A configuração do sintagma nominal plural do português reestruturado de Almoxarife – S. Tomé

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A Configuração do SN Plural do Português Reestruturado de Almoxarife – S. Tomé Carlos Filipe G. Figueiredo Universidade de Macau O artigo aborda a concordância variável de género e de número no Sintagma Nominal Plural da variedade africana do português falada pela comunidade crioula de Almoxarife, ilha de São Tomé. Sendo a configuração sintagmática nominal relevante para a marcação, busca-se verificar quais os seus constituintes que favorecem (ou não) a aplicação da concordância. Far-se-ão ainda comparações com a concordância variável de género e de número no Sintagma Nominal do Português Brasileiro Vernáculo da comunidade rural de Helvécia, Bahia, visando verificar a semelhança dos padrões de variação dos dois dialectos, já que ambos foram moldados por contacto e transmissão linguística irregular. O estudo assenta em pressupostos variacionistas e examina, atomisticamente, face a diferentes grupos de factores da estrutura sócio-linguística do Português de Almoxarife, quer a concordância variável do seu SN quer o desenvolvimento diacrónico deste. Ao considerar-se a interface entre as variáveis plural e género procura-se determinar, igualmente, qual delas é mais forte e revela maior integração de material morfossintático padrão. O trabalho contribui para o estudo das línguas parcialmente reestruturadas e pretende trazer mais demonstrações sobre a natureza crioulizante do dialecto de Helvécia, Bahia, e Português Brasileiro Vernáculo, uma vez que ajudará a observar paralelos entre: (1) os padrões de variação de Helvécia-Ba e Almoxarife; (2) os processos de mudança na morfossintaxe nominal do Português Brasileiro Vernáculo e Crioulos Atlânticos de Base Lexical Portuguesa; (3) o padrão de variação e mudança na morfologia flexional de género e número do Português de Almoxarife, Português Brasileiro Vernáculo e Crioulos Atlânticos de Base Lexical Portuguesa. Palavras-chave: Concordância variável de género, concordância variável de número, variantes do Português Africano, Português Brasileiro Vernáculo

1. Introdução

O presente trabalho aborda alguns aspectos da concordância variável de género e concordância variável de número no sintagma nominal (SN) plural do português da comunidade de Almoxarife (PA), São Tomé, adquirido em situação de contacto nos séculos XIX/XX e sujeito a transmissão linguística

Revista de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e Espanhola 1:1 (2009), 28-55 ISSN 1646-7000 © Revista de Crioulos de Base Lexical Portuguesa e Espanhola

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irregular (imperfect language shift) 1 . Comparações com a concordância variável de género (Lucchesi 2000a) e a concordância variável de número (Andrade 2003) do Português Brasileiro Vernáculo (PBV), da comunidade rural de Helvécia, Bahia (Helvécia-Ba), também prefigurado por contacto linguístico e transmissão linguística irregular, visam espelhar a semelhança e/ou diferença dos padrões de variação entre os dois dialectos. O SN plural do PA exibe variações, realizando construções que seguem (1), ou não (2), as normas da concordância plural e concordância de género do Português Europeu: (1) …ê tenho pena de outras ‘soas que santopêa morde. ‘eu tenho pena de outras pessoas que a centopeia morde’. [DULCEM1] (2) … coloca esse refogado as bocado dentro de essa massa… ‘coloca esse refogado aos bocados dentro dessa massa’. [DULCEM1] A abordagem comparativa à variação de concordância levará em conta resultados não só de trabalhos sobre concordância variável de género e concordância variável de número mas também de aquisição de uma língua segunda (L2). Ao obter-se mais informação acerca do desenvolvimento das concordância variável de género e concordância variável de número no interior da estrutura do SN plural, espera-se, por um lado, ajudar a trazer mais evidências sobre a natureza crioulizante do dialecto de Helvécia-Ba e PBV, e por outro lado, esclarecer: 1. se existem semelhanças e/ou dissemelhanças entre os padrões de variação 1

Se bem que os conceitos de transmissão linguística irregular (imperfect language shift) e de pidginização/crioulização digam respeito a processos históricos de contacto prolongado entre línguas, nos quais intervém um idioma que é tomado como modelo para os demais dialectos, o primeiro conceito é mais abrangente do que o segundo, visto envolver processos de natureza linguística e sócio-histórica que conduzem quer ao emergir de uma nova língua (pidgin ou crioulo) quer ao simples formar de uma nova variedade, a qual se assume como predominante na situação de contacto. Deste modo, a crioulização pressupõe uma situação de reduzido acesso à língua-alvo, determinante para o desencadeamento de um processo de reestruturação linguística e consequente aparecimento de uma nova língua caracterizada pela perda acentuada de morfologia flexional, que a torna bastante distinta das que lhe concederam os modelos iniciais para aquisição, e consequente nativização. Quanto à transmissão linguística irregular, por configurar um continuum de níveis diferenciados de socialização/nativização de uma L2 adqurida em situação sócio-histórica específica, apresenta resultados diferenciados entre si, caracterizados por uma perda de morfologia flexional que pode ir de grau mais acentuado a grau mais leve.

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de Almoxarife, cujo idioma ancestral é um Crioulo de Base Portuguesa (CP) e Helvécia-Ba, cuja língua ancestral não é um CP; 2. como actuam os processos de mudança na morfossintaxe nominal do PBV e CP’s; 3. qual o padrão de variação e mudança na morfologia flexional de género e número do PA, PBV e CP’s; 4. como se processa, numa perspectiva generativista, a construção gramatical orientada pela Gramática Universal (GU) na aquisição do Ptg L2 e Ptg L1 com input irregular.

2. Axiomas acerca da concordância variável de número e da concordância variável de género

A concordância variável de número do PBV tem sido diferentemente explicada: influência do(s) substrato(s) e posterior descrioulização (cf. Guy 1981); mudança de língua e reestruturação devido a transmissão linguística irregular de Ptg L2, configurando crioulização leve (cf. Baxter 1997); variação originada por deriva românica (cf. Naro 1981; Naro & Scherre 2000); semicrioulização de matriz sociolinguístico-histórica envolvendo deriva românica, transmissão linguística irregular influenciada pelas L1 ancestrais (cf. Winford 2003) e influência(s) de pidgins ou crioulos (cf. Holm 1998:32; 2004). Variantes do Ptg resultantes de contacto com idiomas africanos, como o Português dos Tongas (PT), da Roça Monte Café, São Tomé, e o PA, evidenciam perfis semelhantes de variação no que concerne à concordância variável de número condicionada pelo item colocado na posição imediatamente anterior ao núcleo do SN, não só entre si mas também com o PBV (cf. Lopes 2001; Andrade 2003; Baxter 2004; Figueiredo 2008). Deste modo, tem-se corroborado Guy quanto aos mecanismos responsáveis pela variação da concordância de número no SN. No que concerne à concordância variável de género do dialecto de Helvécia-Ba, a mesma revelou, por um lado, paralelos com os CP’s, traduzidos em perda de matéria gramatical da língua-alvo (LA) e, por outro lado, dissemelhanças com a fala rural baiana de Mato Grosso (Município de Rio de Contas), uma comunidade maioritariamente branca, que realiza a concordância de género quase plenamente (cf. Lucchesi 2000a). Descartou-se

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a possibilidade da variação na morfologia flexional resultar da deriva do Ptg2 e concluiu-se que, em situação de transmissão linguística irregular, os falantes das línguas de substrato, em fase pós-puberdade, exibem uma variação significativa condizente com a fase inicial e mais precária da aquisição do Ptg. Mais tarde, as novas gerações, em virtude das pressões que sofrem de cima para baixo, e que afectam a sua estrutura social, expandem a regra da concordância de género através de três princípios gerais (cf. Lucchesi 2000a): 1. Princípio da Simplicidade, que faz com que a concordância de género se fixe inicialmente nas estruturas mais simples dos SN’s, constituídas por nome (N) e determinante (DET); 2. Princípio da Integração, que leva a marcação a ocorrer mais nos itens flexionáveis à esquerda do núcleo do SN (com incidência na posição adjacente) e menos nos elementos à sua direita; 3. Princípio da Saliência, que advoga uma maior concordância de género quer para as estruturas de género com marcas mais explicitadas quer para os SN’s com núcleo preenchido (por oposição aos núcleos de categoria vazia)3. O debate sobre a intervenção da GU na aquisição de L2 tem-se centrado na questão da possibilidade de os falantes em processo de aquisição restabelecerem ou não os parâmetros instanciados na aquisição da L1. Tendo como válidas para a aquisição de uma L2 as hipóteses continuista (cf. Pinker 1994; Hyams 1987) e de maturação da L1 (cf. Borer & Wexler 1987; Radford 1990; Vainikka 1993/1994)4, então os princípios e parâmetros da GU estarão geneticamente programados para serem fixados, de modo gradual, em 2

Para Lucchesi (2000a:18 239), a variação nos mecanismos morfossintácticos de actualização da categoria gramatical de género, por não revelarem qualquer tendência de posteriorização de um –a átono final que o transforme em –o, é aquela que melhor demonstra que a variação na morfologia flexional do nome não resulta do enfraquecimento/perda das consoantes finais –s e –m (cf. Naro 1981; Naro & Scherre 2000). 3 O Princípio da Saliência cai fora do âmbito da matéria analisada no presente trabalho, pelo que não foi avaliado neste. 4 A teoria continuista (Continuity Hypothesis), defende que as gramáticas das crianças e dos adultos são em tudo semelhantes, enquanto a teoria da maturação (Maturation Hypothesis) advoga que os princípios da GU actuam logo a partir dos primeiros enunciados da criança, a que se seguem, mais tardiamente e de modo descontínuo, outros aspectos operativos (cf. Meisel 1994, 1997; Radford 1990, 1997).

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diferentes estágios de maturação. Para explicar estes aspectos, as teorizações gravitam em torno de três possibilidades: 1. A GU não está disponível para actuar na aquisição da L2, pois já desempenhou o seu papel na aquisição da L1 ou aquisição bilingue e impede os aprendentes da L2 de acederem aos princípios universais ou de estabelecerem os parâmetros (cf. Clahsen & Muysken 1986)5; 2. A GU actua na L2 através da L1, mas de forma parcial. Os erros tardios produzidos pelos falantes das L2’s devem-se à falha do restabelecimento de parâmetros (Failed Functional Features Hypothesis – FFFH), visto as categorias funcionais deixarem de estar disponibilizadas depois do período crítico do desenvolvimento (cf. Hawkins & Chan 1997). Assim, devido à FFFH, os aprendentes de L2’s, em idade pós-puberdade, elaboram construções cruzando sintaxe da L1 e itens lexicais da LA (formas morfo-fonológicas da L2 em especificações de traços da L1)6; 3. A GU actua de forma igual (total) na aquisição da L1 e da L2 (FTFA – Full Transfer Full Access Hypothesis) (cf. Schwarz & Sprouse 1994, 1996). Como tal, os aprendentes da L2 têm acesso total aos princípios e parâmetros desde o início da aquisição e até que esta se complete (cf. Montrul 2004; White 1989, 2003)7.

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Neste aspecto, Meisel (1997) assume uma posição extrema, considerando que a interlíngua da aquisição de L2 não é um sistema natural nem sistemático, uma vez que os aprendentes desta não estabelecem correctamente a dependência estrutural da sintaxe complexa. 6 Segundo Prévost & White (1999) reside também nos traços funcionais a justificação para o facto de os aprendentes de uma L2, ainda que continuadamente expostos à mesma, não conseguirem adquirir as mesmas representações sintácticas dos falantes nativos. Deste modo, os falantes da L2, apesar de alcançarem competência quanto às propriedades sintácticas distribucionais dos itens funcionais, poderão não reproduzi-las de modo sistemático porque não conseguem fazer corresponder as características formais às formas morfo-fonológicas, uma vez que não adquirem os traços gramaticais abstractos da L2, que são diferentes dos da L1. Este fenómeno foi apelidado pelos autores de “Missing Surface Inflection Hypothesis - MSIH”. 7 Para os defensores desta corrente, só com recurso à FTFA se compreende o porquê de os falantes avançados de uma LA deterem representações mentais complexas desta e que se podem diferenciar das que são elaboradas pelos falantes nativos. Contudo, o estágio final de aquisição poderá sempre ser condicionado pela variação registada nas fossilizações. É de ter ainda em conta que a perspectiva do acesso total à GU engaja na teoria continuista da disponibilidade da GU na aquisição de L1’s, levando a entender que existe continuidade no desenvolvimento linguístico de aquisição da L2.

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Trabalhos sobre aquisição de línguas romance L2 abordando falantes de línguas maternas que possuem ou não concordância de género têm evidenciado que ambos apresentam variação na aplicação da regra de concordância. Como tal, a ausência de género na L1 não é o único factor que afecta a aquisição de género na L2. Por outro lado, níveis avançados de aprendentes de L2 revelam que estes podem realizar quase plenamente quer a concordância plural quer a concordância de género (cf. Gess & Herschensohn 2001; White et alii 2004). Evidências do segundo tipo dão força aos princípios da FTFA, mas o grande número de dificuldades registado também na aquisição do género nas L2’s não permite que se retire sustentação às teorias da FFFH.

3. Metodologia

O nosso estudo incide sobre o dialecto falado por uma pequena comunidade semi-isolada e alojada na baía de Almoxarife, uma praia da zona Este da ilha de São Tomé, e que subsiste da pesca e agricultura artesanais, efectuadas à escala doméstica. Bilingues em Forro e Português de São Tomé (PST), os membros da comunidade foram afectados por preconceitos linguísticos que marginalizaram o uso do crioulo. Em consequência de tal, as novas gerações, apesar de mais escolarizadas, foram submetidas a forte input de Ptg L1 irregular durante a fase de aquisição da língua na puberdade, sobretudo em ambiente de família. No presente trabalho, debruçamo-nos sobre os dados de 18 entrevistas efectuadas a informantes de ambos os sexos, repartidos por três faixas etárias distintas8 e nascidos em Almoxarife ou redondezas, mas a residir nesta comunidade há longo tempo. As técnicas de recolha dos dados, bem como a sua preparação e tratamento para análise quantitativa, seguiram os padrões propostos por pesquisadores como Labov (Labov 1972) e Silva-Corvalán (Silva-Corvalán 1989), ou, mais recentemente, McEnery, Xiao e Yukio (McEnery, Xiao & Yukio 2006), entre outros. Os pioneiros na aplicação deste tipo de metodologia (Dickerson 1974, 1976) trouxeram à evidência que duas vertentes variacionistas se adequam aos estudos da aquisição: 8

As faixas etárias registam, entre si, um intervalo temporal de vinte anos, período este suficiente para possibilitar um estudo das mudanças ocorridas no tempo aparente, enquanto projecção do tempo real. Os conceitos de tempo real e tempo aparente, bem como a aplicação prática do segundo no estudo dos processos de mudança, encontram-se amplamente descritos em Lucchesi (Lucchesi 2000a:277-280) e Andrade (Andrade 2003:80-82).

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1. a selecção de contextos linguísticos que podem fornecer previsões de ocorrências variáveis; 2. a análise de dados que não apenas identifiquem a influência de factores internos (puramente linguísticos) e externos (sociais) na ocorrência de variáveis mas evidenciem igualmente o progresso na mudança linguística. Como tal, a nossa observação incidiu sobre dados consideravelmente numerosos, recolhidos junto de informantes cuidadosamente seleccionados e delimitados, já que os mesmos exercem ou exerceram variados tipos de profissão, frequentaram ou não a escola até diversificados graus de escolarização e enquadram diferentes escalões etários, tudo com vista não só a evitar que os dados enviesem a amostra na direcção de favorecer determinadas características linguísticas ou sociais mas aumentem também o grau de variação da língua que nos propomos analisar. Esclarece-se então que os dados que aqui se analisaram fazem parte de um corpus auditivo pertencente ao projecto “Semi-creolization: testing the hypothesis against data from Portuguese-derived languages of São Tomé (Africa)”, dirigido por Baxter (Universidade de Macau, mas à época integrando os quadros de La Trobe University, Victoria, Australia e Universidade Federal da Bahia, Brasil) e inclui 18 extensas entrevistas9 recolhidas entre Fevereiro e Maio de 1998. O trabalho de campo foi realizado pelo próprio, com a colaboração de Dante Lucchesi (Universidade Federal da Bahia, Brasil) e Nara Barreto (La Trobe University, Victoria, Australia, à época). As técnicas de recolha auditiva propostas por Labov, com vista à captação das formas vernáculas, foram meticulosamente aplicadas, a fim de se obterem registos naturais, não sujeitos a pressões normativas. Paralelamente, não foi descurada a técnica do observador-participante, que havia estabelecido relações prévias com os informantes. Deste modo, a captação auditiva decorreu em ambiente que tentou, na medida do possível, reproduzir situações coloquiais, libertando-se os informantes de pressões de natureza social, a fim de produzirem espontaneamente os seus discursos. Por seu lado, os inquéritos foram cuidadosamente elaborados em função dos objectivos que se pretendiam alcançar no trabalho de investigação. Quanto às entrevistas, versam sobre aspectos mundanos da comunidade e apelam a 9

As entrevistas possuem todas cerca de uma hora de duração, encontrando-se, portanto, proporcionalmente distribuídas em termos de extensão temporal.

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memórias históricas desta, sobretudo por parte dos informantes do grupo mais idoso. Pelo facto de as entrevistas terem ainda sido enriquecidas com um questionário etnográfico, passaram a constituir material fundamental não só para o estudo linguístico sobre as gentes de Almoxarife, em geral, mas também para a compreensão da faceta sócio-histórica, em particular, quer da comunidade quer mesmo de S. Tomé e Príncipe. As técnicas de audição e transcrição dos registos sonoros seguiram a metodologia proposta por estudiosos como Blanche-Benveniste e Jeanjean (Blanche-Benveniste & Jeanjean 1986) e foram feitas, em primeira etapa, pelos pesquisadores de campo (Baxter, Lucchesi e Barreto), contando ainda com a preciosa colaboração do seu assistente de campo local, Francisco Paulino, que forneceu informações de valor extremo para a interpretação dos dados auditivos. Posteriormente, o autor da presente trabalho procedeu a escutas extras do corpus auditivo, retocando e complementando as transcrições de acordo com a linha metodológica da representação autêntica das realizações linguísticas proposta por Poplack (cf. Poplack 1989) e Tagliamonte (Tagliamonte 2006:55-56). Os registos áudio foram ainda digitalizados pelo autor do presente trabalho, encontrando-se em arquivo e disponíveis para consultas que se entendam pertinentes em futuras investigações científicas. Para possibilitar a análise dos dados áudio-transcritos e comparar os resultados obtidos com os de Helvécia-Ba, foi necessário submeter as unidades e categorias gramaticais a um controlo de operacionalidade descritiva, de acordo com o conjunto de noções e modelos teóricos já testados quer em línguas mistas quer em idiomas não-mistos. Significa isto que foram tidos em conta dados da língua falada nas suas variedades padrão e periféricas, determinando-se, assim, as tendências de mudança. Optando por uma variedade ainda não estudada, o PA, fomos confrontados com fenómenos não observados anteriormente, cujas hipóteses explicativas poderão encontrar suporte parcial no conjunto de conhecimentos já avançados por outros linguistas, nomeadamente a partir das análises efectuadas para o PVB (cf. Braga 1977; Ponte 1979; Guy 1981; Scherre 1988; Lopes 2001; Andrade 2003). Como tal, e dado que no presente trabalho se abordam a concordância variável de género e a concordância variável de número que determinam a configuração sintagmática plural do PA, buscando verificar-se, empiricamente, quais são os constituintes do SN que favorecem a aplicação da concordância e como se processa o desenvolvimento geracional desta, a metodologia assentou em pressupostos variacionistas (cf. Sankoff, Tagliamonte & Smith 2005) e

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recorreu ao pacote de programas GOLDVARB X, a versão recente do pacote de programas VARBRUL (Pintzuk 1988), que, incidindo em métodos quantitativos, calcula pesos relativos e tem vindo a ser usada por outros linguistas em diversos estudos das diferentes concordâncias variáveis. Tecnicamente, o VARBRUL é um ferramenta poderosa e que fornece a possibilidade de se efectuarem análises de uma variável dependente que tem valores nominais, ou seja, categorias que configuram as realizações possíveis dessa variável. A opção por este tipo de ferramenta permitir-nos-á, portanto, fazer o estudo de imensos dados produzidos em situações reais de uso, isto é, a análise da variação linguística do PA, por forma a observar a sua sistematicidade, levar a cabo o seu encaixamento linguístico e, por último, estabelecer a sua eventual relação com a mudança linguística. A este propósito, nunca é demais referir que as reflexões ultimamente levadas a cabo acerca da variação e da mudança linguística, numa perspectiva sociolinguística variacionista, têm permitido um enorme entendimento não só acerca de questões puramente linguísticas mas também de aspectos essenciais das comunidades de falantes de diversos dialectos, como a sua identidade, solidariedade de grupo, prestígio ou estigmas, apenas para citar alguns. Deste modo, e para tornar a ferramenta VARBRUL operacional, partiu-se do modelo de análise preconizado pela Sociolinguística Variacionista, que sugere a codificação dos dados transcritos das entrevistas nos quais ocorre concordância variável, de acordo com factores encaixados em diversificados grupos de factores linguísticos e sociais, a fim de serem submetidos a estudo de frequências. A quantificação e codificação dos dados foi feita numa perspectiva atomística,10 seguindo-se a linha metodológica proposta, entre outros, por Braga & Scherre (1976), Braga (1977), Poplack (1980), Guy (1981), Scherre (1988), Lucchesi (2000a), Lopes (2001) ou Andrade (2003) e examinando-se as concordâncias de número e género face aos mencionados grupos de factores estabelecidos de acordo com a estrutura sócio-linguística do PA. Assim, procedeu-se à codificação dos dados do corpus que configuram SN’s pluralizáveis, constituídos pelo menos por dois elementos. Refira-se que para o modelo de codificação não foram tidos em conta os SN’s que apenas apresentam itens singulares, ainda que algum deles devesse ocorrer no plural. Tal opção fica a dever-se ao facto de, por norma, a gramática tradicional não considerar “como desvio a não marcação de plural nos dois últimos itens” (Andrade 2003:88). Contrariamente, foram levados em conta, nas nossas codificações, os elementos que exibem plurais mas não são marcados na 10

Lucchesi (2000a:22) optou por apelidar este tipo de análise de “mórfica”.

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norma padrão, uma vez que tal aspecto é entendido pelos gramáticos como desvio. Após manipulação dos dados com recurso ao GOLDVARB X, analisaram-se os resultados obtidos e procedeu-se ao estudo comparativo dos mesmos, observando-se a interface entre as variáveis plural e género, a fim de determinar qual delas é mais forte e revela maior integração morfossintática padrão. Refira-se que a análise dos resultados teve igualmente em consideração aspectos generativistas. Na perspectiva minimalista de Chomsky (1999, 2001), o género e o número são tidos como traços de categoria ø (traços de concordância que incluem informação necessária para a interpretação semântica) presentes no núcleo do SN e que estabelecem uma relação com outros traços correspondentes localizados algures na cadeia sintagmática. Em Ptg, o número é indicado normalmente pela terminação /-s/, concordando o adjectivo (ADJ) e o DET com o núcleo do SN. Porém, como os traços daqueles não são interpretáveis, poderão sofrer apagamento, originando a concordância variável na L2. Por seu lado, o género é parametrizado (não se realiza em algumas línguas) e, levando em conta que os traços não-interpretáveis são afectados na aquisição de L2 (de acordo com a FFFH), é de pressupor que os mesmos não possam ser adquiridos nesta, originando a falta de correlação de traços correspondentes no SN. Apesar de tudo, deve ser tido em conta o facto de o género dos N’s ser arbitrário11 e tal não afectar a interpretação (cf. Carstens 2000). Assim sendo, o género dos N’s pode ser adquirido isoladamente, o que não acontece com a concordância de género. A esmagadora maioria dos SN’s do PA contém apenas dois ou três elementos, configurando as seguintes possibilidades sintagmáticas: (DET) N (ADJ). Face a tal, optou-se pela perspectiva generativista que inclui a categoria funcional NUM, localizada entre o DET e o SN, onde estão também presentes os traços de número (cf. Bernstein 1993). Nesta conformidade, e dado que a posição do ADJ é fixa, o N sofre elevação, transitando da área dos componentes lexicais para a área dos itens funcionais, isto é, da posição N para NUM, configurando-se então a posição pós-nominal do ADJ. Assim, para um exemplo do tipo (3), teremos a configuração representada na Fig. 1. Por outro lado, ao elevar-se para a posição de núcleo do SN, o N entra em relação próxima com o ADJ e o DET, de forma a que os seus traços interpretativos possam proceder ao mapeamento dos correspondentes traços 11

Para Harris (1991), a terminações –o e –a não passam de marcadores de palavras, já que, ao invés de estarem confinadas a itens lexicais com género, também se encontram em outro tipo de palavras invariáveis, como advérbios ou conjunções.

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não-interpretativos, originando a concordância. (3) …as coisas imaginado ‘as coisas imaginadas’

[DULCEM1] SDET 



DET

SNUM





COISAS



AS

NUM

SN 

SN  SADJ     ADJ N  IMAGINADO    Fig. 1

4. As Experimentações 4.1 Efeito do uso do morfema de género na configuração do SN plural do PA

Iniciámos as observações com medições gerais, visando eliminar quer os grupos de factores não pertinentes para o trabalho quer as variáveis não relevantes para os efeitos exercidos nos grupos de factores, seja pelo reduzido número de ocorrências (menos de 30)12, seja por exibirem concordância plena de género. Como se pode observar na Tabela 1, o nosso corpus regista 1.437 ocorrências passíveis de marcação de género e, destas, apenas 84 revelaram

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Entre os pesquisadores que recorrem à ferramenta VARBRUL para análise da sociolinguística quantitativa é tido que trinta ocorrências é o número mínimo confiável para a determinação do peso que uma variante pode ter no grupo de factores em que está inserida. Se um determinado factor registar um número de ocorrências abaixo deste patamar, deve ser fundido a outro factor que com ele partilhe traços ou, face à impossibilidade de tal, ser excluído das rodadas VARBRUL. Os factores com menos de cinco ocorrências não são de todo confiáveis, uma vez que não representam variações comunitárias, antes poderão reflectir meros idiolectos. Como tal, deverão mesmo ser excluídos das amalgamações (Guy & Zilles 2007:153).

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ausência de concordância quando a mesma era exigida (6%)13. Tab. 1 – Marcação do género e do número no SN plural do PA GÉNERO Ocorrências Ocorrências Ocorrências Comunidade (Total) Positivas Negativas Almoxarife 1.437 1.353 84 Helvécia-Ba 4.776 4.575 201 NÚMERO Ocorrências Ocorrências Ocorrências Comunidade (Total) Positivas Negativas Almoxarife 2.605 1.408 1.197 Helvécia-Ba 2.893 1.310 1.583

% Marcação 94 96 % Marcação 54 45

Obs.: Valores de Helvécia-Ba coligidos em Lucchesi (2000a: 251), para o género, e Andrade (2003: 92), para o número.

Comparando os resultados do PA com os de Helvécia-Ba (Tabela 1), verifica-se que os percentuais apontam para padrões de marcação bastante semelhantes, apesar do segundo dialecto marcar menos o plural do que o primeiro. Em tudo o mais, o padrão registado pelo PA vem confirmar, em pleno, que a concordância plural é mais afectada pela transmissão linguística irregular do que a concordância de género. Com base neste pressuposto, Lucchesi (2000a) avançou como bastante plausível a possibilidade de a concordância de género sofrer uma expansão mais acelerada do que a concordância plural em direcção à recomposição, levando, por norma, o falante a aplicar a primeira sempre que realiza a segunda (vide exemplos 1 e 2). A medição geral dos dados revelou ainda que os grupos de factores Posição do Constituinte em Relação ao Núcleo do SN Plural e Posição Linear 13

O reduzido número de ocorrências em que se revela ausência de concordância de género, quando comparado com a elevada quantidade de construções sem concordância plural, não pode ser lido como uma expansão mais forte da primeira em termos de aproximação à concordância plena. De facto, o que aqui ocorre é um fenómeno absolutamente natural, uma vez que os SN’s que requerem a concordância de género ocorrem, no Ptg, com uma frequência bastante inferior à dos que exigem concordância plural, como o comprova o exemplo abaixo, no qual deverão acontecer obrigatoriamente três concordâncias de número (todos os elementos são flexionáveis em número) e apenas uma concordância de género, a do Det, visto o N ‘material’ e o Adj ‘escolar’ serem uniformes em género: … eu necessito os materiais escolares…

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[CASTEH1]

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do Constituinte no SN Plural não foram considerados relevantes pelo GOLDVARB X, impossibilitando perceber não só quais seriam os elementos mais passíveis de receber a marcação mas também o padrão direccional assumido pela concordância de género. Cruzaram-se então estes dois grupos, a fim de se obterem dados que permitissem comparar entre si não só as direcções assumidas pela concordância de género e concordância plural do PA mas também a configuração do SN deste comparativamente à do dialecto de Helvécia-Ba. Contudo, o grupo cruzado voltou a ser rejeitado pelo Goldvarb X e, face à ausência de dados, avaliou-se o cruzamento da Posição do Constituinte em Relação ao Núcleo do SN Plural com a Posição Linear dos Constituintes Flexionáveis em Género no SN Plural, tendo o mesmo sido seleccionado (Tabela 2). Tab. 2 – Cruzamento Posição em Relação ao Núcleo + Posição Linear do Item Flexionado. Efeito do uso do morfema de género na configuração do sintagma nominal plural do PA

Factores

Anterior não-adjacente em 1ª posição Anterior adjacente em 1ª posição Anterior adjacente em 2ª posição Posterior Adjacente em 3ª posição Núcleo em 2ª posição

Posição em Relação ao Núcleo + Posição Linear do Item Flexionado Significância = 0,017 Loglikelihood = -253,944 Nr. % pr. Tipo de Configuração 97/109 89 0,239 o meu CARRO 963/1.016 95 0,431 o CARRO 57/58 98 0,751 o meu CARRO 25/32 78 0,290 o CARRO bonito 137/138 99 0,938 o CARRO

Os resultados mostram que o núcleo do SN plural é o elemento mais relevante para a fixação da morfologia flexional de género (pr.14 0,938), apresentando uma marcação quase categórica (apenas um item não foi marcado). Paralelamente, os constituintes à sua esquerda, em posição adjacente, revelam-se mais passíveis de receber a marcação do que os situados à sua direita, também adjacentes. Assim, a posição ocupada por DET’s imediatamente à esquerda do núcleo, em segunda posição na cadeia linear, é bastante favorável à marcação (pr. 0,751), enquanto que os itens localizados na 14

Peso relativo. Na análise VARBRUL, os pesos relativos (probabilidades) devem ser lidos em função dos resultados e não das percentagens, já que estas não são indicadores fiáveis para os efeitos exercidos nos grupos de factores.

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A configuração do Sintagma Nominal Plural do Português Reestruturado de Almoxarife

primeira posição do SN plural, em estruturas com apenas dois itens, se mostram quase neutros, embora com ligeira tendência para inibirem a marcação (pr. 0,431). Comparando ainda um outro tipo de configuração sintagmática em que o DET ocorre antes do núcleo, mas na primeira posição não-adjacente, com a do item localizado em posição pós-nuclear, mas adjacente, apercebemo-nos que ambos os elementos inibem fortemente a marcação (anterior não-adjacente = pr. 0,239; posterior adjacente = pr. 0,290), mas que o DET não-adjacente (pré-nuclear) exerce uma inibição superior à do item adjacente (pós-nuclear). Face aos resultados, infere-se que a marcação de género é mais acentuada adjacentemente ao núcleo, com especial relevo para os itens situados imediatamente antes do mesmo, diminuindo a probabilidade de marcação quando o elemento se encontra mais distante do núcleo nominal ou à direita deste. Assim, estabelecem-se duas premissas para o PA, que vão totalmente ao encontro de resultados apontados por Lucchesi (2000a) para o dialecto de Helvécia-Ba: 1. existe um paralelo entre o padrão de variação da marcação mórfica de número e de género, dado que os constituintes posicionados antes do núcleo do SN revelam maior índice de marcação do que os situados pós-nuclearmente (cf. Andrade 2003; Lucchesi 2000a; Figueiredo 2008); 2. a marcação de género dá-se a partir do núcleo nominal, que surge como pólo irradiador da marcação mórfica de género, a qual se vai diluindo à medida que os elementos passam a gravitar em posições mais distantes do núcleo. A segunda premissa estabelece ainda aproximações às ocorrências dos CP’s da Alta Guiné e do Golfo da Guiné, dado que, nestes, é também a partir do núcleo que se recompõe a morfologia do género. Deste modo, configura-se um claro paralelo no plano da morfossintaxe de género entre estes CP’s, PA e Helvécia-Ba, paralelismo esse que pode ser também constatado em ocorrências que revelam perda de matéria gramatical da LA, com erosão da morfologia flexional do N afectando mais o mecanismo morfossintáctico da concordância do que a flexão mórfica do género dos núcleos nominais (cf. Chomsky 1999, 2001; Carstens 2000) que se referem a seres animados (cf. Lucchesi 2000a: 337, 338). Assim, ao desaparecer o mecanismo morfossintáctico de função meramente gramatical para a indicação do género, conservou-se a flexão deste nos N’s dos seres animados recorrendo-se ao valor

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referencial do sexo através de N’s adjectivados do tipo macho/fêmea ou homem/mulher. Ora, no caso do Forro, o valor referencial do sexo ocorre, por norma, com os N’s adjectivados ‘ome (homem) e ‘mwala (mulher), acompanhando o nome, que se mantém invariável e é usado na forma masculina: 15 (4) a.

bwe ‘ome boi homem ‘boi’

b.

bwe ‘mwala boi mulher ‘vaca’

As gerações mais idosas de Almoxarife realizam ocorrências do mesmo tipo, fazendo ainda pressupor a existência de concordância de género distintas para as diferentes faixas etárias (FE’s): (5) …dois filho mulher que tem… ‘as duas filhas que tem’

[FRANCM2]

A fim de se obterem dados sobre esta possível distinção gramatical e se observar se o ponto de entrada para a marcação do género se mantém ao longo das gerações no PA, cruzou-se o grupo de factores Faixa Etária, individualmente, com os grupos Posição do Constituinte em Relação ao Núcleo do SN Plural e Posição Linear dos Constituintes Flexionáveis em Género no SN Plural. Obtiveram-se apenas dados parciais do desenvolvimento geracional da concordância de género no SN plural do PA, tendo sido seleccionada a geração mais idosa (FE-3) e rejeitadas as duas gerações mais novas. Contudo, os dados da FE-3 (Tabela 3) confirmam o Princípio da Simplicidade, permitindo não só inferir que nesta FE se regista já um grau bastante acentuado de concordância de género em estruturas mínimas mas também constatar que na aquisição de línguas romance L2 os falantes revelam, desde o início, considerável domínio da concordância de género entre DET’s e N’s (cf. Hawkins 1998). Tab. 3 - Efeito da FE-3 (+ 60 anos) na configuração do SN Plural do PA (Concordância 15

Exemplo retirado de Ferraz (1979).

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A configuração do Sintagma Nominal Plural do Português Reestruturado de Almoxarife

variável de género)

Factores

Anterior não-adjacente em 1ª posição Anterior adjacente em 1ª posição Anterior adjacente em 2ª posição Posterior Adjacente em 3ª posição Núcleo em 2ª posição

Posição em Relação ao Núcleo + Posição Linear do Item Flexionado Significância = 0,045 Log likelihood = -59,272 Nr. % pr. Tipo de Configuração 25/29 86 0,170 o meu CARRO 195/210 93 0,518 o CARRO (10/10) 100 o meu CARRO (08/09) 89 o CARRO bonito 36/37 97 0,696 o CARRO

Os resultados da Tabela 2, aliados aos agora obtidos, mostram, uma vez mais, a tendência para a marcação do género se fixar no núcleo do SN (pr. 0,696), daí irradiando para os outros elementos da cadeia sintagmática e confirmando o Princípio da Integração. Assim, os itens adjacentes à esquerda, em primeira posição, são os que exibem maior incidência de marcação (pr. 0,518), seguindo-se-lhes os elementos não-adjacentes à esquerda, em primeira posição, que se revelam já fortemente inibidores da marcação (pr. 0,170). As restantes posições, devido ao exíguo número de ocorrências, não foram consideradas para as medições. O peso exercido pelos elementos de traços não interpretáveis na inibição da concordância, bem como a constatação de ocorrências em que é evidente a afectação do mecanismo de concordância de género dos núcleos nominais referentes a seres animados, permitem, deste modo, aventar o apagamento dos traços não-interpretáveis preconizado pela FFFH, com consequente afectação na aquisição da L2. 4.2 Efeito das categorias morfológicas na configuração do SN plural do PA (Concordância variável de género)

Dado que os resultados verificados em estudos sobre aquisição de L2 têm conduzido a diferentes conclusões sobre o modo como esta ocorre, observou-se também o comportamento dos diferentes itens morfológicos da cadeia do SN plural (antes e depois do nome), uma vez que este grupo foi considerado relevante pelo programa.

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Tab. 4 - Efeito da marcação do género lexical na configuração do SN plural do PA (Concordância variável de género) Factores Item masculino Item feminino Item de dois géneros (uniformes)

Género Lexical do Núcleo do SN Significância = 0,009 Log likelihood = -249,195 Nr. % pr. 143/145 99 0,677 21/23 91 0,009 -

Poder-se-á assim entender não só quais são os elementos do núcleo com marcação lexical de género que mais favorecem a marcação (Tabela 4) mas também perceber como é que os constituintes do SN plural concorrem para a configuração da concordância variável de género neste (Tabela 5). Os dados da Tabela 4 demonstram que os informantes do PA não fogem a um fenómeno já registado desde longa data em pesquisas sobre aquisição do género16: os falantes de uma L2 realizam mais a concordância com o núcleo nominal masculino (pr. 0,677) do que com o núcleo nominal feminino, que inibe quase completamente a marcação (pr. 0,009). Confirma-se assim a hipótese de ocorrer adopção de um dos géneros por defeito, em detrimento do outro17, detectada em trabalhos sobre aquisição de línguas romance L2 (cf. Hawkins, 1998) e traduzida pelo uso de formas masculinas em estruturas que requerem o feminino, mas passível de ser regularizada em estágios avançados de aquisição L2, segundo alguns generativistas defensores da FTFA (cf. Franceschina 2001; Bruhn de Garavito & White 2002; White et alii 2004). Para se tentar confirmar o aspecto referido anteriormente, isto é, se há expansão da regra de concordância de género, começámos por analisar o comportamento dos diferentes itens morfológicos da cadeia do SN plural (Tabela 5).

16

Para dados mais detalhados sobre esta ocorrência, veja-se Baxter, Lucchesi & Guimarães (1997). 17 Segundo Lucchesi (2000a), a concordância de género ocorre também em maior frequência com os substantivos de tema em –a do que com os de tema em –o, em virtude da analogia da primeira vogal com a da morfologia do feminino.

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Tab. 5 – Categoria Morfológica (3 Faixas Etárias e Comunidade) – Efeito dos elementos gramaticais na configuração do SN plural do PA (Concordância variável de género) Faixa Etária 1 Faixa Etária 2 (20 - 40 anos) (41 - 60 anos) Factores

Substantivo Cat. Substantivada Artigo Adjectivo Numeral Possessivo Demonstrativo Indefinido Quantificador

Factores

Substantivo Cat. Substantivada Artigo Adjectivo Numeral Possessivo Demonstrativo Indefinido Quantificador

Significância = 0,000 Log likelihood = -59,307 Nr. % pr. 49/49 100 (11/11) 100 277/284 98 0,513 19/24 79 0,122 68/68 100 (13/13) 100 60/70 86 0,686 49/49 100 33/40 83 0,375 Faixa Etária 3 (+ 60 anos)

Significância = 0,002 Log likelihood = -125,670 Nr. % pr. 46/47 98 0,850 (11/11) 100 185/190 97 0,646 (08/13) 62 59/73 81 0,183 (15/17) 88 60/70 86 0,330 (24/25) 96 33/40 83 0,288 Comunidade (FE-1 + FE-2 + FE-3)

Significância = 0,045 Log likelihood = -59,272 Nr. % pr. 35/35 100 (09/10) 90 113/115 98 0,783 (07/07) 100 47/58 81 0,089 (06/06) 100 31/34 91 0,340 (07/05) 71 30/31 97 0,575

Significância = 0,009 Log likelihood = -249,195 Nr. % pr. 130/131 99 0,982 31/32 96 0,415 575/589 98 0,560 34/44 77 0,126 174/199 87 0,162 34/36 94 0,367 165/179 92 0,333 78/81 96 0,467 113/124 91 0,327

Os resultados permitem constatar que o N, isto é, o núcleo do SN, detém um peso relativo de marcação quase categórico (pr, 0982), que chega a ser pleno nas FE-1 e FE-3 (100%). Por seu lado, o comportamento dos DET’s permite observar, mais uma vez, a força irradiadora do género a partir do núcleo nominal. Assim, e a fim de se avaliar com mais exactidão como é que essa força concorre para a marcação mórfica do género nos diferentes itens morfológicos que gravitam em torno do núcleo no SN plural, cruzaram-se os grupos de factores Classe Morfológica e Posição Linear dos constituintes (Tabela 6). Deste modo, a leitura e comentário dos dados expressos nas Tabelas 5 e 6 passarão, doravante, a ser analisados levando em conta a interface dos resultados expressos em ambas.

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Tab. 6 – Cruzamento Categoria Morfológica + Posição Linear dos Itens do SN Plural (Rodada Geral). Efeito dos elementos gramaticais na configuração do SN plural do PA (Concordância variável de género)

Factores

Artigo anterior não-adjacente Artigo imediatamente anterior Numeral imediatamente anterior Possessivo imediatamente anterior Demonstrativo imediatamente anterior Quantificador imediatamente anterior Adjectivo posterior adjacente Substantivo núcleo Categoria substantivada núcleo

Categoria Morfológica + Posição Linear dos Itens no SN Significância = 0,.014 Log likelihood = -260,252 Tipo de Nr. % pr. Configuração 55/59 86 0,170 o meu CARRO 520/530 98 0,518 o CARRO 142/160 89 0,378 duas CASAS 35/33 94 0,397 o meu CARRO 159/172 92 0,355 este CARRO 92/99 93 0,315 poucos CARROS 25/32 78 0,132 o CARRO bonito 129/130 99 0,899 o CARRO 30/31 97 0,653 o JOVEM formado

Voltando à leitura dos dados dos DET’s, deixada em aberto, é possível confirmar que os mesmos, quando situados pré-nuclearmente, tendem a receber mais a marca de género do que quando localizados pós-nuclearmente. Os demonstrativos, situados em posição pré-nuclear, por exemplo, inibem bastante a marcação (pr. 0,355 – Tabela 6) e as suas medições são seleccionadas pelo GOLDVARB X para todas as faixas etárias (Tabela 5). Quando ocorrem à direita do núcleo, e a exemplo de todos os outros DET’s, registam taxas de frequência muito baixas, que os levam a ser excluídos das tabelas de medição: posições pós-nucleares, adjacente e não-adjacente = 1 ocorrência cada. Assim sendo, a única categoria morfológica em posição pós-nuclear tida como relevante para a configuração da marcação do género no SN plural é o ADJ em localização adjacente, mas com uma probabilidade de ocorrência altamente inibidora e inferior à de todas as outras categorias pré-nucleares (pr. 0,132 – Tabela 6). Já em posição posterior, não-adjacente, apenas se registaram 7 ocorrências, 4 das quais marcadas. Esta mesma categoria, quando situada em posição pré-nuclear adjacente, apenas registou 5 ocorrências, mas com uma percentagem de marcação total (100%). O comportamento do ADJ, aliado ao dos DET’s, em geral, vem trazer à evidência, uma vez mais, o paralelo de concordância entre marcação de número e marcação de género: os itens em posição pré-nuclear são os que têm mais

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tendência para receber a marcação mórfica de concordância. Por outro lado, constata-se igualmente que estes elementos têm um papel mais activo na construção estrutural da concordância, relegando os itens pós-nucleares para funções sintácticas de mera adjunção. Registe-se ainda que as ocorrências referidas são em tudo semelhantes às apontadas quer para a concordância variável de número do dialecto de Helvécia-Ba (cf. Andrade 2003) quer para a concordância variável de género do mesmo idioma (cf. Lucchesi 2000a), o que configura comportamentos de aquisição perfeitamente paralelos em situações de transmissão linguística irregular, caso a língua ancestral seja ou não um CP. Se, nas gerações mais idosas, a ocorrência de substantivos com função adjectival de género junto dos N’s referentes a seres animados fez levantar a hipótese de gramáticas distintas para as diferentes FE’s, o perfil do comportamento geracional de itens morfológicos como o artigo (FE-3 = pr. 0,783; FE-2 = pr. 0,646; FE-1 = pr. 0,513) ou o quantificador (FE-3 = pr. 0,575; FE-2 = pr. 0,288; FE-1 = pr. 0,375) não só o comprova como revela ainda que a inibição dos mesmos se acentua nas gerações menos idosas. Como estas tendem também a ser as mais escolarizadas, em algum momento deveria ocorrer uma tendência para a expansão da concordância de género, confirmando o princípio continuista advogado pela FTFA. Como tal não surge patente, optou-se por se obter dados mais pormenorizados sobre os efeitos do Nível de Escolaridade (Tabela 7) e da Faixa Etária (Tabela 8) na configuração do SN plural do PA, procurando assim detectar-se o ponto de partida dos processos de mudança em curso e quais os seus vectores direccionais. 4.3 Desenvolvimento geracional da configuração do SN plural do PA (Concordância variável de género)

Os resultados da variável Nível de Escolaridade (Tabela 7) indiciam que há uma relação causa/efeito sugerindo expansão da regra concordância de género à medida que aumenta o grau de escolaridade: pr. altamente inibidor nos analfabetos = pr. 0,219; pr. quase neutro para os semianalfabetos = pr. 0,527; pr. moderadamente favorecedor para os mais escolarizados = pr. 0,622 e pr. 0,589. Estes resultados, aliados aos de alguns elementos morfológicos (Tabela 5), parecem voltar a indiciar uma tendência para a expansão da concordância de género. Assim, demonstrativo começa por se revelar bastante inibidor da marcação (pr. 0,340 na FE-3; pr. 0,330 na FE-2) e evolui para elemento relativamente favorecedor desta na FE-1 (pr. 0,680). Situação similar é manifestada pelo numeral, que emerge como o elemento mais inibidor da

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marcação nas primeiras gerações (pr. 0,089 na F-3; pr. 0,183 na FE-2) e surge totalmente marcado na FE-1, apesar de possuir mais ocorrências nesta do que em qualquer outra das FE’s 18 . Não obstante, e como se viu, este comportamento não encontra paralelo no dos artigos e quantificadores. Tabela 7 – Efeito do factor Escolaridade na configuração do SN plural do PA (Concordância variável de género) Faixa Etária 1 (20 – 40 anos) Factores

Analfabeto Semianalfabeto Ensino primário Ensino preparatório

Factores

Analfabeto Semianalfabeto Ensino primário Ensino preparatório

Faixa Etária 2 (41 – 60 anos)

Significância = 0,000 Log likelihood = - 59,307

Significância = 0,002 Log likelihood = - 125,670

Nr. % 220/227 97 204/207 99 195/201 97 Faixa Etária 3 (+ 60 anos)

Nr. 102/131 65/68 280/295 -

pr. -

% pr. 78 0,246 96 0,634 95 0,592 Comunidade (FE-1 + FE-2 + FE-3)

Significância = 0,045 Log likelihood = - 59,272

Significância = 0,009 Log likelihood = - 249,195

Nr. 143/160 144/148 -

Nr. 245/291 429/443 484/502 195/201

% 89 97 -

pr. 0,339 0,673 -

% 84 97 96 97

pr. 0,219 0,527 0,622 0,589

As duas últimas categorias morfológicas (artigos e quantificadores) acabam por levantar a ponta do véu para uma revelação que contraria os pressupostos da FTFA: a expansão geracional no sentido da aquisição plena da concordância de género não é uma realidade em Almoxarife, o que acaba por ser confirmado através dos resultados da variável Faixa Etária (Tabela 8). Estes itens demonstram, outrossim, que os índices alcançados pela FE-1 (pr. 0,556) continuam muito próximos da marcação neutra e não suplantam a performance da geração mais ancestral (pr. 0,597).

18

Andrade (2003) considera o numeral o item mais influente para a concordância variável de número, em virtude de ser um morfema semanticamente transparente, logo mais apreensível em situações de contacto linguístico.

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Tabela 8 – Efeito do factor Idade na Configuração do SN Plural do PA (Concordância variável de género) Factores Faixa etária 1 (20 – 40 anos) Faixa etária 2 (41 – 60 anos) Faixa etária 3 (+ 60 anos)

Faixas Etárias Significância = 0,014 Log likelihood = -260,252 Nr. % 619/635 98 447/494 91 227/308 93

pr. 0,556 0,370 0,597

Os resultados das FE’s permitem então constatar que a marcação positiva do género se manifesta logo na FE-3, a qual revela o índice mais elevado de favorecimento à marcação (pr. 0,597), confirmando-se em definitivo o Princípio da Simplicidade. A marcação género irradia depois a partir do núcleo nominal (o substantivo), como se pode verificar na Tabela 5 (35 ocorrências, com uma percentagem de marcação de 100%), afectando mais fortemente os elementos pré-nucleares adjacentes (Tabela 3) e sustentando também o Princípio da Integração. Os informantes mais velhos de Almoxarife, todos bilingues em Forro e Ptg L2, são, pois, os responsáveis pela transmissão irregular de Ptg L1 às gerações seguintes que, paralelamente, e como se alvitrou antes, vão aumentando progressivamente o seu grau de escolaridade, até irradicação total do analfabetismo na FE-1 (vide Tabela 7). Contudo, e como se referiu, as gerações mais novas não confirmam que a expansão da concordância de género é uma realidade na comunidade, já que a inibição se acentua fortemente na FE-2 (pr. 0,370 – Tabela 8), para voltar depois, na FE-1, a estabilizar-se em valores próximos aos dos registados na ancestralidade (pr. 0,556 – Tabela 8), mas sem os suplantar. Assim, parece ancorar na FE-2 a responsabilidade pela mudança da variação verificada na F-3, já que as flutuações aqui registadas haviam também sido detectadas na marcação de número (cf. Figueiredo 2008), o que indicia um continuum de hesitações na realização da concordância, talvez explicadas pelo facto dos falantes mais escolarizados passarem também a realizar SN’s estruturalmente mais desenvolvidos. Contudo, também não é de descartar a possibilidade da falha do restabelecimento dos parâmetros preconizada pela FFFH ser responsável por variações fossilizadas, que os falantes mais novos não conseguem suplantar, pelo facto de se terem perdido os traços virtuais não especificados das categorias funcionais nas gerações mais antigas. Assim, o máximo que as gerações mais novas conseguem fazer é apenas perpetuar a L1 adquirida em situação de transmissão linguística irregular, reproduzindo perfis sintagmáticos que configuram crioulização leve e cujas concordância

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variável de género e concordância variável de número são em tudo semelhantes às já previamente desenhadas pelas gerações ancestrais. Neste aspecto, o PA não acompanha totalmente o contorno do dialecto de Helvécia-Ba, cuja concordância de género se encontra bastante mais próxima da LA e a revelar acelerada expansão. A causa de tal dissemelhança poderá enraizar em aspectos como estadias fora da comunidade e contacto com falantes de outras variantes, muito mais frequentes por parte dos membros de Helvécia-Ba.

5. Conclusão

No presente estudo, observou-se o padrão da concordância variável de género no SN plural do PA, um idioma cuja língua ancestral é um CP, estabelecendo-se paralelos com a concordância variável de número do mesmo idioma e com o padrão de concordância do dialecto de Helvécia-Ba, cuja língua ancestral não é um CP. O PA revelou padrões de comportamento bastante semelhantes aos de Helvécia-Ba, com os dois dialectos mostrando que a concordância plural é mais afectada pela transmissão linguística irregular do que a concordância de género. Confirmado ficou também que, em ambos os dialectos, o núcleo do SN é o item responsável pela fixação da morfologia flexional do género e irradiação da concordância de género, que marca mais acentuadamente os elementos adjacentes ao núcleo, especialmente os situados imediatamente antes deste. A inibição à marcação aumenta com o afastamento dos itens na cadeia sintagmática ou sua colocação à direita do núcleo, posição esta que lhes atribui função de mera adjunção. Estes aspectos contrariam, por um lado, o processamento paralelo advogado por Scherre (1988) de que a presença de marca no DET conduz à marcação nos itens posteriores e, por outro lado, encontram sustentação quer na correlação entre Princípio da Simplicidade e Princípio da Integração quer nos princípios advogados pela FFFH, que preconizam o apagamento dos traços não interpretáveis dos elementos funcionais ou não parametrizados adquiridos em fase pós-puberdade. Daqui resulta ainda o aparecimento quer de N’s cuja flexão género se processa com recurso ao valor referencial do sexo quer de concordância que adopta um dos géneros por defeito, mormente o masculino em estruturas que requerem o feminino. O princípio continuista defendido pela FTFA não foi confirmado nas nossas constatações, que revelaram que o PA apresenta, neste aspecto, alguma dissemelhança em relação ao dialecto de Helvécia-Ba. O comportamento dos

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itens morfológicos mostrou-se difuso, já que alguns sugerem expansão da regra de concordância de género, enquanto outros indiciam o oposto. Observando-se o nível de escolaridade e o comportamento geracional dos falantes, confirmámos a existência de gramáticas diferentes para as várias FE’s, mas que as mais escolarizadas (consequentemente as mais novas), quando comparadas com as não-escolarizadas, apesar de recorrerem a estruturas mais complexas que envolvem concordância de género, não levam a cabo a expansão da regra de concordância de género, acabando, isso sim, por confirmar a mudança. Assim sendo, a concordância de género do PA revela menor expansão do que a do dialecto de Helvécia-Ba, sugerindo que se proceda a estudos posteriores sobre esta e outras questões, como a análise da concordância de género no SN singular, as estadias fora da comunidade ou o apuramento do comportamento difuso dos itens morfológicos, a fim de se conseguirem conclusões mais sólidas e que ajudem a perceber melhor o perfil da concordância variável das línguas parcialmente reestruturadas, como o PA. Apesar de tudo, e dado que os perfis de variação das marcações plural e de género no PA e em Helvécia-Ba resultam do desenvolvimento afecto à transmissão geracional, parece resultar inquestionável que as estruturas das L1 africanas exercem influência, conjuntamente com as do crioulo, na configuração do SN do Ptg L1 adquirido em situação de transmissão linguística irregular, estando a concordância variável sujeita a condicionantes que ancoram na aquisição do Ptg L2 e L1, em situações de contacto que envolvem estruturas de Ptg L2 influenciadas pela línguas africanas ancestrais. Efectivamente, o estudo comparativo dos dois idiomas parcialmente reestruturados aqui levado a cabo aponta para a evidência de um facto comum a ambos, no que concerne à concordâcia plural variável: a marcação em número é fortemente condicionada pelo item colocado na posição imediatamente anterior ao núcleo do SN, a sugerir a hipótese de existirem influências das línguas de substrato Banto (cf. Guy 1981) motivando essa variação, já que nestas predomina o uso de marcadores pré-nominais, em forma de prefixo ou clítico. Em adição, os padrões estruturais da variação de género das duas comunidades estabelecem também paralelos não só entre si mas igualmente com os processos de mudança que afectaram a concordância de género do português na formação dos Crioulos Atlânticos de Base Lexical Portuguesa. Nesta conformidade, o mecanismo morfossintáctico da concordância de género, que no português tem a finalidade de indicar o género gramatical de forma exaustiva, foi praticamente eliminado nos referidos crioulos por não apresentar relevância no plano da informação referencial, tendo o PA e Helvécia-Ba herdado esta particularidade por transmissão

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linguística irregular inerente ao contacto entre línguas. Deste modo, a marcação de género é feita principalmente no nome núcleo do SN com flexão de género, e secundariamente em alguns adjectivos. Devido ao intensificar da influência da língua-alvo, ocorreu uma progressiva recomposição dos mecanismos morfossintácticos da concordância de género nos dois dialectos em estudo, com a marcação de género expandindo-se a partir do nome núcleo para se fixar na estrutura do SN, orientado-se, como se viu, para os elementos à esquerda do nome e, marginalmente para os itens à direita deste. A perda de matéria gramatical da língua-alvo detectada nos dois dialectos determina diferentes estádios de desenvolvimento da marcação variável de género nos mesmos, já que as condições sócio-históricas em que as duas comunidades se formaram configuram contextos distintos. De facto, o conjunto de situações em que a língua portuguesa se foi difundindo pelo Brasil não criou condições favoráveis à formação e estabilização de um CP, pelo que Helvécia-Ba retrata um caso típico de contacto linguístico mais leve que o de Almoxarife, no qual o acesso à língua-alvo foi mais restrito e permitiu o nascimento e estabilização do Forro, enquanto substrato do PA.

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