A consciência Moral

August 12, 2017 | Autor: Leonardo Teixeira | Categoria: Teologia, Filosofía, Antropología filosófica, Sociología, Antopologia, Antropología Teológica
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1-Introdução
 
A palavra "Moral" origina-se diretamente de "mos"-"mores" do latim. Os
gregos preferiam falar "Ética". A riqueza deste termo nos possibilita a
descer a uma profundidade nem sempre conservada pela palavra "Moral". O
termo "Ethos" remete para casa, moradia, identidade. Designa o vigor que
mantém e alimenta a identidade profunda de um povo. Enquanto a palavra
"Moral" designa costume e/ou comportamentos e/ou regras que regem nossa
vida Ela tem como fundamento apontar normas, princípio e valores que
orientem o agir humano .
A moral, dessa forma, quer ser uma busca responsável de princípios e
valores que regem de maneira qualitativa a vida humana. Em contraposição a
isso há um costume de visualizar a moral no âmbito "legalista", ou seja,
restringi-la como produtora de "leis"; "normas". Esta não é a função da
moral, outrossim, ela está proposta como um dinamismo que propicia ao ser
humano a construção de um mundo melhor onde os valores da justiça, da
lealdade, da transparência e da dignidade que, ao se unirem as diferentes
dimensões do ser humano, colaboram para sua felicidade e realização.
A moral designa a ação e/ou costume do homem, ou seja, a ação que o homem
propõe para esta realidade. Esta ação é sempre remediada pelo bem de sua
própria identidade. Em uma frase: toda ação que tem como propósito o bem
comum da morada humana, da identidade, do valor do ser humano .
Portanto, a moral busca a coerência, a autenticidade e a sinceridade. Busca
um caminho possível no qual o homem possa se realizar na sua condição
pessoal, comunitária e social. Ela sempre nos leva a uma reflexão da
realidade nos indicando quais os valores são pertinentes a realização
humana.
A moral tem sua raiz no ethos, ou seja, na morada e/ou no lugar onde se
vive. Somos seres que tem uma origem, um local de referência, o nosso
"ninho". É a partir dele que recebemos os valores , que organizamos nossa
vida. A nossa ação no mundo está ligada a esta condição primeira. Todas as
normas, regras , códigos são "originados" na nossa origem. E eles sempre
estão propostos para o bem da comunidade, para a vida da comunidade e do
homem que nela vive
2-A consciência moral
 2.1-Introdução
 
O homem não está programado como os demais seres, ao contrário, ele tem, em
si, uma capacidade de autoprogramar-se. Ele cria os seus próprios ideais. E
a partir desse pressuposto ele compara a realidade e define o que quer e o
que não quer para si. Ele não é comparável a uma árvore ou a um animal, que
não conhece o futuro de sua vocação. O homem é um ser que interroga. Deve
tomar sua vida em mãos e buscar-lhe o sentido. Na medida em que vive, de
uma maneira autêntica, vive a partir de valores e se deixa guiar por eles
para dignizar a sua vida.
Essa característica é a consciência, ou seja, a capacidade de visualizar a
realidade e definir o seu espaço dentro da mesma. Essa é a raiz, o elemento
da constituição moral. Essa capacidade o faz distinguir-se da realidade. A
consciência é compreendida, então, como ato, ou seja, o ato de tornar o
mundo um objeto de compreensão e de se definir-se como sujeito face aos
objetos do mundo. O ato da consciência defini o homem como sujeito.
Ao ser sujeito o homem compreende o caráter da sua liberdade. Ela está
proposta de acordo com a responsabilidade. Só é possível ser livre quem é
responsável. Esse dado, a responsabilidade, ajuda o homem a discernir os
seus atos. A consciência da liberdade, conduz o homem a uma
responsabilidade madura na qual ele em qualquer situação de sua vida toma
decisões maduras.
 
2.2 - Definição da consciência moral
É como sujeito que o homem se situa neste mundo. E somente o sujeito tem um
mundo para afrontar, isto é, um mundo a compreender e transformar. A
consciência é uma conquista gradual sobre a multiplicidade e a dispersão de
objetos. O ser humano é essencialmente social. Nele brota a necessidade da
comunhão interpessoal. Possuidor de inteligência e liberdade ele busca
incessantemente a verdade é pela sua busca que ele, através da consciência,
é chamado a amar o bem e evitar o mal.
Este princípio configura a realidade humana, ou seja, o homem é um ser que
distinge a realidade e pode a partir daí direcionar seu caminhar. Ele
constrói o seu caminho e faz a sua história. Mas essa história tem
pertença, também, aos seus semelhantes. Só pode ser reconhecido como
sujeito quem estabelece com outro um diálogo. Não se dialoga com objetos; o
diálogo é uma relação específica com entre sujeitos.
É bom e pertinaz focalizarmos que a consciência moral não é uma espécie de
consciência à parte. Mas, na realidade, só existe uma única consciência que
se manifesta de modos diferentes e em níveis distintos. Sendo assim, a
verdadeira consciência nunca está fechada em si mesma, outrossim, ela se
abre para busca da verdade onde pondera e reconhece os valores e
significados da vida às vezes conflitantes entre si. Ela é o eu pessoal que
procura fazer julgamentos acertados da vida e de como é possível agir, de
acordo com a verdade, nesta realidade em que se vive.
Portanto, ao perceber que não está sozinho e é necessitário de diálogo o
homem se vê tecendo relações que o conduzem a acolher amorosamente o outro.
Essa percepção e ação positiva ou negativa prefigura a liberdade. Quando
ele decide, sem nenhuma imposição, não há nada que possa enquadrá-lo,
nenhum modo de produção, nenhuma formulação científica, nenhum sistema de
convivência.
Ora, neste pressuposto o ser humano é capacitado a fazer julgamento de sua
ação no mundo. Ele pode fazer o bem e evitar o que lhe é mal. Mas qual é o
ponto de referência para este julgamento? É neste ponto que entra o
conceito de consciência moral.
O ponto referencial e a medida do julgamento é sempre o outro. Os gregos
não só queriam pensar, mas também aspiravam pensar sobre o pensado,
questionar a questão, ou seja, o por quê das coisas. Desse ponto de vista,
eles "inventaram" a consciência. Não mates, não roubes, não violentes uma
mulher, pois constatando que matando, roubando e violentando não faziam bem
a sociedade nem ao outro. Desta forma, a consciência da existência de um
"outro" conduz a construção de valores que permitem a convivência.
Numa síntese, a consciência é a capacidade que temos de tomar distância com
relação a nós mesmos e com relação às coisas que nos cercam, para descobrir
nossa existência e nossas possibilidades e limites, para assim traçarmos o
nosso agir.
 
3. O Juízo da consciência
O Catecismo da Igreja católica aponta para um salutar propósito neste
âmbito: "A consciência moral é um julgamento da razão pelo qual o humano
reconhece a qualidade moral de um ato concreto que vai planejar...". A
consciência dá ao homem o valor da sua retidão e/ou da sua maldade. Ela é a
única testemunha da intimidade da pessoa.
O juízo da consciência é um juízo prático. É um juízo que dita aquilo que o
homem deve fazer ou evitar e/ou avaliar um ato já realizado. Este juízo
pertence a Lei natural, como nos diz Leão XIII: "A lei natural se acha
escrita e gravada na alma de todos e cada um dos homens. porque ela é a
razão humana ordenando fazer o bem e proibindo o mal(...) Mas esta
prescrição da razão não poderia Ter força de lei se não fosse a voz e o
intérprete de uma razão mais alta, à qual nosso espírito e nossa liberdade
devem submeter-se".
A lei natural tem esse modo próprio de ser. haja vista que é a razão a sua
promulgadora. Ela pertence a natureza humana. Nesse sentido, ela é
imutável, pois permanece ao longo da história humana, mesmo nas
diversidades de culturas e/ou multiplicidades das condições de vida, ela
não se torna variável. Ela é o elã de toda a humanidade. O concílio
Vaticano II na constituição pastoral Gaudium et Spes nos diz: "Na
intimidade da consciência, o homem descobre uma Lei. Ele não a dá a si
mesmo. Mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar o bem e evitar o
mal, no momento oportuno a voz desta Lei lhe soa no ouvidos do coração:
faze isto evita aquilo...A cosnciência é o núcleosecretíssimo e o sacrário
do homem onde ele está sozinho com Deus e onde ressoa sua voz. Pela
consciência se descobre, de modo admirável, aquela lei que se cumpre no
amor de Deus e do próximo"
O juízo da consciência afirma o caráter de um certo comportamento, se ele
está ou não conforme a lei. O Juízo da consciência não estabelece a lei,
mas atesta a autoridade da lei natural e da razão em vista do bem supremo,
do qual o homem se sente atraído e acolhe os mandamentos
 
 3- Teologia moral
 
A Teologia Moral vai buscar uma direção clara na qual o ser humano possa
discernir caminhos pertinentes para a sua felicidade. Ela é uma ciência
sagrada enquanto transmite a mensagem bíblica fielmente, dentro do
horizonte da fé e da história da salvação. Ela deve oferecer uma síntese
acessível ao homem contemporâneo, e abrir o senso que corresponde tanto a
origem bíblica, ao conjunto da revelação, quanto aos destinatários de hoje.

Assim, quanto falamos em teologia(Qeos= Théos) no grego Koiné significa
Deus e o radical (logos) que deriva Logia significa pensar sobre, discursar
sobre. Desta forma, a Teologia vai refletir sobre o encontro do ser humano
com Deus dentro da realidade histórica em que se vive. A Teologia Moral
deve ser tal que ajude os fiéis e o próprio teólogo a encontrar a síntese
da vida, sua plena identidade e integridade que é a integração fé e vida. O
teólogo moralista deve estar absolutamente ciente de que o tipo da sua
moral deve corresponder às justas expectativas de seus destinatários, a seu
modo de conceber o mundo e a Igreja.
O teólogo moralista não deve, somente, estudar os pronunciamentos do
Magistério, mas conhecer o mundo da saúde, seus problemas, seus pontos de
vista. É de suma importância saber que a teologia moral não é uma reflexão
afastada do princípio da fé, como nos diz João Paulo II: "Urge recuperar e
recompor o verdadeiro rosto da fé cristã, que não é simplesmente um
conjunto de proposições a serem acolhidas e ratificadas com a mente. Trata-
se, antes, de um conhecimento existencial de Cristo, uma memória viva dos
seus mandamentos, uma verdade a ser vivida".
Devemos tomar o cuidado de não separar a fé da moral. Seria o mesmo que
afirmar: "Deus não existe". Assim, é sob à luz da fé que poderemos falar da
moral, ou seja, a fé nos conduz ao testemunho e a vivência deste
testemunho. Portanto, quando juntamos Teologia e Moral não se está querendo
abordar toda a Teologia, outrossim, uma parte de suma importância que busca
compreender o ser humano, alimentá-lo na fé e lhe proporcionar a essência
do amor e da sua prática.
A Teologia moral é a ciência da moral humana, por meio da fé e, através
dela, tendo como fonte inspiradora e norma suprema Jesus Cristo. Não
somente através de palavras como, também, através das práticas. Assim, a
teologia moral está a serviço da Igreja e da sua missão profética. A sua
reflexão deve nascer à luz do Evangelho, segundo a verdade da caridade.
Portanto, a Teologia Moral busca na revelação plena do Pai, Jesus Cristo, o
sentido mais profundo do humano. Para que o agir do homem de fé seja para o
Louvor e a Glória de Deus Pai que nos amou enviando o seu filho unigênito
Jesus de Nazaré, o Messias. Ele que na sua caminhada neste mundo revelou a
face misericordiosa de Deus Pai, ao revelar o homem ao próprio homem.
 
 
 4- as fontes da moral Cristã
 
4-1- O Antigo Testamento
A Teologia visa, antes de mais nada, des-velar os projetos de Deus em
relação à humanidade e um determinado momento histórico. O projeto
salvífico de Deus vai atingir o seu ápice em Cristo, pois ele pela sua
morte e ressurreição proclama a "Nova Aliança". Dessa forma, a aliança está
proposta para a salvação. Assim, sem a categoria de Aliança o Antigo
Testamento se tornaria ininteligível.
O ensinamento moral do Antigo Testamento está proposto em função da
situação histórica em que vive o povo, ou seja, situações políticas,
sociais e culturais. Os mandamentos são dados por Deus como libertação,
pois o desejo de Deus é a salvação. É estabelecida a Aliança como guia,
proteção e ajuda, respeitando a liberdade. Nesse pressuposto, entendemos
que Deus funda e sustenta, mas não substitui a liberdade. Assim, a aliança
é o sustento para que o homem do Antigo Testamento usufrua do Dom de Deus
que é a liberdade.
Os três primeiros capítulos do livro do Gênesis narram a história da
criação. As imagens expressão a convicção importante: "Deus é fonte
criadora da vida e nós somos a sua imagem e semelhança, somos também
pecadores e somos administradores do mundo criado.O povo hebreu acredita
num só Deus. E esta experiência a afirmação de que tudo vem de Deus, Ele é
a fonte única de toda criação. O Homem é querido de Deus porque foi criado
na imagem divina. O homem é especialmente querido de Deus no sentido de que
tem a consciência que foi criado à imagem de Deus.
Muito Embora, a criação seja boa, a humanidade é o auge de toda criação.
Esta afirmação é fantástica, pois no ser humano está contida a liberdade ,o
amor, a compaixão, a criatividade. No humano, pela existência, existe a
dignidade a sacralidade, pois ele é imagem e semelhança do próprio Deus.
A história da Criação não fala somente de Deus como fonte da vida e do ser
humano como imagem de Deus, mas ela indica o relacionamento deste homem com
a criação. De Deus procede uma ordem ao homem de "dominar", não no sentido
de ser "senhor", pois só Ele é Senhor, outrossim, numa consciência profunda
de preocupação com a terra.
A experiência histórica leva Israel ao contexto em que vive, a escravidão
no Egito. A sua libertação se dá no reconhecimento de um Único Deus e que
ele é o Criador. Nessa experiência Israel reconhece que a escravidão passa
pelo endeusamento de estruturas sacralizadas. Os deuses adorados no Egito e
nos vários povos que habitam a terra de Canaã não podem ser adorados por
Israel, pois o Deus que libertou Israel da escravidão do Egito é Único e
está na origem de todos e de tudo. Deus não escolhe os Egípcios, nem os
Babilônios, a primeira vista os mais capacitados e mais organizados
politicamente, ao contrário Ele escolhe a Israel: "Não é porque sois mais
numerosos que todos os outros povos que o Senhor se uniu a vós e vos
escolheu; ao contrário, sois o menor de todos..."
Israel soube reconhecer como seus os valores de toda verdadeira moral,
embora houvesse semelhança dos seus ensinamentos morais com os outros povos
orientais(egípcios, sumérios, hititas, babilônicos, assírios). Isto pode
ser visualizado no código da Aliança. Assim, como povo errante, sem terra,
Israel soube construir uma estrutura sólida. Essa estrutura vem marcada por
uma pluralidade de métodos. O sacerdote, o profeta e o sábio orientam, à
sua maneira, a conduta humana.
O sábio tem a tarefa de refletir sobre o cotidiano e orientar na direção da
ordem que provém de Deus. O profeta busca reconduzir e revigorar o povo a
uma vida moral segundo o espírito da Aliança. O sacerdote recolhe do
Pentateuco: O Decálogo Moral; o Decálogo Ritual, o Código da Aliança a lei
da santidade, a legislação sacerdotal, a aliança de Noé, a aliança de
Abraão e a Aliança do Sinai para demonstrar o projeto libertador de IAHWEH.
A moral do Pentateuco tem como pano de fundo o projeto divino e humano.
Pois nele está a história do êxodo que é a história da libertação; a
história de aliança com IAHWEH que é a história da gratuidade, onde Ele
toma a iniciativa, pelo amor, e o homem responde. Pois escutar a voz de
IAHWEH, amá-lo e servi-lo, no temor e na obediência, constitui a atitude
fundamental de resposta à iniciativa gratuita D'Ele.
Portanto, a conduta moral, baseada no direito e na justiça são a essência
da revelação da Aliança. A justiça e o Direito são o sonhos para a
construção de uma sociedade fraterna. São igualmente os fundamentos da
restauração apregoadas pelos profetas. A tarefa do homem não é outra senão
a de santificar a vida, elevar o mundo em que vive para que todos os seus
atos sejam um reflexo da unidade divina de todos os seres.
A única forma de culto agradável a IAHWEH. É aquela que concilia o caminho
do Direito e da Justiça. A Aliança revela o Amor e o agir moral de Israel,
não devendo ser outro a não ser o caminho do Amor que conduz a obediência e
fidelidade a aliança, como proclama o Profeta Isaías: "O culto que agrada a
IAHWEH é romper as cadeias injustas, desatar as cordas do jugo, libertar os
oprimidos(...) repartir o alimento com o esfamiados, dar abrigo aos
infelizes sem asilo, vestir os maltrapilhos em lugar de desviar-se do seu
semelhante".
A justiça e o Direito não podem aceitar a desigualdade e a exploração do
povo, por isso os profetas pregam que elas tem como referência o direito
dos pobres; o respeito ao próximo; na defesa dos assalariados e na defesa
dos orfãos e das viúvas. Esse é o convite à conversão que se traduz no
rasgar as vestes e abraçar a Aliança de Amor que libertou Israel da
escravidão do Egito.
 
4.2 O novo Testamento
 
O Novo Testamento, assim como o Antigo Testamento, é um relato de fé cujo
objetivo é narrar a ação de Deus no mundo. Quando lemos as Escrituras
Cristãs temos que ter em mente que elas foram escritas algumas décadas após
a ressurreição de Cristo. O objetivo era proclamar Jesus como Senhor e
Salvador.
Nos seus ensinamentos Jesus descrevia o Reino de Deus, comunicando o
sentido da presença amorada de Deus. No sermão da montanha descobrimos a
bondade deste Reino: a preocupação com os que sofrem, com os que choram, os
que tem fome e sede de justiça, com os pobres, com os caluniados. Enfim, a
característica do Reino de Deus é a generosidade, a compaixão, o perdão, a
confiança e a misericórdia divina. A parábola do Filho pródigo indica o
sentido pleno do amor de Deus e a constituição do seu Reino: "O amor que
perdoa e ama sem medidas"
Jesus anuncia a intervenção de Deus na história. Ele é a fonte inspiradora
que une o humano e o divino, abrindo caminho para a realização plena. Ele é
o verbo encarnado do Pai, que ilumina a história humana, onde emana a fonte
da graça e da verdade. A encarnação é a participação de Deus na história,
na vida e no amor. Para Deus se tornar um de nós, devia existir primeiro um
"nós", ou seja, Deus ama a comunidade humana e a encarnação é uma
continuação da participação de Deus na vida, pois a criação já se deu.
O seguimento de Jesus Cristo se constitui num dos temas centrais do
Evangelho. Ele é mais que Moisés, o mentor da Lei; é mais que Elias, o
profeta; é mais que Salomão o sábio. Por isso, o seguimento a Ele se
constitui em assumir o Reino de Deus e como conseqüência um engajamento
moral.
Com Jesus, chegou o tempo decisivo. Deus quer a salvação dos homens, pois:
"Completaram-se os tempos, está próximo o Reino de deus, convertei-vos e
crede no Evangelho". Ao revelar isso, os evangelhos querem direcionar para
o que é preciso fazer, ou seja, se esforçar em mostrar as opções concretas
que provêm da fé no Cristo Salvador.
Jesus , instala uma "nova ordem" ( a Nova e Eterna Aliança) que resgata a
linha mestra dos profetas e estabelece seu núcleo em torno da justiça de
Deus. A justiça é o valor por excelência do Reino. A pregação de Jesus
revela a face misericordiosa de Deus que não é justo porque dá a cada um o
que merece, mas porque abre o ser humano para uma nova condição. A justiça
de Deus é uma atividade essencialmente salvífica, através da qual são
oferecidos os bens prometidospor Deus. A justiça é a propulsora de uma nova
situação.
Essa nova situação repercussão no preceito do amor que é o reconhecimento
de Deus Pai como Criador e do homem com criatura, por isso: "amar a Deus
sobre todas as coisas e ao próximo". Este preceito abre o caminho para o
Reino de Deus e a vida Eterna, constituindo-se no maior dos mandamentos.
Essa proposta retoma o sentido originário da Aliança, pois abrange os
pobres, os ignorantes, os acometidos pelas mais diversas enfermidades.
A prática do amor é uma ação transformadora de uma realidade, pois ela,
elimina a distância relacional aproximando o homem de si mesmo e da
sociedade. Ela conduz à comunhão. Jesus vive de maneira livre para amar e
oferece gratuitamente a liberdade, pelo amor, a todos os homem.
Jesus assume uma linha profética anunciando e denunciando que a Lei está
deturpada, pois ela não preserva o direito do estrangeiro, do orfão , da
viúva e do oprimido. Ele não deixa se dobrar pelas pressões e abre a
perspectiva de libertação. Jesus é todo o propósito da criação. Ele é o
modelo de vida humana plena. A linha mestre da moral do Novo Testamento é o
Amor a Deus como Senhor e ao próximo como irmão participante da obra
criadora. Assim, em Jesus todos os homens são iguais e por isso devem ser
tratados como irmãos.
As cartas Paulinas revelam que é preciso, diante do Evangelho, agir com
consciência do seguimento a Jesus tendo primeiro e último critério de ação
moral na perspectiva do amor. Tudo passa, só o amor permanece. Assim não é
possível prejudicar os outros. O amor está acima. A adesão a Jesus Cristo e
a pertença à Igreja passam a ser verdadeiras quando autentificadas por uma
conduta que une fé e vida. Por Isso, Paulo diz: "Examinai tudo e ficai com
o que é bom. Abstendo-se de toda espécie de mal", pois : "Tudo me é lícito,
mas nem tudo convém. Tudo é lícito, mas não me deixarei dominar por coisa
laguma". O referencial do amor é o Cristo, pois ele dá a vida, por amor.
Ele é o modelo da moral cristã. Não há outro, senão Ele.
São Paulo está preocupado em apresentar a vida nova em Cristo. E se utiliza
de dois termos: carne e espírito, velho homem e homem novo. Estes dois
termos não estão indicando uma visão dualista do homem que projeta no corpo
uma negatividade, outrossim, carne designa o ser humano, na sua totalidade,
submetido a concupiscência e tomado pelo desequilíbrio de seus desejos. A
palavra Espirito designa, da mesma forma, o ser humano como um todo que
vive a vida nova de Deus em Jesus Cristo.
A consciência da Nova Aliança realizada no Cristo é o Káiros que ressoa na
conduta de vida, por isso, em Cristo, somos chamados a abandonar todas as
ações que promovem o desamor e nos entregarmos a uma nova conduta de vida:
a Santidade.
 
 
4-3-Os Padres da Igreja
Nos primeiros séculos da era cristã( Séc. I a VI ) os autores cristãos
sempre apontavam para a originalidade da moral cristã. A opção fundamental
do seguimento de Jesus, afastando-se do pecado, é o caminho para uma vida
nova. A comunidade percebia que somente o testemunho desta vida nova
conduzia a uma vida de acordo como Reino de Deus. Para isso utilizava
esquemas morais, tais como :
1. A justiça de Deus: que regia o mundo e que se deve buscar o tempo
todo. Indicava o "caminho" prático no qual o cristão se sente
colaborador de Deus.
2. A condição de discípulo: que era a junto como seguimento a norma
suprema para o cristão.
3. A fé: a adesão, na liberdade, que implicava uma dependência ao que se
professava.
4. O amor: reconhecido como o sinal do cristão e expresso pelas suas
ações e sua vida em comunidade.
5. A filiação divina: a busca da santidade, da imagem e semelhança do
Criador
6. O Espírito Santo: a confiança na sua atuação.
Esta época é marcada pela busca da fidelidade a Cristo. A vivencia Cristã
abria as portas para uma percepção do mundo que era capaz de dialogar com
as diferentes culturas, seus valores na busca de uma síntese, pois o
espírito era o agente primeiro de renovação da face da Terra.
A Época dos penitenciais(Séc VI a XI) é marcada pela decadência do Império
Romano e pela invasão dos Bárbaros, portanto há a entrada de novos
elementos culturais, morais e religiosos dentro o cristianismo. O
analfabetismo é muito corrente e o clero pouco preparado. O mosteiro é o
refúgio. Os penitenciais eram livros essencialmente práticos destinado aos
confessores como um suporte, numa época teologicamente pobre. A vida moral
estava contida nestes livros. Tudo era prescrito, além das penas para cada
ato contrário ao que se prescreveu.
Para que o confessor pudesse aplicar a penitência com exatidão deveria se
declarar a espécie, a quantidade e as circunstância dos pecados. Isso
favoreceu a concepção individualista do pecado e da conversão, deixando de
lado a dimensão eclesial e litúrgica do sacramento
No Séc XII e XIII inaugura-se um novo tempo. Acontece uma busca de retorno
ao Evangelho, tendo como base a humildade, a pobreza e a fraterna comunhão.
Nesta Época surge São Francisco de Assis que foi uma das expressões dessa
nova busca. Houve um enriquecimento da Teologia surgindo várias escolas
teológicas que iluminavam os problemas deste tempo. Essa proposta retoma o
valor evangélico para uma visão dos valores cristãos dentro da linha mestra
do amor.
Em 1600 surge o primeiro manual de moral. Por inspiração do Concílio de
Trento(!545-1563). Embora seja uma tentativa de sistematizar o pensamento
Teológico da época ele se desvincula da Teologia sistemática e da Sagrada
escritura. Mas era terá grande influência nos séculos posteriores. É a
partir deste manual que a Teologia moral surge como disciplina autônoma .
Nos Séculos XVII e XVIII surgem os sistemas Morais com a tentativa de
adaptar a Moral aos novos desafios deste tempo. É uma tentativa de
solucionar o problema da consciência dos fiéis. É bom lembra que este tempo
é marcado pelas colonizações. Daí as principais perguntas são: Os Índios
e/ou os Negros tem alma? Devemos respeitá-los? Podemos cobrar juros? A
guerra é justificável .
Neste processo surgem as tendência da moral:
a. O probabilismo: busca seguir a opinião que fosse ao menos provável
b. O tuciorismo: valia a opinião mais segura
c. O rigorismo: só valia a mais segura, sob pena de se estar pecando.
d. O laxismo: bastaria a opinião de um Teólogo, além da minha, para que
essa fosse uma norma.
e. O eqüiprobabilismo: é o equilíbrio dos extremos.
Esta época é marcada pela confusão. Os fiéis não sabiam a quem seguir. Foi
Santo Afonso de Liguori que lançou as semente de uma base que, mais tarde,
se tornará uma moral teocristrocêntrica.
No Séc. XIX e XX os manuais neo-escoláticos projetam a mentalidade para os
nossos dias. As obras de Santo Afonso são retomadas e influenciam o
Concílio Vaticano II. O interesse pelo tomismo, estudos bíblicos e a
patrística cresce. Esses manuais buscam, de acordo com cada autor, as
virtudes, o seguimento de Cristo, o Reino de Deus, a caridade e o Corpo
Místico. A obra de Bernhard Häring- A Lei de Cristo(1954) dá início a
renovação proposta pela neo-escolástica.
Os manuais tinham a preocupação de estabelecer o que vale para todos em
termos de valores e referenciais em geral, a partir de normas e valores que
durem a fim. Acentuavam a importância do agir tendo clareza em determinar o
objeto em questão acentuando sempre o indivíduo como único, sendo o
responsável pelos seus atos. A Lei se torna um meio pedagógico que educa a
pessoa aos valores morais.
Muito embora, esta perspectiva ajudasse em muito a Teologia, ela
apresentava aspectos questionáveis, pois houve um exagero e uma pretensão
de determinar tudo, sem aceitar um questionamento. O ser humano e o mundo
sempre são visto com desconfiança. A sexualidade e o corpo são abordados de
maneira negativa. As rubricas eclesiástica tem um caráter quase divino.
Tudo passa pelo coração do homem, por isso o que importa é não sujar as
mãos com as coisas terrestres. O caráter social e comunitário se
desvinculam.
 
 
4.4-A partir das fontes da fé cristã como inspiramos o nosso agir no mundo?
4.4.1- Uma Tentativa de explicitação
Parece-nos que a perspectiva primeira, desta pergunta, nos leva a indagar
sobre a realidade concreta em que vivemos e, numa segunda instância
indagarmos como é possível vivenciar a fé dentro desta realidade. Assim, é
preciso analisar por primeiro a realidade do mundo em que vivemos chamada,
por alguns, de 'pos-modernidade'.
Ora, quando falamos em 'pos' já indicamos que há algo de anterior. Aqui, no
caso, denominamos modernidade. A construção da modernidade de baseou na
supervaloração da razão, tendo a capacidade de transformar tudo ao redor
como principal elemento. Dessa forma, podemos nos perguntar qual é e/ou são
os frutos, os progressos que temos? Bem, como nos fala Frei Betto, citando
Santo Tomás de Aquino: "A razão é a imperfeição da inteligência". Assim
temos uma crise da modernidade. Ora, temos graças a "razão" ou a
"modernidade" uma grande capacidade bélica de destruir o planeta pelo menos
30 vezes e não temos a capacidade da "razão" e/ou da "modernidade" de salva-
lo pelo menos uma vez. Temos bilhões de pessoas no planeta numa situação de
miséria, mas não temos a capacidade da "razão" de termos um mundo sem fome.
A modernidade trouxe a perspectiva do desenvolvimento. Ora, mas quem
desenvolve? A quem está remetido o progresso? Ao homem. Se ao homem está
remetido o progresso, então temos a perspectiva da Ética. Ora, entendendo
ética no conceito grego, como uma morada na qual o homem constrói, tece a
sua existência, nos advém a seguinte pergunta: a modernidade, tendo como
argumento o bem-estar e o progresso constrói um mundo melhor para o homem?
Bem, numa rápida resposta, poderemos dizer que sim. Os grandes avanços da
ciência são um pressuposto para isso. Mas, numa visão mais alongada da
realidade podemos mudar a pergunta: quem é o homem para a modernidade? Ou
melhor: a qual homem chegou o progresso proposto para a modernidade? É na
resposta a esta indagação que parece-nos estar o fundamento de uma crítica
à modernidade.
Se podemos dizer que as novas descobertas científicas, acerca da "de-
codificação" genética, podem ajudar na descoberta de curas para inúmeras
doenças que afetam a humanidade, podemos afirmar que é um progresso, um bem-
estar para o homem. Dessa forma, podemos afirmar que a fome no mundo também
o é? Claro que não. Ora, aqui entramos numa questão fundamental do homem: a
existência. E podemos perguntar à modernidade: O que é existir?
Para a modernidade existir é pensar, ou seja, é ter os fundamentos
necessários para poder distinguir-se do mundo e para retirar dele os
pressupostos necessários para elaboração de paradigmas na constituição de
uma vida melhor. Isso, a princípio, é extraordinário. Mas até que ponto
essa perspectiva de existência trouxe ao ser humano uma vida melhor? Já
citamos acima as "sombras" da razão. Convém explicitarmos que a modernidade
não conseguiu dar conta do seu projeto.
Muito embora alguns autores, como Jürgen Habemas descordem, nós entramos,
na "pós-modernidade. Ela parece se caracterizar na perspectiva da falta do
sentido, ou seja, numa apriore des-confiança da razão. Tudo e todos podem
ser colocados no âmbito daquilo que é mais útil. Essa talvez possa ser a
palavra mais clara para definir a 'pós-modernidade'. O que acontece hoje
com essa perspectiva utilitarista. O que é bom é o que é útil. Enquanto na
modernidade a razão dava o sentido originário das coisas, na 'pós' o que dá
sentido não é a razão, mas sim a possibilidade do bem-estar no que é útil.
Bonamigo, nos dá uma visão melhor desse caráter, quando nos diz:"As
exigências do trabalho levam os homens a desenvolver uma mentalidade
utilitarista, pragmatista, quer no próprio trabalho, quer no conjunto de
suas relações. O Útil se torna sinônimo de Bem, ou negativamente, o que não
é útil não tem importância real. E com isto incorpora a lógica do Ter- Ser-
Prazer, trilogia que, como idéia reguladora e como fato-simultaneamente -
coordena o processo de comercialização -instrumentalização das próprias
relações ditas humanas. Numa palavra: o outro homem-indivíduo passa a ser
um meio-para e, cessada a utilidade, cessa o interesse".
Até Deus se tornou, com a des-confiança da razão, um tapa buraco. Enquanto
na modernidade o homem não precisa de Deus, ou seja, Deus não é um produto
final do conhecimento, mas sim uma expressão subjetiva, incapaz de ser
provada empiricamente, do homem, na 'pós- modernidade Deus se tornou algo
bom é útil ao homem na medida em que ele oferece um bem estar: dinheiro ,
casa, comida, "Roupa lavada" e "Hum milhão por mês".
Tendo essa visão da 'pós-modernida' é lógico que perguntaremos a ela: o que
é existência? A resposta que obteremos é que a existência é o fundamento
que propicia às coisas uma expressão meramente útil. Neste sentido,
entramos na perspectiva Ética, ou seja, a morada do homem é construída a
partir de uma constituição utilitarista. O que não tem finalidade do útil
deve ser descartado. Se um homem não é "útil" à sociedade é moralmente
válido des-cartá-lo.
Agora chegamos a questão derradeira: como podemos fundamentar a partir das
fontes cristãs o agir cristão? A pergunta que devemos explicita é: o que as
fontes cristãs entendem como existência e como isso inspira o nosso agir no
mundo? O centro da fé cristã tem como fundamento a redenção. Nela, Jesus
nos diz: "Eu vim para que tenham vida, e tenham em abundância". A vida é
algo que se caracteriza como existência: existir é ter vida. Ora, a vida é
a condição necessária para estar no mundo e vida expressa o caráter mais
significativo do homem, em uma palavra: "possibilidade".
Neste sentido, possibilidade expressa a maneira fundante do ser homem: ser
um Ser moral. A moral não é e nem deve ser tratada como uma lei imposta,
algo que é obrigatório fazer, algo que coloca o homem em quatro paredes e
tranca-o em grossas correntes que prendem as mãos, pés e pescoço de forma
que ele não pode ver a realidade e nem mesmo olhar para si próprio. O
homem, desta forma, não deve se sujeitar a tal ditadura, ou seja, "a moral
mercantilista".
Olhar para o ser humano e defini-lo é algo impossível, tendo em vista que
ele é um ser complexo, no sentido de não ser um ser pronto e acabado, mas
um ser que vai se construindo na história e nela tece sua própria história.
É nesse pressuposto que entra a questão moral.
Definir a moral como proibição, lei e regra é, antes de tudo, negar o ser
humano, ou melhor, é um ato de "determinismo" que o esvazia, enquanto tal,
colocando-o numa possibilidade "robótica" e "limitada" e por conseguinte,
eliminando a possibilidade de crescer e construir sua história. Isso é um
desagravo a própria humanidade.
No pressuposto de que o homem é um ser que vai construindo a sua história
na história e, de que ele é um ser complexo e inacabado é que podemos dizer
que a moral é o próprio ser do homem. Ela é o que realiza o homem na sua
natureza de pessoa humana. O que fere o homem , na sua natureza, é um ato
de imoralidade.
A redenção no Cristo dá ao homem o caráter da libertação. A palavra: "Eu
vim para que todos tenham vida", expressa o sentido libertário da
humanidade. Ela dá ao homem, por Jesus Cristo, a carta de construtor da
história. Jesus Cristo revela ao homem o próprio homem e, o homem revelado
é aquele que faz do mundo a sua morada, o seu ethos que se entende nele,
por ele e com os outros. Tudo o que fere este caráter, fere a morada do
homem e ao feri-la está ferida a humanidade.
Jesus Cristo anunciou e testemunhou com a sua vida, sua morte e
ressurreição o princípio fundamental da vida e é neste caráter que está
prefigurado o agir cristão. Ora, sem vida é impossível ao homem construir o
seu ethos. O homem só poderá constituir-se, enquanto tal, se a vida for o
elemento fundante. Ter vida é ter condições de auto revelar-se no mundo. A
fome, a miséria, a guerra, a determinação etc., são condições de não-vida.
O homem fica ameaçado na sua existência. Entendendo que existir é ter vida
e ter vida é autorevelar-se, tudo o que ameaça a isso é um determinismo,
uma "des-truição" da humanidade.
Inspirado na fonte cristã é possível articular o agir cristão no mundo.
Ora, as fontes cristãs inspiram a libertação do homem em Jesus Cristo, que
vem revelar o homem ao próprio homem. Nesta perspectiva Jesus Cristo
anuncia a vida como linha mestra do projeto salvífico. A vida é o ponto
fundamental de toda existência. A vida é algo que remete o homem a
autorevelar-se. E esse autorevelar é a existência. Isso não está proposto
numa "determinação", ou seja, num sistema, mas numa "indeterminação" que é
a característica fundamental do homem. A existência é um mistério
insondável, pois o homem revela-se na história e a história não é algo já
determinado, mas algo que se vai construindo.
Jesus Cristo ao revelar o homem ao homem propõe um novo ethos: "o ethos da
vida em plenitude". Nesse pressuposto, o agir nesta morada, ou melhor, o
fazer-se nesta morada é sempre um fazer-se vida plena. O sentido de vida é
o sentido de a cada instante fazer-se homem, existir, autorevelar-se. O
caráter fundante não está no que é possível quantificar ou tornar útil, mas
de como podemos ter vida igualitária para todos, e, a partir daí, olhar
nossa morada como um lugar que deve ser preservado para que a humanidade
teça a sua existência .
As fontes cristãs nos inspiram para um mistério insondável: a existência.
Nela nos encontramos com o próprio Deus revelado por Jesus Cristo, não um
deus que advém de um raciocínio lógico, nem um deus tapa buracos, mas um
Deus que se mostra como mistério, no qual o homem o vê de olhos fechados, e
o proclama sem palavras. Ele é o fundamento, a base da esperança, do
esperar.
O mistério insondável da existência revela o mistério insondável que é
Deus. O agir cristão fundamenta uma moral, ou seja, o agir na morada
(ethos) humana é a revelação profunda da vida. As fontes cristãs inspiram o
propósito do homem com a vida e com a existência. É desse pressuposto que
podemos criticar a "pos-modernidade", pois vida e existência provocam no
homem a esperança que é algo que ultrapassa tudo o que é possível se
afirmar, "é algo que é", mas ao mesmo tempo "não é". Podemos afirmar que a
vida inaugura no ser humano um projeto infinito de ex-istir( ir para fora
de si) e, é nessa busca da realização de seu projeto que ele transcende
toda a realidade, construindo a sua libertação e oferecendo vias de
liberdade para os outros. O contrário disso, conduz o ser humano ao fim de
sua existência e a consolidação dos mecanismos de morte em todos os
âmbitos: trabalho, casamento, amizade, relação sexual, religião e outros.
A vida é esperança e é na esperança que vai-se construindo a existência,
tudo o que destrói a esperança é um destruir a própria vida. Jesus Cristo,
trazendo a vida, nos inspira para agirmos na perspectiva de vida e vida em
abundância. E ao articularmos esta questão com a 'pós-modernidade' lhe
indagamos pelo sentido da vida, pois não há homem sem por primeiro ter a
vida. Não há homem sem por, depois de ter vida, existir. Enfim, não há
homem sem por primeiro ter a possibilidade de auto-revelar-se, e, auto-
revelando-se, construir sua morada e, dentro de sua morada possibilitar a
todos os outros seres humanos, ao cosmo, a natureza o caráter elementar da
sua própria realização enquanto unidade dentro da diversidade.
 
5- O pecado
 
5.1 Introdução
 
No decorrer da história, o pecado foi experienciado e compreendido de
várias maneiras, embora a sua essência continua a mesma: a ruptura do homem
com Deus e consequentemente, com o outro e com tudo o que o cerca, conforme
demonstra os Tratados de Teologia Moral e o Sacramento da Reconciliação.
A história humana é uma história permeada pelo pecado desde a sua origem.
Ela se constitui sobre a arrogância e a prepotência humana; sobre a guerra
e derramamento de sangue; sobre a dominação e a escravidão. E o pecado, vem
se adequando a esta história até os dias atuais. Estamos a milhões de anos
na terra e os frutos do pecado ainda são colhidos. O hedonismo, o
individualismo, as guerras, a fome, a miséria, a exploração, a exclusão
social, a devastação ecológica, a animalização do ser humano e a cultura de
morte que impregnam o momento histórico demostram que estamos muito longe
de erradicar o mal do mundo.
O dualismo grego herdado de Platão pelos cristãos ocidentais fez com que
durante séculos, o pecado estivesse atrelado às questões morais de cunho
sexual, negando-se o prazer como algo inerente à vontade divina. Por vezes,
se chegou até à personificação do pecado na figura feminina ou em figuras
míticas, relegando-se as demais situações pecaminosa promovidas pela ação
humana, além de se restringir a totalidade do ser humano em duas dimensões:
a dimensão física e a dimensão espiritual, desprezando-se as demais.
 
5.2 O Antigo Testamento
A capacidade de gerar e perpetuar a vida cooperando com Deus no projeto da
criação e a vida em liberdade, "Ambos, estavam nus, o homem e sua mulher" é
abalada pela ação do pecado. Ao buscar para si a deificação - "sereis como
deuses", o homem rompe com a ação originária da criação, fechando-se em seu
ego. De cooperador, passa a ser dominador. O medo e a vergonha penetram em
sua vida e o homem não consegue mais agir em liberdade. Torna-se necessário
cobrir o corpo, esconder -se e fugir de seus próprios atos: "foi a
mulher...". A este ato de fechamento, de clivar-se em seu próprio mundo
negando a relação gratuita de interioridade e transcendência, denominamos
pecado.
Através do pecado, o sofrimento e a morte tornaram-se personagens da
história humana. Os relatos bíblicos que narram a história da descendência
de Adão, mostram como se desenvolve essa história. A história de Caim e
Abel se confunde com a história da humanidade. Neste relato bíblico,
podemos perceber o desenvolvimento das culturas e civilizações que começam
a se sobrepor umas sobre as outras, promovendo o derramamento de sangue:
"Caim sucumbiu ao pecado que rondava a sua porta" e derramou o sangue de
seu irmão. É a cultura agrícola e urbana, sobrepondo-se à cultura do
pastoreio e nomadismo de uma maneira violenta (Gn 4, 17-26).
A humanidade sucumbiu ao pecado que a espreitava. Agora, o homem está
voltado para a destruição, para a dominação e para a guerra. Ele rompe
consigo, com seu semelhante, com a natureza e com Deus escondendo-se de si
mesmo a exemplo de Caim culpado e atormentado pelo assassinato do irmão. Ao
penetrar na dinâmica do pecado, o homem se torna escravo dos seus próprios
temores, perdendo a liberdade que outrora desfrutava, andando errante pelo
mundo e a vida que fora constituída num gesto de serviço encontra-se
ameaçada
A idéia de pecado está presente no Antigo Testamento, através de uma série
de termos associados, semanticamente, ao significado dos dias de hoje. O
pecado é uma revolta contra Deus, mas ainda mais grave, é um rebaixamento
da própria natureza humana. O castigo não é uma pena, mas uma correção para
recordar a sua dignidade e caráter. Criado a imagem e semelhança de Deus o
homem é dotado de especial capacidade para a vida em comunhão com Deus e,
em Deus, com seus semelhantes e com toda a criação.
A palavra mais freqüentemente usada para expressar a idéia de pecado é
hata, cuja raiz no hebraico bíblico significa errar um alvo, uma estrada.
Neste sentido, pecar é errar. Outra palavra bíblica utilizada para
expressar a idéia de pecado é avon que, no sentido de "iniqüidade, culpa ou
castigo", tem uma raiz que significa desviar. Outra expressão presente no
texto bíblico é pesha, traduzida freqüentemente como transgressão. Hata, de
uso mais comum, é bem significativa para o sentido dos dias de hoje.
Expressa não apenas o pensamento errado, mas a vontade aplicada a um
objetivo errado. Combinando-se a esta idéia do pecar como afastar-se de um
caminho predeterminado, shuv, significando retornar, é usada para expressar
o arrependimento.
Logo, no Antigo Testamento, a idéia de pecar não está associada à corrupção
nem é motivo para submissão culposa, para contrição e auto-acusação; pelo
contrário, o homem, livre e independente, escolhe seu caminho e, quando
erra, pode voltar ao caminho correto. No contexto da Aliança, o pecador
está sob o olhar de Deus. Este Deus busca instaurar a dinâmica do retorno,
do perdão numa tomada de consciência que o leva para verdade, na
transparência.
É neste processo que Deus desvela/revela o que contraria a Aliança: a
injustiça, a infidelidade, o orgulho e a arrogância, o mau coração. Isto
leva à lembrança das leis, dos Códigos a serem seguidos. É a busca
equilibrada das leis dentro do contexto da Aliança.
O pecado cria um mundo de pecadores, estabelecendo uma "solidariedade"
entre os indivíduos submersos na mesma situação. Aí está prefigurada a
realidade de "pecado original". Nos mitos populares, como o de Adão e Eva,
atribui-se o surgimento do pecado original a uma infração pessoal de nossos
progenitores. Por essa culpa o homem foi expulso o paraíso. Esses mitos
eram apenas a expressão popular e metafórica do que nada mais é que a
limitação da natureza humana. Este é o pecado original, que está na base de
todos os pecados pessoais da humanidade
Os textos bíblicos que se referem a um primeiro pecado, como causa dos
males da humanidade, são escassos e a interpretação exegética atual, dos
mesmos, nem sempre corrobora para cada uma das afirmações desenvolvidas
pelas escolas teológicas. O importante é termos como base que mentalidade
do clã está na base desta concepção coletiva de pecado. Portanto, é muito
primitiva.
Os mitos mais primitivos narram o perene enfraquecimento do ser humano com
o seu mistério. O livro do Gênesis trás o relato mítico da primeira queda
do paraíso. Essa queda mais tarde vai ser chamada, com graves deformações,
"pecado original". No relato da Tradição Javista o mal é apresentado como
conseqüência da desobediência do ser humano ao plano do Criador. A
libertação do mal só pode ser vivida na aceitação da proposta salvífica de
Deus, diversa da criação. A salvação é dom de Deus, mas é também tarefa-
resposta humana, na decisão e na liberdade..
Os profetas introduzem algumas correções em alguns aspectos da concepção
coletiva do pecado. O profeta Ezequiel e Jeremias defendem a idéia da
responsabilidade individual que já havia sido proposta no livro do
Deuteronômio24e 2Reis que contrapõe à idéia da responsabilidade coletiva e
hereditária do Exôdo, Números, Deuteronômio e Jeremias. A consciência
individual do pecado foi se afirmando progressivamente. O Salmo expressa:
"Pois reconhço minhas transgressões e diante de mim está sempre o meu
pecado; pequei contra ti, contra ti somente, pratiquei o que é mau aos teus
olhos". Esta é a consciência de se estar diante de Deus.
É surpreendente o fato de que todo o Antigo Testamento não apareça uma
única alusão direta à história do pecado de Adão. Foi a tradição teológica
posterior que, perdida "a primeira inocência", introduziu uma interpretação
literal do pecado de Adão, obscurecendo a intenção original e provocando
uma série de mal-entendidos. Hoje a Teologia esforça-se por um significado
mais profundo desta doutrina.
Na teologia moderna, há uma série de tentativas de reinterpretar a
compreensão do pecado original. Há, por exemplo, os que reconhecem o
caráter histórico da narração da Gênese, excluindo a possibilidade de ser
apenas simbólica ou mítica; há os que assumem uma concepção evolutiva
radical, considerando tudo como resultado de longo processo evolutivo; há
os que se baseiam numa interpretação sociológica, justificando o pecado do
mundo pelo fato da humanidade ser pecadora. Na verdade, a teologia
tradicional do pecado original perdeu sua evidência pelo abandono literal
da Sagrada Escritura, em vista dos progressos hermenêuticos, e pelas
críticas à tese do monogenismo. Ainda assim, os teólogos não discutem hoje
a existência do pecado original, mas sua essência, conseqüências e sua
significação para nós na atualidade.
Por isso, parece mais aceitável a opinião segundo a qual, mesmo admitindo
que o pecado do mundo pesa sobre todos os membros da humanidade, existe, no
entanto, um pecado particular, cometido nos inícios da história humana, que
possui, por assim dizer, um estatuto especial, um influxo comparável ao da
obediência de Cristo em ordem à salvação.
 
5.3 - O Novo Testamento
O novo Testamento recupera o anúncio da conversão do Antigo Testamento para
mostrar que em Cristo, o pecador foi redimido, pois ele veio libertar, como
Salvador, o mundo do pecado e morre pela remissão dos pecados. N'Ele , onde
foi grande o pecado, maior é a graça. A lei dos que aderem à causa do Reino
de Deus não é outra a não ser esta: dizer não a "Carne" e sim ao
"Espírito".
Em Jesus um tempo novo é inaugurado. Na passagem da Mulher adúltera é
retratada a atitude de Jesus diante do pecado e do pecador. Enquanto os
Escribas e Fariseus pedem a morte desta mulher, invocando lei de Moisés,
Jesus faz com que os próprios acusadores se descubram pecadores. Ele
realiza o mistério da vida que passa pela denúncia do pecado, pelo perdão.
Ele surpreende várias vezes ao denunciar o tido como "justo" e amar os
pecadores. Com isso, quer mostrar que Ele não se deixa prender pelas
amarras do legalismo que invadia a religião do seu tempo; Ele não compactua
com a mentalidade ou instituições fechadas em si mesmas. A parábola do
Filho pródigo ilustra bem isso , quando é revelada a face misericordiosa de
Deus Pai.
No Novo Testamento pecar constitui um fecha-se para o outro, no dom, na
partilha, no respeito ao diferente. Pecar é possuir o outro. É reduzi-lo a
objeto dos nossos desejos. É fechar-se ao chamado de Deus. Converter-se é a
atitude que cada um é convidado a tomar diante do Reino de Deus proclamado
por Jesus. O caminho do seguimento passa pela conversão. É o tornar-se
"homem novo". É uma opção de vida de contemplação da face e da misericórdia
do Pai revelado no anúncio da Boa Nova.
São Paulo, ao falar do pecado, fala como uma força iníqua que invade as
pessoas impondo seu domínio sobre a criação. Em Cristo, Deus Pai, pelo
mistério de sua graça infinita, liberta o ser humano do pecado. A carta aos
Romanos quer mostrar como a salvação tem origem em Deus, mediante Cristo e,
como Ele tem a última palavra, pois é mais poderosa e abundante do que toda
a força do pecado. Reabilitados pela fé, estamos em paz com Deus, por obra
de Cristo. A graça salvífica é maior. Consequentemente, se na figura de
Adão o pecado entra no mundo, em Cristo toda a culpa é absolvida.
São João aponta o pecado na nossa recusa de abrir-nos à luz, numa
desobediência a vontade de Deus. O pecado é uma auto-suficiência do humano
face ao divino. Pecar é não aceitar a Jesus Cristo e a sua mensagem. A vida
em Cristo é a luta incessante contra o pecado e as suas manifestações.
A misericórdia do Pai é tão grande, que anula completamente o pecado, desde
que o pecador, retorne à casa paterna e viva na partilha e fraternidade. Na
morte e ressurreição de Jesus se manifesta a misericórdia do Pai, presente
na história. O Reino de Deus acontece pela conversão, pela busca da ovelha
perdida. Aderir ao reino é tornar-se sempre mais conforme a Cristo, imagem
de Deus, na vida e ação, sinal e instrumento de perdão e partilha. N'Ele o
pecado é vencido e toda a humanidade é justifica, para o louvor e glória de
Deus Pai.
Por fim, no Novo Testamento, o pecado aliena o homem o fazendo escravo da
morte. Nele o ser humano se encontra impotente, vendido como escravo, mesmo
contra a sua vontade. Mas, a graça libertadora que parti da iniciativa de
Deus, em e por Jesus Cristo, recupera a sua imagem, pois o Reino de Deus
Chegou! Onde reinava a escravidão do pecado, reina a liberdade dos filhos
de Deus, que clamam: Abbá! Pai!.
 
5.4 A Tradição da Igreja
As primeiras formulações do anúncio da Fé fazem alusão ao pecado. Grande
partes dos Padres da Igreja do séc. I a VI falam do pecado como
"usurpação", na medida em que o ser humano perde a consciência de ser
criatura. O mal é entendido como ausência ou privação de bem. Quem primeiro
desenvolveu uma teoria do "pecado original" foi Tertuliano. Sua perspectiva
pressupõe que, desde a queda de Adão, o mal se tornou uma espécie de
segunda natureza do homem, propagando-se a cada geração.
O termo "pecado original" foi criado por Santo Agostinho, na controvérsia
com os pelagianos, no começo do século V. Pelágio, monge britânico, ensina
que os homens pecam por imitação ao mau exemplo dado por Adão, mas que, em
si, o homem é capaz de não pecar. Daí que não necessite de salvação e as
crianças não precisam ser batizadas. Opondo-se a esta visão, Santo
Agostinho sublinha a realidade da corrupção da natureza humana causada pelo
pecado de Adão. Corrupção transmitida a toda humanidade. Como conseqüência,
os seres humanos perderam a liberdade para realizar o bem que conduz à
salvação eterna e cometem pecados atuais.
Santo Agostinho afirma categoricamente que o ser humano é incapaz , sem a
graça de Deus, de evitar o pecado ao qual está inclinado pela
concupiscência. A intervenção gratuita de Deus (a graça interna de Jesus
Cristo) é totalmente necessária para que o ser humano possa evitar o
pecado. Existe um verdadeiro pecado de origem (Adão), afirma Santo
Agostinho, transmitido a toda humanidade (solidariedade do gênero humano
com Adão como seu representante).
Os Argumentos de Santo Agostinho são:
A. Examinada a situação atual da humanidade, com os seus males, pode-se
facilmente deduzir que eles não são naturais. O castigo e os males
seriam conseqüência do pecado de origem.
B. A fundamentação de Rm 5,12 "em Adão todos pecaram".
C. A prova conclusiva: o uso do batismo de crianças.
Ao longo da história da Igreja, os diversos concílios foram palco de
discussões a respeito do pecado original. Em 418, por exemplo, o Concílio
de Cartago opõe-se às idéias de Pelágio, confirmando a necessidade do
batismo para a salvação humana. O Concílio de Orange, em 529, confirma esta
doutrina. No Concílio de Trento, em 1546, são aprovados os textos mais
importantes em relação à questão. Partindo de uma interpretação literal do
livro do Gênesis, apresenta uma visão do pecado original que pouco se
coaduna com as categorias científicas e filosóficas contemporâneas. Em
1968, o Papa Paulo VI confirmava as idéias difundidas pelo Concílio de
Trento.
Para Santo Agostinho, o mal é simplesmente uma "privação do bem". O pecado
é o afastamento de Deus e apego as criaturas. Santo Anselmo acrescentará um
dado novo importante: o mal é a "ausência de um bem devido"; Santo Tomás
sublinhará que o mal é "privação de um bem particular". O pecado é
afastamento da "medida", a violação das normas da razão e da "Lei eterna".
São Boaventura, num enfoque franciscano do pecado, aponta-o como a
incapacidade e resistência de não se deixar moldar por Cristo, afastando do
princípio primeiro; resultado disso é que o ser humano acaba trocando o bem
efêmero, a vontade de Deus pela vontade própria, o verdadeiro pelo imediato
e útil, a reta razão pelo que parece agradável no imediato. A mesma
tradição cristã costuma distinguir o mal natural, que independe da
liberdade humana, e o mal resultante do mau uso da liberdade, ou seja, o
mal moral (pecado).
O Catecismo da Igreja Católica defini muito bem o pecado: " é uma falta
contra a razão, a verdade, a consciência reta, ao amor verdadeiro, para com
Deus e para com o próximo". O pecado se torna um egoísmo e consequentemente
uma negação de Deus. Ele feri a natureza do homem e ofende a solidariedade
humana. É um ato contrário à Lei eterna, pois destrói a caridade.
 
5.5- O Pecado e a pessoa
A Moral Renovada não se contenta com uma visão de pecado como realidade
isolada. Antes, vê o ser humano na sua globalidade, colocando o peso na
pessoa. Isso enfatizou uma moral de atitudes. Esta preocupação tem levado a
teologia moral a busca de categorias globalizantes para entender o pecado,
pois o ser humano não pode ser entendido como dividido em compartimentos.
Ao falar em opção fundamental, a moral renovada quer apontar para aquela
atitude básica que funda os centros de interesses e a escala própria de
valores que norteiam a vida de uma pessoa. Ela é o núcleo central do ser
humano que indica a sua orientação de vida. O homem, segundo o Papa João
Paulo II é capaz de orientar a sua vida e tender, para o seu fim, seguindo
o apelo divino. Esta capacidade é realizada através de escolhas livres e
conscientes.
A plenitude da vida moral vai se realizar na medida em que o homem opta
explicitamente por Deus, com todo o seu ser e toda a sua vida. O ser
humano, pela liberdade, pode opor-se a opção fundamental, voltando-se
contra Deus. O homem é livre e responsável, sabendo o que lhe faz mau, ele
faz em plena consciência. Ainda que as pessoas ou a sociedade que o cercam
o levem de uma maneira ou de outra a fazê-lo, ele é o responsável em última
instância pelo que faz. Mesmo conservando a fé, ele perde a caridade, a
graça santificante e a bem- aventurança.
O Catecismo da Igreja Católica distingue os pecados segundo a sua
gravidade, repondo a distinção entre pecado mortal e pecado venial. Um
pecado vem a ser mortal quando é realizado em plena consciência e
deliberadamente ; é venial quando é realizado sem plena consciência e/ou
sem pleno consentimento.
A moral renovada mexeu nas lacunas e nos defeitos de compreensão do pecado.
Mexeu com os exageros do juridismo que via o pecado como desobediência a
mandamentos e prescrições. Incidiu sobre o objetivismo que se preocupava
com a materialidade do ato, sem preocupação real com o sujeito. Foi de
encontro ao individualismo e a moral dos atos que faziam com que o pecado
não incorporasse sua dimensão comunitária e social.
 
5.6- O pecado social
Hoje, ouvimos falar do pecado social ou estrutural. Este pecado é fruto do
pecado pessoal, que transcendendo a pessoa, atinge as estruturas sociais,
políticas, econômicas e religiosas, colocando o ser humano a serviço dos
interesses institucionais e ideológicos.
A crise de identidade que o homem contemporâneo tem vivido, a perda de
valores humanos e existenciais que tem levado a muitos ao suicídio, o
processo de desumanização e de exclusão social que vivemos nos países
subdesenvolvidos e os demais males que assolam a humanidade, são
conseqüências deste pecado que corrompe o ser humano e as instituições
fazendo com que cada vez mais, o homem negue a sua natureza e se feche em
si mesmo. Ao ensimesmar-se, o homem nega o projeto de vida criado por Deus
e colocado a seu dispor numa atitude de gratuidade e amor, entrando num
conflito existencial gerador de sofrimento e morte, sinais sensíveis nos
dias atuais.
Esse projeto de Deus é retomado num plano de salvação que vai se
desenrolando, na medida em que o homem, no seu caminhar, percebe as suas
limitações e reconhece a ação do Criador que vem ao seu encontro. Então,
Ele chama homens e mulheres de fé para servi-lO. São os patriarcas e as
matriarcas da fé, homens e mulheres que se mantiveram fiéis ao projeto de
Deus e transformaram a história.
As situações de pecado estão diante de todos: injustiças, pobreza,
analfabetismo, prostituição, aborto, exploração, salários injustos etc..
Isso, à luz da fé em Jesus Cristo, é uma contradição. O luxo de alguns
poucos converte-se em insulto contra a miséria das grandes massas. Isto é
contrário ao plano do Criador e a honra que lhe é devida.
A Igreja nos ensina que não basta não fazer o mal é preciso fazer o bem,
pois o bem que se deixa de fazer é uma vitória dada ao mal. O pecado é uma
dupla ferida que o pecador abre em si mesmo e na sua relação com o próximo.
Quando se fala em pecado social vem à tona dois termos para falar dele. O
primeiro é a situação de pecado e estruturas de pecado.
Ao se falar em situações de pecado está se referindo a situação história e
concreta em que vive o homem. A IV conferência geral do Episcopado Latino-
Americano, realizada na cidade de Santo Domingo, reconhece a dramática
situação a que o pecado leva o homem. O homem criado bom, à imagem do
próprio Criador, ao pecar, cai na inimizade com Ele e consigo próprio.
Dividido em si mesmo, rompeu a solidariedade e destruiu a harmonia da
natureza. A conferência reconhece a origem dos males individuais e
coletivos que levaram as América Latina as guerras, ao terrorismo, as
drogas, a miséria, as opressões e injustiças sociais.
O termo estruturas de pecado busca uma compreensão mais profunda da
realidade, identificando as raízes dos males que nos afligem. Remete-se aos
mecanismos sociais e para as constantes históricas em cuja raiz encontra-se
o pecado, tanto em seu aspecto pessoal como nas próprias estruturas. Ao se
falar em estruturas do pecado aponta-se para aquelas formas de egoísmo, de
vistas curtas, de cálculos políticos errados, decisões econômicas
imprudentes, a busca exclusiva do lucro, a sede de poder. Isso acaba
criando um mundo de obstáculos que minam as relações sociais.
O pecado cria um mundo que se solidariza com ele e arrasta consigo a Igreja
e toda a sociedade. Ele é social por que repercute, com maior ou menor
veemência, com maior ou menor dano, em toda a estrutura da família humana,
ferindo a dignidade humana e indo de encontro ao bem comum e suas
exigências. Ele fere os direitos e deveres dos cidadãos.
O pecado social é o fruto da acumulação de muitos pecados pessoais: "quando
você machuca um dedo, ou sofre so estomago, ou tem dor de dentes, não é
todo o corpo que sofre? Por acaso você tem alegria, quando tem dor de
dentes, só porque a garganta não doi? A mesma coisa a contece quando
pecamos.". Se por um lado cresce a responsabilidade do ser humano como
agente da história e da sociedade, por outro cresce o peso dos
condicionamentos impostos pelas estruturas sócio-econômicas e políticas na
formação da consciência. Assim, é imprescindível não esvaziar a
responsabilidade de pessoas e grupos.
Em suma, quando é gerada e favorecida a iniqüidade com as omissões; quando
nada é feito para evitar os males sociais; quando se reproduz, mesmo em
escala menor, a violência; quando se introjeta e se identifica com
desvalores reinantes; quando se cruza os braços, tentando escapar pela
tangente se omitindo do que é possível para mudar a realidade, o homem se
torna colaborador do pecado e consequentemente participante do pecado
social. Enquanto cristãos somos responsáveis por toda a humanidade e , pela
fidelidade a Cristo, senhor da história e libertador do homem, somos
convocados a uma busca perene do discernimento daquilo que constitui
plenamente o humano e nos afastar daquilo que o destrói.
 
5.7- As virtudes
As virtudes pertencem à intimidade das pessoas. Ninguém nasce com uma
coleção de virtudes prontas. É na práxis da vida que elas brotam. Na
disposição do homem à busca da verdade para a realização de si e da
comunidade em que vive. Elas são um dom que aponta para aquilo que é o ser
humano. Não se trata de ter virtudes, mas de ser virtuoso. E é nesta busca
constante que o homem encontra com a autenticidade, a transparência e
coerência da sua existência. O ser humano é um eterno insatisfeito, pois
nele há uma ânsia de plenitude e de verdade. Sente-se impelido a construir
algo e, com incansável ardor, a buscar o sentido da vida.
É importante ressaltar que ninguém aprende as virtudes por si mesmo, mas
conforme os exemplos que, desde jovem, recebe no espaço da família, na
comunidade, e no mundo em que vive. E ninguém pratica a virtude para o bem
próprio, mas para servir ao próximo e a comunidade de irmãos. O contrário
não para pelo âmbito da virtude, mas sim do pecado do orgulho e da avareza.

Na vida cristã a vida virtuosa é um aprendizado. Nela opera a generosidade
de Deus que comunica a sua força, sua virtude, aos homens de boa vontade,
para que os frutos do Espírito Santo sejam a força na fraqueza humana e,
assim, viver a disciplina de discípulo, como aprendiz, num esforço e num
zelo do seguimento do Mestre Jesus.
O ser humano busca "ser mais". Ele busca vias para ser melhor. Nesse
sentido, é necessário um engajamento de vida e fidelidade a opção
fundamental da vida. A responsabilidade, a partir de seus atos livres,
deverá guiá-lo para um domínio cada vez maior de si. Isto possibilita uma
grande estabilidade no agir, uma segurança, tranqüilidade, alegria e leveza
no seu modo de ser diante dos objetivos.
A virtude é a força (virtus) que impulsiona a atitude verdadeira do próprio
ser do homem pela busca da perfeição. É a busca constante de ser a imagem e
semelhança de Deus. A virtude é uma caminhada, na qual o homem se pergunta:
"o que devo fazer de bom para ajudar na construção do Reino de Deus?". É
bom lembrar que isso não e algo pronto, mas um processo vital que exige
empenho contínuo.
Deus é o grande escultor que liberta o homem da escravidão. Nas mãos de
Deus o homem é uma obra inacabada que participa da natureza divina, em
Jesus Cristo. É nesse pressuposto que a presença viva e ativa do Espírito
Santo atua no homem. Ele é a força misteriosa e move a vida humana. Nele
não há manipulação, outrossim, ele mostra a verdade divina: o amor.
Ser habitado pelo Espírito Santo significa acolher o vigor de Deus tornando-
se forte, virtuosos e imitador de Deus. É revestir-se do homem novo. Diante
dos sistemas de morte, os cristão, pela fé, na força do Espírito, são
convocados a testemunharem os sinais da graça divina para a defesa e
resistência da vida.
Os primeiros Cristãos testemunhavam, pelo Espírito, a sua fé, sendo um só
coração, dividindo seus bens para que não houvesse um só indigente, sendo
unânimes na doutrina dos apóstolos, nas reuniões em comum, na fração do Pão
e nas orações. A virtude dos primeiros cristãos brotava da imitação de
Cristo que gerava, pelos dons do Espírito Santo, a vida nova.
A busca da virtude é uma constante. Ela nos coloca no caminho da perfeição,
rumo a novos horizonte, se libertando do pecado. Nesta busca, a cada dia,
nos tornamos mais humano, sem ter a vã preocupação de já ter conquistado
objetivo, mas prescindindo do passado e se colocando em perseguição do que
fica para a frente, correndo para a meta, para a coroa da vocação a qual
Deus nos chamou em Cristo Jesus.
 
5.7.1 As Virtudes Morais ( Virtudes cardeais)
 
O cristão é um militante da vida e da salvação. Ele se torna virtuoso na
medida em que emprega a sua vida na imitação da vida de Cristo, seu único
Mestre e Senhor. A virtude não é um isolamento, mas um se colocar no mundo
enquanto testemunho vivo da misericórdia do pai, revelada em Jesus Cristo.
Nesta militância , com a arma da humildade, as virtudes morais constituem-
se no sustentáculo de uma vida moralmente boa. Elas funcionam como
dobradiça, por isso são chamadas de virtudes cardeais, pois as demais
necessitam delas e/ou se agrupam em tono delas.
Elas são: a prudência , a justiça, a fortaleza e a temperança. A prudência
nos leva a discernir o verdadeiro bem e os caminhos para realizá-lo. Ela
separa o que é digno, justo, honesto, virtuoso de tudo o que mentiroso,
falso, indigno, malicioso dentro da complexidade humana. A prudência julga
o acontecido e o que há de se fazer. É uma tomada de posição de acordo com
o bem.
A justiça consiste na vontade constante e firme de dar a Deus e ao próximo
o que lhe é devido. Consiste em respeitar os direitos de cada um e
estabelecer a harmonia em prol do bem comum. É a ligação entre direito e
deveres cuja ação é responsável na medida em que estabelece a reciprocidade
entre as pessoas e classes sociais. Ela supera todas as formas de
discriminação e estabelece o ideal de igualdade entre os homens.
A fortaleza é a energia vital que permeia o ser humano. Ela canaliza a
agressividade; não esmorece diante das dificuldades, vence o medo, supera
os obstáculos. Ela é a força para vencer o pecado e seguir adiante na busca
da construção do Reino de Deus. Ela encoraja o homem a testemunhar o amor
do Pai e anunciar a Boa Nova de Jesus. É a coragem para viver melhor.
A temperança modera a atração pelos prazeres e procura o equilíbrio no uso
dos bens criados. Ela não suprimi os desejos e prazeres e freia a
espontaneidade, outrossim, equilibra e evita os excessos. Ela conduz o ser
humano ao uso pleno da liberdade na responsabilidade desvinculando a
libertinagem da ação humana. Ela é o justo meio onde cada ser humano pode
encontrar o seu equilíbrio para uma vida digna e realizável .
 
5.7.2- As virtudes Teologais
 
As virtudes morais são a força do ser humano mergulhado na história deste
mundo. Mas elas por si só não atingem o âmago do ser cristão. A essência de
ser cristão precisa das virtudes teologais.
As virtudes teologais fundamentam, animam e caracterizam o agir moral do
cristão. Informam e vivificam todas as virtudes morais. Elas apontam para
as raízes mais profundas da expressão testemunhal do ser cristão.
O sentido originário de ser cristão é movido pela virtude teologal que está
sob a égide da caridade, da alegria, da paz, da afabilidade, da bondade, da
doçura, da temperança.Elas não são aquisições humanas, mas dom de Deus que
é infundido, mediante a liberdade, no ser humano. Mesmo que elas necessitem
do esforço humano para concretização do projeto fundamental é Deus quem, na
sua infinita misericórdia, plenifica.
A fé é a virtude de entrega a Deus. Por ela o homem livremente deseja
cumprir a vontade de Deus se entregando por completo. Mas, sem o amor e a
esperança a fé não une o homem a Cristo, pois ela é uma resposta de amor
daqueles que , somente, em Deus esperam.
A caridade está intimamente ligada à fé. O crer e o amar se entrelação. A
entrega a Deus se faz num comportamento solidário capaz de criar comunhão
entre os homens e transformar o mundo. Ela destrói os ídolos, a
prepotência, a soberba que queiram substituir o único Senhor que é Deus e
cria laços de diálogo e partilha.
A esperança não teme a morte, pois a certeza do amor de Deus que em Cristo
conduz o homem à certeza de tudo vencemos graças à aquele que nos amou. Ela
impede que fiquemos de braços cruzados ante o "já" conquistado, para abrir-
nos ao futuro, o "ainda não" da salvação.
Em síntese, pelas virtudes somos fiéis ao amor de Deus. O sinal da
fecundidade de uma vida virtuosa é sempre o amor, como Paulo afirma: "Toda
Lei se encerra numa só palavra: Amarás teu próximo como a ti mesmo". Esse
amor ao próximo encontra sua raiz no amor de Deus que nutre todas as
virtudes.
 
6- A sexualidade humana
 
6.1- Introdução
 
Nos últimos anos aconteceram muitas mudanças na compreensão e nos
comportamentos próprios à sexualidade. As ciências humanas, sobretudo a
psicanálise, os meios de comunicação como jornais, televisão, radio,
revistas trouxeram elementos novos para dentro das famílias e influenciaram
o quadro da sexualidade.
A sexualidade apresenta-se como realidade a ser vivida e ser entendida. Ela
é uma constante de toda a história humana. Sua presença se faz nos mitos,
nas lendas, nos ritos, no mundo das artes, das comunicações e da própria
religião. Ora de maneira romântica, ora de maneira habitual, ora acenando
para o mundo de felicidade, ora ameaçando com toda a sorte de desgraças. A
sexualidade contempla, ao mesmo tempo, as pessoas na sua individualidade e
as pessoas nos seus múltiplos relacionamentos.
Muito embora a função reprodutiva tenha merecido extenso tratamento, a
sexualidade, durante muito tempo, foi ignorada, limitando-se ao genital.
Todavia, ela envolve sentimentos que abarcam todo o corpo, sendo é a
energia estruturante do ser humano nas suas múltiplas dimensões.
Poucas imagens retratam melhor a sexualidade humana do que a esfinge. Ela é
um mistério que fascina e envolve todo o ser humano. É um santuário
guardado a sete chaves. Muito embora diversos ramos do saber e do crer a
tentem desvendar, ela continua sendo o mistério sagrado da vida humana.
Como um mistério a ser desvendado ela se configura sempre numa sociedade e
cultura. Daí a importância de contextualizá-la.
A sexualidade sempre se estrutura através de um corpo. Ignorar o corpo
seria ignorar sua base material. O grande desafio é desvincular a
característica humana da sexualidade da característica animal. O corpo
humano é mais do que um corpo animal. A sexualidade também se expressa pelo
corpo social, ela não só é moldada por fatores biológicos, mas também pela
sociedade em que se vive. A sexualidade também se expressa por aquilo que
se chama "corpo espiritual". Nele esta a afetividade, os sentimentos, a
capacidade de amar, de ajudar, de comunicar o amor. Nenhum ser humano vivo
é assexuado, mesmo aquele que não abraça, não se comunica, não demostra
sentimentos, mesmo aquele que está em coma num hospital é sexuado.
A sexualidade não pode ser confundida meramente com sexo. Esse é o plano
genital da sexualidade. A penetração pênis/vagina é uma das partes de toda
amplitude da sexualidade. Ela envolve toda a realidade humana, emocional,
psicológica, espiritual. Todo o relacionamento humano é sexuado. O homem é
sexuado de corpo inteiro 24 hs por dia, desde a fecundidade até à morte, da
ponta de cabelo da cabeça à unha do pé. Qualquer gesto que o homem faz, um
aperto de mão, um abraço, um toque, um olhar, é um gesto sexuado.
A sexualidade possui muitos pontos de estrangulamento. Um primeiro ponto
são as grandes mudanças que marcam hoje o significado do corpo. Este passa
a ser entendido como objeto, até de conquista. E nesta expressão ele é
entregue como meio de produção, para render, ganhar, comercializar e
consumir. O corpo passa a ser conquistado, submetido, explorado sendo um
objeto rentável. Um outro ponto é a domesticação. O prazer é adiado, a
fecundidade fica para quando o dinheiro permitir. Essa mentalidade pretende
dominar o corpo separando a sexualidade da pessoa, como se ela fosse um
objeto na qual o ser humano se serve. Daí procede uma gama de compensações:
pornografia, loteria e jogos diversos, criando uma neurose social.
A sua sexualidade, no ser humano, é sagrada. Ao fazer uso dela, ele o faz
para a sua sobrevivência. Todavia, se não houver um equilíbrio, nas sua
manifestação, o ser humano fica comprometido até a última conseqüência.
Hoje diante do bombardeio de imagens das televisões, dos meio de
comunicação, das revistas fica uma impressão de que o ser humano está
brincando muito com a sexualidade. O que expressa a sexualidade hoje é
meramente o corpo, mais precisamente o genital. Essa centralização,
meramente no âmbito genital, compromete todas as relações humanas,
sobretudo as relações homem-mulher. Isso se constitui numa banalização. É
preciso construirmos uma Educação que pressupõe uma compreensão da
sexualidade enquanto sagrado, a fim de humanizar o ser humano.
 
2. A visão bíblica da sexualidade
6.2.1 O Antigo Testamento
O culto dos deuses da fertilidade predominava especialmente em Canaã, onde
Israel se estabeleceu. A sexualidade e a procriação eram consideradas como
algo misterioso, pertencente a esfera do divino. A visão do matrimônio,
expressa no livro do gênesis, contrasta com a realidade dos vizinhos de
Israel. Tanto para Israel quanto para Canaã a sexualidade, e, tudo que lhe
diz respeito, era uma misteriosa dádiva divina. O novo elemento não
consistia em que Israel concebesse a sexualidade como algo não-religioso,
ou que considerasse os frutos da virilidade no homem ou da fertilidade na
mulher como menor ou maior valor por seres dádivas divinas. Mas, o que era
totalmente novo era a visão que Israel tinha de Deus. Um Deus que não era
restrito ao âmbito da natureza.
Na cultura semita o ser humano é uma totalidade unitária. Para fala do ser
humano a Bíblia usa palavras como basar, nefesh e ruah. Existe um sentido
unitário do ser humano, no sentido de um espírito corpóreo e/ou corpo
espiritual. A sexualidade humana é uma realidade do mundo criado, mas com o
resto da criação, possui uma significação simbólico-sacramental apontando
para o Deus criador. Ela deve ser valorizada como um dom do Deus Criador-
Salvador. Israel encontra-se com um Deus que escolhe, interpela e
estabelece uma relação dialógica com os homens. O homem e a mulher existem
pela palavra criadora de Deus Pai. A diferenciação sexual é uma realidade
boa e querida por Deus tomando parte no seu projeto criador. Não é
resultado de castigo e nem obra do mal.
O encontro homem-mulher, segundo a teologia da criação, não é uma relação
de opressão e/ou domínio. É uma vivência radical de superação da solidão,
se tornando uma expressão de sociabilidade do ser humano. Mas, o
relacionamento do homem e da mulher se distanciam do plano criador. O homem
e a mulher pecam. Ao se afastarem do projeto criador rompem o diálogo e a
relação que possuíam. Nisto, a sexualidade que estava proposta para a
mediação do afeto mútuo, do amor e da entrega, passa a ser um instrumento
de dominação do parceiro. A sexualidade se transforma em domínio.
O período de exílio na babilônia permite, ao povo de Israel, uma
reavaliação pertinaz da fé. Os que ajudaram nesta reflexão são os profetas,
entre eles se destacam Ezequiel e o Deutero Isaías. Nesse sentido, a
reflexão, no que diz respeito a sexualidade e a fecundidade, se propõe no
âmbito de que elas são a expressão da bondade e da santidade de Deus. A
proposta sacerdotal acerca da sexualidade propõe dois objetivos: a
fecundidade matrimonial e o domínio da natureza.
Nesta perspectiva está o livro de Tobias. Nele há uma interpretação do
matrimônio, não para satisfazer uma paixão desordenada, mas para uma
sexualidade e um erotismo moderados. O matrimônio é visto a partir de dois
objetivos: procriação e ajuda mútua. Toda a sexualidade deve estar sob o
controle da virtude da temperança.
A união do homem e da mulher é utilizada pelos profetas como símbolo da
Aliança de amor entre IAHWEH e o povo de Israel. Nos escritos sapienciais o
amor conjugal é bom, sempre que bem fundamentado moral e religiosamente. No
entanto, é verdade que são freqüentes os textos em que a mulher é
apresentada como encarnação do mal. Os autores sapienciais dão uma
orientação prática sobre diversos aspectos da vida concreta, como o
trabalho, as riquezas e a pobreza, a saúde, e especialmente as virtudes que
fazem as pessoas sábias: temperança, moderação, cuidado com a linguagem,
autocontrole, humildade etc.
O Cântico dos Cânticos se destaca sobre o fundo da fé de Israel, onde se
considerava a sexualidade e o matrimônio fora da esfera religiosa. Era um
ambiente penetrado por uma visão mítica e sacral que divinizava o controle
da sexualidade. O Cântico dos Cânticos transmite uma visão do amor erótico
e da sexualidade puramente humana. Descreve o esplendor da sexualidade
humana. Nele o amor humano se referencia na beleza física, no erotismo, na
cumplicidade do amor conjugal. Nele a sexualidade não é um castigo, mas uma
dádiva de Deus. Ela é o mútuo reconhecimento, a forma suprema que têm os
seres humanos para conhecer-se, não a partir da mente, mas de todo o seu
ser, da experiência com o outro, para se formar uma só carne. Quando se
ama, toda a natureza parece um grande símbolo do amor, da mulher , do
homem. O carinho, o respeito, a dignidade do outro, a alegria, a gratuidade
são gestos que expressão o sentido da sexualidade humana neste livro. É uma
visão da sexualidade responsável, firme, fiel e sagrada que une homem e
mulher como companheiros de jornada.
 
6.2.2 O Novo Testamento
O centro do Novo Testamento está na salvação oferecida por Deus. Tudo
vigora à luz de Cristo. A sexualidade e o matrimônio estão propostos para e
na relação com o Reino. A relação homem- mulher devem estar na mútua
fidelidade, segundo o desígno do Criador, "pois o que Deus uniu o homem não
separa".
A postura de Jesus e suas atitudes, em relação à sexualidade, é no seu
trato com as mulheres. Sua severidade em cumprir a Palavra de Deus concorda
com uma grande tolerância em relação às pessoas e maturidade na relação com
as mulheres, opondo-se até as estreitas normas sociais. São inúmeros os
milagres em favor das mulheres. Um destes milagres é a cura da mulher que
padecia de hemorragias e que só ansiava por tocar o seu manto. É um milagre
que afeta a genitalidade feminina.
Todos os evangelhos mostram Jesus numa grande abertura e relação franca com
as mulheres; a conversa de Jesus com a samaritana; as mulheres que o
seguiam; sua relação com Maria Madalena. Esses testemunhos mostram que os
relacionamentos de Jesus com as mulheres estava dentro da proposta do
Reino, ou seja, com muita maturidade e equilíbrio. Ele sempre aponta na
direção do amor. As prescrições sobre "impuro" e "puro", em matéria sexual,
na perspectiva das leis de seu tempo, são rejeitadas por ele. A pureza ou a
impureza brotam do coração do homem. Portanto, a intenção de cometer
adultério já é uma impureza.
Para Paulo a sexualidade e o matrimônio não são realidades sagradas em si
mesma, são realidades criadas, terrestres. Mas são assumidas como sinal da
entrega e do amor entre Cristo e a Igreja. E o amor-união entre Cristo e a
Igreja fundamenta, orienta e fortalece o relacionamento mútuo entre os
esposos. Neste sentido, a sexualidade tem como paradigma a união de Cristo
com a Igreja. O matrimônio é bom, mas o celibato e a virgindade constituem
um "dom melhor ainda".
É preciso entender que para Paulo tudo está centrado para a perspectiva
final da história. Por isso ele defende a supremacia da virgindade e do
celibato. A realidade deste mundo, para Paulo, é passageira, portanto, é
preciso trabalhar em vista da mudança que se aproxima. Porquanto, ter
esposa ou não, ter riqueza ou não, gozar ou sofrer pouco importa, face a
nova situação que se aproxima.
O amor erótico deve ser situado no âmbito do amor ágape. O amor ágape
penetra toda a vida Cristã e é a chave das portas do Reino de Deus. Ele se
manifesta plenamente em Jesus Cristo devendo permear todo o relacionamento
homem-mulher, a fim de que estes superem as tentações, sem pretensões de
coisificar o outro, mas exaurir a intenção do serviço mútuo.
 
6.2.3 A tradição da Igreja e a sexulidade
 
As primeiras comunidades cristãs tinham contato direto com a cultura
helênica. O cristianismo se utilizou de muitas categorias desta cultura
para transmitir o Evangelho. O esquema de fundo, do pensar Cristão, deixou
a bordagem semita e incorporou a grega. O dualismo platônico foi se
infiltrando no cristianismo. A vida moral cristã assumiu uma perspectiva
pessimista diante da sexualidade chegando a repressões dentro do casamento.
A moral era mais fiscalizadora de impultar pena, do que a de educar para a
vivência em cristo.
O desprezo da corporeidade e do prazer entrou na moral cristã. Santo
Agostinho, na sua carta a Proba e A Juliana explicita esse pensamento. Por
si só o homem de nada vale. A rebeldia do primeiro pecado se manifesta na
rebeldia da carne, ferida da natureza, que é transmitida pela geração a
toda criança que nasce. O ato sexual em si reativa a ferida, ofusca a
lucidez do logos e compromete a dignidade humana. Mas esse risco pode ser
controlado dentro do matrimônio cristão, pelo bem da prole, o bem da
fidelidade e o bem do sacramento. Este pensamento, que nasce do platonismo,
pesará sobre a moral cristã durante longos séculos.
São Jerônimo tem uma visão da mulher e da sexualidade muito maquineista . A
sexualidade está somente no plano animal. Não há relação entre sexo e amor.
A virgindade é o único ideal do cristão. A mulher é um instrumento do
demônio. O casamento é tolerado em função da procriação. Para ele, de Adão
até Cristo foi o império do sexo. Mas com a encarnação do Cristo tudo
mudou. Os batizados são consagrados e chamados a viverem uma vida virginal.
Tomás de Aquino com as características aristotélicas revoluciona o seu
tempo ao mostrar uma profunda unidade entre corpo e alma. Corpo e sexo são
naturais ao homem. O prazer sexual não precisa ser compensado por outros
valores. Portanto, em teoria, Tomás de Aquino supera o dualismo platônico.
Embora considere a amizade uma forma de união entre o homem e uma mulher,
ele não vê a sexualidade como expressão desta amizade. Os dois níveis
continuam separados. A procriação é um ofício natural do ser humano na qual
a relação sexual está proposta.
Influenciada pela antropologia neoplatônica o dualismo se introduz na vida
da Igreja. As influências do estoicismo, que tem uma marca do rigorismo,
geraram um pessimismo na atitude dos cristãos a respeito a sexualidade. A
sexualidade era vista com um significado meramente biológico, cuja
finalidade era a procriação. Durante muito tempo, na Igreja, se viu uma
acentuada desconfiança em relação ao prazer sexual. A dimensão relacional,
interpessoal, da sexualidade estava longe de ser percebida.
As ciências humanas ajudaram muito a Igreja a repensar o sentido da
sexualidade e a buscar uma exegese bíblica e uma reflexão teológica sobre o
tema. O Concílio Vaticano II na constituição Pastoral Gaudium et spes
assumiu uma visão personalista da sexualidade levando a correção dos
acentos unilaterais com que a tradição focalizava a procriação como o fim
principal da sexualidade. A sexualidade está a serviço da relação pessoal
homem-mulher. A finalidade da procriação deve estar situada no interior
desta relação. O homem se realiza, na perspectiva Cristã, como pessoa
integrada na dimensão relacional e na função procriadora da sexualidade.
Em suma, a sexualidade atravessa toda a vida do ser humano. Ela é parte
integral da capacidade concreta de amor que Deus inscreveu no homem e na
mulher. Ela é um bem, um dom criado por Deus. Deve ser orientada, a fim de
levar as pessoas a viver a comunhão em vista de um relacionamento
autêntico, onde o amor altruísta seja assumido pela pessoa para uma
integração onde ela não mascare os seus sentimentos , mas os viva sob a luz
do amor de Deus.
 
7- A vida Humana e o seu valor
 
7.1- Introdução
 
O direito à VIDA se constitui no direito fundamental do ser humano. Mas
para que o homem goze, plenamente, desse direito fundamental é preciso que
ele também tenha o direito à educação, ao trabalho, à saúde, à liberdade de
expressão e de associação. A vida é valiosa em si mesma sem necessidade de
adjetivos ou acréscimos. A vida e um embrião tem o mesmo valor da de um
adulto, criança ou idoso, rico ou pobre, inocente ou criminoso. A vida do
mais insignificante e do mais vil dos humanos é digna de respeito.
Jesus Cristo apresentou o núcleo central da sua missão: "Eu vim para que
todos tenham vida e vida em abundância". O projeto salvífico de Jesus, que
instaura o Reino de Deus, tem como fundamento a dignidade da vida humana.
Ao atos de Jesus, as curas, os milagres e os confrontos com os fariseus
refletem o testemunho de restauração da dignidade humana. A sua vida se
esmera no velar pela condição basilar de dignidade da vida humana. Dando a
própria vida ele recupera a dignidade da vida humana ao ressuscitar.
 
7.2-A vida humana é inviolável
 
Não pode haver nada mais grave na escala moral do que a iniciativa de tirar
a vida de alguém. Nem o dinheiro, nem a fama, nem o amor é superior à vida.
Quem atenta contra à vida tem que ater-se às conseqüências. A vida humana é
sagrada, porque desde a sua origem supõe ação criadora de Deus. Portanto, a
vida humana possui um caráter sagrado e inviolável. A Didaké, "o catecismo
das primeiras comunidades cristãs",revela que o caminho da morte é não ter
compaixão do pobre, não sofrer com o enfermo e não reconhecer a Deus como
Criador e, continua: "...são assasinos de criança, corruptores da imagem de
Deus, desprezam o necessitado, oprimem o aflito, defendem os ricos, são
juízes injustos e, por fim são pecadores consumados". A carta do pseudo
Barnabé mostra o valor inviolável da vida quando diz: "amarás o teu próximo
mas que tua própria vida. Não Matarás o teu filho no seio da tua mãe....
Ora, diante da liberdade do ser humano, o homem é dono da sua própria vida
e tem o poder de tirá-la ao seu bel-prazer? A dignidade humana nasce de seu
valor intrínseco. Ela é valiosa para os outros e para si mesma. Ninguém
pode atentar contra esta realidade. A liberdade está proposta numa co-
responsabilidade que tem o caráter de preservação da vida.
Quando falamos do problema do aborto vários são os questionamentos acerca
de quando verdadeiramente a vida começa. Há várias interpretações. Algumas
vão afirmar que há vida só no sentido biológico, outras meramente no nível
da consciência da realidade, na comunicação e responsabilidade. A Igreja é
sábia em dizer que no instante da fecundação do óvulo pelo esperma inaugura-
se uma nova vida que não é a do Pai nem a da mãe, mas sim de um ser humano
que se desenvolve por conta própria. Daí está prefigurada o início da vida.
O aborto seria uma violação desta vida, uma intervenção que não vislumbra o
direito à vida, mas sim um egoísmo que leva a uma falta moral contra a
dignidade humana.
Da mesma forma quando se fala em eutanásia a pergunta é: Quando termina a
vida? Várias são as afirmações. No plano médico a parada respiratória e
cardíaca já designa o fim da vida, muito embora haja técnicas de respiração
artificial que perduram a vida dos doentes num plano vegetativo. A questão
é muito complexa. A Igreja defende o direito e o dever de empregar os meio
necessários para preservar a vida e a saúde. Há circunstâncias, em que a
atitude cristã diante da vida e da morte pede que se deixe "a natureza
seguir o seu curso". Não se trata de uma suspensão de medicamentos,
alimentação e cuidados, mas levar em conta os tipos de terapia os graus de
dificuldade as despesas necessárias e o resultado que se pode esperar:
"quando a morte se anuncia eminente e inevitável, pode-se em consciência
renunciar ao tratamento que daria somente um prolongamento precário e
penoso da vida, sem contudo, interromper os cuidados normais devidos ao
doente em casos semelhnates".
 
7.3-os desafios atuais
A ciência avança a largos passos. O século XX foi marcado por grandes
descobertas científicas. A manipulação genética, o projeto "genoma humano",
técnicas de reprodução assistida, a esterilização, o controle de
nascimentos, a eutanásia, a clonagem exigem um acompanhamento ético. Foi o
tempo em que tudo o que vinha da ciência recebia um caráter quase sagrado.
Embora ela cause fascínio e se coloque a serviço da humanidade ela pode
ameaça a vida. Os avanços científicos exigem uma capacidade de
discernimento muito grande, ainda mais quando se trata de áreas novas e em
rápida expansão.
A manipulação genética, que é a intervenção no campo da genética, tem tido
nos últimos anos uma evolução muito grande. Embora ela tenha o seu valor de
ajuda ao ser humano, na correção de anomalias, doenças hereditárias, no
campo animal e vegetal para uma produção alimentar de qualidade, ela também
pode , a partir de ensaios aventureiros, promover o super-homem.
A leitura do genoma humano, que são as informações contidas no DNA humano,
o uso da biotecnologia para fabricação de vacinas e tantos outros produtos
famacêuticos, ajudam o ser humano, mas também podem caminhar para o lado da
manipulação do ser humano. O espírito tecnológico dos nossos dias tende a
reduzir o ser humano a um complexo de informações genéticas. Se faz
pertinaz lembrar que o ser humano não pode ser reduzido a um conjunto de
informações genéticas. Ele compreende outros fatores que devem ser
acolhidos e integrados através da vida.
As técnicas de reprodução assistida trazem ao cenário de possibilidades,
por um lado e, por outro, desafios ético-morais, são elas: a inseminação
artificial, onde dar-se a fecundação, onde o sêmem masculino é introduzido
no útero da mulher por meios artificiais. A fecundação artificial (in
vitro) que consiste na fecundação em laboratório. A transferência de
gametas para o interior da trompas provoca o encontro do óvulo e do esperma
nas trompas junto ao útero para a fecundação. A clonagem que é uma
reprodução assexuada, sem união do óvulo com espermatozóide, que introduz
no núcleo de um óvulo uma carga genética completa, ou seja, remove-se os 23
cromossomos que o óvulo costuma ter e introduz uma mensagem genética de 46
cromossomos. Como todas as nossas células possuem um carga completa, o
doador pode ser um homem ou uma mulher. A criança que nascer será uma cópia
completa de quem doou os 46 cromossomos. Seria, por assim dizer, uma
sociedade sem Pai.
Numa avaliação moral a reprodução humana deve ter significado no ato
conjugal de caráter unitivo e procriativo. Quer para preservar a vida ou
para gerar a vida. Ela funda-se numa doação, numa abertura ao dom da vida e
não no sentido de fabricação humana. Muitos dos embriões da fertilização in
vitro que tem porcentagem de insucesso são guardados ou meramente
eliminados, pois são tratados como material biológico.
A clonagem na flora é muito salutar, mas quando se trata de ser humano é
muito perigosa. Não é possível pretender, por competência científica,
decidir sobre a origem do ser humano. No ponto de vista moral devem ser
salvaguardados os direitos e valores que constituem o ser humano.
 
7.4 - A questão ecológica
O homem recebe a tarefa de cuidar, defender e promover a vida. Ele detém a
responsabilidade sobre o ambiente da vida, sobre o seu habitat natural. O
ser humano e a natureza estão em constante relação. O homem exerce um papel
de destaque, pois ele pode planejar, pensar, intervir. Ele pode entrar na
cadeia ecológica numa atitude participante ou numa atitude depredadora.
O que ocorre, hoje, é uma crise ecológica no próprio ser humano. O ser
humano se separou da natureza e começou a violá-la. Daí todo o
desequilíbrio vital. Há um descaso com a casa comum do humano. Solos são
envenenados, ares são contaminados, seres vivos são estirpados, florestas
são dizimadas. Há uma violência contra o a casa humana. Milhões e milhões
de pessoas são condenados a viverem em favelas sem saneamento básico. Não
há um planejamento ambiental.
A verdade é que vivemos numa realidade onde o ambiente da vida está
condenado à morte. Por isso, a própria natureza reage dando sinais de
repulsa a esta condição que lhe é imposta. A proposta do Deus Criador é uma
comunhão ecocêntrica na qual ele vocaciona o ser humano para proteger,
amparar e ser co-responsável pelo ambiente em que vive.Um exemplo claro de
grandeza e virtude moral, acerca da proteção ambiental, está na cultura
indígena. Para eles a terra é solo sagrado onde toda vida onde o homem e
vocacionado a cuidar e ser cuidado por ela.
Nesta proposta, em 1855, o cacique Seattle, do povo Duwamish, numa carta ao
presidente americano, acerca da proposta de compra das terras indígenas,
escreve: "Como se pode comprar o céu, o calor da terra? Tal idéia nos é
estranha. Nós não somos donos da pureza do ar ou do resplendor da água.
Como então podes comprá-lo de nós?...Toda esta terra é sagrada para meu
povo. Cada folha reluzente, todas as praias arenosas, casa véu de neblina
nas florestas escuras, cada clareira e todos os insetos a zumbir são
sagrados na tradição e na e na consciência do meu povo. Sabemos que o homem
branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é
igual ao outro porque ele é um estranho que vem de noite e rouba da terra
tudo aquilo quanto necessita. A terra não é sua irmã, mas sim sua inimiga
e, depois de sugá-la, ele vai embora...Sua ganância empobrecerá a terra e
vai deixar atrás de si os desertos. Uma coisa sabemos que o homem branco
talvez venha um dia a descobrir: o nosso Deus é o mesmo Deus. Julgas talvez
que O podes possuir da mesma maneira como desejas possuir nossa terra. Mas
não podes. Ele é Deus da humanidade inteira. E quer bem igualmente ao índio
como ao branco. A terra é amada por Ele. Causar dano à terra é demonstrar
desprezo pelo seu Criador...Nós amamos a terra como um recém-nascido ama o
bater so coração de sua mãe...O nosso Deus é o mesmo Deus e esta terra é
querida por Ele"
 
 
8- O matrimônio
 
 
8.1 Introdução
 
Antes de figurar entre os sacramentos, o matrimônio existia. Ele é uma
realidade humana que está na raiz da própria humanidade. Nos povos
primitivos a celebração do matrimônio era um acontecimento sacral que não
se baseava diretamente no ato procriativo e tão pouco nas relações
interpessoais, dirigido à fundação de uma família, outrossim, numa
passagem, da mulher, de uma religião para outra.Com o passar do tempo
várias culturas vão retirar do seu eixo o sentido religioso e trabalharem
com o sentido humano do matrimônio. O mundo do antigo Egito foi o primeiro
a considerá-lo como um acordo entre o casal que se propunha a casar. Nós
primeiros séculos cristãos, os pagãos convertidos ao cristianismo já
estavam, na sua maioria, casados quando se tornaram cristãos. E para a
Igreja isso não era um problema. Nas primeiras comunidades não se tinha em
mente a celebração do matrimônio, na Igreja, distinta do matrimônio civil
normal. O matrimônio cristão era bem parecido com o dos pagãos. Como regra
geral ele deveria estar conforme o padrão de vida de seu próprio ambiente
de vida. O sínodo de Elvira (306) aceitou o casamento, celebrado como os
dos pagãos, de cristãos batizados.
O encontro homem-mulher, masculino-feminino, no matrimônio, tornou-se muito
cedo uma das pilastras fundamentais para a humanização. Mesmo havendo
variações, entre as sociedades e as civilizações, o matrimônio surge para
um verdadeiro amor. Os antropólogos e os etnólogos valorizam esta realidade
humana presente no matrimônio, que nada poderá substituir, pois nos dizem
que ela é uma realidade das sociedades humanas, na medida em que marca a
diferença ante as sociedades animais. Ele corresponde a vontade do Criador
desde o início da humanidade. O livro do Gênesis, nos seus primeiros
capítulos, mostra essa realidade convocando homem e mulher a se unirem e
formar uma só carne.
É aos poucos que a sexualidade vai recebendo suas regras; ela não é mais
algo a ser vivido entre machos e fêmeas indistintamente. Trata-se do elã
das relações de pessoas humanas que se reconhecem, se respeitam e recebem
da própria sociedade o reconhecimento devido.
 
8.1- O matrimônio como sacramento
 
Nos primeiros séculos cristãos não se conhecia o matrimônio na presença da
Igreja, como sacramento. O máximo que vamos ver na história é uma benção do
bispo ao casal, por ocasião de sua visita, durante a festa do casamento. O
casamento era baseado na lei romana do consensus. A Igreja aceitou a
sujeição de seus membros a legislação romana, sendo que até as causas
matrimoniais podiam ser levadas ao tribunal civil. A primeira prova de uma
celebração litúrgica do matrimônio aconteceu nas Igrejas de Roma e da
Itália no tempo do Papa Dâmaso (366-84). Em 406 o concílio de Cartago
requereu uma lei imperial proibindo contrair novo matrimônio às pessoas
casadas que tinham se separado. Isto mostra que a Igreja aceitava a
autoridade do Estado na questão legal do matrimônio.
No século XI ao XIII, recheado de uma gama de discussões, tendo como pano
de fundo o pensamento teológico de Santo Agostinho, baseado na carta de
Paulo aos Efésios, chamando o matrimônio de sacramentum é que a Igreja
começa a dar os primeiros passos no sentido sacramental do mesmo. Neste
pressuposto, Agostinho se referia ao sentido do matrimônio como sinal
sagrado. O matrimônio era indissolúvel pois era sinal de realidades mais
profundas do mistério de Cristo e a sua Igreja.
A partir dessa configuração histórica, a aliança matrimonial na qual o
homem e a mulher se unem, pelo amor, para gerar uma comunhão profunda entre
si , foi elevada, entre os batizados, à condição de sacramento, sinal do
amor e da presença de Deus. A significação sacramental do matrimônio é um
dom que reflete a Aliança de amor que Deus faz com os homens em Cristo
Jesus. Jesus é o primeiro e o único sacramento do encontro com Deus. O
matrimônio é uma realidade de amor na qual o homem e a mulher, unidos pela
fé em Cristo Jesus, através do batismo, se inserem na Aliança do Cristo com
a Igreja. É nesta experiência , que a vida matrimonial se torna sacramento
de vida e sinal da presença do amor de Deus. É o que nos diz o Concílio
Vaticano II: "Mas o autêntico amor conjugal será tido em melhor estima e
ganhará um sadio conceito na opinião pública se os cônjuges cristãos se
distinguirem em dar testemunho de fidelidade e harmonia nesse amor e no
cuidado pela educação dos filhos, e se participarem ativamente na
imprescindível renovação cultural, psicológica e social em favor do
matrimônio."
 
8.2 A família : o Santuário da vida
 
A família é um bem precioso para a sociedade. Ela é uma instituição
fundamental para à vida. Diante da cultura de morte que rodeia o nosso meio
se faz necessário ter um amor zeloso pela família. O indivíduo encontra
dentro da família a promoção da sua existência, pois a identidade dela não
é senão a de cuidar, zelar, proteger e comunicar o amor aos que dela
participam. Como Santuário da vida ela preserva a vida e o seu serviço não
se reduz meramente à procriação, mas antes, é a escola na qual se transmite
os valores autenticamente humanos e divinos.
O nosso passado está fortemente marcado por uma família de tipo patriarcal.
A palavra "chefe de família" designava o homem, o "macho". Ele é quem
detinha o comando. A mulher ficou subordinada em tudo ao homem. Ela ficava
em casa, cuidando das coisas "domésticas" e dos filhos enquanto o homem
busca o sustento. Com o auge da revolução sexual, sobretudo da luta por
direitos iguais entre o homem e a mulher, os papéis exercidos dentro da
família modificaram-se dentro de um contexto amplo de mudanças das relações
sociais. É bom lembrar que a sociedade girava em torno da família. Com a
revolução industrial e a urbanização surge um novo sentido da conjugação
familiar. O trabalho cooperativo é substituído pelo trabalho individual.
A grande industria trata os indivíduos não mais como famílias. O indivíduo
não carrega mais "o peso" das dependências familiares. Outrossim, está
centrada, agora, em critérios extrafamiliares. A urbanização é uma prova
concreta disso. A sociedade que antes girava em torno do mundo rural, tendo
como eixo o cooperativismo, onde as pessoas eram reconhecidas pelo nome da
família, passa agora a ser integrada a um sistema capitalista de consumo
individual.
Ora, se a terra não oferecia o sustento necessário à família, a busca por
melhores condições de vida leva um grande número de famílias a imigrarem
para as cidades. A industrialização e o mundo urbano é uma cultura
diferente da braçal vivida no mundo rural. Era preciso modificar o sistema
patriarcal. Para que houvesse uma condição de sobrevivência razoável era
preciso que outros membros da família trabalhassem.
Por conta dessa "Nova cultura" toda a realidade sócio-cultural toma outra
forma. As relações humanas se modificam. Os significados da vida mudam. Os
pressupostos éticos e morais tomam outra perspectiva. Os símbolos ligados a
religiosidade se redimencionam. Os laços entre as famílias se dissolvem,
desaparecem as normas de comportamento. O parentesco é redimencionado. Aí
aparecem: a solidão, o preconceito, o anonimato. Essas são algumas mudanças
que a família vem sofrendo ao longo da história.
A sociedade moderna desenvolveu várias formas de se "constituir" família,
Mas o modelo de "família nuclear" é o grande referencial da sociedade
humana. Por isso é necessário uma pedagogia da família. Neste sentido, a
"Pastoral Familiar" tem uma grande importância. Ela deve ser organizada
dentro da sua linha de ação: "Educar para o Amor". Se foi o tempo em
encontros de dois dias preparavam os noivos para o matrimônio. Este não é o
papel da pastoral familiar.
A pastoral familiar não é "familiar" das famílias bem constituídas,
outrossim, ela é "pastoral" e portanto deve conhecer a realidade concreta
da sociedade: os menores, as mães solteiras, os problemas da saúde, da
educação, da moradia, os fatores políticos, econômicos e sociais que
afligem a sociedade. Como também a realidade eclesial e se preocupar com
uma formação que ofereça vias à consciência do amor, numa perspectiva
vocacional, de aprofundamento da sexualidade humana, com fundamentos
teológicos e científicos. A pastoral Familiar é abrangente, por isso deve
ser a promotora do "Evangelho da vida".
Uma definição amiúde de ação pastoral para a pastoral familiar, seria
impossível. Mas, o necessário é compreender que a realidade familiar é
muito influenciada pela realidade social em que vivemos. Daí o papel da
Pastoral familiar não fica restrito ao âmbito eclesial, mas se expande para
o âmbito da sociedade
 
9- Indagações sobre os desafios morais da sociedade atual
 
A pergunta que nos permeia o interior é a seguinte: tanto caminhou a
consciência do ser humano, tantas foram as descobertas, as construções e
qual foi a moral que esta sociedade construiu? Construímos uma sociedade
que cresceu e cresce no nível da consciência, mas que não conseguiu
resolver questões profundamente morais: a guerra, a fome, o desemprego, as
relações humanas, as injustiças etc. Parece que a consciência humana ficou,
tão meramente, no âmbito externo da própria existência humana. O que
queremos afirmar com isso? Em uma frase: O homem avançou numa perspectiva
existencial e estacionou em outra: na relacional
Ora, parece que todas essas grandes descobertas humanas, do fogo a
descodificação do código genético, não deram ao homem a condição do
encontro consigo mesmo, ou seja, o avanço da consciência humana não
ofereceu condições do homem crescer nas relações humanas e na sua própria
existência. A existência é a palavra chave, não no sentido de tão somente
estar no mundo, mas de ex-istência, ou seja, ex -ser lançado para fora e
istência- ir construindo a si mesmo. Ao contrário a sociedade ocidental
alargou o seu horizonte de cons-ciência e atrofiou a sua vida na ex-
istência.
Um grande Tibetano, líder espiritual budista, chamado Dalai Lama, em um de
seus livros, enfoca a direção tomada pela sociedade ocidental no qual os
princípios éticos e valores morais estão regulamentados pela independência
financeira. Essa independência associada a busca pela felicidade conduz a
ciência a desbravar o mundo a partir do princípio do bem estar e, para ela,
aí está prefigurada a felicidade completa. Será que isso acontece? Dalai
Lama nos diz: "Imaginava que, com menos provações de ordem física, como é o
caso para a maioria das pessoas que vivem em países desenvolvidos
industrialmente, a felicidade seria muito mais fácil de alcançar do que
para as que vivem em condições mais duras. Em vez disso, os extraordinários
avanços da ciência e da tecnologia parecem Ter trazido pouca coisa além de
melhorias numéricas. Em muitos casos o progresso não significou um maior
número de casas opulentas em mais cidades com mais carros circulando entre
elas, decerto alguns tipos de sofrimentos diminuíram, principalmente com
relação a determinadas doenças. Mas tenho a impressão de que não houve
nenhuma melhoria significativa geral.
O nosso ponto de vista se amplia, dado um monge budista, que viveu grande
parte da sua vida no Tibet, isolado do resto do mundo que sendo expulso de
sua pátria é exilado no ocidente e visualiza de maneira contundente o
caminho da sociedade ocidental. Isso demonstra que o homem moderno
ocidental construiu uma ética na qual o mundo externo em que vive é
perfeito e o seu mundo interno é pré-histórico. Construímos um castelo, mas
temos que dormir em um casebre caindo os pedaços.
Assim, as relações que temos hoje parecem se basear num âmbito meramente de
uma utilização tecno-cientifica. Aqui está um grande problema da educação.
Qual é a escola que melhor educa? A escola conteudista. Aquela que prepara
o aluno para o vestibular. A vida fica de fora. O aluno é um robô que
carrega na cabeça um "chip" de computador onde é guardada todas as
informações dadas pelo professor e no dia do vestibular ela "clica" em
iniciar e faz a sua prova. Caso ele não passe no vestibular aparece a
seguinte informação diante de seus olhos: "erro! Não há memória suficiente
para começar a operação. Desligue e reinicie o computador". Isso parece ser
engraçado? Mas não o é. Essa é a mais contundente história do homem
ocidental.
Não obstante a tudo isso, como apontamos acima, está a educação. Todo
processo educativo se baseia, ou tem este princípio, numa pedagogia
científica e tecnológica, ou seja, o que é "mister" é ser um bom técnico.
Não que isso seja ruim, ao contrário, mas ela não deve se basear tão
somente nesta perspectiva. Aqui quando nos referimos ao técnico estamos
falando da conjuntura conteudista da educação. Outrossim, parece-nos claro
que a perspectiva educacional hoje deve englobar a interação, integração e
auto organização das relações humanas no âmbito moral . A consciência
humana não é uma construção meramente conteudista(técnica), mas relacional,
o contrário, disso se apresenta numa característica de intelectualidade
baseada na cientificidade e não na integração: sujeito-sujeito e sujeito-
mundo. Por conta disso temos vivenciado uma sociedade a-moral que tem se
infectado, nos seus mais diversos níveis, pelo vírus da corrupção.
O escritor Leo Buscaglia enfoca que a caminhada do homem moderno deve ser
alterado no sentido ético, pois nossa sociedade ocidental caminha para um
desnível existencial. A condição de ser "Ser humano" exige a capacidade de
lidar consigo mesmo, de construir-se, de transcender-se, mas as premissas
científicas visam somente um ângulo do homem. É justamente neste ponto que
impera o argumento ocidental acerca de como deve se direcionada as relações
humanas. Qual é esse argumento? "Saber é Poder". Esse argumento conota os
princípios fundamentais de uma sociedade fundada sobre o plano do poder. O
poder sobre a natureza, sobre os negócios, sobre si mesmo, sobre os outros,
enfim, dominar. E quem não domina, não é bom. Por isso o homem deve
dominar, segundo estes princípios, todas as realidades oferecidas a ele,
inclusive Deus. Mera ilusão de ótica! Pois esse princípio falha. Não
conseguimos dominar tudo, pois dominar significa: reter, absorver,
apreender e nem tudo é retido, absorvido e aprendido. Como isso não
acontece caímos numa angustia e/ou neurose compulsiva e profunda. Daí
surgem as anomalias sociais: violência, corrupção, drogas, prostituição,
pobres e ricos, miséria, fome, desemprego, violência ambiental etc.. Na
contramão desse argumento está o princípio: "Saber é aprender". Aqui está
prefigurada a diferença, pois aprender significa: colocar-se a caminho. É
dar o salto qualitativo rumo a novos horizonte que o coloque para além dos
seus limites. É o buscar respostas sem compreender fórmulas é entrar no
mistério divino e se tornar melhor ser humano a cada dia.
O filósofo Aristóteles já dizia: ( Pants antrwpoi tou eidenai jusei) Todos
os homens tem por natureza desejo de saber. Neste pressuposto o saber não é
domínio, mas em grego(eidenai-Eidenai) que significa descobrir, revelar
algo. Saber não é dominar, mas ir ao encontro existencial de si mesmo.
Nesse sentido a moral não é aquela que apresenta as formulas e a resoluções
da vida, outrossim, é a indicadora de vias onde o homem caminha para fazer
as suas descobertas em vista do bem comum.
Diante desse fato, se compreendermos o saber como um poder mostramos que a
consciência nada mais é do que o ato de tornar o mundo objeto de
compreensão e de se definir o homem como sujeito face aos objetos do mundo.
Essa via de compreensão conduz, por uma lado, a avanços no que diz respeito
a compreensão do mundo e, por outro, a estatização ao conhecimento de si e
dos outros. Houve então a redução do conhecimento humano a uma técnica,
como foi dito anteriormente, construímos um castelo pomposo mas não sabemos
morar nele. Nesse princípio o prof. Johnson nos dá uma dica, enfocando o
aspecto psicológico, importante a respeito do homem ocidental:
"Os ocidentais são filhos da pobreza interior, se bem que por fora
aparentemos Ter tudo. É provável que nenhum outro povo da história tenha
sido solitário, tão alienado, tão confuso quanto a valores, tão neurótico
quanto somos. Nós dominamos o nosso ambiente com a força de uma marreta e
com a precisão eletrônica. Acumulamos riquezas numa escala sem precedentes,
mas poucos, realmente muito poucos, estão em paz consigo mesmos, seguros
nos relacionamentos, contentes nos amores, à vontade no mundo. A maioria de
nós clama por um significado na vida, por amor, por envolvimento, por
valores pelos quais possamos viver
 
As configurações "morais"(a-morais) de nossa sociedade tem conduzido e
apresentado uma perspectiva delimitada, um saber racional que visa um
sistema de produção onde as relações estão centradas no nível produto-
produtor; consumo-consumidor; trabalho-trabalhador etc. O que quero afirmar
com isso? Que as relações estão com suas premissas numa estrutura
computadorizada. A liberdade perde o seu significado, pois o referencial é
proposto pelos adjetivos: técnico, trabalhador, corretor, professor etc. O
homem se aliena e vende sua liberdade para a subsistência dos seus
adjetivos, como nos diz Rosseau: "Alienar é dar ou vender. Ora, um homem,
que se faz escravo do outro, não se dá; quando-muito, vende-se pela
subsistência"
O homem vende a cada instante o seu corpo - aqui fazemos referência a
pornografia que é tida como uma profissão, onde o corpo é exposto em
revistas, Internet, televisão e filmes a fim de satisfazer o desejo de um
mercado do prazer-. A vida aqui nos referimos aos que são obrigados ao
trabalho escravo, pedreiras, e os oprimidos com baixos salários que não
conseguem viver dignamente, pois são tratados como animais-. Politicamente-
referencia aos que vende o seu voto por qualquer agrado financeiro,
material etc.
Tal foi a cultura empregada por um sistema que se perfaz e se constrói numa
teia de expropriações da verdadeira característica humana. Em uma síntese,
podemos identificar que o caráter da consciência humana foi reduzido a um
mero prazer. Parece-nos que a vida é tão desgastante, infeliz, dilacerada
que é preciso transformar o outro ser humano em um objeto para satisfazer
os desejos escondidos ou recalcados existentes no homem. Verdadeiramente o
homem tornou-se um "objeto de mercado", ou como queiram: "uma peça de
mercado" onde é preciso "SER" para "TER" para usufruir o "PRAZER". Tal é a
desvalorização da existência humana.
A riqueza tornou-se um meio do aparecer do homem. O ser do homem está sob a
égide do "TER" para "SER" e "SER" para "PODER". Ela é o que identifica o
homem, em uma frase: o homem vive a cultura da aparência, da vaidade das
vaidades. Ele se identifica pelos bens materiais que possui e não pelo
simples fato de ser humano. Daí deriva-se as carteiras de identificação
humana: o cartão de crédito, a conta bancária, as propriedades e até mesmo
o nível de formação acadêmica. A Identidade humana foi formatada em
adjetivos. A ética e a moral se transformaram numa catexia e a religião num
supermercado onde o "fiel" compra as mercadorias necessárias para se
proteger do demônio e chegar a prosperidade individual.
A primeira vista esse homem ocidental vive numa angústia, não a angústia da
escolha como nos fala Jean-Paul Sartre, mas a angústia de não se encontrar,
de não dar conta das suas emoções e do grande avanço da sua consciência e,
não obstante, de perder o sentido relacional da sua existência.
Mas qual é a proposta para redirecionarmos esta situação, numa perspectiva
de interação sujeito-sujeito e sujeito-objeto? Bem, esta indagação nos leva
a salientarmos que a sociedade na qual estamos hoje já não é mesma de 30
anos atrás. Houve uma evolução da sociedade no que diz respeito a ciência e
a tecnologia, mas se faz pertinaz questionarmos o porquê da sociedade de
hoje ter evoluído tanto e ainda enfrentar enormes problemas de guerras,
fome, problemas como o meio ambiente etc. Ora, quando afirmamos que a
sociedade evoluiu estamos afirmando que a sociedade está em plena expansão.
Neste pressuposto, a consciência tomou um caráter profundamente externo de
apreensão e dominação da natureza e do cosmos, numa possibilidade de
abertura ao que era misterioso, divino e místico. Isso lançou a humanidade
numa perspectiva futurística, em uma frase: o homem vive no presente com a
sua existência no futuro.
Diante desse fato, que é o da expansão da consciência, percebemos que a
informação é o que tem gerenciado as relações de poder. Hoje nos deparamos
com uma gama incomensurável de meios nos quais o homem obtém essas
informações: telefone, fax, televisão, jornais, revistas, Internet etc. É
justamente neste ponto que se faz propícia a nossa questão.
Do ponto de vista do crescente avanço científico-tecnológico construído
pelo homem se vê que ele está proposto de maneira externa, do que se é
possível construir , para facilitar o seu cotidiano, ou seja, ela está
referida ao mundo mais propício à vida humana e não na relação do homem
consigo mesmo, com os outros e com o cosmo. Não estamos querendo colocar
abaixo o avanço científico- tecnológico, mas estamos indagando sobre os
valores éticos e morais produzidos por esta sociedade.
Assim, a nossa indagação se faz contundente, pois a ética e a moral devem
propor um novo elemento que é o da expansão da consciência interna no
homem. Isso só é possível a partir de uma auto-organização da humanidade
que indaga pela essência da existência do homem, como a lapidar frase do
oráculo de Delfos: "Conheça a ti mesmo". Esse conhecer a Ti mesmo não está
proposto num intimismo, mas outrossim, numa interação e integração entre o
homem e a sua existência. Nesta via, a expansão interna da consciência é a
possibilidade de abertura à comunicação do humano com a própria humanidade.
A capacidade de aprender a se relacionar com a existência numa interação de
valores onde o bem comum tenha preponderância.
A ética e moral devem ser as profetizas do caminho que o homem deve
percorrer à auto-organização da identificação de seus processos vitais, à
existência e às referências e auto-referências que ele possui, como nos diz
Assmann: "Somos criadores do "nosso mundo", transformadores do mundo real
porque, em primeira instância, transformadores do nosso próprio "mundo
interno" mediante a fantástica evolução intra-organísmica(...) Não há mundo
para nós a não ser mediante a "nossa leitura" do mundo, corporalizada no
sistema auto-organizativo que somos"
Os modelos de verdades, aqueles que estão propostos como único meio de
assimilação da realidade não devem ser dogmatizados , ao contrário eles
devem ser, através dos valores éticos e morais, purificados a fim de que se
propicie vias para uma construção da realidade sob os auspícios da
interação política, religiosa , econômica e social
Essa questão nos mostra um fator importante que o de que o homem, pelo
menos a princípio, está sob a égide de uma ânsia de construir inúmeras
possibilidades de vida, de desenvolver-se cientificamente a pleno vapor. O
desenvolver-se rápido num tempo e espaço cada vez mais pequeno para que dê
tempo de experienciar tudo o que é desenvolvido. Mas, esta ânsia é tão
demasiada que coloca o homem a mercê do desespero. É o desespero que deixa
o homem num esquecimento da sua interioridade. O homem parece não conhecer-
se.
O avanço tecnológico e científico nos mostra, sem sombra de dúvidas, a
capacidade, a energia, o vigor da razão humana. Mas a vida humana não é só
razão, embora a razão é o que direciona, indica vias de possibilidades. É
também emoção. É nesse pressuposto é que se faz necessário uma retomada da
existência. O que queremos afirmar com isso? A existência não é só
compreendida pela via dos avanços da razão, todavia, a razão dá "sentido" a
existência. A existência não é só o progresso, mas é também, crescimento
afetivo, relacional e questionativo do homem.
Ora, este fator nos leva a questão ética e moral, pois perpassa o horizonte
da vida humana, com a pergunta fundamental: como podemos construir um mundo
de valores solidários, fraternos, de paz, de igualdade, de vida e sem
exclusões sociais e raciais? Esta questão só poderá ser resolvido mediante
uma interação que se faz na consciência externa com a consciência interna.
Essa perspectiva não descarta, inviabiliza, não reduz o progresso da
consciência externa do homem, ao contrário, o progresso da consciência
externa é de fundamental importância para o homem, mas ele deve contribuir
para que o homem encontrar-se com a seguinte indagação: qual é o valor da
vida?
Diante dessas elucubrações, a ética e a moral devem acentuar-se como
indicadoras das vias para uma concepção de humanidade que se edifica e
identifica-se com a sua própria existência. Em síntese, elas devem
possibilitar o encontro do homem com a humanidade na integração homem-
existência, homem-homem e homem-mundo.

 
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