A concretude e o sonho da misericórdia

May 30, 2017 | Autor: Moisés Sbardelotto | Categoria: Iglesia Católica, Igreja Católica, Papa Francisco
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uando Jesus toca o coração de um jovem, de uma jovem, eles são capazes de ações realmente grandiosas. Em Cracóvia, na Polônia, durante a 31a Jornada Mundial da Juventude, de 27 a 31 de julho, o papa Francisco revelou aos jovens do mundo inteiro o rosto sempre jovem da misericórdia. Sob o lema “Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mateus 5,7), o encontro foi a ocasião para que Francisco pudesse mostrar, com gestos e palavras, que a misericórdia é uma mistura entre concretude e sonho, duas palavras que permearam essa histórica visita do papa à terra de São João Paulo II. Logo na acolhida aos jovens, no dia 28, Francisco indicou esse paradoxo da misericórdia. Do ponto de vista da concretude, um coração misericordioso tem a coragem de deixar a comodidade, sabe ir ao encontro dos outros, consegue abraçar a todos, sabe ser um refúgio para quem nunca teve uma casa ou a perdeu, cria um ambiente de casa e de família para quem teve que emigrar, é capaz de ternu-

ra e compaixão, partilha o pão com quem tem fome, abre-se para receber o refugiado e o migrante. Por outro lado, “dizer misericórdia junto com vocês” – afirmou o pontífice aos jovens – “é dizer oportunidade, é dizer amanhã (…) é dizer sonhos. (...) Quando o coração está aberto e é capaz de sonhar, há lugar para a misericórdia, há lugar para acariciar os que sofrem”. E afirmou: “É Jesus Cristo quem nos impele a levantar o olhar e a sonhar alto”. Nesse sentido, Francisco rezou com os jovens pela concretude do seu sonho misericordioso: “Senhor, lança-nos na aventura da misericórdia! Lança-nos na aventura de construir pontes e derrubar muros! Lança-nos na aventura de socorrer o pobre, quem se sente sozinho e abandonado, quem já não encontra sentido para a sua vida!”. Senhor, piedade – Foi a partir desse reconhecimento da concretude da misericórdia que leva a sonhar alto que Francisco fez na Polônia um dos gestos mais significativos do seu pontificado. No dia 29, ele visitou um dos

maiores campos de concentração nazistas, em Auschwitz-Birkenau, onde as estimativas históricas mais contidas apontam que, no mínimo, 1,1 milhão de pessoas – principalmente judeus – foram assassinadas nas câmaras de gás. A concretude do seu silêncio encarnou o sonho de uma humanidade em paz e reconciliada. Em Auschwitz, o pontífice também visitou a cela de São Maximiliano Kolbe, que sacrificou a própria vida para salvar a de um pai de família, primeiro agonizando sem água e comida por duas semanas e, depois, sendo assassinado por envenenamento. Nesse local que grita o sofrimento humano e conserva o mistério do mal, Francisco não pronunciou uma única palavra. No livro de ouro dos campos, o papa apenas escreveu: “Senhor, tem piedade do teu povo! Senhor, perdão por tanta crueldade!”. À noite, na homilia da Via-Sacra com os jovens, o papa refletiu sobre a importância das obras de misericórdia, que permitem encarnar o sonho da misericórdia. Nelas, afirmou Francisco, “somos chamados a servir Jesus

A CONCRETUDE E O SONHO DA

É preciso se decidir a trocar o sofá por um par de sapatos que os(as) ajudem a caminhar por estradas nunca sonhadas nem mesmo pensadas, por estradas que possam abrir novos horizontes

Na concretude da misericórdia, papa Francisco visita um dos maiores campos de concentração

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M IS E R I CÓ R DI A Moisés Sbardelotto *

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crucificado em cada pessoa marginalizada, a tocar a Sua carne bendita em quem é excluído, tem fome, tem sede, está nu, preso, doente, desempregado, é perseguido, refugiado, migrante. Ali encontramos o nosso Deus; ali tocamos o Senhor”. Mediante a misericórdia, disse o papa aos jovens, “o Senhor renova a vocês o convite para que se tornem protagonistas no serviço. Ele quer fazer de vocês uma resposta concreta às necessidades e aos sofrimentos da humanidade”. Na vigília de oração com os jovens no Campus Misericordiae, no dia 30, Francisco voltou a abordar o paradoxo da concretude e do sonho da misericórdia. Ao ouvir o testemunho de alguns jovens – como o de Rand Mittri, uma jovem síria, de Aleppo, que relatou o seu medo de morrer ou de perder a sua família por causa da guerra –, o papa ressaltou: “Para nós, hoje e aqui, provenientes de diversas partes do mundo, a dor e a guerra que tantos jovens vivem não são mais uma coisa anônima, não são mais uma notícia da imprensa. Têm um nome, um rosto, uma história, uma proximidade. (…) Ouvimos três testemunhos; 60 revista família cristã

tocamos, com os nossos corações, as suas histórias, as suas vidas”. Trocar o sofá – Diante da concretude dessas vidas, com suas alegrias e sofrimentos, Francisco lançou o seu sonho de uma juventude não mais vegetativa e paralisada, que confunde a felicidade com o sofá, que dá tranquilidade, comodidade, segurança. A concretude da misericórdia nos lança ao sonho de Jesus, Senhor do risco e Senhor do sempre mais além. “Para seguir Jesus” – afirmou o papa Francisco aos jovens –, “é preciso ter uma boa dose de coragem, é preciso se decidir a trocar o sofá por um par de sapatos que os(as) ajudem a caminhar por estradas nunca sonhadas nem mesmo pensadas, por estradas que possam abrir novos horizontes, capazes de contagiar alegria, aquela alegria que nasce do amor de Deus, a alegria que cada gesto, cada atitude de misericórdia deixa no seu coração. Andar pelas estradas seguindo a ‘loucura’ do nosso Deus, que nos ensina a encontrá-lo no faminto, no sedento, no nu, no doente, no amigo que acabou mal,

no preso, no refugiado e migrante, no vizinho que está sozinho”. Para Francisco, os jovens são uma oportunidade para o futuro, pois revelam como conviver na diversidade, no diálogo, na partilha da multiculturalidade, não como uma ameaça, mas como uma oportunidade. No gesto concreto do grande encontro de jovens de tantos países e culturas diferentes, Francisco entrevê o sonho de uma juventude que tem a coragem de nos ensinar que é mais fácil construir pontes do que levantar muros! Esse sonho, em Cracóvia, começou com a concretude de uma ponte humana primordial: dar-se as mãos. Aos olhos de um mundo em guerra, ver milhões e milhões de jovens de mãos dadas é a concretude de um sonho que aponta para uma “grande ponte fraterna (…) para continuar construindo pontes cada vez maiores. Que essa ponte humana seja semente de muitas outras”, desejou Francisco. * Moisés Sbardelotto é jornalista, mestre e doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), no Rio Grande do Sul, e La Sapienza, em Roma. É também autor de E o Verbo se Fez Bit (Editora Santuário).

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