A Conservação da Imagem Urbana pela Iniciativa Privada na Cidade de Juiz de Fora

July 24, 2017 | Autor: Mauro Campello | Categoria: Conservação, Imagem Da Cidade
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A CONSERVAÇÃO DA IMAGEM URBANA PELA INICIATIVA PRIVADA NA CIDADE DE JUIZ DE FORA. Autores: BRAGA, Raquel D. V. (1); CAMPELLO, Mauro S. (2) Colaboradores: ALBUQUERQUE, Matheus de M. (3); ANTONUCCI, Carolina G. (4); OLIVEIRA, Lucas Gabriel A. (5). 1. Professora Dra., Universidade Federal de Juiz de Fora. Dep. de Arq. e Urbanismo. Campus UFJF, CEP 360036-330, M. G., Brasil – [email protected] 2. Professor M. Sc., Universidade Federal de Juiz de Fora. Dep. de Arq. e Urbanismo Campus UFJF, CEP 360036-330, M. G., Brasil – [email protected] 3. Acadêmico, Universidade Federal de Juiz de Fora. Dep. de Arquitetura e Urbanismo Campus UFJF, CEP 360036-330, M. G., Brasil – [email protected] 4. Acadêmico, Universidade Federal de Juiz de Fora. Dep. de Arquitetura e Urbanismo Campus UFJF, CEP 360036-330, M. G., Brasil – [email protected] 5. Acadêmico, Universidade Federal de Juiz de Fora. Dep. de Arquitetura e Urbanismo Campus UFJF, CEP 360036-330, M. G., Brasil – [email protected] RESUMO/INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo identificar os possíveis benefícios que a iniciativa privada lograria ao utilizar edifícios de valor histórico/cultural/arquitetônico na sua organização e manutenção, não só na cidade de Juiz de Fora, mas também, em casos parecidos,. O principal enfoque dessa pesquisa é incentivar a reutilização e contribuir com a manutenção das edificações tombadas ou mesmo das que ainda não entraram em processo de tombamento mas possuem valor cultural, identificando as vantagens específicas e singulares que um imóvel dessa característica agregaria à iniciativa privada, expondo assim, fatos que dão densidade na argumentação da necessidade de se preservar as edificações que contam a história da cidade. Primeiramente é posto em evidência um breve histórico da cidade de Juiz de Fora, dando enfase à sua característica de convivência entre arquiteturas de diversos períodos e estilos. Logo depois citamos alguns exemplos de descaso e de falta de valorização de alguns desses edifícios, para contextualizar nossa pesquisa. Seguindo essa parte de contextualização, entrevistamos empresas que utilizam edificações de valor cultural para a cidade e que não foram descaracterizadas. Dessa forma obtemos extensa lista de vantagens que favorecem a reutilização e manutenção desses edifícios, tanto no campo administrativo como no publicitário.

A CIDADE DE JUIZ DE FORA E A FORMAÇÃO DE SUA IMAGEM URBANA A cidade de Juiz de Fora está situada no estado de Minas Gerais e sua conformação, assim como muitas das cidades do estado está relacionada à exploração de vários tipos de minerais. Sua origem está associada a construção do Caminho Novo, utilizado para o escoamento da exploração do ouro, principalmente o proveniente de Vila Velha, então capital da província de Minas Gerais, atual cidade de Ouro Preto. A situação geográfica da região onde está localizada Juiz de Fora era estratégica para a fiscalização do transporte tanto dos minerais explorados como para o transporte de gêneros de toda natureza, que chegavam a capital da colônia, a cidade do Rio de Janeiro. Assim na segunda metade do século XIX, com a abertura de uma variante do Caminho Novo, a Estrada do Paraibuna, em 1836, pelo engenheiro prussiano Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld surge a cidade de Juiz de Fora, que não teve, como a maioria das demais cidades mineiras, características predominantemente barrocas, já que as elites locais que se estabeleceram, principalmente os produtores de café, mandavam vir os artigos e principalmente as idéias de modernidade, então disseminadas na capital do Império, Rio de Janeiro, como os “(...) planos de saneamento urbano, calçamento público, iluminação, dentre outras mudanças que, já no século XIX, tornaram Juiz de Fora um pólo de investimentos financeiros por meio da criação de pequenas fábricas, seguidas por grandes indústrias”. [1] Neste sentido, Juiz de Fora, em relação às demais cidades do estado, possui uma imagem peculiar, já que essas elites cafeeiras, seguindo as tendências da capital, que por sua vez foram importadas da Europa, adotam tanto para suas residências, quanto para os equipamentos institucionais, a linguagem estética do ecletismo. Com a maior industrialização, os modelos estéticos europeus como o Art Decó e Art Nouveau são incorporados a imagem urbana da cidade. Essas arquiteturas passam a conviver com construções de estética eclética, do período da fundação da cidade, e até mesmo com edificações de influência germânica, trazida por imigrantes. Posteriormente outro movimento vem somar-se à imagem da cidade já tão diversa: “Os movimentos de vanguarda, que mais tarde dariam origem ao movimento moderno, também ecoaram na cidade e nas várias imediações. A estética modernista adotada em tal momento representou, entre tantos motivos, uma nova possibilidade de expressar o caráter progressista da cidade. Administradores públicos, arquitetos e engenheiros elevaram seu skyline por meio da verticalidade moderna e amenizaram a estética urbana por meio do despojamento formal da arquitetura moderna.” [1]

A arquitetura moderna de Juiz de Fora, ainda que influenciada pelos conceitos modernistas difundidos na cidade do Rio de Janeiro, apropria-se de materiais locais apresentando traços característicos da região. Um dos principais introdutores da arquitetura moderna na região, neste período, foi Arthur Arcuri que, formado em engenharia na Escola Politécnica do Rio de Janeiro, amigo de Lúcio Costa a quem recorria na troca de informações e idéias, traz para a cidade essas influências para os projetos que executava; Assim a paisagem urbana de Juiz de Fora conta sua própria história. Com ares de cidade cosmopolita a sua arquitetura traduz desde transformação do povoado em cidade, passando pela efervescência da época da industrialização, até o posterior declínio econômico da cidade, Desta maneira pode ser encontrada numa mesma rua ou quadra arquiteturas que caracterizam cada uma dessas épocas e movimentos. DESCARACTERIZAÇÃO DA IMAGEM DA CIDADE Grande parte do patrimônio arquitetônico, histórico e cultural da cidade, no entanto, encontra-se atualmente em risco, pois a renovação não só da malha urbana, mas também das edificações, impulsionada pela especulação imobiliária, consequencia do momento de crescimento econômico pelo qual o país passa, tem resultado em sistemáticas demolições e descaracterizações do patrimônio arquitetônico / histórico / cultural da cidade. Dois exemplos emblemáticos de conjuntos arquitetônicos – urbanísticos com características modernistas, todos de autoria de Arcuri, traduzem essa tendência ao desaparecimento desse traço característico da cidade. Um deles é o próprio campus da Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF (fig. 01 e 02), que sofre constantes ampliações sem nenhum critério; e a Casa de Frederico de Assis (fig. 03, 04 e 05), que foi demolida durante o processo administrativo para sua conservação como bem cultural. A UFJF teve seu plano diretor inicial elaborado por Arcuri e, mesmo que implantado com modificações, revela as características peculiares ao modernismo regional, utilizando como premissas principais os ângulos retos, as formas cúbicas e a liberdade espacial, compreendendo a paisagem local. Após a fase de implantação do projeto, as sucessivas administrações realizaram e ainda realizam expansões que de forma alguma dão a devida atenção ao projeto original e nem a sua necessária atualização. Os edifícios novos e os anexos que surgem não se utilizam de conceitos claros e nem se contrapõe ao conceito de Arcuri.

Fig. 01 – Croquis realizado encima da Fig. 02 – Vista aérea do campus da UFJF proposta original para a ocupação do anterior a expansão atual – Fonte: Arquivo Campus da UFJF – Projeto do Eng.º Artur fotográfico da UFJF Arcuri – Fonte: Acervo REARQ Também de autoria de Arcuri, a Casa de Francisco de Assis, foi demolida durante o processo administrativo para sua conservação como bem cultural. No projeto desta casa destacam-se os traços típicos da arquitetura moderna da região. Além de sua importância arquitetônica, a casa também foi importante representante cultural, pois, a partir de 1973, foi utilizada por uma instituição de ensino, o Colégio Magister, foi foco de resistência da ditadura militar, onde já palestrou o então senador e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso. Foi também berço de partidos de oposição como o Partido Comunista Brasileiro e o Partido dos Trabalhadores e foi onde se criou o Centro Cultural Pró-Música.

Fig. 03 – Casa de Frederico de Assis – Fig. 04 – Demolição da Casa de Frederico projeto do Eng.º Artur Arcuri. Fonte: de Assis – 2003. Fonte: Jornal Tribuna de Acervo fotográfico do REARQ Minas

Fig. 04 – Reconstituição digital da Casa de Frederico de Assis – 2010. Fonte: Acervo REARQ. Os exemplos acima citados demonstram a falta de capacidade da sociedade local e do poder público em reconhecer a arquitetura como um fato cultural. Além deste fato destacamos que a cidade de Juiz de Fora realizou o seu inventário dos conjuntos arquitetônicos- urbanísticos a mais de trinta anos, época em que a arquitetura moderna não foi considerada com elemento passível de tombamento. Assim, acreditamos que se à época estes conjuntos tivessem sido considerados como de relevância arquitetônica / histórica / cultural para a cidade, a sistemática de demolição não teria ocorrido e não veríamos hoje vários conjuntos abandonados, sem manutenção e prontos para demolição. INICIATIVA PRIVADA COMO AGENTE DE CONSERVAÇÃO Na contramão dos exemplos de fracasso de conservação de imóveis que poderiam valorizar a cultura e a imagem urbana, temos os casos de iniciativas que conseguiram preservar e até destacar o valor arquitetônico / histórico / cultural dos imóveis no contexto privado. No primeiro caso tomamos como exemplo o edifício hoje conhecido como Castelinho da SEG (fig. 06 e 07) construída antes de 1924 pelo Dr. Ulisses Mascarenhas, diretor por vários anos da Fábrica de Tecidos Bernardo Mascarenhas. Situado na avenida Rio Branco, principal via da cidade, a edificação em tela enquadra-se na tendencia dos palacetes ecléticos, então comum aos imóveis desta avenida. Os elementos de diferentes tendências, presente nas suas fachadas, se destacam de forma referencial, a exemplo de sua empena pontiaguda voltada para a fachada frontal, ao gosto normando; um torreão com ameias e merlão, referente à arquitetura medieval; sua varanda frontal com guarda-corpo em balaustrada clássica. Testemunho do poderio econômico da região nos anos 20, o Castelinho da SEG tem sua importância a nível cultural por encarnar o cenário vivo do apogeu da industrialização da cidade. Hoje em dia o bem tombado é usado por uma empresa de diagnósticos que, segundo o diretor administrativo Alexandre Surerus, teve suas expectativas superadas em relação ao edifício. Em primeiro lugar, o benefício mais abrangente foi a possibilidade do uso do imóvel como marketing gerando enorme visibilidade à empresa. Por se localizar em

região central com grande fluxo de pedestres, automóveis e transporte público, o próprio edifício com uma simples placa vertical fixada ao chão com o nome do empreendimento traz retorno superior à publicidade clássica. O fato de ser um bem que hoje em dia se destaca do restante edificado naquela área da cidade e de agradar bastante o gosto popular são pontos positivos a identificação. Segundo o diretor administrativo da empresa, é comum clientes desejarem o atendimento na unidade Castelinho, pelo simples fato de querer conhecer aquela casa que remonta à história da cidade. Na época de natal com a iluminação do edifício, a visibilidade aumenta com grande procura a noite, fora do horário de serviço, para fotos e visitas.

Fig. 06 – Castelinho da SEG – Antes do processo de tombamento. Fonte: Acervo REARQ

Fig. 07 – Castelinho da SEG – atual sede da empresa de diagnóstico por imagem CEDIMAGEM. Fonte: Acervo REARQ

Curiosamente, sempre quando ocorre uma demolição de um prédio de valor histórico na cidade, a TV local entrevista a administração da empresa, como exemplo próspero da união entre a iniciativa privada e a história, aumentando a visibilidade em âmbito regional da empresa. O que também é muito bem visto pela prefeitura, onde a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (FUNALFA), responsável pela política cultural do município, proporciona o título de "Amigo do Patrimônio" destinado a trabalhos reconhecidos em favor do Patrimônio Cultural. Ou seja, a empresa acaba tendo a possibilidade de agregar à sua imagem a característica ímpar de um estabelecimento preocupado com o valor histórico, cultural e arquitetônico de sua cidade. Outro exemplo a ser estudado está no bairro Granbery, na região central da cidade, onde existem algumas edificações com arquitetura do período colonial com características ecléticas. Este acervo destaca-se pela sua riqueza em detalhes, já que abrange as diferentes tipologias que marcaram esta época (fim do séc. XIX início do séc XX) e serve como referências culturais para importantes estudos da sociedade atual e das futuras gerações. O imóvel de numero 229 (fig. 08), que foi construído na Rua Barão de Santa Helena, foi o pioneiro do grupo de edifícios citado acima. Sua construção foi iniciada em 1901

seguindo os preceitos neoclássicos que são claramente identificados: a perfeita simetria, a acentuada horizontalidade, a escadaria em dois lances que terminam em um patamar central e a variedade de ornamentos utilizados. O edifício foi construído para ser a sede da “Sociedade Beneficente de Juiz de Fora”. Seu valor histórico foi reconhecido e o imóvel foi tombado. Atualmente o prédio é utilizado por uma companhia de teatro. Já era do conhecimento dos atuais locatários a política de incentivos fiscais, isenção de impostos municipais, mas segundo eles esta não foi a principal motivação para escolha do local e sim seu tamanho e seu valor histórico. Segundo Alexandre Gutierrez, diretor administrativo e professor de teatro da companhia, no início as pessoas visitavam seu espaço por curiosidade em saber como era por dentro da construção e até mesmo antigos moradores para saber se algo havia mudado. Ele ainda afirma que o prédio servia como um cartão de visita para sua companhia, como se fosse uma espécie de propaganda, pois as pessoas visitavam o lugar e acabavam por conhecer seu trabalho. Somamos a estes fatores a consciência do locatário quanto a importância dos edifícios tombados e sua preocupação com a sociedade, pois para ele a população deveria ter uma maior conscientização sobre a importância cultural de antigas arquiteturas para nossa cidade.

Fig.08 – Antiga Sede da Sociedade Beneficente de Juiz de Fora atualmente. Fonte: Acervo REARQ PALAVRAS FINAIS Este artigo tem a intenção de dar resposta a questão de como a reutilização de edificações tombadas pode contribuir para a preservação das mesmas. Obtendo assim a consciência de que uma das melhores maneiras de preservação de um edifício é reintegrá-lo à vida cotidiana da cidade na qual está inserido. Observamos que o poder que a iniciativa privada dispõe também é indispensável como ferramenta para a manutenção e a revitalização dos bens culturais, com vantagens significativas tanto para a empresa, para a população em geral, para a história da

cidade, como, principalmente, como para o contexto atual em que Juiz de Fora se encontra. A ação proposta é fazer com que administradores em geral tenham consciência desse valor agregado à sua imagem de que o edifício reconhecidamente de peso cultural pode oferecer. O suporte financeiro deve ser estimulado na preservação das edificações históricas e na implantação dos planos de revitalização, como uma das bases importantes para dar continuidade a preservação do patrimônio histórico edificado, além do conhecimento do valor cultural por parte da sociedade, do suporte legal fornecido pelas legislações, do conhecimento técnico oferecidos pelas escolas e cursos superiores e da participação popular. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Raquel, CAMPELLO, Mauro. Patrimônio de Arquitetura Moderna em Juiz de Fora – Proposta de preservação e arquivamento documental de Arquitetura e Urbanismo Modernos. BRAGA, Raquel, CAMPELLO, Mauro. A forma ARQUITETÔNICA do campus da universidade federal de Juiz de Fora. BRAGA, Raquel, CAMPELLO, Mauro. Reconstituição, conservação e divulgação documental de edificações de interesse cultural já demolidas: Casa de Frederico de Assis em Juiz de Fora. BRAGA, Raquel, CAMPELLO, Mauro. Patrimônio de arquitetura moderna em Juiz de Fora – traço de identidade cultural em risco.Metodologia para Conservação do Patrimônio cultural no Interior do Brasil. In IX Congreso Internacional (CICOP) de Rehabilitaciín del Patrimônio Arquitectónico y Edificación, Sevilha, 2008. SURERUS, Alexandre. Entrevista realizada em Janeiro de 2011 TRIBUNA DE MINAS. 1996 GUTIERREZ, Alexandre. Entrevista realizada em Março de 2011 DIPAC/PJF – Divisão de Patrimônio Cultural da Prefeitura de Juiz de Fora (Org.). Guia dos Bens Tombados de Juiz de Fora. DIAS, Adriana F. A reutilização do patrimônio edificado como mecanismo de proteção: uma proposta para os conjuntos tombados de Florianópolis. Dissertação apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo/PósARQ, Florianópolis, 2005.

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