A consolidação da autonomia do ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil – a participação dos estudantes

May 22, 2017 | Autor: Taiana Car Vidotto | Categoria: Architectural Education, History of architecture, Brazilian modernism
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2º ENCUENTRO INTERNACIONAL “LA FORMACIÓN UNIVERSITARIA Y LA DIMENSIÓN SOCIAL DEL PROFESIONAL”/2016: a 46 años del Taller Total en la Universidad Nacional de Córdoba.

80 - A consolidação da autonomia do ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil – a participação dos estudantes *Taiana Car Vidotto, Ana Maria Reis de Goes Monteiro Resumo Eixo 2 Na década de 1950, os alunos das faculdades brasileiras de arquitetura, presentes nos Estados da Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo, se reuniram através dos Congressos Nacionais de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo para lutar pela consolidação da autonomia do ensino de suas escolas, de modo que não estivessem mais atrelados às Escolas de Belas Artes ou Politécnicas. Além disso, assim como na experiência do Taller Total de Córdoba, os alunos ansiavam por um ensino que os capacitasse a atender as necessidades da sociedade, fazendo com que se atingisse a função social do arquiteto. Por meio das discussões travadas nas mesas de debates dos referidos Congressos, cujo tema era o ensino de arquitetura, presentes nos Anais desses encontros, ocorridos em 1952 na cidade de Salvador, em 1953 no Recife e 1954 em Porto Alegre, objetivou-se evidenciar a participação dos estudantes no processo de consolidação da autonomia do ensino de arquitetura e urbanismo no Brasil. Essa participação se deu em sintonia com a defesa de um definitivo alinhamento entre o ensino e a prática profissional desempenhada pelos arquitetos através dos Congressos Brasileiros organizados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil – IAB. Acima de tudo, os estudantes desejavam sua participação nos processos decisórios da organização das escolas e seus currículos, bem como a conexão entre o ensino e a vida prática através de trabalhos baseados em dados reais. Palavras-Chave: Congressos Nacionais de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo – ensino de arquitetura e urbanismo – função social do arquiteto – Brasil – conquista da autonomia *Taiana Car Vidotto: Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura, Tecnologia e Cidade da Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Brasil. *Ana Maria Reis de Goes Monteiro: Professora Doutora da Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Arquitetura e Construção, da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Brasil.

Introdução No Brasil, entre os anos de 1945 e 1955, as escolas de arquitetura foram fundadas a partir de Escolas de Belas Artes ou de Escolas Politécnicas. Estas estabeleceram-se segundo o regimento da primeira Faculdade Nacional de Arquitetura (FNA, 1945), resultado da transformação do curso existente na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Nesse período, as escolas mantinham vínculos estreitos com àquelas instituições que haviam abrigado o curso de arquitetura até então, sendo chamado por Graeff (1995) de um período de busca pela autonomia. Enquanto as escolas da Bahia (1949) e a do Recife (1946) seguiam atreladas às Escolas de Belas Artes que lhes deram origem, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (1948) era dependente da Escola Politécnica. Nos outros cursos, a Faculdade de Arquitetura do Rio Grande do Sul, fundada em 1950, foi resultado da junção de cursos vindos da Escola de Belas Artes e da Politécnica. Já a Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbiteriana Mackenzie, criada em 1947, teve origem na Escola Politécnica, ao passo que a Escola de Arquitetura de Minas Gerais, foi a primeira delas a ser fundada de modo autônomo, em 1930. Nesse cenário, os alunos das Faculdades citadas se reuniram através do Bureau Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo (BNEAU) para discutir questões relativas à arquitetura, à atuação profissional e ao ensino. Através do BNEAU, os estudantes promoveram três Congressos Nacionais: em Salvador (1952), Recife (1953) e Porto

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Alegre (1954)355. Neles, destacou-se a participação dos alunos em defesa de seus interesses na luta por um espaço nos órgãos administrativos das escolas, pela consolidação da autonomia do ensino e de sua aproximação com as atividades práticas da profissão, de modo que o arquiteto estivesse capacitado a atender as necessidades da sociedade (ANAIS... 1952; 1953; 1955). Essas demandas, semelhantes ao processo que se desenvolveu na Universidade Nacional de Córdoba entre as décadas de 1960 e 1970, através do Taller Total, buscavam um processo de aprendizado da arquitetura baseado em dados reais, no qual pudessem construir o saber através da prática nas disciplinas, e não por meio de manuais (DOBRY PRONSATO, S. 2012, p. 183). Nesse sentido, objetiva-se evidenciar a participação dos estudantes no processo de consolidação da autonomia do ensino de arquitetura nas escolas citadas por meio das discussões abordadas nas mesas de debate cujo tema era o ensino de arquitetura nos anais dos três congressos. Os textos apresentados estavam alinhados ao que fora discutido nos Congressos Brasileiros de Arquitetos356 organizados pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no mesmo período. Entre as semelhanças estavam: a falta de alinhamento do que era ensinado com as necessidades da atividade profissional e o apoio à conquista da autonomia definitiva do ensino de arquitetura, pois mesmo após a criação das escolas da Bahia e do Recife, estas ainda se encontravam dependentes das Escolas de Belas Artes (VIDOTTO, MONTEIRO, 2015). Para tal, será apontado o diagnóstico feito pelos alunos da situação do ensino de arquitetura naquele tempo, a luta pela participação estudantil e a proposta de um novo plano de ensino para que o arquiteto formado possa exercer sua função social. “Diagnóstico do ensino de arquitetura” Desde o 1o Congresso os alunos se uniram em busca de identificar as problemáticas que envolviam o ensino de arquitetura. Na ocasião, a mesa de ensino apresentou um levantamento da situação no país analisando os programas; os professores; os alunos; os horários; as instalações; a administração; as taxas; as bolsas de estudo; a situação legal; a situação perante a opinião pública; o material de estudo e outros (ANAIS..., 1952). Foi constatada uma série de itens a serem revistos como: a falta de unidade e concatenação dos programas das disciplinas, bem como a variedade entre os programas da mesma disciplina no território nacional; a falta de conexão entre a aprendizagem e a prática; a ausência do ensino de arquitetura histórica em algumas escolas e o fato da disciplina de “Materiais de Construção” não ser dirigida para arquitetos, mas baseada nos cursos de engenharia. Quanto aos professores, os alunos apontaram que estes não possuíam visão global do currículo e do curso, e nem todos possuíam capacidade didática científica adequada. Por sua vez, entre os problemas que afetavam os alunos não era permitida a sua participação na cátedra, opinando e sugerindo mudanças. Outro ponto abordado foi a necessidade dos alunos de trabalharem em atividades práticas para o próprio sustento, encontrando cargos em carreiras afins e não na arquitetura (ANAIS..., 1952). Quanto às questões que envolviam o ensino foi apontado que no Rio de Janeiro havia um cargo de monitor aluno e uma maior relação entre mestre e aluno nas disciplinas. Por sua vez, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal havia um número excessivo de alunos, principalmente nas disciplinas de composição. Sobre a rotina de aulas, com exceção de 355

Além das mesas de discussão sobre o ensino de arquitetura, os três congressos abordavam a profissão do arquiteto, a arquitetura brasileira e a organização do BNEAU (ANAIS... 1952; ANAIS... 1953; ANAIS... 1955). 356 Foram realizados cinco Congressos Brasileiros de Arquitetos até o ano de 1955, data da realização do terceiro Congresso Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo. Foram eles o de São Paulo (o primeiro em 1945 e o quarto, em 1954), Porto Alegre (1948), Belo Horizonte (1953) e Recife (1955).

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Recife e São Paulo, os horários permitiam que o aluno trabalhasse, o que gerou crítica por parte dos alunos que julgavam que os horários não compreendiam o ser humano e todas as suas atividades normais (ANAIS..., 1952). Foram consideradas “suficientes” as instituições do Rio de Janeiro, do Recife, Minas Gerais e São Paulo. Na Bahia e no Rio Grande do Sul as condições foram consideradas péssimas, enquanto a qualidade da administração das faculdades era variável. Quanto à organização, as faculdades do Rio de Janeiro e Minas Gerais eram oficializadas, com regulamento próprio. Estavam em processo de aprovação, os regulamentos do Rio Grande do Sul e de São Paulo. As escolas do Recife e da Bahia funcionavam como cursos das Escolas de Belas Artes. Sobre a infraestrutura oferecida, a situação mais grave era da Faculdade do Rio Grande do Sul, que não possuía biblioteca, enquanto a Faculdade da Bahia não oferecia laboratórios técnicos (ANAIS..., 1952). No 2o Congresso, o diagnóstico das condições do ensino foi retomado, permanecendo problemas semelhantes nas escolas: a falta de um plano de ensino atualizado, compatível com a realidade profissional; a ausência de estudantes nos órgãos administrativos e a permanência das escolas do Recife e de Salvador sem autonomia (ANAIS..., 1953). Por esses problemas, foi recomendado aos alunos que se concentrassem em três medidas: a luta pela criação das faculdades autônomas em Recife e Salvador, o estudo de um novo plano de ensino de arquitetura e a conquista da participação nos órgãos administrativos das faculdades (ANAIS..., 1953). Por sua vez, no 3o Congresso, o trabalho apresentado pelo estudante Arthur Ribas, da FNA do Rio de Janeiro, diagnosticou quatro problemas no ensino de arquitetura: a direção das escolas, os catedráticos, os alunos e as matérias. Quanto à direção, o autor apontou seu distanciamento em relação aos discentes que não tinham a aprovação de nenhum de seus pedidos. A queixa apresentada contra os catedráticos foi quanto ao descaso às disciplinas, pois muitos deles abandonavam suas cadeiras em longas viagens para substitutos despreparados. Quando davam suas aulas, os professores nada faziam para que fossem mais atrativas, positivas e que estivessem alinhadas à vida profissional. Aos alunos, a crítica era direcionada a falta de união (ANAIS..., 1954). Em comum, o diagnóstico do ensino de arquitetura nos três congressos atribuía como grandes falhas a inadequação das disciplinas – tanto no seu conteúdo quanto na forma que eram lecionadas – além da relação entre professores e alunos. Nesse sentido, as medidas apontadas como prioritárias eram a participação dos alunos de modo mais efetivo nas disciplinas e nos órgãos administrativos bem como a proposição de um novo plano de ensino. Luta pela participação estudantil Nos congressos, os alunos reconheceram a necessidade que tinham de participar de maneira mais efetiva da própria escola, de modo a levar demandas e poder sugerir alterações para além dos diretórios acadêmicos e grêmios. No 1o Congresso, por exemplo, foi recomendado que os grêmios se organizassem, de modo a desenvolver um trabalho em conjunto com os professores para reformular o ensino de arquitetura. Seria feita uma reunião periódica para verificação dos resultados obtidos em cada faculdade (ANAIS..., 1952). Além disso, os alunos demonstravam estar informados e envolvidos com as questões do ensino de modo mais amplo, compreendendo que a formação do arquiteto era afetada pelas diretrizes nacionais para a educação. Naquele tempo, estava em discussão a Reforma Universitária no Brasil357 e os alunos presentes nos congressos defendiam a 357

Como afiliados da UNE – União Nacional de Estudantes, os alunos dos cursos de arquitetura através do BNEAU se uniam aos alunos dos demais cursos no combate contra uma universidade arcaica e elitista (FAVERO, 2006).

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imediata aprovação da “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, a autonomia didática, administrativa e financeira das Universidades; a participação dos alunos em todas as áreas do ensino além da docência livre com objetivo de renovar professores e dar vitalidade às cátedras, o aumento do número de bolsas de estudo e a criação do cargo do assistente aluno (ANAIS..., 1952). No 2o Congresso, os alunos retomaram a proposta da criação de um grupo de trabalho formado por estudantes, professores e arquitetos para debaterem uma reformulação no ensino de arquitetura. Com esse objetivo, os estudantes cobraram dos organizadores do IV Congresso Brasileiro de Arquitetos, ocorrido em 1954, a discussão prometida entre alunos, professores e profissionais para reestruturar o ensino. Os Diretórios Acadêmicos das Faculdades deveriam fazer essa cobrança a cada um dos IAB’s regionais, sendo que o Instituto seria o responsável pela organização do Congresso. Segundo os alunos participantes, essa seria uma “reunião ampla de todas as forças do país interessadas pelos problemas do ensino de arquitetura” (ANAIS..., 1953, p.25). Para a conquista da participação estudantil, os Diretórios Acadêmicos deveriam reunir os alunos e professores para nomear uma comissão pela qual pudessem ser discutidos: “problemas de rotina, administrativos, ... aspectos de interesse docente e pedagógico que permanentemente derivam da realidade dos estudos” (ANAIS..., 1953, p.25). Diante de tantas demandas, os alunos perceberam que as discussões não podiam continuar apenas no contexto de seus pares e o plano ambicioso de criar um grupo de discussão com professores e arquitetos, através da articulação do IAB teve sucesso. No núcleo paulista do Instituto, os alunos faziam parte das reuniões da diretoria, o que possibilitou a transmissão das necessidades que enfrentavam, principalmente na FAUUSP, e a interferência do Instituto na conquista da autonomia da faculdade com relação à Escola Politécnica (VIDOTTO, 2014). A proposta de um novo plano de ensino No 1o Congresso, a comissão que representava o curso de arquitetura do Rio Grande do Sul, apresentou o trabalho intitulado “Bases para um Plano de Ensino”, no qual defendiam uma universidade atualizada para satisfazer as necessidades da sociedade, voltando o ensino a solução dos problemas sociais. As bases para isso seriam o homem individual e social – a ordem técnica e a ordem artística, “considerando que a obra arquitetônica está em função de um determinado meio social, de um determinado programa de necessidades, de uma determinada técnica ou situação geográfica”, exigindo do arquiteto o entendimento de que a arquitetura era uma arte criadora (ANAIS..., 1952, p. 43). Nota-se aqui a busca por um novo ensino que abandonasse a reprodução de modelos e passasse a se basear na criação. Esse conceito deveria permear a ação de todas as disciplinas: as de matemática, concreto, as de arquitetura analítica ou história da arte com a finalidade principal de ser aplicada na disciplina de composição. A partir dessa organização, o ensino de arquitetura se transformaria em um instrumento eficaz a serviço da sociedade e possibilitaria aos alunos um aprendizado ativo que despertasse a curiosidade e criação “estimulando o espírito social e o trabalho em equipe” (ANAIS..., 1952). Além disso, os alunos propuseram que o ensino fosse organizado em departamentos de composição, cultura e história, construção e cálculo. Entre eles, as disciplinas deveriam se integrar de modo a permitir que os alunos fizessem um trabalho conjunto. Por fim, já havia a proposta de um trabalho final de graduação, nos moldes daquele que temos atualmente. Quanto aos professores, os alunos pediam uma maior flexibilidade de cátedra. Assim, haveria uma maior liberdade no sistema de ensino (ANAIS..., 1952). 585

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No 2o Congresso, foram retomadas algumas dessas discussões. No trabalho apresentando por Edison R. Lima, representante de Pernambuco, chamado “Objetividade no Ensino de Arquitetura”, foi defendida a “participação de estudantes em escritórios técnicos de Arquitetura e Urbanismo” como base na Reforma Universitária. A principal justificativa para que os alunos pudessem trabalhar em escritórios era o abandono do “conhecimento livresco, desconectado da prática e da realidade”, conceito defendido pela Faculdade de Arquitetura do Rio Grande do Sul (ANAIS..., 1953). Lima apontou que seu trabalho se focava na participação dos estudantes em trabalhos práticos, realizados em ateliers ou escritórios técnicos de modo a “quebrar a monotonia das aulas teóricas” e possibilitar ao estudante a vivência de “problemas reais” que enfrentaria em sua futura vida profissional (ANAIS..., 1953, p.80). Lima destacou que “essa objetividade do ensino da Arquitetura contribuirá, sem sombra de dúvida, para acordar nos futuros arquitetos aquele senso necessário de responsabilidade perante a sociedade” (ANAIS..., 1953, p. 82). Portanto, era apontada a necessidade do exercício da prática através da criação de escritórios técnicos nas faculdades e estágios em escritórios privados. Em sintonia com o abandono do ensino baseado em livros e teorias, pela adoção da relação com a prática, outro trabalho apresentado no 2o Congresso, do aluno Francisco José dos Santos da Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Minas Gerais, foi intitulado “É Deficiente o Atual Método de Ensino”. A principal queixa apresentada referia-se às aulas diretamente focadas no conteúdo dos livros, sem permitir que os alunos tomassem qualquer iniciativa e até mesmo questionassem o que os livros transmitiam. Segundo os alunos, esse método de ensino não permitia ao estudante uma prática imediata ao sair da faculdade. Além disso, os alunos chegavam a questionar, tanto o exame de habilitação para entrar na faculdade, quanto os exames parciais, justificando que eles só cobravam conteúdos que deveriam ser decorados. A sugestão era de que esse método de avaliação, durante o curso, poderia ser substituído por monografias. Assim, “o aluno demonstra possuir ou não conhecimento geral da matéria, dentro de um prazo razoável" (ANAIS..., 1953, pp.88-89). Por sua vez, no 3o Congresso, foram apresentados três trabalhos. O mesmo autor de Objetividade no Ensino de Arquitetura, apresentado no congresso anterior, Edison R. Lima, levou ao congresso o trabalho intitulado “Considerações sobre o Ensino de Arquitetura”. Arthur Ribas, da Faculdade Nacional de Arquitetura, apresentou “O Ensino de Arquitetura” e a aluna da Universidade de Minas Gerais, Suzi de Mello, o estudo “Considerações sobre o Ensino de Arquitetura e a Formação do Arquiteto” (ANAIS..., 1954). O trabalho de Lima estabeleceu um paralelo entre o ensino de arquitetura no Brasil e em Portugal, pois, nesse país, foram promovidas algumas discussões sobre mudanças no ensino em virtude da ausência de uma cadeira de construção e o ensino da cadeira de grandes e pequenas composições, a partir de um modelo prévio. Por essa razão, os arquitetos formados não eram capacitados para o exercício profissional, distantes de executar um pensamento como projetista ou construtor. Lima (1954) atestou que a Escola de Belas Artes do Recife sofria do mesmo problema e comentou que o mesmo já havia sido abordado em outros eventos dos estudantes e no IV Congresso Brasileiro de Arquitetos (1954). Em sintonia com as discussões dos arquitetos, o trabalho de Lima foi concluído com a transcrição da resolução apresentada pela mesa de ensino de arquitetura no referido evento, realizado em São Paulo (ANAIS..., 1954). O segundo trabalho apresentado, de Arthur Ribas, apontava que para a solução dos problemas do ensino de arquitetura era necessária uma integração maior entre o corpo docente, discente e a direção da escola. A faculdade 586

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deveria se encarregar de contratar novos professores que beneficiassem o seu ensino. Além disso, deveria responsabilizar os professores catedráticos a ministrar 2/3 das aulas previstas (ANAIS..., 1954). Por sua vez, o trabalho “Considerações sobre o Ensino de Arquitetura e a Formação do Arquiteto”, apresentado por Suzi de Mello da Escola de Arquitetura da Universidade de Minas Gerais, mencionou que a solução para um ensino eficiente de arquitetura poderia ser encontrada com a formação de uma comissão de professores, alunos e técnicos em pedagogia. Outro aspecto notável tratou da referência pela autora à definição dos princípios da formação do arquiteto, divulgada no Congresso da UIA em Lisboa de 1953 e ao IV Congresso Brasileiro de Arquitetos que havia ocorrido em 1954. Essas relações apontaram para uma proximidade entre os participantes desses eventos (ANAIS..., 1954). Ao propor uma análise sobre o ensino, Suzi de Mello abordou dois pontos: os alunos e professores e os programas das escolas de arquitetura. Quanto aos alunos e professores, a autora sugeriu um contato maior entre os mesmos através de atividades extracurriculares de maquetes, fotografia, aulas com referência à pintura e escultura modernas. Além disso, fez um comentário citando a importância dada por Walter Gropius aos professores que trabalhavam e ensinavam, assim como a relação entre mestres e alunos, sugerida para melhor aproveitamento dos estudos. A estes foi colocada a importância de sua participação nos órgãos administrativos da faculdade. Sobre os programas de ensino, a autora incluiu, como referência, diversas escolas de arquitetura do mundo que tomavam diferentes caminhos como a Bauhaus de Gropius, a Taliesin de Frank Lloyd Wright, o Instituto de Tecnologia de Illinois, comandado por Mies van der Rohe e a Escola Superior da Forma de Ulm, dirigida por Max Bill. De acordo com a diversidade desses modelos, Suzi de Mello propôs uma uniformidade ao ensino de arquitetura no Brasil e uma mudança em algumas disciplinas. A cadeira de Materiais de Construção deveria ser menos teórica e atualizada de acordo com materiais novos e suas aplicações em obras de arquitetura moderna. É provável que ainda, em 1954, não houvesse uma sintonia entre essas disciplinas e a linguagem moderna que passava a ser adotada na disciplina de Composição. Segundo a autora, a arquitetura moderna deveria ser mais abordada na disciplina de arquitetura analítica com suas origens e correntes. Sugeriu-se a inserção, no curso de arquitetura, das disciplinas de desenho arquitetônico, sociologia e um curso de maquetes, além do estudo das artes brasileiras e do folclore. Colocou-se a necessidade de integração das disciplinas de desenho artístico e modelagem aos problemas da arquitetura. Por fim, foi mencionada a necessidade da disciplina de composição ser mais prática. A autora comentou que, em todas as disciplinas, deveria existir uma participação mais intensa do aluno e, mais uma vez, fez referência a uma escola fora do Brasil, a Escola Técnica Superior de Zurique, onde a maioria das aulas se dava por meio de debate e não de preleções (ANAIS..., 1954, p. 88). Pode-se dizer que diante de todos os textos apresentados, as discussões nas mesas de ensino nos três congressos foram unânimes: era necessária uma profunda transformação do ensino de arquitetura. No 2 o Congresso, o trabalho de Eduardo Guimarães apontava um agravante. Não devia ser menosprezada a necessidade da reforma do ensino sob a ilusão que o sucesso da arquitetura moderna brasileira fazia, pois esse êxito estava calcado no autodidatismo desses profissionais de destaque junto à negação do tradicionalismo vigente. Nesse sentido, mesmo com o reconhecimento dos profissionais brasileiros, considerados pelo autor como autodidatas, era necessário construir um novo plano de ensino. Por sua vez, essa construção necessitava da participação de alunos, professores e profissionais de modo a atender as reais demandas dos envolvidos.

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Considerações finais Nos três Congressos Nacionais de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo a principal conclusão foi de que o ensino de arquitetura era falho e necessitava de uma reforma iminente. Para que a reforma se concretizasse, foram realizadas algumas recomendações com uma efetiva pesquisa e levantamento da situação do ensino em todas as escolas do país e posterior revisão de todos os currículos. Também, conforme decisão realizada no IV Congresso Brasileiro de Arquitetos, o IAB deveria entrar em contato com o Ministério da Educação para que todas as resoluções fossem efetivadas (ANAIS..., 1954). Nesse sentido, observa-se a estreita relação dos estudantes com os arquitetos, organizadores do evento, e seu papel de apoio e luta em nome da transformação do ensino de arquitetura. Além disso, os eventos comprovaram que a necessidade de mudança no ensino e sua relação com as práticas profissionais era uma preocupação nacional. Informados sobre a realidade do ensino de arquitetura no mundo e alinhados aos Congressos Brasileiros de Arquitetos, os estudantes buscaram uma real autonomia que passou, nas escolas de Salvador e do Recife, pela sua independência em relação às Escolas de Belas Artes dos respectivos Estados. Em São Paulo, resultou na aprovação do regulamento autônomo da FAUUSP. Contudo, a devida união entre alunos e professores pela luta de um novo ensino se concretizou apenas nos anos 1960, com a realização de três Encontros de Diretores, Professores e Estudantes de Arquitetura (FAUUSP, 1962). Nestes, foram retomadas as discussões dos Encontros de Estudantes da década de 1950, e, efetivada ao final do terceiro encontro, ocorrido em 1962, a primeira reforma no ensino de arquitetura com a aprovação de um currículo que substituía as diretrizes nacionais da fundação da FNA. Pode-se dizer que o esforço dos estudantes e seu comprometimento com a busca por um ensino de arquitetura capaz de preparar um profissional pronto para atender à sociedade foi eficaz. Referências Bibliográficas

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