devida inspiração. (12 anos).

Eu acho que esta história é bastante interessante porque fala de como a tecnologia veio mudar as atividades da população. Este conto também fala de como é mal copiar os outros autores, pois ao copiá-las, os compositores não estão a receber o seu merecido dinheiro pelo trabalho que desenvolveram. Este conto também fala de como a música é trocada muitas vezes por coisas que não têm muito interesse, como o facto de gastarem dinheiro em roupas quando muitas vezes têm o roupeiro cheio desta. (12 anos).

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Dentro desta obra há várias conclusões que podíamos tirar, mas as mais importantes são: - Até um objeto muito insignificante, como uma simples caixa cheia de laços, pode ter um grande valor; - Existem coisas, como a cultura, que nem toda a riqueza do mundo pode comprar e que o poder económico não é o mais importante; - Até os povos que não apreciam a música, ou outro tipo de cultura, podem aprender a gostar; - Até umas peças de música, sem qualquer valor, como as musiquetas, podem atingir um valor muito importante. (11 anos).

A mensagem que passou desta história é que muitas vezes, os músicos são roubados, utilizam as suas músicas sem lhes pagarem nada. E que os comerciantes utilizam as músicas para levar as pessoas a consumir e não apreciam o verdadeiro sentido da música. Não dão o verdadeiro valor à música. (14 anos).

A mensagem desta história é complicada. O tempo final desta história, acho eu, é o nosso presente. Os amusios são as pessoas que só se importam com o dinheiro e não com a cultura. A caixa dos laços é uma ideia metafórica que simboliza a inspiração. As musiquetas são aquelas músicas que passam nas lojas e que nos controlam o cérebro. A mensagem desta história é que as pessoas estão a subvalorizar a música e que deviam tentar percebê-la. (13 anos).

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Na minha opinião, esta história relata o facto de, na vida real a música estar a desaparecer (já não se sente o mesmo como dantes). As pessoas, mas mais especialmente as crianças, em vez de darem asas à sua imaginação e criatividade, dando continuidade a esta bonita família das artes, têm uma vida monótona e muito sedentária, onde passam a maior parte do tempo agarradas ao PC, navegando na internet e jogando jogos virtuais. Um mundo onde os criadores de algo não têm o merecido reconhecimento. Um mundo onde esses criadores são como que atirados para o canto do esquecimento, ficando apenas as suas obras mais emblemáticas. (14 anos).

A mensagem transmitida pelo texto que acabamos de ler é a seguinte: a música é um “sentimento” que todas as pessoas possuem. A música é algo capaz de controlar a nossa mente, ajuda-nos nos obstáculos mais difíceis da nossa vida, como também nos alegra nos momentos mais felizes. A música transmite paz. Atualmente, a música tem vindo a ser desvalorizada gradualmente pelas populações. A música está a começar a ser esquecida. Os compositores não recebem o devido valor, porque as pessoas, neste momento, recorrem sistematicamente à internet, a fotocópias, etc. Se não pensarmos neste problema e não fizermos nada para o travar com as populações futuras, este problema irá agravar. (14 anos).

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A mensagem que esta história me transmitiu é que presentemente o “país da música”, ou seja, a nossa cultura musical em geral, está a ser desvalorizada e desperdiçada, pois a música pura, criativa e inspiradora está a desaparecer gradualmente. As músicas são subvalorizadas e os autores são penalizados, dado que as suas obras são comercializadas de um modo pouco benéfico para eles. A música transformou-se então numa forma de prejudicar as populações, visto que as músicas tornaram-se comerciais e o seu propósito inicial, maravilhar, encantar e emocionar os ouvintes está a ser substituído pela música comercial, produzida em massa com a ideia de vender e enganar as pessoas. Mas isso não acontece apenas com a música; a arte, a escrita e a pintura, entre outros, também estão a ser parcialmente modificadas de uma forma negativa. Segundo este texto, as crianças que encontraram a caixa dos laços somos nós, os jovens músicos promissores e todos os músicos que partilham esta opinião e juntos temos de voltar a encontrar a música novamente. (13 anos).

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