A conquista do espaço, uma abordagem histórica

September 16, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: Nasa, SATELITE, História Contemporânea (Século XIX e XX)
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FUNARI, P. P. A. . A conquista do espaço: uma abordagem histórica. In: Maria Filomena Fontes Ricco; Pedro Paulo A. Funari; Aline Vieira de Car valho. (Org.). Espaço exterior, Ciência, tecnologia, ambiente e sociedade. 1ed.Erechim: Hábilis, 2011, v. 1, p. 15-20.

A conquista do espaço: uma abordagem histórica

Pedro Paulo A. Funari1

A conquista do espaço sideral insere-se numa longa trajetória da Humanidade, desde os primeiros foguetes lançados na antiga China (Angelo 2006: 2), no século XIII. Naqueles séculos, contudo, os céus continuavam como uma aspiração longínqua, mais próxima da percepção de um mistério aspirado do que uma realidade possível de ser alcançada. Ícaro (Ovídio, Metamorfose 8, 183-235), com seu vôo mitológico, mostrava tanto a atração quanto as frustrações do ser humano com relação aos ares. Seria apenas com a industrialização dos séculos XVIII e XIX que seria possível o desenvolvimento tecnológico e científico necessário para que o domínio dos ares se desenvolvesse (Bowdoin van Riper 2004). Esses avanços foram o resultado, também e em não menor medida, dos confrontos imperialistas entre as principais potências bélicas, interessadas no uso militar dessas tecnologias (Magnoli 2006).

O século XX, já nos seus primeiros anos, foi decisivo para esse domínio primeiro dos ares e, em seguida, do espaço sideral. A invenção do aeroplano foi potencializada pelo uso militar da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), assim como os foguetes foram desenvolvidos de maneira decisiva para fins militares no período 1

Pedro Paulo A. Funari é professor do Departamento de História e Coordenador do Centro de Estudos Avançados da Universidade Estadual de Campinas.

entre-guerras (1918-1939), tendo levado aos primeiros mísseis suborbitais, os pioneiros V1 e V2 (Reuter 1998). Como ressaltou Walter A. McDougall (1982: 1013):

“As raízes da Era Espacial estão, na verdade, localizadas no final da década de 1930, quando uma cooperação peripatética entre fogueteiros e os establishments militares nacionais foi inaugurada”

Os estragos das bombas V2 em Londres logo levaram à conclusão que o futuro militar estaria ligado ao desenvolvimento dessa tecnologia (Tangye 1945).

As

explosões nucleares que destruíram Hiroshima e Nagasaki apenas reforçaram a importância dos mísseis como vetores de artefatos nucleares, o que viria a ocorrer ao final da década de 1950, com os foguetes soviéticos R7 e os americanos Atlas, em 1957.

A Guerra Fria (Painter 1999) iniciou-se com o fim da Segunda Guerra Mundial e com a contraposição entre os países ocidentais, defensores da democracia e do capitalismo e a União Soviética e seus aliados, com seu sistema político de partido único e economia estatal. Por longas décadas (1947-1989), opuseram-se Ocidente e Oriente, Capitalismo e Comunismo, Liberalismo e Estatismo, até o fim da União Soviética e o declínio acentuado do estatismo na economia, ainda que o partido único tenha continuado a balizar a vida política de países como a China, hoje uma das potências espaciais.

Durante aquele período de Guerra Fria, o grande questão estratégica mundial foi o poderio militar das duas super-potências, na forma dos seus arsenais atômicos. O que garantia a bi-poloridade era esse arsenal nuclear e foi para desenvolver os mísseis de longo alcance que se aprimorou a tecnologia dos foguetes (Levine 1994). Os soviéticos, com sua economia centralizada, planejada e militar, concentraram seus esforços no sentido de dominarem o espaço sideral, que parecia, na década de 1950, de importância capital para a supremacia militar. Os americanos, com sua economia de mercado e em pleno boom, voltavam-se para satisfazer ao crescente consumo das classes médias, na forma da produção de todo tipo de produto de massa, de carros a filmes (Vatter 1984). Por isso, os soviéticos conseguiram lançar o primeiro satélite, o Sputnik, em 1957, o primeiro animal, a cadela Laika, em 1957, e o primeiro homem, Iuri Gagarin, em 12 de abril de 1961. Para soviéticos e norte-americanos, a ciência de construção de mísseis e foguetes ligava-se ao aprimoramento da economia, por meio da inovação científica e tecnológica (Bille e Lischock 2004), em ambos os países com uma forte participação do Estado na organização tanto da pesquisa, como da aplicação tecnológica (Audretsch 1995). Isto se devia, em primeiro lugar, às implicações militares dessas atividades, pois, em qualquer estado moderno, as forças armadas e o uso da força são apanágio da nação (Weber 1922: 29) e coube a ambas as potências centralizar as pesquisas e tecnologias.

Os norte-americanos reagiram aos avanços iniciais dos soviéticos com a criação da NASA, em 1958, ainda na presidência do General Eisenhower (1953-1961), mas foi o presidente John Kennedy, em 1961, a decidir por um incremento substancial do programa espacial e pelo desafio de colocar um homem na lua antes do fim da década de 1960 (Ruffner 1995). Para isso, a NASA, um órgão estatal e civil (Logsdon 19952008), passou a contar com muitos fundos e com a criatividade de engenheiros e

cientistas que desenvolveram algumas tecnologias que poderiam florescer no ambiente de liberdade política e de mercado, mas que não encontravam paralelo na União Soviética, pelo regime estatal e de partido único. Assim, dois aspectos tecnológicos foram de particular relevância: a computação e as comunicações por satélite. Ambas tiveram aplicações civis e de mercado, com a criação, ainda antes do fim da Guerra Fria, dos computadores pessoais (Noyes 2001: 12) e da comunicação a longa distância e de massa por satélite (Moran 2010: 266-268). A União Soviética não tinha interesse estratégico nos computadores pessoais e a comunicação por satélites, embora tenha sido muito útil para o estado soviético, era limitada aos fins do estado, na medida em que não havia veículos de comunicação privados.

O programa espacial americano, após a chegada à lua, em 1969, e alguns pousos até 1972, mudou de rumos e voltou-se para aspectos mais práticos, com pesquisas na órbita terrestre. Para isso, foi desenvolvido o programa de um ônibus espacial (space shuttle), com o primeiro lançamento em 1981 e durante essa década multiplicaram-se os lançamentos e naves. Os soviéticos centraram-se na manutenção dos foguetes tradicionais e no desenvolvimento de estações espaciais, Salyut (1971) e Mir (19861998), enquanto os americanos desenvolveram o Skylab (1973-1979). O fim da Guerra Fria, com o desaparecimento da União Soviética, em 1989, marcou, também, o encerramento formal da corrida espacial. A partir daí, a cooperação entre os Estados Unidos, a Rússia e outros atores, como a União Européia, mas também os japoneses e canadenses, entre outros, marcou a nova fase, até os dias de hoje, com a Estação Espacial Internacional, International Space Station (ISS), de 1998 em diante.

O fim da tensão nuclear entre as duas super-potências levou a relações internacionais baseadas em outros parâmetros, com conseqüências profundas para a pesquisa e exploração espacial. Por um lado, não houve desafio mais profundo à supremacia militar dos Estados Unidos, que, sob o ponto de vista militar tornou-se a única super-potência e, neste aspecto, o mundo caminhou para o poder militar discricionário dos Estados Unidos (Fukuyama 1992), consubstanciado nas guerras do Golfo, balcânicas, do Afeganistão e Iraque. Por outro lado, em termos econômicos, houve desde 1989 uma descentralização crescente, com o desenvolvimento das economias da Europa, primeiro, e depois da Ásia e, mais recentemente, de outros países denominados emergentes (Funari 2011). Isso explica as características recentes da pesquisa espacial, com a diversificação dos atores e com mudanças substanciais tanto nas características, como nos objetivos dessa exploração (Corcoran & Beardsley 1990).

Os aspectos econômicos, voltados para o uso de satélites de comunicação, assim como relativos à coleta de informações de posicionamento e localização, foram muito desenvolvidos, tendo em vista o surgimento e expansão da comunicação online imediata, desde a popularização da internet, na década de 1990 (Taylor 2005; Leiner et alii 2009). As viagens espaciais tripuladas centraram-se em estações espaciais transnacionais, com a exceção da manifestação política chinesa, que visou colocar seus astronautas no espaço, de forma autônoma e independente e, portanto, com objetivos estratégicos e militares (Martel & Yoshihara 2003; Seedhouse 2010). Nos Estados Unidos, a desativação dos ônibus espaciais, a partida da década de 2010, parece indicar uma inflexão em direção à política de laissez-faire e de incentivo à introdução das empresas privadas na gestão de viagens espaciais (The Economist 2011).

A corrida espacial marcou toda a História recente da humanidade, tanto em termos estratégicos, como pelas conseqüências de aplicação das tecnologias desenvolvidas para a conquista do espaço. O mundo globalizado de nossos dias não pode ser entendido sem a disputa entre Estados Unidos e União Soviética pelo espaço sideral, desde a década de 1940, e sem as transformações desde o fim da Guerra Fria (1989), com multiplicação de atores e diversificação de estratégias e interesses. A conquista do espaço sideral marcou de forma decisiva a sociedade moderna e continua crucial nos dias de hoje.

Agradecimentos

Agradeço a Filomena Ricco, Demétrio Magnoli e Patricia Mariuzzo. Menciono o apoio da FAPESP, CNPq e Unicamp. A responsabilidade pelas ideias restringe-se ao autor.

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P.P.A.

Corrida

especial

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Guerra

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