A CONCILIAÇÃO PELO ALTO IMPEDE O PROGRESSO DO BRASIL

June 28, 2017 | Autor: Fernando Alcoforado | Categoria: Sociology, Economics, Social Sciences, Political Science
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A CONCILIAÇÃO PELO ALTO IMPEDE O PROGRESSO DO BRASIL Fernando Alcoforado* O processo de desenvolvimento econômico e social do Brasil ao longo da história seguiu uma “via prussiana” nos moldes do processo de modernização capitalista da Alemanha e em contraposição ao modelo dos Estados Unidos. Segundo Wladimir Lênin, na “via prussiana”, a grande propriedade pré-capitalista da Alemanha do final do século XIX se transforma, gradativamente, em empresa capitalista com as relações de trabalho mantendo aspectos da coerção extra-econômica que as caracterizavam e os antigos proprietários, ao garantirem a manutenção das formas econômicas em que se apoiam, conseguem manter papel proeminente no aparelho de Estado e, assim, orientar o próprio processo de modernização. Em contraposição, o modelo dos Estados Unidos, de caráter democrático, segundo Lênin, se caracteriza pela destruição da grande propriedade pré-capitalista, fracionada em pequenas propriedades camponesas. As transformações ocorridas na história do Brasil não resultaram de autênticas revoluções, de movimentos provenientes de baixo para cima, envolvendo o conjunto da população, mas se encaminharam sempre através de uma conciliação entre os representantes dos grupos opositores economicamente dominantes, conciliação que se expressava sob a figura política de reformas “pelo alto” (Ver o artigo Os efeitos da “via prussiana” sobre a intelectualidade brasileira de Carlos Nelson Coutinho disponível no website , 2008). Segundo Carlos Nelson Coutinho, todas as grandes alternativas concretas vividas pelo Brasil (Independência, Abolição, República, modificação do bloco de poder em 1930 e 1937, passagem para um novo patamar de acumulação em 1964), encontraram uma resposta “à prussiana”; uma resposta na qual a conciliação “pelo alto” não escondeu jamais a intenção explícita de manter marginalizadas ou reprimidas de qualquer modo, fora do âmbito das decisões, as classes e camadas sociais “de baixo”. A tendência objetiva que tem a transformação social no Brasil de se realizar por meio da “conciliação pelo alto” marca a história do Brasil. Surgem entre nós manifestações explícitas da ideologia “prussiana”, que em nome de uma visão abertamente elitista e autoritária defendem a exclusão das massas populares de qualquer manifestação ativa nas grandes decisões nacionais. A conciliação pelo alto pode assumir duas características: 1) revolução passiva; e, 2) contrarreforma. No artigo Revolução passiva ou contra-reforma? disponível no website , Carlos Nelson Coutinho afirma que, ao contrário de uma revolução popular, “jacobina”, como, por exemplo, as revoluções francesa de 1789 e russa de 1917, realizada a partir de baixo — e que, por isso, rompe radicalmente com a velha ordem política e social —, uma revolução passiva implica sempre a presença de dois momentos: o da “restauração” (trata-se sempre de uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo”) e da “renovação” (no qual algumas das demandas populares são satisfeitas “pelo alto”, através de “concessões” das camadas dominantes). No Brasil, a Revolução de 1930, por exemplo, foi uma revolução passiva baseada na “renovação” na qual algumas das demandas populares foram satisfeitas “pelo alto”, 1

como é o caso das leis sociais introduzidas pelo governo Getúlio Vargas que representaram “concessões” das camadas sociais dominantes. O golpe de estado de 1964, por sua vez, foi uma revolução passiva baseada na “restauração” porque ela foi realizada como uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical proveniente “de baixo” durante o governo João Goulart. Quanto à contrarreforma, Gramsci a caracteriza como uma pura e simples “restauração”, diferentemente do que faz no caso da revolução passiva, quando fala em uma “revolução-restauração”. Apesar disso, porém, ele admite que até mesmo neste caso tem lugar uma “combinação entre o velho e o novo”. A diferença essencial entre uma revolução passiva e uma contra-reforma reside no fato de que, enquanto na primeira existem “restaurações” que visam barrar as exigências que vinham de “baixo”, na segunda é preponderante não o momento do novo, mas precisamente o do velho (Ver o artigo Revolução passiva ou contra-reforma? de Carlos Nelson Coutinho disponível no website ). O Welfare State (Estado de Bem estar Social), por exemplo, introduzido na Europa Ocidental após a Segunda Guerra Mundial foi uma revolução passiva com a introdução da social democracia que teve o momento da restauração ao barrar as possibilidades de sucesso de revolução socialista e o momento da renovação ao adotar as políticas econômicas intervencionistas sugeridas por Keynes e ao acolher muitas das demandas das classes trabalhadoras. Por sua vez, a contrarreforma tem como exemplo o neoliberalismo que foi introduzido na economia mundial, inclusive no Brasil, a partir da década de 1990 para barrar o declínio do sistema capitalista. Na época neoliberal em que vivemos não há espaço para o avanço dos direitos sociais. Ao contrário, há a eliminação de tais direitos e a desconstrução e negação das reformas já conquistadas pelas classes subalternas levadas avante no Welfare State. As chamadas “reformas” da previdência social, das leis de proteção ao trabalho, a privatização das empresas públicas, etc. — “reformas” que estão atualmente presentes na agenda política tanto dos países capitalistas centrais quanto dos periféricos (hoje elegantemente rebatizados como “emergentes”) — têm por objetivo a pura e simples restauração das condições próprias de um capitalismo “selvagem”, no qual devem vigorar sem freios as leis do mercado. Após a revolução passiva baseada na “restauração” realizada pelo regime militar de 1964 a 1985, a política econômica adotada pelos governos Fernando Henrique Cardoso, Lula e Dilma Rousseff representou um misto de revolução passiva baseada na “renovação” e de contrarreforma. Com a revolução passiva baseada na “renovação” algumas demandas populares foram satisfeitas “pelo alto”, como, por exemplo, os programas de transferência de renda como o Bolsa Escola e o Bolsa Família. A contrarreforma se caracterizou pela introdução do neoliberalismo do qual resultou a eliminação de alguns direitos sociais, a desconstrução e negação das reformas já conquistadas pelas classes subalternas, a privatização das empresas públicas, etc. A conciliação pelo alto está em marcha, no momento atual, no Brasil com o conluio do governo Dilma Rousseff com setores conservadores para evitar sua destituição do poder através de impeachment e, também, o conluio entre o governo Dilma Rousseff e o presidente da Câmara dos Deputados, deputado Eduardo Cunha, para evitar o impeachment da presidente da República por ter praticado crime de responsabilidade 2

fiscal e ter utilizado recursos da corrupção da Petrobras em sua campanha de reeleição em 2014 e a cassação do deputado pelo crime de corrupção em flagrante desrespeito às leis e à vontade da grande maioria da população brasileira. Enquanto isto, o País caminha celeremente para o colapso econômico e político. Do conluio em curso no momento resultará um misto de revolução passiva baseada na “restauração” porque se trata de uma reação conservadora à possibilidade de uma transformação efetiva e radical do Brasil que corresponda à vontade da grande maioria da população brasileira e de contrarreforma porque visa a manutenção do modelo neoliberal no Brasil. Pode-se afirmar que, no Brasil, nunca houve, de fato, uma revolução social. O Brasil, mais que qualquer outro país da América Latina, pode ser caracterizado como o lugar por excelência da revolução passiva e da contrarreforma. A Independência do Brasil diferiu da experiência dos demais países da América Latina porque não apresentou as características de um típico processo revolucionário nacional-libertador porque foi abortado, no caso brasileiro, pelo episódio da transmigração da família real portuguesa para o Brasil, quando a Colônia acolhe a estrutura e os quadros do Estado metropolitano. O nativismo revolucionário, sob a influência dos ideais do liberalismo e das grandes revoluções de fins do século XVIII cedeu terreno à lógica do conservar-mudando que prevalece até hoje, cabendo à iniciativa de D. Pedro I, príncipe herdeiro da Casa Real portuguesa, e não ao povo brasileiro o ato político que culminou com a Independência. A Independência do Brasil foi, portanto, uma "revolução sem revolução" porque não houve mudanças na base econômica e nas superestruturas política e jurídica da nação. O Estado que nasce da Independência mantém o execrável latifúndio e intensifica a não menos execrável escravidão fazendo desta o suporte da restauração que realiza quanto às estruturas econômicas herdadas da Colônia. O Brasil foi o último país do mundo a acabar com a escravidão no século XIX, a reforma agrária ainda está por se realizar porque a malfadada estrutura agrária baseada no latifúndio continua existindo no Brasil, modernizada na atualidade com o agronegócio, e o processo de industrialização foi introduzido tardiamente no Brasil, 200 anos após a Revolução Industrial na Inglaterra. Isto reflete o atraso econômico do Brasil em relação aos países mais desenvolvidos. As crises econômicas enfrentadas pelo Brasil ao longo de sua história não foram capazes de gerar crises políticas que levassem o povo brasileiro à revolução social e colocassem em xeque o sistema econômico e os detentores do poder visando a promoção de seu desenvolvimento econômico e social. Apesar das inúmeras revoltas populares registradas ao longo da história do Brasil, uma verdadeira revolução política, econômica e social capaz de realizar mudanças estruturais profundas e promover o desenvolvimento em benefício da população brasileira nunca aconteceu efetivamente no País. Todas as tentativas revolucionárias realizadas no Brasil foram abortadas com dura repressão pelos detentores do poder. É sabido que, no mundo, os países que avançaram politicamente são aqueles cujos povos foram protagonistas, através de revoluções sociais, das mudanças realizadas nos planos econômico e social. Ao longo da história do Brasil, é flagrante a incapacidade do povo brasileiro de assumir protagonismo nas mudanças estruturais necessárias ao progresso econômico e social do País. De modo geral, em momentos de crise política e econômica sempre ocorreram 3

acordos entre as classes dominantes e os detentores do poder político que possibilitavam manter o “status quo” como ocorreu, por exemplo, durante a “República Velha”, após a Proclamação da República em 1889 com a “política do café com leite” e, após o fim do regime militar em 1985, com a eleição indireta de Tancredo Neves à Presidência da República. Quando não houve “acordos pelo alto” ao longo da história, o Brasil foi vítima de golpes de estado como ocorreu em 1889 com o fim do Império, em 1930 com o fim da “República Velha” e em 1964 com a implantação da ditadura militar. Ao longo da história do Brasil, o povo brasileiro nunca foi protagonista das mudanças políticas, econômicas e sociais. Isto precisa mudar para que se possa construir um futuro radioso para o Brasil. A crítica situação política, econômica e social em que se encontra o Brasil no momento não comporta a conciliação “pelo alto” como o que se esboça entre os detentores do poder econômico e político para manter o governo Dilma Rousseff no poder. Tudo leva a crer que se Dilma Rousseff não for destituída do poder através de impeachment pelo crime de responsabilidade fiscal ou crime eleitoral, poderá ocorrer convulsão social com o confronto entre a grande maioria do povo brasileiro que deseja sua deposição e os partidários do governo. É preciso levar em conta as lições da história que nos ensina que a convulsão social pode levar à instauração de ditaduras de direita ou de esquerda. Este é o risco que ameaça a sociedade brasileira. Desta vez, não há espaço para conciliação “pelo alto”. O Brasil vive, portanto, momentos decisivos em sua história. * Fernando Alcoforado, 75, membro da Academia Baiana de Educação, engenheiro e doutor em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Regional pela Universidade de Barcelona, professor universitário e consultor nas áreas de planejamento estratégico, planejamento empresarial, planejamento regional e planejamento de sistemas energéticos, é autor dos livros Globalização (Editora Nobel, São Paulo, 1997), De Collor a FHC- O Brasil e a Nova (Des)ordem Mundial (Editora Nobel, São Paulo, 1998), Um Projeto para o Brasil (Editora Nobel, São Paulo, 2000), Os condicionantes do desenvolvimento do Estado da Bahia (Tese de doutorado. Universidade de Barcelona, http://www.tesisenred.net/handle/10803/1944, 2003), Globalização e Desenvolvimento (Editora Nobel, São Paulo, 2006), Bahia- Desenvolvimento do Século XVI ao Século XX e Objetivos Estratégicos na Era Contemporânea (EGBA, Salvador, 2008), The Necessary Conditions of the Economic and Social Development- The Case of the State of Bahia (VDM Verlag Dr. Müller Aktiengesellschaft & Co. KG, Saarbrücken, Germany, 2010), Aquecimento Global e Catástrofe Planetária (P&A Gráfica e Editora, Salvador, 2010), Amazônia Sustentável- Para o progresso do Brasil e combate ao aquecimento global (Viena- Editora e Gráfica, Santa Cruz do Rio Pardo, São Paulo, 2011), Os Fatores Condicionantes do Desenvolvimento Econômico e Social (Editora CRV, Curitiba, 2012) e Energia no Mundo e no BrasilEnergia e Mudança Climática Catastrófica no Século XXI (Editora CRV, Curitiba, 2015).

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