A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR E A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL (págs. 394-404)

July 25, 2017 | Autor: M. Neves | Categoria: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Administração Pública
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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Anais do III Seminário Interinstitucional de Mestrados em Direito da UEL ISSN 2179-0760

21 de setembro de 2012

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Organização Edvania Fátima Fontes Godoy Fernanda Raquel Thomaz de Araújo Lívia Rossi de Rosis Peixoto Lucas Franco de Paula Rafael de Souza Borelli Coordenação Felipe Tadeu Ribeiro Morettini Livia Pitelli Zamarian Marlene Kempfer Mayna Marchiori de Moraes Nathália Mariáh Mazzeo Sánchez Renata Mayumi Sanomya Vitor Geromel William Fracalossi Winnicius Pereira de Góes Colaboração Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira Marcos Alexandre Gomes Nalli Maria de Fatima Ribeiro Fernanda Vicentini Arte Digital/Revisão Ortográfica/Impressão Mayna Marchiori de Moraes Renata Mayumi Sanomya Vilson Bento Realização e Parcerias Universidade Estadual de Londrina - UEL Mestrado em Direito Negocial Universidade de Marília – UNIMAR 2

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL APRESENTAÇÃO Os trabalhos apresentados no III Seminário Interinstitucional de Mestrados em Direito da Universidade Estadual de Londrina - UEL retratam o labor acadêmico de estudantes de graduação, pósgraduação, de pesquisadores e de docentes, em âmbito nacional. A diversidade dos temas jurídicos abordados e a relevância que possuem na contemporaneidade refletem a importância da pesquisa científica no âmbito do Direito, por fomentar o pensamento crítico e proporcionar o intercâmbio de conhecimento entre os pesquisadores, além de apresentar os estudos desenvolvidos à sociedade, colaborando, enfim, com o processo de adequação do Direito à realidade social em que se insere. A realização do Seminário Interinstitucional de Mestrados em Direito da Universidade Estadual de Londrina UEL em parceria com o Mestrado da Universidade de Marília- UNIMAR e colaboração dos cursos de pós-graduação e graduação em Direito denota o propósito de integração entre os diversos níveis acadêmicos. Agradecemos a participação dos Professores e alunos do Mestrado da Universidade de Marília - UNIMAR que nos agraciaram com suas explanações, bem como as seguintes Faculdades e Universidades: UFSC/SC; UCB/BR; FGV/SP; UNESP/SP; UNESA\ES; UNOPAR/PR; PUC/PR; UFPR/PR; DOM BOSCO/PR; UNESA/RJ; UCAM/RJ; UNIVEM/SP. Com a certeza de que o evento contribuiu para o fortalecimento da pesquisa e a incitação de questionamentos acerca dos temas explanados por cada um dos participantes, firmamos, mais uma vez, o compromisso de dar continuidade a este evento. Desejamos sucesso para as parcerias estabelecidas durante os trâmites de todo o evento e que os laços resultantes destes permaneçam contínuos.

Comissão Organizadora

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL SUMÁRIO APRESENTAÇÃO GRUPOS DE TRABALHO DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO NATUREZA E LEGITIMIDADE DO ASILO DIPLOMÁTICO: CASO ASSANGE Alessandra Caria Buges; Danielly Fernanda Beithum...............................................13 TENSÕES ENTRE A GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA, VALORES DEMOCRÁTICOS E SOBERANIA NACIONAL: EVIDÊNCIAS A PARTIR DA RECENTE CRISE FINANCEIRA (2008-2012) Caio de Souza Borges................................................................................................14 A RELAÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE ENTRE OS TRIBUNAIS HÍBRIDOS E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Camila Dabrowski de Araújo Mendonça....................................................................37 O PAPEL DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NO PROCESSO DE JURISDICIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL Camila Dabrowski de Araújo Mendonça; Gabriela Werner Oliveira...........................40 A NATUREZA JURÍDICA DO ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC): CARÁTER DIPLOMÁTICO E/OU DECISÓRIO Diogo Rafael de Arruda..............................................................................................60 REFLEXÕES SOBRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM FACE DO ESTADO BRASILEIRO Elve Miguel Cenci; Renata Vieira Meda.....................................................................77 A PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE NO ÂMBITO NA ARBITRAGEM DO CAPÍTULO 11 DO NAFTA Gabriela Werner Oliveira............................................................................................82 UMA ANÁLISE DA NORMA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL ISO 26000 SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO À SEGURANÇA DO CONSUMIDOR Henrico César Tamiozzo; Marlene Kempfer..............................................................85

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PRINCIPAL DESAFIO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL NO SÉCULO XXI A “HUMANIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL” Ingrid Silva Mendes....................................................................................................91 COMÉRCIO INTERNACIONAL E DIREITOS HUMANOS: DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS Júlia Wicher Marin; Luiara Gaino Ferreira..................................................................92 DIREITO COMERCIAL INTERNACIONAL DIFICULDADES NO PROCESSAMENTO DE FALÊNCIAS EXTRANACIONAIS EM RAZÃO DO DISTANCIAMENTO LEGISLATIVO Juliana Hinterlang dos Santos..................................................................................108 CLUSTERS COMO FORMA DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO EMPRESARIAL INTERNACIONAL Lina Andrea Santarosa Mussi..................................................................................111 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A SOBERANIA ECONÔMICA Lucas Franco de Paula; Tânia Lobo Muniz..............................................................112 DISTINÇÕES CONCEITUAIS ENTRE DIREITO DE INTEGRAÇÃO E DIREITO COMUNITÁRIO E SUAS ATUAÇÕES NOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO DOS ESTADOS Natalia Maria Ventura da Silva Alfaya; Tânia Lobo Muniz.......................................117 DO DEVER FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO AO MENOR Renato Lovato Neto..................................................................................................122 O DESCUMPRIMENTO DA CONVENÇÃO 169 DA OIT PELO ESTADO BRASILEIRO Sandor Ramiro Darn Zapata....................................................................................146 DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE PAGAMENTO DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS NO BRASIL – ASPECTOS LEGAIS Ailton Chiquito; Alessandra Celestino de Oliveira....................................................167 VALORAÇÃO DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS: NOVO PARADIGMA E A SOLUÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE Ailton Chiquito; Alessandra Celestino de Oliveira....................................................168

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A OMC DIANTE DA QUESTÃO AMBIENTAL: SUSTENTABILIDADE OU NEOPROTECIONISMO COMERCIAL? Álvaro André Ferro Rossi.........................................................................................174 ANÁLISE EMPÍRICA DAS DIFICULDADES ATRELADAS À REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL NA AGRICULTURA FAMILIAR Karoline Cristyna Ribeiro; Natália Jodas..................................................................189 RIO +20: A BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, PAUTADO NA IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DA PROSPERIDADE, BEM-ESTAR E PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE Laeti Fermino Tudisco; Marlene Kempfer................................................................213 A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL E SEUS EFEITOS SOBRE A DESONERAÇÃO TRIBUTÁRIA DO TRABALHO FORMAL NO BRASIL Lourival José de Oliveira; Renata Calheiros Zarelli..................................................219 ÁGUA: DIREITO FUNDAMENTAL DE SEXTA DIMENSÃO Marília Rodrigues Mazzola; Priscylla Gomes de Lima.............................................235 PROTEÇÃO AMBIENTAL ATRAVÉS DOS PAGAMENTOS POR SERVIÇOS AMBIENTAIS: MECANISMO JURÍDICO INOVADOR Miguel Etinguer; Rodolfo Ciciliato.............................................................................251 TOMBAMENTO SISTEMATIZAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO E NO ESTADO DO PARANÁ Renato Lovato Neto..................................................................................................257 ECOLOGIA PROFUNDA Sérgio Henrique Santos Azevedo............................................................................280 INTERVENÇÃO DO ESTADO E REGULAÇÃO LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR POR MEIO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS, IMUNIDADES E ISENÇÕES Aldo Aranha de Castro; Maria de Fátima Ribeiro.....................................................292 TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO Andrea Teresa Sarai; Lourival José de Oliveira.......................................................295 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: INICIATIVA PRIVADA E GESTÃO DO JUDICIÁRIO Angelo Fadoni ; Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira...................................319 6

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMINIO ECONOMICO: JUDICIÁRIO COMO IMPLEMENTADOR DAS POLITICAS ECONOMICAS Aroldo Bueno de Oliveira; Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira...................323 FEDERALISMO FISCAL E A AUTONOMIA FINANCEIRA MUNICIPAL À LUZ DO PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO Camila Nayara Giroldo; Marlene Kempfer................................................................345 SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Danielle Riegermann Ramos Damião; Lourival José de Oliveira.............................346 A POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS SOB A PERSPECTIVA DA ÉTICA RADICAL DA ALTERIDADE DE LÈVINAS Dhyego Câmara de Araujo.......................................................................................349 PLANEJAMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: UM OLHAR DE RESGATE SOBRE A POLÍTICA ECONÔMICA NACIONAL Edvania Fátima Fontes Godoy; Marlene Kempfer...................................................366 REGULAÇÃO E O EDITAL DO LEILÃO 4G DA ANATEL Felipe Tadeu Ribeiro Morettini.................................................................................371 INTERVENÇÃO ESTATAL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DO COOPERATIVISMO Glaucia Silva Leite....................................................................................................372 CONCORRÊNCIA FISCAL E OS REFLEXOS NA ORDEM ECONÔMICA Jonathan Barros; Maria de Fátima Ribeiro...............................................................378 A LIBERDADE DE CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS Jussara Suzi Assis Borges Nasser; Wildemar Roberto Estralioto............................384 GLOBALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL EM FACE DAS ATIVIDADES DE RISCO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL Lourival José de Oliveira..........................................................................................389 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR E A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL Marcelo José das Neves..........................................................................................394 ESPOSITO E FOUCAULT: A ABORDAGEM IMUNITÁRIA DA BIOPOLÍTICA Marcos Nalli..............................................................................................................405

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REPERCUSSÕES DE CONTROLE ELETRÔNICO NO RELACIONAMENTO ENTRE O FISCO E O CONTRIBUINTE: O USO DESORDENADO DA CIBERNÉTICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Maria de Fátima Ribeiro...........................................................................................417 PLANO DIRETOR COMO INDUTOR DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS Ruy de Jesus Marçal Carneiro; Wildemar Roberto Estralioto..................................418 PROCESSO E ACESSO À JUSTIÇA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO E O ACESSO À JUSTIÇA Alana Gabi Sicuto; Marlene Kempfer.......................................................................442 A CONCILIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA A PACIFICAÇÃO SOCIAL E A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS Aldo Aranha de Castro; Paula Georgeti Silva..........................................................444 CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA Anderson Ricardo Gomes........................................................................................445 REVISITANDO A SÚMULA VINCULANTE N° 14 Antonio Aparecido de Lima; Daniela Borges Freitas................................................466 O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA À LUZ DO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO Bárbara Guasque; Maria Christina dos Santos........................................................467 O ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA ADEQUADA TÉCNICA PROCESSUAL E DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO Bruno Augusto Sampaio Fuga.................................................................................486 A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO COMO MÉTODOS ALTERNATIVOS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS Gabriel Danieli Santos; Jacqueline Cristina Pianoschi de Matos Bento..................508 CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS – ATIVISMO JUDICIAL – BREVE ESTUDO DE CASO Daniela Borges Freitas.............................................................................................509

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PROCESSO COLETIVO A SERVIÇO DA EXIGÊNCIA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: UMA PERSPECTIVA DE ALINHAMENTO DA ATIVIDADE ORÇAMENTÁRIA À REALIZAÇÃO DOS FINS E PRIORIDADES CONSTITUCIONAIS Fernanda Raquel Thomaz de Araújo; Luiz FernandoBellinetti.................................527 ACESSO À JUSTIÇA: DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL Francisco Emilio Baleotti; Lívia Rossi de Rosis Peixoto...........................................535 FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NO PROCESSO CIVIL E O “DISCURSO” EM MICHEL FOUCAULT Francisco Emílio Baleotti; Maitê Pereira Lamesa.....................................................541 A POSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PARA EFETIVAÇÃO DO ACESSO A UMA ORDEM JURÍDICA JUSTA Gustavo Gabriel Danieli Santos...............................................................................545 DA FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NA REDUÇÃO DA DURAÇÃO DO PROCESSO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DOS DESAFIOS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Henrique Volpato Maluta..........................................................................................550 O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO NAS DEMANDAS PREVIDENCIÁRIAS DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE Ivan Martins Tristão; Rodolfo Carvalho Neves dos Santos......................................551 INEFICÁCIA DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Kayan Menin Machado.............................................................................................552 DIREITO À PROVA AUTÔNOMO Marcela Marques Mancini........................................................................................553 SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSOS E ACESSO À JUSTIÇA Marcos Antônio Striquer Soares; Nathália Mariáh Mazzeo Sánchez.......................557 UMA ANÁLISE DO CASE MANAGEMENT NAS CORTES FEDERAIS AMERICANAS Marcos Antônio Striquer Soares; Rafael de Souza Borelli.......................................563 A IMPRESCINDIBILIDADE DE UMA NOVA CULTURA JUDICIÁRIA: REVISANDO PARADIGMAS Mayna Marchiori de Moraes; Rodrigo Marchiori de Moraes.....................................569

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PROCESSO CIVIL DE RESULTADOS: DIALÉTICA VALORATIVA CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL Mayna Marchiori de Moraes; Rozane da Rosa Cachapuz.......................................577 A TUTELA DA EVIDENCIA E A EVIDENCIA DOS DIREITOS Paulo Henrique Guilman Tanizawa..........................................................................593 O PROCEDIMENTO CONFORMADO Paulo Henrique Guilman Tanizawa..........................................................................594 ASPECTOS DO (NEO)CONSTITUCIONALISMO E SUA RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA VIABILIZADO PELO INSTITUTO DA MEDIAÇÃO Renata Mayumi Sanomya; Rozane da Rosa Cachapuz..........................................600 O ALCANCE NORMATIVO DO ART. 5º, INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A DISCIPLINA E AS GARANTIAS DO DIREITO DE AÇÃO Thadeu Augimeri de Goes Lima...............................................................................606 CONTRATOS CONTEMPORÂNEOS CARTÃO DE CRÉDITO E RESPONSABILIDADE DERIVADA DO ABUSO DO DIREITO Alessandra Celestino de Oliveira; Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.......629 BOA-FÉ NOS CONTRATOS BANCÁRIOS Aroldo Bueno de Oliveira...........................................................................................................633 O TRABALHO INFORMAL À LUZ DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONOMÔMICO Emerson Oliveira de Faria........................................................................................637 DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS E OS CONTRATOS DE HOSPEDAGEM DE WEBSITE DIANTE DA AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO Fábio Yuji Yoshida; Leonardo Melo Matos...............................................................642 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO DIREITO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TEORIA DO DIREITO Francisco Augusto Zardo Guedes............................................................................660 A SITUAÇÃO ATUAL DO DIREITO CONTRATUAL: A PÓS-MODERNIDADE E A SUA INFLUÊNCIA NA TEORIA CONTRATUAL Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira; Rita Diniz Caminhoto.........................676

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A APLICABILIDADE DA TEORIA DAS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO NOS CONTRATOS RELACIONADOS À REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA Loreanne Manuella de Castro França; Rita de Cássia R. Tarifa Espolador............680 DIREITO DE PROPRIEDADE E TERRAS INDÍGENAS Luana Ruiz Silva; Roseli Maria Ruiz........................................................................686 DANO MORAL E INDENIZAÇÃO POR POLÍTICAS PÚBLICAS DEFEITUOSAS EM TECNOLOGIA E INOVAÇÃO – A DIMINUIÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Miriam Azevedo Hernandez Perez...........................................................................706 LEI 12.462/2011: INOVAÇÃO LEGISLATIVA DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA Patrícia Toledo de Campos......................................................................................723 OS DESDOBRAMENTOS DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES Vinícius Luiz Reis Mônaco.......................................................................................728 PALESTRA PROFERIDA PELO DR. VINÍCIUS NICASTRO HONESKO IMAGENS DO CONTEMPORÂNEO: OS PARADOXOS DE UM DIREITO INSENSÍVEL Vinícius Nicastro Honesko........................................................................................732

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

DIREITO INTERNACIONAL E COMUNITÁRIO

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL NATUREZA E LEGITIMIDADE DO ASILO DIPLOMÁTICO: CASO ASSANGE NATURE AND LEGITIMACY OF THE DIPLOMATIC ASYLUM: ASSANGE CASE Alessandra Caria Buges; Universidade Estadual de Londrina – UEL [email protected] Danielly Fernanda Beithum; Universidade Estadual de Londrina – UEL [email protected] A palavra asilo significa sítio ou local inviolável. O fundamento do asilo diplomático, enquanto modalidade de asilo político, se assenta na exceção à plenitude de competência que o Estado exerce sobre seu território. Trata-se verdadeiramente de salvaguarda conferida ao estrangeiro para evitar perseguição baseada em crime de natureza política ou ideológica, dado que na seara da criminalidade comum os Estados se ajudam mutuamente, posição já assentada pelo direito das gentes. O Caso Assange tornou-se popular por sua forte divulgação nos meios de comunicação de massa, os quais ainda cogitam seus possíveis desfechos. Impasse internacional iniciado antes da concessão de asilo político pela embaixada equatoriana em Londres em junho deste ano, tornou-se questão política envolvendo cinco países e já é tema de filme divulgado na Internet. O presente estudo objetiva a contextualização do caso apontado sob a ótica do Direito Internacional Público, cujos conceitos servirão de base para a análise da legitimidade dos atores envolvidos. Palavras-chave: asilo político; crime político; legitimidade. Referências MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 3º ed. rev. atual. e ampliada. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: Curso elementar. 12ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva: 2010 RAATZ, Luiz. “Correa busca projeção com asilo a Assange, dizem analistas”. Disponível em:. Acesso em 10 set 2012. SEXTON, Renard. “Rafael Correa agenda behing Ecuador‟s Assange Asylum”. Disponível em:. Acesso em 11 set 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL TENSÕES ENTRE A GLOBALIZAÇÃO FINANCEIRA, VALORES DEMOCRÁTICOS E SOBERANIA NACIONAL: EVIDÊNCIAS A PARTIR DA RECENTE CRISE FINANCEIRA (2008-2012) Caio de Souza Borges Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas/SP (EDESP-FGV/SP) [email protected] Resumo: A recente crise financeira evidenciou o alto grau de interconexões entre agentes financeiros situados em múltiplas jurisdições e tornou item prioritário da agenda de governos e órgãos internacionais a reforma da “arquitetura financeira global”, de modo a assegurar uma eficaz cooperação e harmonização entre os diversos regimes regulatórios nacionais. Este trabalho apresenta alguns dos desafios à reestruturação do sistema financeiro internacional, à governança global de um regime regulatório policêntrico e explora algumas tensões entre a transferência das instâncias decisórias da esfera estatal para a internacional e a autonomia do Estado na condução de políticas nacionais em um contexto de mercados financeiros altamente integrados, isto é, sob a perspectiva da globalização financeira. Palavras-chave: sistema financeiro internacional; crise financeira; governança global; democracia; globalização financeira. Abstract: The recent financial crisis has unveiled a high level of interconnectedness among financial agents based in multiple jurisdictions and has shifted the reform of the “global financial architecture” into the top priority of the agenda of governments and international bodies, in order to ensure effective cooperation and harmonization between different national regulatory regimes. This paper presents some of the obstacles to the restructuring of the international financial system, to the global governance of a polycentric regulatory regime and explores some of the tensions between the transfer of decision-making powers from state-level to international-level bodies and the autonomy of the state in setting national policies in a context of deeply integrated financial markets, also known as financial globalization. Key-words: international financial system; financial crisis; global governance; democracy; financial globalization. 1. Introdução “Uma crise global requer soluções globais”. Assim sentenciaram os líderes do G-20 em sua declaração final do encontro de abril de 2009. Juntamente com essa constatação, foram lançadas diversas propostas para enfrentar “o grande desafio para a economia mundial dos tempos modernos” (G-20, 2009). Duas delas 14

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL interessam ao presente estudo: (i) a reconstrução do sistema financeiro global e (ii) o fortalecimento das instituições financeiras internacionais, para que estas deem “suporte ao crescimento global sustentável e para que possam servir às necessidades das empresas e dos cidadãos” (G-20, 2009). A “arquitetura do sistema financeiro internacional” compreende o conjunto de instituições internacionais que dão forma e escopo ao regime regulatório do sistema financeiro global e que envolve agências multilaterais, órgãos colegiados, comitês de reguladores, fóruns de experts e instituições financeiras internacionais tradicionais (FMI e Banco Mundial). Partindo-se da constatação que o Brasil tem se engajado ativamente nas discussões empreendidas em fóruns internacionais de regulação financeira, seja através de representantes políticos dos poderes Executivo e Legislativo, seja por meio dos órgãos reguladores do sistema financeiro, o Banco Central – BC e a Comissão de Valores Mobiliários – CVM ou, ainda, através de representantes das instituições financeiras domésticas ou estrangeiras que operam no país, este trabalho tem como objetivo avaliar criticamente o fenômeno de internalização de padrões internacionais de regulação do sistema financeiro. O raciocínio empreendido neste trabalho toma como pressuposto a incidência do “trilema de Rodrik”, pelo qual não é possível compatibilizar soberania estatal, valores democráticos e hiperglobalização, três “drivers” da economia mundial contemporânea, sem que um deles ceda espaço aos demais (RODRIK, 2012). A prevalência de dois deles necessariamente subjuga o terceiro e, se realizadas combinações „dois a dois‟, cada resultado implicará em distintos arranjos de economia política, bem como serão atraídos dogmas ideológicos que permeiam a discussão sobre a abertura das economias nacionais aos mercados globais e as consequências da liberalização financeira para a autonomia da política nacional. O presente estudo tem por objetivo realizar uma reflexão crítica sobre a aderência do Brasil aos padrões internacionais de regulação dos mercados financeiros em uma economia globalizada. Para tanto, o texto está dividido em cinco seções, além desta introdução. A seguir, episódios importantes que conformaram o desenho institucional do sistema financeiro brasileiro serão apresentados por meio de um recorte histórico. A terceira seção será dedicada à reforma da “arquitetura 15

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL financeira global”. A quarta parte discute o paradigma da governança global do sistema financeiro e suas limitações. A quinta seção apresenta alguns conflitos entre a tríade liberalização financeira, governança global e democracia nacional e busca desvendar possíveis correlações entre os fenômenos abordados nas seções anteriores e o desempenho do sistema financeiro brasileiro durante a crise. Em seguida são tecidas algumas considerações finais. 2. A estrutura institucional do sistema financeiro brasileiro: marco regulatório e instrumentos desenvolvidos a partir dos anos 90 Razões de ordem histórica, política, econômica e social podem ser invocadas para explicar os arranjos institucionais que dão forma e substância ao sistema financeiro nacional. A formação do sistema financeiro brasileiro teve um caráter marcadamente estatal e nacionalista durante a maior parte de sua existência em virtude de sua instrumentalidade na consecução de políticas de Estado, em especial os projetos de desenvolvimento e as políticas industriais que requeriam fontes adequadas de financiamento, suprindo lacunas existentes nos mercados bancários e de capitais que não contaram com o desenvolvimento espontâneo dos agentes privados

(SCHAPIRO,

2012,

p.

142). Durante

toda

a fase

do

Estado-

desenvolvimentista brasileiro, que grosso modo vigorou desde os anos 30 até a década de 80, pode-se afirmar, com evidente grau de imprecisão, que as estruturas regulatórias e os instrumentos financeiros sucessivamente criados e transformados durante o período assimilavam o perfil acentuadamente interventor do Estado e uma vocação expressa para a prestação de serviços financeiros voltados ao mercado interno, o que também significa que havia uma forte exclusão do capital financeiro estrangeiro e das instituições financeiras de outros países no mercado doméstico (MIRANDOLA, 2010, pp. 45-49). Na linha da chave institucionalista do desenvolvimento, a dinâmica dos arranjos institucionais tende a ser dependente da sua trajetória pregressa [path dependence], de forma que as alterações abruptas são menos prováveis que as acomodações incrementais (SCHAPIRO, 2010, p. 30). PRADO & TREBILCOCK 16

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL (2009, pp. 14-20) desdobram a dependência da trajetória em dois subconceitos: os custos de transição [switching costs] e os mecanismos de autorreprodução [selfreinforcing mechanisms] e, relacionando a presença destes com o aumento daqueles, aduzem que os arranjos jurídico-institucionais, políticos e sociais têm um alto grau de estabilidade durante tempos de relativa normalidade política e econômica. É necessário o advento de acontecimentos que rompam com a “inércia institucional” para que um conjunto de instituições arraigadas em uma sociedade possam entrever uma janela de oportunidade à sua transformação. Esses eventos são conhecidos como “conjunturas críticas” [critical junctures]: eventos que alteram o curso da trajetória institucional de uma determinada realidade e abrem novos caminhos de desenho institucional que podem explicar parte dos diferentes arranjos institucionais existentes entre os países. Seguindo o raciocínio de YAZBEK (2012), uma juncture que alterou profundamente o perfil do sistema financeiro nacional foi o advento do Plano Real. Calcado em cinco pilares1 que visavam garantir primordialmente a estabilidade de preços e romper com o processo inflacionário, o referido plano desnudou as fragilidades financeiras sob as quais operavam bancos públicos estaduais e bancos privados2, levando à implementação de regimes inovadores de intervenção e liquidação extrajudicial de instituições bancárias e financeiras no geral. As medidas intervencionistas da autoridade financeira e monetária para o fortalecimento do sistema financeiro e enfrentamento de crises bancárias resultaram na ampliação das capacidades regulatórias do Banco Central e na instituição de um regime de proteção contra riscos de crises sistêmicas que conferiram um grau razoável de estabilidade ao sistema bancário, cujos efeitos positivos foram evidenciados durante as fases mais agudas da recente crise financeira. Entretanto, o móvel que impulsionou as alterações legislativas e regulatórias do segundo quinquênio da década de 90 não se limitou à estabilização do sistema de maneira a evitar novas crises. A reforma do sistema financeiro empreendida durante esse período está inserida no contexto de reformas estruturais voltadas à liberalização financeira, sob o raciocínio de que a entrada do capital estrangeiro possibilitaria a melhor alocação dos investimentos privados e a formação e poupança. 17

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL MIRANDOLA (2010, cap. II) expõe com precisão as transformações pelas quais o arranjo institucional do sistema financeiro brasileiro teve de se submeter para se integrar aos mercados globais e as respectivas estruturas jurídicas que convergiram para a referida integração. Esquematicamente, os processos e respectivos arranjos jurídicos podem ser resumidos da seguinte maneira:

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Um balanço das reformas empreendidas desde a década de 90 e da reestruturação dos mecanismos de regulação pode ser sumarizado no seguinte rol de arranjos institucionais e elementos que configuram o sistema financeiro nacional nos dias atuais: a) O Banco Central foi dotado de amplos poderes para a prevenção e combate a crises de confiança no sistema bancário, através do aumento de suas capacidades regulatórias e fiscalizatórias que lhe conferiram grau razoável de discricionariedade na decretação de intervenções liquidações extrajudiciais, no desempenho da função de emprestador de última instância [lender of last resort] e na imposição de regras prudenciais (MOURA, 2012, p. 245); b) A redistribuição de poderes entre o Banco Central e a CVM foi bem delimitada, sendo reservado ao primeiro “o papel de regulador “prudencial e sistêmico” e ao segundo um regulador de “condutas”” (YAZBEK, 2012, p. 94); c) Houve uma alteração do ambiente concorrencial do mercado financeiro a partir da abertura do mercado doméstico às instituições financeiras estrangeiras, o que desencadeou uma série de ações reativas por parte dos bancos brasileiros, em especial os privados, de maneira que suas receitas pudessem ser diversificadas e seus ganhos de escala viessem a ser traduzidos em fatias crescentes de market share, o que se concretizou por meio de fusões e aquisições (PRATES, 2010, p. 132); d) Há um forte caráter de path dependence na configuração institucional do sistema financeiro, que se traduz na clássica divisão entre bancos públicos como intermediadores de empréstimos de longo prazo e bancos privados como emprestadores de operações de curto prazo 3 (SCHAPIRO, 2010). Além disso, os spreads bancários brasileiros continuam em patamares sui generis com relação a países avançados e em desenvolvimento, evidenciando a preferência pela liquidez dos bancos privados mesmo após o fim da era de alta inflação4; 19

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL e) A

produção

regulatória

financeira

brasileira

tem

sido

fortemente

influenciada por padrões internacionais de regulação e os órgãos reguladores nacionais têm justificado parte de suas iniciativas com base nas recomendações dos rule-setters internacionais (ex.: Acordos de Basileia, IOSCO, etc.). 3. A

arquitetura

do

sistema

financeiro

internacional:

desafios

à

coordenação e estruturação de um regime policêntrico O aspecto básico da governança do sistema financeiro internacional é que este carece de estruturas institucionais que repliquem, no nível supranacional, as suas equivalentes domésticas. Embora a crise tenha precipitado uma reorganização de atribuições regulatórias no âmbito dos órgãos que compõem a chamada “arquitetura financeira global”, conforme esquema exposto na Tabela I, abaixo, os avanços obtidos não lograram preencher o vácuo estrutural que priva a dimensão internacional das finanças do suporte e robustez institucional presente nos sistemas nacionais. Não há um órgão único responsável pela elaboração de padrões regulatórios e de supervisão, fiscalização e enforcement das regras estabelecidas em nível global, nem também há, no atual regime, um organismo que ofereça as mesmas facilidades de estabilização e contenção de crises sistêmicas, como linhas de crédito, capitalização, redesconto, seguro para depositantes, lender-of-last-resort, etc. Há, na verdade, uma teia de organismos cujas funções estão em pleno processo de redistribuição e acomodação, sem que qualquer deles usufrua da titularidade da coordenação da atividade regulatória e esteja hierarquicamente acima dos demais, com a ressalva de que, dentre todos, o FSB talvez esteja mais bem posicionado para assumir responsabilidades de consolidação, gerenciamento e monitoramento da adoção das práticas elaboradas pelos demais órgãos (BLACK, 2010, pp. 20-25). A reorganização dessas instituições envolve uma profunda dinâmica institucional e o rearranjo de políticas que se expressam em movimentos 20

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL concretos como a dilatação de seu perímetro regulatório, alterações nos critérios de composição, a redistribuição de suas funções, a redefinição do alcance normativo das suas regras ou recomendações e o estabelecimento de canais de comunicação e feedback entre as estruturas internacionais e os governos nacionais. Tabela I: Arquitetura do Sistema Financeiro Internacional Órgão

Composição

Funções

Limitações

- 35 autoridades - Desenvolvimento de

regulatórias Financial Stability Board (órgão ligado ao G-20)

nacionais; 18 órgãos políticos nacionais (ex.: Treasury); 6 organismos internacionais; 6 órgãos de

- Coordenação do trabalho de outros órgãos internacionais; monitoramento da implementação dos padrões e políticas regulatórias; formulação de princípios

identidade própria e independente das visões divergentes de seus membros; criação de mecanismos eficientes e democráticos de monitoramento e compliance dos padrões e princípios recomendados.

elaboração de standards Comitê de Basileia

- 27 bancos

- Recomendação de padrões

- Princípios não são cogentes;

centrais

internacionais de regulação

governança baseada em

- 15 órgãos

prudencial para entidades

expertise de técnicos

supervisores

bancárias.

questionada após a crise.

- 199 membros, sendo: 114 ordinários (comissões de valores mobiliários); 11 IOSCO*

associados (outros órgãos de regulação de valores mobiliários); 74 afiliados (órgãos

- Desenvolvimento de expertise - Cooperação para a promoção

quanto à vigilância dos riscos

de altos níveis de regulação;

sistêmicos dos mercados de

intercâmbios de informação

valores mobiliários; coleta de

interórgãos; Reunião de

informações dos associados

esforços para aplicação de

para a criação de bases de

padrões comuns de regulação e

dados que possam servir de

supervisão do mercado de

fonte para o monitoramento de

valores mobiliários.

riscos do “shadow banking system”.

de

21

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL autorregulação) - Assistência financeira a países

FMI

- 188 Estadosmembros da ONU

pobres e em desenvolvimento;

- Mandato legal limita

monitoramento de políticas

comunicação direta com firmas

econômicas nacionais;

individuais e coordenação

supervisão do sistema

multilateral do sistema

monetário/ financeiro

financeiro.

internacional. - 188 Estadosmembros do BIRD - 172 membros da Banco Mundial

Agência Internacional para o Desenvolvimento – AID (IDA)

- Baixa representatividade de - Concessão de empréstimos

países pobres e de renda

para países pobres e de renda

média; credibilidade em xeque

média (governos e iniciativa

após agenda de reformas

privada); resolução de conflitos

estruturais dos anos 90 e 90;

e conciliações envolvendo

mandato legal limita acesso a

disputas relacionadas a

firmas individuais e formulação

investimentos.

coordenação do sistema financeiro. - Superposição de colégios;

Colégios de Supervisores

- Cooperação e intercâmbio de

baixa coordenação e

Há diversos

informações entre autoridades

dificuldades de troca de

colégios de

financeiras de diferentes países

informações; inexistência de

supervisores em

para supervisão de firmas que

órgão responsável pela fixação

funcionamento

operam em mais de uma

de padrões comuns e

jurisdição.

procedimentos para colégios em funcionamento.

Mais de 140 CNIC**

entidades

(IASB)

profissionais de contabilidade

- EUA não aderem ao IRFS; - Estudo, preparo e emissão de

padrões contábeis sancionados

normas e padrões internacionais

pelo CNIC se mostraram

de contabilidade

indesejáveis e pró-cíclicos durante a crise.

Mais de 180 jurisdições AISS*** (IAIS)

representadas por reguladores nacionais de seguros privados e órgãos políticos

- Incorporação da dimensão - Cooperar para a contribuição de uma melhor supervisão da indústria do seguro em um nível nacional e internacional

sistêmica das atividades das seguradoras às regulações nacionais; coleta de informações sobre posições das seguradoras em mais de uma jurisdição.

22

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL nacionais

OCDE**** (OECD)

34 paísesmembros (Brasil não é membro)

- Promoção de políticas

- Baixa representatividade do

destinadas a atingir o máximo

quadro de membros;

crescimento econômico dos

dependência de outros órgãos,

países membros e contribuir

com o FSB, para a

para a expansão do comércio

implementação ampla das

internacional.

políticas recomendadas.

Fonte: Elaboração própria * International Organization of Securities Commissions/** Comitê de Normas Internacionais de Contabilidade/*** Associação Internacional de Supervisores de Seguros/**** Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico

Até antes da recente crise financeira, reformar a arquitetura do sistema financeiro internacional significava essencialmente remodelar as Instituições Financeiras Internacionais (IFIs): o Banco Mundial e o FMI. É certo que todas as entidades listadas acima já existiam no período pré-crise, mas o alcance de seus poderes regulatórios eram consideravelmente mais reduzidos e as propostas que visavam reformular a configuração desse desenho institucional angariavam poucos adeptos, principalmente entre os líderes e burocratas dos países avançados. O principal motivo para essa inércia institucional que vigorou durante um bom tempo no âmbito da arquitetura financeira global é endógeno à própria existência do sistema, que vai sendo aprimorado através de “solavancos” causados pelos episódios de crise. Torna-se mais fácil compreender o desenvolvimento dessa rede de órgãos e reguladores a partir do entendimento de que tais estruturas são essencialmente subprodutos de acordos e iniciativas responsivas às crises que se instalam nos diversos segmentos dos mercados financeiros. O fato de a crise atual ter precipitado um “salto cognitivo [cognitive shift] a respeito do funcionamento dos mercados financeiros e de suas complexas interações e interdependências (BLACK, 2010, p. 2) é determinante na compreensão do atual estágio de reformas da arquitetura financeira global. O que se viu na recente crise, que não havia sido corretamente internalizado pelos modelos que sustentavam o modelo de financiamento de hipotecas nos países avançados, foi 23

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL a transmissão da deterioração das condições financeiras de um subgrupo de intermediários para outro através de uma cadeia intricada de agentes que detinham pouca informação a respeito da posição financeira dos demais. Viu-se também que os efeitos negativos dessa interconexão entre múltiplos agentes financeiros extrapolaram as fronteiras dos países e irradiaram-se para virtualmente todas as jurisdições, trazendo à tona uma questão até então insuficientemente enfrentada na esfera internacional da regulação do sistema financeiro: o caráter sistêmico das regulações nacionais e os potenciais efeitos-contágio e externalidades gerados por um determinado arranjo regulatório doméstico sobre os demais. Fato é que apenas com o advento desta crise pode-se perceber uma gradual mudança na condução das iniciativas regulatórias supranacionais para um formato menos top-down e mais participativo, ainda que o estado atual esteja longe de superar as assimetrias que vigoraram durante décadas e ainda haja críticas de que mesmo o grupo supostamente mais plural e poroso à participação dos emergentes nas discussões sobre os rumos da economia global, o G-20, seria subrepresentativo. Ainda assim, isso só foi possível porque os próprios fundamentos sobre os quais repousavam os sistemas financeiros dos países avançados foram postos em xeque. A crise logrou evidenciar que, se são os países emergentes e pobres os principais

acometidos

por

situações

de

instabilidade

econômica,

não

é

necessariamente a fragilidade de suas estruturas institucionais a causadora das crises endêmicas das economias mais vulneráveis (cambiais e bancárias) (RODRIK, 2012, cap. 8), mas também (i) o efeito spillover e as externalidades negativas geradas por regulações lenientes e exageradamente confiantes na capacidade dos mercados em se autorregularem postas em prática nos países avançados (BRESSER-PEREIRA, 2010) e (ii) as distorções inerentes a uma economia global profundamente integrada e calcada no dogma do livre fluxo de capitais, em especial as assimetrias financeira, monetária e macroeconômica entre países avançados e os demais (BIANCARELI, 2010, p. 94).

24

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 4. As limitações do paradigma da governança global como modus operandi do sistema financeiro internacional Regimes regulatórios em que diversos atores coexistem em distintos níveis (internacional, regional e local), sem um escalonamento hierárquico rígido entre eles, são chamados de policêntricos (BLACK, 2008, p. 6). Regimes policêntricos de regulação, por sua vez, usualmente se utilizam do paradigma da governança para lograr seus objetivos. O paradigma da governança pode ser entendido como “governar sem um governo”, isto é, a partir do envolvimento e cooperação de múltiplos stakeholders, é produzida uma regulação alternativa à que se perfaz no seio do Estado, de maneira top-down, ou mesmo àquela que é desenvolvida pelo processo de autorregulação (RODRÍGUEZ-GARAVITO, 2011, p. 15). A governança global é uma questão complexa, repleta de ambiguidades e armadilhas e a governança da economia global não difere muito dessa regra (TRUMAN, 2010, p. 7). Como visto no item 4., acima, a arquitetura do sistema financeiro global é composto por uma miríade de entidades que operam sob distintos sob interações complexas e variadas, além de possuírem diferentes critérios de associação, regimes jurídicos, mandatos e poderes (BLACK, 2010, p. 6). É bem verdade que, desde seus primeiros desdobramentos, a crise financeira tem exposto as severas limitações enfrentadas pelo Estado para intervir em um sistema cuja atuação transnacional não coincide com o espaço territorial do Estadonação, isto é, a eficácia de mecanismos legais, regulatórios, administrativos e políticos à mão do Estado restam seriamente debilitados na medida em que as fronteiras positivas e legislativas não coincidem com o espaço territorial (FARIA, 2009). Por sua vez, regimes regulatórios policêntricos não têm se encontrado diante de dificuldades menos tortuosas, decorrentes de sua natureza complexa, fragmentada, multifacetada, cujas relações de interdependência entre os atores frequentemente expõem o conflito entre os interesses individuais dos participantes em detrimento de uma real cooperação para a consecução de finalidades comuns aos próprios atores e, eventualmente, de interesse daqueles que estão posicionados 25

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fora do regime. Dentre as principais dificuldades com que os regimes de regulação policêntrica se deparam estão: (i) legitimidade democrática e accountability; (ii) organização e cooperação interna e inter-relacional; (iii) coordenação com regimes regionais e nacionais; e (iv) dificuldades cognitivas. Cabe ressaltar que essas dificuldades frequentemente se superpõem e se retroalimentam

[overlapping

and

feedback

loop].

A

existência

de

vários

impedimentos à construção de um sistema hegemônico de regulação do sistema financeiro internacional impõe a revisão de velhos conceitos e a abertura para adoção de novas táticas. Sendo a dinâmica regulatória sujeita a intensos influxos entre reguladores e regulados, um processo eficaz que vise à elaboração de regulações aptas a cumprir com as suas finalidades deve se revestir de elementos adaptativos e abertos a experimentações, principalmente pela sua porosidade à participação de diversos grupos interessados e pelo constante aprimoramento de sua qualidade através de análises quantitativas e qualitativas de sua eficácia no domínio fixado para sua aplicação. Ultrapassadas dificuldades relativas à soberania do Estado em se curvar aos compromissos internacionais, uma vez que esse ato é legítimo e discricionário, na hipótese de entusiasmo quanto à adoção da solução da governança, é pertinente indagar se os fundamentos normalmente utilizados para suportar a adoção de reformas calcadas no referido paradigma podem explicar o desempenho da economia nas situações mais importantes para a verificação da precisão e pragmatismo de seus postulados, isto é, durante as condições adversas das inevitáveis crises que ocorrem periodicamente nos mercados globais. É o que a última parte deste trabalho irá discutir. 5. Reformas institucionais, globalização financeira e desempenho do sistema financeiro brasileiro durante a crise: há causalidades? Uma vertente da literatura produzida desde o agravamento da crise, em meados de 2008, tem atribuído suas causas principais à intensa desregulação do setor financeiro associada ao caráter globalizado das finanças, de natureza 26

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL inerentemente instável e especulativa5, que teriam ampliado as oportunidades de aplicação do capital em operações de curto prazo cuja finalidade seria apenas o retorno financeiro imediato e a antecipação das tendências de mercado – operações que foram multiplicadas por fator quase infinito sob os incentivos gerados pelas aberturas unilaterais dos mercados nacionais, em especial dos países emergentes, nas décadas de 80 e 90 (BIANCARELI, 2010, p. 61). Para

os

proponentes

da

liberalização financeira, a livre circulação de capitais possibilitaria a melhor alocação dos investimentos privados e a formação de poupança, já que o capital teria uma propensão a fluir das regiões onde é mais abundante para os lugares onde é escasso, contribuindo para o desenvolvimento. A integração do sistema financeiro doméstico aos internacionais, traduzida na eliminação de diversas barreiras à entrada de competidores estrangeiros, por meio da aquisição de participações societárias em instituições nacionais ou a instalação de filiais ou subsidiárias por parte dos bancos estrangeiros, bem como os estímulos à internacionalização das firmas financeiras brasileiras tinha como objetivos: (i) estimular a concorrência do setor bancário, forçando os bancos brasileiros a adotarem melhores práticas e ferramentas de gerenciamento interno, monitoramento e mitigação de riscos (PRATES, 2010, p. 131); (ii) melhorar a oferta de crédito, com grande expectativa de redução dos spreads bancários e de alteração do perfil dos empréstimos ofertados pelos bancos privados, que deixariam de ser orientados para o curto prazo e seriam canalizados para operações de longo prazo e investimentos de alto risco e complexidade; (iii) o aumento do grau de sofisticação do sistema como um todo, através do aprimoramento institucional do e da diversificação e criação de melhores produtos e serviços financeiros ofertados a tomadores e clientes em geral (MEYER, 1997); (iv) a renovação dos movimentos tradicionais de intermediação entre agentes superavitários e deficitários para abranger residentes e não-residentes em trajetórias transnacionais de capitalização aptas a servir de base para as transações produtivas externas e para a internacionalização de empresas brasileiras e o aumento dos investimentos estrangeiros nos mercados domésticos 6 (MIRANDOLA, 2010, p. 139); e (v) possibilitar ao governo o uso instrumental do sistema financeiro como ferramenta para a prevenção e gestão de crises como as 27

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL que assolaram os mercados emergentes durante a década de 90, sob o fundamento teórico de que os mercados deveriam encontrar condições estáveis para que pudessem operar de maneira eficiente nesses mercados. Retornando ao “trilema de Rodrik”, há farta literatura que aborda as tensões entre globalização financeira e valores democráticos nacionais. Uma extensa gama de estudos tem demonstrado que a liberalização financeira tolhe a capacidade do Estado de executar políticas de incentivo ao crescimento econômico e gera externalidades sobre a condução da economia doméstica, sendo uma delas o comprometimento da eficácia do manejo dos pilares da política econômica, isto é, a política monetária (âncora cambial e âncora monetária, ou taxa de juros) e o controle de capitais. Para RODRIK (2012, p. 264) os países devem ser mais seletivos quanto à abertura de suas economias, em especial das contas de capital do balanço de pagamentos, por serem canais por excelência de transmissão de instabilidade financeira dos demais países. A liberação da conta de capital é um vaso comunicante altamente atrativo aos efeitos deletérios da integração financeira, dentre eles os efeitos de contágio, spillover, dentre outros7. Em sintonia com diversos trabalhos produzidos pela comunidade acadêmica nacional, RODRIK (2012, p. 264) considera como condição sine qua non à existência de uma “diversidade regulatória” substantiva a restrição à liberdade das finanças globais como forma de evitar a arbitragem regulatória e proteger a integridade dos regimes regulatórios nacionais.

Sem que os fluxos financeiros

estejam sujeitos a controles e restrições, as regulações nacionais ficam sujeitas ao risco de ineficácia e as firmas domésticas tornam-se vulneráveis à competição de entidades prestadoras de serviços financeiros originadas de jurisdições cujos padrões regulatórios são inferiores aos do país de destino dos principais agentes da globalização financeira. O governo e as autoridades regulatórias do sistema financeiro brasileiro são entusiastas do paradigma da governança global e são atores ativamente engajados na formatação e absorção de padrões internacionais. Basta uma rápida olhada nos documentos de audiência pública de novos instrumentos de regulação do BC e da CVM para se dar conta que, sempre que possível, são feitas referências – por vezes 28

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL vagas e genéricas – à iniciativa na dimensão internacional que supostamente informaria, ou exigiria, a medida proposta na esfera nacional. Embora o processo de internalização da regra internacional possa resultar em uma norma interna com matizes específicos que a distanciem do referencial supranacional, fato é que os reguladores do setor financeiro nacional têm se utilizado recorrentemente do expediente da justificativa da proposta regulatória através de argumentação calcada na exigibilidade da medida com base em compromissos assumidos na esfera internacional8. Como o exemplo brasileiro bem evidencia, as reformas realizadas sob a agenda da integração dos mercados financeiros ou sob a influência dos acordos e compromissos internacionais não parecem ter sido as principais responsáveis pelo fortalecimento sistema financeiro internacional e pela sua recém-vista capacidade satisfatória de absorção de choques externos. Isto por duas principais razões. Primeiro, os padrões erigidos em instâncias supranacionais abrangiam um espectro restrito da atividade financeira e a crise tratou de mostrar que alguns deles padeciam de graves distorções por não compreender de maneira satisfatória o funcionamento dos mercados, como é o caso dos acordos de Basileia II, sob intensa crítica por não terem endereçado corretamente o caráter pró-cíclico dos requisitos de capital modelados em função do risco de crédito das carteiras de tomadores dos bancos. Em segundo lugar, e paradoxalmente, a destrutibilidade e velocidade de propagação dos efeitos negativos da crise foram em grande medida contidas pelo ambiente regulatório brasileiro e pelas mutações empreendidas aos padrões internacionais quando de sua internalização ao ordenamento jurídico interno. Exemplo claro disso foi a proibição, pelo Bacen, da utilização de avaliações de agências de rating como medida de probabilidade de insolvência de tomadores para a alocação do capital exigido por Basileia II. O que antes era visto como um desvio das melhores práticas atualmente é entendido como a opção mais adequada diante da baia credibilidade das agências de rating. Além disso, o receituário neoliberal de desintegração das barreiras à entrada do capital externo no Brasil em um grau nitidamente avançado restringiu o controle do Estado sobre a condução da política econômica doméstica – consequência 29

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL necessária e natural do processo de abertura econômica – de modo que também não assistia ao governo brasileiro uma ampla margem de manobra na manipulação do regime cambial e das políticas monetária e fiscal de modo a conter o avanço da crise sobre a economia nacional. Sobre a política de desregulamentação, a importação dos argumentos que faziam apologia ao caráter benéfico do capital estrangeiro nas estratégias de desenvolvimento dos países emergentes e a visão idealista do sistema econômico internacional, GUIMARÃES (2000, p. 153) pondera que a transferência dos centros de decisões de plataformas estatais para as supranacionais afeta consideravelmente a capacidade do Estado de preencher os vazios produtivos que os mercados não conseguem atender e, pelo contrário, lançaria os países emergentes em crises de grande magnitude, retardando seu crescimento e aumentando o hiato entre os países periféricos e avançados. Em última análise, foram (i) a base institucional pré-existente do sistema financeiro nacional, resultante de uma longa trajetória de políticas responsivas às vicissitudes sociais, culturais e históricos da realidade nacional (SCHAPIRO, 2012, p. 121), e (ii) a originalidade do Estado Brasileiro, que empregou medidas de cunho heterodoxo, como a instrumentalização de bancos públicos e outras entidades para atuar de maneira anticíclica frente à paralisação dos mercados de crédito e a fuga maciça de capitais em direção a investimentos tradicionais e títulos emitidos pelos governos dos países que possuem moedas plenamente conversíveis, que resguardaram a economia brasileira de maiores danos decorrentes da crise mundial (CARNEIRO, 2010; NOZAKI, 2010). O histórico de reformas institucionais e regulatórias, em especial as ocorridas na década de 90, assim como os vícios, as idiossincrasias e os arranjos jurídicos, políticos e econômicos específicos da realidade brasileira podem explicar com mais profundidade as causas da estabilidade, resiliência e baixa propensão ao contágio, em comparação com países centrais, do sistema financeiro nacional do que os movimentos de integração do mercado doméstico e incorporação de padrões internacionais de regulação e supervisão.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 6. Considerações finais Ainda que os aspectos negativos das crises predominem, eventos dessas proporções podem trazer algumas externalidades positivas ao forçarem os atores a saírem da zona de conforto. A julgar pelas recentes declarações emitidas por grupos representantes de governos nacionais, os países de economia avançada parecem ter se dado conta, ainda que sob a pressão dos acontecimentos, que os mecanismos de cooperação internacional não podem ser destinados exclusivamente para reformas voltadas para a estabilização econômica de países emergentes, sejam elas quais forem – monetária, cambial, estrutural, institucional, etc.. Insistir que os fundamentos das economias em desenvolvimento sempre estarão deslocados é um argumento que traz consigo certo ranço colonialista. Por outro lado, aos países emergentes foi concedida uma oportunidade única de resistir aos padrões internacionais fixados à revelia da sua participação substancial e democrática. A crescente complexidade e integração de economias nacionais, regionais e globais, e também dos sistemas financeiros, aponta no sentido da instituição de regras comuns e padrões aplicáveis a todos os países, porém é possível que alguns Estados resistam a essa tendência na mesma intensidade em que resistem à integração global em si (TRUMAN, 2010, p. 19). Evidentemente os resultados para a economia global serão tão mais positivos quanto menor for a radicalização das posturas de cada um dos lados. A eficácia dos padrões regulatórios internacionais depende fortemente da consciência dos atores de que estão diante de um problema de ação coletiva. Dentre os desafios que se apresentam aos órgãos de cooperação internacional em regulação financeira está o de obtenção da legitimidade política e das capacidades técnicas necessárias para consolidar em novos princípios e recomendações de melhores práticas regulatórias os padrões não obrigatoriamente emanados das potências centrais, mas sim um conjunto criativo e original de propostas que não se submetam às visões estreitas que imperavam no período pré-crise sobre os temas que compõem o seu recém-alargado perímetro regulatório, dentre eles a rede de

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL prevenção do risco sistêmico, padrões prudenciais e requisitos de capital, regimes de falência, regras de conduta, supervisão, dentre outros. A recente crise financeira reúne elementos que a qualificam como uma autêntica “juncture”. O formato empregado às instituições hoje lançará as bases para um novo ciclo de desenvolvimento dos países emergentes. Entretanto, é preciso sanar as deficiências persistentes do passado. A aderência aos padrões e às reformas propaladas em nível internacional pode contribuir para o aprimoramento institucional do país, porém não se deve superestimar a sua capacidade de corrigir os gargalos que ainda impedem que o sistema financeiro nacional seja um motor do desenvolvimento. Essas deficiências são velhas conhecidas, sendo as principais (i) a existência de altos spreads bancários, que tornam o acesso ao crédito uma ação proibitiva para a maioria dos agentes; (ii) um mercado de capitais fechado às pequenas e médias empresas; (iii) a segregação das operações de curto prazo pelos bancos privados e de longo prazo por bancos públicos, especialmente o banco de desenvolvimento nacional, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); e (iv) o financiamento do desenvolvimento mediante poupança externa, que além de tornar vulneráveis as contas da balança de pagamentos também não tem se revelado uma alternativa sustentável de financiamento das empresas brasileiras. Conforme a experiência demonstra, existem consideráveis limitações de ordem cognitiva a respeito da evolução dos mercados e do tipo de regulação que melhor se ajusta a um ambiente dominado por agentes de racionalidade limitada, falhas, assimetrias, custos de transação, insegurança jurídica, etc. É preciso, portanto, cautela na transferência das instâncias decisórias e fixadoras dos padrões jurídicos e institucionais para regimes regulatórios internacionais e, nos casos em que a governança global prevaleça, a internalização de regras deve ser submetida às estratégias de desenvolvimento econômico e social nacionais.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Notas 1

São eles: (i) controle da inflação; (ii) privatização; (iii) abertura ao investimento estrangeiro; (iv) abertura comercial; e (v) ajuste fiscal. Cf. CASTRO et al (2005). 2 Sob dois aspectos principais: (i) acarretou a perda das receitas de floating e inflacionárias (PRATES, 2010) e (ii) exerceu pressão sobre os balanços dos bancos públicos estaduais, que mantinham uma relação promíscua com os governos a que serviam, geralmente seus controladores, financiando gastos de empresas estatais e emitindo moeda para a rolagem da dívida pública dos erários estaduais (MOURA, 2012). 3 A participação dos bancos públicos no mercado financeiro acentuou-se após a crise de 2008, em especial no mercado de crédito. Para uma narrativa sobre a utilização dos bancos públicos como instrumentos de política anticíclica na contenção dos impactos da crise, cf. NOZAKI (2010). 4 Tal manutenção de estratégia de alocação de portfólio estaria associada a uma política macroeconômica adversa que confere atratividade a uma aplicação que combina alta rentabilidade e baixíssimo risco: os títulos públicos indexados à taxa de juros básica. Cf. PRATES, 2010. 5 A teoria da instabilidade dos mercados financeiros foi bastante desenvolvida por Hyman Minsky. 6 Sobre o ingresso de bancos estrangeiros no Brasil, a internacionalização dos bancos nacionais e os efeitos desse movimento bidirecional no sistema financeiro nacional, cf. FREITAS (2010) e COSTA (2001). 7 Para uma distinção dos diferentes tipos de transmissão de crises entre os países, cf. BARBA (2011). 8 No âmbito do BC, citem-se os editais de audiência pública que visam implementar os Acordos de Basileia III (Audiência Pública n. 40/2012), a implementação de estrutura de gestão de capital pelas instituições financeiras (Edital de Audiência Pública n. 36/2011), normas sobre a remuneração de executivos de instituições financeiras (Edital de Audiência Pública n. 35/2010), proposição legislativa para sistematização de medidas de prevenção de riscos à estabilidade do sistema financeiro e saneamento do setor (Audiência Pública n. 34/2009), dentre várias outras. Quanto à CVM, mencionem-se as normas sobre a atividade de classificação de risco de crédito (Edital de Audiência Pública n. 16/2011), sobre o dever de realizar procedimentos de suitability (Edital de Audiência Pública n. 15/2011), informações sobre operações de derivativos (Edital de Audiência Pública n. 06/10, que visava alterar a ICVM 467/2008), dentre diversas outras.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A RELAÇÃO DE COMPLEMENTARIDADE ENTRE OS TRIBUNAIS HÍBRIDOS E O TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL Camila Dabrowski de Araújo Mendonça, Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected] Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar o possível relacionamento entre os tribunais híbridos e o Tribunal Penal Internacional. Apresenta-se algumas vantagens e desvantagens da criação e funcionamento desses novos tribunais, bem como a possibilidade de estar sendo desenvolvido de um sistema internacional penal descentralizado. Palavras-Chave: Direito Penal Internacional; Tribunais Híbridos; Tribunal Penal Internacional THE COMPLEMENTARITY RELATION BETWEEN THE HYBRID TRIBUNALS AND THE INTERNATIONAL CRIMINAL COURT Abstract: This paper aims to analyze the possible relationship between hybrid tribunals and the International Criminal Court. It also presents some advantages and disadvantages of the creation and functioning of these new tribunals, al well as the possibility that a decentralized international criminal system is being developed. Key-Words: International Criminal Law; Hybrid Tribunals; International Criminal Tribunal Introdução A criação de diversos tribunais híbridos mesmo após a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) suscita amplos debates sobre as perspectivas para o futuro do Direito Penal Internacional. A análise aqui proposta tem como objetivo verificar se esses novos tribunais surgem como concorrentes ao TPI ou, pelo contrário, como instituições complementares dentro de um emergente sistema internacional penal descentralizado. Revisão de literatura Os tribunais híbridos são um fenômeno relativamente novo para o Direito Internacional Penal e a forma de criação, composição e o direito aplicável de cada tribunal tem profundas relações com o caso específico para o qual está sendo criado. Frente a esse panorama, Nouwen salienta a dificuldade para a conceituação dessas instituições, indicando que os principais elementos destacados pela doutrina como caracterizadores desse fenômeno são: a participação tanto de pessoal nacional quanto internacional e a composição do direito aplicável com normas internas e internacionais, sendo que, em cada tribunal há um nível diferente de proeminência nacional ou internacional (2006, p. 203-209). Em relação ao TPI, o 37

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL princípio da complementaridade indica claramente a preferência das cortes nacionais para a realização dos julgamentos, restando o TPI como uma alternativa internacional. Burke-White defende que as cortes nacionais, juntamente como os tribunais híbridos e internacionais, formam um sistema internacional penal descentralizado, no qual as primeiras tem se consolidado como a linha de frente para a punição de criminosos internacionais (2002, p 75). Resultados e discussão A criação dos tribunais híbridos é uma forma diferente de resposta às graves violações internacionais que busca não apenas a punição dos culpados, mas também a inserção do sistema judiciário nacional no processo de julgamento. Nesse sentido, destacam-se duas grandes vantagens: (1) o fortalecimento das estruturas judiciárias nacionais com a adoção dos parâmetros internacionais nos julgamentos, e a capacitação do pessoal nacional por meio da experiência fornecida pelo trabalho lado a lado com pessoal internacional (CASSESE, 2003, p. 345; LIMA, 2012, p. 237); (2) a inserção da judiciário nacional aliada a participação internacional fornece um sentido de legitimidade maior aos julgamentos, além de permitir uma maior proximidade da população com o processo, o que pode auxiliar na reconstrução nacional (NOUWEN, 2006, p. 198; MÉGRET, 2005). A grande desvantagem percebida por Pocar é a possibilidade de que esses tribunais, sendo instituições distintas e independentes, produzam jurisprudência não-uniforme (POCAR, 2004, p. 307). A perspectiva de que os tribunais híbridos formam, juntamente com outros tribunais e cortes, um sistema internacional penal descentralizado é defendida por diversos autores (BURKE-WHITE, 2002, p. 75; LIMA, 2012, p. 256). Tal perspectiva permite interpretar a criação dos tribunais híbridos não como concorrentes à jurisdição do TPI, mas sim como complementar, consolidando a ideia de um sistema. O próprio princípio da complementaridade que fundamenta a atuação do TPI prevê que a preferência deve ser sempre dada às cortes nacionais, restando ao TPI atuar quando estas se demonstram incapazes ou desinteressadas. Uma segunda questão relevante diz respeito às limitações de competência do TPI em termos materiais e temporais. Novamente os Tribunais Híbridos surgem como uma forma de lidar com esses crimes, sejam eles de outro tipo ou cometidos anteriormente à entrada em vigor do Estatuto de Roma, não permitindo a impunidade. Conclusões Pelo exposto, pode-se concluir que, mais do que instituições concorrentes ao TPI, os tribunais híbridos surgem como uma ferramenta interessante para o Direito Penal Internacional, uma vez que permitem a internalização dos padrões internacionais pelos Estados ao mesmo tempo em que suprem algumas lacunas jurisdicionais deixadas pelo TPI. Nesse sentido, a perspectiva de criação de um sistema internacional penal descentralizado parece estar em andamento, possibilitando a efetiva punição de perpetradores de crime internacionais da forma mais adequada e ampla. 38

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Referências BURKE-WHITE, William Whitney. A Community of Courts: Towards a System of International Criminal Law Enforcement. Michigan Journal of International Law, Lansing, vol. 24, nº. 1, p. 1-101, 2002. CASSESE, Antonio. International Criminal Law. Oxford University Press, 2003. LIMA, Renata Mantovani de. Tribunais Híbridos e Justiça Internacional Penal. Belo Horizonte: Arraes, 2012. MÉGRET, Frederic. In Defense of Hybridity: Towards a Representational Theory of International Criminal Justice. Cornell International Law Journal, Vol. 38, 2005. 39 p. NOUWEN, Sarah. Hybrid courts: the hybrid category of a new type of international crimes courts. Utrecht Law Review, Utrecht, v.2, n.2, 2006. p. 190-214. POCAR, Fausto. The Proliferation of International Criminal Courts and Tribunals: A Necessity in the Current International Community. Journal of International Criminal Justice 2, 2004. p. 304-308.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PAPEL DO CONSELHO DE SEGURANÇA DA ONU NO PROCESSO DE JURISDICIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL INTERNACIONAL Camila Dabrowski de Araújo Mendonça, Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected] Gabriela Werner Oliveira, Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected] Resumo: O presente artigo visa analisar a atuação do Conselho de Segurança da ONU na criação dos tribunais penais internacionais ad hoc e tribunais híbridos, bem como no funcionamento do Tribunal Penal Internacional. Destaca-se a relevância do Conselho de Segurança no processo de jurisdicionalização do Direito Penal Internacional, concluindo-se que sua participação evoluiu de forma gradativa, da imposição ao auxílio para a criação e funcionamento de tribunais. Palavras-Chave: Direito Jurisdicionalização

Penal

Internacional;

Conselho

de

Segurança;

THE ROLE OF THE UN'S SECURITY COUNCIL IN THE PROCESS OF JURISDICTIONALIZATION OF THE INTERNATIONAL CRIMINAL LAW Abstract: This paper aims to analyze the role of the UN's Security Council in the establishment of the ad hoc international criminal tribunals and hybrid tribunals, as well as in the functioning of the International Criminal Court. Emphasis is given to the relevance of the Security Council in the process of International Criminal Law's jurisdictionalization. The conclusion is that the Council's participation evolved in a gradual manner, from the imposition to the aid for the creation and functioning of tribunals. Key-Words: International Criminal Law; Security Council; Jurisdictionalization

Introdução O processo de jurisdicionalização do Direito Penal Internacional foi impulsionado pela participação do Conselho de Segurança da ONU, na fase pósSegunda Guerra Mundial. À época, inúmeras críticas foram feitas sobre a possibilidade deste órgão instituir tribunais e a forma pela qual as atividades destes seriam conduzidas, críticas que, com a posterior criação de um tribunal penal internacional permanente passaram a ser destinadas ao papel que restaria ao

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Conselho no funcionamento deste tribunal. Não obstante, o Conselho de Segurança ainda tomou parte na criação de tribunais híbridos. Assim, o presente artigo visa sair do "lugar-comum" das críticas, para analisar o resultado substantivo dessa atuação para a prática do Direito Penal Internacional, sendo construído a partir de estudos realizados pelas autoras, tanto em sede de graduação como na pós-graduação. Nesse sentido, ressalta-se que as pesquisas ainda estão em andamento, portanto as conclusões aqui apresentadas são apenas parciais. O trabalho é divido em três seções, sendo a primeira destinada a análise das experiências iniciais do Conselho de Segurança na criação dos tribunais ad hoc. Em seguida, o foco se volta para a participação do Conselho de Segurança no funcionamento do Tribunal Penal Internacional. Por fim, demonstra-se a diferença da atuação do Conselho com a criação dos tribunais híbridos, respondendo às especificidades de cada caso. 1

A criação de tribunais penais internacionais por meio do Conselho de

Segurança da ONU Durante o período da Guerra Fria, a atividade do Conselho de Segurança da ONU restou praticamente estagnada em função do poder de veto, do qual Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas utilizavam com grande frequência. Com o término da Guerra Fria e a progressiva normalidade dos trabalhos do Conselho de Segurança, este se defrontou com um cenário de caos regionalizado decorrente da eclosão de diversos conflitos regionais. Dentre as situações que preocupavam o Conselho de Segurança, duas se destacaram: o conflito na região onde antes se situava a Iugoslávia e o genocídio em Ruanda. Após diversas advertências e condenações dirigidas aos governos desses Estados por parte do Conselho de Segurança, indicando nelas a existência de ameaça à paz e segurança internacionais, o que possibilitava a inserção dessas duas situações na esfera do Capítulo VII da Carta da ONU. Sem resultados significativos com essas ações, o Conselho designou expertos com o intuito de 41

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL investigar

a

ocorrência

de

graves

violações

das

normas

internacionais

humanitárias. Foram os relatórios apresentados por essa comissão que serviram de base para instituir dois tribunais ad hoc por meio do Capítulo VII da Carta da ONU (MACHADO, 2004, p. 99). O Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia (TPII) foi criado pela Resolução 827, em 25 de maio de 1993. A instituição desse Tribunal significou a retomada e continuação da evolução do sistema penal internacional, com o aprimoramento jurídico das regras contidas nos estatutos de Nuremberg e Tóquio, dando vazão a progressos na doutrina, mais notadamente com relação ao alcance das Convenções de Genebra de 1949 e responsabilidade penal individual. Ao mesmo tempo em que o TPII significou um avanço em termos de responsabilidade penal individual, tornou-se possível constatar as limitações dessas instituições ad hoc, demonstrando sua insuficiência face à nova realidade da ordem internacional (CORREIA, 2004, p. 34). Nota-se que o processo de criação do Tribunal se deu em duas fases, "passando por um pedido de um relatório pelo Secretário Geral, que foi subsequentemente aprovado pelo Conselho de Segurança" (AKHAVAN, 1996, p. 502). Por outro lado, o Tribunal Penal Internacional para Ruanda (TPIR) foi estabelecido em apenas uma fase, levando-se em consideração a experiência de seu predecessor (AKHAVAN, 1996, p. 502). A sua criação se deu pela Resolução 955 do Conselho de Segurança, em 08 novembro de 1994. As evidências constatadas pela Comissão da ONU e o apoio do próprio governo ruandês gerou um clima propício para o estabelecimento do Tribunal, muito embora Ruanda tenha votado contra a adoção da resolução por discordar com alguns de seus termos, com destaque especial à proibição da pena de morte. Por ambíguo que possa parecer, o governo ruandês continuou a "expressar seu apoio e vontade de cooperar com o Tribunal" (SHRAGA; ZACKLIN,1996, p. 504). Entretanto, ambos os Tribunais foram alvo de críticas por terem sido estabelecidos pelo Conselho de Segurança, o qual não teria poder para tal apoiado na Carta da ONU e por representar uma espécie de "justiça seletiva" (CASSESE, 2008, p. 326). Nesse tocante, Machado observa que 42

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

A criação de um órgão de natureza judicial não está prevista na Carta da ONU. As resoluções e documentos elaborados pelo Conselho limitam-se a indicar o Capítulo VII da Carta, referente à Ameaça à Paz e à Segurança Internacional, sem especificação de qualquer artigo como fundamento legal para a criação dos tribunais. No entanto, a amplitude do artigo 41 e a disposição do artigo 29 servem de base jurídica para a criação dos TPIs ad hoc. (2004, p. 102).

Portanto, a criação desses tribunais é justificada com base no Capítulo VII da Carta da ONU, segundo o qual, o Conselho de Segurança tem como função a manutenção da paz e da segurança internacional. Outra crítica que recai sobre a atuação do Conselho de Segurança diz respeito à possibilidade de ingerência desse órgão na estrutura dos tribunais, por exemplo, na escolha dos juízes e do promotor, através do poder de veto dos membros permanentes. Nesse sentido, a consolidação dos tribunais contraria os princípios de independência e imparcialidade dos juízes, pela forma como estes foram escolhidos (LIMA; BRINA, 2006, p. 38). De se destacar que os Tribunais são financiados pela ONU, conforme consta em seus Estatutos. Questiona-se, igualmente, a opção por esse tipo de atuação do Conselho de Segurança em detrimento de outras possíveis, bem como a criação dos tribunais via Resolução e não via tratado. Justifica-se que a escolha do órgão foi feita visando a celeridade do processo de julgamento e punição dos responsáveis pelas atrocidades cometidas nos conflitos. Se os tribunais em questão fossem criados via tratado, as negociações seriam muito mais longas e não responderiam ao caráter urgente das situações decorrentes dos conflitos na ex-Iugoslávia e em Ruanda. Ademais, no caso da ex-Iugoslávia, é possível que os Estados afetados sequer ratificassem um tratado objetivando a criação de um tribunal. Sobre as referidas divergências quanto à legitimidade de sua criação, o próprio Tribunal para a ex-Iugoslávia proferiu decisão por ocasião da apelação feita pelo réu Dusko Tadic. Dentre outras arguições, o Apelante defendia que a criação do Tribunal foi ilegal e que não ocorreu por meio de uma lei (ICTY, 1995, §2). Em sua apreciação, a Câmara de Apelação entendeu que o estabelecimento do Tribunal se deu por meio do artigo 41 da Carta da ONU, embora não seja expressamente 43

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL mencionado na Resolução, notando que este dispositivo contém uma definição negativa – "medidas não envolvendo o uso da força" – e que as medidas listadas no artigo não são exaustivas. Afirma também que a primeira frase do artigo possui uma prescrição geral, ou seja, pode acomodar tanto ações institucionais quanto a de Estados Membros. Desse modo, a ONU pode tomar medidas cuja implementação se dá de forma direta, havendo recursos para tal, sem a necessidade do intermédio de seus membros (ICTY, 1995, §§ 34-35). No que toca à possibilidade do Conselho de Segurança criar um órgão subsidiário com poderes judiciais, a Câmara observou que não houve delegação das suas próprias funções ou o exercício de alguns de seus poderes por parte do Conselho ao Tribunal, mas tão somente estabeleceu o Tribunal para instrumentalizar a manutenção e restauração da paz e segurança internacionais na região da exIugoslávia, na impossibilidade do próprio Conselho exercer poderes judiciais (ICTY, 1995, §§ 37-38). Com relação ao estabelecimento do Tribunal ter sido realizado por uma medida apropriada pelo Conselho de Segurança, a Câmara de Apelação decidiu estar em conformidade com as medidas tomadas sob o Capítulo VII da Carta, uma vez que o artigo 39 confere ampla discricionariedade de escolher e avaliar as medidas mais apropriadas (ICTY, 1995, §§ 39-40). Por fim, quanto à alegação de que o Tribunal não teria sido estabelecido por lei, a Câmara entendeu que referida instituição se deu de acordo com os procedimentos apropriados em consonância com a Carta da ONU e que não lhe faltam as garantias de um julgamento, podendose afirmar, portanto, que o Tribunal foi "estabelecido por lei" (ICTY, 1995, §§41-48). Do ponto de vista da política internacional, Luban credita as críticas mais severas ao fato de que os Tribunais foram criados objetivando desviar a atenção da falta de ação do Conselho de Segurança e das principais potências quando da ocorrência dos crimes, que pouco fizeram para impedi-los, muito embora a justificativa dada tenha sido a de que os tribunais ajudariam a restaurar a paz e segurança internacionais nas regiões afetadas (2010, p. 13). Por outro lado, segundo o autor, "a decisão de não realizar julgamentos políticos é não menos um

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ato expressivo do que a criação de tribunais", sendo que o papel destes na projeção normativa é sua melhor justificativa (2010, p. 8-9). De todo modo, os tribunais internacionais não podem ser considerados ilegítimos com o argumento de que são criados por uma autoridade política instável, uma vez que o que lhes confere legitimidade é a "justiça manifesta de seus procedimentos e penas" (LUBAN, 2010, p.13). Mas os problemas enfrentados por esses Tribunais não ficam restritos à atuação do Conselho de Segurança, a exemplo da morosidade de seu estabelecimento, despesas elevadas e a limitação de sua jurisdição temporal (RODRIGUES, 2004, p. 117). Por todos esses motivos, o Conselho de Segurança se viu acometido de uma "fadiga de tribunal" (CASSESE, 2008, p. 328) e a necessidade de uma jurisdição penal internacional permanente, já cogitada desde os anos quarenta e "esquecida" no período da Guerra Fria, ficou cada vez mais saliente. Por conseguinte, o tema voltou a ser debatido e a Comissão de Direito Internacional da ONU foi encarregada de estudar e fazer um projeto acerca do assunto. 2

O Conselho de Segurança da ONU no funcionamento do Tribunal Penal

Internacional Como resposta ao anseio por uma jurisdição penal internacional permanente, foi aprovado em 1998 o Estatuto de Roma, tratado que estabelece o Tribunal Penal Internacional (TPI). Este Tribunal surge na ordem internacional como alternativa aos polêmicos tribunais ad hoc, tendo a independência e imparcialidade como principais premissas. Não obstante o Tribunal não ter sido criado pelas Nações Unidas, estes possuem uma clara relação, não apenas pela previsão contida no Estatuto de Roma, como pela aprovação da Resolução 58/79 da Assembleia Geral da ONU, que veio a concretizar-se no Acordo entre as Nações Unidas e o Tribunal Penal Internacional (do original em inglês, Relationship agreement between the United Nations and the International Criminal Court). O Acordo reafirma a necessária cooperação entre ambos, deixando claro em seu artigo 2° que as Nações Unidas reconhecem o Tribunal como uma instituição 45

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL judicial permanente e independente com personalidade jurídica internacional, enquanto o TPI reconhece as responsabilidades da Organização perante sua Carta, de modo que ambos respeitem seus "status e mandatos". Além disso, segundo o próprio Estatuto de Roma de 1998, grande parte do seu orçamento provém dessa Organização. Dentro desse quadro, a preocupação principal quando da aprovação do Estatuto e que existe até hoje, é justamente a relação entre o Conselho de Segurança da ONU e o TPI. Para Escarameia, Atingimos agora o cerne fulcral de todo o sistema vestefaliano, ao tentar inovadoramente alargar a aplicação das normas jurídicas às decisões de órgãos políticos e, em última instância, a revê-los segundo esta ordem. Se as normas que se pretendem ver aplicadas dizem respeito ao foro penal e primordialmente visam actuações dos detentores do poder político instituído, a situação assume um dramatismo que leva a constantes impasses e à extrema dificuldade na obtenção de consensos [...] (2003, p. 236).

Para QC, quem está no controle é o Conselho de Segurança, sendo que, tirando as situações em que este órgão quiser agir, a soberania estatal permanece intocada e os maiores criminosos seguros dentro das fronteiras de seu Estado, mesmo que este esteja assolado por uma guerra civil. Para o doutrinador, a descrição do TPI como um "Tribunal Penal Internacional permanente independente em relacionamento com o sistema das Nações Unidas", trata-se apenas de uma "fraseologia recatada que evita dizer a natureza do 'relacionamento'" (1999, p. 331). Um dos aspectos mais controvertidos e comentados do Estatuto de Roma diz respeito ao crime de agressão. Isto porque não havia um consenso acerca da definição do termo agressão, além de sua natureza ser essencialmente política. Entretanto, a questão que causou mais debates foi em relação ao papel do Conselho de Segurança quanto à configuração da agressão. O artigo 5º, parágrafo 1º, alínea "d", do Estatuto de Roma, preceitua que o TPI tem competência sobre o crime de agressão. Entretanto, o parágrafo seguinte enuncia as condições para que possa exercê-la: "[...] nos termos dos artigos 121 e 123, seja aprovada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as 46

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL condições em que o Tribunal terá competência relativamente a este crime". Ainda, segue-se que tal disposição deve estar em consonância com a Carta da ONU. Em seu âmbito, o Comitê Preparatório ficou responsável pela definição do crime de agressão, tarefa que foi repassada para o Grupo de Trabalhos Especial para o Crime de Agressão, quando o mandato do Comitê terminou em Julho de 2002. Até então, tinha-se como ponto de referência a definição contida na Resolução 3314/1974, da Assembleia Geral da ONU, que trata sobre o crime de agressão. O artigo primeiro do Anexo dessa Resolução define agressão como sendo o "uso de força armada por um Estado contra a soberania, integridade territorial ou independência política de outro Estado, ou em qualquer outra maneira inconsistente com a Carta das Nações Unidas, conforme o disposto nessa definição". Por sua vez, o artigo segundo prevê que o uso de força armada por um Estado pode ser considerado ato de agressão, embora o Conselho de Segurança possa concluir que tal determinação não se justifica, em função de outras circunstâncias relevantes ou por suas consequências serem de menor gravidade. Desde logo, percebe-se que, conforme o disposto no artigo 39, Capítulo VII, da Carta da ONU, cabe ao Conselho de Segurança determinar a existência de um ato de agressão. Mas as opiniões sobre a questão se dividiram: de um lado, invocando o referido artigo 39 da Carta da ONU, a Comissão de Direito Internacional da ONU acreditava que a determinação pelo Conselho de Segurança da existência de um ato de agressão deveria ser requisito para qualquer acusação. Por outro lado, havia os que acreditavam que outros órgãos da ONU, como a Corte Internacional de Justiça ou a Assembleia Geral, poderiam fazer tal determinação, sendo o poder do Conselho de Segurança não exclusivo (STEIN, 2005, p.1-2). Nesse sentido, Petty afirma que a jurisdição do Tribunal não deve ser limitada apenas aos casos em que o Conselho de Segurança falha em agir, tendo em vista o caráter político deste órgão, que pode resultar em nenhuma ação (2010, p. 22). Sob outra perspectiva, Jacobs assevera que não se deve presumir que os objetivos do Conselho de Segurança e do TPI são divergentes, uma vez que ambos

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL desempenham suas funções com vistas ao estabelecimento da paz e segurança internacionais (2010, p. 139). Essa questão foi novamente posta em pauta na Conferência de Revisão do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que teve lugar no período de 31 de maio a 11 de junho de 2010. Na ocasião, foi aprovada a Resolução n° 6, que insere no Estatuto de Roma o artigo 8 bis, dispondo sobre o crime de agressão. De acordo com o parágrafo 1º de referido artigo crime of aggression means the planning, preparation, initiation or execution, by a person in a position effectively to exercise control over or to direct the political or military action of a State, of an act of aggression which, by its character, gravity and scale, constitutes a manifest violation of the Charter of the United Nations.1

Igualmente, é acrescentado ao Estatuto o artigo 15 bis, versando sobre o exercício da jurisdição sobre o crime de agressão por iniciativa de um Estado parte ou proprio motu pelo Promotor, referente aos artigos 13(a) e 13(c). Importa salientar aqui, os parágrafos 6º, 7º e 8º que fazem referência ao Conselho de Segurança. De acordo com eles, caso o Promotor conclua que há base razoável para conduzir uma investigação com relação a um crime de agressão, deverá verificar se o Conselho de Segurança determinou que um ato de agressão foi cometido pelo Estado em questão, notificando o Secretário Geral da ONU. Se o Conselho de Segurança fez tal determinação, o Promotor poderá conduzir uma investigação acerca desse crime. Entretanto, se o Conselho não fez tal determinação dentro de seis meses a partir da notificação, o Promotor poderá realizar as investigações, desde que autorizado pelo Juízo de Instrução do TPI de acordo com o artigo 15 e, ressalta-se, se o Conselho de Segurança não tiver decidido contra, nos termos do artigo 16 (ICC, 2010, §3). Nos mesmos termos, também é acrescentado o artigo 15 ter, que versa sobre o exercício de jurisdição sobre o crime de agressão por meio de remessa do Conselho de Segurança, conforme o artigo 13(b) (ICC, 2010, § 3).

“Crime de agressão significa o planejamento, preparação, início ou execução, por uma pessoa em uma posição efetiva de exercer controle sobre ou de dirigir a ação política ou militar de um Estado, de um ato de agressão que, por seu caráter, gravidade e escala, constitua uma manifesta violação da Carta das Nações Unidas”. 1

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Importante notar que ambos os artigos preceituam que não haverá prejuízo da constatação feita pelo próprio Tribunal se um órgão fora do mesmo determinar a existência de um ato de agressão (ICC, 2010, §§ 3-4)..De igual maneira, ambos os dispositivos observam que a competência de jurisdição do TPI só poderá ser exercida sobre crimes de agressão cometidos um ano após a ratificação ou aceitação das emendas por 30 Estados partes. Ainda, tais artigos só entrarão em vigor após terem sido efetuados os procedimentos requeridos para a adoção de uma emenda ao Estatuto, o que significa que serão submetidos a uma decisão a ser tomada pela mesma maioria de Estados partes, no dia 1 de janeiro de 2017 (ICC, 2010, §§ 3-4). Por conseguinte, é oportuno passar à análise dos artigos 13 (b) e 16, do Estatuto de Roma. No que tange ao artigo 13(b), que trata do exercício de jurisdição do TPI sobre uma situação a ele remetida pelo Conselho de Segurança, Escarameia nota que nesse caso não se faz a exigência do consentimento de qualquer Estado, contrariamente às outras duas circunstâncias previstas no mesmo artigo 13, do Estatuto (2003, p. 237). Portanto, para que o TPI tenha jurisdição sobre determinada situação, basta que o Conselho de Segurança da ONU decida em favor de sua remessa. Na mesma linha, Maogoto observa que não há limites geográficos no que tange ao artigo 13(b), ou seja, o Estatuto pode alcançar nacionais de terceiros Estados e ser aplicado a todos os seres humanos por meio do Conselho de Segurança. Afirma também que seria inconsistente com a Carta da ONU qualquer tentativa de limitar esse poder do Conselho (2004, pp. 12-13). No que diz respeito ao adiamento do inquérito e do procedimento criminal previsto no artigo 16, Correia afirma que tal dispositivo foi introduzido "numa clara cedência de natureza política", acrescentando que "a desvalorização das considerações de legalidade face aos imperativos de oportunidade, se pode compreender-se no domínio dos factos, é inaceitável no plano dos princípios" (2004, p. 44). Já nas palavras de Escarameia, o referido artigo "[...] dá [ao Conselho de Segurança] um poder de moratória considerado aceitável pelos negociadores atendendo a situações cuja resolução política poderá ser mais expediente [...]" 49

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL (2003, p. 237). Em outro sentido, Dinh, Daillier e Pellet constatam que "este poder 'de impedir' [...] entretanto é menos susceptível de dificultar a ação repressiva internacional do que uma condição de autorização prévia, tal como tinha sido encarado em certos projectos anteriores" (2003, p. 741). Para Geoffrey QC, o artigo 16 representa uma concessão fatal do grupo likeminded

2

na busca da obtenção do apoio dos membros permanentes do Conselho

de Segurança (principalmente Estados Unidos, França e China). Acrescenta ainda que as resoluções do Conselho de Segurança são imperativas e, por tal motivo, é desonesta a utilização da palavra "requerer" (1999, p. 348). Não obstante, Roach ressalta os aspectos positivos que podem advir da relação entre o TPI e o Conselho de Segurança, ao afirmar que "o TPI precisa ser visto como uma importante fonte de legitimidade da ação do Conselho de Segurança e vice e versa" e ainda que, "trabalhando juntos, o TPI e o Conselho de Segurança conduzirão a comunidade internacional a preparar uma resposta efetiva para crises humanitárias" (2006, p. 160). De todo modo, o que há de concreto é a utilização do artigo 13(b) para remeter as situações de Darfur e, mais recentemente, da Líbia, ao Tribunal Penal Internacional, visto que Sudão e Líbia não são partes do Estatuto de Roma. Foi possível perceber, assim, a importância de referido dispositivo, uma vez que, sem ele, não seria possível que o TPI iniciasse investigações nesses dois Estados e os criminosos ficariam impunes. Por outro lado, observa-se a situação da Síria, outro Estado não-parte do Estatuto de Roma, que ainda não foi remetida ao TPI, possivelmente, por motivos de ordem política dos membros permanentes do Conselho de Segurança, com especial destaque à China. É certo que a jurisdição do TPI sobre essas situações não assegura que os criminosos sejam levados a julgamento, vide o caso do Presidente do Sudão, Omar

2

Na Conferência Diplomática realizada em Roma, em 1998. os Estados dividiram-se em três grupos principais: o grupo chamado de “like-minded” propugnava por um tribunal forte, independente do Conselho de Segurança e com jurisdição universal em relação a crimes de guerra, sendo formado por 42 países, liderados por Canadá e Alemanha. Um segundo grupo, composto por três membros permanentes do Conselho de Segurança - Estados Unidos, China e França - justamente por possuírem o poder de veto, defendia o controle do tribunal pelo Conselho de Segurança. O terceiro grupo, formado por Iraque, Irã, Líbia e Indonésia simplesmente não desejavam a criação de qualquer tribunal.

50

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Al-Bashir.3 Ainda a limitação de sua jurisdição temporal e material fez com que surgisse a necessidade de que outros mecanismos fossem criados para suprir a lacuna deixada pelo TPI em relação a outros graves crimes internacionais e a situações não abrangidas por sua competência. 3

O Conselho de Segurança da ONU e a criação de Tribunais Híbridos Após as experiências do TPII, TPIR e da criação do TPI, percebe-se o

surgimento de um outro fenômeno: os chamados tribunais híbridos, também denominados de mistos ou internacionalizados. Diferentemente dos seus três predecessores, caracterizados como puramente internacionais (LIMA, 2012, p. 19), esses novos tribunais apresentam tanto elementos internacionais quanto internos. Nouwen (2006) acredita que ainda há dificuldades em delimitar quais os elementos que caracterizam o fenômeno da hibridação, uma vez que cada tribunal apresenta suas especificidades tanto em relação à sua forma de criação quanto ao seu funcionamento. Nesse sentido, a autora indica que as duas características mais ressaltadas por diversos doutrinadores são: (1) a participação de pessoal nacional e internacional e (2) o fato de que a lei aplicável pelos tribunais é composta tanto por elementos

do

ordenamento

jurídico

interno

quanto

internacional.

Nouwen

complementa que cada tribunal tem um nível diferente de participação internacional, variando da predominância do caráter internacional à predominância do caráter nacional (2006, p. 204). Outra questão controvertida é a de quais tribunais são considerados dentro da categoria de tribunais híbridos. Lima (2012) identifica sete: Timor Leste, Serra Leoa, Bósnia-Herzegovina, Iraque, Camboja, Líbano e Kosovo. Nouwen (2006, p. 205-206) exclui o caso do Iraque do rol de tribunais híbridos uma vez que a previsão de participação de juízes internacionais não é permanente. Dentre os tribunais acima indicados, houve a participação, direta ou indireta, do Conselho de Segurança da ONU na implementação dos tribunais para Serra 3

Em 12 de julho de 2010 foi expedido o segundo mandado de prisão contra o presidente Omar Al-Bashir, contudo até o presente momento a sua prisão não foi efetivada, uma vez que o Sudão vem se recusando a cooperar com o Tribunal.

51

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Leoa,

Líbano,

Timor

Leste,

Kosovo

e

Bósnia-Herzegovina.

As

Câmaras

Extraordinárias do Camboja foram criadas a partir de um acordo daquele Estado com a Assembleia Geral da ONU, não por meio da atuação do Conselho de Segurança. No que diz respeito à Serra Leoa, desde o início da década de 1990, com o processo de redemocratização, o país enfrenta uma grave crise interna, caracterizada por ações violentas e instabilidade governamental. Em 1998, o Conselho de Segurança estabelece a Resolução 1181 de 13 de julho, criando a Missão de Observação das Nações Unidas em Serra Leoa (UNOMSIL), a qual no ano seguinte viria a ser substituída pela Missão das Nações Unidas em Serra Leoa (UNAMSIL), criada pela Resolução 1270 de 22 de outubro de 1999. Em 2000, o presidente de Serra Leoa envia um comunicado ao Secretário Geral da ONU, solicitando a implantação de um tribunal, nos moldes dos tribunais ad hoc da década de 1990, para julgar os crimes cometidos na guerra civil. A resposta internacional é diferente da esperada, sendo proposto não um tribunal puramente internacional, mas uma instituição composta tanto por juízes internacionais quanto nacionais. O Tribunal Especial de Serra Leoa é criado por meio de um acordo entre o Governo de Serra Leoa e as Nações Unidas, constituindo-se em um órgão que não integra o sistema judiciário nacional e não é um órgão subsidiário da ONU (LIMA, 2012, p. 147). Suas câmaras de primeira instância são compostas por três juízes, "sendo um indicado pelo Governo de Serra Leoa e dois indicados pelo Secretário-Geral das Nações Unidas. A Câmara de Apelação, por sua vez, conta com cinco juízes, dos quais dois apontados pelo Governo de Serra Leoa e três pelo Secretário-Geral" (LIMA, 2012, p. 147). O Tribunal Especial para o Líbano, muitas vezes referido como Tribunal do Hariri, foi criado em resposta uma complexa situação enfrentada pelo Líbano. Em 14 de fevereiro de 2005 um atentado terrorista matou, dentre outras pessoas, o então primeiro ministro libanês Rafik Al Hariri. Em resposta a essa ação criminosa, a ONU, por meio da Resolução 1595 de 07 de abril do mesmo ano, cria uma Comissão Internacional Independente de Investigação. No final daquele ano, frente a um quadro de instabilidade interna, o governo libanês solicita ao Secretário Geral da 52

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ONU auxílio para julgar os responsáveis por atentados terroristas cometidos desde outubro de 2004. Segue-se uma série de negociações que resultam em um acordo para a instalação de um tribunal. Porém, devido a questões internas, o Líbano não é capaz de aprovar os mecanismos internos para a efetivação do acordo com a ONU. O Conselho de Segurança, por meio da Resolução 1757 de 10 de junho de 2007, cria, então, o Tribunal Especial para o Líbano. É interessante ressaltar que esse tribunal "não se vincula ao sistema judiciário libanês, tampouco é considerado órgão subsidiário da Organização das Nações Unidas" (LIMA, 2012, p. 174). A composição das câmaras do tribunal é mista: quando há três juízes, um é libanês e os outros dois internacionais, quando há cinco juízes, dois são nacionais e três internacionais. Percebe-se que a atuação do Conselho de Segurança nesse caso se inicia a partir de uma solicitação do governo libanês, porém, ao se deparar com dificuldades internas do país, esse órgão internacional opta pela continuidade do processo com base no Capítulo VII da Carta da ONU. Mégret analisa esse tipo de atuação frente à perspectiva de desrespeito à soberania libanesa, concluindo que o estágio de desenvolvimento do Direito Internacional Penal foi um fator de grande relevância para a intervenção internacional (2008, p. 26). Já o caso do Timor Leste decorre da invasão deste país pela Indonésia, em 1974, levando a um grande número de mortes e atos de violência. Anexado como uma província indonésia, o Timor Leste passa por um plebiscito em 1999 e a ONU lança a Missão das Nações Unidas em Timor Leste (UNAMET) visando acompanhar o processo e garantir sua conformidade Nesse processo, expressiva maioria dos leste- timorenses votaram pela independência em relação à Indonésia. Em resposta a vontade dos timorenses, milícias indonésias promovem diversos atos de violência, inclusive contra o pessoal das Nações Unidas. Diante desse panorama, o Conselho de Segurança, com a autorização da Indonésia, cria, por meio da Resolução 1264 de 15 de setembro de 1999, a Força Internacional no Timor Leste (INTERFET) para garantir a segurança da UNAMET. Em Outubro do mesmo ano, o Conselho de Segurança estabelece a Administração Transitória das Nações Unidas para o Timor Leste (UNTAET), que deveria administrar o país até a efetivação da independência prevista pelo plebiscito. 53

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Dentre outras ações, a UNTAET deveria auxiliar na reconstrução da estrutura judiciária leste- timorense. Nessa perspectiva, em 2000 a UNTAET cria os Painéis Especiais por Crimes Graves, inseridos dentro da estrutura judiciária estatal. Os painéis são compostos de três juízes, dois internacionais e um nacional, podendo ser cinco juízes, três internacionais e dois nacionais, dependendo da importância ou gravidade do caso. Semelhante ao caso do Timor Leste, o Kosovo se encontrava em uma situação de conflito e contava com a presença de uma missão da ONU, a Missão das Nações Unidas no Kosovo (UNMIK), lançada em 10 de junho de 1999 por meio da Resolução 1244 do Conselho de Segurança. Contudo, diferentemente do Timor Leste, não havia conseguido a independência total da Sérvia, apenas uma ampla autonomia e, de forma similar ao Timor, coube à missão da ONU administrar o território até a constituição de um governo local. Uma das ações da administração da ONU foi reconstrução do sistema judiciário kosovar, visando o bom funcionamento e em decorrência da pouca experiência do pessoal local, a administração da ONU inseriu, por meio dos Regulamentos 6 e 34 de 2000, a participação de juízes internacionais nas cortes nacionais. O Regulamento 64 do mesmo ano amplia a possibilidade de inserção do pessoal internacional para qualquer instância da estrutura judicial. Os casos do Timor Leste e do Kosovo representam, de certa forma, uma atuação indireta do Conselho de Segurança na criação dos respectivos tribunais híbridos. Sua atuação anterior foi imprescindível: ao criar os mandatos da UNAMET e UNMIK, possibilitou que essas autoridades agissem como governos nacionais, criando os ditos tribunais. Nesse sentido, Nouwen (2006, p. 200) destaca que apesar de instrumentos internacionais terem servido de base para a criação dos tribunais, eles mesmos não criaram os tribunais, apenas garantiram a base legítima para a atuação das missões da ONU como autoridades nacionais, que, por sua vez, promulgaram a criação dos tribunais como instrumentos domésticos. Nas palavras da autora, "as regulações estabelecendo esses tribunais deveriam ser consideradas instrumentos domésticos" (2012, p. 200).

54

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A Câmara de Crimes de Guerra do Tribunal Estatal da Bósnia-Herzegovina representa outro caso em que pode-se dizer que houve uma atuação indireta do Conselho de Segurança. As Resoluções 1503/2003 e 1534/2004, que previam o fim das atividades do TPII, fizeram com que esse tribunal criasse formas de dar continuidade aos julgamentos, inclusive com a transferência de alguns processos para a jurisdição nacional (LIMA, 2012, p. 151). Nesse sentido, em 09 de março de 2005, a Câmara foi instituída no Tribunal da Bósnia e Herzegovina, possibilitando a transferência de casos. Sua previsão inicial indicava uma maioria de juízes internacionais, proporção esta modificada em 2008 e que tende para o desaparecimento do pessoal internacional, mantendo-se como parte integrante do sistema jurídico estatal (NOUWEN, 2006, p.198). Essa breve contextualização de cada um dos chamados tribunais híbridos demonstra as especificidades de cada caso, ressaltando a dificuldade de se definir um modelo único, já que cada tribunal é criado em resposta a necessidades específicas. Assim sendo, percebe-se que a participação da ONU na criação desses tribunais tem sido uma constante, ainda que não um elemento obrigatório (NOUWEN, 2006, p. 210-211), e que o grau de ingerência difere em cada caso. De forma geral, nos tribunais de Serra Leoa e para o Líbano há uma atuação mais direta, por meio do estabelecimento de um acordo que previa a criação do tribunal quanto ao primeiro caso e da adoção de uma Resolução que instituiu o tribunal no segundo. Nas situações do Timor Leste e do Kosovo, a atuação do Conselho de Segurança pode ser considerada como indireta, uma vez que criou as missões

e

seus

respectivos

mandatos,

autorizando

a

atuação

enquanto

administração nacional e a conseguinte criação dos tribunais. Por fim, o tribunal da Bósnia - Herzegovina pode ser visto como o caso em que houve menor participação, já que a relação entre esse tribunal e o Conselho de Segurança se dá por meio do TPII, criado pelo Conselho de Segurança e que por vontade desse órgão deveria encerrar suas atividades.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Conclusões Diante do exposto, percebe-se que a atuação do Conselho de Segurança no processo de jurisdicionalização do Direito Penal Internacional ocorre de forma distinta em cada tribunal, seja (1) quanto à sua criação e (2) quanto ao seu funcionamento. No primeiro caso, incluem-se os tribunais penais internacionais ad hoc e os tribunais híbridos. Ao passo que, no segundo caso, encontra-se o Tribunal Penal Internacional. A criação dos tribunais ad hoc foi a primeira experiência do Conselho de Segurança visando responder à necessidade emergencial de responsabilização criminal dos perpetradores de graves crimes internacionais na ex-Iugoslávia e Ruanda. As críticas que se faziam à forma de estabelecimento dos tribunais ad hoc foram esvaziadas, pois derivavam do receio de que a criação de tribunais internacionais se tornasse uma prática recorrente, com a ingerência seletiva do Conselho de Segurança. A possibilidade de tribunais híbridos demonstra uma evolução na forma de atuação desse órgão, que passa a buscar respostas mais adequadas às especificidades de cada caso. Em relação ao segundo modo de atuação do Conselho, qual seja, no funcionamento do TPI, deve-se fazer uma divisão em relação às hipóteses: (1) do crime de agressão, (2) da possibilidade de remessa de uma situação ao TPI e (3) do adiamento do inquérito ou procedimento criminal. No que respeita a questão do crime de agressão, embora permaneça de certa forma em aberto, é possível afirmar que o fato da promotoria do Tribunal não ficar adstrita à vontade do Conselho de Segurança representa um avanço significativo, a ser confirmado pelos Estadosmembros. Com relação à remessa de uma situação ao TPI, a crítica remanescente diz respeito ao poder de veto do membros permanentes do Conselho de Segurança, guiados por considerações políticas. Porém, em função desse dispositivo ser apenas aplicado aos Estados que não são partes do Estatuto de Roma, do ponto de vista prático, significa mais uma possibilidade de jurisdição do TPI. Por fim, é no adiamento do inquérito ou procedimento criminal que reside a maior possibilidade de ingerência para o funcionamento do Tribunal, mas também deve-se observar que 56

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL para que ocorra tal adiamento é necessário o voto afirmativo de nove membros do Conselho de Segurança e que não haja veto por parte dos membros permanentes, fato que faz com que a decisão não fique inteiramente dependente dos membros permanentes. Por conseguinte, depreende-se que o processo de jurisdicionalização do Direito Penal Internacional foi, em um primeiro momento, amplamente influenciado pela atuação do Conselho de Segurança, o que viabilizou o estabelecimento de um tribunal penal internacional permanente constituído por meio de um tratado. Apesar da criação do TPI ter sido realizada fora do âmbito da ONU, sua atuação deve se dar de forma cooperativa com essa organização de modo a abranger o maior número de Estados, em conformidade com a Carta da ONU. Referências AKHAVAN, Payam. The International Criminal Tribunal for Rwanda: The Politics and Pragmatics of Punishment. The American Journal of International Law, vol. 90, n. 3, Jul., 1996. p. 501-510. BRASIL. Decreto n. 4.388, de 25 de setembro de 2002. Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2002. Disponível em: . Acesso em: 23 jul. 2007. CASSESE, Antonio. International Criminal Law. Oxford University Press, 2008. CORREIA, José de Matos. Tribunais Penais Internacionais: colectânea de textos. Organização e compilação José de Matos Correia. Universidade Lusíada Editora: Lisboa, 2004. DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. Tradução de Vitor Marques Coelho. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. 2ª ed., 2003. ESCARAMEIA, Paula. O Direito Internacional Público nos Princípios do Século XXI. Coimbra: Almedina, 2003. INTERNATIONAL CRIMINAL COURT. The crime of aggression. Resolution n. 6 of the Assembly of States Parties. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2010.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A NATUREZA JURÍDICA DO ÓRGÃO DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS DA ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO (OMC): CARÁTER DIPLOMÁTICO E/OU DECISÓRIO Diogo Rafael de Arruda – Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Brasília - UCB - [email protected] Resumo: Faz-se presente neste trabalho um breve estudo sobre a atuação da Organização Mundial do Comércio diante de sua proposta de liberalização comercial e fomento ao desenvolvimento dos mecanismos de resolução das possíveis controvérsias advindas das relações estabelecidas no ambiente comercial internacional. Em associação ao desenvolvimento lógico do trabalho, está inserido o questionamento doutrinário atual sobre a natureza jurídica que está envolta na manifestação expressa dos atos do Órgão de Solução de Controvérsias quando da elucidação e pacificação dos interesses divergentes entre os participantes da organização. Ressalte-se a verificação dos dados utilizados para elaboração textual deste trabalho por meio de pesquisa bibliográfica, objetivando clarificar ainda mais os mecanismos passiveis de uso diante dos embates comerciais internacionais e o relevante desempenho que a Organização Mundial do Comércio tem demonstrado desde sua formação, formatando sua essencialidade nos tempos atuais. Palavras-chave: Organização Mundial do Comércio. Órgão de Solução de Controvérsias. Mecanismos. Contramedidas. Natureza jurídica. Abstract: It is present in this paper a brief study on the role of the World Trade Organization before his proposal to liberalize trade and promote the development of mechanisms for the resolution of possible disputes arising from relationships established in the international business environment. In association with the logical development of the work, is inserted into the current doctrinal questions about the legal status which is wrapped in an explicit statement of the acts of the Dispute Settlement Body when the elucidation and pacification of divergent interests among the participants of the organization. It should be emphasized the verification of the data used to prepare this work by textual means of literature, aiming to further clarify the mechanisms liable to use before the clashes and relevant international trade performance than the World Trade Organization has demonstrated since its formation, its formatting essentiality in present times Keywords: World Trade Organization. Dispute Settlement Body. Mechanisms. Countermeasures. Legal nature.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento de estruturas comerciais foi por várias décadas a meta que a união dos Estados estrangeiros almejou por influência de diversas crises envolvendo a economia global. A constituição do capitalismo levou à intensa promoção do comércio entre países e, devido a esta proposta de sistema, as necessidades de integração e regulamentação das relações econômicas tornam-se evidentes quando analisadas de acordo com a estabilidade global. O estabelecimento de uma entidade, com vistas a atuar no comércio internacional e no desenvolvimento de mecanismos que resultassem numa distribuição eficiente e equilibrada dos recursos em favor da humanidade, deixou de ser uma expectativa e passou à realidade quando da elaboração do Tratado de Marrakesh, resultante de tantas outras negociações em favor da liberalização do mercado internacional, em que culminou no surgimento da Organização Mundial do Comércio – OMC. Diante das constantes indeterminações quanto às regras internacionais, várias concepções interpretativas exaltaram o conturbado período vivenciado em meados da década de oitenta (século XX), como por exemplo, o conflito entre oriente (socialista) e ocidente (capitalista), fazendo surgir o embate cultural entre a cooperação dos Estados, imposição à livre iniciativa e regramento da mútua concorrência necessária para otimização do mercado internacional, que como tal, fortificou a implementação do General Agreement on Tariffs and Trade – GATT. A importância histórica de tal entidade se determina na evolução da sistemática de entendimento sobre comércio internacional e na resolução de possíveis conflitos neste ambiente, como forma de garantir a existência equilibrada de todas as nações, fundamentada na noção de justiça, eficiência e imparcialidade dos posicionamentos e medidas adotadas, por meio de um braço especifico da organização, intitulado Órgão de Solução de Controvérsias – OSC. A formalização de um sistema que disponha o modo como deva se desenrolar uma reclamação comercial, traz para a Organização Mundial do Comércio – OMC – 61

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL a responsabilidade de intervenção, visando uma conclusão pacifica, com entendimento unificado, que, de forma sóbria, seja praticável por todos os membros. Desta forma, a questão processual do mecanismo de solução de controvérsias se mostra bastante útil àqueles que por vez façam seu uso para defesa dos interesses estabilizadores do bloco, visto que, dentre as principais características verificáveis, ratifica-se o amplo respeito à manifestação soberana de cada nação, vinculada à necessidade de produção de resultados aceitáveis e o reestabelecimento do equilíbrio multilateral em favor da coletividade. De certo, veio dita organização intervir nas políticas e econômicas de países que, participando da Organização Mundial do Comércio– OMC – não considerem a necessidade de existência de um conhecimento comum para não gerar o declínio de outros países considerados menores economicamente, mas, de modo algum, objetiva intervir na soberania e independência dos Estados, afirmando, com isso, seu papel opinativo técnico e gerando a expectativa de adesão de suas conclusões por seus integrantes, conforme a manifestação livre e consciente de pactuação. Cabe assim a indagação do caráter imperativo, dotado da devida coerção, e do caráter diplomático que detém as decisões advindas do Órgão Solucionador de Controvérsias – OSC – quando da não adesão por nações que ajam danosamente aos interesses do comércio internacional. Conforme se exprime do contexto formalizador da organização, as metas a atingir com a elaboração de normas vinculadoras das relações comerciais culminaram no texto do Tratado, embora ainda não haja como romper com toda a cadeia

de

procedimentos

diplomáticos

baseados

nos

vínculos

políticos

estabelecidos pelas próprias composições comerciais. Neste sentido, e no intuito de agregar ainda mais conhecimento ao mundo cientifico do Direito Internacional, seguem, no transcurso desta breve análise, os relevantes argumentos identificados, diante da proposta de fomento à iniciação e à fundamentação do caráter diplomático e/ou decisório das conclusões advindas da Organização Mundial do Comércio – OMC – por meio de seu Órgão Solucionador de Controvérsias – OSC –, de modo a identificar a jurisdicionalidade internacional de

62

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL tais medidas, e, promover o aprimoramento do entendimento sistemático de resolução de conflitos comerciais externos. Em observação a relevância deste estudo, cabe dizer que dos 195 (aproximadamente) países existentes atualmente no mundo, até fevereiro de 2011, 153 países (

, dentre estes o Brasil (a partir de 1º de janeiro de 1995, pelo

decreto presidencial n° 1.355, de 30 de dezembro de 1994, que sancionou o Decreto Legislativo n° 30, de 15 de dezembro de 1994), ratificaram a intenção de submissão às regras integrantes do acordo de formação da Organização Mundial do Comércio – OMC – indicando que não deter o devido conhecimento sobre os seus aspectos procedimentais, torna a existência e a busca por vínculos comerciais fadados ao insucesso. 2. O CARÁTER DIPLOMÁTICO E/OU DECISÓRIO DAS DECISÕES DA OMC Umas das principais preocupações já conhecidas ao logo do desenvolvimento das técnicas comerciais e dos métodos a serem utilizados para dar resposta aos embates surgidos em virtude de divergências relaciona-se a necessidade de superação paradigmática conforme regras contidas em meio à obrigatoriedade diplomática. O grande desejo, até mesmo como forma de garantir credibilidade e lógica diante das diversidades interpretativas, repercutiu na promoção de um complexo normativo capaz de vincular todos os seus pactuantes à concorrência dos fins objetivados pela conjuntura internacional, que passou a reconhecer a mútua dependência aliada às ações independentes que cada Estado pratica em conformidade à sua soberania. Em decorrência do desejo de elaboração de uma codificação baseada em mecanismos legislativos e jurídicos que promovessem o entendimento do desenvolvimento progressivo das normas internacionais de mutua cooperação econômica, a aglomeração em um bloco multilateral, dotado de universalidade normativa e administrativa configurou a interdependência sistemática resultante do processo de globalização econômica e financeira. Nestes termos, podemos concluir 63

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pela tendência extintiva da total desconsideração e necessária vinculação entre políticas internas e o comércio de interesse internacional. Conforme o texto que instituiu a OMC, em seu preâmbulo: Os Ministros representantes das partes-contratantes resolveram desenvolver um sistema comercial multilateral integrado mais viável e durável compreendendo o Acordo Geral de Tarifas e Comercio, os resultados de esforços de liberalização comercial anteriores e todos os resultados da Rodada do Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais. (FIOTATI, 2006, p. 70)

Em consonância à mútua interdependência entre os Estados, e concordando que complexo é um sistema que busque integralizar diversos entendimentos jurídicos e sócio culturais, a formalização da OMC segundo a vertente do poder fiscalizatório e intervencionista traz de inicio o sucesso obtido pelos membros idealizadores da organização em promover o processo de liberalização do comercio internacional. Vera Thorstensen, inteligentemente demonstra este entendimento ao firmar um vínculo evolutivo das normas internacionais em parceria a mutua cooperação entre os Estados soberanos. O cenário atual apresenta uma densa rede de comércio e investimentos, que evolui de forma a determinar os contornos de operações de comércio global. Tal fato exige que o comércio de bens e de serviços e o investimento passem a ser coordenados em níveis multilaterais e que as regras de condutas dos parceiros comerciais passem a ser controladas e arbitradas também em nível internacional. Daí a importância da criação e do papel da OMC – Organização Mundial do Comércio, como coordenadora e supervisora das regras do comércio internacional. (THORSTENSEN, 1999, p. 26).

Ante a todo este reconhecimento de mútua dependência formatado a partir da integração mercantil no pós segunda guerra, frente a crescente interferência vislumbrada na pacificação dos desentendimentos mundiais, vital torna-se refletir sobre o caráter diplomático inserido nas históricas negociações entre nações e a possibilidade de formação de uma norma jurídica que se sobreponha a particularidade da cada membro em pró da coletividade constituída. 64

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Reconhecidamente o advento das mobilizações internacionais pela formação de organizações específicas à matéria e as pessoas envolvidas, confirmaram o surgimento do momento constitucionalista normativo, conforme aglutinação de regras e princípios limitativos ao comportamento individualizado. A proposta originalmente instituída no Tratado de Marrakesh resumia todo debate em torno da prevalecia obrigacional quando por terra caiam as tentativas pacifistas da autocomposição e abdicação em favor da coexistência solidificada na conservação dos vínculos relacionais. Atualmente há um embate sobre a determinação da natureza jurídica do sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, ora tida como prioritariamente diplomática e ora como amplamente jurisdicional diante do âmbito internacional. Há ainda o reconhecimento da impossibilidade em se estabelecer como se dá a determinação dos atos advindos da resolução de controvérsias, indicando uma natureza mista do mecanismo dirimidor, com equilíbrio entre fatores compatíveis, sendo sui generi. Em defesa dessa relação jurídico-diplomática dos atos emanados da Organização Mundial do Comércio em relação aos embates comerciais dos quais possa atuar, Luciano Monti Favaro, cita José Cretela Neto, neste sentido: O Órgão Solucionador de Litígios apresenta natureza jurídica de órgão judicante sui generis, de caráter misto ou hibrido, pois atua em três esferas, isto é, segue alguns mecanismos tipicamente diplomáticos, estabelece e faz cumprir procedimentos administrativos e é dotado de jurisdição. (NETO, 2003,et al, apud FAVARO, 2011, p. 154).

Em ensejo ao aspecto jurisdicional não houve como se desvincular da necessidade de manutenção do meio diplomático, mesmo porque as representações firmadas no andamento de cada ato da Organização Mundial do Comércio são predominantemente políticas. Mais precisamente, no próprio texto do Tratado há a consideração da existência passada e reconhecimento futuro das relações jurídicas inerentes as 65

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL partes conforme suas práticas costumeiras, o que proporciona uma projeção de caráter continuo nesta comunhão dúplice identificadora dos atos da organização. Artigo XVI – Disposições diversas §1º Salvo disposição em contrário do presente Acordo ou dos acordos comerciais multilaterais, a OMC será regida pelas decisões, procedimentos e práticas habituais seguidas pelas Partes Contratantes no GATT de 1947 e pelos órgãos criados no âmbito do GATT de 1947. (grifo nosso).

Até mesmo a própria divisão administrativa da Organização Mundial do Comércio – OMC – mostra a cumplicidade com que os dois aspectos se fazem presentes diante da prolação de decisões. De fato, o painel e o Órgão de Apelação atem-se ao mundo jurídico das normas existentes nos tradados analisados, de forma estrita, evitando acréscimos e supressões de direitos previstos. Em consequência, nenhuma decisão terá força para produção de resultados, caso não seja aprovada pelo Órgão de Solução de Controvérsias, que é um colegiado formado por todos os entes da Organização Mundial do Comércio para administração e controle político do sistema. Driblando questionamentos de cunho “desvirtuantes”, o sistema de solução de controvérsias buscou fundamento na reunião de mútuos sentimentos tendentes à obrigatoriedade de produção de resultados, focando ao objetivo primeiro que são as soluções amplamente aceitáveis e praticáveis voltadas a confiabilidade e segurança que se exprimem no âmbito jurisdicional. Em breve comentário, Amaral Júnior (2008, p. 98), expõe a duplicidade naturalística na qual a solução de controvérsias internacionais suscitou ao longo do processo evolutivo das teorias políticas e legalistas. Conforme seus ensinamentos, a exigência de maior formalidade nos procedimentos com o estabelecimento de prazos e fundamentos jurídicos que induzissem os contratantes a adesão das decisões sem necessidade de consenso para exequibilidade, contrapôs-se a uma característica inerente a qualquer Tratado, ou seja, a possibilidade de ajustes devido às variações políticas das partes em favor da manifestação de vontade e interesses relativamente inerente aos envolvidos. E ainda complementa: 66

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

O ESC (Entendimento Relativo às Normas e Procedimentos sobre Solução de Controvérsias) combinou a lógica diplomática, que privilegia a negociação direta entre os interessados, à lógica jurisdicional, com o reforço das garantias procedimentais e a produção de decisões obrigatórias para as partes da disputa. Olvidar esse hibridismo é perder de vista muito da originalidade peculiar ao mecanismo que o ESC delineou. (AMARAL JÙNIOR, 2008, pag. 103).

De grande importância é perceber que embora decorra de uma análise totalmente específica ao caso concreto, a decisão advinda dos peritos, ou do procedimento recursal, e manifestada pelo órgão solucionador de controvérsias, no próprio

tratado,

é

tida

como

um

relatório

de

expressão

sugestivo

das

recomendações adotáveis pelas partes, como modo de reconhecer a soberania do tratado, a adesão e a participação no bloco dos Estados, que se impuseram esta condição voluntariamente. Em conclusão, embora com todo o trâmite processual indicando a fase jurisdicional, volta-se todo o caráter diplomático de recomendações e diálogos entre as nações. E mais, não há qualquer mitigação da soberania dos integrantes, pois ela já foi absolutamente reconhecida na manifestação livre e consciente de vontade em participar do sistema comercial. Em termos de reparação dos danos e de sustação dos ilícitos comerciais, associado ao fator de proporcionalidade que faz surgir a pretensão punitiva diante da reprovabilidade do ato, a sanção comercial mostra a atuação jurídica moldada através da suspensão de concessões ou outras obrigações decorrentes. Esta privação temporária visa a afetar direitos cristalinos do Estado que tenha invadido e equilíbrio dos deveres e obrigações mútuas, repercutindo o jus puniendi, consagrado nas normas penais de direito. Contudo, o direito de punir não se liga ao jus exequendi, devido à inexistência de atuação obrigacional que se possa usar contra um membro após o término da demanda. Assim nasce apenas o direito de que o vencedor da lide tenha uma justificativa para contrapor os atos violadores em sua resposta, conduzida sem agir em desfavor da coletividade e da sua reputação internacional. 67

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Especificamente, ainda não há como estender a aplicação jurídica com todas as suas nuances, por ausente se fazer o poder coercitivo decorrente de toda decisão jurídica. Em paridade com a exposição presente, decorre a desvinculação do poder puramente coercitivo para submeter um Estado às recomendações do Órgão Solucionador de Controvérsias, o que poderia suprimir a Soberania que cada nação deva deter para ter como válidos e reconhecidos seus atos internacionais, e sua existência como governo livre e independente. Mas em virtude disso, através da cláusula de jurisdição obrigatória, espera-se de cada membro o cumprimento das recomendações, possibilitando a existência comercial de países e setores com pequena representação internacional. Conforme descrito nos termos do Tratado, vemos a presunção de “autoexecutoriedade” que o ente violador deve ter para retirar a ilegalidade de cena, por si, posto a impossibilidade de imposição externa direcionada a um ato interno, e autônomo, ditando que devem ser extintos por quem os tenha efetuado, restando ao prejudicado a esperança de que realmente seja dado fim ao ato ilegal. Pode-se exigir a exequibilidade, mas não há como impô-la senão por decisão política favorável as partes. Artigo 22 – Compensação e suspensão das concessões §1º A compensação e a suspensão de concessões e outras obrigações são medidas temporárias que se podem adotar caso as recomendações e as decisões não sejam executadas dentro de um prazo razoável. Contudo, nem a compensação nem a suspensão de concessões ou outras obrigações são preferíveis à execução completa de uma recomendação como forma de tornar uma medida conforme aos acordos abrangidos. A compensação é voluntária e, se aprovada, deve ser compatível com os acordos abrangidos. §2º Se o Membro em causa não tornar a medida que foi considerada incompatível com o acordo abrangido conforme ao mesmo, ou se, de qualquer outro modo, não cumprir as recomendações e as decisões dentro de um prazo razoável, esse Membro deverá, se tal lhe for requerido e nunca após o termo do prazo razoável fixado, entabular negociações com qualquer parte que tenha acionado os processos de resolução de litígios, com vista a chegarem a acordo sobre uma compensação mutuamente satisfatória. Se não for acordada nenhuma compensação satisfatória no prazo de 20 dias a contar da 68

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL data em que expira o prazo razoável, qualquer parte que tenha acionado o processo de resolução de litígios pode solicitar autorização do Órgão Solucionador de Controvérsias para suspender a aplicação, em relação ao Membro em causa, das concessões ou outras obrigações previstas nos acordos abrangidos. (Grifo nosso)

Moldando-se à legalização dos procedimentos, a solicitação formalizada de autorização para qualquer procedimento retaliatório mostra essencial evolução da norma, pois evita que a predominância do poder diplomático do membro mais forte economicamente se sobreponha e sobressaia no envolvimento controverso, combatendo a retaliação auto impositiva sem negar-lhe a possibilidade política de manifestação. Levante-se que de acordo com os objetivos de criação da Organização Mundial do Comércio, entre os principais itens, ligados a liberalização comercial e à reciprocidade de comportamentos, a segurança jurídica necessária à efetivação de investimentos é o alvo perseguido na luta evolutiva dos procedimentos. Aduz à natureza dúplice, o fato de uma derrota contenciosa trazer consequências negativas a reputação do membro perdedor, pois nenhum quer ser visto como sucumbente nem tão pouco sofrer a medida punitiva ocasionada por uma decisão política interna, particularizada, favorável às suas pretensões, segundo justificativas próprias e possivelmente válidas em sua legislação, o que de fato deve ser considerado, e por tal, impossibilitando, assim, a prevalência jurídica sobre a diplomática em detrimento da manutenção dos vínculos comerciais futuros que possam ser mitigados. Assim sendo, a ideia mista referente à natureza jurídica dos atos emanados pela Organização Mundial do Comércio, por meio de seu Órgão Solucionador de Controvérsias, passa a ser a mais racional, por não ter como desvincular, segundo o raciocínio até agora desenvolvido, o âmbito diplomático do caráter jurisdicional, e vice-versa, até mesmo como respeito à existência e a política de convencimento de cada nação independente. Recorre-se, portanto, ao entendimento de segurança e regularidade advindos da continua colaboração e coexistência entre os povos, necessários para que o 69

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL acordo expresso pelo Tratado de Marrakesh detenha o status de norma integrante por cada Estado participante, favorecendo assim o exercício da personalidade jurídica de direito público internacional, forma essencial de admissão à validade gerencial, confirmadora do caráter legal, assumido em exaltação ao valor diplomático, com bem dita o artigo VIII, do citado tratado: “Artigo VIII [status da OMC]: A OMC terá personalidade legal e receberá de cada um de seus membros a capacidade legal necessária para exercer suas funções”. Quanto à necessária existência de normas de regulação atinentes as atribuídas para atuação da OMC, deve-se mencionar a presença do pactum in negotiando e do pactum in contraendo trazendo consigo a integração liberalista associada ao dever de cooperação entre todos os membros. Em clara “jurisdicização” de regras jurídicas, a proposta de rompimento com o sistema puramente negocial, remete as dificuldades enfrentadas pelo jogo político advindo do dialogo entre representantes governamentais voltados à promoção de interesses particularizados em suas normas internas. Por assim dizer, o diálogo puramente diplomático não tem o condão de se impor como norma obrigatória dentro da particularidade e soberania de cada Estado, gerando com isso a criação de regras definidas pela máxima: se definido há que ser decidido constituindo um ciclo de eficácia entre a criação da norma e sua posterior aplicação na produção de resultados (FIORATI, 2000, p. 71). Em completa agregação ao fator diplomático, a necessária “jurisdicização” dos ares mercantis internacionais, mostrou seu viés quando nas palavras elencadas no artigo II, em seu primeiro parágrafo, do acordo advindo da rodada do Uruguai: A Organização Mundial do Comércio fornecerá um marco comum institucional para a conduta de relações comerciais entre seus membros em matéria relacionada aos acordos e instrumentos jurídicos incluídos nos anexos deste Acordo.

Conforme a tentativa de conferir o caráter obrigacional às normas inclusas na atuação da OMC, o Entendimento utilizado na Solução de Controvérsias elenca a idealização da chamada jurisdição automática, como garantia de adimplemento dos 70

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL acordos pactuados entre os membros integrantes. Assim, fica ao membro prejudicado a garantia de, em havendo comprovado o interesse cumulado com o respectivo prejuízo, solicitar a criação e manifestação do painel, para que com os relatórios elaborados sobre o caso concreto, e com aval do Órgão de Apelação, possam ser reconhecidos pareados com o interesse internacional, em motivação à adoção de medidas negativas que possam contrabalancear todo o relacionamento afetado, emergindo a sensação de justiça internacional. Porém, mesmo com a tentativa normativa em latente crescimento no meio mercantil externo, ainda vemos presentes, resquícios sólidos dos métodos diplomáticos servindo como ratificadores às normas legais que por si já deveriam se impor, investidas de toda a indumentária intrínseca aos atos jurisdicionais válidos. Digo, se se almeja a criação de um mecanismo dotado de formalidades, em tendência à necessária existência das normas primárias e secundárias reguladoras das condutas humanas no Direito, como aceitar que anos após anos, coexistam obrigatoriedade e facultatividade em afirmações como as mencionadas pela ilustre professora Fiotati (2006), no tocante a aceitação formal de regras normativas a não ser que o consenso esteja prejudicado de tal monta que não obrigue a todos. Em suas letras: A OMC possui um sistema jurídico formal para a prática do consenso e este procedimento é previsto no Acordo de Marraqueche art. IX. A regra normal é a aceitação formal por todos os membros. A menos onde houver disposição diversa, se não houver possibilidade de consenso a matéria será submetida à votação, onde cada membro terá direito a um voto e nenhum membro o direito de veto. Emendas que não alterem os direitos e obrigações das partes poder ser aprovadas por dois terços dos membros, embora somente obriguem aqueles que nelas votaram. (FIOTATI, 2006, p. 75. Grifo nosso).

Claramente temos o reconhecimento de situações específicas, que para não gerar um mal estar coletivo, e a retirada de membros do bloco, devido a impossibilidade de cumprimento de alguns termos acordados, em que é cedido aval estritamente excepcional, o waiver, a não observação da regra geral. Fica previsto 71

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL no entendimento um salvo conduto diplomático para desobediência normativa estabelecida validamente. Ora, não há como concluir de modo diferente a não ser que, ambos os institutos, jurídico e diplomático, até então distintos, estão, no presente momento indissociáveis na atuação da Organização Mundial do Comércio, o que mostra por um lado a evolução, mas ao mesmo tempo a estagnação diante deste paradigma, que a meu ver mexe profundamente nas fontes do Direito Internacional, servindo a questionamentos e carecendo de maiores delimitações as gerações futuras identificadoras do Direito. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS O surgimento da Organização Mundial do Comércio (OMC) se mostra pela necessidade de mútua colaboração entre os Estados, em reconhecimento a existência da comunidade internacional, sendo esta instituição, o modo pelo qual o desenvolvimento de sistemas solucionadores de controvérsias se externou após longos e conturbados períodos de recessão enfrentados pela economia mundial, contornando as graves instabilidades que permeavam as negociações fundadas exclusivamente no aparato diplomático de resolução dos conflitos. Como agente administrador do conjunto de acordos da Rodada do Uruguai, a Organização Mundial do Comércio assumiu seu papel frente a outras organizações incentivadoras de políticas econômicas de nível mundial, em tendência ao necessário corpo institucional, vinculados às práticas legalistas, que possibilitam uma universalização, concentrada, de entendimentos atinentes às interpretações normativas/vinculativas e assistidas pelo democrático diálogo exaltado pela necessária cooperação entre as partes. Da natureza puramente contratual, até a atribuição de personalidade jurídica própria à Organização, o comércio internacional circundou entre as práticas consensuais, que sem demérito algum sustentaram o comércio entre nações por longos períodos, culminando na supremacia jurídica garantidora da economia moderna, consequência direta do desenvolvimento sócio cultural dos povos. Muito 72

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL embora ainda não seja possível desassociar estes dois institutos, privilegiando um em detrimento do outro, o mais inteligível é senão a moderação institucional que não afaste a diversidade política de sua essência, exaltando o positivismo da necessária dinâmica relacional. De tal sorte, e entendo como modo de aperfeiçoamento metodológico, a relevância do entendimento do sistema, ora discutido neste estudo, traz em seu bojo toda uma principiologia a ser considerada, que em constante processo de evolução dos mecanismos, se apura cada vez mais, proporcionando a sensação de justiça tão idealizada por todos, dando credibilidade e previsibilidade aos procedimentos que anteriormente baseavam-se na discricionariedade altamente individualizada dos entes. Identificar, então, se faz necessário à noção vinculativa de uma organização internacional reguladora dos interesses coletivos de sustentação comercial, mostrando-se ora como um típico órgão decisório, dotado de processos e procedimentos, ora com características diplomáticas, tendo relatórios e sugestões a serem aderidas por seus integrantes, bem como o incentivo a auto composição das partes em diálogo prévio à lide. Especificamente, a constituição da norma legal no âmbito da OMC não visa o rompimento com os costumes alinhavados pelo discurso político das relações internacionais, mas como muito bem determinado, a proposta é de associação de forças na busca de decisões amplamente justificáveis e aceitáveis, exaltando a necessidade de manutenção da estabilidade econômica e da promoção da paz, que por vários momentos históricos mostrou-se ameaçada pelo crescimento alienado ás condições humanitárias. Portanto, caso se deseje atribuir o aspecto predominantemente vigente na resolução de controvérsias comerciais internacionais, e considerando que embora nascida da proposta de ampliação da jurisdicionalização em detrimento da diplomacia, até então insuficiente, ainda não há como decantar as duas forças, sendo mais prudente, recorrer à natureza mista almejadora de uma normatização cada vez mais concreta e por isto mais vinculativa na produção de resultados,

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL conforme a aceitabilidade dos procedimentos e a evolução dos meios comerciais se mostrem no caminhar dos anos. Em suma, e dotado da devida vênia, ressalto que a crescente recorrência no acionamento do sistema de controvérsias da Organização Mundial do Comércio, mostra que a tendência de globalização dos atos, não mais se estabelece em um desejo a atingir, distante ao mundo dos fatos, mas por contrário, é um fator vivenciado pelas atuais gerações, a qual faço parte, e que se incumbem desde então na quebra de paradigmas, como modo de auto afirmação da comunidade internacional, coexistente aos interesses inerentes a cada Estado. REFERÊNCIAS ACCIOLY, Hildebrando; SILVA, G. E. do Nascimento; CASELA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. AMARAL JÚNIOR, Alberto do. A solução de controvérsias na OMC. São Paulo: Atlas, 2008. ASCENÇÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. BENEVIDES FILHO, Maurício. A sanção premial no Direito. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 1999. BRAZ, Mario Sergio Araujo. Retaliação na OMC. Curitiba: Juruá, 2006. COMTE, Auguste. Curso de filosofia positiva. Tradução José Arthur Giannotti. São Paulo: Ed. Nova Cultural, 2000. CONDORCET, J. A. N. Esboço de um quadro histórico dos progressos do espírito humano. Campinas: Editora da Unicamp, 1993. DARWIN, Charles. A origem das espécies, no meio da seleção natural ou a luta pela existência da natureza. Tradução: Mesquita Paul. Porto: Lello e irmão: 2003. DEL‟OLMO, Florisbal de Souza. Direito Internacional Privado: abordagens fundamentais, legislação, jurisprudência. Rio de janeiro: Forense, 2000. DINIZ ALVES, José Eustáquio. A POLÊMICA MALTHUS VERSUS CONDORCET REAVALIADA À LUZ DA TRANSIÇÃO DEMOGRÁFICA. Disponível: 74

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(WTO).

Disponível

em: em:

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REFLEXÕES SOBRE OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS EM FACE DO ESTADO BRASILEIRO Renata Vieira Meda, Universidade Estadual de Londrina, [email protected] Elve Miguel Cenci, Universidade Estadual de Londrina, [email protected] Resumo: Os tratados internacionais resultaram da elaboração da Convenção de Viena, em 1969, tendo por finalidade disciplinar os tratados internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituindo hoje a principal fonte de obrigação do Direito Internacional. Os tratados internacionais de direitos humanos aprovados no Brasil, diante da ratificação, passam a vigorar de imediato, no entanto ao que se refere a ordem jurídica brasileira, necessário se faz buscar orientação e inspiração a fim de equacionar o direito interno, de modo ajustá-lo, com harmonia e consonância, às obrigações internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Palavras-Chave: Tratados Internacionais; Ratificação; Ordem Jurídica brasileira. REFLECTIONS ON TREATIES INTERNATIONAL PROTECTION OF HUMAN RIGHTS IN FACE OF BRAZILIAN STATE Abstract: International treaties resulted in the drafting of the Vienna Convention in 1969, which aims to discipline the legally binding international treaties and binding and are now the main source of international law obligation. The international human rights treaties adopted in Brazil, before ratification, become effective immediately, however that refers to the Brazilian legal system, it is necessary to seek guidance and inspiration to equate the law, so adjust it with harmony and consonance, the obligations assumed by the Brazilian internationally. Keywords: International Treaties; Ratification; Brazilian Legal Order. INTRODUÇÃO As relações internacionais jurídicas com o tempo têm se tornado cada vez mais complexas, vez que faz-se necessária a proteção e garantia em transações que envolvam os vários Estados, evoluindo para acordo entre Estados, ou seja, para regras do direito consuetudinário, até chegarmos então nos tratados internacionais propriamente ditos. Os tratados internacionais resultaram da elaboração da Convenção de Viena, em 1969, tendo por finalidade disciplinar os tratados internacionais juridicamente obrigatórios e vinculantes, constituindo hoje a principal fonte de obrigação do Direito Internacional, conforme previsto no artigo 2º, parágrafo 1º, alínea “a”. Em um segundo momento, o foco voltará para a formação dos tratados e após suprimidas as fases de negociação, conclusão e assinatura, advém a ratificação do tratado, portanto, a subsequente confirmação formal, sendo um ato necessário para que o tratado passe a ter obrigatoriedade no âmbito internacional e interno. 77

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Passe-se assim, a análise pretendida, o Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito brasileiro, remetendo a incorporação de normas internacionais de direitos humanos pelo ordenamento brasileiro, a partir da Declaração Universal de 1948, tido como ponto de partida do processo de generalização da proteção internacional dos direitos humanos, a fim de aprimorar a sistemática de proteção dos direitos humanos no Direito Brasileiro, redimensionado o próprio alcance no termo “cidadania”. REVISÃO DE LITERATURA Os tratados internacionais são as fontes mais concretas do Direito Internacional Público, e por terem cunho contratual, também fazem lei entre as partes. Para poder celebrar tratados, os Estados devem possuir três elementos objetivos, tais como: território, ou seja, ter seu espaço geográfico determinado; governo soberano, que significa estabilidade dentro do Estado; e, por fim, povo que vive na referida nação com âmbito definitivo, além de haver mútuo consentimento e por fim seu objeto lícito, possível e determinado. “o termo „tratado‟ é geralmente usado para se referir aos acordos obrigatórios celebrados entre sujeitos do Direito Internacional, que são regulados pelo Direito Internacional. Além do termo „tratado‟, diversas outras denominações são usadas para se referir aos acordos internacionais. As mais comuns são Convenções, Pacto, Protocolo, Carta, Convênio, como também Tratado ou Acordo Internacional. Alguns termos são usados para solenidade (por exemplo, Pacto ou Carta) ou a natureza suplementar do acordo (Protocolo). (HENKIN, 1990, p.197).

O processo de formação dos tratados tem inicio com os atos de negociação, conclusão e assinatura, que são da competência do órgão do Poder Executivo. A assinatura do tratado, por si só, traduz um aceite precário e provisório, não irradiando efeitos jurídicos vinculantes, portanto, verifica-se mero consentimento do Estado em relação a forma e ao conteúdo final do tratado. Após a assinatura por um Estado de que está obrigado a cumprir o tratado, advém a ratificação que se refere a subsequente confirmação formal, portanto, a ratificação é um ato necessário para que o tratado passe a ter obrigatoriedade no âmbito internacional e interno. De todo modo, considerando o processo de formação dos tratados e reiterando a concepção de que apresentam força jurídica obrigatória e vinculante, a violação de um tratado implica na violação de obrigações assumidas no âmbito internacional, portanto, implica na responsabilização internacional do Estado violador. RESULTADOS E DISCUSSÕES Ao que tange o tema sobre a proteção dos tratados internacionais de direitos humanos, até a fundação das Nações Unidas, em 1945, não era seguro afirmar que houvesse, em direito internacional publico, preocupação consciente e organizada com os direitos humanos, no entanto, alguns tratados avulsos cuidaram de proteger 78

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL certas minorias dentro do contexto da sucessão de Estados, utilizando, do termo intervenção humanitária para defrontar com grandes problemas gerados pelas modificações do cenário internacional, assim, devido a órgãos internacionais de supervisão nos planos global e regional, foram reparados muitos danos denunciados e comprovados, alterando assim medidas legislativas impugnadas, adotando programas educativos e outras medidas positivas. Os tratados de direitos humanos das Nações Unidas têm, com efeito, constituído um sistema universal de proteção dos direitos humanos, entretanto, está longe de se lograr a chamada “ratificação universal”. O Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito brasileiro, remete a toda e qualquer possível consequência jurídica decorrente da incorporação de normas internacionais de direitos humanos pelo ordenamento brasileiro. O marco inicial do processo de incorporação do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo Direito brasileiro foi a ratificação da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, desta forma, inúmeros outros instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos foram também incorporados pelo Direito brasileiro, sob a égide da Constituição Federal, tais como a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes; Convenção sobre Direitos da Criança; Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção Americana de Direitos Humanos; Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; Protocolo à Convenção Americana referente à Abolição da Pena de Morte; Protocolo à Convenção Americana referente aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção Interamericana para Eliminação de todas as formas de Discriminação contra Pessoas Portadoras de Deficiência; do Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional; do Protocolo Facultativo à Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher; do Protocolo Facultativo á Convenção sobre os Direitos da Criança sobre o Envolvimento de Criança sobre Venda, Prostituição e Pornografia Infantis (PIOVESAN, 1997,p.93). A adesão do Brasil aos tratados internacionais de direitos humanos, preconiza sua aceitação com a idéia contemporânea de globalização dos direitos humanos, bem como demonstra sua preocupação com a comunidade internacional. No entanto, o Estado brasileiro precisa se reorganizar face as transformações internas decorrentes do processo de democratização, devendo assumir perante a comunidade internacional, a obrigação de manter e desenvolver o Estado Democrático de Direito e de proteger, um núcleo de direitos básicos e inderrogáveis. Prevê a Declaração de Viena, artigo 5°, ser necessário avançar na ratificação de instrumentos internacionais, a fim de aprimorar a sistemática de proteção dos direitos humanos, formulando suas reservas a fim de não serem incompatíveis com o objeto e propósito do tratado em questão. No entanto, tratados internacionais de direitos humanos aguardam ratificação pelo Estado brasileiro, como por exemplo o Protocolo Facultativo em relativo ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Segundo Protocolo Facultativo relativo ao mesmo Pacto, visando à abolição da pena de morte. 79

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Nesse sentido, sugere-se que o Estado brasileiro reveja essa posição, de modo a acolher a sistemática de monitoramento internacional, mediante o reconhecimento da competência jurisdicional da Corte Internacional de Justiça. Como não se bastasse revisar reservas e declarações restritivas efetuadas pelo Brasil, é necessário ainda, reavaliar a posição do Estado brasileiro diante de cláusulas e procedimentos facultativos constantes do sistema internacional de proteção, cuja medida é imprescindível à plena inserção do Brasil na sistemática internacional de proteção dos direitos humanos. O Estado brasileiro deve também encaminhar aos competentes órgãos internacionais os relatórios pertinentes ás medidas legislativas, administrativas e judiciárias adotadas, para fazer o cumprimento das obrigações internacionais que são inerentes à ratificação dos tratados de proteção dos direitos humanos. É necessário equipar os órgãos governamentais competentes para desempenhar suas tarefas de preparação dos relatórios periódicos devidos aos órgãos de supervisão dos instrumentos de que agora somos parte. (SABÓIA, 1993, p.195)

Ocorre que, em caso de reconhecimento de violação face a obrigação descumprida por parte da pessoa de direito público, portanto, configurada a omissão, implica na responsabilização, na qual é cabível a ação de perdas e danos contra a pessoa de direito público, responsável pela omissão. Nesse sentido, pode-se analisar o caso brasileiro, na qual ao ratificar a Convenção contra a tortura, o Brasil se comprometeu a tomar medidas efetivas nos planos legislativo, administrativo e judicial para prevenir e punir os atos de tortura em seu território, no entanto, a inexistência de tipificação de crime de tortura como infração penal autônoma, até 1997, implicou no descumprimento da obrigação jurídica assumida internacionalmente. Logo, a omissão do legislador constituiu violação seja ao comando constitucional Internacional contra a Tortura, na medida em que o Estado brasileiro afrontou obrigação jurídica internacionalmente assumida. Assim, fez-se necessário, o uso de lacuna por parte do Brasil, o que finalmente ocorreu com o advento da Lei n. 9.455, de 7 de abril de 1997, que definiu o crime de tortura. Assim, para que o Brasil se alinhe efetivamente à sistemática internacional de proteção dos direitos humanos em relação aos tratados ratificados, é emergencial a revisão de reservas e declarações restritivas, a reavaliação da posição do Estado brasileiro quanto a cláusulas e procedimentos facultativos, bem como a adoção de medidas que assegurem a eficácia aos direitos constantes nos instrumentos internacionais de proteção, vez que ainda restam pendentes de ratificação tratados internacionais. CONCLUSÃO A responsabilidade primária pela observância dos direitos humanos recai ao Estado brasileiro atribuindo importantes funções de proteção aos órgãos dos Estados. Ao ratificarem tais tratados, os Estados Partes contraem a obrigação geral de adequar seu ordenamento jurídico interno à normativa internacional de proteção, a 80

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL par das obrigações específicas relativas a cada um dos direitos protegidos, requerendo medidas nacionais de implementação de tratados de direitos humanos, assim como o fortalecimento das instituições nacionais vinculadas à plena dos direitos humanos e do Estado de Direito. Não obstante avanços significativos tenham ocorrido ao longo do processo de democratização, no que tange à incorporação de mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, ainda resta um importante desafio, o comprometimento do Estado brasileiro com a causa dos direitos humanos. REFERÊNCIAS HENKIN, Louis. International law: politics, values and principles. Boston: Martinus Nijhoff, 1990. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. SABÓIA, Gilberto Vergne. Um incomparável consenso: a Conferência Mundial de Direitos Humanos e o Brasil. Política Externa: São Paulo, v.2, n.3, Paz e Terra, 1993. TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Dilemas e desafios da Proteção Internacional dos Direitos humanos no limiar do século XXI. Rev. Bras. Polít. Int., 1997.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A PARTICIPAÇÃO DE AMICUS CURIAE NO ÂMBITO NA ARBITRAGEM DO CAPÍTULO 11 DO NAFTA AMICUS CURIAE PARTICIPATION IN NAFTA’S CHAPTER 11 ARBITRATION Gabriela Werner Oliveira, Universidade Federal de Santa Catarina, [email protected] Resumo: o presente trabalho tem por objetivo analisar a participação de amicus curiae na arbitragem internacional do Capítulo 11 do NAFTA, demonstrando suas limitações e seus efeitos perante os procedimentos realizados nessa esfera. Palavras-chave: amicus curiae; arbitragem internacional; interesse público. Abstract: this paper aims to analyze amicus curiae participation in international arbitration in NAFTA‟s Chapter 11, demonstrating its limitations and effects before the proceedings carried out in this sphere. Keywords: amicus curiae; international arbitration; public interest. Introdução A arbitragem internacional é marcada pelo seu caráter confidencial e sigiloso, vista como um procedimento fechado que diz respeito exclusivamente às partes que a ela se submetem. Porém, a emergência da sociedade civil como ator das relações internacionais e, concomitantemente, a crescente preocupação com direitos transindividuais, faz com que as consequências da decisão arbitral ultrapassem os limites das partes da disputa. Assim, recorre-se à participação como amicus curiae para que o juízo arbitral tenha acesso a informações úteis para proferir uma decisão mais justa. Revisão de literatura A grande parte dos tratados de arbitragem comercial internacional não previa a figura do amicus curiae, como é o caso do NAFTA. Porém, em 2001, o caso Methanex e, posteriormente, o caso UPS, aceitaram a participação de amicus curiae. Em 2003, a Free Trade Commission emitiu uma declaração sobre participação de não partes na disputa (“FTC Statement”), contendo recomendações a serem seguidas pelos Tribunais do Capítulo 11 do NAFTA para petições de participação de amicus e fixando critérios a serem observados. Contudo, existem preocupações residuais quanto à legitimidade do processo do Capítulo 11 do NAFTA reveladas pela ausência de regras obrigatórias e previsíveis concernentes à participação do amicus (VANDUZER, 2007, pp. 710-720).Ainda, o amicus curiae não é uma instituição universalmente reconhecida, pode desconsiderar o caráter consensual e confidencial da arbitragem, muitas vezes não existe a necessidade de sua participação e pode acarretar em custos e atrasos para as partes. Já as 82

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL vantagens de sua participação, entre outras, são a proteção do interesse público, melhoria da qualidade do award e aumento da transparência (GÓMEZ, 2012, pp. 543-553). Resultados e discussões Após a aceitação de amici curiae na prática de vários tribunais estabelecidos no âmbito do Capítulo 11 do NAFTA, verificou-se a adoção de regras escritas concernentes a essa participação, caso do ICSID. Isso porque a figura do amicus curiae assume funções e formas diversas conforme as jurisdições nacionais em que atua, o que dificulta que sua intervenção seja uniforme sem regras claras a seu respeito na esfera internacional. Nesse sentido, embora o FTC Statement não seja obrigatório e os casos julgados não sirvam como precedente, é possível afirmar que a participação de amici curiae tem sido regida de acordo com eles. Além disso, as jurisdições internacionais como um todo tem se deparado com pedidos de amicus curiae, e a realidade da arbitragem investidor-Estado não permite que a opinião da sociedade civil seja ignorada, em razão do interesse público que permeia parte das disputas. Contudo, no que tange ao aspecto material da participação, não é possível afirmar que todos os que peticionam para obter a qualidade de amicus curiae serão realmente úteis aos tribunais, ficando a encargo desses a avaliação de sua atuação. Nesse tocante, deve-se manter um equilíbrio entre a discricionariedade dos tribunais e a asseguração dos direitos das partes, uma vez que o amicus não adquire o status de parte dos procedimentos, não tem as mesmas prerrogativas reservadas às partes e não pode atentar contra elas. Tal se justifica em virtude dessa participação não poder ser contrária a vontade manifestada pelas partes ao recorrer à arbitragem. Portanto, estas devem ter a oportunidade de responder a qualquer memorial apresentado por um amicus curiae, a fim de que o tribunal alcance a melhor decisão sem violar qualquer direito processual. Conclusão O amicus curiae é um instrumento inovador no campo da arbitragem internacional, visto que confere ao procedimento maior legitimidade e confiabilidade ao prover para o tribunal informações e pontos de vista diferenciados, de forma a permitir que a decisão alcançada pelo tribunal leve em consideração os interesses de terceiros que podem ser por ela afetados. Contudo, o tribunal deve levar em conta a relevância dessa participação, na medida que não repita os argumentos e informações já apresentados pelas partes e não ofereça riscos para a natureza da arbitragem. Referências GÓMEZ, Katia Fach. Rethinking the role of amicus curiae in international investment arbitration: how to draw the line favorably for the public interest. Fordham International Law Journal, Vol. 35, 2012, pp. 510-564.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL METHANEX CORPORATION AND UNITED STATES OF AMERICA. Decision of the Tribunal on petitions from third persons to intervene as amici curiae. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2012. UNITED PARCEL SERVICE OF AMERICA AND GOVERNMENT OF CANADA. Decision of the Tribunal on the Petitions for Intervention and Participation as amici curiae. Disponível em: . Acesso em: 10 ago. 2012. VANDUZER, J. Anthony. Enhancing the Procedural Legitimacy of Investor-State Arbitration Through Transparency and Amicus Curiae Participation. McGill Law Journal/Revue de Droit de McGill, v. 52, 2007, pp. 681-723.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL UMA ANÁLISE DA NORMA DE RESPONSABILIDADE SOCIAL ISO 26000 SOB A PERSPECTIVA DO DIREITO À SEGURANÇA DO CONSUMIDOR AN ANALYSIS OF SOCIAL RESPONSIBILITY STANDARD ISO 26000 IN THE PERSPECTIVE OF CONSUMER SAFETY RIGHTS Henrico César Tamiozzo (UEL), [email protected] Marlene Kempfer (UEL), [email protected] Resumo: No ano de 2010 foi criada a primeira norma mundial de responsabilidade social empresarial, a ISO 26000, que traz diretrizes incorporando a dimensão social, ambiental e econômica do desenvolvimento sustentável. Ela envolve questões relativas aos direitos dos consumidores, e para os fins deste estudo, converge-se nas questões atinentes à proteção da incolumidade física do consumidor. Por meio das premissas traçadas neste documento, afirma-se que há um ponto de convergência entre ela e o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90. A análise da norma internacional com a compilação dos direitos consumeristas permite afirmar que aquela é mais abrangente e referencial ao passo que esta é obrigacional e submete os descumpridores à responsabilização pelo fato do produto e do serviço, com base nos arts. 12 a 14 do CDC. Ainda mais, os artigos 4º, caput, 6º, I e 8º ao 11 do CDC prescrevem as normas de proteção à saúde e segurança dos consumidores, que possuem nítida afinidade com o item 6.7.4 da ISO 26000. Avaliase que os critérios de sustentabilidade trazidos pela ISO 26000, como racionalidade e eficiência econômica, tem relação com o direito positivado. Isso faz com que a norma internacional seja creditada e buscada pelas empresas de pequeno, médio e grande porte, apesar de não visar e nem ser apropriada para certificação. Palavras-chave: Norma Internacional; Código de Defesa do Consumidor; Incolumidade física. Abstract: In 2010 was created the first global standard for corporate social responsibility, ISO 26000, which provides guidelines incorporating social, environmental and economic sustainable development. It involves issues relating to the rights of consumers, and for the purposes of this study, converges on the issues pertaining the protection of the consumers physical safety. Through the assumptions outlined in this document, it is stated that there is a convergence point between her and the Consumer Protection Code, Law 8.078/90. The analysis of international standard with the compilation of consumers rights says that this is more comprehensive and referencial and the other is obligatory and submits the nonobservators to responds for the damage on products and services, based on the arts. 12 to 14 of CDC. Moreover, Articles 4, caput, 6, I and 8 to 11 CDC prescribes standards to protect health and safety of consumers, who have a clear affinity with the item 6.7.4 of ISO 26000. It is estimated that the sustainability norms brought by ISO 26000, as rationality and economic efficiency, has a relations with the positived rules. This makes the international standard credited and persued by small, medium and large companies, despite nor be suitable for certification. Key-words: International Standard; Consumer Protection Code; Physical safety. 85

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Introdução O presente estudo visa confluir as diretrizes de proteção à segurança e saúde do consumidor inseridas na ISO 26000 com as normas do Código de Defesa do Consumidor de 1990. Para tanto, será necessário conhecer da ISO 26000 e delinear seu aspecto acerca da responsabilidade social nas mais diversas organizações. Entre outras características, o documento internaliza sete temas centrais de responsabilidade social, e destacar-se-á, episodicamente, o direito protetivo do consumidor com enfoque nos normas que instituem a proteção à incolumidade dos que consomem. A pesquisa se enveredará para o campo da análise e confrontação dos dispositivos legais do CDC com aqueles encontrados na norma internacional da responsabilidade social, e a partir dessa comparação será possível afirmar se elas estão de acordo entre si, se há divergência entre elas, ou mesmo, se uma prevalece sobre a outra, dentro dos critérios utilizados. Assim, o Código de Defesa do Consumidor trata dessas questões no art. 4º, caput, quando fala da Política Nacional das Relações de Consumo e nomeia seus objetivos, como respeito à dignidade, à saúde e segurança dos consumidores. Logo após, no art. 6, inciso I, institui como direito básico dos consumidores a proteção da vida, da saúde e segurança, disponibilizando a seção I, do capítulo IV (arts. 8 a 11) para ditar regulamentos sobre esses direitos. Já na seção II, perfazem os artigos 12 a 14 que aborda a responsabilidade pelo fato de produto ou serviço. Na ISO 26000, o tema consumidor é avistado no item 6.7 (ISO 26000 – linha 2424), e dentro dele, no item 6.7.4, este grupo recebe uma série de receitas norteadoras sobre saúde e segurança. Será aferido por meio desse debate que a proteção desses direitos básicos pode ser dada pela observância dos princípios da segurança e da prevenção. Logo, procurará responder se pela convergência da norma jurídica com a norma social internacional, em que pese esta última não ser utilizada como critério de certificação, há possibilidade de observar esses princípios do direito do consumidor, no sentido de promover o desenvolvimento sustentável. Revisão de Literatura Com a finalidade de criar uma norma de referência mundial, após cinco anos de trabalho intenso que envolveu cerca de 450 especialistas de 99 países, a Norma Internacional de Responsabilidade Social, ISO 26000 – Diretrizes sobre Responsabilidade Social foi publicada no dia 1º de novembro de 2010 (INMETRO, 2012). O Brasil ocupou a presidência do Comitê Mundial da ISO de Responsabilidade Social na figura de Jorge Cajazeira, Ph.D. em inovação e sustentabilidade (PRADO, 2009). O documento tem como objetivo traçar diretrizes para ajudar todos os tipos e portes de organizações (pequenas, médias e grandes) e de todos os setores (governo, ONGs e empresas privadas) na implantação e desenvolvimento de políticas baseadas na sustentabilidade. A ISO 26000 é até o momento o único documento de aporte mundial para referência da RSE. É composta por sete princípios, quais 86

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sejam: responsabilidade, transparência, comportamento ético, consideração pelas partes interessadas, legalidade, normas internacionais e direitos humanos. Apesar do caráter inovador da ISO 26000, é uma norma de diretrizes, sem o propósito de certificação. A orientação é que ela não seja utilizada para fins de expedição de certificações ou usos regulatórios, sob pena de responsabilização apurada pelo Secretariado da ISO (DNV, 2011). Apesar de sua característica não-certificável, a ISO 26000 trata-se de uma norma bem completa, e vigora como sendo o único padrão a nível mundial acerca da responsabilidade social nas empresas. Pela sua importância, deve ser difundida no meio empresarial, de forma que se realize a padronização e propagação das condutas socialmente responsáveis. Após o cotejo dos princípios, o documento é divido em sete temas centrais da responsabilidade social em que as organizações irão se ater de forma a priorizar suas ações. São eles governança social, direitos humanos, práticas trabalhistas, meio ambiente, práticas leais de operação, questões relativas ao consumidor e envolvimento com a comunidade e seu desenvolvimento. Para fins deste estudo, foca-se nas relações da empresa com o consumidor, mais especificamente na proteção à saúde e segurança do consumidor. Resultados e discussão Assim, vê-se que existem no texto da norma ISO 26000 diretrizes de proteção à saúde e segurança do consumidor que estão igualmente positivadas no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente no Código de Defesa do Consumidor. Diante dessa afirmação, no item 6.7.4 da Norma Internacional de Responsabilidade Social infere-se que “a proteção da saúde e segurança do consumidor envolve o fornecimento de produtos e serviços que sejam seguros e que não ofereçam riscos inaceitáveis de perigo quando usados ou consumidos” (ISO 26000 – linhas 25932594). Tomando por base o CDC, o art. 6º, inciso I, traz como direito básico do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos (BRASIL, 1990). Por esta primeira comparação entre a ISO 26000 e o CDC já se repara densa a similitude entre uma e outra. Como leciona o professor Sergio Cavalieri Filho (2011, p. 93), o princípio maior é o da intangibilidade da dignidade da pessoa humana e a vida, a saúde e a segurança são bens juridicamente inalienáveis e indissociáveis daquele. Tanto é que o código consumerista inseriu no caput do art. 4º os objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo, trazendo entre eles o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança (BRASIL, 1990). A ISO 26000 alude à segurança como sendo também aquela que previne possíveis riscos de modo a evitar danos ou perigos. Entretanto, como nem todos os riscos podem ser eliminados, há a recomendação de que as medidas de proteção à segurança incluam mecanismos de retirada de produtos do mercado e recall (ISO 26000 – linhas 2601-2603). Mais adiante, é realizada outra consideração de produto 87

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL lançado no mercado que apresenta um perigo imprevisto, um grave defeito ou contiver informações enganosas ou falsas (ISO 26000 – linhas 2617-2622), demonstrando critérios para minimização de riscos no design de produtos (ISO 26000 – linhas 2623-2631). Atento a estes preceitos desde a década de 90, o CDC confere previsões similares no art. 10, quando dita que o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. O fornecedor de produtos ou serviços que, posteriormente à sua introdução no mercado de consumo, tiver conhecimento da periculosidade que apresentem, deverá comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e aos consumidores, mediante anúncios publicitários veiculados na imprensa, rádio e televisão. Contata-se que no documento elaborado pela International Organization for Standardization (ISO) há previsão de uma recomendação, ou seja, trata-se de uma diretriz para aquelas empresas que desejam se pautar em critérios socialmente responsáveis frente à saúde e segurança dos seus consumidores, enquanto na compilação consumerista a norma é taxativa, e rege a maneira sob a qual deve-se proceder diante de tais situações, sob pena de responder de acordo com o nível de seu dano, já que a responsabilidade do fornecedor prescinde de culpa; é objetiva. A responsabilidade civil no direito do consumidor não acolhe a responsabilidade extracontratual e a subsunção da conduta à culpa do Código Civil de 2002 (art. 186), pois optou por trazer somente a teoria do contrato social direto (FAZZIO JÚNIOR, 2009, p. 557). A norma de responsabilidade social se utiliza de verbos imperativos que indicam o que deve ser feito, se aproximando de uma acepção filosófica segundo os ensinamentos de Immanuel Kant, que nomina como imperativo categórico o dever de toda a pessoa doar conforme os princípios que ela quer que todos os seres humanos sigam. A exemplo, a utilização do “evite”, “faça”, “disponibilize”, “transmita”, “instrua”, “adote”, etc. De outro lado, a lei positivada não se resume somente a diretrizes ou referências, pois pela leitura do CDC, a proteção à saúde e à segurança dos consumidores é um dever legal e exige condutas éticas e racionais dos fornecedores de produtos e serviços, pois o descumprimento enseja reparação dos danos causados. Assim, as empresas, segundo os mandamentos do código do consumidor, são obrigadas a responderem aos preceitos legalmente instituídos, sob pena de receberem punição nas esferas civil, administrativa ou mesmo criminal. Conclusões Buscando atender a demanda mundial, foi lançada em 2010 a ISO 26000, fruto de um trabalho extenso, que dividiu as diretrizes de responsabilidade social em temas centrais, dedicando um capítulo nuclear aos direitos do consumidor, que inclui a previsão da proteção à segurança e à saúde destes. Essa proteção é traduzida pelos princípios da segurança e da prevenção. Assim, pelo primeiro, viu-se que se os produtos e serviços não devem servir somente para os fins a que se destinam, pois é preciso também que sejam seguros. Pelo segundo, 88

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL conclui-se que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança aos consumidores, havendo necessidade de informá-los de todas as maneiras possíveis, como advertências nos rótulos ou lugares onde o serviço for desenvolvido. A não observância desses princípios resulta na responsabilidade objetiva do fornecedor, de acordo com o CDC. Pode inclusive resultar em responsabilização na esfera administrativa ou penal. Como demonstrou o presente trabalho, tanto a ISO 26000 como o Código de Defesa do Consumidor de 1990 prescrevem critérios de proteção à saúde e à segurança do consumidor, garantindo proteção de sua incolumidade física. Elas caminham juntamente para o mesmo fim, portanto, estão de acordo entre si. Em verdade, uma completa a outra. Da convergência da norma jurídica com a norma de responsabilidade social de nível internacional, contata-se a existência dos princípios de direito do consumidor. Verificou-se que elas divergem na amplitude e no formato, mas não no sentido único de proteção aos direitos dos consumidores. Os regulamentos instituídos no CDC são taxativos, rígidos e impõem sanções, e em contrapartida, a norma internacional possui fundamentos amplos e que servem como diretrizes para as empresas que desejam seguir os preceitos socialmente responsáveis, que abrem caminho ao desenvolvimento sustentável. Quando a ISO 26000 foi lançada, o CDC já vigorava em território nacional há vinte anos, permitindo-se dizer que pela similitude com este, as normas de proteção à saúde e segurança ao consumidor trazidas pela norma internacional não foram recebidas como inéditas pela comunidade. Contudo, são importantíssimas as diretrizes formuladas pela ISO 26000, já que as empresas e organizações necessitam de paradigmas sustentáveis para basearem seus modelos de gestão, como é o caso da presente norma internacional de responsabilidade social. Referências BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: < Acesso em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm>. 13.set.2012. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Direito do Consumidor – São Paulo: Atlas, 2011. DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2007. DNV Managing Risk. IAF declara que não haverá certificação para a ISO 26000. Disponível em: . Acesso em 27.ago.2012. FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial – São Paulo: Atlas, 2009. 89

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INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Disponível em: . Acesso em 29.ago.2012. ISO/FDIS 26000:2010 (E). Diretrizes sobre responsabilidade social (Versão Final). Disponível em: . Acesso em 13.set.2012. PRADO, Thays. Jorge Cajazeira explica a ISO 26000. Disponível em: . Acesso em 30.ago.2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PRINCIPAL DESAFIO DOS DIREITOS HUMANOS NO ÂMBITO INTERNACIONAL NO SÉCULO XXI: A “HUMANIZAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL” Ingrid Silva Mendes, UEL, [email protected] Ao mesmo tempo em que o Direito Internacional dos Direitos Humanos ganha maior notoriedade a cada dia, com novos tratados e interpretações que visam proteger a dignidade da pessoa humana, milhões de seres humanos continuam vivendo em condições extremas de subnutrição e miséria, enquanto investimentos de cunho bélico mostram-se astronômicos. Apesar da notável evolução da matéria nas últimas décadas, esta possui um entrave que se mostra desde sempre como seu maior desafio: o reconhecimento dos direitos do indivíduo em face aos interesses e a soberania dos Estados. Fala-se de uma cooperação internacional para uma verdadeira edificação dos Direitos Humanos, porque de nenhuma outra forma esta se torna eficaz. Os direitos do indivíduo apresentam-se acima dos direitos do Estado. É o que, de acordo com o Prof. André de Carvalho Ramos, conceitua-se a “humanização do Direito Internacional, gerada pela proteção de direitos humanos, pela qual o foco das normas internacionais passa a ser não a razão de Estado, mas sim o indivíduo”. Não se trata de uma desvalorização do Estado, mas sim de uma valorização do ser humano. Citando o Prof. Cançado Trindade, “não se pode visualizar a humanidade como sujeito de direito a partir da ótica do Estado; o que se impõe é reconhecer os limites do Estado a partir da ótica da humanidade”. E é esta centralidade dos direitos humanos e sua proteção que deve ser consolidada como valor comum à sociedade humana, e não dependente do voluntarismo de alguns Estados descentralizados no âmbito global. Palavras-chave: Direito Internacional; Direitos Humanos; Cooperação Internacional. REFERÊNCIAS CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. O Direito Internacional em um mundo em transformação. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. RAMOS, André de Carvalho. Teoria geral dos direitos humanos na ordem internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL COMÉRCIO INTERNACIONAL E DIREITOS HUMANOS: DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS INTERNATIONAL TRADE AND HUMAN RIGHTS: DIFFERENCES AND CONVERGENCES Júlia Wicher Marin – Universidade Estadual de Londrina [email protected] Luiara Gaino Ferreira – Universidade Estadual de Londrina [email protected] Resumo: O presente artigo trará uma visão acerca da repercussão dos efeitos gerados pelo comércio internacional na esfera dos intitulados “direitos humanos”. Para tanto, serão analisados os pontos em que os dois segmentos divergem – no âmbito das relações de trabalho -, e identificados os pontos em que convergem, estes como tendências próprias do século XXI no intuito de conciliar comércio internacional com direitos humanos, “parceria” esta que, a primeira vista, aparenta ser de modo inconsistente, mas que não obstante uma inata incongruência de interesses, tendem a harmonizar-se diante dos múltiplos anseios da coletividade. Palavras-chaves: comércio internacional; direitos humanos; direitos do trabalhador; Organização Internacional do Trabalho; desenvolvimento equitativo. Abstract: This paper will bring an insight about the repercussion of the effects created by the international trade in the sphere of the human rights. To achieve this purpose, the points at which the two segments differ will be analyzed - in the context of labor relations - and the points in which they converge will be identified, these ones as characteristics tendencies of the twenty-first century in order to conciliate international trade with human rights, a “partnership” that, at first glance, appears to be inconsistent, despite an innate incongruity of interests, tend to harmonize themselves before the multiple desires of the community. Keywords: international trade, human rights, labor rights, the International Labour Organization; equitable development. 1. Introdução Comércio internacional, na definição de Paulo Sandroni (SANDRONI, 1999, p. 110), é o “intercâmbio de bens e serviços entre países, resultante de suas especializações na divisão internacional do trabalho”. Esta divisão internacional do trabalho, segundo o mesmo autor, consiste no fato de que os países tendem a se especializar na produção dos bens para os quais têm maior disponibilidade de 92

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fatores produtivos, visando garantir, como consequência, um excedente exportável. Já os denominados “direitos humanos” são o resultado de grandes esforços perpetrados pela humanidade ao longo da História, no intuito de ver arraigados direitos fundamentais sem os quais “a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida” (DALLARI, 2004, p. 12). Ao longo das décadas do século XX, a humanidade pôde presenciar uma impressionante evolução do comércio internacional e, atualmente, tal processo encontra-se em dinâmico ritmo de expansão com a interligação e interdependência de diversos países. A globalização da economia designa uma integração cada vez maior dos mercados, dos meios de comunicação e dos transportes ocasionando, segundo Helmut Hesse (PIOVESAN, 2002, p. 62), a perca da importância das fronteiras entre os países quando se trata de decisões sobre investimentos, produção, oferta, procura e financiamentos. A globalização econômica, contudo, não traz apenas benefícios como o aumento de investimentos e a criação de mercados mundiais integrados; ela tem ocasionado um agravamento ainda maior das desigualdades sociais com o aprofundamento das marcas da pobreza absoluta e da exclusão social. O Relatório sobre o Desenvolvimento Humano de 2010, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) confirma tal afirmação: o crescimento econômico tem sido extremamente desigual – tanto em países com crescimento rápido como em grupos que beneficiam de progresso nacional. E as lacunas do desenvolvimento humano por todo o mundo, embora estejam a diminuir, permanecem enormes (PNUD, 2010, p.5)

Flávia Piovesan (2002, p. 64) diz que a exclusão socioeconômica constitui um grave comprometimento às noções de universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, sendo o caráter indivisível mitigado pelo esvaziamento dos direitos sociais fundamentais. Ela prossegue afirmando que “a garantia dos direitos sociais básicos (como o direito ao trabalho, à saúde e à educação) tem sido apontada como um

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL entrave ao funcionamento do mercado e um obstáculo à livre circulação do capital e à competividade internacional” (2002, p. 64). Em relação ao comércio internacional, as questões concernentes às relações de trabalho e à pessoa do trabalhador alcançam grande repercussão midiática por se tratarem de um ponto comum tanto à economia quanto à proteção aos direitos humanos.

Dentro

deste

contexto

pretende-se

discorrer

sobre

os

pontos

convergentes e divergentes, mas por ser um tema extremamente vasto e rico, é impossível o seu esgotamento. 2. Divergências entre o Comércio Internacional e os Direitos Humanos no Âmbito das Relações de Trabalho No concernente às relações de trabalho e à pessoa do trabalhador, foram determinantes para a inserção dos direitos humanos - em especial o princípio da igualdade traduzido em direitos econômicos e sociais - não somente a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, como também a Organização Internacional do Trabalho (OIT), criada em 1919, com sede em Genebra e cuja agência é atualmente vinculada à Organização das Nações Unidas (ONU)1. Dentre as várias Conferências da OIT, destaca-se a realizada em 1998, em que durante a sua 87ª Sessão, a Conferência Internacional do Trabalho adotou a “Declaração dos Direitos e Princípios Fundamentais no Trabalho”. Essa Declaração foi, de acordo com Amauri Mascaro Nascimento (NASCIMENTO, 2010, p. 113), destinada a responder aos desafios gerados pela globalização da economia, embora nela reconhecendo um fator de crescimento econômico e condição essencial para o progresso social, mas entendendo que não é uma condição suficiente para assegurar o referido progresso e que deve ser acompanhada de um mínimo de regras de funcionamento social fundadas em valores comuns, lembrou que os princípios relativos aos direitos fundamentais são: a) a liberdade sindical e o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; b) a eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório; c) a abolição efetiva do trabalho infantil; e d) a eliminação da discriminação em matéria de emprego e ocupação.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A Declaração associa ainda a esses direitos e princípios oito convenções, que passam a ser definidas como fundamentais. Estabelece que todos os Estados Membros da OIT, pelo simples fato de sê-lo e de terem aderido à sua Constituição, são obrigados a respeitar esses direitos e princípios, havendo ou não ratificado as convenções a eles correspondentes. Constata-se da prática social que o comércio internacional e os direitos humanos, como tendências do pós-guerra, desenvolveram-se em caminhos paralelos, separados e por vezes desconexos. É evidente que a possibilidade de movimentação do capital através das divisas geopolíticas traz conseqüências para os direitos humanos, em razão dos interesses divergentes entre estes. Por conseguinte, as violações aos direitos humanos estão presentes no cenário internacional mesmo antes da integração econômica, sendo perceptíveis as tensões entre os regimes legais que regulam o comércio internacional e os direitos humanos. Neste contexto, inúmeras são as situações que ainda persistem no panorama mundial, amplamente discutidas, e que refletem a nítida antinomia entre “comércio internacional” e “direitos humanos”, tais como: tráfico internacional e interno de pessoas;

exploração de mão de obra barata, trabalho degradante, trabalho em

condições análogas a de escravo e trabalho infantil. Com efeito, o tráfico internacional e interno de pessoas consiste no recrutamento, transporte (de um lugar para outro, dentro do país ou não), alojamento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração, comumente associado no âmbito do comércio internacional às formas ilegais de imigração visando à exploração do trabalho em condições análogas à escravidão e trabalho infantil (BRASIL. Decreto nº 5.017, 2004).

Segundo Maurício Pessoa Lima (2002, p. 2), na exploração de mão de obra barata ocorre a supressão dos direitos trabalhistas mais básicos, como o não pagamento sequer do salário-mínimo, a exigência de jornadas excessivas ou altas cotas de produção, geralmente acompanhadas 95

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de fraudes. Já o labor degradante é aquele no qual o trabalhador é submetido a condições intoleráveis que atentem contra a sua higidez física e mental, agravadas pelo fato de não serem observadas as normas de higiene e segurança, nem serem dadas condições para uma alimentação razoável.

Serão explanados no presente estudo, de modo um pouco mais pormenorizado, os casos de trabalho em condições análogas a de escravo e o de trabalho infantil, os quais são constantemente difundidos pela mídia. 2.1 Trabalho em condição análoga a de escravo As formas contemporâneas de escravidão não se confundem com as tradicionalmente presentes em séculos passados. Os meios atuais utilizados para a prática do trabalho em condição análoga a de escravo são ardis, fraudes e ameaças, que levam geralmente ao isolamento do trabalhador e à servidão por dívidas, acompanhados de violência física, maus tratos, coação armada, trabalho degradante, exaustivo, em péssimas condições, e alojamentos que em nada diferem de senzalas. Maurício Pessoa Lima (2002, p. 1 e 3) explica que o trabalho em condição análoga a de escravo constitui-se em um crime que cerceia a liberdade dos trabalhadores, e isso se dá por meio de apreensão de documentos, presença de guardas armados e “gatos” – empreiteiros aliciadores - de comportamento ameaçador, por dívidas ilegalmente impostas ou pelas características geográficas do local, que impedem a fuga. Segundo Lima, para a configuração da situação análoga a de escravo, entende-se que além da ocorrência de condições precárias de trabalho, há de se constatar o cerceamento da liberdade de locomoção do trabalhador, por meio de qualquer das seguintes formas, que podem se apresentar combinadas ou isoladamente: fraude; dívidas (o empregador lhe vende produtos por preços elevados, resultando na escravidão por dívida, sendo impedido de deixar o local enquanto não saldar seu débito, o qual não pára de crescer); retenção de salários e de documentos; isolamento em regiões remotas ou de difícil acesso

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL É comum o trabalho em condição análoga a de escravo advir do tráfico internacional e interno de pessoas, as quais, diante da promessa de trabalho e uma melhor qualidade de vida, acabam por se submeter a exploradores inescrupulosos. Internacionalmente, essa prática está bastante relacionada ao trabalho forçado contemporâneo, à medida que em diferentes países o tráfico de pessoas visa fornecer mão de obra para trabalhos forçados. “Segundo a OIT, 12,3 milhões de pessoas no mundo sofrem as penas do trabalho forçado. Apenas no Brasil, conforme os dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), 25 mil, anualmente, são submetidas ao trabalho escravo.” (COSTA, 2010, p. 53) Com efeito, pode-se dizer que o trabalho em condições análogas a de escravo é espécie do gênero “trabalho forçado”, cujo conceito é mais amplo, pois envolve desde situações decorrentes do trabalho de prisioneiros de guerra, até a utilização do trabalho como forma de castigo. Conforme a Convenção nº 29 da OIT, art. 2º (1932): “Para fins desta convenção, a expressão „trabalho forçado ou obrigatório‟ compreenderá todo trabalho ou serviço exigido de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido espontaneamente”. Ainda, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), prevê em seu artigo IV que: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas”. Assim, o trabalho em condição análoga a de escravo não se restringe apenas ao meio rural, ocorrendo também com frequência nos grandes centros urbanos, conforme constantes divulgações de matérias realizadas pelo Instituto Observatório Social, constituindo-se em uma flagrante mazela social praticada no âmbito do comércio internacional e configurando-se em uma verdadeira afronta aos direitos humanos universais. 2.2 Trabalho infantil Trabalho infantil é todo esforço físico e mental desempenhado por pessoas que não possuem idade adequada, quais sejam, as consideradas como sendo crianças e adolescentes. Grande parte dos países possui leis trabalhistas que 97

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL condenam o trabalho infantil, sendo tal prática ilegal e reconhecida como crime. Mesmo sendo repudiado pela sociedade, o trabalho infantil permanece em diferentes partes do mundo. Depreende-se da experiência comum que os principais causadores desse fenômeno são basicamente a pobreza e o desemprego. A proteção da infância e da adolescência é um dos elementos essenciais na luta pela justiça social e pela paz universal. Nesse contexto, a OIT entende que o trabalho infantil, além de não constituir trabalho digno e ser contrário à luta pela redução da pobreza, sobretudo subtrai das crianças sua saúde, seu direito à educação e sua própria vida enquanto crianças – para a OIT, o termo “criança” refere-se a pessoas com idade inferior a 18 anos. Milhões de crianças realizam trabalho perigoso, abusivo e explorador. Entre outras, são comumente encontradas exercendo as seguintes formas de trabalho: na indústria, realizando trabalho perigoso; na agricultura, realizando trabalho pesado e perigoso; em casa, cuidando de irmãos e irmãs ou ajudando em sítios ou empresas familiares, a ponto de isso se tornar sua principal ou única atividade; em trabalho doméstico, árduo, sob condições de isolamento, trabalhando horas excessivas, sujeitas a abuso físico e sexual; em regimes de condição análoga a de escravidão, como trabalho servil e prostituição infantil. Em relação ao trabalho infantil, uma Convenção estatuída pela OIT merece destaque, a qual vincula os países que a ratificaram: a Convenção n.138 sobre Idade Mínima para Admissão a Emprego, de 1973, constitui o mais importante instrumento normativo de luta contra o trabalho infantil. Essa Convenção determina, no geral, a idade mínima de 15 anos para o ingresso no mercado de trabalho, em todos os setores da atividade produtiva (para trabalhos perigosos, a idade mínima é 18 anos e, para trabalhos leves, 14 anos). É uma norma que, por seu caráter flexível, atende ao nível de desenvolvimento socioeconômico dos diferentes países-membros da OIT (OIT, 2001b, p. 8).

A Convenção n.182 sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil e Ação Imediata para sua Eliminação, de 1999, e os meios de ação empregados pela OIT – tais como produção e disseminação de informação, cooperação técnica para desenvolver programas como o IPEC (Programa Internacional para Eliminação do 98

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Trabalho Infantil) – complementam-se com a Convenção n.138, visando o fim da exploração do trabalho infantil e ao alcance da justiça social. A exploração do trabalho infantil não é um fato restrito ao Brasil. A OIT estima em cerca de 250 milhões as crianças trabalhadoras em todo o mundo. Pelo menos 120 milhões de crianças entre 5 e 14 anos de idade trabalham em tempo integral. O restante combina trabalho com os estudos e com outras atividades não-econômicas. De acordo com estimativas da OIT datadas de 1999, a maioria absoluta dessas crianças está em países “em desenvolvimento”. São 17 milhões na América Latina e Caribe (7%); 80 milhões na África (32%); e 153 milhões na Ásia, excluindo o Japão (61%) (OIT, 2001b, p.9).

3. Convergências entre o Comércio Internacional e os Direitos Humanos no Âmbito das Relações de Trabalho O ambiente laboral sempre foi palco de inúmeras violações de direitos fundamentais, tendo como símbolo mais representativo a exploração dos operários durante a Revolução Industrial, especialmente na Inglaterra. Embora a elaboração de normas internacionais de proteção ao trabalhador datem do início do século XX, com a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 1919, foi a partir do pós-guerra que houve um fortalecimento da organização, aumentando sua repercussão no âmbito mundial. Em depoimento dado em 2008, o Diretor Geral da OIT, Juan Somavia (OIT, 2011d), declarou que “direitos trabalhistas duramente conquistados devem estar no centro das lutas do século XXI por justiça social e uma globalização justa”2, fica claro, portanto que com a expansão do comércio internacional, normas trabalhistas “padrões” mostram-se cada vez mais necessárias, de modo que por possuírem um caráter universal possam ser aplicadas em todos os países. Além disso, a padronização

também

permite

uma

melhor fiscalização

pelas

autoridades

competentes, tornando qualquer desvio fácil de ser identificado. Outro desafio atual do comércio internacional seria a sua sustentabilidade em termos sociais, ou seja, é necessário encontrar o equilíbrio entre a globalização e os direitos humanos. Neste sentido: 99

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL para a implementação dos direitos humanos, emerge o desafio da construção de um novo paradigma, pautado por uma agenda de inclusão, que seja capaz de assegurar um desenvolvimento sustentável, mais igualitário e democrático, nos planos local, regional e global (PIOVESAN, 2002, p. 73).

Estes dois pontos de intersecção serão agora tratados em mais detalhes. 3.1 Normas internacionais de proteção ao trabalhador A Organização Internacional do Trabalho (OIT) ao ser criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes (o qual terminou a I Guerra Mundial), refletiu a crença de que a paz universal e duradoura só poderia ser realizada se estivesse baseada na justiça social e seus propósitos gerais foram: promover os princípios do direito do trabalho; oportunizar emprego e renda aos trabalhadores; aumentar a eficácia social dos direitos dos trabalhadores; fortalecer as organizações do trabalho; capacitar os sindicatos para tomarem decisões políticas, econômicas e sociais capazes de melhorar as condições de trabalho. Nota-se, portanto, o caráter social da organização. (FACHIN, 2008, p. 330)

A primeira Constituição da organização foi redigida entre janeiro e abril de 1919, pela Comissão do Trabalho instituída pela Conferência de Paz e teve como seu presidente Samuel Gompers, chefe da Federação Americana do Trabalho (AFL). A Comissão foi composta por representantes de nove países: Bélgica, Cuba, Checoslováquia, França, Itália, Japão, Polônia, Reino Unido e os Estados Unidos3. Embora a Constituição original tenha sido substituída pela Declaração de Filadélfia de 19444, o texto do preâmbulo manteve-se fiel aos princípios da organização: [...] Considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, e que o descontentamento que daí decorre põe em perigo a paz e a harmonia universais, e considerando que é urgente melhorar essas condições no que se refere, por exemplo, à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão-de-obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões 100

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio "para igual trabalho, mesmo salário", à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico, e outras medidas análogas [...] (OIT, 2011c, p. 2)

Com uma estrutura tripartite composta de representantes de governos e de organizações de empregadores e de trabalhadores em seus órgãos executivos, a OIT é responsável pela elaboração e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções e recomendações). As convenções, uma vez ratificadas pela decisão soberana de um país, passam a fazer parte de seu ordenamento jurídico. Cumpre salientar que a OIT desempenhou um papel significativo na formação das legislações trabalhistas e na elaboração de políticas econômicas, sociais e trabalhistas durante boa parte do século XX. Na economia globalizada de hoje, as normas internacionais do trabalho são um componente essencial no quadro internacional para garantir que o crescimento da economia global proporcione benefícios a todos. Para garantir a consecução de tais normas a OIT tem desenvolvido vários meios para fiscalizar a aplicação das convenções e recomendações, de modo a garantir que os países implementem efetivamente os documentos que ratificam. Existem dois tipos de mecanismo de supervisão: o sistema regular de supervisão e os procedimentos especiais. O primeiro é baseado na análise realizada por dois órgãos da OIT5 de relatórios periódicos apresentados pelos Estadosmembros sobre as medidas que tomaram para aplicar as disposições das convenções ratificadas e também de observações a este respeito enviadas por organizações de empregados e de empregadores. Já os procedimentos especiais, ao contrário do sistema regular de supervisão, são baseados na apresentação de uma representação ou uma queixa e podem versar sobre representações ou reclamações sobre a aplicação das convenções ratificadas ou sobre reclamações relativas à liberdade de associação6. 3.2 A busca pelo desenvolvimento equitativo no comércio internacional

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O desenvolvimento equitativo no âmbito do comércio internacional diz respeito ao aprimoramento do processo econômico em consonância com a esfera social, ou seja, buscar o desenvolvimento da economia mundial juntamente com a efetivação dos direitos humanos. Em 2008, durante a sua nonagésima sétima reunião, a OIT emitiu a Declaração sobre Justiça Social para uma Globalização Justa, a qual traz em seu preâmbulo o conflito dicotômico entre a globalização e a exclusão social: [...] Considerando que o contexto atual da globalização, caracterizado pela difusão de novas tecnologias, o fluxo de idéias, a troca de bens e serviços, o aumento dos fluxos de capitais e financeiros, a internacionalização do mundo dos negócios, bem como a circulação de pessoas, especialmente de trabalhadoras e trabalhadores, está remodelando profundamente o mundo do trabalho: - Em primeiro lugar, o processo de cooperação e integração econômica tem ajudado alguns países a se beneficiar de taxas elevadas de crescimento econômico e de criação de emprego, a incorporar muitas áreas rurais pobres na economia urbana moderna, avançar em suas metas de desenvolvimento e promover a inovação no desenvolvimento de produtos e circulação de idéias; - Por outro lado, a integração econômica mundial tem levado muitos países e setores a enfrentar grandes desafios em termos de desigualdade de renda, desemprego elevado e pobreza, a vulnerabilidade das economias a crises externas e o aumento tanto do trabalho desprotegido quanto da economia informal, que influem nas relações trabalhistas e na proteção que pode ser oferecida [...] (OIT, 2008, p. 5)7

Para enfrentar tal situação, Flávia Piovesan (2002, p. 74) sugere a adoção de uma nova estratégia de desenvolvimento a qual objetive não apenas o crescimento do PIB, mas que busque também uma profunda transformação social. Para ela, tal estratégia

deve

ter

a

pessoa

humana

como

centro

do

paradigma

de

desenvolvimento e envolver a participação do setor público e privado conjuntamente com a comunidade e os indivíduos. No que tange ao setor privado representado pelas empresas multinacionais as quais são, atualmente, as maiores beneficiárias da globalização econômica – é necessário que estas se empenhem em acatar as normas trabalhistas internacionais como a erradicação do trabalho infantil e do trabalho em condições análogas a de 102

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL escravo, mesmo que essas mudanças imponham um custo ao comércio. “A comunidade internacional tem um papel a desempenhar na promoção da adoção de políticas adequadas para proteger os trabalhadores contra os efeitos negativos da globalização” (RAMA, 2003, p. 35). Quanto ao setor público, o Estado necessita tomar ações visando a implementação dos direitos econômicos, sociais e culturais. A efetivação dos direitos econômicos, sociais e culturais não é mera obrigação moral dos Estados, mas sim uma obrigação que possui embasamento jurídico nos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, especialmente o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). Por fim, a cooperação entre organizações, empresas, Estados e indivíduos não deve se restringir somente às relações econômicas; é necessária a existência de rede internacional de fiscalização e implementação dos direitos humanos. Os contatos já estabelecidos em razão de operações mercantis devem ser um meio facilitador para tal, e não um entrave. 4. Conclusão A evolução do comércio internacional tornou possível uma integração de nível mundial nunca antes vista; produtos e serviços estão cada vez mais globalizados e as operações mais rápidas e confiáveis. Os mercados encontram-se mais abertos e flexíveis ocasionando impressionantes ganhos econômicos tanto para produtores quanto para consumidores. Entretanto, há um elo frágil nesta relação: o respeito aos direitos humanos, especialmente aos de âmbito social. Não são raras as ocasiões expostas pela mídia nas quais há violações de direitos cometidas em nome do progresso e dos lucros. Geralmente estas ocorrem no setor de produção de bens através da exploração de mão-de-obra extremamente barata, condições insalubres de trabalho, trabalho em condições análogas a de escravo e exploração do trabalho infantil. Embora sejam direitos de cunho social, são também considerados direitos humanos através dos princípios da universalidade e indivisibilidade destes. São universais porque a condição de pessoa humana é o 103

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL único requisito para sua dignidade e titularidade e são indivisíveis porque a garantia dos direitos civis e políticos é condição para a observância dos direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa, ou seja, “quando um deles é violado, os demais também o são” (PIOVESAN, 2002, p. 41). Contudo, não se encontram apenas divergências entre o comércio internacional e os direitos humanos; é possível conciliá-los através da busca de um desenvolvimento equitativo. Além disso, tratando-se de relações trabalhistas, a adoção de normas internacionais de proteção ao trabalhador contribui para conciliar crescimento econômico com desenvolvimento social, ao garantir condições dignas de trabalho. A fim de que existam mais convergências do que divergências entre os direitos humanos e o comércio internacional é necessário a junção de esforços do poder público e do poder privado, assim como também de organizações sociais e dos próprios indivíduos, diretamente envolvidos ou não. Políticas públicas para erradicar qualquer forma de exploração, conscientização das empresas e forte fiscalização são as formas mais diretas para que se inicie o processo do desenvolvimento equitativo. Outras mais indiretas existem, porém, seus resultados serão apresentados a longo prazo, como investimentos na educação em todos os seus níveis, combate à pobreza e às desigualdades sociais e conscientização política. De imediato, é necessário impedir que o critério econômico domine a agenda social como tem ocorrido nos últimos anos e dessa maneira evitar a distorção de como questões fundamentais de natureza social têm sido enfrentadas. Por fim, é necessário lembrar que nenhum país se sustenta economicamente sem democracia e sem que haja respeito aos direitos humanos em sua plenitude. Notas explicativas 1. Ademais, vários documentos normativos também contribuíram para a efetivação dos direitos humanos do homem trabalhador, dentre eles estão: o Manifesto do Partido Comunista (1848), a Encíclica Rerum Novarum (1891) e a Declaração de Direitos do Povo Trabalhador e Explorado (1918). 2. “Hard won rights at work must be at the heart of the 21st century struggles for social justice and a fair globalization”. Disponível em: http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/press104

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL and-media-centre/videos/video-interviews/WCMS_098936/lang--en/index.htm. Tradução e interpretação das autoras. 3. “The Constitution was drafted between January and April, 1919, by the Labour Commission set up by the Peace Conference, which first met in Paris and then in Versailles. The Commission, chaired by Samuel Gompers, head of the American Federation of Labour (AFL) in the United States, was composed of representatives from nine countries: Belgium, Cuba, Czechoslovakia, France, Italy, Japan, Poland, the United Kingdom and the United States”. Disponível em: http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/history/lang--en/index.htm. Tradução e interpretação das autoras. 4. O Brasil ratificou o instrumento de emenda da Constituição da OIT em 13 de abril de 1948, conforme Decreto de Promulgação n. 25.696, de 20 de outubro de 1948. 5. Comitê da Conferência sobre a Aplicação de Normas (Conference Committee on the Application of Standards) e Comitê de Peritos sobre a Aplicação de Convenções e Recomendações (Committee of Experts on the Application of Conventions and Recommendations). 6. “Unlike the regular system of supervision, the three procedures listed below are based on the submission of a representation or a complaint. 1) Procedure for representations on the application of ratified Conventions. 2) Procedure for complaints over the application of ratified Conventions. 3) Special procedure for complaints regarding freedom of association (Freedom of Association Committee)”. Disponível em: http://www.ilo.org/global/standards/applying -and-promoting-international-labour-standards/lang--en/index.htm. Tradução e interpretação das autoras. 7. “Considerando que el contexto actual de la globalización, caracterizado por La difusión de nuevas tecnologías, los flujos de ideas, el intercambio de bienes y servicios, el incremento de los flujos de capital y financieros, la internacionalización del mundo de los negocios y de sus procesos y del diálogo, así como de La circulación de personas, especialmente de trabajadoras y trabajadores, está modificando profundamente el mundo del trabajo: – por una parte, el proceso de cooperación e integración económicas ha ayudado a que algunos países se beneficien de altas tasas de crecimiento económico y creación de empleo, incorporen a muchos pobres de las zonas rurales en la economía urbana moderna, progresen respecto de sus objetivos de desarrollo y fomenten la innovación en la elaboración de productos y la circulación de ideas; – por otra parte, la integración económica mundial há llevado a muchos países y sectores a enfrentar grandes desafíos en lo relativo a la desigualdad de ingresos, lós altos niveles de desempleo y pobreza persistentes, La vulnerabilidad de las economías ante las crisis externas y el aumento tanto del trabajo no protegido como de La economía informal, que infl uyen en la relación de trabajo y la protección que ésta puede ofrecer”. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---dgreports/--cabinet/documents/publication/wcms_099768.pdf. Tradução e interpretação das autoras.

Referências BRASIL. Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 13 mar. 2004. 105

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL COSTA, Patrícia Trindade Maranhão. Combatendo o trabalho escravo contemporâneo: o exemplo do Brasil. / International Labour Office. ILO Office in Brazil / Brasília: Satellite Gráfica e Editora Ltda., 2010. v. 1. DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos humanos e cidadania. São Paulo: Moderna, 2004. FACHIN, Zulmar. Curso de direito constitucional. 3. e. São Paulo: Método, 2008. LIMA, Maurício Pessoa. O trabalho em condições análogas à de escravo no Brasil contemporâneo. In: Oficina Jurídica “Trabalho Escravo” no II Fórum Social Mundial, 2002, Porto Alegre. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao direito do trabalho. 35. e. São Paulo: Ltr São Paulo, 2010. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Applying and promoting International Labour Standards. Disponível em: http://www.ilo.org/global/standards/ applying-and-promoting-international-labour-standards/lang--en/index.htm. Acesso em: 03/11/2011 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Combatendo o trabalho infantil: Guia para educadores / IPEC. Material elaborado pelo CENPEC para o escritório da OIT no Brasil, no âmbito do Projeto “Professores, educadores e suas organizações na luta contra o trabalho infantil”. Brasília: OIT, 2001. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Constituição da Organização Internacional do Trabalho – Declaração de Filadélfia (1944). Disponível em: http://www.oit.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_ 538.pdf. Acesso em: 04/11/2011. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Declaración de la OIT sobre la justicia social para una globalización equitativa. Adoptada por la Conferencia Internacional del Trabajo en su nonagésima séptima reunión, Ginebra, 10 de junio de 2008. Disponível em: http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/--dgreports/---cabinet/documents/publication/wcms_099768.pdf. Acesso em: 04/11/2011. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO (OIT). Statement by ILO Director-General Juan Somavia on the occasion of World Day for Decent Work. Disponível em: http://www.ilo.org/global/about-the-ilo/press-and-mediacentre/videos/video-interviews/WCMS_098936/lang--en/index.htm. Acesso em: 03/11/2011. PIOVESAN, Flávia (Coord.). Direitos humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002. 106

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD). Relatório do Desenvolvimento Humano 2010 – Edição do 20º Aniversário. A Verdadeira Riqueza das Nações: vias para o desenvolvimento humano. Traduzido e publicado pelo Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD). Disponível em: http://hdr.undp.org/en/media/HDR10%20PT%20summary_without%20table.pdf. Acesso em: 06/11/2011. RAMA, Martin. Globalization and Workers in Developing Countries. Washington, DC: Development Research Group - World Bank, 2003. SANDRONI, Paulo. Novíssimo dicionário de Economia. São Paulo: Best Seller, 1999. http://www.observatoriosocial.org.br/portal/ http://www.oitbrasil.org.br/ http://www.ilo.org/ http://www4.planalto.gov.br/legislacao

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DIREITO COMERCIAL INTERNACIONAL: DIFICULDADES NO PROCESSAMENTO DE FALÊNCIAS EXTRANACIONAIS EM RAZÃO DO DISTANCIAMENTO LEGISLATIVO Juliana Hinterlang dos Santos, Universidade Estadual de Londrina, [email protected] Resumo: As legislações falimentares são, ainda hoje, legislações muito locais que em nada colaboram com a proteção das empresas multi e transnacionais em caso de crises econômico-financeiras. Em sua grande maioria, utilizam o princípio da territorialidade, com proteção aos credores internos, deixando à mercê as grandes empresas sediadas em mais de um Estado. Palavras-chave: falências extranacionais; princípio da territorialidade; crises econômico-financeiras. INTERNATIONAL COMMERCIAL LAW: DIFFICULTIES IN PROCESSING EXTRANATIONAL BANKRUPTCY BECAUSE OF THE LEGISLATURE REMOTENESS Abstract: The bankruptcy laws are, even today, local that in any way can't collaborate with the protection of multi and transnational companies in the event of economic and financial crises. Some laws use the principle of territoriality, with internal protection to creditors, leaving big companies, based in more than one state, at the law's mercy. Key-words: bankruptcy extranational; principle of territoriality; economic and financial crises. Introdução Com a mundialização dos negócios e o consequente aumento das pessoas físicas e jurídicas com bens patrimoniais em vários países, o direito concursal ainda permanece muito local, sendo que cada país opta por adotar medidas que estejam em consonância com seu ambiente político, econômico e jurídico. Tendo em vista as inúmeras diferenças existentes entre as legislações nacionais, busca-se analisar qual legislação deverá ser aplicada quando a falência atingir situações extranacionais, ou seja, quando as empresas possuem filiais, sucursais e até mesmo bens em outros países. Revisão de Literatura Com a globalização do mercado, o direito comercial e o direito internacional estão cada vez mais entrelaçados e, em razão disso, o direito comercial internacional é a área que mais carece de uniformização ou aproximação. José Maria Rossani Garcez (2003) entende que “Dentre os ramos do Direito, o 108

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL direito comercial internacional é aquele que, possivelmente mais reclame uniformização, pelo caráter de inegável necessidade que tem o comércio internacional de previsibilidade quanto as suas normas de regência”. Com exceção da Colômbia, grande parte dos outros países da América Latina adota o princípio da territorialidade e, no caso da Argentina, por exemplo, há preferência dos credores internos aos internacionais, como se depreende do art. 4º da lei 25.379. Quando credores e devedores possuem o mesmo domicílio, não há maiores dificuldades quanto à legislação aplicável, tampouco sobre os efeitos no exterior. O princípio da universalidade da falência é eficaz no direito interno, pelo que, aplica-se a legislação domiciliar. Porém, quando o devedor tem filiais, sucursais, bens ou dívidas no exterior, surgem dúvidas a respeito do juízo competente para a decretação da falência, a lei a ser observada, bem como os efeitos no plano externo. Resultados e Discussão Pelo princípio da territorialidade, os efeitos jurídicos de um processo de insolvência ficam restritos ao país em que se deu início. Desse princípio, decorrem duas situações que precisam ser consideradas. A primeira situação, não haverá consideração de bens do insolvente localizadas no exterior; na segunda, o tribunal não reconhecerá os efeitos de um processo estrangeiro que incida sobre bens do insolvente localizados no país. Amilcar de Castro (2008, p. 407) entende que se falência for declarada no Brasil, “o direito brasileiro será exclusivamente observado desde a competência geral para abri-la, para caracterizar o estado do devedor, as restrições a seus direitos, os efeitos da sentença declaratória e todo o processo, até seu encerramento, mais ainda a reabilitação do falido”. A legislação brasileira é iminentemente territorialista, de onde se conclui que, em falências iniciadas no Brasil, a lei brasileira é que será utilizada. Em contrapartida, pelo princípio da universalidade, os efeitos jurídicos são estendidos para qualquer estado em que se situem bens do falido, desde que, segundo Rechsteiner (2008) “todos os Estados onde estão localizados ativos do devedor e adotem nas suas legislações”. O certo é que a o princípio da universalidade seria o ideal quando se tratasse principalmente da situação de empresas multi e transnacionais, todavia, não é o que acontece atualmente, vez que as legislações são extremamente distintas e sem possibilidade de comunicação eficaz entre elas, pelo que a cooperação internacional é um instrumento necessário para o bom desenrolar do concurso internacional. Conclusão As legislações concursais são, ainda hoje, muito locais, não permitindo que as grandes empresas tenham acesso a um processamento falimentar, ou com o intuito de evitar a falência eficaz. A análise das legislações permite entender que o princípio da territorialidade é muito forte e, em razão disso, os juízos nacionais dependem da 109

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL cooperação dos demais juízos para tentar de forma eficaz garantir que as filiais, sucursais e os bens existentes no exterior, possam ser incluídos em um processo dessa natureza. Referências CASTRO, Amilcar de. Direito Internacional Privado. Rio de Janeiro: Forense, 2008. RECHSTEINER, Direito Internacional Privado. 11ª ed. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. ROSSANI GARCEZ, José Maria. Curso de Direito Internacional Privado. 2ª ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CLUSTERS COMO FORMA DE INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO EMPRESARIAL INTERNACIONAL Lina Andrea Santarosa Mussi - Mestre em Direito dos Empreendimentos Econômicos e Demandas Sociais da Universidade de Marília [email protected] Resumo: No contexto mundial onde a competitividade cada dia mais levanta desafios novos para a fixação de um produto ou sobrevivência empresarial no mercado, percebe-se que a inovação e a cooperação são formas desenvolvimento empresarial. Partindo-se da existência de um mercado transnacional, a criatividade vem se tornando um instrumento de competitividade, tanto no que diz respeito à contratação de trabalhadores que se enquadram neste perfil, quanto a busca de empresas que implementam um ambiente de trabalho propenso ao desenvolvimento da criatividade. E a cooperação empresarial estimula o processo de inovação, reunindo empresas, partilhando conhecimentos com a finalidade de desenvolver a aprendizagem que é inerente a inovação das empresas. Em seguida será estudado como a formação de clusters multissetorial apresentam vantagens potenciais e podem ser considerados como forma de desenvolvimento de uma região específica, onde pequenas empresas que individualmente não teriam potencial de exportação reúnem-se para explorar o mercado internacional. O presente trabalho encontra-se em andamento, e tentará demonstrar que através da formação de clusters se incentivará a inovação e o desenvolvimento empresarial. Palavras-chave: Cluster; desenvolvimento; inovação.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Sobre o conceito de Soberania Econômica no Direito Internacional Contemporâneo About the conception of Economic Sorveign on the Contemporary International Law Lucas Franco de Paula - Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, [email protected] Tânia Lobo Muniz - Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora Adjunta da Universidade Estadual de Londrina [email protected] Resumo: O conceito de Soberania do Estado cuja concepção pode ser historicamente localizada na Idade Média e Moderna e que dentre suas várias dimensões incluí a de Soberania Econômica, sofreu grandes transformações principalmente durante o século XX, diante da ascensão e desenvolvimento do processo de internacionalização econômica ou globalização econômica. Buscar-se-á então a partir de uma releitura dos conceitos clássicos de soberania e soberania econômica e de uma análise do processo de globalização, procurar aferir a sua dimensão dentro relações internacionais contemporâneas e fazer algumas breves reflexões do ponto de vista do direito internacional contemporâneo. Palavras-Chave: Contemporâneo.

Soberania

Econômica;

Globalização

Econômica;

Estado

Abstract: The concept of State Sovereignty whose design can be historically located in the Middle Ages and Modern and among its many dimensions that include the Economic Sovereignty, underwent major transformations especially during the twentieth century, before the rise and development of the process of economic internationalization or globalization economic. Search will then from a reinterpretation of the classical concepts of sovereignty and economic sovereignty and an analysis of the globalization process, seeking to assess their size in contemporary international relations and make some brief reflections from the standpoint of contemporary international law . Keywords: Economic Sovereignty; Economic Globalization; Contemporary State. Introdução Através de breves considerações o presente artigo visa estabelecer alguns breves parâmetros para uma análise a Soberania Econômica no Direito Internacional Contemporâneo. Para tanto, fará uma revisão bibliográfica conceitual sobre o conceito de soberania e seu desdobramento na área econômica, e uma análise sobre o processo de globalização e sua influencia sobre o Estado Contemporâneo e o antigo conceito de Soberania. 112

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Revisão de Literatura Entende-se por Soberania: “[...] o conceito político-jurídico de Soberania indica o poder de mando de última instância, numa sociedade política [...]” (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 2008, v. 2, p. 1179). Segundo Ferrajoli “Se o Estado é soberano internamente, ele o é por necessidade, não existindo fontes normativas a ele superiores, também externamente. Mas a sua soberania externa, juntando-se à soberania paritária externa dos outros Estados, equivale a uma liberdade selvagem que reproduz, na comunidade internacional, o estado de natural desregramento, que internamente a sua própria instituição havia negado e superado. É assim que a criação do Estado soberano como fator de paz interna e de superação do bellum omnium (guerra de todos) entre as pessoas de carne e osso equivale à fundação simultânea de uma comunidade de Estados que, justamente por serem soberanos, transformam-se em fatores de guerra externa na sociedade artificial de Leviatãs com eles gerada.” (FERRAJOLI, 2002, p. 20-21, itálicos no original). O Conceito operacional advindo do proposto por George Jellinek (transcrito na nota anterior) e por Paulo Márcio Cruz, de acordo com o qual “Estado Constitucional Moderno deve ser entendido como aquele tipo de organização política, surgida das revoluções burguesas e norte-americana nos séculos XVIII e XIX, que tiveram como principais características a soberania assentada sobre um território, a tripartição dos poderes e a paulatina implantação da democracia representativa.” (CRUZ; BODNAR, 2010, p. 56) Já Jean-Jacques Rousseau, concebe a Soberania como o exercício da vontade geral, apresenta mais duas características: a inalienabilidade e a indivisibilidade. A Soberania é inalienável porque “[...] só a vontade geral pode dirigir as forças do Estado em conformidade com o objetivo de sua instituição, que é o bem comum [...]”(ROUSSEAU, 2006, p. 33). Por razões similares a Soberania é indivisível, “[...] visto que a vontade ou é geral ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou unicamente de uma parte. No primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo, não passa de uma vontade particular [...]” (ROUSSEAU, 2006, p. 34-35). Resultados e discussão A internacionalização da economia ou globalização econômica A segunda análise a ser feita aqui centra-se em uma leitura de como alguns processo de transformação da economia mundial, o que também ficou conhecido como globalização econômica, à partir dos anos 70 do século XX, impulsionaram uma nova visão sobre as relações econômicas em nível internacional, que deixaram de se dar em nível local e regional, geograficamente limitada aos territórios nacionais, e adquiriram uma amplitude global, caracterizada pela hipermobilidade e a disseminação de capitais e ativos financeiros de alta complexidade, possibilitados pela crescente evolução tecnológica e nos meios de comunicação, no que denomina-se de um novo ciclo do modo de produção capitalista. 113

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Assim, neste novo ciclo capitalista, setores tradicionais do modo de produção que agora passava a prevalecer de forma praticamente hegemônica, centrado na indústria de produção de bens de capital, setor automobilístico, indústria química e tradicionais de produção. Setores então vetoriais, segundo Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto, (2002, p.106), são ofuscados pela a crescente opulência do setor financeiro e bancário internacional, envolvendo também fundos mútuos e fundos de pensão, que passam a exercer um papel fundamental para a economia “Do ponto de vista financeiro assistimos a uma circulação de capitais sem precedentes – circulação, esta, que se revela não só no advento de intrincados mecanismos de financiamento, como também na emergência de um certo virtualismo financeiro, representado pelas negociações especulativas não lastreadas em disponibilidade financeiras efetivas, mas que são possíveis dada a plena integração do sistemas financeiros em todo o mundo via telemática. Assim, o capital financeiro, que sempre fora apátrida, torna-se absolutamente desenraizado territorialmente e, destarte, praticamente incontrolável pelos mecanismos tradicionais disponíveis pelos diversos países integrantes do sistema financeiro internacional.” Uma primeira reflexão necessária se localiza nas conseqüências estruturais que o processo de internacionalização da economia infringiu sobre o Estado Nacional, aqui adotado na concepção de centro de poder decisório institucionalmente organizado (MARQUES, 202, p.103) e também sobre seus modelos tradicionais do ponto de vista econômico, marcados pelo Estado Liberal Clássico substituído pelo Estado Social e Intervencionista, de inspirações keynesianas, enquanto paralelamente ainda se via fora das economias do bloco capitalista, um modelo de Estado Socialista, impondo-se um enfoque no presente momento, pois como ressalta BresserPereira(2009, p.33), “a intervenção do Estado segue um padrão cíclico” e: “O processo histórico é o produto da contínua interação entre os dois principais mecanismos institucionais que coordenam os modernos Estados-nação – o Estado e o Mercado -, de tal forma que todas as economias avançadas são essencialmente economias mistas: elas não são puras economias de mercado, e muito menos regimes estatais. (BRESSER-PEREIRA,2009, p.32)”. Diante da natureza multicêntrica dos mercados financeiros globalizados, em cujo espaço os capitais passam a ser marcados pela hipermobilidade e as instituições disseminam ativos de alta complexidade, associados à transferência de risco entre sujeitos situados nas mais variadas regiões e continentes, os Estados Nacionais agem com enorme lentidão nos campos jurídico e judicial constatando-se graves falhas operacionais no exercício de sua função reguladora da atividade econômica (FARIA, 2011, p.141). Considerações Finais Reflexões sobre a soberania econômica no Direito Internacional Contemporâneo A primeira proposição é sobre a possibilidade do conceito de Soberania Econômica passar a ser substituído, na defesa dos interesses dos Estado Nacional, por perspectivas da autonomia e autodeterminação dos povos de independência da economia dos Estados 114

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Isto porque a Soberania foi concebida com base em relações de autoridade Estado x Indivíduo e Estado perante outros estados, para afirmar a entidade como não sujeita a nenhuma autoridade ou norma superior em nível internacional. Mas este entendimento, que já não encontra tanta realidade nas relações internacionais contemporâneas, em razão da construção do direito internacional pelo próprio exercício “soberano” dos poderes Estatais, e sujeição à essas normas, também não se reproduz na área econômica, diante da abertura de quase todas economias e do fenômeno da globalização e internacionalização da economia, que impede que se invoque a soberania econômica como insujeição a qualquer regra ou como motivo para levantamento de barreiras e restrições comerciais. Entretanto, interesses nacionais econômicos podem sim serem desenvolvidos, mas sem a invocação autoritária de um principio que talvez já não corresponda à realidade do Direito Internacional, mas sim com a utilização da independência econômica nacional e da autodeterminação dos povos, sendo que o Estado deve agir como representante, na área econômica, do poder político e dos interesses dos nacionais que representa, e não pura e simplesmente utilizando medidas de política econômica justificáveis em si mesmo ou para manutenção do seu aparelho burocrático. Estado deve garantir uma economia sadia e desenvolvimento e fundamentar sua intervenção nela utilizando princípios jurídicos que remontam à atual relação entre Estado a Sociedade que representa e o constituí e não apenas reproduzindo uma construção teórica de soberania que remonta à uma relação de autoridade entre Estado e os indivíduos, conforme desenvolve Luigi Ferrajoli. Referências ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social: princípios do direito político. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. Título original: Du contrat social: principes du droit politique. PETERS, Anne. Humanity as the Α and Ω of sovereignty. The European Journal of International Law, v. 20, n. 3, p. 513-544, 2009. Disponível : . Acesso em: 5 jan. 2011. HABERMAS, Jürgen. The postnational constellation: political essays. Tradução para o inglês de Max Pensky. Cambridge: MIT Press, 2001. Título original: Die postnationale Konstellation. FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. Tradução de Carlo Coccioli e Márcio Lauria Filho. São Paulo: Martins Fontes, 2002. Título original: La sovranità nel mondo moderno. CRUZ, Paulo Márcio; BODNAR, Zenildo. A transnacionalidade e a emergência do estado e do direito transnacionais. In: CRUZ, Paulo Márcio; STELZER, Joana (Org.). Direito e transnacionalidade. Curitiba: Juruá, 2010. cap. 2.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CRUZ, Paulo Márcio. Da soberania à transnacionalidade: democracia, direito e estado no século XXI. Itajaí: Universidade do Vale do Itajaí, 2011. BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2012. BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BODIN, Jean. Les six livres de la république: un abrégé du texte de l‟édition de Paris de 1583. Edição de Gérard Mairet. Saguenay: [s.n.], 2011. Disponível em: . Acesso em: 22 jan. 2012. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Tradução de Carmen C. Varriale et al. 13. ed. Brasília: UnB, 2008. Título original: Dizionario di política. 2 v. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito econômico. São Paulo: Celso Bastos, 2004, p. 133.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DISTINÇÕES CONCEITUAIS ENTRE DIREITO DE INTEGRAÇÃO E DIREITO COMUNITÁRIO E SUAS ATUAÇÕES NOS PROCESSOS DE INTEGRAÇÃO DOS ESTADOS CONCEPTUAL DISTINCTIONS BETWEEN INTEGRATION LAW AND COMUNITY LAW AND IT’S ATUATIONS ON THE STATES INTEGRATION PROCESS Natalia Maria Ventura da Silva Alfaya Universidade Estadual de Londrina [email protected] Tânia Lobo Muniz Universidade Estadual de Londrina [email protected] RESUMO: O presente artigo acadêmico visa analisar brevemente o as distinções conceituais entre o Direito de Integração e o Direito Comunitário e seus surgimentos históricos com o objetivo de distinguir entre ambos e possibilitar o melhor entendimento das possibilidades que cada um deles apresenta às relações entre Estados enquanto estes manifestam disposição para formar blocos regionais. Palavras-chave: Direito de Integração; Direito Comunitário; distinções conceituais. ABSTRACT: This article aims to analyze briefly the academic conceptual distinctions between Law and Integration Community law in order to distinguish between them and enable a better understanding of the opportunities that each presents to the relations between states while they express willingness to form regional blocs . Key-words: Integration Law; Community Law; conceptual distinctions. INTRODUÇÃO Embora sejam ramos novos e próximos, existem distinções conceituais importantes entre o Direito de Integração e o Direito Comunitário. Estas distinções conceituais fazem com que os Estados que elegem uma ou outra sistemática leva os processos de formação de blocos econômicos por caminhos distintos podendo resultar, inclusive, em graus de integração e cooperação diversas entre os Estados. É a intenção deste trabalho diferenciar os conceitos envolvidos e os graus de integração possíveis. REVISÃO DE LITERATURA O Direito de Integração e o Direito comunitário são dos mais recentes ramos do direito. Pelo próprio objeto a que se dedicam, qual seja, as relações entre Estados em vias de formar blocos regionais, estes ramos se expandem além das fronteiras dos direitos internos das nações.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Embora tratem de um mesmo objeto são leituras e processos baseados em premissas distintas, guiando, assim, os Estados por caminhos diferentes com resultados diversos. O Direito de Integração pode ser entendido como o sistema guia a integração de países de realidade, cultura, estágios de desenvolvimento e idioma distintos de forma a cooperarem e alcançarem melhoras coletivas Tendo se originado do Direito Internacional Público, o Direito de Integração deu um passo além, se preocupando em garantir mecanismos que facilitem aos Estados que se reúnam em grupos, se integrem, para chegarem a melhores resultados daqueles que seriam possíveis se agissem isoladamente. O Direito Internacional Público é um grande sistema, geral e abrangente, que envolve todas as nações visto que, no atual estagio do desenvolvimento humano, é impossível que um Estado feche suas fronteiras, interrompa seu comercio com o restante dos países e se mantenha por conta própria. Desta forma, mesmo os Estados mais isolacionistas, como no caso dos que mantem um regimes não democráticos, estão abrangidos no âmbito do Direito Internacional público, na medida em que comercializam e se relacionam com outros Estados. Já o Direito de Integração é algo mais específico, restrito a um grupo determinado de países que decidem avançar um passo nesta cooperação internacional e se unem no intuito de coordenar suas condutas e estabelecer instituições em comum. Este processo de integração entre um grupo determinado de Estados, a formação e desenvolvimento destas instituições em comum é chamado de integração regional, e o resultado (embora sempre dinâmico e em construção) são os blocos regionais. Há que de destacar neste novo ramo do direito que ele desafia conceitos considerados intocáveis, como a idéia de soberania nacional. Quando um país entra em um bloco regional, tenha o bloco o objetivo e a forma que tiverem, ele compartilha parte de sua soberania ao se comprometer a seguir os preceitos estipulados em comum acordo com os outros países-membros. Segundo Roberto Luiz Silva e Maria Teresa de Carcomo Lobo em suas obras Direito Comunitário e de Integração e Manual de Direito Comunitário (SILVA, 1999; LOBO, 2001), respectivamente, todo o movimento histórico de Guerras Mundiais e globalização produziu resultados não só na realidade fática como também na realidade do Direito, esses resultados jurídicos são justamente o Direito Comunitário (que será visto em item próprio) e o Direito de Integração. Ainda segundo estes doutrinadores, houve a necessidade de criar uma nova forma de pensar o Direito, um Direito mais amplo e abrangente, não tão coercitivo e imposto, algo mais “flexível” e que envolvesse cada vez mais instituições e Estados. Cumpre explicar, em linhas muito rápidas, o que seria esse novo direito, chamado por alguns de “Direito Reflexivo” e citado na obra acima referida de Roberto Luiz Silva (SILVA, 1999). É um direito oriundo da negociação ao invés da coerção, um direito que não está preocupado em impor um direcionamento para os rumos da sociedade, mas sim em agir como um guia procedimental de condutas dentro do que é traçado pela própria sociedade. Chega um momento em que, devido à intensa interpenetração entre campos sociais e a complexidade social gerada no pós-guerras, o Direito teve que admitir que seu papel não é mais o de coercitivamente estruturar e regular a sociedade, sua 118

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL contribuição é mais bem-vinda no sentido de coordenar as estruturar e regulamentações já existentes na sociedade e preencher suas possíveis lacunas. Em outra palavras, o Direito passa a seguir a sociedade ao invés de a sociedade seguir o Direito. A crise e desestruturação mundiais, trazidas pelas Grandes Guerras Mundiais geraram uma espécie de “soft-law”, composta por normas jurídicas menos impositivas e/ou sancionatórias. Uma justiça informal, a arbitragem e a desregulamentação compõem uma tendência de formação de uma forma de “lex mercatória” mundial, com a imposição e coerção Estatal dando espaço para a negociação, as convenções e os “acordos de cavalheiros” (SILVA, 1999). RESULTADOS E DISCUSSÃO É possível dizer que o Direito Comunitário é resultado da formação da União Européia. Esse direito é um sistema de normas e atos que se originam das instituições supranacionais (entre elas, v.g., o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia) tendo como função criar um Direito que se sobreponha a todo o bloco europeu. Diferentemente do Direito Internacional Público e do Direito de Integração, em termos de objeto, o Direito Comunitário trata de normas supranacionais, regras que são direcionadas aos Estados que integram o bloco regional, essas regras supranacionais possuem fontes próprias e força coercitiva frente aos Estadosmembros, vindo sobre tudo dos tratados-quadro, como o Tratado de Maastricht, no caso da União Europeia. Como outras fontes do Direito Comunitário, Paulo Borbo Casella (CASELLA, 1994) relaciona as diretrizes, as resoluções e as decisões baixadas pelos órgãos comunitários de natureza legislativas, administrativa ou judiciária. Por constituir disciplina jurídica própria, o Direito Comunitário vale-se de instrumentos hermenêuticos oportunos sem necessariamente recorrer àqueles utilizados pelo Direito Interno ou Direito Internacional Público, privilegiando sempre a interpretação teleológica ou finalística. Entretanto, por ser ramo recente, o Direito Comunitário importa algumas fórmulas e instituições já existentes para desenvolver suas próprias fórmulas e instituições. O Direito Comunitário é uma evolução do Direito de Integração, Direito Internacional Público e, em última instância, do Direito Interno, assim é natural que se baseie em modelos de seus antecessores e os melhore e adapte a suas novas necessidades. Resumidamente, o Direito Comunitário: “...possui princípios específicos, dentre os quais o da autonomia, da aplicabilidade direta e da supremacia de suas regras com relação às normas internas de cada Estado. Tais princípios, que já encontram plena aplicação no seio da União Européia, importam numa flexibilização do conceito de soberania, sobretudo quanto à idéia de supremacia absoluta da ordem jurídica interna.” (SILVA, 1999, p. 41).

A União Européia, ao contrário do que acontece com outros blocos regionais, tem a fonte do poder comunitário baseada na soberania originária de cada Estado119

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL membro. Isso quer dizer que, embora a ordem jurídica comunitária se sobreponha as ordens jurídicas internas dos países, o poder constituinte comunitário não se concentra na União, mas sim nos Estados-membros, que o exercem coletivamente. A supranacionalidade existente na União Européia está no meio do caminho entre o individualismo internacional, que considera a soberania estatal intocável e não aceita restrições de qualquer sorte a esta soberania, e a federação formada por Estados subordinados a um “super-Estado” dotado de soberania territorial própria. É importante esclarecer que o Direito Comunitário é o próximo passo de uma evolução formada por Direito Interno, Direito Internacional Público e Direito de Integração. O Direito Comunitário vai além de todos os seus predecessores, quando não se preocupa apenas com se e de que modo os tratados e demais documentos internacional reconhecidos serão incluídos no ordenamento jurídico de cada país. O grande objetivo do Direito Comunitário é maior que este, o objetivo é a formação de normas e regras que serão reconhecidas por todos os Estados quando forem se unir nos chamados Blocos Econômicos ou em Organizações Internacionais, sejam elas regionais ou universais, ou outros tipos intercâmbio supranacionais. O Direito Comunitário, diferentemente do direito de Integração, é formado pelas organizações e comunidades internacionais no qual está inserido, enquanto o Direito de Integração regula como se formam essas organizações e comunidades e para por ai, o Direito Comunitário segue regendo o funcionamento, ampliação e aprofundamento da comunidade em que se encontra inserido. CONCLUSÃO Pela breve apresentação de conceitos acima ficam claras as distinções entre os sistemas Direito de Integração e Direito Comunitário. É importante que tais sistemas não sejam confundidos, uma vez que a aplicação de um ou de outro à um processo de integração entre Estados levará tal processo por caminhos distintos e trará resultados diversos. A escolha de um ou outro sistema depende do objetivo determinado pelos Estados para que o bloco a ser formado alcance. Se for desejada uma cooperação entre os Estados sem que haja uma figura superior a eles, estabelecendo todas as obrigações em conjunto através de Tratados e demais documentos de Direito Internacional, então é de ser utilizado o Direito de Integração. Por outro lado, se a intenção é que o bloco se torne unido a ponto de criar instituições capazes de impor obrigações aos Estados-membros, independente de estes aceitarem especificamente estas obrigações, então é o espaço para o Direito Comunitário. Pode-se dizer finalmente que o Direito Internacional Público, Direito de Integração e o Direito Comunitário, nesta ordem, formam uma linha evolutiva da forma de pensar as relações entre os Estados.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REFERÊNCIAS CASELLA, Paulo Barbosa. Comunidade Européia e seu Ordenamento Jurídico. São Paulo. LTr, 1994. LOBO, Maria Teresa de Carcomo. Manual de Direito Comunitário. Curitiba. Juruá, 2001. SILVA, Roberto Luiz. Direito Comunitário e de Integração. Porto Alegre. Síntese, 1999. STELZER, Joana, União Européia e supranacionalidade: desafio ou realidade?. Curitiba. Juruá, 2006.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DO DEVER FUNDAMENTAL DE PROTEÇÃO AO MENOR THE FUNDAMENTAL DUTY OF CHILD PROTECTION Renato Lovato Neto. Universidade Estadual de Londrina. [email protected] Resumo: Os deveres fundamentais constituem deveres autônomos em relação aos direitos fundamentais, de aplicabilidade imediata mitigada e previsão infraconstitucional reduzida. O dever fundamental de proteção ao menor surge em previsão do artigo 227 da Constituição Federal de 1989 e determina como titulares de tutela específica toda criança e adolescente com relação a sua família, à sociedade e ao Estado, pressupondo uma responsabilidade subsidiária com família como principal devedora de guarda. A tutela especial se justifica pela posição hipossuficiente do menor de idade, de extrema vulnerabilidade, bem como pelas mazelas que a violência doméstica pode causar no normal desenvolvimento do ser humano. Assim, esta tutela especial deve ser despendida com absoluta prioridade na efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Palavras-chave: Deveres Fundamentais. Tutela Especial do Menor. Criança e Adolescente. Violência Doméstica. Abstract: The fundamental duties constitute autonomous duties in regards to the fundamental rights, havin immediate aplication and under constitutional prediction reduced. The fundamental duty of child protection comes from the article 227 from the Constituição Federal from 1989 e determines as holders of a special guardianship every underage in regards to his family, the society and the State, presupposing a subsidiary responsability with the family as the main guard debtor. The special guardianship is justified by the weaker position of underage, with extreme vulnerability, as by the ills brought by the domestic violence that can cause in the normla development of the human being. This special guardianship should be given with absolute priority in the enforcement of fundamental rights of children and adolescents. Keywords: Fundamental Duties; Special Guardianship of the Underage; Child and Adolescent; Domestic Violence.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 1 INTRODUÇÃO Os deveres fundamentais correspondem a deveres autônomos em relação aos direitos fundamentais, que têm como titulares indivíduos, coletividades ou o Estado e a finalidade de garantir a preservação das instituições públicas e da ordem jurídica constitucional vigente. A existência de deveres fundamentais resta como fator para a manutenção equilíbrio entre os sujeitos na relação entre Estado e sociedade, na qual há de equiparar direitos e deveres fundamentais recíprocos, quer dizer, tanto o primeiro como os cidadãos contidos na segunda têm deveres entre si, o que viabiliza o desfrute de direitos. O trabalho tem por objetivo a explanação de conceitos relacionados ao dever fundamental de proteção à criança e ao adolescente, com especial ênfase ao seus sujeitos e o motivo da existência desta tutela especial. A obra visa à elucidação acerca da proteção específica do menor (importante fase do desenvolvimento do ser humano e de proteção extremamente interessante ao Estado e à sociedade) e desenvolve observações quanto à teoria geral dos deveres fundamentais, bem como os limites do seu alcance, sua aplicação imediata e a criação de novos via legislação infraconstitucional, partindo da sua gênese histórica. Dessarte, tais questões serão objeto das deliberações exibidas na presente, com a finalidade de compreender a atuação do Direito pátrio em frente ao desrespeito à integridade física e moral da criança e do adolescente e o porquê do tratamento diferenciado. A análise deste dever fundamental resulta da assimilação dos trabalhos dos doutrinadores mais respeitosos (com a reflexão sobre eventuais divergências no tratamento jurídico) e algumas breves conclusões com base nas premissas delineadas pelos autores. Assim sendo, o estudo tem o fim de destacar os instrumentais oriundos da previsão constitucional e do Estatuto da Criança e do Adolescente para tutela do menor e de quais mecanismos o ordenamento pátrio dispõe para tutelar os bens 123

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL jurídicos constitucionalmente elencados, quais sejam, a integridade física e mental do menor com o fim de viabilizar a plena evolução de sua personalidade, seja no bojo da família ou no âmbito social e do Estado. 2 OS DEVERES FUNDAMENTAIS 2.1 ORIGEM DOS DEVERES FUNDAMENTAIS A categoria de deveres em tese é oriunda dos deveres humanos, que constituem deveres morais impressos no sentimento social dos indivíduos por toda a história das sociedades, tais como não matar, ser justo ou não praticar o mal a ninguém, que não são prescritos pelo Estado ou por um ordenamento jurídico e sim pelos parâmetros que ditam o modo de agir imprescindível para a vida em sociedade, decorrentes do próprio ser humano. Destarte, os deveres fundamentais se caracterizam como esses, porém objetivados em uma Constituição e que consolidam pressupostos para a realização de direitos e garantias fundamentais por parte do Estado. Os deveres fundamentais mais basilares do ordenamento jurídico oriundos dos deveres humanos, que podem ser aferidos até mesmo sem o estudo do sistema constitucional em caso concreto, consistem na condição de respeitar o próprio conjunto de normas jurídicas pátrio e a situação jurídica alheia, quer dizer, todo indivíduo deve sagrar a concretizar da legislação abstrata e não interferir arbitrariamente e desproporcionalmente na esfera de direitos dos outros. Alguns autores (Siqueira, 2011, e Alcântara, 2011) apontam os escritos bíblicos e religiosos como a origem dos deveres humanos, que, por sua vez, resultaram nos deveres fundamentais. Todavia, a crença que alguma divindade tenha fomentado a criação de papiros com potencial para cravar o modo de agir de toda a humanidade não pode servir de aporte para fatos tão decisivos para a vida em sociedade – justamente porque o argumento de que deveres básicos para a coexistência social, surgiram a partir de ordens de algum deus resta surreal, na medida em que deveres desta espécie equivalem à essência do convívio em 124

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sociedade e, na realidade, procedem tão somente do cotidiano social, não de mandamentos de seres extraterrenos. Portanto,

as

escrituras

religiosas

configuram

as

primeiras

instrumentalizações de deveres humanos e, considerando que grande parcela da população tem crenças religiosas, nada mais normal que os criadores de leis – analisados em sua singularidade – imprimam seus ideais que consideram sagrados e julgam os mais apropriados para reger os cidadãos alcançados pela sua jurisdição, quando, na real, apenas imputam normas comuns a qualquer meio social, não importando a religião e sem qualquer interação divina (com exceção de normas muito peculiares ou determinações com base apenas em concepções teológicas, como vedação do casamento homossexual ou ao aborto, o que fere diretamente a dignidade da pessoa humana dos afetados), mas sim a evolução natural das legislações por todo o mundo, isto é, o dever ser em sua constante mutação para se adequar ao ser ou modificá-lo. Quer dizer, as normas que primeiramente imprimiram deveres humanos não advêm de iluminações divinas, mas somente de determinações gerais que podem ser encontradas em qualquer sociedade e que subconscientemente o legislador normatizou acreditando ser alguma inspiração sagrada, o que não tira o mérito destas escrituras serem, assim, os primeiros registros de espécies de deveres humanos, hoje muito mais complexos. A explicação com embasamento filosófico mais palpável pousa sobre a moral e as virtudes, como deveres éticos que traduzem o melhor meio de atuar em sociedade em prol de todos outros inseridos nessa, tal como Immanuel Kant identifica como imperativo categórico – que, de uma forma geral, pretende apontar como se conduzir perante a coletividade, mas cai em inutilidade perante uma pessoa fora do chamado juízo do homem médio. Assim sendo, a moral e a motivação do homem virtuoso como ideal – pensamento capitaneado por Marco Túlio Cícero em De officis (Dos Deveres) – consistem na gênese dos deveres humanos, que evoluíram e foram positivados em ordenamentos jurídicos, para então migrarem à objetivação em Constituições,

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL quando então ganharam a alcunha de deveres fundamentais, imprescindíveis ao Estado Social Democrático de Direito. 2.2 DEVERES FUNDAMENTAIS COMO CATEGORIA PER SE Ao contrário do que decorre de uma análise superficial do tema, os deveres fundamentais não são meras limitações aos direitos fundamentais, e muito menos apenas o contrário destes, isto é, não são somente paradigmas que cerceiam direito direitos ou correspondentes diretos deles. Ora, os deveres fundamentais abarcam categoria autônoma e, muito embora existam alguns que se enquadrem nestas condições, possuem sistemática própria, com tratamento constitucional diverso do despendido aos direitos. Sarlet (2008, p. 243) escreve que: A existência de deveres conexos a direitos (...), não afasta a circunstancia de que os deveres fundamentais constituem uma categoria constitucional autônoma, especialmente por não poderem ser confundidos com as restrições e limitações de direitos fundamentais, ainda que possam servir de justificativa constitucional para eventuais limitações ou restrições.

O princípio da assinalagmaticidade ou assimetria entre direitos e deveres fundamentais alicerça o estado de liberdade e inibe a correspondência absoluta entre eles (Canotilho, 2003, p. 533). Todavia, importa destacar que existem deveres conexos com direitos fundamentais, isto é, há deveres fundamentais não autônomos tanto como outros independentes. 2.3 DIMENSÕES DE DEVERES FUNDAMENTAIS A classificação em dimensões dos direitos fundamentais pode ser perfeitamente aplicada a esses deveres. A primeira consolida deveres de cunho individual, a segunda, os que pretendem a materialização da igualdade, na terceira há os difusos, coletivos e metaindividuais, ligados à solidariedade, que visam à proteção do meio ambiente, do patrimônio público e do direito consumerista, bem 126

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL como o especial dever de recolher tributos – que abastecem os cofres públicos que subsidiam a máquina estatal – e, na quarta, considerada apenas por alguns doutrinadores, a democracia surge como dever fundamental (pois ela não pode ser deixada à vontade momentânea da sociedade de exercê-la na sua qualidade de direito fundamental, sendo determinante a sua conformação como dever e exigindo o cumprimento, por meio da escolha de representantes e participação ativa na vida política). Da mesma forma, assim como há direitos de abstenção e direitos de prestação (jurídica ou material), existem deveres defensivos ou negativos e deveres fundamentais prestacionais ou positivos, como aponta Sarlet (2008, p. 242), que ainda destaca a dificuldade de enquadrar alguns direitos em uma só categoria – com exemplos dos deveres de defesa e promoção da saúdo, do meio ambiente e do patrimônio cultural –, o que transforma classificações como esta em apenas um subsídio didático, sem grandes aplicações concretas. 2.4 DEVERES FUNDAMENTAIS EM ESPÉCIE NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Siqueira (2011) arrola alguns deveres fundamentais presentes no texto da Constituição Federal de 1988 (CF/88), como o: (...) dever de respeito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (art.5º, caput); dever de fazer ou deixar de fazer algo em virtude da existência de lei (art. 5º, II da CF); dever de indenização por dano material, moral ou à imagem (art. 5º, V e X, da CF); dever de respeito à liberdade de consciência e cresça (art. 5º, VI-VIII, da CF); dever de respeitar a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem e a casa do indivíduo, bem com sua correspondência, comunicações telegráficas de dados e telefônicas (art. 5º, X a XII, da CF); dever de respeitar a propriedade (art. 5º, XXII, da CF); dever de atender à função social da propriedade (art. 5º, XXIII, da CF); dever de prestar ajuda ao Estado e/ou à sociedade em caso de iminente perigo público (art. 5º, XXV, da CF); dever de respeitar as criações alheias, bem como seu valor (art. 5º, XXVII a XXIX, da CF); deveres de alistamento eleitoral, de votar e de filiação partidária para se eleger (art. 14, da CF); dever de alistamento militar (art. 143 da CF); dever de pagar tributos (arts. 145 a 162, da CF); dever de contribuir para a

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL seguridade social (arts. 194 e 195); dever de educar (art. 205, da CF); dever de promover e proteger o patrimônio cultural (arts. 215 e 216, da CF); dever de preservar o ambiente (art. 225, da CF); deveres conjugais (art. 226, §5º, da CF); dever de dar suporte à criança e a ao adolescente (art. 227, da CF); dever de amparar as pessoas idosas (art. 230, da CF).

Importa salientar que a supracitada lista não se mostra exaustiva, mas resulta em uma tentativa válida do jurista de enumerar deveres fundamentais contidos no texto constitucional, tarefa de difícil efetivação, porque eles se confundem, em caso concreto, com meras restrições aos direitos fundamentais quando implícitos, até pela falta de estudos mais aprofundados sobre o tema, principalmente em solo brasileiro. Ainda, os deveres fundamentais não gozam de rubrica específica, tal como os direitos e garantias fundamentais no Título II da CF/1988, embora estejam previstos, de forma imprópria e menos explícita, no Capítulo I, como deveres individuais e coletivos, ao lado dos direitos, que, por óbvio, remetem aos direitos fundamentais, enquanto aqueles seriam os deveres fundamentais. A previsão de deveres nas palavras da Carta Maior recebe crítica de José Afonso da Silva (1992, p. 179), que disserta: Os conservadores da Constituinte clamaram mais pelos deveres que pelos direitos. Sempre reclamaram que a Constituição só estava outorgando direitos e perguntavam onde estariam os deveres? Postulavam, até que se introduzissem aí deveres individuais e coletivos. Não era isso que queriam, mas uma declaração constitucional de deveres, que se impusessem ao povo. Ora, uma Constituição não tem que fazer declaração de deveres paralela à declaração de direitos. Os deveres decorrem destes na medida em que cada titular de direitos individuais tem o dever de reconhecer e respeitar igual direito do outro, bem como o dever de comportar-se, nas relações inter-humanas, com postura democrática, compreendendo que a dignidade da pessoa humana do próximo deve ser exaltada como a sua própria. (grifo nosso)

A apreciação do renomado jurista não se firma como a mais adequada à sistemática constitucional, pois não há como ignorar a existência de deveres de extrema importância à própria sustentação das prescrições da CF/88 prescritos no texto dela própria. Não obstante, com objetividade, José Afonso da Silva aponta os 128

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL deveres fundamentais que formam o alicerce de todos os outros, quais sejam, o respeito ao ordenamento jurídico constitucional e aos direitos de outrem, o que tem sua medição por uma espécie de imperativo categórico com a dignidade como fator norteador. Ademais, enquanto Siqueira (2011) arrola deveres fundamentais com titularidade dos cidadãos, Silva (1992, p. 179) aponta deveres no Artigo 5º da CF/88 com destinatário o Poder Público e seus agentes, mais relacionados ao funcionamento do Poder Judiciário, como: (...) o dever de propiciar ampla defesa aos acusados, o dever de só prender alguém por ordem escrita de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressões militares e crimes propriamente militares, o dever de comunicar a prisão de alguém e o local onde se encontre ao juiz competente e à família do preso, o dever de informar ao preso os seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, assegurada a assistência da família e de advogado, o dever de identificação, ao preso, dos responsáveis por sua prisão ou interrogatório, o dever de respeitar a integridade física do preso etc. (art. 5º, XLIX, LXII, LXIII e LXIV).

Por fim, vale destacar o pensamento do doutrinador português Canotilho (2003, p. 532) perfeitamente aplicável ao Direito Constitucional nacional, quando comenta o elenco de deveres fundamentais da Constituição portuguesa: A Constituição não consagra, no entanto, um catálogo de deveres fundamentais à semelhança dos direitos fundamentais. Há apenas deveres fundamentais de natureza pontual necessariamente baseados numa norma constitucional ou numa lei mediante autorização constitucional.

2.5 APLICAÇÃO IMEDIATA E DEVERES EXTRACONSTITUCIONAIS A aplicabilidade imediata compõe raridade em matéria de deveres fundamentais, o que se evidência pela não menção deles no Artigo 5º, §1º, da CF, e, para a sua imposição sem permeios legislativos, há de se ter máxima cautela. Na realidade, a grande maioria deles carecem de uma intervenção do legislador ordinário, com o fim de materializá-los em relação a procedimentos concretos, mas 129

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL não se resumem a normas programáticas, até porque possuem um certo grau de aplicação, da mesma forma que os direitos fundamentais. Sarlet (2008, p. 243) aponta que os deveres fundamentais podem ter aplicação imediata, mas que estas características devem ser analisadas diferentemente do modo que acontece com os direitos: (...) especialmente quando se cuidar da imposição, diretamente deduzida de deveres fundamentais (sem mediação legislativa) de sanções de natureza penal, administrativa e mesmo econômica, há que ter a máxima cautela e render sempre a devida homenagem ao principio da legalidade e seus diversos desdobramentos, entre outros. Em sentido contrário, no âmbito jurídico-consticuional lusitano, prevalece o entendimento de que, diversamente do que ocorre com os preceitos consticuionais relativos aos direitos, liberdades e garantias, que são diretamente aplicáveis (ainda que nem sempre exeqüíveis), os preceitos relativos aos deveres fundamentais, de acordo com a posição dominante, são apenas indireta ou mediatamente aplicáveis. (grifo nosso)

O Artigo 5º, §2º, da CF, prevê que o rol delineado no texto constitucional não exclui outros direitos e garantias fundamentais decorrentes da análise sistemática do ordenamento jurídico ou de tratados e convenções internacionais, o que não pode ser considerado em questão de deveres, na medida em que não existe a cláusula de abertura para a constatação de deveres fundamentais extraconstitucionais – o que não

inviabiliza

a

prescrição

de

deveres

desta

categoria

via

legislação

infraconstitucional, desde que respeitados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, além da legalidade, visto que restringem a esfera de liberdades individuais e, consequentemente, afetam a dignidade humana. 3 DEVER

FUNDAMENTAL

DE

PROTEÇÃO

À

CRIANÇA

E

AO

ADOLESCENTE A Constituição Federal de 1988 garante ao menor um rol de direitos fundamentais e coloca como dever da família, da sociedade e do Estado a sua efetivação, determinados de forma exemplificativa no caput do Artigo 227:

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...)

Assim, a Carta Magna previu ao menor de forma prolixa direitos fundamentais fora do elenco do Artigo 5º que, na realidade, são comuns a todo e qualquer ser humano, isto é, não há como se falar que somente à criança e ao adolescente há, por exemplo, o direito à cultura (previsto no Artigo 215), à dignidade (Artigo 1º, inciso III) e à vida e liberdade (Artigo 5º, caput), pois são direitos fundamentais e humanos, de conotação universal. A CF/88 pretende, na realidade, a implementação de uma tutela especial ao ser humano em desenvolvimento, com idade até dezoito anos, carente de atenção específica até atingir determinada idade, quando o ordenamento jurídico entende que ele tem o discernimento necessário para agir e pensar por si só. Desta forma, a Constituição concretiza um mecanismo de proteção ao menor, formado pelo empenho específico de concretizar os direitos fundamentais em situação em que se trata de menores de idade, devido a sua condição frágil. Isto se deve à faceta do direito fundamental à igualdade que se reflete na igualdade material, ou seja, a legislação prevê um desequilíbrio de tratamento em prol da criança e do adolescente com o objetivo de deixá-los em condição de pleno e são crescimento. Assim sendo, no momento em que se trata de menores de idade, os direitos fundamentais ganham compreensão diversa da despendida com relação ao restante dos sujeitos, tendo a sua efetivação prioridade, pois configuram seres que não pode conquistar o essencial por conta própria e precisam de distinto amparo. O dever fundamental a essa tutela especial ao menor tem como sujeitos a família (parentes linha reta ou colateral), a sociedade e o Estado, de forma comum, na medida em que a desenvolução do indefeso é de responsabilidade de todos e não somente das pessoas no âmbito doméstico, não obstante sejam eles a mais 131

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL importante influência no crescimento e o fator que condiciona o comportamento de cada por toda a vida. Quanto à família, a CF/88 ainda determina no Artigo 229 o especial dever fundamental dos pais de assistir, criar e educar os filhos menores, o que esclarece a força do dever fundamental que a família tem com relação à tutela dos menores e o empenho que deve ser empregado para que estes possam se ver assegurados com relação aos direitos fundamentais. Silva (1992, p. 721) argumenta que: Essa família, que recebe proteção estatal, não tem só direitos. Tem o grave dever, juntamente com a sociedade e o Estado de assegurar, com absoluta prioridade, os direitos fundamentais da criança e do adolescente (...).

Destarte, Tavares (2007, p. 522) faz ressalva quanto ao Artigo 229 da CF/88, que criaria uma responsabilidade subsidiária do Estado e da sociedade com relação à família no exercício do dever fundamental de proteção ao menor: Portanto, dos pais pode ser exigida a tutela específica no assistir, criar e educar os filhos. Em primeiro lugar, portanto, respondem a esse conjunto de obrigações os próprios pais, e não o Estado ou a sociedade. O seio social é o primeiro ambiente para o desenvolvimento do menor, do que resulta a preocupação constitucional especificamente voltada para esse aspecto.

Na verdade, embora dentro de casa que o menor apreende os primeiros traquejos da vida social, somente com o convívio com similares e dispares que ele irá assimilar os costumes e o modo de viver local, aplicando muito daquilo ensinado pela família e também entendendo novos elementos dos outros, devendo ainda a sociedade contribuir para a materialização dos direitos fundamentais do menor com o seu devido respeito e proteção. Ainda, na falta de cuidados ou recursos da família e da sociedade, o Estado atua tanto como agente subsidiário no auxílio como substituto, afastando o menor do ambiente que lhe traz malefícios e lhe munindo com os meios necessários ao correto usufruto dos direitos previstos constitucionalmente.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ao lado de todas estas considerações, a Lei n.º 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), é taxativo ao prever a titularidade de direitos fundamentais por menores e o dever fundamental da família, sociedade e Estado de protegê-los e garantir a o livre exercício destes direitos: Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade. Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (...)

O ECA ainda prevê a tutela dos menores contra abusos e violência em todas as suas modalidades, guardando assim a sua integridade física, psicológica, moral e social, expandindo a segunda parte do caput do Artigo 227 da CF/88: Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Importa ressaltar que a proteção dos menores não corresponde assim a somente um direito fundamental específico, mas um instrumento de garantia de um rol de direitos fundamentais que já seriam devidos à criança e adolescente pelo simples fato de existirem, e que tem a sua eficácia resguardada pela CF/88 ao prescrever o dever fundamental de tutela à família, à sociedade e ao Estado de implementarem estes direitos quando o sujeito for menor de idade, assim como de proteger este de qualquer conduta ou fato que possa reduzir a sua integridade física e moral.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 3.3 PRINCÍPIO DA PRIORIDADE O Artigo 227, caput, da CF/88 prevê o princípio da prioridade em sede de direitos fundamentais do menor, quer dizer, a família, o Estado e a sociedade, no exercício do dever fundamental de proteger a criança e o adolescente, devem dar absoluta preferência à tutela do menor com relação a qualquer outro sujeito que possa afetar o desempenho da guarida. Tavares (2007, p. 520) reflete que: A Constituição pretendeu reafirmar a proposição de que os direitos fundamentais são titularizados por todos, incluindo os menores, com o propósito deliberado de deferir-lhes o princípio da prioridade de tratamento.

3.2 TUTELA ESPECÍFICA A proteção especial do menor consolida a defesa com primazia da criança e do adolescente, com ressalva às suas características específicas da idade ao determinar que, quando há direitos fundamentais de titularidade de menores a serem efetivados, há o dever fundamental de priorizar a realização por intermédio da família, da sociedade e do Estado. Tavares (2007, p. 520) a conceitua nos seguintes termos: Na realidade, quando se fala em Direito do menor, ou da criança e do adolescente, pretende-se assegurar a essa categoria de pessoas todos os direitos que são assegurados aos adultos, tais como a vida, a igualdade, a privacidade, e outros, mas com especial atenção o que revela que a expressão designa um conjunto de direitos “comuns” que devem ser encarados por uma perspectiva nova ou diferenciada, porque só assim se atenderá à dignidade da pessoa humana em desenvolvimento. Se houvesse a inserção dos menores no mesmo nível de tratamento dispensado às demais pessoas, haveria um completo desrespeito à sua natureza peculiar e ao princípio da dignidade da pessoa humana, que obriga a considerar as peculiaridades próprias da natureza do ser humano em desenvolvimento (do menor). (...) o cuidado a ser dispensado está em direta relação com sua especial condição de vulnerabilidade.

No mesmo teor, Silva (1992, p. 721) escreve que: 134

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

A Constituição é minuciosa e redundante na previsão de direitos e situação subjetivas de vantagens das crianças e adolescentes, especificando com relação a eles direitos já consignados para todos em geral, (...), mas estatui importantes normas tutelares dos menores (...).

A tutela especial esta delimitada no caput do Artigo 227 da CF/88, bem como no seu §3º, que determina alguns aspectos relevantes da proteção especial, como a idade mínima para trabalho – de dezesseis anos, ao contrário do que se afere pelo Artigo 227, §3º, inciso I, devido à Emenda Constitucional n.º 20/1998, que alterou o Artigo 7º, inciso XXXIII, do mesmo texto –, como também em legislação infraconstitucional, com destaque ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990). 3.2.1 Breve histórico O primeiro esforço internacional em efetivar uma tutela especial para a criança e o adolescente advém do trabalho da Sociedade das Nações, quando os países membros firmaram a Declaração de Genebra dos Direitos da Criança em 1924. A Declaração Universal de Direitos do Homem da Organização das Nações Unidas (ONU) de 10 de dezembro de 1948, de modo progressista, afirmou a necessidade de atenção específica que deve ser despejada aos menores: Artigo 25 I) Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à seguranca em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. II) A maternidade e a infância tem direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social. (grifo nosso)

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A Declaração dos Direitos da Criança da ONU de 20 de novembro de 1959 delineia a proteção especial do menor em seu artigo 2º: Art. 2º - A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança. (grifo nosso)

Posteriormente à Declaração de 1959, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça, da Infância e da Juventude (Regras de Beijing), as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas não Privativas de Liberdade (Regras de Tóquio adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 45/110, de 14 de Dezembro de 1990) e as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinquência Juvenil (Diretrizes de Riad) complementaram o tratamento jurídico em âmbito internacional do menor. O Pacto de São José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969 prevê dispositivo no mesmo teor: Artigo 19 - Direitos da criança Toda criança terá direito às medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família, da sociedade e do Estado.

Por fim, em 1989 ocorreu a normatização da Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada pela Resolução n.º L. 44 (XLIV) da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro e 1990. A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 determinava apenas a proteção do menor com relação ao trabalho, sem qualquer tutela diferenciada (Artigo 121, §1º, alínea d), da mesma forma que a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 em seu Artigo 137, alínea k, a Carta de 1946, no Artigo 157, inciso IX, e a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 (Artigo 158, inciso X). 136

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Somente na Constituição Federal de 1988 a tutela especial da criança e do adolescente foi determinada, conforme já salientado supra, devido ao seu caráter de carta de direitos que, com a mesma mão, promoveu o dever fundamental de proteção ao menor, ultrapassando os limites dos textos anteriores que somente visavam a proibição do trabalho do menor em algumas condições ou em certa faixa etária. Para concluir o corolário de direitos ao menor disposto na CF/88, em 13 de julho de 1990 foi positivado o diploma que regula tão somente as relações que envolvem os menores, a Lei n.º 8.069/1990, qual seja o Estatuto da Criança e do Adolescente, que veio materializar definitivamente a tutela especial à criança e ao adolescente com normas específicas para tal tarefa e de avanço ímpar no contexto mundial. 3.2.2 Motivação da tutela especial A tutela especial do menor tem como fundamento justamente a sua condição etária, quer dizer, devido ao fato de estar em fase de formação da sua personalidade, ele exige atenção redobrada de todos que são responsáveis. Celso Ribeiro Bastos (1998, p. 493) justifica a tutela nos seguintes termos: Podemos observar, pois que à criança e ao adolescente o legislador constituinte concedeu tais prerrogativas visando o seu pleno desenvolvimento dentro de um contexto apropriado e que, sem dúvida, os orienta a uma vida melhor e para uma perfeita convivência social. (...) Esta proteção baseia-se no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes (...).

André Ramos Tavares (2007, p. 520), por sua vez, disserta que: Assim, a circunstância de falar de um “Direito do menor” tem outra significação, já que as crianças e adolescentes são necessariamente beneficiárias dos direitos garantidos constitucionais, independentemente de qualquer previsão específica nesse sentido. (...) Realmente, a criança e o adolescente formam uma categoria de pessoas que, atualmente, é reconhecida como especial, por encontrar-se

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL em situação difícil, resultante da sua vulnerabilidade física e psíquica. Daí a deferência que se tem ofertado a essas pessoas.

Tavares (2007, p. 520) ainda cita Antônio Carlos Gomes da Costa para relevar que os direitos humanos e fundamentais evoluíram no sentido de atribuir peculiaridades de tratamento de acordo com as particularidades próprias de cada fase da vida, o que se mostra evidentemente razoável, em face do princípio da igualdade material, que leva em conta as diferenças entre os indivíduos para poder dar o tratamento que cada um exige. Fonseca (2001, p. 11) afirma que: A criança, em si, deve ser enquadrada como um ser hipossuficiente, ou seja, aquele que, momentaneamente, não pode ou tem dificuldades de pensar ou de defender-se por si próprio. Como tal (...) sofre violência (...), seja pela ausência de uma atuação efetiva de proteção, seja pela ação indevida ou omissão de seus agentes nas áreas do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. (...) A vitimização da criança deve ser vislumbrada e tratada de forma diferente daquela dos adultos, em face de sua condição peculiar de ser em desenvolvimento e sujeito da proteção integral. (grifo do autor)

A condição diferenciada do menor de idade está positivada no Artigo 6º do ECA, que prescreve que sua interpretação deve levar em consideração a “condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. 3.2.3 Violência contra o menor Ainda no esforço de justificar o dever fundamental de proteção especial e prioritária ao menor, cabe aqui algumas considerações acerca da violência contra pessoas nesta fase da vida e os resultados danosos que isto pode acarretar no ser, quando aqueles que deveriam exercer o dever de tutela corrompem a confiança do menor e o reduzem em sua sanidade física, psicológica e moral. Tal vedação à violência é justamente outra face da tutela especial, quer dizer, enquanto há o dever fundamental de garantir determinados direitos fundamentais, também há o dever de proteger o menor no sentido físico de qualquer mal que possa lhe ocorrer. 138

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Tomaszewski (2004, p. 164) divide a violência doméstica em física, sexual, psicológica e negligência: A violência física é aquela que corresponde ao uso da força física no relacionar-se com a criança ou o adolescente, seja por parte dos pais ou por quem venha a exercitar a autoridade no ambiente doméstico familiar. Tal relação está baseada no “poder” disciplinador do adulto e desigualdade adulto-criança. (...) Violência sexual (...) Esta modalidade é a que pode ser configurada como todo ato ou jogo sexual, em uma relação hetero ou homossexual, entre um ou mais adultos e uma ou mais crianças ou adolescentes, que tem por escopo estimular sexualmente esta criança ou adolescente, bem como utilizá-las ou utilizá-los com o fim de obter a estimulação ou prazer sexual de uma ou mais pessoas. Violência psicológica (...) Esta modalidade de violência se apresenta sob variadas formas, sendo também comumente designada por “tortura psicológica”, evidenciando-se como a interferência negativa do adulto sobre a criança e sua competência social, conformando um padrão de comportamento destrutivo. (...) Negligência (...) Normalmente, compreende-s esta modalidade de violência quando a família ou um de seus membros se omite em prover as necessidade físicas e emocionais de uma criança ou adolescente. (...) o abandono parcial ou temporário promovido pelos adultos consubstancia-se em uma das formas de negligência. (grifo nosso)

Tomaszewski (2004, p. 158) então saca Dalka Chaves de Almeida Ferrari para ilustrar algumas consequências da violência doméstica: (...) a curto prazo (...): TRANSTORNOS FÍSICOS; TRANSTORNOS NO DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES DE APEGO E DO AFETO (...); TRANSTORNOS NO DESENVOLVIMENTO COGNITIVO, LINGUAGEM E RENDIMENTO ESCOLAR (...). Como expressão de conseqüências a longo prazo vê-se costumeiramente: SEQUELAS FÍSICAS; PAIS ABUSADORES NO FUTURO, num ciclo vicioso; CONDUTA DELINQUENCIAL E COMPORTAMENTO SUICIDA NA ADOLESCÊNCIA; CONDUTA CRIMINAL VIOLENTA NO FUTURO. (grifos do autor)

Assim sendo, além da violência doméstica ferir gravemente disposições da CF/88, do ECA e incidir em crimes específicos, tais condutas afetam diretamente os direitos fundamentais à vida (Artigos 5º, caput, e 227, caput, da CF/88 e Artigos 4º e 7º do ECA), à saúde, à vedação de tratamento desumano (Artigo 5º, inciso III, da CF/88) e, principalmente, à dignidade da pessoa humana (Artigo 1º, inciso III, CF/88). 139

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4 CONCLUSÃO Diante disto, os deveres fundamentais – que podem ser expressos ou implícitos no texto constitucional – derivam do dever geral de participação ativa na vida política por parte cidadão e têm como titulares os indivíduos, a sociedade em geral e o Estado em uma mútua relação e imprimem a finalidade de viabilização dos direitos fundamentais e da concretização da ordem jurídica constitucional em voga, no que se baseiam os instrumentais imprescindíveis à satisfação dos anseios sociais, à sustentação das instituições públicas e ao alcance do bem comum. O trabalho considera os sujeitos integrantes, os elementos que os constituem e as possibilidades de realização da tutela especial do menor, assim como analisa os dispositivos constitucionais acerca da matéria e a proteção prevista pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, aferindo assim que ocorre uma responsabilidade subsidiária na tutela do menor, com ordem a partir da família à sociedade a por último o Estado. O dever fundamental de proteção ao menor ocorre por mando expresso da Constituição Federal, devido à importância do desenvolvimento sadio desta fase da vida, que pressupõe que todas as condições sejam favoráveis à formação de um cidadão responsável e que apenas traga benefícios à sociedade. Entretanto, se esse dever fundamental não for efetuado com maestria, tal negligência afeta de tal maneira o menor que grandes riscos há de criação de um problema social e, muitas vezes, de uma cabeça delinquente que pode até desaguar em criminalidade. O estudo profundo do dever fundamental de proteção ao menor revela a necessidade de cautela na aplicação do Artigo 227 da Constituição Federal, com a finalidade de evitar interpretações dúbias ou destoantes do texto constitucional, que geram ainda mais problemas na ordem social, em face da delicadeza que envolve assuntos relacionados a menores, visto que estão em situação fragilizada no seio da família – quando não órfãos ou abandonados – e carecem de atenção e tutela individualizada pela máquina estatal.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Igualmente se faz imprescindível entender a questão psicológica relacionada ao menor e quem lhe deve proteger, concernente às seqüelas que podem resultar quando o adulto de quem a criança ou adolescente espera amparo se volta contra ele e rompe a sua sanidade mediante violência, seja de qualquer espécie. O estudo dos direitos do menor requer a assimilação dos meios pelos quais se constituem e se configuram os limites constitucionais e infraconstitucionais da tutela específica – não sendo esta apenas um direito fundamental, mas sim um direito fundamental à uma exclusiva resguarda dos direitos fundamentais comuns a qualquer ser humano, que porém exigem atenção redobrada para a sua efetivação em questão de sujeitos menores de idade –, assim como os mecanismos que dispõe o Estado para garantir a tutela jurisdicional deste bens jurídico constitucionalmente amparado e em vias de ofensa. O menor representa figura de extrema importância ao Direito pátrio e pressupõe (visto que fase da vida onde a personalidade se forma e tudo o que o indivíduo será quando adulto tem sua origem), para a sua continuidade e natural desenvolvimento, proteção ampla e efetiva, a ser dispensada tanto pela CF/88 quanto pelos demais diplomas, sendo que, quando todos os ramos da ciência jurídica forem ineficientes na tutela, ocorrerá a tipificação da conduta como crime, na medida em que a norma penal somente pune uma conduta quando as medidas próprias de todas as categorias do Direito forem ineficazes quanto à tutela do bem jurídico em pauta. Por conseguinte, as deliberações nesse sentido se caracterizam como indispensáveis para a criação de soluções jurídico-sociais mais compatíveis com a realidade atual, que consigam inibir a degeneração do menor, ser que deve ser socializado de fato se vítima de violência (e não meramente integrado à sociedade em piores condições psicológicas, físicas e morais do que no momento anterior sem nenhum acompanhamento) como instrumento de justiça social. O legislador e o magistrado devem sempre se munir e viabilizar os instrumentais apropriados e condizentes com o mundo social, a fim de evitar que ocorram a destruição do menor em seu sentido mais puro de existir, que carece de toda uma gama de direitos fundamentais protetivos e um especial auxílio dos 141

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sujeitos a sua volta para assegurar que chegue à vida adulta pronto para enfrentar os anseios sociais, que se firme como ser humano e que se conheça e se complete. Deste modo, a interpretação do dever fundamental de proteção ao menor requer ampla divagação e aplicação das mais variadas formas possíveis de realização de medidas efetivas, o que configura elemento fundamental para a criação e instituição de outros meios subsidiários e alternativos não previstos em lei, todavia condizentes com o sistema jurídico brasileiro e com a realidade social. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva 2007. TOMASZEWSKI, Adaulto de Almeida. Separação, violência e danos morais. São Paulo: Paulistanajur Ltda., 2004.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O DESCUMPRIMENTO DA CONVENÇÃO 169 DA OIT PELO ESTADO BRASILEIRO THE BREACH OF THE ILO CONVENTION 169 BY THE BRAZILIAN STATE Sandor Ramiro Darn Zapata, Universidade Estadual Paulista “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” – UNESP, [email protected] Resumo: O presente artigo científico aborda o descumprimento da Convenção nº. 169 da OIT pelo Estado brasileiro. O arcabouço teórico é composto por doutrinas sobre Direito Internacional do Trabalho e Direitos Humanos. Por fim, o trabalho concluiu que os interesses políticos, econômicos e sociais das elites burguesas dominantes estão se sobrepondo aos direitos humanitários das minorias. Palavras-chave: OIT; Convenção nº. 169; Direitos humanos. Abstract: This research paper discusses the breach of Convention 169 of the ILO by the Brazilian State. The theoretical framework consists of doctrines on International Labour Law and Human Rights. Finally, the paper concluded that dominant elites bourgeois political, economic and social interests are overlapping humanitarian rights of minorities. Keywords: ILO; Convention nº. 169; Human rights; Introdução O presente artigo científico possui como objetivos principais demonstrar o descumprimento pelo Estado brasileiro da Convenção nº. 169 da OIT, com ênfase para o caso emblemático da construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará; discorrer sobre a ausência de regulamentação do procedimento de consulta prévia às populações indígenas e tribais; e, por fim, refletir sobre a importância do Relatório da Comissão de Peritos de 2012 da OIT, especialmente no que diz respeito à aplicação da Convenção nº. 169 para a construção do Direito interno. As técnicas metodológicas do trabalho foram compostas pela linha metodológica do sentido-jurisprudencial, pois está sendo proposto um modo de assumir metodicamente a dialética entre o sistema e problema, enquanto coordenados complementares e irredutíveis do juízo jurídico; também pela vertente teórico metodológica jurídico-teórica, pois foram acentuados alguns aspectos conceituais, ideológicos e doutrinários sobre a OIT, direitos humanos e direitos 146

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fundamentais; pelo raciocínio jurídico-dialético, pois seu fundamento encontra-se no pressuposto que a contradição está na realidade, formulando o pensamento por meio da lógica do conflito; e, finalmente, o tipo de investigação empregada foi a Jurídico-Descritivo, na medida em que se preocupou em decompor o problema jurídico da aplicação da Convenção nº. 169 da OIT em vários aspectos, para melhor interpretá-la no contexto do Direito interno. (GUSTIN; DIAS, 2002, p. 40-45) O tema deste artigo se faz relevante pelo fato de que as recentes decisões judiciais que tratam da aplicação da Convenção nº. 169 da OIT terão profundos impactos para o estudo e entendimento do Direito interno. Além disso, os trabalhos acadêmicos pesquisados não abordam especificamente sobre os objetivos deste trabalho. Com relação à estrutura do presente artigo, a priori será realizada uma apresentação sobre alguns aspectos da OIT e de suas Convenções. Em seguida, o trabalho tratará sobre o descumprimento da Convenção nº. 169 da OIT pelo Estado brasileiro. Por fim, a conclusão será no sentido de que os interesses políticos, econômicos e sociais do Estado brasileiro se sobrepõem aos direitos humanitários das minorias. 1. A OIT e suas Convenções A OIT foi constituída pelo Tratado de Versalhes de 1919, tendo como motivos inspiradores o sentimento de justiça social (argumento econômico e humanitário) e a sua importância para a manutenção da paz (argumento político), de modo que, no plano internacional, não ocorra disparidade de condições de trabalho. (HUSEK, 2009, p. 86) No que concerne ao panorama jurídico, a OIT foi criada a partir de 3 (três) premissas básicas colocadas em seu tratado de fundação: 1) A paz universal e permanente só pode basear-se na justiça social; 2) Urgência na melhoria das condições de um grande número de pessoas, tendo em vista que a injustiça, as privações e a miséria levam a um 147

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL descontentamento tão grande que põem em perigo a paz e a harmonia universal; 3) Deve impedir-se que a falta de adoção, por parte de uma nação, de um regime de trabalho humano não impeça os esforços das demais para melhorar a sorte dos trabalhadores em cada uma delas. (CRIVELLI, 2010, p. 26) A entidade constitui-se em uma pessoa jurídica de Direito Internacional, sendo aplicados às suas representações os privilégios e as imunidades assegurados às representações das pessoas de Direito Público externo, e, embora dotada de personalidade jurídica própria, a OIT está vinculada à Organização das Nações Unidas, como organismo especializado, sem perder a natureza de pessoa jurídica de Direito Internacional. A OIT tem seus princípios, deveres e objetivos baseados em 3 (três) diplomas legais: a Constituição de 1919, que foi revisada em 1946; a Declaração da Filadélfia de 1944 e a Declaração dos Princípios Fundamentais de 1998. Atualmente, a OIT é composta pela grande maioria dos países do mundo4, o que dá a exata importância da sua atuação mundial. Através da Conferência Internacional do Trabalho, a OIT estabelece normas que podem tomar a forma de Convenções5 ou Recomendações6. As Convenções da OIT são tratados internacionais que, uma vez aprovadas pela Conferência Internacional do Trabalho, podem ser ratificadas ou não pelos países membros. A OIT dividiu suas Convenções em 23 (vinte e três) categorias7. 4

Os Estados membros que fazem parte da Organização Internacional de Trabalho são 185 (cento e oitenta e cinco) países. Disponível em: http://www.ilo.org/public/english/standards/relm/country.htm. Acessado em: 03/09/2012. 5 As convenções internacionais do trabalho nada mais são do que tratados internacionais e, portanto, se submetem ao regime geral dos tratados no Direito Internacional e no Direito Interno (HUSEK, 2009, p. 119). 6 A recomendação nada mais é do que aquele corpo de normas negociadas entre os Estados, que não são tratados internacionais. (HUSEK, 2009, p. 113) 7 1. Libertad sindical, negociación colectiva y relaciones de trabajo; 2. Trabajo forzoso; 3. Eliminación del trabajo infantil y protección de los niños y los menores; 4. Igualdad de oportunidades y de trato; 5. Consultas tripartitas; 6. Administración e inspección del trabajo; 7. Política y promoción del empleo; 8. Orientación y formación profesionales; 9. Seguridad del empleo; 10. Salarios; 11. Horas de trabajo; 12. Seguridad y salud en el trabajo; 13. Seguridad social; 14. Protección de la maternidad;

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Não há como negar que as Convenções da OIT são os principais instrumentos jurídicos da fase de internacionalização de proteção à dignidade do ser humano, no âmbito do Direito do Internacional do Trabalho. Na essência, os conteúdos desses diplomas internacionais buscam uma melhor efetivação dos grandes princípios dos direitos humanos no Direito interno dos Estados-membros que as ratificam. De acordo com o levantamento bibliográfico e demais fontes de pesquisa, a OIT possui 189 (cento e oitenta e nove) Convenções8. Além disso, constatou-se que as deliberações da estrutura tripartite da OIT designaram que 8 (oito)9 são as Convenções fundamentais, que devem ser ratificadas e aplicadas por todos os Estados membros, por refletirem os princípios e direitos fundamentais adotadas pela Declaração da OIT10, e 4 (quatro)11 são as Convenções prioritárias. Em que pese esta classificação apresentar-se para alguns estudiosos sobre o assunto como inexata, sob o argumento de que outras Convenções também poderiam ser consideradas tão fundamentais quanto aquelas que foram qualificadas pela OIT12, as Convenções da OIT são consideradas normas internacionais de direitos humanos. Carlos Roberto Husek (2009, p. 119) assevera que:

15. Política social; 16. Trabajadores migrantes; 17. VIH y el sida; 18. Gente de mar; 19. Pescadores 20. Trabajadores portuarios; 21. Pueblos indígenas y tribales; 22. Categorías específicas de trabajadores; 23. Convenios sobre los artículos finales. Disponível em: http://www.ilo.org/ilolex/spanish/subjectS.htm. Acessado em: 03/09/2012. 8 Disponível em: http://www.ilo.org/ilolex/english/convdisp1.htm. Acessado em: 03/09/2012. 9 Convenção nº. 29 (sobre a abolição do trabalho forçado), Convenção nº. 87 (sobre a liberdade sindical), Convenção nº. 98 (sobre o direito de sindicalização e negociação coletiva), Convenção nº. 100 (sobre o salário igual sobre homens e mulheres), Convenção nº. 105 (também sobre a abolição do trabalho forçado), Convenção nº. 111 (sobre a discriminação em matéria de emprego e ocupação), Convenção nº. 138 (sobre a idade mínima para o emprego) e Convenção nº. 182 (sobre a proibição das piores formas de trabalho infantil). 10 As Convenções de nº. 87, 98, 29, 105, 100, 111 e 138 foram adotadas durante a Conferência Internacional do Trabalho na octogésima sexta reunião em Genebra, no dia 18 de junho de 1998 e com a adoção da Convenção nº. 182, na 87ª Conferência em 1999, o Conselho de Administração a inclui na lista das fundamentais. (CRIVELLI, 2010: 68-69). 11 Convenção nº. 81 (sobre inspeção no trabalho), Convenção nº. 122 (sobre política de emprego), Convenção nº. 129 (também sobre inspeção no trabalho) e Convenção nº. 144 (sobre consulta tripartite sobre normas internacionais). 12 A guisa de ilustração poder-se-ia mencionar as Convenções de nº. 151, 161 e 170 (que tratam sobre direito à saúde do trabalhador), ou ainda a Convenção nº. 158 que disciplina a proteção contra dispensa arbitrária, entre outras.

149

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL As convenções internacionais do trabalho, da OIT, poderiam ser consideradas tratados de direitos humanos? Entendemos que sim porque os direitos humanos são fundamentais, representam direito a uma vida digna, plena de exercício da cidadania, de erradicação de pobreza, de valores sociais do trabalho e da livre iniciativa de uma sociedade livre, solidária e justa, de prevalência dos direitos humanos, de repúdio ao racismo e outras formas de manifestação do poder. Deste modo arriscamos: as convenções internacionais do trabalho assinadas e ratificadas pelo Brasil são de direitos humanos.

Valerio de Oliveira Mazzuoli (2010, p. 119) preconiza o seguinte: Não se pode esquecer que, sendo as convenções internacionais do trabalho tratados internacionais que versam sobre direitos humanos (notadamente direitos sociais) [...]

Luiz Eduardo Gunther (2011, p. 11) explica que: “[...] As normas da OIT constituem-se em garantia de uma proteção mínima do trabalho humano em todas as partes de nosso planeta.” Arnaldo Süssekind (2000, p. 20) sustenta que:

Seguindo as diretrizes do novo Direito Internacional Público, do qual é um dos ramos de mais efetiva atuação, o Direito Internacional do Trabalho vem consagrando alguns direitos naturais do homem, os quais, como asseveram alguns adeptos do justinaturalismo, independem de norma jurídica para serem respeitadas, eis que concernem a todos os seres humanos.

E, por fim, Ericson Crivelli (2010, p. 74) aduz que: “[...] aos tratados de direitos humanos entre os quais se incluem as Convenções Internacionais do Trabalho adotadas pela OIT [...]”. Contudo, a partir de uma operação hermenêutica de apreciação e relevância dos conteúdos das Convenções da OIT, em cotejo com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 e com os Pactos das Nações Unidas de 1966, é possível identificar o caráter de direitos humanos que possui a maioria das Convenções da OIT, mas não de todas. Neste sentido, o trabalho se reporta à classificação das Convenções da OIT elaborada por Miron Tafuri Queiroz, no ano de 2009. Em síntese, o autor realizou uma nova classificação das Convenções da OIT, equiparando os conteúdos da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 com os postulados dos Pactos 150

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL das Nações Unidas de 1966, e também com os grandes princípios dos direitos humanos (dignidade humana, liberdade, igualdade e solidariedade), tendo obtido como resultado que a maioria das Convenções da OIT são de direitos humanos 13, e que somente 9 (nove) Convenções não versam sobre direitos humanos14. (QUIEROZ, 2009, p. 132-139) Além disso, a OIT possui um sistema de controle de normas que tem algumas características singulares dentre as inúmeras organizações e agências da ONU que atuam no cenário internacional. Referido sistema de controle é basicamente dividido em regular, provocado e especial. O sistema de controle regular é o sistema pioneiro de controle de normas internacionais do trabalho e funciona desde 1926, através da exigência dos Estadosmembros apresentarem relatórios periódicos sobre a aplicação das normas das Convenções ratificadas e informações sobre as Convenções não ratificadas. (CRIVELLI, 2010, p. 70-71). Tal controle é realizado pela Comissão de Peritos em Convenções e Recomendações e pela Comissão de Aplicação de normas de Convenções e Recomendações. Destarte, em 1926, foi criada a Comissão de Aplicação de Convenções e Recomendações, que, dentre outros mecanismos, exerce um controle na aplicação das normas da própria OIT e das Convenções assinadas e ratificadas pelos Estados-membros. Essa Comissão verifica periodicamente (através de relatórios) se algumas Convenções e Recomendações, por seus conteúdos de direitos humanos, estão sendo aplicadas, mesmo pelos países que não as ratificaram. (HUSEK, 2009, p. 138).

13

Convenções da OIT de nº. 29, 105, 11, 84, 87, 98, 151, 154, 19, 97, 100, 111, 118, 135, 141, 143, 156, 8, 12, 17, 18, 24, 25, 42, 55, 56, 71, 102, 121, 128, 130, 157, 159, 165, 3, 103, 183, 5, 6, 7, 10, 16, 58, 59, 77, 78, 90, 112, 123, 124, 138, 182, 26, 95, 99, 131, 173, 13, 27, 45, 55, 62, 68, 73, 92, 113, 115, 119, 120, 126, 127, 133, 134, 136, 139, 152, 155, 161, 162, 163, 164, 167, 170, 172, 174, 176, 184, 1, 14, 30, 47, 89, 101, 132, 153, 171, 180, 2, 9, 82, 96, 117, 122, 140, 142, 145, 158, 168, 179, 181, 23, 166, 81, 85, 94, 107, 110, 129, 137, 147, 149, 150, 169, 175, 177 e 178. Há ainda que se incluir neste rol a Convenções a de n. 189 (na época em que o autor elaborou o trabalho, ela ainda não havia sido criada), eis que seu conteúdo é perfeitamente equiparável aos princípios dos direitos humanos. 14 Convenções da OIT de nº. 22, 69, 74, 108, 116, 125, 144, 160 e 185.

151

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Embora alguns autores critiquem a sistemática da OIT de controle e aplicação de suas normas, Carlos Roberto Husek (2009, p. 137-138) tece a seguinte opinião: A crítica que alguns erradamente fazem ao Direito Internacional é a de uma certa fragilidade sistêmica, comparativamente ao Direito interno. Nesta há punição para infringência da norma imposta. Não acreditamos que tal crítica tenha fundamento sério, porquanto o sistema internacional é de outra característica, tendo em vista a soberania dos Estados. Mantêm-se o sistema não pela punição, mas pela cooperação entre os membros da comunidade internacional. O respeito aos pactos é o mínimo que se espera de todos os países.

Ao comentar sobre o papel da Comissão de Peritos, Ericson Crivelli (2010, p. 83) assevera que: [...] não se pode deixar de reconhecer a influência que o papel desta comissão vem exercendo ao longo das décadas na formação e crescimento do Direito Internacional do Trabalho. O papel interpretativo tem sido fundamental para a construção de direitos com caráter de aplicação universal, em realidades culturais, políticas e jurídicas diversas, partindo de normas flexíveis e programáticas.

Portanto, o presente artigo científico parte da premissa inexorável que a Convenção nº 169 da OIT é uma norma internacional de direitos humanos, bem como que a Comissão de Peritos exerce um papel importante para a construção de direitos com caráter de aplicação universal, em realidades culturais, políticas e jurídicas diversas. 2. O descumprimento da Convenção nº. 169 da OIT pelo Estado brasileiro Cumpre mencionar inicialmente que a Convenção nº. 169 sobre povos indígenas e tribais foi adotada em Genebra (Suíça), em 27 de junho de 1989, tendo sua vigência internacional iniciada em 05 de setembro de 1991. No plano do Direito interno brasileiro a referida Convenção foi aprovada pelo Decreto Legislativo nº. 143, de 20 de junho de 2002, tendo sido ratificada em 25 de julho de 2002, e promulgada pelo Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004 .

152

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Portanto, pode-se dizer que a Convenção nº. 169 da OIT foi incorporada no ordenamento jurídico, segundo as regras dos artigos, 47, 49, inciso I e 84, da Constituição Federal de 1988, e por versar sobre direitos humanos, desfruta de hierarquia supralegal na ordem jurídica nacional, em conformidade com a mais recente decisão do Supremo Tribunal Federal nesta matéria (RE 466343/SP), e com fulcro no artigo 5º, § § 1º e 2º da Constituição Federal de 1988.15 Além disso, podese dizer ainda que, com o advento da Convenção nº. 169 da OIT no ordenamento jurídico interno, as comunidades indígenas e tribais nacionais (destinatários da norma internacional) conquistaram um importante instrumento normativo de inclusão social e democrático, na medida em que consagra o dever de serem consultados mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas,

cada

vez

que

sejam

previstas

medidas

legislativas

ou

administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente, conforme preceitua o artigo 6º, item 1, alínea “a”. Em que pese a Convenção nº. 169 da OIT estar em plena vigência interna no sistema jurídico doméstico, de acordo com as fontes de pesquisa deste trabalho, a ausência de consulta à população indígena e quilombola brasileira foi identificada em 4 (quatro) situações fáticas, a saber: a) Construção do Rodoanel (anel viário localizado na cidade de São Paulo/SP, que liga as principais rodovias estaduais), que afetou duas terras Guarani na cidade; b) Projeto de Mineração Rio do Norte (no município paraense de Oriximiná/PR) de concessões de lavra de bauxita incidentes em duas terras quilombolas, onde vivem 12 (doze) comunidades;

15

Este assunto não será desenvolvido em toda a sua complexidade, devido ao objeto do presente trabalho, porém há que destacar a divergência das doutrinas que versam sobre Direito Constitucional, Direitos Humanos e Direito Internacional Público, no que diz respeito ao status normativo dos tratados internacionais de direitos humanos ratificados pela República Federativa do Brasil antes da vigência de Emenda Constitucional nº. 45, de 08 de dezembro de 2004, que acrescentou o § 3º no artigo 5º da Constituição Federal.

153

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL c) Centro de Lançamentos de Alcântara (Maranhão), que promoveu deslocamentos compulsórios na região, afetando 139 (cento e trinta e nove) lugarejos e comunidades quilombolas; d) Usina Hidrelétrica de Belo Monte (na Amazônia). (BELLINGER, 2012, on-line) A partir disso, e tendo em vista o grande impacto e a importância da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte para o desenvolvimento político, social e econômico do Brasil, o presente trabalho apontará os principais aspectos jurídicos deste caso emblemático. Inicialmente, convém dizer que a usina hidrelétrica de Belo Monte é um projeto do planejamento energético brasileiro, a ser implantada no rio Xingu, no estado do Pará, região Norte do Brasil. Segundo informações do Ministério de Minas e Energia (2011, p. 1): o governo acrescentará pouco mais de 11 mil megawatts (MW) de capacidade instalada à matriz energética nacional. Com essa produção estimada de energia, Belo Monte será a segunda maior hidrelétrica do Brasil, atrás apenas da usina Itaipu binacional, administrada pelo Brasil e o Paraguai, com 14 mil MW de potência. Belo Monte deverá iniciar a geração comercial em janeiro de 2015, com sua motorização total prevista para janeiro de 2019.

A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte foi uma obra idealizada pelo governo há vários anos, tendo sofrido inúmeras alterações durante a história e alvo de intensa discussão no âmbito político e jurídico. Em virtude disso, a seguir serão apresentados resumidamente, na forma de tópicos, os principais fatos históricos e jurídicos da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte16:

 1975 - A recém-criada Eletronorte, subsidiária da Centrais Elétricas Brasileiras - Eletrobras na Amazônia Legal, inicia os Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu;

 1980 - Finalizado o relatório dos Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu. A partir das recomendações do relatório final do estudo, a Eletronorte inicia os estudos de viabilidade técnica e econômica do 16

Para maiores informações ver http://www.socioambiental.org/esp/bm/hist.asp.

154

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL chamado Complexo Hidrelétrico de Altamira, que reunia as Usinas de Babaquara (6,6 mil MW) e Kararaô (11 mil MW);

 1986 - Concluído o Plano 2010 - Plano Nacional de Energia Elétrica 1987/2010. Propõe a construção de 165 usinas hidrelétricas até 2010, 40 delas na Amazônia Legal, com o aumento da potência instalada de 43 mil MW para 160 mil MW;

 1988 - O Relatório Final dos Estudos de Inventário Hidrelétrico da Bacia Hidrográfica do Rio Xingu é aprovado pelo Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE), extinto órgão regulador do setor elétrico;

 1989 - Realizado o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, em fevereiro, em Altamira (PA);

 1990 - A Eletronorte envia ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE) o Relatório Final dos Estudos de Viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte, antiga Kararaô, solicitando sua aprovação e outorga de concessão;

 1994 - Novo projeto, remodelado para se mostrar mais palatável aos ambientalistas e investidores estrangeiros, é apresentado ao DNAEE e à Eletrobrás;

 1996 - A Eletrobrás solicita autorização à Aneel para, em conjunto com a Eletronorte, desenvolver o complemento dos Estudos de Viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte;

 2000 - Acordo de Cooperação Técnica é celebrado entre a Eletrobrás e Eletronorte com o objetivo de realizar os Estudos de Complementação da Viabilidade do Aproveitamento Hidrelétrico de Belo Monte. A Fundação de Amparo

e

Desenvolvimento

de

Pesquisas

(Fadesp),

vinculada

à

Universidade Federal do Pará (UFPA), é contratada para elaborar os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) do Complexo Hidrelétrico de Belo Monte;

 2001 - O Ministério das Minas e Energia anuncia, em maio, um plano de emergência de US$ 30 bilhões para aumentar a oferta de energia no país. Ainda em maio, o Ministério Público move ação civil pública para suspender 155

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte, cujo pedido é atendido por uma liminar da 4.ª Vara Federal de Belém. Governo edita a Medida Provisória 2.152-2, em junho, conhecida como MP do Apagão. A Justiça Federal concede, em setembro, liminar à ação civil pública que pede a suspensão dos Estudos de Impacto Ambiental (EIA) de Belo Monte;

 2002 - Em janeiro, a Eletrobrás aprova a contratação de uma consultoria para definir a modelagem de venda do projeto de Belo Monte. O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Marco Aurélio Mello, nega, em novembro, pedido da União e mantém suspensos os Estudos de Impacto Ambiental de Belo Monte;

 2003 - O governo federal anuncia que vai retomar os estudos de impacto ambiental para a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, obedecendo às recomendações do Ibama e do Ministério do Meio Ambiente;

 2005 - O Projeto de Decreto Legislativo (PDC) nº 1.785/05, que autoriza a implantação da Usina Hidrelétrica (UHE) de Belo Monte (PA), é aprovado pela Câmara, no dia 6 de julho. Comunidades locais atingidas não foram ouvidas, conforme determina a Constituição Federal, que afirma que o aproveitamento dos recursos hídricos em Terras Indígenas só pode ser efetivado com “autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas”. Uma semana depois, o Senado também aprova o projeto (agora denominado PDS nº 343/05) que autoriza implantação de Belo Monte. Segue para promulgação sem que tenham sido ouvidos os nove povos indígenas que poderão ser atingidos seriamente pelo empreendimento. Por sete votos a quatro, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga inapropriado o meio utilizado, isto é, a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), para questionar a constitucionalidade do Decreto Legislativo nº 788/05, que autorizou a implantação de Belo Monte, na região de Altamira, no Pará. A decisão contraria o relator do processo, ministro Carlos Britto, que havia julgado pela aceitação da ação.

 2006 - O processo de licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Belo Monte é suspenso por liminar concedida no dia 28 de março. A decisão 156

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL impede que os estudos sobre os impactos ambientais da hidrelétrica prossigam antes que os povos indígenas que seriam afetados pelo empreendimento sejam ouvidos pelo Congresso Nacional;

 2007 - Um ano após a Justiça Federal de Altamira paralisar liminarmente o licenciamento ambiental da usina, ela mesma volta atrás e julga improcedente o pedido do Ministério Público Federal (MPF) de anular o licenciamento ambiental feito pelo Ibama. A decisão abre precedente negativo ao afirmar que o Congresso Nacional pode autorizar a implantação de usinas hidrelétricas em terras indígenas sem necessidade de lei específica e tampouco de consulta aos povos afetados. No dia 16 de março, o Supremo Tribunal Federal já havia autorizado a continuidade do licenciamento ambiental ao derrubar liminar que havia sido proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Com a sentença, a decisão do tribunal superior perde eficácia, já que se referia a uma decisão preliminar;

 2008 - O Tribunal Regional Federal da 1ª. Região, de Brasília, suspende uma liminar da Justiça Federal de Altamira e autoriza a participação das empreiteiras Camargo Corrêa, Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez nos Estudos de Impacto Ambiental da hidrelétrica de Belo Monte. MPF do Pará recorre contra privilégios para empreiteiras e defende necessidade de licitação para escolher os responsáveis pelo EIA-Rima;

 2009 - São realizadas quatro audiências públicas sobre Belo Monte, em seis dias, nas cidades de Brasil Novo, Vitória do Xingu, Altamira e Belém, revelando as fragilidades dos estudos e diversas lacunas no processo de licenciamento. O EIA completo só é disponibilizado dois dias antes da primeira audiência, sem tempo para uma análise qualificada pelas comunidades atingidas. O Ministério Público Federal (MPF) apresenta recomendação ao Ibama para realização de pelo menos mais treze audiências, de forma a incluir mais regiões que serão atingidas. De acordo com estudos iniciais, a usina de Belo Monte afetará direta e indiretamente 66 municípios e 11 Terras Indígenas; 157

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL  2010 - Ministério do Meio Ambiente libera Belo Monte sem conhecer os impactos da obra. A licença ambiental para construção da usina, publicada no dia 1º de fevereiro de 2010, demonstra que questões centrais para avaliar o impacto da obra ainda não estão esclarecidas. Parecer Técnico do Ibama, do final de novembro de 2009 e que não foi disponibilizado na internet, denúncia pressão política da Presidência da República para liberar a obra e indica que os estudos, superficiais, não conseguem prever o que acontecerá com os peixes num trecho de mais de 100 km de rio, e consequentemente com as pessoas que deles sobrevivem, sobretudo as comunidades indígenas ribeirinhas. O custo total estimado pelo governo para a construção da usina foi elevado em relação aos R$ 16 bilhões previstos inicialmente. O novo valor não deverá ser superior a R$ 20 bilhões. Em março deste ano, a Comissão de Peritos da OIT emitiu seu Relatório anual (OIT, 2012, p. 1035), tendo analisado o descumprimento da Convenção nº. 169 pelo Estado brasileiro por conta da ausência de consulta prévia às comunidades indígenas afetadas pela obra. Em sede de conclusão, a comissão solicitou ao governo brasileiro providências que serão adiante reproduzidas: i) tome las medidas necesarias para llevar a cabo consultas con los pueblos indígenas afectados de conformidade con los artículos 6 y 15 del Convenio, sobre la construcción de la Usina hidroeléctrica de Belo Monte antes de que los posibles efectos nocivos de dicha usina sean irreversibles, ii) en consulta con los pueblos indígenas tome medidas para determinar si las prioridades de dichos pueblos han sido respetadas y si sus intereses se verán perjudicados y en qué medida con miras a adoptar las medidas de mitigación e indemnización apropiadas, y iii) informe sobre los resultados del procedimiento a trámite ante el Juzgado Federal de Pará.

Alguns meses após a publicação do relatório, por meio da decisão de Embargos de Declaração interpostos pelo Ministério Público Federal do Pará contra o acordão proferido na apelação cível nº.: 2006.39.03.000711-8, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região determinou a paralisação das atividades de implementação da hidrelétrica de Belo Monte no Pará, basicamente com a seguinte fundamentação legal:

158

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL X- Apelação provida em parte. Sentença reformada. Ação procedente para coibir o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA de praticar qualquer ato administrativo, e tornar insubsistentes aqueles já praticados, referentes ao licenciamento ambiental da Usina, em decorrência da invalidade material do Decreto nº. 788/2005, por violação à norma do artigo 203, § 3º da Constituição Federal de 1988, combinado com os artigos 3º, item 1º, 4º, itens 1 e 2, 6º, item 1, alíneas a, b e c, e 2; 7º itens 1, 2 e 4; 13, item 1; 14 item 1; e 15, itens 1 e 2 da Convenção nº. 169 da OIT, ordenando às empresas executoras do empreendimento hidrelétrico de Belo Monte, em referência, a imediata paralisação das atividades de sua implementação, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por dia de atraso no cumprimento do provimento mandamental em tela (CPC, art. 461, § 5º).

Todavia, em recente decisão da lavra do Ministro Carlos Ayres Britto, na Reclamação nº.: 14404 ajuizada no Supremo Tribunal Federal, fora deferida a liminar requerida pela Advocacia-Geral da União (AGU) para suspender os efeitos do acórdão proferido pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região nos Embargos de Declaração e, via de consequência, permitir a continuidade das obras da hidrelétrica de Belo Monte no Pará, a saber: No caso, tenho que estão presentes os requisitos necessários à concessão da medida liminar [...] ao conferir “eficácia plena” à “decisão mandamental” e determinar a intimação do Presidente do IBAMA “para fins de imediato cumprimento”, o acórdão reclamado violou, neste juízo provisório, a autoridade da decisão deste Supremo Tribunal Federal na SL (Suspensão de Liminar) 125.

Insta consignar que a pretensão deste trabalho não consiste em avaliar os critérios jurídicos adotados pelo Ministro Carlos Ayres Britto ao julgar a medida liminar na Reclamação nº.: 14404, tampouco tecer comentários sobre toda a discussão política que reveste a construção da hidrelétrica de Belo Monte face os direitos da população indígena que será afetado pela obra, contudo, para que não seja deixada de lado a oportunidade de comentar o assunto, parece que o Estado brasileiro simplesmente não se preocupou, e nem está preocupado (fato este que será exposto mais adiante) em dar o devido cumprimento à obrigação internacional assumida pela Convenção 169 da OIT. É sobremodo importante assinalar que o desrespeito à referida norma internacional não é somente uma violação aos princípios do Direito Internacional do 159

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL livre consentimento e pacta sunt servanda, que são universalmente reconhecidos e que regem os tratados internacionais, mas também à própria OIT, na medida em que coloca em jogo a eficácia e efetividade dos trabalhos da Comissão de Peritos, notadamente sua dificuldade em construir direitos com caráter de aplicação universal, no contexto cultural, político e jurídico do Brasil. Além disso, os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil insculpidos na Constituição Federal de 1988 consagram, entre outros direitos, a cidadania (artigo 1º, I), a liberdade (artigo 2º, I), a solidariedade (artigo 2º, I) e, sobretudo, a democracia (artigo 1º caput), razão pela qual a ausência da participação da população indígena no processo de desenvolvimento da nação não significa apenas a violação destas regras, mas também a ideia de que os princípios são normas constitucionais que somente se concretizam no campo da Teoria do Direito, e não na práxis social. Por fim, vale a pena destacar que, no momento atual, as atenções da sociedade brasileira estão todas voltadas ao julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do “Mensalão”, fazendo com que os debates sobre os direitos e interesses das minorias sejam deixados de lado, ou simplesmente ignorados. Na realidade, a manutenção da construção bilionária da hidrelétrica de Belo Monte é fundamental para que as elites burguesas perpetuem-se no poder e controle da sociedade, não sendo, portanto, dada a devida importância e credibilidade aos interesses daqueles que foram vítimas de um processo histórico de exploração e desrespeito e que fizeram e fazem parte da cultura do país. Feitos estes breves comentários sobre a decisão da medida liminar no Supremo Tribunal Federal, e já retomando as questões centrais do presente artigo científico, o fato é que o Brasil deliberadamente deixou de cumprir a Convenção nº. 169 da OIT, vez que as comunidades indígenas não foram devidamente consultadas previamente sobre a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, que inevitavelmente irá afetá-las, conforme se pode facilmente constatar tanto pelo Relatório da Comissão de Peritos de 2012, quanto pelos estudos de impacto ambiental realizados.

160

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ademais, no que diz respeito à ausência de regulamentação do procedimento de consulta da Convenção nº. 169 da OIT pelo Estado brasileiro, apesar do governo ter instituído por intermédio da Portaria nº. 35, de 27 de janeiro 2012, um Grupo de Trabalho, que é coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República e pelo Ministério das Relações Exteriores, cujo objetivo consiste em regulamentar o processo de consulta da comunidade indígena e quilombola, nenhuma proposta efetiva foi realizada por parte dos representantes do governo. Isto

porque,

ao

ser

indagada

sobre

as

discussões

e

propostas

governamentais da regulamentação da Convenção nº. 169, a resposta da advogada da Comissão Pró-Índio de São Paulo, Carolina Kaori Ikawa Bellinger (2012, on-line), foi neste sentido: Em janeiro deste ano o governo criou o Grupo de Trabalho Interministerial para estudar e apresentar uma proposta de regulamentação dos procedimentos de consulta prévia da Convenção 169. Você tem informações de como estão as discussões do Grupo de Trabalho? O Estado já tem uma proposta? O Grupo de Trabalho é coordenado pela Secretaria Geral da Presidência da República e pelo Ministério das Relações Exteriores cujos representantes participam da oficina que acontece com os quilombolas no Pará. O processo de informação e debate da regulamentação já teve início com a realização de reuniões e um seminário em Brasília, que contaram com a participação de lideranças indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais e ainda de ONGs e diversos órgãos governamentais, entre as quais a Comissão Pró-Índio de São Paulo. O governo programou para o primeiro semestre de 2013 a realização de encontros regionais para a construção da proposta de regulamentação, que deverá ser aprovada até dezembro de 2013. O governo federal não apresentou nenhuma proposta por enquanto.

De fato, as decisões que envolvem o processo de participação política da sociedade são importantes e devem ser tomadas com cautela. Entretanto, tudo isto indica que, ao retardar a regulamentação sobre a matéria, o governo federal brasileiro visa atender o seu Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, em detrimento dos direitos humanos das comunidades afetadas pela construção de obras públicas.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Sendo assim, apesar do Supremo Tribunal Federal ainda não ter declarado a constitucionalidade do Decreto Legislativo nº. 788/2005, que, em síntese, autoriza o Poder Executivo a implantar o aproveitamento hidroelétrico de Belo Monte, sem que haja consulta prévia à comunidade indígena ou tribal, a ausência de interesse estatal, para que a matéria seja devidamente regulamentada, não impede a viabilidade do exercício do direito de consulta dessas comunidades, amplamente previstos na Convenção nº. 169 da OIT e no artigo 231, § 3º da Constituição Federal de 1988, posto que o Direito interno possui um controle jurisdicional de convencionalidade das leis (processo de compatibilização vertical das normas domésticas com os comandos encontrados nos tratados internacionais).17 Até porque, embora as normas contidas no artigo 231, § 3º da Constituição Federal de 1988 e artigo 6º, item 1, alínea “a” da Convenção nº. 169 da OIT possam ser interpretadas pela corrente mais conservadora como meramente programáticas (não dotadas de eficácia imediata), o direito de consulta às comunidades indígenas e tribais é pleno e autoaplicável, posto que referidas normas somente deixaram que a lei ordinária regulamentasse a forma de consulta prévia. De mais a mais, enquanto não há procedimento específico, é plenamente plausível a adoção de forma de consulta prevista em outras leis, para que possa ser viabilizado o exercício do direito consagrado em referidas normas. Quanto à importância do Relatório da Comissão de Peritos de 2012 da OIT, especialmente no que diz respeito à aplicação da Convenção nº. 169 para a construção do Direito interno, embora não seja possível demonstrar juridicamente que o referido relatório influenciou diretamente no julgamento dos Embargos de Declaração interpostos pelo Ministério Público Federal do Pará contra o acordão proferido na apelação cível nº.: 2006.39.03.000711-8, é possível encontrar 2 (dois) indícios que sugestionam um certo poder da OIT de influir nas decisões do Direito interno, quais sejam:

17

No que tange a omissão legislativa, a ADO (Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão) pode ser proposta sempre que faltar lei interna necessária para dar efetividade a uma norma convencional, bem como o Mandado de Injunção para suprimir a ausência de norma regulamentadora que impossibilite o exercício de um direito ou liberdade prevista num (artigo 5º, inciso LXXI da Constituição Federal de 1988).

162

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 1) Em 13 de agosto de 2012, a 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região julgou os Embargos de Declaração interpostos pelo Ministério Público Federal do Pará, modificando integralmente a decisão do acórdão, que foi julgado em 07 de novembro de 2011 (antes da emissão do relatório); 2) Conforme descrito no item 3 da conclusão do relatório exposto alhures, a Comissão exigiu que o Estado brasileiro informasse sobre os resultados do

procedimento

de

tramitação

da

apelação

cível

nº.:

2006.39.03.000711-8 para a OIT. Entretanto, de acordo com o teor da recente decisão da lavra do Ministro Carlos Ayres Britto na Reclamação nº.: 14404, a Corte Suprema brasileira sinaliza para uma autonomia soberana dos interesses políticos e jurídicos da República Federativa do Brasil, independentemente do relatório realizado pela Comissão de Peritos. Portanto, na instância do Supremo Tribunal Federal, pode-se dizer que o Relatório emitido pela Comissão de Peritos da OIT sobre a Convenção nº. 169 da OIT não teve o condão de influenciar na decisão. Conclusões Diante do exposto, este artigo científico demonstrou que a Convenção nº. 169 da OIT está sendo sistematicamente descumprida pelo Estado brasileiro, na medida em que as comunidades indígenas e tribais não estão sendo devidamente consultadas previamente sobre as medidas legislativas e administrativas que estão as afetando diretamente. Além disso, verificou-se que o Estado brasileiro não está apresentando interesse em regulamentar o direito de consulta das comunidades indígenas e tribais, todavia, a ausência de interesse estatal para que a matéria seja devidamente regulamentada não implica inviabilidade do exercício do direito de consulta dessas comunidades, pois referido direito é pleno e autoaplicável.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Neste trabalho, também foi realizada uma reflexão sobre a importância do Relatório da Comissão de Peritos de 2012 da OIT, especialmente no que diz respeito à aplicação da Convenção nº. 169 para a construção do Direito interno, tendo chegado à conclusão que existem dois fortes indícios de influência do relatório da OIT sobre o julgamento do processo realizado pela 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Por fim, pode-se dizer que, no contexto do Direito interno brasileiro, os interesses políticos, econômicos e sociais das elites burguesas dominantes estão se sobrepondo aos direitos humanitários das minorias, e que o Direito Internacional e alguns dos direitos fundamentais da Constituição Federal de 1988 devem ser melhor interpretados para efetivação no campo social, fazendo com que a Ciência do Direito ressurja como um grande instrumento de esperança para a salvação da humanidade. Referências BELLINGER, Carolina Kaori Ikawa. Convenção 169 da OIT: o descaso brasileiro. Entrevista especial com Carolina Bellinger , 2012. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/entrevistas/512272-convencao-169-da-oit-o-descasobrasileiro-entrevista-especial-com-carolina-bellinger. Acesso em: 04/09/2012. BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 13ª ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Projeto da usina hidrelétrica de Belo Monte fatos e dados, 2011. Disponível em: http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/belomonte/BELO_MONTE__Fatos_e_Dados.pdf. Acesso em: 29/08/2012. CRIVELLI, Ericson. Direito Internacional do Trabalho contemporâneo. São Paulo: LTr, 2010. GUNTHER, Luiz Eduardo. A OIT e o direito do trabalho no Brasil. Curitiba: Juruá, 2011. GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; DIAS, Maria Teresa Fonseca. (Re) pensando a pesquisa jurídica – teoria e prática. Belo Horizonte: Del Rey 2002. HUSEK, Carlos Roberto. Curso Básico de Direito Internacional Público e Privado do Trabalho – São Paulo: LTr, 2009. 164

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

IBRACON. Instituto dos Auditores Independentes do Brasil. 53° Congresso Brasileiro de Concreto, 2011. http://www.ibracon.org.br/eventos/53CBC/pdfs/IBRACONFLORIANOPOLIS-NOV.2011.pdf. Acesso em: 02/09/2012. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público - 6ª ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. ____. Valerio de Oliveira. Os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos e sua Incorporação no Ordenamento Brasileiro. Disponível em: http://www.mt.trf1.gov.br/judice/jud13/tratados.htm. ____. Valerio de Oliveira. Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Revista da Ajuris, ano XXXVI - n°. 113, março/2009. Organização Internacional do Trabalho. Conferência Internacional do Trabalho, 101ª Reunião. Informe de la Comisión de Expertos en Aplicación de Convenios y Recomendaciones. Genebra, 2012. PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 4. ed. – São Paulo : Saraiva, 2010. ____. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 11. ed. rev. e atual – São Paulo : Saraiva, 2010. QUEIROZ, Miron Tafuri. A integração das convenções da organização internacional do trabalho à ordem jurídica. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. rev. atual e ampl.; 2. Tir. - Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. SÜSSEKIND, Arnaldo. Convenções da OIT. São Paulo: LTr, 1994. ____. Direito Internacional do Trabalho. 3. ed., atual. e com novos textos. São Paulo: LTr, 2000. http://www.ilo.org/global/lang--en/index.htm http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php http://www.socioambiental.org/esp/bm/hist.asp

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

DIREITO AMBIENTAL E SUSTENTABILIDADE

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL VALORAÇÃO DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS: NOVO PARADIGMA E A SOLUÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE CHIQUITO, Ailton. [email protected] OLIVEIRA, Alessandra Celestino de. [email protected] Mestrado em Direito - Universidade de Marília/UNIMAR Resumo: Muito se fala em preservação da natureza, sustentabilidade, mas o que se vê na prática é um certo ceticismo por parte do setor produtivo e do próprio Estado, que adia infinitamente a criação de políticas públicas concretas para viabilizar o desenvolvimento sustentável premente. Na história recente da humanidade, aflora a consciência de que a sobrevivência humana e a manutenção da vida no planeta depende da preservação dos recursos naturais. A crescente demanda na produção de alimentos e bens de consumo está intimamente ligada ao aumento da poluição ambiental, cujo crescimento populacional do planeta exige cada vez mais a utilização dos recursos naturais para a sua satisfação, mas o consumismo exagerado, com desperdícios, ocasiona um esgotamento desses recursos, que são gratuitos e finitos. A valoração dos serviços ambientais, indica ser a solução para a efetivação da sustentabilidade. O pagamento por serviços ambientais-PSA, tem como objetivo primordial a preservação dos diversos ecossistemas naturais, através de transferência de recursos para aqueles que voluntariamente passam a conservar e a recuperar os ecossistemas degradados. A consciência social demonstra que o meio ambiente não é somente um fornecedor de matéria prima para o processo produtivo e destinatário de todo o lixo produzido pelo consumo dos produtos utilizados, como se fosse um ambiente qualquer, sem maior importância, mas sim um indispensável produtor de serviços ambientais para as presentes e futuras gerações. O Projeto de Lei n. 5487/09 que está em trâmite no Congresso Nacional tornará um excelente instrumento normativo para regular a produção e o pagamento dos serviços ambientais, indispensável ao desenvolvimento econômico sustentável e à sadia qualidade de vida, como está inserido no art. 225 da CF. A valoração do meio ambiente, através do programa do PSA desponta como uma solução definitiva que se busca para a efetivação da preservação da natureza, indispensável para a produção dos serviços ambientais vitais para as presentes e futuras gerações. Palavras-chave: Serviços ambientais. Sustentabilidade. Valoração.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PAGAMENTO DOS SERVIÇOS AMBIENTAIS NO BRASIL – ASPECTOS LEGAIS PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES IN BRAZIL: LEGAL ASPECTS CHIQUITO, Ailton. Mestrado em Direito/Universidade de Marília/UNIMAR. [email protected] OLIVEIRA, Alessandra Celestino de. Mestrado em Direito/Universidade de Marília/UNIMAR. [email protected] Resumo: A ação humana, com o seu desenfreado e acelerado modo de produção e consumo, está causando danos ao meio ambiente, projetando para o futuro consequências catastróficas e imprevisíveis da natureza. O desafio contemporâneo é criar meios e instrumentos para frear esse avanço indiscriminado da degradação da natureza sem prejudicar o desenvolvimento econômico sustentável. O presente trabalho visa estudar e indicar os meios legais possíveis e vigentes para instituir alternativas de geração de renda ao preservador ambiental, através de incentivos positivos, que têm respaldo na função promocional do direito. A Constituição Federal do Brasil estabelece como princípio da ordem econômica (art. 170 c.c. art. 225), a defesa do meio ambiente através de limitação e fiscalização da atividade econômica que deve desenvolver-se de maneira sustentável. Uma dessas alternativas tem sido a implementação de mecanismos de pagamento por serviços ambientais – PSA. A servidão ambiental surge como uma alternativa de contratação desses serviços e sua efetivação constituirá em um componente ambiental claro de adoção concreta do conceito de serviço ambiental, para redução de emissões de gases de efeito estufa, de uso correto da terra, da água, de inclusão social e sustentabilidade. Palavras-chave: Aspectos legais. Função promocional do direito. PSA. Abstract: The human action, with its rampant and rapid mode of production and consumption are causing environmental damage, designing for the future catastrophic and unpredictable nature. The contemporary challenge is to create tools and means to halt the advance of indiscriminate degradation of nature without undermining sustainable economic development. This work aims to study and indicate possible legal means and force to establish alternative income generation to preserving the environment, through positive incentives, which have the backing of the right promotional function. The Federal Constitution of Brazil establishes the principle of the economic order (art. 170 cc art. 225), protecting the environment by restricting and monitoring of economic activity that must develop in a sustainable way. One such alternative has been the implementation of payment mechanisms for environmental services - PSA. The environmental easement is an alternative of hiring these services and its implementation will constitute a clear environmental component of concrete adoption of the concept of environmental service, to reduce emissions of greenhouse gases, the correct use of land, water, inclusion and social sustainability. Keywords: Legal. Promotional function of law. PSA. 168

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Introdução A humanidade e a vida no planeta estão sob sérias ameaças, diante da forma degradante que os recursos naturais estão sendo utilizados, sem qualquer preocupação com o seu esgotamento. Essa situação fez surgir movimentos em todo o planeta, em várias áreas do conhecimento humano, objetivando a conservação do meio ambiente para garantia da sobrevivência às gerações presentes e a possibilidade de vida às gerações futuras. O meio ambiente conservado e sadio presta vários serviços ao homem, imprescindíveis à sobrevivência da espécie no planeta, os quais sempre foram tidos erroneamente como sendo ilimitados, livres e gratuitos. Esse trabalho objetiva demonstrar a necessidade da formação da conscientização humana para o fato de que é muito mais rendoso manter os recursos naturais em sua forma originária do que eliminá-los em substituição por novas atividades econômicas. No entanto, é preciso criar meios e formas de compensação dessa manutenção, para compensação pelos custos de oportunidade. Diante de tal constatação, é preciso então buscar novos instrumentos e formas de conter essa predatória devastação do meio ambiente, utilizando os meios legais já existentes para formulação de novas estratégias de controle e conservação dos recursos naturais, vez que somente a utilização das normas de repressão não produziu resultados eficientes, além de que a punição dos infratores acaba gerando conflitos no campo e, por outro lado, a ausência de punição acaba demonstrando uma insatisfação daqueles que mantêm a preservação e a manutenção dos recursos naturais sem qualquer contraprestação, constituindo assim um verdadeiro incentivo negativo desestimulatório. A contribuição do presente trabalho é sugerir a contraprestação financeira, dentro dos meios legais vigentes, ao preservador ambiental, através de análise acerca da introdução de instrumentos de incentivo positivo, como o Pagamento por Serviços Ambientais – (PSA), que traduz um estímulo em forma de premiação à conservação dos recursos naturais. O ponto central do trabalho é demonstrar as possibilidades, limites e os aspectos jurídicos de instituição dos incentivos positivos às condutas desejáveis no trato ao meio ambiente, para conter a degradação dos recursos naturais, através do PSA. Tentando evitar esse grave problema que se instala em nossa sociedade em decorrência da produção e consumo inadequados, é que se procuram alternativas para minimizar seus efeitos e talvez retardar o que de pior existe para a humanidade, que é a convivência com a degradação de importantes ecossistemas, imprescindíveis à sobrevivência humana. A recuperação e até mesmo a restauração de tais ecossistemas, além de se constituírem em um processo lento e permanente, exigirão incalculáveis investimentos, recursos esses que poderiam ser destinados a tantas outras necessidades básicas e prementes da população, como educação e moradia, alicerces da dignidade da pessoa humana.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Revisão de Literatura No Brasil, existem várias obras teóricas que tratam do assunto sobre o tema ora proposto, inclusive já existem experiências práticas quando se trata do PSA, como fez o Estado do Amazonas com a criação do programa “Bolsa Floresta”, o município de Extrema-MG, com o Projeto Conservador das Águas, dentre outros já implementados e com resultados animadores. O grande precursor da preocupação com a degradação do meio ambiente foi o Clube de Roma, organização internacional que em 1968, composto por cientistas, industriais e grandes líderes políticos, motivaram o MIT – Massachusetts Institute of Technology, que tinha como objetivo discutir e analisar os limites do crescimento econômico levando em conta o uso crescente dos recursos naturais e mostrar ao mundo que os recursos naturais eram escassos e seria necessário mudar o modo de produção e consumo, ou seja, estabelecer limite. A Constituição Federal trouxe importante contribuição para preservação do meio ambiente, quando elegeu como direito fundamental a sua preservação. Embora ela trate esse assunto em várias referências, especificamente o faz no art. 225, ao estabelecer que: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.18

Assim, o marco teórico para fundamentar o tema e resultar na criação das leis infraconstitucionais, são os ensinamentos principiológicos constitucionais, de onde a temática ambiental e sua natureza jurídica tem seu nascedouro. Existe no Congresso Nacional um Projeto de Lei, de autoria do Executivo, que institui Programa Federal de Pagamento de Serviços Ambientais - PFPSA, onde prevê as condições e formas da sua instituição, bem como a origem dos recursos, administração, fiscalização e beneficiários, o qual, se aprovado, representará uma conquista e um avanço na conscientização social para com a conservação do meio ambiente. De forma muito apropriada e no momento que a nossa legislação ambiental caminha para a busca de soluções jurídicas para o tão sonhado desenvolvimento sustentável, valendo-se da expressão trazida por Paulo Roberto Pereira de Souza19, esse princípio ambiental é o grande desafio da humanidade no Século XXI. Tentando evitar esse grave problema que se instala em nossa sociedade em decorrência da produção e consumo inadequados, é que se procura alternativas para minimizar seus efeitos e talvez retardar o que de pior existe para a humanidade, que é a convivência com a degradação de importantes ecossistemas que são vitais para a prestação de serviços ambientais, dos quais pode depender a 18

BRASIL. Senado Federal. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988 SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O Direito Brasileiro, a Prevenção de Passivo Ambiental e seus Efeitos no Mercosul. Scientia Juris, Londrina, v.1, n.1, p. 117-151, jul./dez. 1997.

19

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL própria sobrevivência humana. A recuperação e até mesmo a restauração de tais ecossistemas além de se constituir em um processo lento e permanente exigirá incalculáveis investimentos, recursos esses que poderiam ser destinados em tantas outras necessidades básicas e prementes da população, como educação e moradia, alicerces da dignidade da pessoa humana. Resultados e Discussão O tema em estudo, embora importante do ponto de vista da sobrevivência humana, é demasiadamente controvertido, quando trata de cerceamento ou limitação de utilização dos recursos naturais, limitando a ganância da produção econômica. A adoção de tal prática justifica-se em razão de que a sustentabilidade do planeta é uma preocupação vital para humanidade, embora não seja fácil torná-la efetiva, ante o interesse econômico. O enfrentamento da problemática relacionada aos danos ambientais, especialmente em áreas rurais ou de florestas, decorre do fato de que aqueles que destroem as florestas e exploram de modo inadequado as terras veem nos seus atos agressivos ao meio ambiente fatos entendidos como normais e corriqueiros. A economia tradicional denomina tais impactos de externalidades do processo produtivo. São consideradas externalidades negativas, tudo àquilo que não integra os fatores de produção. São exemplos a destruição e queimada da floresta, a erosão do solo, o mau cheiro e o barulho das fábricas, entre outros. A chamada economia ecológica muda o conceito de externalidade e manda internalizar todos os custos e consequências ambientais, promovendo o chamado desenvolvimento sustentável. É urgente e precisam ser buscadas soluções para o problema mesmo encontrando obstáculos que a primeira vista parecem intransponíveis, mas que certamente poderão ser superados com a adoção de práticas e soluções que permitam desenvolver a atividade econômica sem degradar ou comprometer o meio ambiente. Por isso é que se torna de extrema relevância a adoção de novos parâmetros para o desenvolvimento sustentável, bem como de geração de renda ao preservador ambiental, visando a preservação dos recursos naturais para manter e até mesmo aumentar a oferta dos serviços ambientais. Os operadores do direito é quem devem estar aptos e atentos para desenvolver essa nova ordem contratual, baseada na autonomia da vontade e na função promocional do direito, através dos incentivos positivos, mas sempre objetivando a função social da propriedade rural, nos exatos termos direcionado pela nossa Constituição Federal. O momento para efetivação do PSA é agora, quando uma gama crescente da população manifesta interesse em realizar ações em favor da sustentabilidade verde do planeta, beneficiando ela própria, além das gerações por vir. Conclusão No presente trabalho, constatou-se que o PSA constitui uma nova estratégia para a gestão ambiental, que, através da cooperação e da função promocional do direito, busca o equilíbrio ecológico do meio ambiente, principalmente por se caracterizar eficaz, célere e de baixo custo. 171

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Os ecossistemas que produzem os serviços ambientais, vitais para a sobrevivência da vida no planeta, estão perdendo a sua capacidade de manutenção e conservação da oferta desses serviços, tornando urgente a tutela do meio ambiente, através de novos instrumentos, para exigir a mudança de postura das atividades econômicas, diante do nefasto contexto atual. Os instrumentos de comando e controle até então existentes não têm se revelado eficazes ou suficientes a conter os conflitos de interesses existentes entre o meio ambiente e a produção econômica, pelo contrário, acabam dificultando a harmonização entre preservação e exploração. A solução então é buscar a cooperação entre esses atores, diluindo a hegemonia dos interesses individuais para criar uma relação de interesses comuns, superando a concepção de que os recursos ambientais são inesgotáveis e fornecidos gratuitamente pela natureza. O PSA surge como um instrumento que tem capacidade de formar essa cooperação, estimulando o provedor de serviços ambientais a preservá-los, através de incentivos financeiras que compensem o custo da preservação, pagos pelo usuário dos serviços. Os serviços ambientais ofertados pela natureza são de interesse de toda a sociedade, sendo justo que aquele que cuida da manutenção, preservação e recuperação dos ecossistemas seja compensado pelos custos dispendidos. Assim, o PSA se firma como uma importante ferramenta que vem complementar os atuais instrumentos da Política Ambiental, mesmo porque é muito mais racional e econômico investir na preservação do que na reparação. Enquanto o PL 5487/2009, do Executivo Federal, não for aprovado pelo Congresso Nacional, outros instrumentos legais vigentes são autorizadores para a implementação do PSA, através de estímulos e incentivos de condutas positivas daqueles que asseguram a preservação da natureza para garantir a continuidade da oferta dos serviços ambientais. É através da função promocional do direito que o PSA se fortalece, assegurando o cumprimento das garantias fundamentais previstas na constituição, como a dignidade da pessoa humana, já consagrada pela legislação ordinária ambiental. Por fim, cabe destacar a supremacia que o programa do PSA desfruta sobre os demais instrumentos de gestão ambiental existentes, porque aglutina todos os requisitos indispensáveis à efetividade da contenção da degradação ambiental, tão importantes para a manutenção, preservação e recuperação do meio ambiente, quais sejam: cooperação, sustentabilidade financeira, soluções locais, equidade e priorização do consumo. O futuro da humanidade está em nossas mãos. Ele depende das atitudes que hoje são empregadas a favor da natureza e da eliminação das desigualdades sociais. Referências BECK, Ulrick. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Tradução de Sebastião Nascimento. 1ª. Ed. São Paulo: Editora 34, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Senado Federal. 172

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

CARDOSO, Letícia de Méllo. Servidão Ambiental – Aspectos Jurídicos e Socioambientais. Curitiba: Juruá, 2010. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Saraiva, 3ª. Ed., 2008 – 2ª. Tiragem, 2009. FURLAN, Melissa. Mudanças Climáticas e Valoração Econômica da Preservação Ambiental. Curitiba: Juruá, 2010. LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional - 8ª. Edição atualizada. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. SOUZA, Paulo Roberto Pereira de. O Direito Brasileiro, a Prevenção de Passivo Ambiental e seus Efeitos no Mercosul. Scientia Juris, Londrina, v.1, n.1, p. 117-151, jul./dez. 1997.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A OMC DIANTE DA QUESTÃO AMBIENTAL: SUSTENTABILIDADE OU NEOPROTECIONISMO COMERCIAL? THE GATT / WTO ISSUE BEFORE THE ENVIRONMENTAL: SUSTAINABILITY OR DEVELOPMENT? Álvaro André Ferro Rossi Universidade Católica de Brasília – UCB [email protected] Resumo: Das reuniões de Bretton Woods até a atualidade, verifica-se uma constante busca pelo fortalecimento da economia através da liberalização comercial. A luta pela criação da Organização Internacional do Comércio, a adoção do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio – GATT, e a criação da Organização Mundial do Comércio refletem tal fato. De outra banda, a forma predatória com que o homem passou a se apoderar dos recursos do planeta, a globalização, a facilidade de acesso à informação, assim como a conscientização de que os danos ambientais geram reflexos transnacionais, serviram de esteio para a criação de fóruns visando discutir a forma de produção adotada bem como critérios de proteção ambiental; urge destacar que o GATT/1947 já previa em seu artigo XX a possibilidade de se imporem barreiras ao comércio, dentre outras razões, com base em critérios ambientais. Nesse contexto, o conflito era inevitável, ganhando destaque à relação envolvendo meio ambiente e comércio; outra discussão de peso é a posição da OMC diante da adoção de barreiras não tarifárias de cunho ambiental, que imponham restrições ou mesmo impedimento ao livre comércio. Finalmente, ainda merece análise a discussão acerca da viabilidade de termos um sistema de produção que alie desenvolvimento a sustentabilidade. Palavras-chave: comércio; desenvolvimento; sustentabilidade; omc; Abstract: From Bretton Woods meetings until today, there is a constant quest for strengthening the economy through trade liberalization. The struggle for the creation of the World Trade Organization, the adoption of the General Agreement on Tariffs and Trade - GATT, and the creation of the World Trade Organization reflect this fact. Another banda, the predatory way that humans began to take over the planet's resources, globalization, ease of access to information, as well as awareness of the environmental damage transnational generate reflections, served as a mainstay for creating forums in order to discuss the form of production systems as well as environmental protection criteria; highlight the urgent GATT/1947 already provided in Article XX the possibility of imposing trade barriers, among other reasons, based on environmental criteria. In this context, the conflict was inevitable, gaining prominence 174

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL to the relationship involving the environment and trade; another discussion of weight is the position of the WTO before the adoption of non-tariff barriers to environmental nature, imposing restrictions or impediment to free trade. Finally, the analysis still deserves discussion about the feasibility of having a production system that combines sustainable development. Keywords: trade, development, sustainability; wto. 1. Introdução O comércio tem papel central na produção de riqueza, sendo assim fonte de desenvolvimento e prosperidade; o comércio forte reflete-se na visão de uma economia estável e conduz a noção de melhor distribuição de renda e menor disparidade social. O próprio Estado se fortaleceria nesse ambiente. Não podemos descurar, todavia, que nem sempre isso acontece dessa forma: há quem aponte grandes disparidades sociais em locais de comércio pujante; não bastasse, o uso indiscriminado de recursos gera um passivo muito elevado, nas mais diversas áreas, inclusive no que se refere ao meio ambiente, uma vez que esses recursos são finitos e em alguns casos, não renováveis. De toda sorte, nosso objetivo num primeiro momento é estabelecer as premissas da atual ordem econômica global, apresentando a base em que se fixaram os principais organismos internacionais da atualidade, firmados a partir da reunião promovida em Bretton Woods e que resultou no Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, no Fundo Monetário Internacional – FMI e, principalmente, na proposta de criação de uma Organização Internacional do Comércio – OIC, que acabou não ocorrendo, mas que propiciou a adoção provisória do GATT, convertido posteriormente em Organização Mundial do Comércio – OMC. Num segundo momento, partir-se-á para uma singela análise de alguns fatores com influência decisiva no aprimoramento da economia internacional, como o comércio, o desenvolvimento e a globalização. Passo seguinte é apontar a celeuma que cerca as barreiras não tributárias de cunho ambiental no seio da Organização Mundial do Comércio, assim como o entendimento do órgão de solução de controvérsias da mesma sobre o assunto. 175

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Finalmente, abordaremos a discussão acerca dos novos modelos de protecionismo adotado por alguns Estados visando favorecer seu mercado interno em

detrimento

aos

demais

atores

internacionais,

tentando

delimitar

as

conseqüências econômicas e a atuação da OMC. 2. Economia Internacional e Desenvolvimento A política econômica internacional é relacionada diretamente com a atuação de diversos atores internacionais, sabendo-se que alguns Estados por seu poder econômico detêm maior poder para influenciar tais políticas de acordo com o que lhes for conveniente. Um claro exemplo dessa influencia pode-se extrair no contexto do colonialismo imposto por nações desenvolvidas que buscavam, a seu modo, corrigir distorções econômicas e sociais existentes em países periféricos ou em estágio inicial de desenvolvimento, impondo-lhes assim uma sistemática que acabou sendo ineficaz, deixando de atingir os objetivos e ainda colocando tais países em situação de dependência. Não podemos ignorar ainda o insucesso do liberalismo, vitimado pelo excessivo protecionismo após a primeira-guerra mundial, bem como o agravamento da desestruturação da economia européia após a segunda-guerra mundial, cujo continente estava destroçado em função do embate bélico e carecia de que lideranças se levantassem e ditassem uma forma de reconstrução. Nesse contexto ganha espaço a formatação de uma ordem econômica baseada na retomada do comércio fundado na cooperação e universalismo entre Estados, com a derrubada de barreiras e a retomada do liberalismo comercial, vez que o sistema financeiro internacional não poderia ficar a mercê da sorte. É a partir dos acordos firmados em Bretton Woods que passamos a ter a estrutura jurídica do comércio internacional atual, com reflexo na criação do Fundo Monetário Internacional – FMI, do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, bem como a idealização de uma Organização Internacional do Comércio – OIC, que acabou não saindo do papel diante da 176

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ausência de ratificação de algumas das nações participantes do encontro, impedindo assim o total sucesso das propostas discutidas naquela ocasião.20 Apesar da OIC não ter se concretizado, não pode ser vista como um fracasso, pois sua principal instituição – o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, acabou sendo aproveitada. De fato, a formatação de tal acordo foi ajustada durante o desenvolvimento da própria OIC, e para não perderem as concessões tarifárias já firmadas nas reuniões multilaterais ocorridas anteriormente, na Conferência de Havana se optou pela inclusão do mesmo no texto final, ou seja, na Carta de Havana. Para termos uma base dos moldes que culminaram com a adoção desse acordo, nos socorremos na obra da Dra. Silvia Menicucci de Oliveira, que com propriedade explica: A segunda sessão do comitê preparatório aconteceu em Genebra, junto às negociações do GATT, no período entre abril e outubro de 1947. Nessa ocasião discutiu-se a elaboração da Carta da OIC, que foi o documento base da Conferência de Havana, assim como das negociações multilaterais para o GATT. O ato final dessa sessão, assinado em 30 de Outubro de 1947, formalizou o GATT e o Protocolo de Aplicação Provisória (em vigor a partir de 1.º de janeiro de 1948). As disposições do Capítulo IV (Política Comercial) da Carta de Havana constituíram o texto do GATT.21

Assim, mesmo não sendo uma organização internacional, esse acordo fez às vezes de um organismo internacional e funcionou plenamente no período de 1947 até 1994. Sua atuação se dava através de encontros de negociações multilaterais. Durante sua existência, ocorreram oito Rodadas de Negociações. Como acordo multilateral que era, visava o crescimento do comércio internacional, o pleno emprego e a melhoria da qualidade de vida. Não podemos ser induzidos a crer, no entanto, que tal acordo era visto com bons olhos pelos participantes, que invariavelmente se mostravam insatisfeitos. José Carlos Magalhães lembra que “O Acordo Geral era encarado pelos países menos 20

BARRAL; Welber Oliveira. O Comércio Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. P. 19. OLIVEIRA; Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 34. 21

177

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL desenvolvidos, como entrave aos seus projetos de industrialização, pois os inibia de exercitarem, com sucesso, políticas protecionistas e acordos preferenciais bilaterais.”22 Destaca ainda esse autor que os países em desenvolvimento revoltavam-se com o fato de que os países industrializados manipulavam o GATT sempre que se viam em situação que fosse de encontro aos seus interesses, pois “[...] usavam de seu poder para modificar as regras estabelecidas, ou introduzir novas, ou ainda, adotando práticas protecionistas que afetavam significativamente os países não industrializados, exportadores de produtos primários, [...].” 23 Como se pode inferir, o interesse na liberalização comercial já se fazia presente no pós-guerra, pois o comércio foi visto como a solução para a reconstrução e a recuperação da economia em âmbito global. Entretanto, poucos poderiam imaginar a rapidez com que o crescimento se fez presente, e quando falamos em crescimento referimo-nos nas mais diversas áreas, pois houve um boom populacional, com incremento significativo nas comunicações, transportes e necessidades humanas, que com grande voracidade torna-se cada vez mais consumista. Há esse fenômeno extraordinário denominou-se globalização, que para alguns existe desde a antiguidade, mas para outros somente vai se caracterizar em meados da década de 1980. O fato é que a globalização veio alterar significativamente os rumos da humanidade. No âmbito econômico não poderia ser diferente. Assim, a globalização da economia teve forte reflexo no cenário internacional, derrubando fronteiras e fortalecendo o comércio. O comércio internacional exigia um organismo com poder maior que um simples acordo que poderia ser a qualquer momento descumprido ou manipulado, principalmente por países desenvolvidos. Nesse ambiente que ocorreu o último encontro do GATT, que iniciou-se em 1986 e prosseguiu até 1994, tendo culminado com a assinatura, dentre outros, do Acordo de Marraqueshe, criando a Organização Mundial do Comércio – OMC, que agregou todas as regras e acordos do GATT, e

22 23

MAGALHÃES, José Carlos de. Direito Econômico Internacional. 1º Ed. Curitiba: Jurúa. 2006. P. 71. MAGALHÃES. José Carlos de; Idem. P. 72.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL passou a servir como um local para o fortalecimento das negociações acerca do comércio internacional, com sua conseqüente liberalização. A importância dessa organização é imensurável, pois já nasceu com grande poder e ainda mantendo tudo que outrora havia sido entabulado no seio do GATT; além disso, incrementou a análise de temas correlatos a matéria comercial, propiciando um espaço de debate inclusive para temas de grande relevância e que foram se ampliando no decorrer da década de 1980/90 e que não estavam tendo a devida atenção do GATT, como é o caso do meio ambiente. Outrossim, o fato de contar com um Órgão de Solução de Controvérsias – OSC, com poder para dirimir conflitos e impor sanções aos membros da Organização lhe conferiu um caráter de maior seriedade em relação a sua antecessora. 3. A OMC: Ambiente x Comércio As discussões envolvendo simplesmente matéria comercial por si já seriam complexas o suficiente para manter décadas de debate entre nações; imagine-se então contrapor dois temas de tão grande relevância, com tão intima ligação e cuja interação é praticamente inconciliável. A preocupação com os recursos naturais é antiga, porém a mobilização e o reconhecimento dos impactos transnacionais são de certa forma recente. Cumpre destacar, nesse ponto, que “A questão ambiental começou a tomar uma dimensão internacional principalmente com a conferência de Estocolmo em 1972 e de maneira mais marcante com a Conferência do Rio, em 1992.”24 Complementa-se que a “[...] efervescência da questão ambiental no cenário internacional também pode ser percebida pelo grande número de acordos ambientais que são criados desde então. Os Acordos Ambientais Multilaterais [...].25 24

ALMEIDA; Luciana Togeiro. DUTRA; Paula Hebling. D‟Ancona. Mauro. Comércio e Meio Ambiente. In Economia Política Internacional: Análise Estratégica. N. 1-abr/jun. 2004. P. 1 Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/asp-scripts/boletim_ceri/boletim/boletim1/07-lucianapaula.pdf 25 ALMEIDA; Luciana Togeiro. DUTRA; Paula Hebling. D‟Ancona. Mauro. Comércio e Meio Ambiente. Idem.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A Dra. Vera Thorstensen, ao introduzir a discussão sobre o assunto, aponta: O debate vem surgindo sobre comércio e meio ambiente envolve o conflito entre duas políticas com objetivos distintos, a do comércio exterior e a de meio ambiente. A política de Comércio Exterior objetiva a liberalização do comércio internacional, enquanto que a Política de Meio Ambiente defende a preservação do ambiente em termos físicos, a saúde e a segurança humana, a proteção ao consumidor e o tratamento dado aos animais.26

Tal discussão, no âmbito do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, não se apresenta da mesma forma que vista na atualidade, eis que a vocação do GATT era pela liberalização progressiva das barreiras que implicassem qualquer forma de limitação ao livre comércio; vale lembrar que esse acordo é parte de uma proposta mais ampla, fomentada no pós-guerra e que remonta ao período de 1947/1948, onde, apesar de constar de forma expressa algumas das previsões ainda mantidas pela OMC, como é o caso do artigo XX, o foco no progresso econômico e comercial era muito mais visado que hodiernamente. Muito distinta é a situação da Organização Mundial do Comércio – OMC, que foi forjada num ambiente de maior preocupação com o planeta e a garantia de preservação de seus recursos naturais para as atuais e também para as futuras gerações. A criação da OMC exigia uma postura distinta, o que foi atendido já em seu preâmbulo, na fixação do objetivo de alcançar o desenvolvimento sustentável. Temos assim que a OMC não fixa seu foco na questão ambiental, continuando vinculada ao interesse econômico e comercial, mas ao menos abre um espaço real para a análise de temas ligados ao meio ambiente e ao desenvolvimento sustentável; não estamos dizendo com isso que haverá predominância ou mesmo equilíbrio de tais temas em caso de contraposição a temas ligados ao comércio, mas simplesmente destacando que agora efetivamente se pode levar tais aspectos para análise junto a essa organização, que disponibiliza um sistema de solução de controvérsias para análise e decisão. 26

THORSTENS, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio : as regras do Comércio Internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. Coordenadora Yone Silva Pontes. 2º Ed. São Paulo : Aduaneiras, 2001. P. 288.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL É interessante também lembrar que “[...] a OMC é uma instituição competente para tratar das questões relacionadas ao comércio internacional e não propriamente ao meio ambiente.”27, embora se esforce para demonstrar sua preocupação com matérias que, mesmo não lhe sendo atinentes, de alguma forma podem estar relacionadas a questão comercial, destacando-se nesse sentido a existência do já mencionado Comitê de Comércio e Meio Ambiente (CTE – Committee on Trade and Environment). Para melhor entendermos a dinâmica do CTE, é bom sabermos que: O CTE tem a responsabilidade de cobrir todas as áreas do sistema de comércio: bens, serviços e propriedade intelectual. Seu mandato é “identificar a relação entre medidas comerciais e medidas ambientais, para promover o desenvolvimento sustentável [e] fazer as recomendações apropriadas sobre a possível necessidade de se modificar alguma provisão do sistema multilateral de comércio” (parágrafo da Decisão sobre Comércio e Meio Ambiente).28

A importância desse comitê é significativa, porém, como bem ensina a Doutora Renata de Assis Calsing, ele deverá sempre reconhecer que sua atuação é vinculada ao direito comercial e ao comércio, não tendo jurisdição em questões ambientais, assim como reconhecer que os conflitos existentes entre o comércio e o meio ambiente devem observar os princípios da OMC, que por si já representariam o interesse na proteção ambiental.29 Para

Albuquerque

Mello,

essa

importância

dedicada

ao

comércio

internacional se justifica na medida em que ele representa um instrumento capaz de combater ou agravar o subdesenvolvimento, conforme sua utilização.30 Comércio e meio ambiente são temas conexos, e eventualmente, acabam colidindo, gerando conflitos, pois onde existem interesses em disputa, não raras

27

QUEIROZ. Fábio Albegaria. Meio Ambiente e Comércio Internacional. Curitiba. Jurúa. 2010. P. 93. ALMEIDA; Luciana Togeiro. DUTRA; Paula Hebling. D‟Ancona. Mauro. Comércio e Meio Ambiente. In Economia Política Internacional: Análise Estratégica. N. 1-abr/jun. 2004. P. 1 Disponível em:

28

http://www.eco.unicamp.br/asp-scripts/boletim_ceri/boletim/boletim1/07-lucianapaula.pdf 29

CALSING, Renata de Assis; MARINHO, M.E.P. A relação entre propriedade intelectual e o meio ambiente no âmbito na OMC. Revista Eletrônica de Direito Internacional, v. II, 2008. P. 526. 30 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. P. 87.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL vezes uma das partes ficará insatisfeita, entendendo ter sido prejudicada. Para encontrar uma solução pacífica, há muito vem se idealizando um modelo adequado. Tal situação por vezes se apresenta controversa, ainda mais quando se fala numa entidade de comércio buscando regular também a pauta ambiental; ora, essa entidade ao mesmo tempo que aponta objetivos preservacionistas justifica de outra banda que em caso de conflito quem predominará é o aspecto comercial, ou seja, na prática não se estaria efetivamente interessado na solução justa. Diante dessa situação não são poucas as pessoas que apontam a necessidade de um espaço adequado para tratar especificamente dos interesses ambientais, inclusive destacando a necessidade da criação de uma organização internacional de meio ambiente. 4. O Sistema GATT/OMC, as Barreiras Não-Tarifárias de Cunho Ambiental e o Neoprotecionismo comercial O intuito quando da realização da reunião de Bretton Woods, como pudemos inferir, além de criar um Fundo Monetário Internacional e um Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento era alicerçar o tripé que sustentaria o sistema financeiro internacional, para o que se criaria também uma Organização Internacional do Comércio. Mesmo isso não tendo ocorrido imediatamente, nem na forma como se projetou inicialmente, é indiscutível que já em 1947, e, portanto muito antes da eclosão da questão ambiental, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, adotado provisoriamente até que se providenciasse um organismo efetivo, já dispôs de um mecanismo para barrar impactos ambientais que redundassem em prejuízo a um dos países envolvidos em relação comercial. É evidente que o interesse no acordo era liberalização comercial, não se descurando, no entanto, da necessidade de permitir algumas exceções, em determinados casos de cunho tarifário, em outros de cunho não-tarifário, como é o caso da proteção ao meio ambiente. Em resumo, o próprio acordo previu algumas válvulas de escape ao acordo. 182

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Com o advento da Organização Mundial do Comércio o Artigo XX foi automaticamente incorporado ao texto. Dessa maneira, a OMC conseguiu ampliar sua abrangência, tornando-se também um “[...] foro para discussão de temas relacionados ao comércio, como meio ambiente, investimentos, concorrência, facilitação do comércio, comércio eletrônico e cláusulas sociais.”31 Além disso, a OMC, embora não tendo nenhuma normativa específica acerca do meio ambiente, em seu preâmbulo defende o uso adequado dos recursos naturais visando o desenvolvimento sustentável. Conforme já destacado, para garantir a efetividade desse objetivo, criou o Comitê de Comércio e Meio Ambiente (CTE – Committee on Trade and Environment), que “[...] representa um fórum específico e permanente no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), onde são discutidas e podem ser tomadas decisões sobre a relação entre comércio internacional e meio ambiente.” 32 Cumpre nessa ocasião, todavia, tratar do tema de maior interesse, ou seja, a possibilidade legal de violação ao acordo, com base numa exceção não-tarifária de cunho ambiental, conforme previsão do Artigo XX, alíneas b e g, apresentadas in verbis: Artigo XX – Exceções gerais. Sob reserva que estas medidas não sejam aplicadas de modo a constituírem um meio de discriminação arbitrário ou injustificável entre os países onde as mesmas condições existem, ou ainda uma restrição disfarçada ao comércio internacional, nenhum ponto do presente Acordo será interpretado para impedir a adoção ou aplicação por qualquer parte contratante das medidas; (…). b) necessárias à proteção da saúde e da vida das pessoas e dos animais ou à preservação dos vegetais; (…). g) relacionando-se a conservação dos recursos naturais esgotáveis, se tais medidas são aplicadas conjuntamente com as restrições à produção ou ao consumo nacional; (…).

31

THORSTENS, Vera. Idem. P. 43. SILVA. Henry Iure de Paiva; Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC: Informações sobre o seu papel, atribuições e funcionamento. Pensar, Fortaleza, v. 13, n. 2 p. 205-215, jul./dez. 2008. P. 206.

32

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O primeiro ponto que chama a atenção é o preâmbulo, que determina não sejam as exceções apresentadas utilizadas de forma a caracterizarem discriminação ou ainda restrição disfarçada ao comércio, de maneira que o próprio GATT já sabia que abrir tal porta fatalmente haveria aqueles que iriam querer se aproveitar, utilizando-se de argumentos legítimos para encobrir sua finalidade protecionista. No que tange as exceções propriamente ditas, não resta dúvida de que remetem a proteção a saúde, a vida das pessoas, animais e preservação dos vegetais, bem como com a conservação dos recursos naturais renováveis esgotáveis, alicerçado, esse último quesito, no princípio que será posteriormente melhor analisado e que se refere ao tratamento nacional. A melhor doutrina aponta o risco na ampla utilização do art. XX, destacando que o próprio preâmbulo já deve ser visto como uma medida restritiva, como se vê: Como é óbvio, quanto mais ampla for a interpretação do art. XX, maior será a margem de manobra dos membros da OMC para recorrerem a medidas restritivas do comércio internacional. Mas, antes de examinar se uma medida pode ser justificada ao abrigo das excepções gerais previstas no art. XX, é necessário determinar se a medida viola realmente um dos princípios fundamentais do GATT. Se a medida em causa não é incompatível com nenhum desses princípios fundamentais, não há necessidade de justificá-la com as excepções gerais do art. XX.33

A fim de evitar a utilização do uso de medidas de protecionismo encoberto por interesses legítimos ou o dito neoprotecionismo comercial desde a implantação do GATT, com seu tradicional artigo XX já apontava alguns requisitos a serem conjugados para sua implementação. Além disso, na prática se conjugava a aplicação daquele artigo com outro, a saber o art. I, que destaca o uso do princípio da não discriminação, que impõe a uniformização das medidas comerciais a todos os seus parceiros, de maneira que lhe é vedado criar um ambiente favorável a determinados atores em detrimento de outro, em evidente atitude discriminatória. No contexto de nossa abordagem, os 33

MOTA; Pedro Infante. O Sistema GATT/OMC: Introdução histórica e princípios fundamentais. Edições Almedina, S/A. Coimbra. 2005. P. 429.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL parâmetros ambientais adotados em relação a um Estado ou um grupo de Estados deve ser alçado a todos, não sendo coerente ter um duplo posicionamento em prejuízo a um dos parceiros comerciais. Também temos o art. III, que se refere ao princípio do tratamento nacional, que tem uma postura importante, eis que impede a imposição de restrições aos parceiros comerciais no âmbito internacional que não sejam impostas igualmente aos membros internos, ou seja, seus nacionais. Não é permitido assim criar exigências que os próprios nacionais não tenham que respeitar. De toda sorte, no que tange a aplicação do art. XX, alínea d “[...] a parte que a invoca tem de demonstrar, primeiro, que a medida tem por objectivo proteger a saúde e a vida das pessoas e dos animais ou a preservação dos vegetais; segundo, que a medida é necessária à protecção desses valores; e, finalmente, que a medida aplicada respeita o disposto no prólogo do art. XX.” 34 No mesmo sentido é a aplicação do art. XX, alínea g, devendo conjugar assim os seguintes elementos: [...] em primeiro lugar, a medida deve ter por objecto „assegurar a aplicação de leis e regulamentos que não sejam incompatíveis com as disposições do GATT de 1994‟; em segundo lugar, a medida deve ser „necessária‟ para assegurar essa aplicação; finalmente, a medida deve ser aplicada respeitando o disposto no prólogo do art. XX.35

Várias vezes o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC já foi instado a se manifestar frente a situações envolvendo disputadas motivadas pela limitação comercial imposta com fulcro na proteção ambiental. A título de exemplo, pode-se citar o painel do amianto (Canadá versus França); painel da gasolina (Brasil e Venezuela versus EUA); painel Atum-Golfinho (México e os EUA); Painel CamarãoTartaruga, (Índia, Malásia, Paquistão e Tailândia versus EUA); também o Painel Carne-Hormônio (Canadá e EUA versus União Européia). Assim, sem excluir outras possibilidades, temos dois cenários distintos com poder de influenciar diretamente o comércio internacional. Num primeiro momento, 34 35

MOTA; Pedro Infante. Idem. P. 423. Mota; Pedro Infante. Idem. P. 435.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pode um Estado criar obrigações ambientais de tal rigidez que inviabilize as exportações de outro, inclusive contrariando as normas previstas na OMC. Nesse ponto, sob “[...] argumento de defesa de objetivos legítimos, exigências técnicas podem esconder medidas cujo propósito é, basicamente, afastar a concorrência internacional e assegurar mercado a produção doméstica.” 36 Por certo que este cenário é mais propício a gerar controvérsias comerciais, principalmente se houver a obrigação imputada somente para determinados Estados, em evidente discriminação. De outra banda, num segundo cenário, podem vários Estados firmarem um acordo multilateral ambiental. A situação de Estados que não façam parte desse acordo, mas que exportem produtos para algum deles pode gerar controvérsias, pois teriam que se adequar a normas que não subscreveram, e que muitas vezes sequer estão de acordo com a OMC. Para tentar disciplinar o comércio e evitar tais práticas protecionistas, o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC se utiliza do princípio da nação mais favorecida, que impede que um Estado importador crie padrões ambientais para um Estado Exportador diferente do exigido para os demais. Também se fixa no princípio do tratamento nacional, onde as exigências impostas aos produtos importados não podem ser superiores aquelas previstas para os produtos nacionais. 5. Conclusão Disciplinar o comércio, em si, já seria tarefa hercúlea; agregando-a a disciplina também do meio ambiente poder-se-ia falar em tarefa impossível. Isso no entanto que constatamos estar ocorrendo no seio da Organização Mundial do Comércio. A realidade é que no âmbito do GATT, as controvérsias não tinham uma solução efetiva, pois suas decisões não obrigavam as partes, preocupação esta que 36

AMARAL; Manuela Kirschner do. Proteção Ambiental e Comércio: Limites entre a Defesa de Objetivos Legítimos e Protecionismo Disfarçado. Tese de Mestrado. UNB. 2007.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL embasou o fortalecimento desse ponto nas negociações que antecederam a criação da OMC/GATT. Atualmente, o sistema é composto pelo Órgão de Solução de controvérsias (OSC), integrado por todos os Membros; possui também um Órgão de Apelação, que não representa qualquer governo, além de vários especialistas sobre o assunto, que serão escolhidos e irão compor um painel, analisando a controvérsia e emitindo seu parecer.37 Com a Organização Mundial do Comércio a situação melhorou parcialmente, tendo há havido inúmeras intervenções desta em questões contrapondo meio ambiente e comércio. Mesmo assim, a predominância declarada é em função a esse último. Ainda assim, temos a utilização das barreiras não-tarifárias ora como objetivo legitimo para fixação de limites ao comércio, e em outras o uso diretamente relacionado a políticas protecionistas, visando resguardar o mercado, a industria e a economia interna, configurando-se o que hoje é denominado de neoprotecionismo comercial. Apesar disso, a grande dificuldade é distinguir a intenção dos países que entraram em contendas. Nesse ponto a exegese da Organização Mundial do Comércio e a análise detalhada do Art. XX. 6. Referências ALMEIDA; Luciana Togeiro. DUTRA; Paula Hebling. D‟Ancona. Mauro. Comércio e Meio Ambiente. In Economia Política Internacional: Análise Estratégica. N. 1-abr/jun. 2004. P. 1 Disponível em: http://www.eco.unicamp.br/aspscripts/boletim_ceri/boletim/boletim1/07-lucianapaula.pdf AMARAL; Manuela Kirschner do. Proteção Ambiental e Comércio: Limites entre a Defesa de Objetivos Legítimos e Protecionismo Disfarçado. Tese de Mestrado. UNB. 2007. BARRAL. Welber Oliveira. O Comércio Internacional. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. CALSING, Renata de Assis; MARINHO, M.E.P. A relação entre propriedade intelectual e o meio ambiente no âmbito na OMC. Revista Eletrônica de Direito Internacional, v. II, 2008. 37

BARRAL; Welber Oliveira. P. 56.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

MAGALHÃES; José Carlos de. Direito Econômico Internacional. 1º Ed. (ano 2005), 2º tir. Curitiba: Juruá, 2006. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Internacional Econômico. Rio de Janeiro: Renovar, 1993. MOTA; Pedro Infante. O Sistema GATT/OMC: Introdução histórica e princípios fundamentais. Edições Almedina, S/A. Coimbra. 2005. QUEIROZ. Fábio Albegaria. Meio Ambiente e Comércio Internacional. Curitiba. Jurúa. 2010. SILVA. Henry Iure de Paiva; Comitê de Comércio e Meio Ambiente da OMC: Informações sobre o seu papel, atribuições e funcionamento. Pensar, Fortaleza, v. 13, n. 2 p. 205-215, jul./dez. 2008. THORSTENS, Vera. OMC – Organização Mundial do Comércio: as regras do Comércio Internacional e a nova rodada de negociações multilaterais. Coordenadora Yone Silva Pontes. 2º Ed. São Paulo : Aduaneiras, 2001. OLIVEIRA; Silvia Menicucci de. Barreiras não tarifárias no comércio internacional e direito ao desenvolvimento. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ANÁLISE EMPÍRICA DAS DIFICULDADES ATRELADAS À REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL NA AGRICULTURA FAMILIAR EMPIRICAL ANALYSIS OF THE ISSUES REGARDING THE ENVIRONMENTAL REGULARIZATION IN FAMILY AGRICULTURE Natália Jodas, MAE – Meio Ambiente Equilibrado, [email protected] Karoline Cristyna Ribeiro, MAE – Meio Ambiente Equilibrado, [email protected] Resumo: As dificuldades relativas ao cumprimento da legislação florestal no Brasil, tocantes, especialmente, à regularização da propriedade rural, estiveram comumente vinculadas à inefetividade da Lei Federal nº. 4.771/1965. Sob o pretexto da impossibilidade de aplicação dos parâmetros ambientais preconizados por esta norma, engendrou-se celeremente no cenário político nacional um movimento incentivador à revogação de suas linhas, intento que se consumou no ano de 2012, através da publicação da Lei Federal nº. 12.651/2012. Nesse contexto, o Projeto “Londrina Verde-PDA”, programa local subsidiado pelo Ministério do Meio Ambiente, foi a experiência que esta pesquisa debruçou-se, tendo o escopo de demonstrar que os agricultores familiares, em específico, detêm dificuldades de regularização ambiental relacionadas a empecilhos sucessórios, fundiários e vinculados ao acesso à informação, situação sobremaneira divorciada do discurso hegemônico que sustenta que os problemas da agricultura familiar estavam atrelados às exigências ambientais do antigo Código Florestal (Lei Federal nº. 4.771/65). Palavras-Chave: Lei Federal nº. 4.771/65; Regularização Ambiental; Agricultura Familiar;

Lei

Federal

nº.12.651/2012;

Abstract: The difficulties in implementation of environmental law in Brazil connected with the regularization of rural property were commonly attributed to the ineffectiveness of Federal Law 4.771/65. Under the pretext of the impossibility of compliance with the environmental rules of the aforementioned Law, a nationwide movement led by large landowners began a battle for its abolishment. This movement managed to quash Law 4.771/65 and institute Law 12.651/2012. In this context, the Londrina Verde-PDA, local program subsidized by the Environmental Ministry is the experience analyzed by this research, with aims of demonstrating that family agriculture (small landowners) has specific problems in regularizing their properties environmental wise, because of issues ranging from inheritance problems, land registry problems, and information problems. The experience of PDA has shown that the dominant discourse is incorrect, and the problems with small landowners had no correlation with the environmental clauses in Law 4.771/65. Keywords: Federal Law n.º 4.771/65; Federal Law n.º 12.651/2012; environmental regularization; family agriculture (small landowners);

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INTRODUÇÃO As principais dificuldades atreladas à regularização ambiental das propriedades rurais, em especial à preservação das matas ciliares e à averbação da Reserva Legal, tiveram suas causas comumente ligadas à ineficácia do revogado Código Florestal (Lei Federal nº. 4.771/65). Este discurso, propagado principalmente por proprietários rurais que desobedeceram à antiga lei florestal, tomou significativa dimensão nas últimas décadas, fato, inclusive, influenciador da recente aprovação de um novo Código Florestal (Lei Federal nº. 12.651 de 25 de maio de 2012), norma que se encontra em fase de deliberação na Câmara dos Deputados quanto às alterações propostas pela Medida Provisória nº. 571 de 25 de maio de 2012. Em oposição aos fatores propulsores das mudanças à lei revogada, tão difundida nas últimas décadas, o presente trabalho tem o escopo de demonstrar que a realidade ligada à regularização ambiental é completamente distinta, já que os empecilhos jurídicos que distanciam o proprietário da legalização encontram-se, muitas vezes, em questões fundiárias, aspectos legais da terra, mora cartorial, desconhecimento sobre as linhas do próprio Código Florestal (lei anterior), dentre outros, nenhum relacionado propriamente à ineficácia da lei hoje revogada. A exposição do Projeto “Londrina Verde – PDA”, programa de regularização ambiental financiado e incentivado pelo Ministério do Meio Ambiente e governo alemão, é o caso concreto que esta pesquisa utiliza para desenvolver suas conclusões relativas aos reais empecilhos ligados à regularização ambiental. Tal situação tem demonstrado, in loco, que a ausência de fiscalização do Poder Público, a inexistência de subsídios deste ao agricultor, bem como os embaraços jurídicos fundiários da propriedade em si é que corroboraram a ineficácia do revogado Código Florestal (Lei nº. 4.771/65) e não os níveis de exigência previstos nas suas linhas. Desse modo, o trabalho inicia-se com ênfase ao direito de propriedade e ao seu caráter não absoluto irradiado pela função social, princípio inovador trazido pela Constituição Federal de 1988. Após breve análise sobre a Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL), institutos previstos tanto no antigo como no recente Código Florestal, expõe-se o Projeto “Londrina Verde – PDA” implementado em Londrina/PR, oportunidade em que se concatenarão suas metas, 190

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL objetivos e parcerias no intuito de sistematizar as dificuldades atreladas à regularização ambiental que levam esta pesquisa a uma nova perspectiva em relação ao debate sobre a efetividade do revogado Código Florestal brasileiro. 1 O DIREITO FUNDAMENTAL À PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO SOCIAL A noção de propriedade sempre esteve baseada na relação do homem com a natureza e o aproveitamento que este vinha a fazer dos bens, sendo a propriedade delimitadora, no plano legal, dos poderes que um homem pode exercer sobre diversas coisas que captura (MARCHESAN, 2008). O direito de propriedade foi comumente considerado a espinha dorsal do direito privado e, durante longa data, foi tratado sob o prisma manifestadamente individualista (CATALAN, 2007, p. 516), típico de uma natureza absoluta, intocável e perpétua, sendo o Código Civil brasileiro de 1916 influenciado pelo Código Napoleônico (CATALAN, 2007, p.516), a fonte normativa propagadora de sua “petrificação”. A partir da Idade Contemporânea, à luz do movimento socialista utópico capitaneado por Roberto Owen, Saint-Simon e Fourier, do movimento anarquista de Proudhon e do comunismo de Karl Marx e Friedrich Engels (ORRUTEA apud TAVARES, 2006, p. 605), a propriedade assumiu uma conotação social, em oposição à característica essencialmente individualista de outrora. Com

as

crises

cíclicas

do

mercado

capitalista,

que

levaram

à

desestruturação dos fatores econômicos, intensificação das diferenças sociais e consequente surgimento de efeitos externos à produção, como as variações climáticas, secas, inundações, esgotamento dos recursos naturais, emergiu o papel estatal de mitigar os efeitos do Liberalismo, através da atenuação de suas características, quais sejam, a liberdade contratual e a propriedade privada (STRECK, MORAIS, 2012, p. 73 e 74). Da propriedade com direito de uso, gozo e disposição plenos passou-se à propriedade com uma exigência funcional, sendo determinante sua utilização produtiva e não mais o seu título formal (STRECK, MORAIS, 2012, p. 75).

191

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A necessidade de intervenção do Estado no cenário das crises capitalistas do século XX contribuiu à noção de que o ente estatal não poderia mais se omitir no ordenamento social da propriedade, devendo, ao contrário, fornecer instrumentos legais e eficazes para assegurar o uso útil e produtivo pelo proprietário, sua família e grupo social (VENOSA, 2007, p. 144), tendo o intuito primordial de fomentar o bom uso da terra. Sílvio Venosa (2007, p. 147) acredita que a justa aplicação do direito de propriedade depende do encontro do ponto de equilíbrio entre o interesse coletivo e o individual, parâmetro que a Constituição Federal de 1988 buscou respaldar no catálogo dos direitos e garantias fundamentais, elencando o direito fundamental à propriedade (artigo 5º, inciso XXII)

38

e, conjuntamente, a necessidade de

atendimento à sua função social (artigo 5º, inciso XXIII). O degrau especialmente traçado pelo constituinte no tocante à função social condiciona a garantia da propriedade ao atendimento desta finalidade, ensejo que divorcia a propriedade do seu caráter unicamente privado e individualista de outros tempos, acarretando a obrigação de fazer-se compatível às necessidades sociais, na esteira dos ditames da justiça social. Como bem observa José Afonso da Silva (2003, p. 273), o regime jurídico da propriedade não é uma função do Direito Civil, mas de um complexo de normas administrativas, urbanísticas, empresariais (comerciais) e civis, sob o fundamento das normas constitucionais. Desse modo, as noções ligadas à propriedade passam a ser interpretadas conforme a Constituição (TAVARES, 2006, p. 612), sobrepostas ao imperativo constitucional de que a propriedade cumpra sua função social. A função social está de tal modo ligada ao direito de propriedade que passa a ser um pressuposto deste direito. Sem função social, não mais existe propriedade legalmente protegida (MARMELSTEIN, 2011, p.165), uma vez que o texto constitucional

autorizou

a

denominada

desapropriação

extraordinária

38

Há diversas normas constitucionais que se referem ao direito de propriedade: arts. 5º, XXIV a XXX; 170, II e III; 176; 177 e 178; 182 a 186; 191 e 222.

192

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL (“desapropriação sanção”)39 para fins de penalização face ao descumprimento da função social. Nesta linha, o texto constitucional previu a incidência da função social tanto no imóvel urbano quanto no rural, sendo que o presente trabalho voltar-se-á ao estudo especificamente da propriedade agrária. Cumpre, a princípio, definir, ainda de forma simplificada, o que seja propriamente o imóvel rural. Consoante a Lei de Reforma Agrária (Lei Federal nº. 8.629/1993), a distinção do imóvel rural é embasada na destinação econômica do mesmo, ou seja, do uso preponderante da propriedade. Em sendo assim, o imóvel rural é aquele cuja finalidade atrela-se à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial40. Destarte, pode-se inferir que propriedade rural satisfaz a função social quando, simultaneamente, aproveitar e utilizar adequadamente os recursos naturais, preservar o meio ambiente, atender à legislação trabalhista e exercer exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e trabalhadores, conforme expressa disposição do 186 do texto constitucional. Citados requisitos objetivam proteger o patrimônio histórico, a fauna e a flora, o equilíbrio ecológico, manter a riqueza advinda da propriedade, bem como valorizar aquele que se utiliza validamente do bem (VENOSA, 2007, p. 148). A função social da propriedade não pode ser confundida com a limitação administrativa decorrente do poder de polícia, uma vez que aquela corresponde à

39

Constituição Federal, artigo 182: “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes. [...]§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: [...] III desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais. [...] Artigo 184: Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei”. 40 O artigo 4º, inciso I, da Lei da Reforma Agrária atribuiu definição mais precisa acerca do imóvel rural, embora o Estatuto da Terra (Lei Federal nº. 4.504/1964) tenha adotado também definição parcialmente semelhante.

193

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL estrutura do próprio direito à propriedade, enquanto esta diz respeito ao exercício do direito do proprietário (SILVA, 2003, p. 280). Em outras palavras, as limitações administrativas são ônus externos ao direito de propriedade, interferindo diretamente no exercício do direito do proprietário, ao passo que a função social é própria da essência do direito de propriedade, justificando sua existência e conteúdo (GRANZIERA, AMORIM, COSTA, 2007. p. 514). Afirma-se, assim, que a função social seja um limite interno à propriedade, considerada intrínseca a esta, indissociável do seu próprio direito. Esta concepção trazida pela ordem constitucional brasileira atua como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e disposição dos bens (CAMPOS JÚNIOR, 2007, p. 157). A partir das noções acerca do direito fundamental à propriedade e do seu atributo inerente, qual seja, a função social, alinham-se, a seguir, prospecções relativas ao dever de proteção ambiental elencados no Código Florestal revogado à perspectiva do direito de propriedade. 2 O ANTIGO CÓDIGO FLORESTAL (LEI Nº. 4.771/65) E A FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL DA PROPRIEDADE Foi no contexto do cenário político-jurídico global da segunda metade do século XX que se conduziu, paulatinamente, ao reconhecimento dos chamados direitos de “terceira dimensão”, isto é, direitos de titularidade coletiva e difusa, como o meio ambiente, o desenvolvimento, a paz, dentre outros41. 41

Convém respaldar que a as dimensões dos direitos fundamentais coadunam-se à construção dos Estados, estando a conquista destes direitos essencialmente embutida nos movimentos revolucionários, filosóficos e sociais da humanidade. Sucintamente, a primeira dimensão dos direitos fundamentais reproduziu os direitos de liberdade destacados no contexto da Revolução Americana (“Declaração de Direitos do Bom Povo de Virgínia” – 1776) e da Revolução Francesa (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão -1789). Os direitos de segunda dimensão, como consequência natural dos movimentos sociais e socialistas da segunda metade do século XIX e início do século XX, passaram a enfatizar a valorização da justiça social, da igualdade material, bem como da necessidade de uma vida mais digna ao ser humano, configurando os direitos dos trabalhadores, direito à saúde, educação, dentre outros. O direito ao meio ambiente emerge no contexto póssegunda guerra, consagrando a terceira dimensão dos direitos fundamentais, em que se pressupõe o dever de colaboração de todos os Estados e não apenas o atuar ativo de cada um, transportando a uma dimensão coletiva justificadora de um outro nome dos direitos em comento: direitos dos povos. Parte da doutrina discorre ainda sobre a existência dos direitos de quarta dimensão, como a democracia, o plurarismo e o direito à informação; assim como a existência de uma quinta dimensão

194

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Nesse momento as preocupações humanas fixaram-se principalmente nos impactos tecnológicos, no estado crônico da beligerância, no processo de descolonização dos países após a segunda guerra e nas contundentes consequências de todos estes fatores (SARLET, 2004, p. 57). A nota distintiva dos direitos supracitados - conhecidos também como “direitos de fraternidade” e “solidariedade” – reside basicamente na titularidade coletiva e muitas vezes indefinida ou indeterminável (SARLET, 2004, p. 57), o qual, no tocante ao meio ambiente, respalda-se a necessidade de sua proteção em razão de sua integral ligação à qualidade de vida, saúde e dignidade humana. O Código Florestal recentemente revogado42 antecedeu a Constituição Federal de 198843 quanto à noção de interesse difuso e ao conceito de meio ambiente como bem de uso comum do povo (MACHADO, 2010, p. 776). Pode-se afirmar que a supracitada lei florestal foi verdadeira precursora da diretriz de que o meio ambiente deveria ser tratado como bem pertencente à humanidade, sujeitandose o proprietário ou mesmo o possuidor ao dever jurídico de respeito aos recursos naturais, sendo que as ações ou omissões contrárias ao disposto desta norma em relação à utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação, passaram a ser consideradas de uso nocivo à propriedade44. A lei federal nº. 4.771/1965, que esteve em vigor por quarenta e sete anos, criou limites ao exercício do outrora absoluto e intangível direito de propriedade (CATALAN, 2007, p. 519), sendo que, dentre os seus mecanismos de proteção mais dos direitos fundamentais, o qual estaria o direito à paz. Para maior aprofundamento sobre o tema, cf. SARLET, 2004; CANOTILHO, 2003; BONAVIDES, 2006; BOBBIO, 2004. 42 A Lei Federal nº. 12.651 de 25 de Maio de 2012 revoga a Lei Federal nº. 4.771/1965. 43 O Código Florestal brasileiro teve origem primária no ano de 1934, proveniente da União que, após 1930, promoveu estudos visando à sistematização de legislação florestal em nível nacional. O Código Florestal de 1934 não foi suficientemente intervencionista para ter eficácia protetora adequada, embora seu artigo 1º já contivesse norma avançada para a época no Brasil, ao declarar que as florestas constituíam bem de interesse comum a todos os habitantes do país. Cf. SILVA, 2004, p. 166. 44 Código Florestal (Lei 4.771/65): Art. 1° As florestas existentes no território nacional e as demais formas de vegetação, reconhecidas de utilidade às terras que revestem, são bens de interesse comum a todos os habitantes do País, exercendo-se os direitos de propriedade, com as limitações o que a legislação em geral e especialmente esta Lei estabelecem. § 1 As ações ou omissões contrárias às disposições deste Código na utilização e exploração das florestas e demais formas de vegetação são consideradas uso nocivo da propriedade, aplicando-se, para o caso, o procedimento sumário previsto no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil. (Renumerado do parágrafo único pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001).

195

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL importantes, elenca-se a criação e regulamentação do uso das Áreas de Preservação Permanente (APP) e da Reserva Florestal Legal (RL). Estes espaços florestais configuram-se indispensáveis à proteção dos solos e do ecossistema florestal como um todo, servindo à amenização dos efeitos negativos das mudanças climáticas (SARLET, FENSTERSEIFER, 2012, p. 170), bem como para a manutenção da qualidade dos recursos hídricos, do fluxo gênico da fauna e flora, da biodiversidade e do bem-estar das populações humanas, dentre outros. É razoável afirmar que não se tratam de restrições que importem na diminuição do patrimônio de quem as suporta, já que não há diminuição de direito, há apenas uma contraprestação social exigível àqueles que detêm autoridade sobre determinada parte da natureza (ROVANI, 2010, p.208). Nessa tendência, o antigo Código Florestal vinculou necessariamente a proteção ambiental ao cumprimento da função social da propriedade quando limitou a propriedade às exigências de proteção das Áreas de Preservação Permanente (APP) e Reserva Legal (RL). No tocante à propriedade e meio ambiente, Antônio Herman Benjamin (1993) ensina impecavelmente: Guardadas as devidas proporções, é como se o direito de propriedade equivalesse ao corpo humano e a proteção do meio ambiente, a um de seus órgãos vitais: sem um, o outro não sobrevive. O controle da degradação ambiental conforma “o próprio perfil do direito de propriedade.

A Área de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Florestal Legal, previstas, respectivamente, no artigo 2º e 16 do revogado Código Florestal, constituíram verídicas função socioambiental da propriedade, integrando o próprio direito de propriedade, já que compreenderam seu valor econômico e social. A criação destes espaços, decorrentes diretamente da função socioambiental, não aniquilou o conteúdo mínimo da propriedade, nem mesmo retirou a exclusividade de fruição, alienação ou mesmo uso (GRANZIERA, AMORIM, COSTA, 2007, p.514), já que extremamente necessárias à continuidade de sua utilização econômica e da própria existência do imóvel para tais fins.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL As APPs, tal como delineadas na revogada lei florestal, configuraram proteção tanto em relação à localização (topo de morros, montes, montanhas, serras, encostas, altitudes superiores a 1.800 metros), como em razão do tipo de vegetação (restingas, manguezais, dunas), além, é claro, de constituírem as matas ciliares,

como

popularmente

mencionadas.

O

presente

estudo

enfatizará,

subsequentemente, a regularização ambiental no tocante às APPs ligadas às margens dos recursos hídricos, situações mais comuns nas propriedades rurais em que a pesquisa direcionará o estudo do caso prático. Ressalvando-se ainda a importância das APPs para o próprio proprietário, Osny Duarte Pereira (apud MACHADO, 2010, p. 791) destaca que sua conservação não se dá apenas por interesse público, mas por interesse direto e imediato do próprio dono, de modo que a retirada de árvores das nascentes, das margens dos rios, das encostas das montanhas, são fatos que ocasionam a escassez de água, a sujeição a inundações, ou outros males resultantes desta insensatez. Conjuntamente, a Reserva Florestal Legal (RL) era a porção de área localizada no interior da propriedade rural, a qual o Código Florestal anterior delimitou dimensão variável conforme a região do país 45, cuja finalidade precípua atrela-se à conservação da biodiversidade e ao abrigo da fauna e flora nativas. A fração de Reserva Legal imposta pelo Código Florestal anterior era mutável em função do bioma e da região onde se situava o imóvel rural, variando conforme suas peculiaridades e condições ecológicas. Tratava-se, pois, de espaço territorial especialmente protegido que tinha o escopo de propiciar a manutenção de espécies vegetais e animais e assegurar sua

45

Pelo Código Florestal vigente (Lei Federal nº. 4.771/65), a porcentagem de Reserva Legal varia de acordo com a região do Brasil, estando disposta no artigo 16 e incisos: Art. 16. As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal, o mínimo: I- 80% (oitenta por cento), na propriedade rural situada na Amazônia Legal; II- 35% (trinta e cinco por cento), na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo 20% (vinte por dento) na propriedade e 15% (quinze por cento) na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do §7º deste artigo; III- 20% (vinte por cento), na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do país.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL própria sobrevivência, contribuindo simultaneamente à preservação do solo, já que subsidia a manutenção da fertilidade e da produtividade da propriedade rural46. Nota-se, desse modo, que as obrigações desenhadas pelo revogado Código Florestal, em especial aquelas decorrentes da função socioambiental da propriedade, quais sejam, da Área de Preservação Permanente e da Reserva Legal vieram para enaltecer o meio ambiente como direito fundamental, respaldar seu interesse público e difuso e para, sobretudo, prover a manutenção da produção da propriedade rural, a qual, sem tais limitações, certamente esgotará sua capacidade econômico-produtiva. Todavia, conforme será discorrido na sequência, é perceptível que o antigo Código Florestal foi duramente criticado por uma suposta “ineficácia”, fato que contribuiu ao aceleramento das discussões políticas com o intuito de promover sua revogação, tal como ocorrido em maio do presente ano. Contudo, uma das vertentes da presente pesquisa reside na desmistificação desta “não efetividade” atrelada à Lei nº. 4.771/65, através da qual se buscará demostrar que a principal lei de proteção ambiental no país, atualmente revogada, possuía elementos capazes de serem implementados em todo o território nacional. 4. A LEI FEDERAL Nº. 4.771/65 E O DISCURSO DESVIRTUADO DA “NÃO EFETIVIDADE” A sociedade brasileira foi espectadora de diversos debates que envolveram o destino do Código Florestal (Lei nº. 4.771/1965) e a possibilidade de sua substituição integral pelo Projeto de Lei nº. 1876/99, cuja autoria é atribuída ao deputado federal Sérgio Carvalho (PSDB-RO). Referido substitutivo, aprovado inicialmente na Câmara dos Deputados em 25 de maio de 201147, no Senado 46

Sérgius Gandolfi, pesquisador e professor da Universidade de São Paulo (USP) afirma que nenhuma propriedade rural usa 100% da área para agricultura, normalmente as culturas ocupam 70% do espaço, o que mostra que deveriam ser mantidas as florestas para a área que não tem vocação agrícola. Além de que a ausência de vegetação na propriedade contribui imensamente para os processos erosivos, com perda de fertilidade e produtividade com o correr do tempo. Cf. TOLEDO, 2011. 47 Texto inicial do PL nº. 1876/99 aprovado por 410 votos a favor, 63 contra e 1 abstenção. AGÊNCIA CÂMARA, 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Federal em 06 de dezembro de 201148, novamente na casa criadora em 25 de abril de 201249, vetado parcialmente pela Presidenta da República no último 25 de maio de 201250, tornou-se a Lei Federal nº. 12.651/2012, encontrando-se atualmente na Câmara dos Deputados para discussão das alterações trazidas pela Medida Provisória nº. 571/2012. O discurso fomentador às mudanças na lei florestal apregoou, por todo o país, a concepção de que o texto do antigo Código Florestal era destituído de efetividade e sua aplicação seria irreal no contexto socioeconômico nacional51. Tal noção ganhou força no cenário político dos últimos anos, incentivado principalmente pelos setores rurais vinculados ao agronegócio (SARLET, FENSTERSEIFER, 2012, p. 170), parcela social com ampla influência na economia brasileira e no processo de articulação política no interior do Congresso Nacional52. Diferentemente do apontado pelo setor agropecuário, a motivação pelas abruptas mudanças no Código Florestal não advieram da agricultura familiar 53, que 48

Texto aprovado no Senado Federal por 59 votos a favor e 7 contrários. PORTAL DE NOTÍCIAS, 2011. 49 Texto aprovado por 274 votos a favor contra 184. AGÊNCIA CÂMARA, 2012. 50 A Presidenta da República vetou 12 dispositivos do PL nº. 1876/1999 e alterou outros 32. AGÊNCIA CÂMARA, 2012. 51 O Parecer do PL nº. 1876/1999 (“novo Código Florestal”) elaborado pelo deputado federal Aldo Rebelo (PC do B/SP), quando da sua relatoria na Câmara dos Deputados, expõe de forma clara o entendimento superficial de que a Lei Federal nº. 4.771/1965 não tem efetividade: “A Comissão Especial criada para analisar os 11 projetos que tratam de modificações do Código Florestal Brasileiro é fruto dessas circunstâncias impostas pela vida, quando a lei afasta-se da realidade e não consegue dar conta de discipliná-la [...] Ao estabelecer uma norma geral sem que permitisse a cada estado encontrar solução adequada às condições de ocupação do território e de estrutura da propriedade da terra, a legislação tornou impossível seu cumprimento. Os seguidos decretos presidenciais adiando a entrada em vigor de alguns de seus dispositivos constituem evidência de que essas normas entraram em conflito com a diversidade, as desigualdades e os desequilíbrios do País”. Disponível em: < http://www.camara.gov.br/sileg/integras/777725.pdf >. Acesso em 02 de Fevereiro de 2012. 52 Segundo matérias publicadas em diversos meios de comunicação, a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e instituições ligadas ao lobby ruralistas investiram 2 milhões de reais só para estrutura armada em Brasília para o dia 05 de Abril de 2011, movimentação que antecedeu a primeira votação em maio do mesmo ano: “Milhares de produtores rurais e uma megaestrutura estavam em Brasília, nesta terça-feira (5), para um ato que pediu a aprovação do novo Código Florestal. O custo do evento, de acordo com seus organizadores, a Confederação Nacional da Agricultura Pecuária (CNA) e instituições ligadas ao lobby ruralista, foi de R$ 2 milhões”. MANSUR, 2011. 53 De acordo com o coordenador da Federação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar (FETRAF), Francisco Lucena: “Os ruralistas querem ludibriar a cabeça de milhares de agricultores familiares com a ilusão de que essa proposta vai elevar a renda e a produção. É uma forma de esconder o interesse da bancada ruralista e dos grandes produtores”. [...]

199

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL já possuía tratamento diferenciado na Constituição Federal54 e na própria Lei 4.771/65. Referido tratamento dado à agricultura familiar relaciona-se à produção em menor escala e direcionada ao abastecimento diário dos centros urbanos, com caráter essencialmente familiar e de subsistência. A distinção aqui respaldada entre o setor agronegocial e a agricultura familiar é relevante no sentido de que suas visões como um todo sobre o antigo Código Florestal são divergentes, já que possuem uma realidade econômica destoante, embora integrem conjuntamente a malha rural do país. Oportuno frisar que embora tenha ocorrido uma modernização na trajetória da agricultura brasileira entre as décadas de 1965 e 1980, é perceptível que o desenvolvimento rural foi incongruente, já que as políticas públicas de apoio à produção voltaram-se aos complexos agroindustriais, à exportação, tendo como característica o teor essencialmente produtivista (HESPANHOL, 2008, p. 81). O próprio sistema de créditos rurais implementado no ano de 1965 destinou-se à modernização e custeio das safras, do cooperativismo empresarial, sendo altamente seletivo, pois sua oferta restringiu-se aos médios e grandes produtores rurais (HESPANHOL, 2008, p. 82). Os delineamentos brevemente suscitados auxiliam o entendimento de que embora a sociedade, como um todo, compreenda o setor rural como faceta única e uniforme, de fato, há um “precipício” que segrega o campo brasileiro (HESPANHOL, 2008, p. 84), sendo tais disparidades decisivas no modo como a agricultura familiar e os demais proprietários rurais enxergam o dever ou não de cumprimento do antigo Código Florestal, bem como os reais empecilhos vinculados à sua aplicabilidade. De qualquer forma, o que se notou foi uma intensa e uniforme propagação de entendimentos que associaram o não cumprimento da Lei Federal nº. 4.771/65 às “Ou seja, representará uma brutal ampliação da degradação. O que eles querem é ampliar a fronteira agrícola do agronegócio, justificando-se pelos pequenos. Dizem ampliar espaço para produção, mas essas propostas, e muitas outras que vem no pacote, na verdade, podem acabar rápido com nossos recursos naturais.”, diz Lucena. MANSUR, 2011. 54 Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXVI: “a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento”; Constituição Federal, art. 185: “São insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: I - a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra”;

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL suas linhas legais, sem haver qualquer reflexão e pontuação concreta das dificuldades vinculadas à sua efetividade. Por esta razão, conforme será demonstrado nesta pesquisa, o baixo índice de cumprimento ao antigo Código Florestal alia-se a diversos fatores de cunho histórico, fundiário e jurídico, e menos em relação à aceitação da importância da preservação ambiental. Em sendo assim, a partir do levantamento esmiuçado destas premissas, poder-se-á constatar quão desvirtuado ainda é o discurso da “não efetividade” do revogado Código Florestal e porque sua extinção foi desnecessária e embasada a interesses puramente econômicos e exclusivos do setor agropecuário (SARLET, FENSTERSEIFER, 2012, p. 170), uma vez que as justificativas atreladas à modificação da lei não se coadunam com as reais dificuldades encontradas no caso concreto. 5 PROJETO “LONDRINA VERDE” – PDA E A META DE REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL: O CASO EMPÍRICO Criado em 1995, o Subprograma Projetos Demonstrativos Ambientais (PDA) foi o resultado de uma construção fomentada pelo Governo Brasileiro, redes de Organizações Não-Governamentais (ONGs), Movimentos Sociais da Amazônia (GTA) e Mata Atlântica (RMA) e organismos de cooperação internacional (representantes dos países do G755). Com o escopo de demonstrar por meio de experiências inovadoras a possibilidade efetiva de construção, em bases socioambientais, de estratégias de promoção de desenvolvimento sustentável e, a partir dos aprendizados advindos destas experiências, estimular a criação de políticas públicas que contribuam para a difusão deste modelo de desenvolvimento socioambiental, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), na esfera do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais, recebeu o apoio, em especial, da

55

O Grupo G7 – “Grupo dos Sete” – representado pelas 7 (sete) nações mais ricas do globo, mais tarde, com a inclusão da Rússia, passou a ser designado de “G8”: Canadá, França, Itália, Alemanha, Estados Unidos da América, Japão, Reino Unido e Rússia.

201

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Cooperação Internacional da Alemanha, para desenvolver referido Subprograma no Brasil56. Um dos Projetos contemplados pelo apoio e parceria do PDA foi o Projeto “Londrina Verde” (Projeto 488 – MMA), uma vez que, no ano de 2009, a ONG MAE – Meio Ambiente Equilibrado - associação civil sem fins lucrativos com sede na cidade de Londrina, estado do Paraná, encaminhou projeto ao Edital de Chamada nº. 09 para Ações de Conservação da Mata Atlântica, com o objetivo de dar continuidade ao trabalho em curso do Programa de Recuperação da Vegetação Ciliar e Reserva Legal do Município de Londrina/PR. A proposta apoiada pelo PDA iniciou-se em Fevereiro de 2011, objetivando o cadastramento e assessoria para a regularização de 300 (trezentos) propriedades rurais, preferencialmente familiares (de até 150 hectares), espalhadas pelos distritos rurais de Londrina. A equipe multidisciplinar da ONG MAE, responsável pela execução do projeto, vem realizando o cadastramento e assessoria para a regularização ambiental das propriedades rurais localizadas no círculo de atuação do projeto. O trabalho contempla as etapas de reuniões para apresentação do Projeto Londrina Verde nos distritos rurais, visitas de campo para levantamento de dados das propriedades, georreferenciamento das mesmas, cadastro em software online (www.londrinaverde.org) e assessoria técnica (elaboração de Plano de Recuperação

ambiental

das

propriedades)

e

jurídica

(subsídio

para

encaminhamento de documentação para regularização junto a órgão ambiental competente) 57. O Projeto Londrina Verde finaliza-se em outubro de 2012, sendo que, um dos vieses de seu resultado deverá se traduzir num banco de dados estratégico e público unificado, que auxiliará tanto os órgãos ambientais como os diversos órgãos do Poder Público a ter acesso à localização exata das propriedades rurais, além de informações e perfil de cada uma delas, como situação fundiária, produção econômica, dentre outras.

56

Cf.. em: < www.mma.gov.br>. Acesso em 30 de Abril de 2012. Mais detalhes sobre o Projeto Londrina Verde – PDA, conferir em: e < http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=51&idConteudo=11184>. 57

202

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O Projeto Londrina Verde – PDA tem o potencial de conduzir à legalidade ambiental 300 (trezentos) propriedades rurais, contando ainda com a parceria institucional do Ministério Público Estadual – Promotoria Especial de Defesa do Meio Ambiente de Londrina, Instituto Ambiental do Paraná (IAP), Secretaria Municipal do Ambiente

(SEMA), Conselho

Municipal do

Meio

Ambiente

(CONSEMMA),

Universidade Estadual de Londrina (UEL) através do LABRE – Laboratório de Biodiversidade e Restauração de Ecossistemas, dentre outas. Nessa linha, a presente pesquisa pretende utilizar a situação in loco advinda do Projeto Londrina Verde – PDA para fundamentar empiricamente o escopo da pesquisa ora discorrida. 6

OS REAIS EMPECILHOS À REGULARIZAÇÃO AMBIENTAL Cabe esclarecer que o Projeto Londrina Verde – PDA, por ter se iniciado em

Março de 2011, um período intensamente incerto em relação às mudanças do Código Florestal58, recebeu influência determinante deste contexto político em relação à adesão dos proprietários rurais contatados pela equipe executora. Isso se justifica pelo fato dos produtores familiares, agricultores enfatizados e priorizados na atuação do Projeto Londrina Verde – PDA, terem ficado sobremodo receosos no que se refere à realização ou não da averbação da Reserva Legal e à metragem de preservação das Áreas de Preservação Permanentes. Superadas tais considerações de cunho metodológico, passa-se ao levantamento dos empecilhos atrelados à regularização ambiental sob a perspectiva prática do Projeto Londrina Verde – PDA.

58

No início de 2011 as Comissões Especiais da Câmara dos Deputados já haviam proferido pareceres favoráveis ao PL nº. 1876/99, sendo que, após estes encaminhamentos, o PL nº. 1876/99 dirigiu-se à Câmara dos Deputados para aprovação desta casa legislativa. Depois de aprovado na Câmara dos Deputados (maio/2011), o PL seguiu para o Senado Federal, sendo igualmente aprovado (dezembro/2011) e, em 2012 (abril/2012) aprovado novamente pela casa criadora. Praticamente em todo o período de trabalhos do Projeto Londrina Verde-PDA houve emanações e influências das votações oriundas do Congresso Nacional em relação à postura dos proprietários rurais.

203

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 6.1 Reconhecimento da importância da preservação ambiental e ausência de informações sobre os benefícios aos pequenos proprietários rurais Foi notável, desde o início das visitas e reuniões efetuadas nos distritos rurais, não só raras indisposições dos agricultores em relação ao cumprimento do antigo Código Florestal, mas, ao contrário, uma verídica noção geral sobre a importância da Reserva Legal e das matas ciliares para a propriedade rural. Embora a Reserva Florestal Legal (RL) seja a obrigação mais interrogada pelos produtores rurais, já que significativa parcela da propriedade é vista como “perdida” para a produção agrícola, de fato, o esclarecimento técnico e científico de sua relevância, bem como a apresentação de alternativas de plantios na mesma (benefício exclusivo que era permitido para o pequeno proprietário no Código Florestal revogado 59) a ser discriminado no Plano de Manejo Florestal, evidenciaram que a resistência ao cumprimento da lei nº. 4.771/1965 não pode ser generalizada e absoluta, tal como difundido amplamente no país. Outro importante ponto a ser destacado foi a detecção de um aspecto geral, comum na totalidade de distritos rurais percorridos: ausência de informações sobre a lei florestal e os benefícios que a mesma propicia à categoria dos agricultores familiares. Em todas as reuniões e contatos diretos com os agricultores cadastrados no Projeto não houve, em todos os casos, aquele que soubesse das prerrogativas vinculadas a estes produtores rurais no tocante à regularização ambiental. Os benefícios previstos na antiga lei florestal, tais como a possibilidade de preservar tão somente 25% da vegetação ciliar e Reserva Legal se estas, juntas, ultrapassassem mais de um quarto do imóvel (antigo artigo 16, §6º, III); a possibilidade de plantio de árvores frutíferas ornamentais ou industriais compostas por espécies exóticas na Reserva Legal (antigo artigo 16, §3º); e a gratuidade na

59

Lei Federal nº. 4.771/65 (revogada), art. 16: “As florestas e outras formas de vegetação nativa, ressalvadas as situadas em área de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supressão, desde o que sejam mantidas, a título de reserva legal, no mínimo: [...]§ 3 Para cumprimento da manutenção ou compensação da área de reserva legal em pequena propriedade ou posse rural familiar, podem ser computados os plantios de árvores frutíferas ornamentais ou industriais, compostos por espécies exóticas, cultivadas em sistema intercalar ou em consórcio com espécies nativas”.

204

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL averbação da Reserva Legal para os agricultores familiares, tendo o Poder Público, inclusive, o dever de prestar apoio técnico e jurídico quando necessário (antigo artigo 16, §9º), jamais chegaram à realidade dos proprietários rurais. As evidências supramencionadas, quais sejam, a ausência de resistência ao cumprimento da lei florestal, fundada principalmente no conhecimento da importância das áreas ambientais especialmente protegidas, assim como a escassez de informações relativa aos benefícios previstos no antigo Código Florestal, demonstraram uma desproporcionalidade contida no discurso sobre a inexistência de efetividade no texto da Lei nº. 4.771/65, tão irradiado nas últimas décadas. 6.2 Impedimentos sucessórios, fundiários e burocráticos à regularização ambiental Na primeira etapa de andamento das atividades do Projeto, as equipes integrantes buscam a adesão dos proprietários rurais ao mesmo, através de visitas locais aos distritos rurais, preenchimento de ficha cadastral e assinatura de Termo de Adesão do agricultor para com a equipe executora. Após um contato inicial, os documentos necessários para a regularização são solicitados e levados para análise da equipe jurídica, que se certifica de que a documentação fornecida sobre a propriedade não possui nenhum empecilho jurídico, não detenha problema fundiário ou mesmo que não se encontre já regularizada. E é a partir desta etapa que os problemas aparecem. Diferentemente do entendimento corrente na sociedade, é possível constatar diversos empecilhos referentes à regularização ambiental oriundos tanto de fatores particulares do proprietário rural quanto da conduta comumente adotada pelo Poder Público. No tocante à problemática particular, ou seja, aquela ligada ao próprio agricultor, notou-se a inexistência de matrículas atualizadas (e somente escrituras antigas da propriedade), bem como a incongruência entre os nomes contidos nas escrituras e matrículas. Nesse sentido, a situação comumente encontrada nestes casos vinculava-se à sucessão de terra, sendo que a maior parte dos agricultores 205

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL herdava o imóvel e sequer ingressava com a abertura de inventário a fim de legalizar e formalizar a partilha da propriedade com outros possíveis herdeiros. Como é sabido, o Código Civil, em seus artigos 1791 e seguintes, declara que a herança defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros, sendo que, até que ocorra a partilha, o direito dos coerdeiros será indivisível. Assim, podem os herdeiros já terem feito uma divisão informal, mas esta, só ganhará força jurídica ou eficácia com a partilha (VENOSA, 2011, p. 35). Estas circunstâncias, embora possam não aparentar dificuldade a princípio, de fato, sob a perspectiva da regularização ambiental, implicaram demora ou mesmo desistência de prosseguimento com a mesma, uma vez que o órgão ambiental competente não viabiliza a averbação sem que haja solução sucessória no imóvel rural, isto é, exige-se que o próprio titular ou titulares da propriedade assine o formulário da regularização60. Nos casos de abertura de inventário para fins de partilha do imóvel, o órgão ambiental requisita a decisão judicial da partilha da propriedade rural para anuir a abertura do processo de regularização. Exatamente neste quesito, diversos proprietários não puderam dar andamento às etapas do Projeto Londrina Verde por não terem superado as questões sucessórias relativas a seus imóveis61. Noutro ponto, em hipóteses de mais de um titular da propriedade rural, era necessário que o agricultor cadastrado no Projeto entrasse em contato com o outro ou os demais proprietários do imóvel, já que, como explicado, o órgão público exige 60

No estado do Paraná o Instituto Ambiental do Paraná – IAP – (órgão estadual pertencente ao SISNAMA) exige os seguintes documentos para dar entrada à averbação da Reserva Legal: 1. Documentos pessoais do titular da propriedade (RG e CPF) e cônjuge (se contiver seu nome na matrícula) para fins de Cadastro de Usuário Ambiental; 2. Formulário do SISLEG devidamente preenchido; 3. Mapa de uso e ocupação do solo do imóvel (georreferenciado); 4. Memorial descritivo do imóvel e da Reserva Legal; 5. Anotação de Responsabilidade Técnica (ART/CREA) do profissional habilitado; 6. Matrícula atualizada do imóvel (90 dias); 7. Comprovante de pagamento da Taxa ambiental de cadastro da Reserva Legal; 9. Comprovante de regularidade junto ao INCRA – CCIR – Certificado de Cadastro do Imóvel Rural. Mais informações, c.f em: < http://www.iap.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=520>. Acesso em 30 de abril de 2012. 61 Pelo último relatório parcial elaborado pela equipe jurídica do Projeto Londrina Verde, atualizado até Fevereiro de 2012, das 98 propriedades que aderiram ao Projeto, pelo menos 19,38% tinham já a princípio, algum tipo de empecilho ligado à regularização ambiental. Deste índice, em 36,84% dos casos, referiam-se problemas com abertura ou andamento de inventário; 31,57% relacionavam-se à problemática de mais de um titular e possibilidade de todos assinarem a averbação; 5,26% dos casos vinculavam-se à situação de usucapião; e 26,31% enquadravam-se em outras situações.

206

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL a assinatura de todos os titulares (e respectivos documentos pessoais) para o preenchimento de formulário de regulamentação ambiental. É válido ressaltar que os pequenos proprietários rurais encontram-se em situação de hipossuficiência econômica, condição determinante, em muitos casos, para consignar êxito no encontro com os outros proprietários titulares, ou para custear uma possível viagem. Esta realidade deve-se ao fato de que estes proprietários estão diretamente ligados ao trabalho na lavoura, não podendo despender tempo longe da terra, única fonte de subsistência. Por esse motivo, alguns agricultores encontraram dificuldades em reunir todos os coproprietários, quando não, casos houve em que um ou outro já havia falecido, o que esbarrava novamente na questão de sucessão. Ademais, casos comuns de usucapião no imóvel foram descartados da abrangência de subsídio do Projeto, vez que o órgão ambiental competente somente reconhece tal situação para fins de regularização após sentença judicial transitada em julgado62. Em relação aos empecilhos particulares vinculados ao pequeno proprietário rural quanto à regularização ambiental, diagnosticou-se que esta categoria de produtores rurais (agricultura familiar), em raras situações, conseguirá efetuar todas as etapas deste processo sozinho, já que, como enumerado, suas condições hipossuficientes somada às burocracias exigidas pelo órgão ambiental competente, contribuem decisivamente para esta realidade. Contudo, oportuno enfatizar que a existência desta constatação decorre também da postura adotada pelo Poder Público. Nesse

sentido,

como



enumerado

anteriormente,

estava

contido

expressamente nas linhas do antigo Código Florestal, particularmente em seu artigo 16, §9º63, que a averbação da Reserva Legal da pequena propriedade ou posse

62

A postura adotada pelo Poder Público nestes casos simplesmente inviabiliza a regularização, já que os pequenos proprietários rurais, que já possuem dificuldades financeiras suficientes, deparamse com exigência ainda mais distante de sua realidade: o acesso à justiça. Seria relevante a discussão de outros meios que pudesse facilitar a regularização ambiental nestes casos. 63 o Lei Federal nº. 4.771/65 (revogada), art. 16: [...] § 9 A averbação da reserva legal da pequena propriedade ou posse rural familiar é gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico, quando necessário.

207

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL rural familiar seria gratuita, devendo o Poder Público prestar apoio técnico e jurídico sempre que necessário. Não só foi manifesta a inexistência de aplicabilidade deste dispositivo, como, ao contrário, percebe-se pleno desconhecimento dos órgãos públicos à letra da lei. Tal alusão pôde ser confirmada quando a equipe executora do Projeto Londrina Verde dirigiu-se ao órgão ambiental competente para a regularização ambiental (IAP) e surpreendeu-se com a exigência de taxas ambientais aos agricultores familiares64. Numa análise mais apurada sobre o papel do Poder Público no processo de regularização ambiental não é difícil constatar, independentemente de qual estado brasileiro, a completa ausência de fiscalização dos órgãos ambientais para fazerem cumprir a antiga lei nº. 4.771/1965, bem como a carência de incentivo e fomento a programas de cunho local que pudessem levar os agricultores à situação de legalidade perante o Código Florestal. O que se observa é o Estado cada vez mais alheio no tocante à regularização ambiental, criando, ao contrário, entraves e procedimentos burocráticos no caminho a ser percorrido para a regularização. Assim, em decorrência da proximidade com os casos concretos abarcados pelo Projeto Londrina Verde – PDA – que possibilitaram expor as situações acima descritas, é razoável afirmar que as dificuldades atinentes à regularização ambiental não fazem conexão com as obrigações contidas no antigo texto do Código Florestal, principalmente no que concerne às áreas ambientais especialmente protegidas,

64

A Portaria IAP nº. 100/1999, em seu artigo 5º e parágrafos regulamenta o pagamento das taxas ambientais: “Art. 5º - Por ocasião do cadastramento junto ao IAP o requerente deverá comprovar o recolhimento das taxas cadastral e de inspeção florestal devidas, a crédito da conta corrente nº 12021-2 - Agência Mercês (270) do BANESTADO através da GUIA DE RECOLHIMENTO - DAR - 03 RECEITAS DIVERSAS. § 1º O valor da taxa cadastral junto ao SISLEG será de: - 0,50 (zero vírgula cinqüenta) UPF/PR, por imóvel, para imóveis até 50 hectares; - de 1 (uma) UPF/PR, por imóvel, para imóveis acima de 50 hectares até 200 hectares; e, - de 02 (duas) UPF/PR, por imóvel, para imóveis acima de 200 hectares. § 2º - O valor da taxa de inspeção florestal é disciplinada na Norma DIRAM 100004 de 1998, do Instituto Ambiental do Paraná – IAP e deverá ser recolhida em todos os casos de averbação de Reserva Florestal Legal”.. O próprio site deste órgão público prevê a necessidade de pagamento de taxas para fins de averbação da Reserva Legal, não isentando o pequeno proprietário rural desta exigência, conforme manda a lei: < http://www.iap.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=520>. Acesso em 30 de abril de 2012.

208

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL discurso comumente propagado pelo país. Conforme se discorreu, a análise mais profunda e detida das experiências concretas locais permite colocar em xeque as justificativas aliadas ao discurso da não efetividade do revogado Código Florestal, inclusive contestar integralmente os embasamentos utilizados para incentivar a sua revogação no presente. Posto isso, mostra-se necessária uma rediscussão da Lei Florestal no Brasil. Isso porque, como visto, os debates que levaram à revogação da Lei Federal nº. 4.771/65 foram pautados em argumentos falaciosos e errôneos. Notou-se, sob a perspectiva dos agricultores envolvidos com o PDA – Projetos Demonstrativos Ambientais, que os principais problemas da agricultura familiar em relação à regularização ambiental estão ligados a problemáticas sucessórias, fundiárias e ao descaso do Poder Público e, de forma alguma, às linhas de proteção ambiental previstas na antiga Lei Federal nº. 4.771/65. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Constituição Federal de 1988 atribuiu uma concepção pública à propriedade, superando seu caráter outrora absoluto, intocável e perpétuo, ao consagrar a concepção de que a justa aplicação do direito de propriedade pressupõe o encontro do equilíbrio entre o interesse coletivo e o individual. Nesta linha, o Código Floresta (Lei Federal nº. 4.771/1965) personificou e concretizou, de certo modo, a função social da propriedade quando aferiu limitações de cunho socioambiental ao direito de propriedade, configurada nas Áreas de Preservação Permanente (APP) e a Reserva Legal (RL). As repercussões político-jurídicas que propiciaram a revogação da Lei Federal nº. 4.771/65 derivaram-se de um discurso fortemente difundido por proprietários rurais vinculados ao agronegócio, que associaram a baixa efetividade da antiga lei florestal à proteção do meio ambiente contida em suas linhas. O Projeto Londrina Verde - PDA, apoiado pelo Ministério do Meio Ambiente e governo alemão através do Subprograma Projetos Demonstrativos, é um relevante instrumento empírico de estudo e pesquisa capaz de suscitar uma rediscussão de 209

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL parâmetros e “tabus” relativos à regularização ambiental no país. Pela análise da experiência com pequenos proprietários rurais advinda do Projeto “Londrina Verde”, constatou-se a existência de outras dificuldades aliadas à regularização ambiental, tais como as questões sucessórias de posse, de usucapião, de acesso à informação, de ausência de apoio técnico e jurídico prestados pelo Poder Público, dentre outros; circunstâncias que não podem ser utilizadas para fundamentar uma inefetividade do antigo Código Florestal. O que se diagnosticou na experiência local proveniente do Projeto Londrina Verde configura-se como parâmetro para desmistificar, em parte, o discurso existente em torno da efetividade do antigo Código Florestal e fortalecer o debate público acerca dos reais empecilhos vinculados à regularização ambiental no Brasil, demonstrando que a revogação da lei federal nº. 4.771/65 foi uma solução equivocada, imediatista e desvinculada de maiores reflexões apuradas do caso concreto. REFERÊNCIAS AGÊNCIA CÂMARA. Câmara aprova novo Código Florestal com mudança em regras para APPs. 25/maio./2011. Disponível em: Acesso em: 28 de abril de 2012. ______. Câmara aprova novo Código Florestal; texto segue para sanção. 25/ abril/2012. Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/POLITICA/415823-CAMARA-APROVANOVO-CODIGO-FLORESTAL;-TEXTO-SEGUE-PARA-SANCAO.html>. Acesso em: 28 de Abril de 2012. ______. Dilma veta 12 artigos no Código Florestal e faz 32 alterações por MP. 25/maio/2012. Disponível em: Acesso em: 03/08/2012. AGÊNCIA SENADO. Novo Código Florestal é aprovado e volta à Câmara dos Deputados. 06/ dez./2011. Disponível em: Acesso em: 28 de Abril de 2012. 210

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL BENJAMIN, Antônio Herman. A função ambiental. In: BENJAMIN, Antonio Herman (Org.). Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. CAMPOS JÚNIOR, Raimundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba: Juruá,2007. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. CATALAN, Marcos. Limitações ao Direito de Propriedade no Código Florestal e a recepção da matéria pelo Código Civil. In: BENJAMIN, Antonio Herman; LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia. Meio Ambiente e Acesso à Justiça. Flora, Reserva Legal e APP. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007. p. 515-530. v.1. GRANZIERA, Maria Luiza Machado; AMORIM, Luís Felipe Carrari de; COSTA, Luciana Plastino da. A reforma do código florestal: estudo acerca da incidência da função socioambiental e das limitações administrativas do imóvel rural. In: BENJAMIN, Antonio Herman; LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia. Meio Ambiente e Acesso à Justiça. Flora, Reserva Legal e APP. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007. p. 503- 516. v.2. HERSCHMANN, Stela Luz Andreatta. As áreas de preservação permanente e a aplicabilidade do Código Florestal nas áreas urbanas. In: BENJAMIN, Antonio Herman; LECEY, Eladio; CAPPELLI, Sílvia. Meio Ambiente e Acesso à Justiça. Flora, Reserva Legal e APP. São Paulo: Imprensa Oficial, 2007. p. 639-650. v.2. HESPANHOL, Antonio Nivaldo. Desafios de geração de renda em pequenas propriedades e a questão do desenvolvimento rural sustentável no Brasil. In: ALVES, Adilson Francelino; CARRIJO, Beatriz Rodrigues; CANDIOTTO, Luciano Zanetti Pessôa (org.). Desenvolvimento territorial e agroecologia. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2010. MANSUR, Vinícius. Ruralistas querem ludibriar agricultores familiares. 07/abril/2011. Disponível em: < http://www.brasildefato.com.br/node/6040> Acesso em: 29 de Abril de 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL RIO +20: A BUSCA PELA EFETIVAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL, PAUTADO NA IMPORTÂNCIA DA PROMOÇÃO DA PROSPERIDADE, BEM-ESTAR E PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE RIO +20: THE QUEST FOR THE REALIZATION OF SUSTAINABLE DEVELOPMENT, BASED ON THE IMPORTANCE OF PROMOTING PROSPERITY, WELFARE AND ENVIRONMENTAL PROTECTION Laeti Fermino Tudisco - Mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, [email protected] Marlene Kempfer - Doutora em Direito do Estado pela PUC/SP, mestre em Direito do Estado pela PUC/SP; [email protected] RESUMO: O desenvolvimento econômico sustentável é muito mais do que uma terminologia ou acepção. Ele é uma meta que a cada dia é mais assimilada. O âmbito da preocupação é nacional e internacional e deve representar compromisso dos governos, do setor econômico e da sociedade civil. Neste sentido, Conferências Internacionais já foram realizadas e resultaram em diversos documentos fundamentais que repercutiram nos ordenamentos internos dos países signatários. Neste ano de 2012, nova Conferência organizada pelo Brasil e pela ONU ocorreu no Rio de Janeiro, a Rio +20. Em tal Conferência, se discutiu os rumos do desenvolvimento sustentável nas temáticas de economia verde, erradicação da pobreza e desigualdades sociais e nova estrutura de governança internacional ambiental. A economia verde está focada nas discussões sobre as externalidades dos mecanismos de produção em enfoque de sustentabilidade econômicoambiental. A pobreza e a necessidade da redução das desigualdades sociais são os aspectos da sustentabilidade social que estão intimamente ligadas, pois, sofrem as consequências diretamente pelos desarranjos ambientais e econômicos. A questão da necessidade de nova forma de governança global decorre da constatação de que as atuais instituições não estão atendendo as expectativas de avanço nos compromissos sobre sustentabilidade já firmados e não cumpridos. PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Internacionais, Rio +20.

econômico

sustentável;

Conferências

ABSTRACT: Sustainable economic development is much more than a terminology or meaning. It is a goal that every day is more assimilated. The scope of national and international concern is and should represent the commitment of governments, the business sector and civil society. In this sense, international conferences have been held and resulted in several key documents that resonated in the domestic signatory countries. This year 2012, new conference organized by Brazil and the UN took place in Rio de Janeiro, Rio +20. In this conference, discussed the direction of sustainable development in the themes of green economy, eradicate poverty and social inequalities and new structure of international environmental governance. The green economy is focused on discussions about the externalities of production 213

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL mechanisms focus on economic and environmental sustainability. Poverty and the need to reduce social inequalities are the social aspects of sustainability are inextricably linked, therefore, suffer the consequences directly by environmental and economic setbacks. The question of the need for a new form of global governance arises from the fact that current institutions are not meeting the expectations of progress in sustainability commitments already made and not fulfilled. KEY-WORDS: Sustainable Economic Development, International Conferences, Rio +20. INTRODUÇÃO Tem-se por sustentabilidade ambiental o sistema baseado em ações, as quais buscam constantemente o desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, a sua convivência com preservação do ecossistema. Contudo, atualmente, é o modelo de desenvolvimento econômico capitalista que segue ditando as regras do desenvolvimento sustentável. A política do avanço mundial, os modelos econômicos e tecnológicos são arquitetados como se a natureza não existisse e, não considerando o homem como parte integrante dessa. Acreditando, assim, que a humanidade poderia sobreviver sem a presença do meio ambiente. Diante da necessidade de se procurar o equilíbrio entre as atividades econômicas e as questões ambientais, a ONU, promoveu a Conferência Internacional Rio +20, a qual teve como escopo a renovação do pacto político com o desenvolvimento sustentável, por intermédio da avaliação do progresso e das lacunas apresentadas na efetivação das decisões abraçadas pelas principais conferências sobre o assunto e do tratamento de temas novos e evidentes. REVISÃO DE LITERATURA É manifesto que há algum tempo aumentaram-se os riscos ambientais e, por consequência a degradação ao meio ambiente. Isso decorre do fato de que com o transcorrer dos anos, sobreveio à naturalização da ideia de exploração da natureza pelos seres humanos com o intuito de se atingir o determinado modelo de desenvolvimento econômico capitalista, o qual tem como objetivo a busca incessante pelo lucro. O termo desenvolvimento sustentável nasce com o enfrentamento desta crise ambiental global e, compreende na estratégia de um desenvolvimento direcionado, o qual busca uma harmônica coexistência entre o desenvolvimento econômico e o desenvolvimento ambiental. Destarte, implicará numa relação mútua entre qualidade de vida, justiça social, equilíbrio do meio ambiente e desenvolvimento econômico. Nesse passo, busca-se conceituar a sustentabilidade ambiental, através do entendimento de MILARÉ, 2009, p. 1339, o qual afirma ser uma qualidade, uma característica ou um requisito do que é sustentável. Segundo o respeitável autor, num sistema a sustentabilidade requer o balanceamento entre entradas e saídas, para que assim uma determinada realidade possa manter-se continuamente com suas características essenciais. No âmbito ambiental, a sustentabilidade é uma 214

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL condição para que os ecossistemas continuem preservados, assim como os recursos podem ser empregados apenas através do sistema de reposição e/ou substituição, evitando-se a sua degradação, pois assim existirá um equilíbrio ecológico e uma relação ajustada entre recursos e produção, e entre produção e consumo. O desenvolvimento econômico sustentável, portanto, admiti em si a confluência de princípios de aspecto econômico, ambiental, social e cultural. Nesse sentido, conforme ensina SILVA, 2009, p. 26, a conexão do desenvolvimento socioeconômico com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico é que incidem na ascensão do chamado desenvolvimento sustentável. Dessa forma, verifica-se que sustentabilidade nada mais é do que um sistema baseado em ações e na constante busca entre desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo na preservação do ecossistema. O desenvolvimento econômico sustentável não pode ser almejado por uma só nação, pois a parceira internacional e a cooperação são fundamentais. Com a consciência de que o sistema econômico do planeta deve se orientar sempre na sustentabilidade, realizou, no ano de 1992, na cidade do Rio de Janeiro a Conferência Ambiental Rio-92, a qual foi um marco na proteção ambiental brasileira e internacional. Tal conferência, também é conhecida como Conferência da Terra, foi uma das maiores conferências realizadas no século XXI, da qual resultou o documento Agenda 21. Esse, por sua vez, é assim denominado, pois traça ações político-normativas de promoção do desenvolvimento sustentável a serem adotadas pelos Estados até o século XXI. Deste modo, possui valor político e se constitui como uma verdadeira declaração de intenções de caráter mundial. No ano presente realizou-se a Rio +20. Considerada como uma das maiores Conferências Internacionais invitadas pelas Nações Unidas, iniciou um novo período de implementação do desenvolvimento sustentável. Tal Conferência foi uma rara oportunidade para o mundo examinar ideias e criar soluções acerca da sustentabilidade. A Conferência supramencionada originou um documento final de 53 páginas, acordado por 188 países, sendo esse o responsável por revelar o caminho para a cooperação internacional sobre desenvolvimento sustentável. Ademais, governos, empresários e outros consortes da sociedade civil minutaram mais de 700 compromissos, nos quais determinaram ações concretas que propiciem resultados sustentáveis para elucidar precisões específicas. Assim, o documento final proporciona um baldrame sólido para o bem-estar social, econômico e ambiental. Os Países participantes renovaram seus compromissos com o desenvolvimento sustentável na Rio +20. Assim sendo, se comprometeram em promover um futuro econômico, social e ambiental sustentável para o planeta e para as gerações presentes e futuras. Por fim, os países também reafirmaram os princípios proclamados na Conferência da Terra, supracitada, e em diversas conferências ulteriores sobre desenvolvimento sustentável.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL RESULTADOS E DISCUSÃO A Assembleia Geral da ONU determinou que a grande função da Rio +20 era de garantir um novo compromisso político de desenvolvimento sustentável, de analisar o avanço e as lacunas na implementação de resultados e enfrentar os novos e evidentes desafios. Desse modo, decidiu que os dois temas da Conferência seriam a economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e a erradicação da pobreza e, a estrutura da governança internacional. Nesse passo, a intenção primordial da Rio +20 era a de instigar a ação sobre desenvolvimento sustentável. Ineditamente, os países discutiram sobre o que está e o que não está entrelaçado no desdobramento de uma economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza. Economia verde é aquela que resulta na melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, ao mesmo tempo em que diminui significativamente os riscos ambientais e a escassez ecológica. Ampara-se em três pilares: é pouco intensiva em carbono, é eficiente no uso dos recursos naturais e é socialmente inclusiva. Logo, no documento final, criou-se uma seção para minudenciar como as políticas econômicas podem ser um instrumento para progredir no desenvolvimento sustentável. Salienta-se que todos os países estão aprendendo como tornar suas economias mais verdes e estão aprendendo uns com os outros a partir da troca de experiências e lições. No Rio, os países acordaram duas medidas que fortificarão a arquitetura de apoio aos atos internacionais de desenvolvimento sustentável. Isto abarca uma nova estrutura para futura tomada de decisões globais, assim como o fortalecimento da competência da ONU de monitorar, ponderar e lidar com assuntos ambientais. Destarte, houve a concordância em se estabelecer um fórum político de alto padrão sobre desenvolvimento sustentável com aderência universal, o qual aglomerará tomadores de decisão de governos e sociedade civil para altercações sobre como agregar as dimensões social, econômica e ambiental do desenvolvimento sustentável. Ademais, os países também anuíram com o fortalecimento do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, também conhecido como PNUMA. Tal programa tornou-se um corpo de adesão universal e recebeu aumento no que tange a financiamento. Designadamente, o acordo exige seguros, estáveis, ajustados e ampliados recursos financeiros do orçamento regular da ONU e contribuições voluntárias para desempenhar seu mandato. Diante do reconhecimento do formidável sucesso dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), o qual tem como escopo promover ações de desenvolvimento humano e combate à pobreza, os países, na Rio +20, aquiesceram com a necessidade de definir alguns objetivos de desenvolvimento sustentável. Verificouse que tais objetivos devem ser ações orientadas, sucintas e de fácil compreensão. Além disso, devem ser de natureza global e universalmente aplicáveis a todos os países. Esses objetivos serão instituídos no decorrer dos próximos dois anos com empenho nas áreas prioritárias do desenvolvimento sustentável, ajudando a aferir o progresso. O processo para estabelecer esses objetivos será interligado com esforços para repetir o sucesso contraído pelos ODM e indicar estratégias para o 216

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL caminho a ser adotado. Um painel será designado pelo Secretário-Geral da ONU para considerar opções para depois de 2015, ano da conclusão dos ODM, assim como a Assembleia Geral da ONU estabelecerá um painel intergovernamental de 30 membros para adolescer os objetivos de desenvolvimento sustentável. Houve, também, a concordância em desenvolver uma estratégia de financiamento do desenvolvimento sustentável para respeitar os compromissos acordados no Rio, incluindo aqui os esforços para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Através da Assembleia Geral, um processo intergovernamental sopesará as necessidades de financiamento, ponderando a eficácia de instrumentos e estruturas de financiamento existentes e avaliando iniciativas adicionais, com o intuito de preparar um relatório propositivo, o qual apresentará opções sobre uma estratégia eficaz de financiamento do desenvolvimento sustentável. Assim, facilitará a mobilização de recursos e seus aproveitamentos no alcance dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Um comitê intergovernamental, abarcando 30 especialistas nomeados por grupos regionais, com representação geográfica justiçosa, programará este processo, finalizando seu trabalho em 2014. CONCLUSÕES Para que as pessoas possam ter suas necessidades básicas atendidas é fundamental que se implante o conceito de sustentabilidade que envolve ações de eficiência econômica, ambiental e social. Para a sustentabilidade ambiental faz-se necessário à produção e o consumo sustentáveis. Nesse sentido, a ONU, promoveu mais uma Conferência com o objetivo de reunir países para conseguir apoio. Foi o evento da Rio +20, o qual buscou definir formas de promover um crescimento econômico que garanta acesso à alimentação, energia e água, sem prejudicar ainda mais o ambiente. Vinte anos depois da Rio-92 o compromisso retórico com o desenvolvimento sustentável foi renovado. Os países se comprometeram a combater a pobreza, reafirmaram os princípios da Rio-92 (Agenda 21) e avançar para vivenciar os princípios da economia verde. Esta opção implica transformações das práticas tradicionais de consumo e produção. A efetividade destes compromissos dependerá de atuação mais efetiva da ONU. Para tanto, será necessário criar uma nova estrutura para uma governança global ambiental. Diante deste debate, é importante consolidar a aliança entre o setor público, empresarial e da sociedade civil. O caminho, necessariamente, passa por diálogos que devem refletir em ações concretas, com um objetivo comum que é o desenvolvimento sustentável. REFERÊNCIAS BULCÃO, Luís; PIRES, Marco Túlio. Jogos diplomáticos: como nasceu o texto da Rio +20. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL BULCÃO, Luís. Economia verde: preservar o planeta pode dar lucro. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2012. ERTHAL, João Marcello. A insustentável grandeza da Rio +20. Disponível em:< Acesso http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/a-insustentavel-grandeza-da-rio-20>. em: 14 set. 2012. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 6. ed. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL. Além da Rio +20: Avançando Rumo a um futuro sustentável. Disponível em:. Acesso em: 14 set. 2012. RAMOS, Erasmo Marcos. Direito Ambiental Comparado (Brasil – Alemanha EUA). Maringá: Midiograf II, 2009. RÉGIS, Marcia. A maior transformação acontece fora da ONU. Disponível em:< http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/a-maior-transformacao-acontece-fora-da-onu>. Acesso em: 14 set. 2012. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 7. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2009.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL E SEUS EFEITOS SOBRE A DESONERAÇÃO TRIBUTÁRIA DO TRABALHO FORMAL NO BRASIL INTERNATIONAL COMPETITIVENESS AND ITS EFFECTS ON THE TAX EXEMPTION FORMAL LABOUR IN BRAZIL Lourival José de Oliveira, Doutor em Direito das Relações Sociais (PUC-SP), [email protected] Renata Calheiros Zarelli, Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pelo IDCC em Londrina/PR Resumo: A competitividade de produtos internacionais com os produtos produzidos nacionalmente está a proporcionar um processo “precoce” de desindustrialização no Brasil. Tal situação recentemente gerou medidas da Presidente da República, sendo sete decretos e duas medidas provisórias, a fim de garantir o fortalecimento econômico e estimular a indústria nacional a enfrentar a crise financeira mundial e o processo de desindustrialização, com a conseqüente desoneração tributária do trabalho formal, com vistas a garantir novos empregos e a formalização dos já existentes. Tais medidas visam também ampliar a produção nacional, barateando os custos da produção e dos preços do produto, e garantir de forma sustentável o desenvolvimento econômico nacional. Na elaboração deste artigo foi utilizada a metodologia da pesquisa através do estudo descritivo, exploratório e bibliográfico do tema, com a consequente análise dos dados e informações por meio de um enfoque qualitativo. Palavras-chave: Crise Econômica; Desindustrialização; Competitividade Internacional; Desoneração Tributária; Direitos Sociais. Abstract: The international competitiveness of products with the products produced nationally is to provide a process "early" de-industrialization in Brazil. This situation has recently generated measures of the President, seven decrees and two interim measures to ensure economic empowerment and stimulate the domestic industry to face global financial crisis and the process of de-industrialization with the consequent tax exemption of the formal labor with a view to securing new jobs and the formalization of existing ones. Such measures also aim to expand domestic production, reducing production costs and product prices, and ensure a sustainable national economic development. In preparing this article the methodology of the research through a descriptive, exploratory and literature of the subject, with the subsequent analysis of data and information through a qualitative approach. Key-words: Economic Crisis; De-industrialization; International Competitiveness; Tax Exemption; Social Rights. 1 INTRODUÇÃO

219

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL É sabido por muitos que os direitos sociais previstos na Constituição Federal de 1934 até 1988 e na Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT de 1943, foram influenciados pelas Constituições do México de 1917 e a Constituição Alemã (Weimar) de 1919, ambas “constituem referências internacionais para a instauração de novo modelo de Estado – o Estado Social de Direito” (LEHUR, 2009, p. 74). A partir deste momento, passa-se a exigir do Estado a garantia do usufruto dos direitos sociais “por aqueles a quem o sistema social e econômico não garante o mínimo existencial, base necessária para que o indivíduo possa desenvolver-se com autonomia”, (LEHUR, 2009, p. 74). Vale lembrar também que, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conforme enuncia José Felipe LEDUR (2009, p. 77): Deu um salto qualitativo de extraordinário significado no terreno dos direitos sociais ao incluí-los no rol dos fundamentais e porque reconheceu novos direitos, resultantes da influência do movimento social na convocação da Assembléia Nacional Constituinte e no desenvolvimento dos seus trabalhos.

Por vezes é possível observar na simples leitura da atual Constituição Federal que os direitos sociais por possuírem estreita relação com o direito ao trabalho, são até confundidos com este. Entretanto, os direitos sociais são gênero que abrange outros direitos, tais como moradia, segurança, alimentação, etc., e o direito do trabalho é uma das espécies destes direitos sociais. Outro ponto a ser levantado é quanto à globalização, que será explanada em dois sentidos: jurídico e o econômico, sendo aquele, conforme definido por JUNIOR apud PIOVESAN (2004, p. 105): O deslocamento da capacidade de formulação de definição e de execução de políticas públicas, antes radicada no Estado-nação, para arenas transnacionais ou supranacionais, decorrentes da globalização econômica e de seus efeitos sobre a extensão do poder soberano.

A globalização econômica, segundo HESSE apud PIOVESAN (2004, p. 62): Significa que as fronteiras entre países perdem importância, quando se trata de decisões sobre investimentos, produção, oferta, procura e 220

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL financiamentos. As conseqüências são uma rede cada vez mais densa de entrelaçamento das economias nacionais, uma crescente internacionalização da produção, no sentido de que os diferentes componentes de um produto final passam a ser manufaturados em diferentes países, e a criação de mercados mundiais integrados para inúmeros bens, serviços e produtos financeiros.

Assim, a globalização econômica é responsável pela abertura de mercados internacionais e a transferências de empresas dos países desenvolvidos para os em desenvolvimento, devido ao baixo custo da produção e de mão de obra barata, em resposta a elevação do consumo em todo o mundo e da necessidade de baratear os custos da produção e obter maiores lucros. No Brasil não é diferente, a crescente demanda de bens de consumos tais como, roupas, eletrodomésticos, veículos, bem como devido ao aumento da renda per capita da população brasileira, acarretou a inserção de novos produtos importados no país. Com isso, as indústrias nacionais não conseguem atingir o mesmo preço devido à alta carga tributária e aos elevados custos trabalhistas decorrentes da legislação brasileira. Neste sentido, o jornal Valor Econômico publicou em abril de 2012, que o Brasil tem o quinto menor custo de produção em ranking de 14 países, ficando a frente da Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos, todavia, está abaixo da China e Índia. Assim, Segundo a pesquisa, o custo de mão de obra da indústria de manufaturados que soma salários, direitos trabalhistas e benefícios usualmente concedidos pelas empresas - no Brasil é o dobro da do México e mais que duas vezes e meia o custo chinês. O dispêndio com mão de obra na Índia é quase um quarto do brasileiro65.

Em decorrência de tais fatos, os Estados nacionais tentam com a implantação de algumas medidas conter o processo de desindustrialização nacional, a fim de garantir que as indústrias e as empresas nacionais se mantenham firmes frente à competitividade internacional. Dentre outras, foram tomadas medidas pela

65

WATANABE, Marta. O Brasil tem o quinto menor custo de produção em ranking de 14 países. Valor Econômico. Disponível em: . Acessado em 29 jun. 2012.

221

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Presidente da República, no que tange a redução das alíquotas para financiamentos junto ao BNDES e quanto à desoneração tributária na folha de pagamentos dos trabalhadores formais. Além disso, o propósito do Estado Nacional é também o de evitar o desemprego estrutural, haja vista que já existe um processo de desindustrialização em determinadas ramos de atividades (por exemplo, têxtil) que detêm grande quantidade da força de trabalho nacional e formal. Desta forma, o objetivo deste trabalho é discutir de forma breve as recentes providências adotadas pela Presidente da República em abril de 2012, a fim de demonstrar que a desoneração tributária será uma das constantes medidas à longo prazo que deverão ser implantadas pelo Estado Nacional, a fim de conter a desindustrialização nacional, a possível influência da crise econômica mundial no Brasil, bem como aos possíveis retrocessos quanto aos direitos trabalhistas garantidos nas relações de emprego. 2

A “POSSÍVEL” CRISE DA DESINDUSTRIALIZAÇÃO NACIONAL EM

DECORRÊNCIA DA PERDA DA COMPETITIVIDADE NACIONAL A “desindustrialização” teve seu estudo aprofundado a partir da “doença holandesa” (Dutch disease) ocorrida em meados da década de 1970 na Holanda. De acordo com NASSIF (2006, p.7): A “doença holandesa” original está relacionada a um fenômeno real ocorrido na Holanda, nos anos 1970, quando a descoberta de grandes fontes de gás natural provocou uma forte realocação dos recursos na economia do país. No médio prazo, no entanto, o boom das vendas externas da commodity levou a uma enorme apreciação real do florim holandês e, por conseguinte, à depressão das exportações industriais do país. Após a ocorrência real do problema na Holanda, a teoria da Dutch disease foi desenvolvida pioneiramente por Corden e Neary (1982). Para esses autores, uma economia padece da doença holandesa quando a rentabilidade de um ou mais setores é fortemente comprimida como decorrência de um boom ocorrido em determinadas indústrias produtoras de bens ou serviços comercializados (traded goods). Jones e Neary (1984, p. 25) mostraram também que a retração dos demais setores da economia 222

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pode ser ainda mais acentuada, caso o efeito-gasto decorrente do boom aumente desproporcionalmente a rentabilidade dos setores que produzem bens não-comercializados (non-traded goods).

Segundo ROWTHORN E WELLS (1987) apud NASSIF (2006, p. 8) o processo de desindustrialização “é definida como um fenômeno caracterizado principalmente pela retratação relativamente expressiva do emprego no setor manufatureiro vís-à-vís os demais setores, notadamente o de serviços”. É necessário lembrar que, a diminuição da participação do emprego no setor manufatureiro está associada a “absorção de tecnologias poupadoras de mão de obra”, devido a possibilidade de padronização dos produtos, e “elevado aumento da produtividade em relação ao de serviços”. ROWTHORN e RAMASWAMY (1999) apud SONAGLIO, ZAMBERLAN, Lima e CAMPOS (2010). Neste sentido, para NASSIF (2006, p. 9): O principal argumento é que o ritmo mais intenso de crescimento da produtividade do setor manufatureiro frente aos demais setores em economias avançadas provoca queda acentuada dos preços relativos dos bens industrializados e, por conseguinte, um forte estímulo à demanda desses produtos, mais do que compensando os níveis de elasticidade-renda marginalmente inferiores a um, observados nesses países. Paralelamente, o ritmo intenso da produtividade do setor manufatureiro explica a queda relativa do emprego gerado nesse setor, em virtude da introdução de técnicas poupadoras de mão-de-obra. Nesse caso, a desindustrialização é paradoxalmente um fenômeno tecnológico, já que a indústria (ainda) constitui a principal fonte de progresso técnico.

Os autores ROWTHORN e WELLS (1987) apud NASSIF (2006,p.10), testaram empiricamente as circunstâncias que caracterizaram o processo de desindustrialização nos países industrializados durante o período de 1963-1994. Dentre outras conclusões, a situação atual do Brasil amolda-se à seguinte característica: As evidências sugerem que a concorrência com importados provenientes dos países em desenvolvimento (em geral intensivos em trabalho e/ou recursos naturais) exerce um efeito marginal na queda da participação do emprego manufatureiro. Em última instância, seu principal impacto é fomentar a produtividade do setor 223

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL manufatureiro dos países avançados, provocando maior especialização em produtos intensivos em capital e/ou de alta tecnologia, em geral poupadores de mão-de-obra.

Ocorre que, o processo de desindustrialização, segundo NASSIF apud SONAGLIO, ZAMBERLAN, Lima e CAMPOS (2010) “não pode ser entendido como um efeito negativo, seja em relação ao crescimento de longo prazo da economia ou em relação ao bem-estar da sociedade“. Neste sentido, para o autor o que se espera deste fenômeno “é uma tendência natural do processo de desenvolvimento econômico e se manifesta com a perda da importância da indústria para o setor de serviços, em termos de emprego e de oferta total”. Para os autores SONAGLIO, ZAMBERLAN, Lima e CAMPOS (2010, p. 352) comentam sobre a desindustrialização e suas consequências no setor de serviços: A análise da composição do emprego no setor de serviços indica um crescimento nas vagas dos segmentos de média e baixa tecnologia, indicando que o processo de desindustrialização ocorrido na economia brasileira não é derivado da trajetória virtuosa do desenvolvimento, pois as mudanças estruturais mostram perda de representatividade dos setores industriais de maior dinamismo, ao passo que os serviços de menor produtividade ganham espaço.

Entre os economistas acima enunciados, não é unânime a posição de que o Brasil está enfrentando um processo de desindustrialização, entretanto, as evidências expostas indicam que a longo prazo em decorrência “da valorização da moeda brasileira em relação ao dólar em termos reais” e da “perda de competitividade industrial” (NASSIF, 2006, p.33), o Brasil entraria em um processo precoce de desindustrialização. 3 MEDIDAS TOMADAS PELO BRASIL FRENTE À CRISE Neste sentido, em decorrência da crise mundial econômica e financeira de 2008, os países desenvolvidos e em desenvolvimento, bem como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estão em constante discussão acerca das 224

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL conseqüências que a crise acarretou e ainda poderá acarretar a tais países, no que tange a oportunidades de trabalho e a recuperação econômica. A 17ª Conferência Interamericana de Ministros do Trabalho (CIMT) que ocorreu em 31 de outubro e 1 de novembro de 2011, com a participação dos países do Grupo de Trabalho I que inclui o Brasil, discutiram sobre o tema “Trabalho decente para enfrentar a crise econômica global com justiça social para uma globalização equitativa”66. A principal preocupação dos Ministros é quanto aos impactos nos níveis e na qualidade do emprego, e propuseram promover soluções inovadoras, que coloquem o

trabalho

decente e

a

proteção

social como pilares fundamentais do

desenvolvimento67. Ao emanarem o Relatório Final, incluíram algumas recomendações para a elaboração de um plano de ação, quais sejam: a) Enfatizar a permanente necessidade de combater a informalidade e criar mais oportunidades de trabalho decente no setor formal, por meio de uma combinação de políticas educacionais, sociais, econômicas e de emprego; b) Continuar a reconhecer a importância das micro, pequenas e médias empresas que geram prosperidade e inclusão social, e apoiar o apelo às instituições financeiras internacionais e regionais, para que aumentem os empréstimos e expandam o acesso ao crédito, conforme foi mencionado na Quinta Cúpula das Américas; c) Continuar a compartilhar as melhores práticas da região e a implementar programas destinados à crise de emprego e à violência juvenil, inclusive os esforços nos Ministérios do Trabalho, para oferecer oportunidades de emprego para os jovens. Os grupos de jovens fora da escola, subempregos e ex-membros de quadrilhas devem ser considerados e atendidos. As associações com instituições educacionais e de capacitação devem ser fortalecidas, a fim de melhorar a educação e as competências dos jovens, bem como as associações com o setor privado; d) Manter o apoio da CIMT ao Haiti, em virtude do devastador terremoto de janeiro de 2010; e) Fortalecer políticas públicas, programas e ações de prevenção e eliminação do trabalho infantil e do trabalho forçado, bem como compartilhar as melhores práticas da região. 66

Organização dos Estados Americanos. Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral (CIDI). Relatório Final do Grupo de trabalho I. 09/set/2011. Disponível em: . Acessado em 29 jun. 2012. 67 Idem, Ibidem.

225

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL f) Dentre outras68.

Devido às inúmeras influências – processo precoce de desindustrialização e as recomendações do Grupo de Trabalho I da OIT - a Presidente Dilma Roussef no início de abril de 2012 emanou duas medidas provisórias e sete decretos com ações para fortalecer a econômica e estimular a indústria nacional. Não será tratado de todas as medidas em vigência, haja vista que o presente trabalho visa as medidas adotadas especificamente à desoneração tributária no trabalho formal. A dificuldade do crescimento da economia brasileira tem sido pautado, como já tratado acima, pela ocorrência da perda da competitividade da produção nacional de determinado setores industriais (têxtil, construção civil, etc.) para os produtos importados de países em desenvolvimento como China e a Índia, esta última principalmente voltada para a área de tecnologia. No sentido de serem proativos ao processo de desindustrialização do parque industrial brasileiro, especificamente as indústrias têxteis, as federações das indústrias da região sul do Brasil – FIEP/Paraná, FIEP/Rio Grande do Sul e FIEP/Santa Catarina – se reuniram para discutirem soluções para o setor têxtil e de vestuário, haja vista a concorrência desleal dos produtos advindos, principalmente da China69. Não é a toa que, as indústrias multinacionais estão transferindo sua linha de produção para países como China e Índia, devido ao baixo custo de produção, associado à legislação trabalhista e tributária precária, e a “infinitude” de recursos naturais e de mão de obra barata. Tais situações são demonstradas através do documentário “China Blue”70, lançado em 2005 pelo diretor Micha Peled, em que são acompanhadas duas jovens chinesas que trabalham para uma indústria de jeans, e que retrata a falta de dignidade humana nas condições de trabalho dos chineses e a escravidão na modernidade.

68

Idem, Ibidem. FIEP, Agência de notícias. Indústria da Região Sul busca soluções para o setor têxtil e de vestuário. Disponível em: . Acessado em 29 jun. 2012. 70 PELED, Micha. China Blue. Disponível em: . Acessado em 29 jun. 2012. 69

226

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Visando o fortalecimento da economia brasileira e a necessidade de auxiliar as empresas nacionais assegurando a competitividade em mercados externos, cabe ao Estado orientar as ações pertinentes ao momento em que vivemos a “desindustrialização precoce no Brasil”. Com vistas a fortificação do trabalho formal, foi tomada a ação de alteração da alíquota das contribuições previdenciárias sobre as folhas de salários devidas pelas empresas, diminuindo os custos da produção, conforme tratado na Medida Provisória nº 563, de 03 de abril de 2012. Tal medida determinou que até 31 de dezembro de 2014, as empresas (hoteleiras, de tecnologia - desenvolvimento de sistemas, programação, jogos eletrônicos, suporte técnico e manutenção de computadores, etc.-, call center, moveleiras, elétricas, fabricação de ônibus, dentre outras) terão o privilégio da redução da alíquota das contribuições previdenciárias, antes de 20% (vinte por vento) para 1% (um por cento) ou 2% (dois por cento) sobre o valor da receita bruta, excluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos. A justificativa dada é a implantação de uma indústria forte, com aumento na produção, diminuição dos postos de trabalho e permitir a inclusão digital da população brasileira. As exigências da desoneração da folha de pagamentos ressalta a necessidade de incentivos à formalização das relações de trabalho, discutidas pelos Ministros do Trabalho CIMT, e na intenção de desonerar a carga tributária atribuída as atividades industriais, a contratação de novos empregados e a manutenção dos contratados. Outro ponto atribuído à medida de desoneração tributária é quanto a ampliação da contratação de trabalhadores com vínculos formais de emprego, pois, diminuiria a subcontratação de trabalhadores através da terceirização, que está associada a precarização das relações de trabalho71. 71

A Terceirização Lícita no Brasil está regulamentada em alguns dispositivos, quais sejam: Art. 455/CLT, que trata sobre a empreitada e a subempreitada; Súmula 331/TST (atualizada em 2011), que determina as formas lícitas de terceirização, bem como sobre a terceirização na Administração Pública; Lei nº 6.019/1974 que dispõe sobre o trabalho temporário (intermediação de mão de obra); Lei nº 7.102/1983 que trata sobre os serviços de vigilância; Decreto nº 200/1967 que dispõe sobre a terceirização na Administração Pública; e por fim, a Lei nº 9.472/1997 que trata sobre a terceirização

227

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A Medida Provisória nº 563/2012 trata quanto ao setor automobilístico e instituiu o Programa de incentivo à Inovação Tecnológica e Adensamento da Cadeia Produtiva de Veículos Automotores – INOVAR-AUTO, tal programa visa à redução da base de cálculo do Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI incidentes aos veículos automotores, tratores, caminhões, dentre outros. Todas as ações tomadas nesta Medida Provisória têm por escopo a necessidade de intensificar a competitividade da indústria brasileira no âmbito interno e internacional, e que sua ausência poderia acarretar nos próximos meses ou

anos

o

fechamento

de

fábricas,

redução

na

produção

industrial

e

consequentemente perda de postos de trabalho. Além disso, ocorreram algumas reduções de taxas e ampliação de prazos para estimular o investimento da indústria brasileira, anunciada pelo BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento, tais propostas visam uma redução significativa do custo de seus financiamentos para máquinas e equipamentos. A título de exemplo, a prorrogação do prazo para mais um ano, até dezembro de 2013, do Programa BNDES PSI72, com redução de taxas, aumento de prazos e dos níveis de participação, os juros para a aquisição de máquinas e equipamentos caíram de 8,7% para 7,3%, no caso de grandes empresas, e de 6,5% para 5,5%, no caso de micro, pequenas e médias empresas. O BNDES reduziu ainda as taxas também para empresários autônomos, através do Programa BNDES Procaminhoneiro, que financia veículos para o caminhoneiro autônomo, reduzindo a taxa de 7% para 5,5%. Assim como para as

nos serviços de telecomunicações. A intenção da Medida adotada pela Presidente da República é legalizar as formas de trabalho adotadas nas empresas que se utilizam da terceirização, muitas vezes ilícita, assim, haja vista que os princípios da dignidade da pessoa humana e da não mercantilização do trabalho vedam que o trabalho seja considerado mercadoria (o trabalho humano não é mercadoria) e a coisificação do trabalhador ou o aluguel da sua força de trabalho por outrem (REZENDE, 2012, p. 191). 72

É um programa vinculado ao BNDES, que financia a produção e a aquisição isolada de máquinas e equipamentos novos, de fabricação nacional, credenciados no BNDES, inclusive agrícolas, e o capital de giro a eles associados; aquisição de ônibus, caminhões, chassis, caminhões-tratores, carretas, cavalos-mecânicos, reboques, semirreboques, aí incluídos os tipos Dolly, tanques e afins, novos de fabricação nacional, e credenciados no BNDES; aquisição de máquinas e equipamentos novos, de fabricação nacional, credenciados no BNDES, associados a projeto de investimento. Disponível em: . Acessado em 28 mai. 2012.

228

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL taxas na aquisição de ônibus e caminhões de 10% para 7,7%, além de aumentar o prazo de amortização de 96 meses para 120 meses. Ainda neste sentido, o Decreto nº 7.713 de 03 de abril de 2012 trouxe a margem de preferência para as compras governamentais realizadas no âmbito da Administração Pública Federal para aquisição de fármacos e medicamentos. Na mesma semana, o Ministério da Saúde73 comentou que a medida proposta pelo “governo federal espera estimular o desenvolvimento e a produção nacional de medicamentos, fármacos, insumos e, até o final deste semestre de equipamentos e dispositivos médicos”. E por fim, dentre as medidas emanadas pela Presidente da República, o Decreto nº 7.709, de 03 de abril de 2012, também lançou a margem de preferência pela indústria nacional na aquisição de equipamentos como retroescavadeira e motoniveladora, visando o desenvolvimento nacional sustentável da indústria nacional relacionada à construção civil. O que se espera com todas as medidas propostas é a ampliação da produção nacional, no mais diversos setores da economia brasileira, o que acarreta em um aumento da força de trabalho, geração de empregos novos e a formalização dos já existentes, além do barateamento dos custos da produção e dos preços do produto final, para que haja um desenvolvimento nacional sustentável e que tenha condições de competir nacionalmente e até em nível internacional. 4 PARTICIPAÇÃO

DO

ESTADO

FRENTE

A

COMPETITIVIDADE

INTERNACIONAL E O PROCESSO “PRECOCE” DE DESINDUSTRIALIZAÇÃO NO BRASIL O papel do Estado frente à desindustrialização nacional, e especificamente a crise mundial, nas palavras de FARIA apud MEDEIROS (2009, p. 468):

73

NACIONAL, Imprensa. Ministério da Saúde dará preferência a produtos nacionais em compras públicas. Disponível em: http://www2.planalto.gov.br/imprensa/noticias-de-governo/ministerio-da-saude-dara-preferencia-aprodutos-nacionais-em-compras-publicas. Acessado em 05 abr. 2012.

229

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Na medida em que a instituição estatal passa a representar, inesperadamente, a solução, deve-se construir e fortalecer novas alianças sociais que reorientem as políticas governamentais de geração e proteção de emprego e renda, concedendo não apenas iguais oportunidades, mas iguais condições, principalmente diante do anacronismo das atuais formas de controle e gestão do Estadonação, o que termina levando à perda da centralidade e exclusividade do ordenamento jurídico estatal, pois o verdadeiro estado democrático deve ter como objetivos a socialização da política e do poder.

Assim, com a necessidade de afirmar sua soberania tenta com tais medidas evitar um agravamento do processo de desindustrialização nacional, a fim de garantir a sobrevivência das indústrias brasileiras, sejam grandes, médias ou pequenas empresas, para que continuem a crescer e a gerar novos empregos e ainda na formalização dos já existentes. Com isso, evitar-se-á o desemprego estrutural que ocasiona um circulo virtuoso, com problemas de geração de renda com a consequência intervenção do Estado para garantir o mínimo existencial a tal população e ainda quanto à diminuição no consumo em geral (bens supérfluos), decaindo ainda mais a produção e consequentemente o desemprego. Outro ponto é quanto à redução dos tributos às empresas de grande, médio ou pequeno porte, pois, tais custos no Brasil são extremamente elevados, e a longo prazo inviabilizará qualquer reabilitação econômica e estrutural das empresas nacionais, se não houver uma intervenção do Estado neste sentido. A redução da carga tributária é de grande importância para o crescimento econômico do país, pois, age diretamente na diminuição do custo da produção e no aumento da produtividade, o que gera a ampliação do número de empregos. Ainda neste sentido, é papel do Estado investir, isolada ou conjuntamente com as empresas privadas, na infraestrutura do país, seja através do capeamento de novas estradas, na ligação de rodovias interestaduais e estaduais, ou na criação de ferrovias para o transporte de cargas, produtos e matérias-primas, com o escopo de proporcionar uma ligação de diferentes regiões e cidades do país, o que consequentemente barateia o custo do produto final. 230

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Vale ressaltar que é responsabilidade do Estado investir em infraestrutura, com a implantação de novas estradas e recapear as existentes, metros, transporte público de baixo custo, barateando os custos de logística da produção e do transporte dos trabalhadores, bem como em saúde e educação da população, a fim de garantir a todos um aumento do conhecimento técnico e científico, e ainda proporcionar um investimento em projetos científicos, no sentido de buscar novos caminhos tecnológicos futuramente. Neste sentido, o papel do Direito Positivo frente à desindustrialização nacional e em decorrência da crise financeira mundial é o de repensar seus modelos e “práticas intervencionistas, buscando um maior consenso civilizatório de convivência social”, assim, “garante a prevalência dos direitos sociais duramente alcançados, como também dos mecanismos protetivos do emprego e de geração de renda, ensejando uma proteção social mais significativa”. (MEDEIROS, 2009). Assim, diante da preocupação da precarização das relações do trabalho a nível mundial (OIT – Organização Internacional do Trabalho), e ainda que a proteção do trabalho é uma obrigação do Estado no sentido de atuar “normativamente e na fiscalização das condições e padrões legais das relações laborais”, bem como em decorrência da realidade econômica existente, conforme descrito por CUNHA, 2009, poderá provocar: Redefinições profundas do direito do trabalho e da justiça laboral na mudança de percepção sobre os direitos mínimos dos trabalhadores e as diversas modalidade de contrato de trabalho; ao mesmo tempo em que fiscalizará as condições mínimas do trabalho e garantirá os direitos trabalhistas, operará o Estado uma flexibilização nos modos e características da atividade laborais, com o objetivo de compatibilizar as normas trabalhistas com as mudanças decorrentes da ordem econômica mundial e seus inegáveis golpes nos direitos sociais dos trabalhadores.

Desta forma, o Estado detêm uma enorme responsabilidade no sentido compatibilizar o desenvolvimento econômico e a garantia dos direitos sociais dos trabalhadores, haja vista que ambos são de extrema importância para o desenvolvimento nacional sustentável. Um garante que o país permaneça em 231

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL desenvolvimento e o outro em contrapartida freia possíveis infrações aos direitos dos trabalhadores adquiridos por meio de inúmeras conquistas sociais. 5 CONCLUSÃO Diante o exposto, verifica-se que a intervenção do Estado para garantir o progresso e desenvolvimento econômico nacional é de extrema importância nestes tempos de crise econômica e financeira mundial e do processo “precoce” de desindustrialização nacional, seja com investimentos nas de áreas de saúde, educação, tecnologia, transporte, infraestrutura, etc., seja na desoneração tributária e trabalhista para as empresas brasileiras (grande, médio ou pequeno porte). O que deve nortear os Estados é a consequência “futura” desta crise, tanto no mercado financeiro mundial quanto nas relações de trabalho e emprego, pois um depende do outro, e segundo CUNHA (2009, p. 355): Registre-se que o fenômeno do desemprego sempre foi comum a todos os povos e economias, mas o que se realça aqui é que, provavelmente, o mundo vivenciará um período de escassez de emprego como nunca ocorrido, verificando-se grande quantidade de desempregados em expressivos espaços de tempo sem trabalho, pelo que não se descarta nova submissão da ordem moral ao mercado, com uma possível tolerância ao trabalho infantil e prostituição (inclusive infantil), dentre outras atividades atualmente consideradas degradantes.

O Estado deve incentivar o desenvolvimento nacional através de medidas que sejam sustentáveis, ou seja, medidas compatíveis com as necessidades nacionais e que não comprometam os direitos individuais e sociais fundamentais garantidos na Constituição Federal. Outro ponto salutar é que, o Estado neste momento é a solução para fortalecer e reorientar as políticas governamentais de geração e proteção do emprego e renda, uma vez que o Estado Democrático de Direito tem por fundamento a valorização social do trabalho e da livre iniciativa.

232

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Vale lembrar ainda que, as medidas federais mencionadas ao longo deste artigo são algumas de muitas que devem ser emanadas pelo Governo para que o Brasil não tenha um processo efetivo de desindustrialização nacional, de aumento no desemprego estrutural e ainda na precarização e flexibilização das normas e das condições de trabalho. 6 REFERÊNCIAS AMERICANOS, Organização dos Estados. Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral (CIDI). Relatório Final do Grupo de trabalho I elaborado em 09 set. 2011. Disponível em: . Acessado em 05 abr. 2012. IMPRENSA, Sala de. BNDES PSI – bens de capital. Disponível em: . Acessado em 28 mai. 2012. IMPRENSA, Sala de. BNDES reduz taxas e amplia prazos para estimular investimento. Disponível em: . Acessado em 05 abr 2012. FALCÃO, Márcio. Até 2014, toda indústria terá desoneração na folha. Disponível em: . Acessado em 05 abr 2012. LEDUR, José Felipe. Direitos Fundamentais Sociais: efetivação no âmbito da democracia participativa. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009. p. 69101. MARTINS, Sergio Pinto. A Terceirização e o Direito do Trabalho. 8 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2007. p. 43-52. MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24 ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2008. p.3-11. MEDEIROS, André Antonio A. de. Estado, Crise Econômica Mundial e a Centralidade do Trabalho. Revista Direito GV São Paulo p. 459-470. Edição jul-dez 2009.

233

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL NACIONAL, Imprensa. Diário Oficial traz medidas de estímulo à indústria brasileira. Disponível em: . Acessado em 05 abr. 2012. NACIONAL, Imprensa. Ministério da Saúde dará preferência a produtos nacionais em compras públicas. Disponível em: . Acessado em 05 abr. 2012. NASSIF, André. Há evidências de desindustrialização no Brasil?. Textos para Discussão nº 108. Rio de Janeiro: 2006. Disponível em: . Acessado em 15 abr. 2012. PIOVESAN, Flávia (Coord.). Direitos Humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 39-97. RESENDE, Ricardo. Direito do Trabalho Esquematizado. 2. Ed. São Paulo: Editora Método, 2012. p. 189-234. ROUSEFF, Dilma. Governo amplia desonerações para aumentar competitividade da indústria brasileira. Disponível em: . Acessado em 05 abr. 2012. ROUSEFF, Dilma. Governo dedica atenção especial à indústria brasileira. Disponível em: . Acessado em 05 abr. 2012. SONAGLIO, Cláudia Maria; ZAMBERLAN, Carlos Otávio; LIMA, João Eustáquio de; CAMPOS, Antonio Carvalho. Desindustrialização no Brasil. Revista Economia Aplicada v. 14, n. 4., 2010, p. 347-372.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ÁGUA: DIREITO FUNDAMENTAL DE SEXTA DIMENSÃO Marília Rodrigues Mazzola, Universidade Estadual de Londrina, [email protected] Priscylla Gomes de Lima, Universidade Estadual de Londrina, [email protected] Resumo: A água é um elemento natural necessário a todo ser vivo. Ela está intimamente ligada à saúde e perpetuação da vida, daí a importância de seu reconhecimento como direito fundamental. Atualmente, o direito brasileiro não consagra a água dentro do rol de seus direitos fundamentais, apesar da existência de Projeto de Emenda Constitucional neste sentido. Alguns doutrinadores, porém, pretendem a criação de uma nova dimensão de direitos fundamentais, qual seja a sexta geração de direitos, admitindo-a como um direito fundamental de todos, tendo em vista a sua condição de insubstituível e necessária à manutenção da vida, de modo que sem esta proteção, todo o Planeta estará em risco além do efetivo desrespeito à dignidade da pessoa humana. Palavras-chave: Direitos fundamentais, direito de sexta dimensão, direito à água. Abstract: Water is a natural element necessary to all living creatures. It is intimatly linked to health and perpetuation of life, thus the importance of recognizing it as a fundamental right. Nowadays, brazilian law does not include water in its fundamental rights, although there is a project to ammend its Constitution to include water as a fundamental right. Some doctrine, however, intend to create a new dimension of fundamental rights, the sixth generation of rights, determinating water as a fundamental right to all, considering it is irreplaceable and to maintain life; in such a way that without this protection, the entire planet is at risk beyond the effective disrespect to dignity of the human being. Keywords: Fundamental rights; sixth dimension rights; right to water. INTRODUÇÃO

Tem como escopo apresentar um breve estudo sobre a água, sob o enfoque de direito fundamental, pois verifica-se a importância da acessibilidade ao recurso para a manutenção da existência em todo o Planeta, sendo que no plano interno deve ser identificado como um direito fundamental primário, visto que trata-se de um elemento indispensável à vida humana. A água é um elemento essencial à vida dos seres vivos. Está intimamente ligada à saúde e perpetuação da vida, daí a importância de seu reconhecimento como direito fundamental. Existem inúmeras causas para a colocação do direito à água dentro do rol 235

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de garantias constitucionais: a água é elemento indispensável à sobrevivência das maioria das espécies do planeta, inclusive o homem ; muitas regiões no planeta sofrem com a escassez e má distribuição desse recurso; a falta de água afeta a economia, visto que muitas atividades dependem da água em si, e da energia elétrica que é produzida através da força das águas, através das hidrelétricas, para efetuar o seu processo produtivo, entre inúmeros outros motivos. A tese de que a água deveria ser considerada um direito fundamental de sexta geração foi apresentada pelos doutrinadores paranaenses Zulmar Fachin e Deise Marcelino da Silva, que demonstram que a criação de mais uma geração de direitos não feriria os propósitos apresentados na tese de Bobbio sobre as gerações de direito, mas sim somente os complementaria em face das evolução das relações sociais e econômicas, que acompanham a evolução do homem. Atualmente, a Constituição Federal do Brasil não traz nenhum dispositivo específico no que concerne à água, mas disciplina que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, ainda que não esteja previsto no rol do artigo 5º. Entretanto, existem projetos de Emenda Constitutional que buscam resolver esse impasse, com a devida inclusão da água no rol dos direitos fundamentais, dando-lhe, portanto, a necessária proteção jurídica. Ressalte-se que no Brasil o domínio das águas é exclusivamente público, e até a presente data, a Constituição trata somente a exploração econômica do recurso, além do fornecimento de água potável pela União, Estados e Municípios. Com a inclusão da água dentro dos direitos constitucionais surgiria ao Estado um dever de proteger o elemento, principalmente visando a sua adequada distribuição, com amplo acesso a todos. Tal inclusão também seria benéfica para que a sociedade criasse uma maior conscientização sobre esse recurso natural, com vistas nõa só a consumí-lo de maneira consciente, mas também preservá-lo, de modo a garantir às futuras gerações a possibilidade de acesso a esse bem. DESENVOLVIMENTO 1.

Meio ambiente e dimensões de direitos fundamentais 236

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Um dos fundamentos do Estado Brasileiro é assegurar aos seus cidadãos a sua dignidade como pessoa humana. Para a garantia desse direito é necessário um ambiente que permita a qualidade de vida, de modo que o ser humano consiga sobreviver dentro de condições satisfatórias. Constitucionalmente, o meio ambiente é protegido de maneira esparsa, sendo o artigo 225 considerado o de maior importância. Entretanto, ao se realizar uma leitura histórica das Constituições brasileiras, verifica-se que não havia qualquer previsão com relação ao meio ambiente, sendo que a Constituição Federal de 1988 foi a primeira legislação de caráter constitucional a inserir tal termo no ordenamento jurídico, como nos ensina Paulo de Bessa Antunes: A Constituição Federal de 1988, naquilo que diz respeito ao meio ambiente e à sua proteção jurídica, trouxe imensas novidades em relação às Cartas que a antecederam. As leis fundamentais anteriores não se dedicaram ao tema de forma abrangente e completa: as referências aos recursos ambientais eram feitas de maneira não sistemática, com pequenas menções aqui e ali, sem que se pudesse falar na existência de um contexto constitucional de proteção ao meio ambiente. Os constituintes anteriores a 1988 não se preocuparam com a conservação dos recursos naturais e com a sua utilização racional (ANTUNES, 2005, p. 47).

A primeira Constituição Brasileira, do ano de 1824, nem sequer fazia referência à matéria ambiental, apesar da importância dos insumos naturais naquela época, posto que a economia brasileira dependia basicamente da importação destes; e da mesma forma o meio ambiente era abordado na Constituição de 1891. Com a Revolução Constitucionalista de 1932, a Constituição de 1934 de alguma forma “estimulou o desenvolvimento de uma legislação infraconstitucional que se preocupou com a proteção do meio ambiente, dentro de uma abordagem de conservação de recursos econômicos” (ANTUNES, 2005, p. 50). As Constituições de 1937, 1946 e 1967 continuaram a tratar do tema meio ambiente levando em conta as competências da União com relação aos recursos naturais e minerais. Conclui então Paulo Antunes: 237

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Um balanço das competências constitucionais em matéria ambiental demonstra que o tema, até a Constituição de 1988, mereceu tratamento apenas tangencial e que a principal preocupação do constituinte sempre foi com a infraestrutura para o desenvolvimento econômico. O aspecto que foi privilegiado, desde que o tema passou a integrar a ordem jurídica constitucional foi o de meio de produção (ANTUNES, 2005, p. 51/52).

O meio ambiente é considerado um direito de terceira dimensão, e passou a ser protegido pelos ordenamentos jurídicos diante de inúmeros acontecimentos naturais e estudos científicos, que despertaram no homem certa conscientização da necessidade de proteção da Biosfera, para que as gerações atuais e futuras possam desfrutar do planeta com o mínimo possível de degradação. Entretanto, para a chegada nesse patamar, primeiramente deve-se compreender a evolução dos direitos fundamentais através do tempo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos tratou prioritariamente dos direitos de primeira dimensão, que protegiam os direitos individuais e políticos, dentre eles, a dignidade da pessoa humana, além das liberdades públicas, que deviam ser respeitados pelos Estados. Diante das políticas sociais dos Estados surgiu a necessidade da positivação de direitos fundamentais os quais o Estado, através de sua intervenção, protegeria e garantiria ao homem. Surgem, assim, os direitos de segunda dimensão, dentre os quais os direitos sociais, culturais e econômicos encontram-se inclusos. Verificando que as relações econômicas estavam se alterando com grande velocidade, diante de mudanças na comunidade internacional, surgiram novos questionamentos, dentre os quais “a noção de preservacionismo ambiental e as dificuldades para a proteção dos consumidores” (LENZA, 2009, p. 670), sendo que o ser humano começou a se perceber dentro de uma coletividade, razão pela qual seriam necessárias intervenções para a preservação do patrimônio ambiental e da humanidade. Os direitos de quarta geração, segundo Bonavides, relacionam-se à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo, buscando a universalidade da sociedade em suas relações de convivência. Para Norberto 238

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Bobbio, tais direitos relacionam-se à engenharia genética e à biotecnologia, como ensina Lenza (2009, p. 670-671). Explicam Emmanuel Teófilo Furtado e Ana Stela Vieira Mendes a razão do surgimento dessa dimensão de direitos: Foi, sem dúvida, por conta das atrocidades ocorridas durante a 2ª. Grande Guerra Mundial, mormente no que se refere a experimentos genéticos manietados pelos campos de concentração do nazismo que o direito moderno passou a se preocupar com a ética voltada para o trato das experiências com a genética e demais experiências e procedimentos médicos e biológicos, preocupação que deveria redundar na proteção da pessoa humana, quer de forma física, quer em sua dignidade, ocasionando, por sua vez, uma humanização do progresso científico. (FURTADO; MENDES, 2012. Disponível em http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/brasilia/02_335.pdf. Acesso em 13.09.2012)

A divisão defendida por Bobbio em a Era dos Direitos, já se mostra insuficiente para o resguardo dos direitos fundamentais, de modo que já foram criadas mais duas dimensões de direitos. Entretanto, inúmeras teorias vêm surgindo com relação a essas duas dimensões, nem sempre coesas umas com as outras. De acordo com Paulo Bonavides, entre os direitos de quinta dimensão encontram-se o direito à Paz. Para outros doutrinadores, como Augusto Zimmerman, tal dimensão está ligada à realidade virtual, protegendo os direitos autorais, softwares e combate à pirataria. Segundo a teoria defendida pelos paranaenses Zulmar Fachin e Deise Marcelino Silva, a sexta dimensão de direitos pretende resguardar primordialmente a água como direito fundamental. Explicam os autores: (...) E as circunstâncias concretas do tempo atual justificam a construção de uma nova dimensão de direitos fundamentais. A escassez de água potável no mundo, sua má-distribuição, seu uso desregrado e a poluição em suas mais diversas formas geraram uma grave crise, a comprometer a subsistência da vida no Planeta. Em outras palavras, a escassez de água potável é um problema crucial. 239

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Logo, essa carência gera a necessidade de novo direito fundamental. Em outro dizer, tais circunstâncias da vida concreta têm a força suficiente para partejar novos direitos fundamentais, visto que estes vão nascendo gradativamente, no curso natural da História, mas como resultado de lutas travadas pelo esforço humano (FACHIN; SILVA, 2010. Disponível em . Acesso em 13 set. 2012>.

Assim, verifica-se que a inclusão deste elemento biológico isoladamente dentro de uma dimensão se dá diante da necessidade humana, para sua sobrevivência, e leva em conta, também, a má distribuição da água pelo mundo, de tal maneira que muitos cidadãos em diversas partes do planeta não possuem acesso eficiente a água. Portanto, infere-se que esta deve ser elevada a status de direito fundamental, ante sua importância e dada a atual visibilidade da distribuição e cuidado para com tal elemento. 2.

O direito à água como direito fundamental

É incontestável a importância da água. Considerada por muitos como o “ouro azul”, tal elemento é essencial para a formação e manutenção da vida, para qualquer ser vivo. Além disso, a água possui inúmeros usos, tanto para a sociedade como para a própria natureza. Apesar de todos os ordenamentos jurídicos do mundo possuírem artigos que referenciam à água, em sua maioria a tratando como objeto negocial, vem surgindo a ideia da inserção da água como um direito fundamental, já que “atualmente a água é uma dimensão aglutinadora de conflitos jurídicos, sociais, econômicos, ambientais, políticos

e

éticos”

(BARBOSA,

. Acesso em 13 set. 2012). De acordo com dados da Organização das Nações Unidas (ONU. Nações Unidas no Brasil. Disponível em: Acesso 240

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL em: 12 set. 2012), mais de 80 países no mundo sofrem as consequências da escassez de água potável. Ainda de acordo com a ONU, mais de 2 milhões de pessoas, anualmente, são vítimas do consumo de água contaminada. Através desses dados, pode-se inferir a importância deste elemento para a perpetuação da vida no planeta. Como assevera Flores (2011), Com a escassez quanti-qualitativa a água, bem natural livre e ilimitado, passou a ocupar novo espaço no cenário social, agora sob o rótulo de bem público, pois demonstra-se necessária a intervenção do Estado. A crise da água decorreu do rápido crescimento populacional e do uso irracional dos recursos naturais; assim, incumbindo ao Estado a gestão das águas, no intuito de diminuir os conflitos de acesso e utilização das mesmas, passando a água a ser mensurada dentro dos valores da economia.

Mas, mesmo que se atribua a água valor econômico, ela não pode, em momento algum, ser tratada apenas como mercadoria, como recurso hídrico: sendo ela um bem comum, não pode ser objeto de apropriação por parte do ente público ou de particulares (FLORES, 2011). Como ressalta Ingo Wolfgang Sarlet (2010, p. 79) o reconhecimento da água como direito fundamental implica em atribuir ao Estado o dever de garantir o mínimo essencial à sadia qualidade de vida, das presentes e futuras gerações. Sabe-se que a escassez deste recurso natural resulta em diversos problemas: a precarização da saúde e qualidade de vida dos indivíduos; as alterações no meio ambiente, que impactam diretamente no equilíbrio do ecossistema, inclusive gerando desequilíbrios de ordem econômica, entre outros. Entendem Fachin e Silva (2010, p. 22) que a escassez da água se dá por conta de inúmeros fatores, dentre eles a má distribuição geográfica da água doce pelo planeta , apesar da quantidade existente no planeta “ser suficiente para atender de seis a sete vezes o mínimo anual que cada habitante precisa”. Ainda, a ausência ou a precariedade de saneamento básico, já que:

241

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Vale destacar que 1,4 bilhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável, e que outros dois bilhões ainda não possuem condições adequadas de esgotamento sanitário. Se este cenário não for modificado, o número de pessoas sem acesso à água potável, em 2025, alcançará quatro bilhões (FACHIN, SILVA, 2010, p. 23).

Acrescentam os autores paranaenses que a poluição hídrica é outro fator determinante para a escassez do recurso natural (e que o mesmo está em sintonia com a ausência de saneamento básico), bem como o desperdício de água (cuja agricultura e pecuária são os principais responsáveis, porém sem deixar de ressaltar que o desperdício também é considerável no âmbito do uso doméstico) e o crescimento populacional (FACHIN, SILVA, 2010). Estes doutrinadores dão grande destaque para o fator “modelo societário de consumo” quando dizem que “os valores sociais ainda permanecem atrelados a um padrão

de

consumo

incompatível

com

o

quadro

contemporâneo

de

insustentabilidade ambiental, os recursos naturais continuam a ser extraídos sem ponderação” (FACHIN; SILVA, 2010, p. 45-46). Assim, para manter os padrões de consumo, o homem vem trazendo consequências maléficas ao meio ambiente, já que as pessoas se esquecem da quantidade de insumos naturais (e principalmente de água) necessários para a produção, olvidando-se também disso no momento em que descartam objetos considerados sem utilidade, sem levar em conta a possibilidade de reciclagem e reutilização. Imperioso destacar que, quando não há o acesso à água, viola-se o direito fundamental mais elementar reconhecido: o direito à vida. Sem o acesso à água, não há como subsistir a vida. Dessa forma, quando não concretizado o acesso à água, viola-se frontalmente o direito fundamental à vida. Nas palavras de Barbosa ([S.l.: s.n.] Acesso em: 13 set. 2012), [...] a água é percebida como um bem imprescindível e insubstituível e, exatamente por isso, é considerada um bem natural. Ninguém pode ser privado do acesso à água, sob pena de ser violentado em sua natureza. O não acesso à água põe em risco o direito fundamental à integridade física, à saúde e à vida. Em outras palavras, ainda como justificativa, reconhecer a água como um direito fundamental implica que o Estado deva ser responsabilizado 242

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pelo seu provimento para toda a população. E implica, também, que o acesso à água não pode estar sujeito a outras estritas regras de mercado, mas à lógica do direito à vida.

No mesmo sentido que Barbosa, a ONU (apud FACHIN; SILVA, 2010) apresenta justificativa para que o direito a água seja concretizado como direito fundamental no Relatório do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), buscando incentivar os países a fazer mudanças nos seus ordenamentos jurídicos, com a inclusão de tal direito: Converter a água num direito humano – e fazer com que seja cumprido. Todos os governos deveriam ir além dos vagos princípios constitucionais para a preservação do direito humano à água na legislação em vigor. Para ser cumprido, o direito humano deve corresponder a uma habilitação a um abastecimento de água seguro, acessível e a um preço razoável. A habilitação apropriada deverá variar por país e circunstâncias familiares. Mas implica, no mínimo, uma meta de pelo menos 20 litros de água potável por dia para cada cidadão – e sem qualquer custo para as pessoas com falta de meios para o seu pagamento. Devem ser estabelecidos indicadores de referência claros para o progresso em direção à meta, com a responsabilização dos governos nacionais e locais e também dos fornecedores de água. Se os fornecedores privados têm um papel a desempenhar no abastecimento de água, alargar o direito humano à água é uma obrigação dos governos (FACHIN; SILVA, 2010, p. 76).

Diante da clara necessidade de disponibilização da água para os seres humanos e também para todos os seres vivos, a elevação deste elemento natural ao patamar de direito fundamental se mostra correta, já que as circunstâncias fáticas já apresentadas neste trabalho “têm força suficiente para partejar novos direitos fundamentais, vistos que estes nascem gradativamente no curso natural da História, mas como resultado de lutas travadas pelo esforço humano” (FACHIN, SILVA, 2010, p. 78). Tal inclusão não feriria a teoria de dimensões de direitos fundamentais proposta por Bobbio, como o próprio afirma:

243

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Não é preciso imaginação para prever que o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de comunicação poderão produzir tais mudanças na organização da vida humana e das relações sociais que se criem ocasiões favoráveis para o nascimento de novos carecimentos, e, portanto, para novas demandas de liberdade e de poderes (BOBBIO, 1992, p. 33).

Aplicando a tese de Bobbio para a inclusão da água como direito fundamental, concluem Fachin e Silva: Advirta-se que o nascimento de uma nova dimensão de direitos fundamentais – no caso, representado pela água potável – não significa superação nem enfraquecimento dos direitos fundamentais consolidados em outras dimensões, mas seu fortalecimento. Tais direitos, partejados por circunstâncias concretas marcadas pelas necessidades humanas, passam a compor o patrimônio cultural e histórico da humanidade. O que se tem, então, não é substituição, mas acréscimo de direitos fundamentais. [...] O direito fundamental à água potável, como direito de sexta dimensão, significa um acréscimo ao acervo de direitos fundamentais, nascidos, a cada passo, no longo caminhar da Humanidade. Esse direito fundamental, necessário à existência humana e a outras formas de vida, necessita de tratamento prioritário das instituições sociais e estatais, bem como por parte de cada pessoa humana (FACHIN; SILVA, 2010, p. 78-79).

Verifica-se assim, a imperatividade de mudanças, no ordenamento jurídico, do Estado para proteger e promover este “novo” direito e na sociedade para reconhecimento, reclamação e principalmente conservação da água. 3.

O direito fundamental à água na Constituição Federal de

1988 Insta ressaltar que o direito à água ainda não está positivado no ordenamento pátrio como direito fundamental. Apenas a Declaração Universal dos Direitos das Águas, em seu artigo 2º, afirma que o direito à água é direito 244

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fundamental do ser humano. Porém, a referida Declaração não é norma cogente, de forma que resta aguardar o cumprimento dos entes estatais em sua concretização (BARBOSA, [S.l.: s.n.] Acesso em: 13 set. 2012). O ordenamento jurídico brasileiro considera a água como um bem da União e dos Estados, dispondo sobre esta nos artigos 20 e 26 da Constituição Federal (BRASIL. Constituição, 1988), a saber: Art. 20. São bens da União: [...] III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais; [...] [...] VI - o mar territorial; [...] [...] VIII - os potenciais de energia hidráulica; [...] [...] § 1º - É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração. Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: I - as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União; [...]

O artigo 225 da Constituição trata do direito ao meio ambiente equilibrado, mas não traz nenhuma referência expressa acerca da água. Não há, no ordenamento jurídico brasileiro, dispositivo que trate de maneira específica sobre o direito fundamental à água, mesmo havendo, no plano internacional, vários documentos ressaltando a importância do tema.

Tal premissa encontra-se, por

exemplo, no Relatório de Desenvolvimento Humano (ONU, 2006), que insta que o acesso à água potável é direito fundamental, devendo ser reconhecido e positivado como tal pelos Estados. Portanto, deveria este direito fundamental estar inserido no rol de direitos insculpidos no artigo 5º da Constituição brasileira, como direito inalienável e imprescritível. 245

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Atualmente, existe um projeto de emenda constitucional que pretender incluir a água no rol dos direitos positivamente assegurados. O Projeto de Emenda Constitucional (PEC) 07/10, de autoria do Senador capixaba Renato Casagrande, busca “determinar que o acesso à água potável e ao saneamento básico é um Direito Social e que a água é um bem de domínio público” (SENADO FEDERAL, 2010). Esta PEC pretende incluir a água potável dentro do rol de direitos do art. 6º da Constituição Federal e também pretende a criação de um novo parágrafo (parágrafo 7º) no art. 225, que determinaria que “a água é um bem de domínio público e um recurso natural” (SENADO, 2010). Além dos argumentos já apresentados neste artigo, tais como a escassez de água e os conflitos que isto pode gerar; a imprescindibilidade e o fato da água ser insubstituível, o projeto, apresenta também como justificativas: Em face da escassez de água e da relevância que a mesma possui para sobrevivência de todos os seres humanos, é imprescindível alterar a Constituição Federal para elevar o acesso à água potável e ao saneamento básico ao patamar dos Direitos Sociais. Em outras palavras, reconhecer o acesso à água potável e ao saneamento básico como Direitos Sociais implica que o Poder Público deve se engajar pelo seu provimento para toda a população. Desse modo, significa, também, que a água não pode estar sujeita apenas às regras do mercado. Sendo assim, a Constituição deve enfatizar que a água é um bem de domínio público e um recurso natural limitado que, além da importância econômica, possui um valor social e ambiental (SENADO, 2010).

Tal PEC, de acordo com o Relatório da Comissão de Constituição e Justiça (Relator Senador Romeu Tuma), não foi emendada, e na análise do projeto assim conclui-se: Quanto ao mérito, a proposta, a nosso ver, também encontra respaldo, pelas razões a seguir mencionadas. São bastante conhecidos os graves problemas que afetam a quantidade e a qualidade das águas, tanto no Brasil quanto no âmbito internacional. Vê-se com clareza que, a persistir essa 246

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL situação, a escassez do recurso poderá deflagrar, num futuro próximo, sérios conflitos sociais pela posse da água. A partir dessa constatação, vale mencionar alguns dos princípios estabelecidos por ocasião da Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento, realizada em Dublin, Irlanda, no ano de 1992, de modo a fundamentar o exame da PEC em tela. Assim, vejamos: a água é um recurso finito e vulnerável, essencial para a manutenção da vida, e a água tem valor econômico em todos os seus usos e deve ser reconhecida como um bem econômico. Muito embora a Carta Magna de 1988 já reconheça a água como bem de domínio público, acertam os autores da PEC ao trazer esse princípio para o art. 225, mediante § 7º aditado ao dispositivo constitucional. Não é demais ressaltar que o art. 225, voltado especificamente à proteção do meio ambiente, preconiza, em seu caput, que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Também é louvável inscrever, no mesmo dispositivo constitucional, o mandamento consagrado na Lei Nacional de Recursos Hídricos (Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997), segundo o qual a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, explicitando, ainda, que esse bem é igualmente dotado de valor social. A propósito, no contexto dos usos múltiplos dos recursos hídricos, seria fundamental garantir prioridade para o acesso à água potável como forma de assegurar à atual e às futuras gerações a disponibilidade do recurso em padrões de qualidade necessários à sobrevivência. Da mesma forma, a oferta universal dos serviços de saneamento básico – como coleta e tratamento de esgoto e de resíduos sólidos urbanos – é imprescindível para a saúde pública e condição indispensável para a fruição de um meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, consoante o disposto no caput do art. 225 da Constituição Federal. Assim, julgamos apropriado alterar também o art. 6º da Lei Maior, conforme propõe a PEC nº 7, de 2010, para incluir o acesso à água potável e ao saneamento básico entre os direitos sociais do cidadão (SENADO, 2010).

O projeto de emenda ainda está em trâmite, de modo que até a presente data não foi apreciado pela Câmara dos Deputados, em respeito ao rigoroso processo legislativo com relação às Emendas Constitucionais. 247

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Entretanto, é louvável a intenção do legislador de inclusão da água no rol dos direitos constitucionais, demonstrando que o Poder Legislativo, além de possuir grande preocupação ambiental, está em sintonia com os avanços doutrinários apresentados com relação à água. CONSIDERAÇÕES FINAIS Com este breve estudo, buscou-se fortalecer o debate sobre a importância da água, bem como ressaltar a importância do reconhecimento do acesso à água como direito fundamental. É imperioso concentrar forças para determinar vários objetivos a serem atingidos, com a positivação do direito fundamental ao acesso à água: o consumo consciente por parte da sociedade, de forma a preservar a reserva de água do país; propagar as técnicas de uso racional por parte das indústrias; proporcionar água potável e saneamento básico para todos os cidadãos, visto que são indicadores de saúde e qualidade de vida; a gestão das reservas nacionais e sua efetiva fiscalização e proteção pelo poder público. A iniciativa da PEC 07/10 demonstra a importância do tema abordado neste estudo, e se mostra em consonância com a doutrina atual. É louvável a intenção do legislador em primar, tanto pela proteção do bem comum água, quanto pela proteção da vida e, ainda, por efetivar este aspecto elementar dos direitos fundamentais, em seu mais importante princípio: a dignidade da vida, a dignidade da pessoa humana. REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 8ª ed. rev. amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. BARBOSA, Erivaldo Moreira. Água doce: direito fundamental da pessoa humana. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012. 248

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BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 10 ed. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BRASIL. Constituição. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012. FACHIN, Zulmar; SILVA, Deise Marcelino. Direito fundamental de acesso à água potável: uma proposta de constitucionalização. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012. FACHIN, Zulmar; SILVA, Deise Marcelino. Acesso à água potável: Direito fundamental de sexta dimensão. Campinas: Milennium Editora, 2010. FLORES, Karen Muller. O reconhecimento da água como direito fundamental e suas implicações. RFD-Revista da Faculdade de Direito da UERJ. v.1, n. 19, jun/dez 2011. FURTADO, Emmanuel Teófilo; MENDES, Ana Stela Vieira. Os direitos humanos de 5ª geração enquanto direito à paz e seus reflexos no mundo do trabalhoinércias, avanços e retrocessos na Constituição Federal e na legislação. Disponível em: . Acesso em: 13 set. 2012. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª ed. rev. amp. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. ONU. Declaração Universal dos Direitos das Águas. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2012. ONU. Nações Unidas no Brasil. Disponível brasil.org.br/index.php> Acesso em: 12 set. 2012.

em:

. Acesso em: 12 set. 2012. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10ª ed. rev. e amp. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. 249

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

SENADO FEDERAL, 2010. Proposta de Emenda à Constituição. Disponível em http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/75447.pdf. Acesso em 14.09.2012. SENADO FEDERAL, 2010. Parecer da Comissão de Constituição e Justiça. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PROTEÇÃO AMBIENTAL ATRAVÉS DOS PAGAMENTOS POR SERVIÇOS AMBIENTAIS: MECANISMO JURÍDICO INOVADOR ENVIRONMENTAL PROTECTION THROUGH THE PAYMENT FOR ENVIRONMENTAL SERVICES: LEGAL MECHANISM INNOVATION Rodolfo Xavier Ciciliato, Mestrando em Direito Negocial (UEL); [email protected]; Miguel Etinguer Araujo Junior, Doutor em Direito da Cidade (UERJ) [email protected] Resumo: Busca analisar a relevância dos pagamentos por serviços ambientais enquanto mecanismo de fomento à preservação dos ecossistemas e da biodiversidade nacional. A crescente devastação ambiental tem constantemente exigido do Estado e da iniciativa privada a adoção de novas formas de gestão ambiental para a redução dos impactos causados pela exploração dos recursos naturais. A análise de casos práticos tem demonstrado que apenas a aplicação de sanções – seja no âmbito criminal ou civil - àqueles que degradam o meio ambiente, não resolve o problema. Nesse cenário, é cada vez mais frequente a criação de mecanismos jurídicos atrelados a conceitos econômicos que surgem como forma incentivar a preservação e salvaguardar o meio ambiente. Tais mecanismos têm se mostrado de extrema importância, notadamente por estabelecerem tratamento diferenciado – seja no campo financeiro ou tributário – através da concessão de benefícios àqueles que contribuem para o uso sustentável dos recursos naturais. Pretende-se estudar os modelos de pagamentos por serviços ambientais, através da doutrina existente sobre o tema, demonstrando-se a viabilidade do implemento destes modelos como forma de garantir a efetivação de políticas públicas de cunho ambiental e biodiversidade brasileira, a exemplo do que já ocorre em outros países. Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável. Atividade Empresarial. Recursos Naturais. Abstract: Searching analyze the relevance of payments for environmental services as a mechanism to promote the conservation of ecosystems and biodiversity nationally. The growing environmental devastation has consistently required the State and the private sector to adopt new forms of environmental management to reduce the impacts of natural resource exploitation. The analysis of case studies have shown that only sanctions - whether in criminal or civil - to those who degrade the environment, does not solve the problem. In this scenario, it is increasingly common to create legal mechanisms linked to economic concepts that arise as a way to encourage the preservation and safeguarding the environment. Such mechanisms have been shown to be of paramount importance, notably by establishing differentiated treatment - whether financial or tax field - by granting benefits to those who contribute to the sustainable use of natural resources. The aim is to study models of payments for environmental services through existing doctrine on the subject, demonstrating the feasibility of implement these models in order to ensure 251

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL the effectiveness of public policies and environmental nature of Brazilian biodiversity, as has already occurs in other countries. Keywords: Sustainable Development. Entrepreneurial Activity. Natural Resources. INTRODUÇÃO O objetivo do presente trabalho é estudar os modelos de pagamentos por serviços ambientais através da análise da doutrina existente sobre o tema e da experiência já vivida por alguns países que adotam este mecanismo de incentivo à preservação. Sem a pretensão de esgotar o tema, e nem de tratá-lo como única alternativa ao estimulo à preservação ambiental, espera-se aqui demonstrar a sua efetividade no combate à degradação do meio ambiente. A degradação do meio ambiente têm constantemente exigido do Estado e da iniciativa privada a criação de novos mecanismos que propiciem a exploração sustentável dos recursos naturais. A experiência prática tem demonstrado que, não raras vezes, apenas a imposição de sanções civis ou criminais não são eficazes para a tutela do meio ambiente. Com a evolução da legislação ambiental e com o aperfeiçoamento dos mecanismos de tutela já existentes, tornou-se evidente que é mais benéfico incentivar a preservação do que aplicar punições por descumprimento das normas ambientais. Por essa razão, começaram a ser pensados novos instrumentos de caráter econômico, além dos tradicionais mecanismos de comando e controle já existentes, a fim de internalizar o custo externo gerado pela degradação ambiental e estimular os proprietários e habitantes tradicionais de áreas de preservação a prestarem serviços ambientais, mediante o pagamento de remunerações, como forma de incentivo à preservação dos ecossistemas. É nesse contexto, que se desenvolveu a ideia de pagamentos por serviços ambientais – PSA. Não obstante a diversidade de conceitos existentes na doutrina especializada que trata dos serviços ambientais será adotado aqui o conceito de serviços ambientais mais difundido, proposto pelas Nações Unidas, na Avaliação Ecossistêmica do Milênio (Millenium Ecosystem Assessment - 2005), segundo o qual: “Os serviços ecossistêmicos são os benefícios que as pessoas obtêm dos ecossistemas. Entre eles se incluem serviços de provisões como, por exemplo, alimentos e água, serviços de regulação como controle de enchentes e de pragas, serviços de suporte como o ciclo de nutrientes que mantém as condições de vida na Terra, e serviços culturais como espirituais, recreativos e benefícios culturais74”

Em síntese, serviços ambientais são aqueles serviços úteis, oferecidos pelos ecossistemas como forma de preservação da biodiversidade, que podem se dar através da regulação da emissão de gases, proteção do solo, regulação das funções hídricas, preservação de belezas naturais, entre outros.

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Ver: http://www.millenniumassessment.org/en/index.aspx. Acesso em 10 jan.2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REVISÃO DE LITERATURA A técnica utilizada foi o levantamento e análise bibliográfica, a qual consiste no método teórico e compilativo. No primeiro momento, obras, artigos e revistas eletrônicas foram levantadas. Após este primeiro passo, foi feita a leitura e fichamento das fontes de pesquisa, análise do material estudado e o sumário foi esquematizado. Com base nas anotações e fichamentos realizados, foi possível o entendimento do tema pesquisado e a posterior elaboração do presente trabalho. RESULTADO E DISCUSSÕES A ideia de remunerar esses serviços ambientais através dos PSA‟s não é recente. Surgiu inicialmente em países desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos (Payments for Environmental Services – PES) e da Austrália -, como forma de incentivar os proprietários de terras, mediante pagamentos diretos decorrentes de um contrato, a adotarem práticas seguras para a conservação e manutenção do ecossistema75. Interessante destacar que, não obstante o surgimento e a evolução deste mecanismo tenha se dado inicialmente em países desenvolvidos, esse modelo de gestão ambiental não ficou circunscrito a estes países. Conforme a seguir se demonstrará, diversos países em desenvolvimento utilizaram e aperfeiçoaram este modelo de gestão ambiental, passando a incluí-lo em seus programas de governo. Atualmente é possível notar a existência de programas de PSA em vários países como: Brasil (PROAMBIENTE; BOLSA FLORESTA), Costa Rica (FONAFIFO), Equador (PIMAMPIRO), México (SCOLEL TÉ), Bolívia (RIO LOS NEGROS), Zimbábue (CAMPFIRE), entre outros. Muitos desses mecanismos econômicos criados, sobretudo nos países em desenvolvimento, vieram em resposta a um desenfreado processo de exploração de riquezas naturais e desmatamento, como ocorreu com a Costa Rica, precursora na aplicação de um projeto de PSA. A partir daí, passou a se falar amplamente em pagamentos por serviços ambientais. Na melhor definição, pagamentos por serviços ambientais são: “Transação voluntária na qual o serviço ambiental bem definido ou uma forma de uso da terra que possa segurar este serviço é comprado por pelo menos um comprador de pelo menos um provedor sob a condição de que o provedor garanta a provisão deste serviço76” 75

WERTZ-KANOUNNIKOF, Sheila. Payments for environmental services – a solution for biodiversity conservation? In: – p. 4. UNEP, 2010. Disponível em: . Acesso em: 23 fev.2011. 76 WUNDER, S. apud JODAS, Natália. Pagamentos por serviços ambientais (PSA) a pequenos agricultores rurais: uma nova perspectiva à preservação da biodiversidade. Considerações acerca do programa de recuperação da vegetação ciliar e reserva

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Da análise do conceito acima proposto, extrai-se que para a formação da relação jurídica contratual é necessário, de um lado um comprador para o serviço ambiental – que pode ser qualquer pessoa, física ou jurídica, incluindo-se ai, as organizações não-governamentais, nacionais ou internacionais -, e de outro o prestador do serviço, que se obriga a implementar e manter a prestação do serviço durante todo prazo estipulado no contrato77. Além de definir quem é o comprador e quem é o prestador do serviço ambiental, interessante explicar que tais serviços podem ser compreendidos de três maneiras: 1) como forma de integrar os tradicionais habitantes de áreas de preservação e incentivá-los a preservá-la, através de uma remuneração estipulada contratualmente – e aqui fala-se em remuneração-; 2) como forma de compensar a perda da competitividade no mercado, em razão da obediência das regras de manejo e exploração de recursos naturais – e aqui fala-se em compensação –; 3) como forma de gratificar os moradores e proprietários de terras que de forma voluntária aderem às normas de preservação – e aqui tem-se a compensação78. Com relação à forma de pagamentos destes serviços, deve-se destacar que ocorrem da seguinte forma: 1) através de subsídios tributários (no Brasil, p.ex., ICMS-ecológico); 2) por meio da criação de fundos específicos para à preservação (em âmbito nacional ou internacional); 3) por negociações diretas e acordos privados; 4) através do mercado de capitais (p.ex., o comércio de créditos de carbono). A aplicação deste modelo nos países que desenvolvem o PSA como forma de gestão ambiental, tem apresentado resultados satisfatórios. Cita-se, a título de exemplo, o projeto SCOLEL TÉ, desenvolvido em Chiapas, região sul do México. Tal projeto remunera o sequestro de carbono, e tem como beneficiárias as comunidades indígenas proprietárias das áreas florestais, que recebem o pagamento por meio de fundos (Fundo Bioclimátio e Plan Vivo) criados para gerir os recursos arrecadados com a venda dos créditos de carbono lançados no mercado internacional. Outro modelo interessante de ser mencionado, este de âmbito nacional, é o adotado pela Costa Rica, chamado FONAFIFO, que remunera a preservação da biodiversidade, hidrológica, paisagística e o sequestro de carbono. São beneficiários deste projeto os usuários de água, a sociedade costarriquenha e a sociedade global. Tais beneficiários recebem o pagamento através de um decreto presidencial, editado a cada ano, que estabelece os valores a serem recebidos, de acordo com cada modalidade de PSA. Atualmente no Brasil existem alguns projetos de PSA em andamento, porém quase todos de âmbito regional, como por exemplo, o PROAMBIENTE, na região da 77

WUNDER, S apud JODAS, Natália. Op. Cit, p.4. JÚNIOR, Mauro Elói de Oliveira. Pagamento por Serviços Ambientais: Uma alternativa Importante para Conversar e Recuperar as Bacias Hidrográficas e Fornecer Água de Qualidade a População. FORTIUM, 2010. Disponível em: . Acesso em: 23 fev.2011. 78

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Amazônia Legal, que visa remunerar serviços destinados ao desmatamento evitado, sequestro de carbono, conservação do solo e da água, preservação da biodiversidade e redução da inflamabilidade da paisagem. São beneficiários desse programa os produtores e produtoras familiares, pescadores artesanais, populações tradicionais, que residam na Amazônia e preencham determinados requisitos, sendo que o pagamento da remuneração é feito de acordo com o grupo e o serviço prestado. Outro programa que merece lembrança é o Bolsa Floresta, destinado às populações residentes nas unidades de conservação estaduais, e que tem como principal objetivo a conservação das florestas e recursos hídricos, preservação da biodiversidade e redução de gases de efeito estufa. A remuneração das famílias residentes nestas áreas é feita por meio de um cartão específico, sendo pago um benefício de R$ 50,00/mês, desde que cumpram as metas estabelecidas no programa. CONCLUSÃO As ideias de PSA em curso no Brasil, a maior parte de âmbito regional, têm mostrado resultado satisfatório na tutela do meio ambiente. Apenas a legislação vigente não tem sido suficiente para garantir a preservação dos recursos naturais. Deste modo, os pagamentos por serviços ambientais se mostram como mecanismos capazes de estimular a preservação e compensar os danos gerados aos ecossistemas brasileiros. Portanto, faz-se necessária a criação e o implemento de mais programas, inclusive de âmbito nacional, que estimulem a preservação ambiental. REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DAS ÁGUAS. Disponível em: . Acesso em: 5 fev. 2010. BRASIL. Projeto de Lei nº 792, de 2007. Institui a Política Nacional de Serviços Ambientais, o Programa Federal de Pagamentos por Serviços Ambientais, estabelece formas de controle e financiamento desse programa e dá outras providências. Disponível em: . Acessado em: 14 mar. 2010. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Pagamento por serviços ambientais. Brasília: Edições Câmara, 2009. 198p. Série Ação Parlamentar, n. 382. CNUMAD - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - ECO 92. Rio de Janeiro, 1992. Disponível em: . Acessado em: 10 jun. 2010.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL FAO – Food and Agricultural Organization (a). Putting payments for environmental services in the context of economic development. Rome, Italy: Agricultural and development economics division, May, 2006. 45p. ESA Working Paper Nº. 06-15. FOLADORI, Guillermo. Limites do Desenvolvimento Sustentável. 1ª Ed. São Paulo: Editora da UNICAMP, 2001. ICMS ecológico por biodiversidade. Disponível em: . Acessado em: 25 mar. 2010. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Plano nacional de recursos hídricos: Programas de desenvolvimento da gestão integrada de recursos hídricos do Brasil: v.1. Brasília: MMA, 2008. 152 p. O CUSTO da água de Nova York. Globo Rural. Disponível . Reportagem exibida em: 08 fev. 2009.

em:

PARANÁ (a). Lei Complementar nº 59, de 01 de outubro de 1991. Dispõe sobre a repartição de 5% do ICMS, que alude o art.2.o da Lei nº 9.491/90, aos municípios com mananciais de abastecimento e unidades de conservação ambiental, assim como adota outras providências. Diário Oficial do Estado do Paraná, Curitiba, 1991. POSONSKI, Marcelo. O pagamento por serviços ambientais. Disponível em: . Acessado em: 25 mar. 2010. RECH, Adir Ubaldo; ALTMANN, Alexandre (organ.). Pagamentos por Serviços Ambientais. Imperativos jurídicos e ecológicos para a preservação e a restauração das matas ciliares. 1ª Ed. Caxias do Sul: EDUCS, 2009. SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade. 1ª Ed. São Paulo: Companhia das Letas, 2000. WERTZ-KANOUNNIKOF, Sheila. Payments for environmental services – a solution for biodiversity conservation? In: – p. 4. UNEP, 2010. Disponível em: . Acesso em: 23 fev.2011. WUNDER, Sven et al. (Coord.) Pagamentos por serviços ambientais: perspectivas para a Amazônia legal. Brasília: MMA, 2009. 144 p. Série Estudos 10.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL TOMBAMENTO: SISTEMATIZAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO E NO ESTADO DO PARANÁ TIPPING: SYSTEMATIZATION IN THE NATIONAL RIGHT AND IN THE STATE OF PARANÁ Renato Lovato Neto. Universidade Estadual de Londrina. [email protected] Resumo: A tutela do patrimônio cultural parte da Carta Magna de 1988 para legislação infraconstitucional e na análise desta proteção, o tombamento surge como o mecanismo mais importante para sua concretização. O tombamento consiste em uma intervenção restritiva ao direito de propriedade por parte do Estado e limita direitos parciais deste direito fundamental, sem, contudo, inibir o proprietário do direito de usar, fruir e dispor de seu bem, mas sim afetando direito o modo de realizar tais direitos. O tombamento surge como instrumento a ser realizado por todos os entes federativos dentro de sua competência territorial e se consolida como meio eficaz e próprio à tutela dos bens que se relacionam direta ou indiretamente à identidade da sociedade, proteção esta extremamente necessária ao mundo moderno, a fim de preservar a história e a cultura da sociedade passada e presente às presentes e futuras gerações. O instituto do tombamento, no âmbito do Estado do Paraná, segue a sistemática ditada pelo ordenamento pátrio, porém a sua efetivação está muito aquém do previsto, o que demonstra a ineficácia da legislação e da atuação do Poder Público. Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Proteção Jurídica de Bens Culturais. Tombamento. Intervenção na Propriedade Privada. Cultura. Abstract: The protection of cultural heritage comes from the 1988 Constitution for underconstitutional legislation and analysis of this protection, the tipping appears to be the most important mechanism making this a reality. The preservation action consists in a restriction on the right of property by the state and limits partial rights of this fundamental right, without, however, inhibit the owner the right to use, enjoy and dispose of its good, but affects the ways to accomplish such rights. The tipping arises as a tool to be performed by all federal entities inside your territorial jurisdiction and strengthened as an effective and proper protection of the assets that relate directly or indirectly to the identity of society, a protection that is much-needed to the modern world, in order to preserve the history and culture of the society past and present to the present and future generations. The institution of tipping in the State of Paraná follows the systematic dictated by the national order, but its effectiveness is much less than expected, which demonstrates the ineffectiveness of the legislation and the performance of the government. Keywords: Cultural Heritage. Legal Protection of Cultural Property. Tipping. Intervention in Private Property. Culture. Sumário: 1 Introdução – 2 Conceito de Patrimônio Cultural – 3 Proteção Jurídica do Patrimônio Cultural: 3.1 Instrumentos – 4 Tombamento: 4.1 Modalidades; 4.2 257

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Efeitos; 4.3 Natureza Jurídica; 4.4 Indenização; 4.5 Patrimônio Cultural e Tombamento no Estado do Paraná – 5 Conclusão. 1 INTRODUÇÃO O anseio de concretizar o desenvolvimento econômico nos Estados modernos resultou no abandono de determinados fatores fundamentais para o igualmente importante desenvolvimento social. Os processos que viabilizaram o crescimento econômico (ou seja, o desenvolvimento sem preocupação social) ignoraram componentes tanto do meio ambiente natural como do artificial. Destarte, algumas centenas de anos de uso irresponsável dos recursos naturais (instrumentalizado pelo sistema capitalista e predatório de produção) resultaram na degradação da água, ar, solo, fauna, flora, entre outros elementos naturais, assim como também no descaso a um grupo especial de bens difusos, denominado patrimônio cultural – que, assim como o meio ambiente natural, requer cuidado específico, com o objetivo de preservar a memória e a herança histórica da humanidade. A pesquisa objetiva ser um ponto de partida para qualquer pesquisa sobre o tema, seja para a área do Direito Ambiental, seja para Administrativo, demonstrando tanto o lado do patrimônio cultural sendo meio ambiente cultural como sendo objeto de incidência do instituto do tombamento. O tombamento surge em meio de outros instrumentos constitucionalmente previstos como um dos mais antigos e eficazes instrumentos que sirvam à tutela de bens relacionados à história e à cultura de um povo, e se consolida como mecanismo vastamente empregado interna e externamente. A realização do fim a qual o presente estudo se compromete pressupõe a assimilação sistemática dos estudos de vários doutrinadores e suas respectivas análises do tombamento – assim como o repertório legal vigente que os compõem. Para alcançar a finalidade já exposta, o trabalho apresenta a conceituação de patrimônio cultural e sua relação com o Direito Ambiental e com o Direito Administrativo. Assim sendo, como se caracteriza como um trabalho com afinidade à ciência do direito, explora o tema da proteção jurídica dos bens culturais, a quem 258

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL compete esta proteção e o instrumento eficiente per se disponível para tal, qual seja, o tombamento. 2 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL

O Decreto-Lei 25/37 define o patrimônio histórico e artístico nacional em seu artigo 1º como “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (sic), trazendo como elementos característicos o interesse público e a vinculação à história nacional. A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 216 uma conceituação mais abrangente e a par das demandas da sociedade contemporânea. Ora, a definição constitucional engloba todas as formas de cultura, ou seja, não há nenhuma restrição a qualquer manifestação da identidade cultural do povo brasileiro, além de alcançar todos os bens, independentemente de terem sido criados por intervenção do ser humano, como bem ressalta Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Fiorillo, 2008, p. 253). Segue o artigo: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (...).

O bem integrante do patrimônio cultural pressupõe a existência do interesse público em sua tutela, como também a vinculação (mesmo que indireta) com a identidade dos diversos grupos sociais que constituem a sociedade brasileira (Fiorillo, 2008, p. 253). 259

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Cabe acrescentar que o rol de bens passíveis de serem considerados como patrimônio cultural listado na Constituição Federal não é exaustivo. Destarte, outras formas de expressão da identidade nacional podem ser determinadas como bens dignos de tutela por parte do poder público, bastando que haja o interesse público em sua proteção. A proteção dessa espécie de patrimônio viabiliza a transmissão da herança cultural das gerações passadas preservada para as gerações presentes e futuras, transferência esta assegurada como dever do Estado pela Constituição Federal, no caput do artigo 215, ao dispor que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. O patrimônio cultural consiste na gama de bens móveis e imóveis (incluindo bens imateriais) que abrange museus, obras de arte, bibliotecas, imóveis históricos, hinos, danças, entre outros elementos e expressões culturais que partilham de particular identificação com a história do homem e que representam a interação entre o meio ambiente natural e o social do homem, que resulta nas diversas formas de manifestação presentes em todos os meios sociais. 3 PROTEÇÃO JURÍDICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL O artigo 216, §1o, da Constituição de 1988 determina que: Art.216. (...) §1o O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (...).

Por meio do supracitado parágrafo, a Carta Magna preocupa-se em – além de delegar ao Poder Público o poder-dever de proteger o patrimônio cultural – definir a natureza jurídica de bem difuso do patrimônio cultural ao estender a toda a comunidade o dever de preservar os bens assim denominados. O artigo 225 caput da Constituição da República Federativa do Brasil ainda assegura a responsabilidade e cooperação intergeracional quanto à proteção do 260

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL meio ambiente, ao dispor que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Portanto, com o artigo 225, a Constituição Federal delega o dever de proteger o meio ambiente natural e cultural não apenas para a comunidade presente, mas também para as gerações que estão por vir: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...).

4 TOMBAMENTO O tombamento é o instrumento jurídico mais utilizado na proteção de bens culturais e um dos mais antigos positivados no ordenamento jurídico nacional, regido pelo Decreto-Lei 25 de 30.11.1937. A expressão “tombamento” deriva do direito português, que emprega a palavra “tombar” para designar atos de registros, inventários ou inscrição nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo (Meirelles apud Di Pietro, 2005, p.133), com a manutenção do termo pelo legislador brasileiro elogiada por Meirelles (2008, p. 583), que entende que “começou, assim, a preservar o nosso patrimônio lingüístico, dando o exemplo aos que vão cumprir a lei”. O instituto do tombamento consiste no procedimento administrativo pelo qual o Poder Público – com o objetivo de proteger o patrimônio artístico, histórico e cultural cuja conservação seja de interesse público – impõe restrições parciais ao direito de propriedade, através da inscrição de determinado bem em seu respectivo Livro do Tombo. O processo de tombamento consiste em uma restrição parcial e nunca impede totalmente o exercício do direito de propriedade, não cabendo então indenização por tombamento de um bem. Se a proteção do patrimônio cultural pressupõe a neutralização total dos direitos do proprietário, compete ao Estado 261

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL desapropriar o território onde se encontra o bem e indenizar o proprietário, a fim de compensar o prejuízo decorrente do tombamento e decorrente desapropriação. O artigo 4º da Lei do Tombamento de 1937 pressupõe que os bens culturais que se caracterizam como partes integrantes do patrimônio cultural nacional devem ser inscritos em um dos Livros do Tombo, com a previsão de quatro espécies: Art. 4º. (...) 1º) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular (...); 2º) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; 3º) no Livro do Tombo das Belas-Artes, as coisas de arte erudita nacional ou estrangeira; 4º) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras. (...).

A inexistência do tombamento não significa que o bem não seja considerado parte integrante do patrimônio cultural nacional e que assim não seja passível de ser protegido pelo Estado, ou seja, o tombamento, como já discorrido, não é o único instrumento de tutela do meio ambiente cultural, e sim o único instituto que implica o registro do bem cultural no competente Livro do Tombo (Fiorillo, 2008, p. 257) e que materializa determinados impedimentos ao proprietário, detentor, possuidor e vizinhos do bem, consistindo, por fim, no meio mais eficiente de proteção. O tombamento pode ser instituído por lei (tanto Federal como Estadual ou Municipal), com a vantagem de que esta espécie poderá apenas ser revogada por ato do Legislativo, com respeito à competência legislativa de cada um dos entes federados. O dispositivo pode ser contestado judicialmente por Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que não caracteriza de fato uma revogação, uma vez que lei inconstitucional é inválida e em nenhum momento apta a produzir efeitos. Machado (2004, p. 900) ressalta que não há qualquer vedação constitucional a que o tombamento seja realizado por ato legislativo nem proibição de legislar-se casuisticamente sobre o tombamento, tendo, assim, como vantagem o fato de que o 262

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL desfazimento da medida tão somente poderá ser realizado por atos do próprio Legislativo que deu origem ao tombamento, existindo maior consenso de vontades na decretação do tombamento como em seu cancelamento. In contrario sensu, Carvalho Filho (2009, p. 764), declara que: O tombamento é ato tipicamente administrativo, através do qual o Poder Público, depois de concluir formalmente no sentido de que o bem integra o patrimônio público nacional, intervém na propriedade para protege-lo de mutilações e destruições. Trata-se de atividade administrativa, e não legislativa. (...) Ora, a lei que decreta um tombamento não pressupõe qualquer possibilidade de controle desse ato, (...) qualificada como lei de efeitos concretos, ou seja, a lei que (...) representa materialmente um mero ato administrativo. (grifo do autor)

Meirelles (2008, p. 584), do mesmo modo, se coloca contrário à lei que decreta tombamento ao discorrer que “(...) o tombamento em si é ato administrativo da autoridade competente, e não função abstrata da lei, que estabelece apenas as regras para a sua efetivação”. Os autores do presente artigo compartilham o entendimento de Machado (2004, p. 900), por assegurar a ampliação da extensão da tutela do patrimônio cultural, permitindo tanto aos órgãos parlamentares e colegiados quanto à Administração Pública o apontamento de que determinado bem é merecedor da proteção despendida pelo tombamento, muito mais consoante aos princípios e às normas constitucionais – o que coloca à frente de discussões sem propósito quanto à natureza e competência dos atos do Poder Público a garantia dos direitos fundamentais e dos mandamentos da Carta Magna, tais como o direito à cultura e a função social da propriedade. Ademais, o procedimento mais usual para a efetivação do tombamento resulta de ato do Poder Executivo e é previsto na Lei do Tombamento de 1937. O tombo ainda pode provir de via jurisdicional, resultado da disposição do artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que exige a participação do Poder Público com a colaboração de toda a comunidade na preservação do patrimônio cultural.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 4.1 Modalidades Quanto ao procedimento ou constituição, o tombamento de bens públicos ou difusos se realiza de ofício, com previsão no artigo 5o do Decreto-Lei 25/37, e basta a notificação para a produção de efeitos: Art. 5º. O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício por ordem do Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.

O tombamento de bens particulares pode ser voluntário ou compulsório, de acordo com o artigo 6º do Decreto-Lei 25/37, que dispõe que “o tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente”. A supracitada norma de 1937 prevê em seu artigo 7º que o tombamento do bem particular será voluntário quando o proprietário requerer o tombamento (a coisa deve ser compatível com os requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio artístico e histórico nacional) ou quando concordar por escrito com a notificação que se lhe fizer para a inscrição do bem em qualquer dos Livros do Tombo. A Lei do Tombamento de 1937 dispõe, em seus artigos 8º e 9º, que o tombo será compulsório quando feito por iniciativa do Poder Público e o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa ou não se pronunciar (anuência tácita), ou seja, o tombamento é efetivado mesmo contra a vontade do proprietário. Carvalho Filho (2009, p. 763) escreve que: Voluntário é aquele em que o proprietário consente no tombamento, seja através de pedido que ele mesmo formula ao Poder Público, seja quando concorda com a notificação que lhe é dirigida no sentido da inscrição do bem. O tombamento é compulsório quando o Poder Público inscreve o bem como tombado, apesar da resistência e do inconformismo do proprietário.

O artigo 10 do Decreto-Lei 25/37 distingue o tombamento de bens particulares quanto à eficácia, podendo o tombamento (compulsório ou voluntário) 264

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ser provisório ou definitivo. Em seu parágrafo único, impõe que o tombamento provisório (decorrente da notificação do proprietário) produz os mesmos efeitos que o definitivo (inscrito em seu respectivo Livro do Tombo): Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo. Parágrafo único – Para todos os efeitos (...), o tombamento provisório se equipará ao definitivo.

Carvalho Filho (2009, p. 763) destaca que o tombamento provisório ocorre enquanto está em marcha o processo administrativo que se inicia com a notificação e o definitivo se estabelece com a conclusão do processo, com a inscrição do bem no Livro do Tombo adequado – trazendo o autor ainda julgado do Superior Tribunal de Justiça que considera o tombamento provisório não como fase procedimental, mas como medida assecuratória de preservação do bem até a conclusão dos pareceres dos órgãos consultivos e a inscrição no Livro do Tombo 79, não obstante o jurista discorde da posição do STJ e conclua que, embora o tombamento provisório também englobe um caráter preventivo, na realidade constitui de fato fase processual, pois decretado é antes do final do procedimento total, que somente se encerra com o definitivo. Quanto à abrangência do tombamento a um ou vários bens, este pode ser individual (abrange apenas um bem determinado e singular) ou geral (alcança vários bens localizados em determinados limites previstos no ato). Ora, a supracitada classificação merece cair em desuso, na medida em que não reflete as características reais do tombamento e, assim, acordamos com os ensinamentos de Carvalho Filho (2009, p. 763) acerca do assunto: O tombamento, segundo nos parece, tem sempre caráter individual, vale dizer, os feitos do ato alcançam diretamente apenas a esfera jurídica do proprietário de determinado bem. O dito tombamento geral seria ato limitativo de natureza genérica e abstrata incongruente com a natureza do instituto. Quando várias edificações de um bairro ou uma cidade são alvo de tombamento, tal ocorre 79

RMS 8.252-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. Em 22.10.2002.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL porque foi considerada cada uma delas per se como suscetível de proteção histórica ou cultural. (...) se um dos imóveis dentro do agrupamento não mais tiver a peculiaridade histórica que reveste os demais (...), tal imóvel não poderá ser tombado (...).

4.2 Efeitos A Lei de Tombamento de 1937 institui os efeitos do tombamento em seu Capítulo III, que atingem o proprietário, os proprietários de imóveis vizinhos e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os efeitos em relação ao proprietário e ao possuidor consistem na restrição quanto ao modo de usar, fruir e dispor do bem, de forma a ser compatível com a preservação de sua identidade, bem como a manutenção e eventual recuperação do bem tombado (Marçal, 2009, p. 524). O referido capítulo prevê obrigações positivas do proprietário do bem tombado, isto é, o dever de atuação no sentido de conservar e proteger o patrimônio e, se não tiver meios para realizar tal fim, comunicar à autoridade competente. As obrigações negativas (não atuar ou abstenção) do proprietário resultantes do tombamento impedem o proprietário de destruir, demolir ou mutilar o bem tombado, assim como também não repará-los, pintá-los ou restaurá-los sem autorização do IPHAN. Destarte, além de obrigações positivas e negativas, o proprietário da coisa tombada fica sujeito à eventual fiscalização do bem pela autoridade competente, sendo obrigado a suportá-la e não impor empecilhos à sua realização. Os terceiros sofrem os efeitos do tombamento no sentido de que estes, que não são proprietários nem possuidores do bem tombado, não podem usufruir de seus próprios bens de modo a prejudicar o tombado (Marçal, 2009, p. 525). Os proprietários dos imóveis vizinhos sofrem restrições para a construção de edificações em sua propriedade, como prevê o artigo 18 da Lei de Tombamento: Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes (...).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Machado (2004, p. 887) disserta e critica o dispositivo da Lei do Tombamento: Procurou-se proteger a visibilidade da coisa tombada, seja monumento histórico, artístico ou natural. O monumento ensina pela presença e deve poder transmitir uma fruição estética mesmo ao longe. Não só o impedimento total da visibilidade está vedado, como a dificuldade ou impedimento parcial de se enxergar o bem protegido. Nota-se que a vizinhança passou a ser tutelada a ponto de Pontes de Miranda ensinar: “aí está, a favor do titular do direito de propriedade da coisa tombada, direito de vizinhança, não previsto no Direito das coisas. Trata-se de direito público de vizinhança.” (...) Parece-nos tímida a proteção do bem tombado, pois só se lhe resguarda a visão, podendo a vizinhança deixar de apresentar homogeneidade com a coisa a ser alterada de modo prejudicial. Duas situações podem ocorrer: as adjacências do bem tombado já estão desfiguradas quando do tombamento, ou passam a ser transformadas após o tombamento. Ora, com a legislação (...) não se deram meios à Administração para impedir a alteração ou exigir a adaptação integrativa da vizinhança. (...) A legislação federal não mencionou a área onde incidem as limitações de não edificar e de não se colocarem cartazes ou anúncios. Agiu acertadamente, pois depende da topografia do terreno para se saber qual a metragem a ser observada. Contudo, há uma lacuna a ser preenchida, pois não se previu a obrigatoriedade de um plano urbanístico ou rural para apontar, em cada caso, a área abrangida. (...) Outra falta é a ausência de obrigação de ser transcrita a limitação no Cartório do Registro de Imóveis.

Os efeitos em relação ao Poder Público configuram as providências que lhe caibam, como o dever geral de fiscalização e o custeio de obras e serviços necessários à preservação e manutenção do bem quando o proprietário não dispuser dos recursos para tanto e assim o comunicar ao Estado, que tem o direito de preferência para aquisição do bem privado na ocasião de sua alienação, que será nula se não for oferecido à Administração em tempo hábil (Marçal, 2009, p. 524). O IPHAN assume obrigações no sentido de conservar o bem quando o proprietário não puder fazê-lo ou providenciar para que seja feita a desapropriação do bem e, se não efetivar estes atos, o proprietário pode requerer o cancelamento do tombamento, como previsto no artigo 19 do Decreto-Lei 25/37. Ademais, a coisa tombada deve ser permanentemente fiscalizada e inspecionada sempre que julgado conveniente, como dispõe o artigo 20: 267

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-las sempre que for julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção (...).

Machado (2004, p. 889) discorre que o artigo 215 da Constituição Federal de 1988, ao colocar como dever do Estado o amparo da cultura, retirou a característica facultativa desta proteção, determinando-a como uma obrigação ao Poder Público e constituindo as bases de um poder de polícia do patrimônio cultural, onde a intervenção estatal configura um poder-dever indelegável à ação privada. Ademais, Machado (2004, p. 898) relata que o tombamento gera a coresponsabilidade do Poder Público que tenha tombado a coisa junto ao proprietário quanto à conservação (antes do prejuízo, preventivamente, e depois também) e reparação do bem, atribuindo dois requisitos para tal, quais sejam, de que o dano não tenha sido causado pelo proprietário – a legislação não determina se o Estado pode cobrar do proprietário a reparação do dano causado por ele, porém da interpretação sistemática do ordenamento resulta tal poder, como manifestação da competência do Poder Público de fiscalização – e que a reparação seja necessária (conforme o artigo 19, §1º, do Decreto-lei n.º 25/1937), não podendo a Administração se recusar a proceder a obra ou o serviço alegando ausência de recursos – a desnecessidade caracteriza a única justificativa para a não realização. Por fim, Meirelles (2008, p. 587) disserta que os bens tombados somente podem ser desapropriados para a manutenção do próprio tombamento, o que restringe mesmo as entidades maiores de expropriar bens tombados por entes menores enquanto não for cancelado o tombamento. 4.3 Natureza jurídica Machado (2004, p. 894) resume as correntes doutrinárias que versam sobre a natureza jurídica do tombamento em seis teses, quais sejam, as de que consiste em uma limitação ao direito de propriedade, em uma servidão administrativa, em um domínio eminente do Estado, em resultado do bem cultural como um bem imaterial, 268

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL em uma propriedade com efetivação de sua função social ou em um bem de interesse público: José Cretella Júnior (...) acrescenta (...) “as (limitações) (...) de Direito Público têm por objetivo a compatibilidade do direito do proprietário com os direitos subjetivos públicos do Estado”. (...) Celso Antônio Bandeira de Mello entende que “sempre que seja necessário um ato específico da Administração impondo um gravame, por conseguinte criando uma situação nova, atingiu-se o próprio direito e, pois, a hipótese é de servidão. (...) Hely Lopes Meirelles acentua que o “poder regulatório do Estado exerce-se não só sobre os bens de seu domínio patrimonial como, também, sobre as coisas e locais particulares, de interesse público (...)”. (...) Massimo Severo Giannini concebe “(...) a natureza de bem imaterial (...)” (...) bem cultural (...) “atinge a coisa como testemunho material de civilização, sobrepondo-se ao bem patrimonial que impregna a mesma coisa, não influindo o regime de propriedade (...) sobre os trações essenciais do bem cultural como objeto autônomo de tutela jurídica”. (...) Aldo Sandulli observa que a “função social da propriedade se traduz essencialmente na imposição ao titular do direito sobre a coisa de certa obrigação pessoal (mas ob rem), tal como de tornar socialmente útil a titularidade privada do próprio direito (...)”. (grifo nosso)

Destarte, Machado (2004, p. 896) fundamenta a sua teoria de que o tombamento configura o bem como de interesse público no fato de que “o bem de propriedade privada pode adquirir institucionalmente a finalidade de interesse público (...), e sujeitar-se a um regime particular (...)”, e compartilha tal orientação com José Afonso da Silva. Ainda, Carvalho Filho (2009, p. 762) conclui que tombamento possui natureza diversa das mencionadas por Machado (2004, p. 894), a de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada. Ora, diverge esta de limitação administrativa, pois esta tem caráter geral, enquanto o tombamento tem caráter específico e concreto, tal como uma intervenção especial em determinado bem. Di Pietro (2005, p. 142), por sua vez, enquadra o tombamento em categoria própria, que não se alinha à simples limitação administrativa ou à servidão. A compreensão de Carvalho Filho nos parece muito mais propícia aos elementos típicos do tombamento, sendo ele específico em cada tombamento, 269

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL atingindo singularmente o bem e seus vizinhos em cada caso concreto, bem como uma intervenção do Estado no direito fundamental à propriedade do proprietário da coisa tombada. Dessarte, discordamos da doutrina de Machado, na medida em que o bem tombado como bem de interesse público consiste em mera característica do próprio imóvel ou móvel, sem se relacionar diretamente com o âmago do instituto e sem revelar nenhuma particularidade quanto ao seu revestimento no campo jurídico, bem como de Di Pietro que, embora tencione no sentido de criar categoria individual ao tombamento dentre as restrições do Estado no direito de propriedade nada faz além de dizer que tombamento é tombamento. 4.4 Indenização O direito à indenização do proprietário advém da expropriação total dos direitos sob a propriedade do dito indivíduo, constituindo verdadeiro problema quando o tombamento resulta na limitação de direitos parciais que tangem o direito de propriedade, conforme Machado (2004, p. 914), que distingue dois casos para averiguar quando o proprietário de um bem tombado deve arcar sozinho com as despesas de ter sua propriedade limitada em benefício da sociedade: (...) quando a propriedade vinculada está inserida num contexto de outros bens vinculados ou limitados; (...) quando a propriedade é escolhida individualmente para ser vinculada, não havendo mais bens a serem preservados na vizinhança ou os bens existente na vizinhança estão sujeitos a outro regime jurídico. (...) A) (...) a propriedade imóvel, no caso, não está sendo sujeita a gravames e ônus de maneira desigual a outras situadas em igual situação. (...) ocorre a possível generalidade da limitação (...) e nada há a indenizar pelo Poder Público. (...) B) (...) uma propriedade é escolhida solitariamente para ser preservada. (...) Diante dos ônus da conservação de propriedades semelhantes e vizinhas, opta-se pela conservação de um só ou de poucos bens em relação ao conjunto existente. Ora, de imediato é de constatar que a limitação não está sendo geral no mesmo espaço geográfico. (...) Charles Debbasch aponta como prejuízo indenizável o prejuízo especial, isto é, “Aquele que deve atingir um número limitado de indivíduos. De outro lado, o prejuízo geral atingindo o conjunto de cidadãos ou uma 270

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL categoria de cidadãos não é indenizável. Os cidadãos devem, com efeito, suportar cargas normais da vida social”. (grifo nosso)

Assim, Machado (2004, p. 917) conclui que: Havendo um certo grau de especialidade na limitação ao direito de propriedade, abre-se o direito à indenização do proprietário “a menos que o legislador lhe tenha expressa ou tacitamente retirado essa possibilidade”80. Ora, o legislador federal brasileiro não retirou expressa ou tacitamente a possibilidade de o proprietário ser indenizado em caso de tombamento.

Bandeira de Mello (2010, p. 912), em posição semelhante à de Machado (2004, p. 917), reflete que: Como regra, o tombamento exige uma indenização ao particular cujo bem seja dessarte afetado. Sem embargo, quando abrange toda uma cidade ou quase toda (...), os imóveis não se desvalorizam e o tratamento a que se sujeitam os administrados é uniforme, inexistindo razão para que sejam indenizados, até porque, em muitos casos, ocorrerá valorização dos imóveis atingidos. Pelo contrário, na esmagadora maioria dos casos de tombamento pelo Patrimônio Histórico, quando são atingidos algum ou alguns especificados bens há uma individualização do bem objeto de ato imperativo da Administração, que traz consigo um prejuízo econômico manifesto para o proprietário e, assim sendo, é de rigor que este seja indenizado.

Meirelles (2008, p. 587), por sua vez, entende que o tombamento não resulta a priori em indenização, salvo se: (...) as condições impostas para a conservação do bem acarretam despesas extraordinárias para o proprietário, ou resultam na interdição do uso do mesmo bem, ou prejudicam sua normal utilização, suprindo ou depreciando seu valor econômico. Se isto ocorrer é necessária a indenização, a ser efetivada amigavelmente ou mediante desapropriação pela entidade pública que realizar o tombamento, conforme o disposto no art. 5º, “k”, do Dec.-lei 3.365/41, que considera dentre os casos de utilidade pública “a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos” (...). Tombamento não é confisco. É preservação de interesse da coletividade imposta pelo Poder Público em benefício de todos (...).

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No original, Paulo Affonso Leme Machado cita Georges Vedel, na obra Droit Administratif.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Figueiredo (2004, p. 305) assimila a possibilidade de indenização no mesmo sentido e, por fins de explanação, estabelece três hipóteses: a) o bem fica, mercê do tombamento, totalmente inútil ao particular, que , a par das obrigações de não fazer, deverá arcar com as de fazer (...); b) (...) o bem tombado ficar com sua utilização apenas parcialmente reduzida; c) (...) nenhum prejuízo ocorrer ao proprietário pelo tombamento. (...) chegamos às conclusões seguintes: 1. Se a propriedade privada for totalmente aniquilada, mercê do tombamento, por agredir esta situação o dispositivo constitucional de ampla proteção à propriedade (art. 5º, inciso XXII), somente com “restrições” ali apostas, entendemos configurar-se autêntico caso de desapropriação – na hipótese, “desapropriação indireta”, que se resolveria com a indenização correspondente. 2. Se a propriedade privada tiver diminuída sua possibilidade de utilização, deverá o Poder Público constituir uma servidão, indenizando o proprietário na proporção em que este for atingido pela medida do tombamento. Neste caso, estaremos diante de verdadeira servidão administrativa, ou seja, de suas conseqüências. 3. (...) o tombamento não prejudicou seu proprietário. Nada haverá a indenizar.

Assim sendo, aderimos a uma síntese das propostas destes ilustres juristas, quer dizer, compreendemos o direito à indenização em caso de tombamento como fruto de despesas extraordinárias que o ato acarreta ao proprietário ou com a inutilização econômica do bem (quando o tombamento inibe o desenvolvimento de atividade econômica por parte do proprietário) e, como parâmetro para a efetivação desta indenização, o critério de especialidade do prejuízo, isto é, destas duas hipóteses de geração de direito à indenização, este somente se concretizará quando o prejuízo for individual e singular – sem dizer respeito a um grupo de bens localizados em determinado espaço que sofrem limitações e ônus equivalentes. 4.5 Patrimônio cultural e tombamento no Estado do Paraná A Constituição Estadual do Estado do Paraná de 1989 (CEPR/89) traz em seu bojo diversos dispositivos que refletem o objetivo de proteger o patrimônio cultural da Constituição Federal de 1988, que aqui serão relacionados de forma breve, tão somente com o fim de ressaltar o trabalho do Legislador estadual em sua função de proteger segmento tão importante para a sociedade de um modo geral.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Em primeiro momento, quanto à competência, a CEPR/89 determina a competência comum do Estado para com a União e os Municípios de “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”, conforme o artigo 12, inciso III, que se relaciona diretamente ao artigo 23, inciso III da CF/88, enquanto o artigo 13, inciso VII da Carta do Estado prevê a competência concorrente com União para legislar sobre “proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”, do mesmo modo do artigo 24, inciso VII, da Constituição Cidadã, enquanto a Constituição Estadual, novamente, recorre a CF (artigo 30, inciso IX) para declarar, em seu artigo 17, inciso IX, que compete aos Municípios “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. O artigo 19, §1º, inciso III, da CEPR/89, coloca como requisito para a criação de novo município a preservação da continuidade e da unidade históricocultural do ambiente urbano e o artigo 191 versa que: Art. 191. Os bens materiais e imateriais referentes às características da cultura, no Paraná, constituem patrimônio comum que deverá ser preservado através do Estado com a cooperação da comunidade. Parágrafo único. Cabe ao Poder Público manter, a nível estadual e municipal, órgão ou serviço de gestão, preservação e pesquisa relativo ao patrimônio cultural paranaense, através da comunidade ou em seu nome.

O diploma estadual, ao versar sobre o meio ambiente, no artigo 207, §1º, inciso XV, decreta que o Poder Público deve garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado através de, dentre outras medidas, proteção do patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em condições que assegurem a sua conservação, e o artigo 226 escreve que: Art. 226. As terras, as tradições, usos e costumes dos grupos indígenas do Estado integram o seu patrimônio cultural e ambiental, e como tais serão protegidos. 273

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Parágrafo único. Esta proteção estende-se ao controle das atividades econômicas que danifiquem o ecossistema ou ameacem a sobrevivência física e cultural dos indígenas.

O artigo 230, caput, da Constituição do Paraná prevê a criação de um Fundo Estadual de Cultura mediante lei que será formado com recursos extraorçamentários e gerido pelo Conselho Estadual de Cultura vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, sendo ele destinado ao atendimento de pesquisa, produção artístico-cultural e preservação do patrimônio. Ao lado da Constituição Estadual, há a Lei Estadual 1.211 de 16.09.1953, que dispõe sobre o patrimônio artístico e histórico do Estado do Paraná e regula o tombamento, sendo quase que completamente uma transmutação do Decreto-lei n.º 25/1937 e seus exatos mandamentos (toda a classificação de tombamento, os Livros do Tombo, os efeitos, os direitos e deveres do proprietário e do Poder Público, a abrangência aos bens vizinhos, vedações, sanções administrativas, entre outros) para o nível estadual, trazendo, aliás, muitos artigos com a exata redação da Lei de Tombamento. O compromisso na proteção do patrimônio cultural estadual no âmbito do Estado do Paraná se revela muitas vezes frágil e ineficaz, não obstante a vistosa legislação nos ditames do moderno ordenamento jurídico pátrio, estabelecido sobre a égide de uma Constituição Federal fundada em princípios, direitos fundamentais e proteção de direitos difusos e metaindividuais. Na verdade, muitos bens estão em estado precário de manutenção ou a sua recuperação serviu apenas para a prestação de serviços ou realização de obras superfaturadas, com vultosas quantias de dinheiro público sendo empregadas para a concretização de reformas toscas e mal planejadas. O Estado do Paraná transborda de exemplos de obras tombadas que não estão a par da conservação que merecem e que não tem nenhuma ou quase nenhuma utilização de fato, tais como o Cine Teatro Ouro Verde (sob os cuidados da Universidade Estadual de Londrina), que sofreu consecutivas reformas que custaram aos cofres públicos, sofria com problemas de infra-estrutura e estava aquém das necessidades para receber grandes espetáculos com conforto para o 274

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL público e artistas. O teatro, patrimônio cultural reconhecido pelo Estado do Paraná, foi fechado em 2002 para uma reforma pelo projeto “Velho Cinema Novo” da Secretária de Cultura do Estado do Paraná de acordo com relatório da Proplan (2012). Todavia, a reforma inviabilizou tecnicamente o espaço para abrigar a exibição de filmes, exigindo uma nova intervenção em 2003 segundo Agência Londrix (2012): Uma comissão vistoriou o local em agosto de 2003 e entre os problemas detectados estão uma deficiência no sistema de ar condicionado, o mau cheio exalado pelas madeiras utilizadas no assoalho, problemas na rede elétrica e poltronas cujos assentos soltam-se facilmente.

Do problema de preservação do Cine Teatro Ouro Verde adveio um acidente com o sistema de eletricidade que culminou no incêndio que destruiu quase que totalmente a estrutura do espaço (Jornal de Londrina, 2012), meses após ser fechado para uma nova reforma, no final do ano de 2011. Cabe ainda destacar a situação do prédio da Secretaria de Cultura, igualmente tombado como patrimônio cultural pelo Município de Londrina, que constitui edifício historio projetado por João Batista Vilanova Artigas, que está fechado desde 2010 para reformas. As obras estão paradas, por falta de empresa interessada no empreendimento, e por falta de recursos, aguardando o suporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento, conforme Cruz (2012). A cidade de Londrina, no norte do Estado do Paraná – segunda mais populosa cidade do Estado e terceira do Sul do Brasil –,muito peca quanto à manutenção e recuperação de seu patrimônio cultural, como se uma cidade de mais de três quartos de século de idade não tivesse um patrimônio histórico para velar e manter às gerações futuras, passando por cima de sua memória sem refletir sobre a importância desta preservação.

275

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 5 CONCLUSÃO A obra conclui que o conceito de patrimônio cultural está disposto expressamente na Constituição Federal, como todo bem material ou imaterial ligado à identidade, ação ou memória dos diferentes grupos na sociedade brasileira, bem como o interesse público para o Estado materializar a sua preservação. Portanto, dita descrição determina a abrangência e importância da preservação do grupo de coisas em teses e o situa terminantemente como um bem jurídico digno de tutela por todo o Direito pátrio, dada a sua relevância para a formação cultural das presentes e futuras gerações. A Carta Magna de 1988 prevê um poder-dever do Poder Público para a tutela do patrimônio histórico e cultural, quer dizer, não consiste em mera faculdade do Administrador, mas verdadeira obrigação. Ainda, o constituinte afirmou o trabalho conjunto entre o Estado e toda a sociedade com fim de preservar e recuperar ditos bens e, para isso, arrola alguns mecanismos, tais como o inventário, o registro, a vigilância, a desapropriação e, por fim e mais relevante e eficaz, o tombamento. A participação de toda a sociedade – prevista no artigo 215 da Constituição Federal de 1988 – proporciona, em conjunto com o Poder Público, os subsídios que viabilizam a tutela eficaz dos bens culturais. Portanto, importa que a comunidade tome parte em procedimentos que interfiram direta ou indiretamente na proteção desses bens difusos, uma vez que interessa sua preservação tanto para as presentes gerações quanto para as futuras, que terão também o direito de acesso às fontes culturais, direito fundamental este que pressupõe a conservação eficiente desse patrimônio no presente. O tombamento se consolida como o instrumento mais empregado e eficiente na sistemática do Direito Administrativo no Brasil, pois não determina a limitação total do direito de propriedade, não obstante restrinja o proprietário e a vizinhança a praticar atos que possam descaracterizar o bem. Assim sendo, tombamento se configura como uma restrição parcial (nunca total, sob pena de ser uma desapropriação indireta) do direito do proprietário despendida pela Administração Pública com a inscrição do bem em seu respectivo Livro do Tombo – podendo, é 276

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL verdade, ser constituído não só por ato do Executivo, como também mediante lei e até por decisão judicial, embora haja discórdia em meio aos doutrinadores. Cabe ressaltar que a inexistência do tombamento do bem não significa necessariamente que o bem não faz parte do patrimônio cultural brasileiro, estadual ou municipal, mas tão somente que o processo de tombamento não foi realizado com relação aquela coisa singular, seja por falta de interesse público, seja por falta de provocação do proprietário ou até por inércia do próprio Estado. A competência legislativa em relação ao tombamento é concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal e a material é comum entre todos os entes federativos – podendo o tombamento ser voluntário ou compulsório com relação aos bens privados e, no que tange coisas públicas, um ente maior pode tombar bens de entes menores, embora a recíproca não seja verdadeira e nem condizente com o pacto federativo, com ainda a divisão entre tombamento provisório (a partir da notificação do processo administrativo) e definitivo (com a inscrição no Livro do Tombo). Os efeitos do tombamento se alastram tanto ao proprietário como aos vizinhos e até ao Estado. O proprietário tem seu modo de usar, fruir e dispor de sua propriedade limitada no sentido de preservar as características do bem que o identificam com a história e cultura, enquanto, da mesma maneira, os proprietários de coisas vizinhas ao bem tombado não podem usufruir de seus bens de forma a prejudicar o tombado e o Poder Público tem a obrigação de fiscalizar e custear obras e serviços em determinadas circunstâncias, bem como tem o direito de preferência diante da alienação onerosa de coisa tombada. O cancelamento do tombamento pode se dar mediante recurso do proprietário ao Presidente da República, dispositivo muito criticado por sobrepor a decisão monocrática do Chefe do Executivo a um processo administrativo que segue todos os mandamentos do devido processo legal e que finda com a decisão de um órgão colegiado, técnico e especializado. Todavia, a previsão de recurso visa justamente garantir o due processo of law. A natureza jurídica do tombamento, após análise das diversas correntes presentes na doutrina pátria, se concretiza como a de instrumento especial de 277

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL intervenção restritiva do Estado na propriedade privada, pois advém da atuação do Poder Público restringindo parcialmente os direitos inerentes à propriedade e se caracteriza como um mecanismo especial, sem ser qualquer tipo de subespécie de servidão ou qualquer outro instrumento do tipo. O trabalho revela que a indenização somente se torna cabível no tombamento quando ocorrerem custos extraordinários ao proprietário para a conservação e manutenção do bem ou quando inutilizar totalmente a sua exploração econômica, situação que, quando concretizadas, serão mensuradas a partir da sombra de análise da especialidade do prejuízo, onde o dano indenizável e tão somente o específico e singular. Em curta análise da Constituição Estadual do Estado do Paraná de 1989 e da Lei de Tombamento estadual, o compêndio conclui que, em termos de legislação, o Estado se encontra munido dos instrumentais necessários à conservação de seu patrimônio cultural, visto que ambos os diplomas estão em sintonia com a ordem constitucional, sendo a Lei de Tombamento estadual uma mera reprodução da legislação federal. Todavia, o ponto se torna controvertido quando se assimila a praxis no Estado do Paraná, onde o patrimônio histórico e cultural fora da capital está

parcialmente

abandonado,

mal

utilizado,

servindo

apenas

com

superfaturamento de obras e serviços ou o trinômio (que parece maquiavelicamente guiar toda e qualquer atividade administrativa no Brasil) simultaneamente presente. A proteção efetiva do patrimônio cultural resulta principalmente do compromisso do Poder Público em realizá-la, pois compete a ele zelar pelos interesses da sociedade e direcionar a atuação estatal no sentido de concretizar o bem comum. Destarte, não basta um vasto leque de normas jurídicas que protejam o meio ambiente cultural se não há a aplicação destas aos casos concretos. Importa que a tutela jurídica do patrimônio cultural evolua para que assegure a existência digna de qualquer indivíduo, direito fundamental de todo ser humano, em uma sociedade onde ele possa adquirir a todo o momento o conhecimento derivado do acesso livre constitucionalmente previsto às manifestações do rico universo cultural brasileiro, este tão carente de uma tutela que não permaneça

278

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL apenas em textos legais, mas que se consolide em atuações materiais e eficazes – não apenas do Estado, como também dos cidadãos. REFERÊNCIAS AGÊNCIA LONDRIX. Cine Teatro Ouro Verde fecha novamente para reforma. Disponível em: . Acesso em 15 de julho de 2012. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. CRUZ, Susan. Município deve recorrer ao BID para concluir obras na Secretaria de Cultura em Londrina. O Diário, Londrina, 11 de maio de 2012. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2005. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. JORNAL DE LONDRINA. Incêndio de grandes proporções destrói o Teatro Ouro Verde. Jornal de Londrin, Londrina, Cidades, 12 de fevereiro de 2012. Disponível em: . Acesso em 15 de julho de 2012. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004 MARÇAL, Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2008. PROPLAN. Casa de Cultura da UEL. Disponível em . Acesso em 15 de julho de 2012. 279

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ECOLOGIA PROFUNDA DEEP ECOLOGY Sérgio Henrique Santos Azevedo, UNESA, [email protected] RESUMO: À luz da escassez de recursos naturais, advindos de uma onda de progresso avassaladora e inconsequente, é trazida para a ciência a denominada Ecologia Profunda, que tem o condão de harmonizar o homem a outros seres viventes. Nesse diapasão, a ecologia antropocêntrica está dando espaço para uma ecologia que tem preocupação de entrelaçar todas as formas de vida, numa interdependência necessária, salutar e eficaz. PALAVRAS-CHAVES: ecologia profunda; recursos naturais; vida. ABSTRACT: In light of the scarcity of natural resources, coming from an overwhelming wave of progress and inconsequential, is brought to the science called Deep Ecology, which has the power to bring the man to other living beings. In this vein, the ecology is anthropocentric ecology giving way to a concern that has to weave all life forms, a necessary interdependence, healthy and effective. KEYWORDS: deep ecology; natural resources; life. 1 – INTRODUÇÃO A crise ambiental por que se passa decorre do processo civilizatório moderno e se identifica com o atual estágio de desenvolvimento da humanidade. As mudanças no sistema ecológico planetário, capazes de comprometer os sistemas ambientais elementares, dão azo a um transtorno que influi diretamente no gozo pleno dos direitos humanos, tais como o direito à vida, à saúde, à felicidade, dentre outros. A crise se manifesta mais intensamente quanto aos recursos renováveis. Em todo o planeta está havendo um movimento acelerado de exploração dos recursos hídricos, vegetais, minerais sem que se dê a importância devida à sua renovação. Dessa forma, os efeitos dessa crise se encontram cristalizados no cerne de cada ser vivente.

É mais do que um problema de valores: envolve aspectos

culturais e espirituais 280

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL É necessário não apenas conciliar o desenvolvimento econômico-social com a proteção ao meio ambiente e, principalmente desenvolver uma verdadeira mudança de atitude, dos hábitos predatórios que comprometem não só o futuro das próximas gerações, mas o equilíbrio do planeta. A superação desse entrave reside na busca de uma definição mais ampla do que seja o homem e do seu espaço na natureza, bem como de sua relação com o meio ambiente, numa ponderação de interesses econômicos e ecológicos, sob pena de a degradação ambiental ameaçar seriamente nossa habitabilidade no planeta. Nesse contexto apocalíptico, surgiu a teoria do filósofo norueguês Arne Naess, em 1973, como uma resposta a visão dominante sobre o uso dos recursos naturais. Denominou de Ecologia Profunda por demonstrar de forma inconteste a sua distinção frente ao paradigma dominante. De forma precípua, será abordado o meio ambiente enquanto direito fundamental, à luz da proposta de rompimento de paradigma de Naess. 2 – O MEIO AMBIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL O direito ao meio ambiente é um exemplo de direito fundamental como um todo, à medida que representa um leque paradigmático das situações suscetíveis de consideração, no âmbito de normas tuteladoras de direitos fundamentais. Nessa esteira, o meio ambiente apresenta-se como direito de terceira geração, em consonância com o pensamento de Bobbio: Ao lado dos direitos, que foram chamados de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos da terceira geração. O mais importante deles é o reinvidicado pelos movimentos ecológicos; o direito de viver num ambiente não poluído” (BOBBIO, 1991, p. 6).

Acrescenta-se que nessa condição de direito fundamental, pode o Estado: omitir-se de intervir no meio ambiente (direito de defesa); proteger o cidadão contra terceiros que causem dano ao meio ambiente (direito de proteção); permitir a participação do cidadão nos procedimentos relativos à tomada de decisões sobre o 281

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL meio ambiente (direito ao procedimento); e, finalmente, de realizar medidas fáticas, tendentes a melhorar o meio ambiente (direito de prestações de fato). Embora não tenha havido previsão expressa sobre o reconhecimento do direito ao meio ambiente no documento de 1948, pode-se verificá-lo em 1972, quando a Organização das Nações Unidas manifesta-se sobre a problemática ambiental

desencadeada

por

um

modelo

de

exploração

desenfreada

do

ecossistema, celebrando a Declaração de Estocolmo. A ênfase na preservação e melhoramento do ambiente humano norteou a emissão de vinte e seis princípios, nos quais se vislumbram a preocupação em não dissociar o desenvolvimento dos países das políticas ambientais capazes de assegurar o direito ao meio ambiente

equilibrado às presentes e às futuras

gerações. Com a Declaração de Estocolmo de 1972, a questão ambiental adquire proteção internacional, por meio de um documento, subscritos por vários países, dentre eles, o Brasil. A classificação dos direitos humanos em direitos de primeira, segunda e terceira geração é adotada por vários autores, dentre eles Manoel Gonçalves Ferreira Filho, compreendendo que tais direitos correspondem, respectivamente, aos direitos de liberdade, igualdade e fraternidade, completando assim o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade. A terceira geração de direitos humanos para o mencionado autor, qual seja, a fraternidade, está ligada especialmente à qualidade de vida e à solidariedade entre os seres humanos.

Por tal motivo ele afirma que os principais direitos de

solidariedade são: o direito à paz, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e ao patrimônio comum da humanidade. Já o texto constitucional brasileiro de 1988, não segue exatamente a classificação suso mencionada, mas no que diz respeito especificamente ao meio ambiente, há um artigo específico, no qual, reconhece-o como direito de todos, competindo à coletividade e ao poder público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Colaciono inteiro teor do artigo 225, caput, da Carta Magna:

282

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

O artigo traz em seu corpo seis parágrafos que têm como escopo, assegurar a efetividade da aplicação de medidas de preservação e conservação das condições ambientais. Dessa forma, se depreende a ligação entre Direitos Humanos e Meio ambiente, haja vista que este último estando previsto expressamente no texto constitucional constitui-se como

direito fundamental e inerente a toda uma

coletividade. 3 – A COGNOMIDADA ECOLOGIA RASA Um breve conceito de ecologia rasa extrai-se da obra “A Teia da Vida”, de Fritjof Capra: A ecologia rasa é antropocêntrica, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de “uso”, à natureza. (CAPRA, 1996, p.17).

A visão de mundo na ecologia rasa se dá com o domínio sobre a natureza. O ser humano, nessa visão, tem o direito a um total domínio sobre todos elementos pertencentes ao globo terrestre. Ele, o homem, se auto-intitula como o senhor de todas as coisas. Traz, também, consigo, a crença na inesgotável e amplas reservas de recursos. Talvez por uma visão pequena de mundo, onde as informações não eram compartilhadas ou demoravam a serem conhecidas de todos, pensou-se há alguns séculos, que a Terra fosse uma fonte inesgotável de recursos naturais e que até mesmo, estaria numa gênese constante. Dessa falsa percepção, o homem passou a ter: o domínio completo sobre a natureza; o ambiente natural como recurso para os seres humanos; superioridade sobre os demais seres vivos; a crença de que o crescimento econômico e material 283

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL como base para o crescimento humano; progresso e soluções baseados em alta tecnologia; acreditar em amplas reservas de recursos; no consumismo exacerbado e na comunidade nacional centralizada. Esses pensamentos não se coadunam com a situação atual do planeta. Percebeu-se, especialmente no século passado, que o consumismo, a ausência de consciência quanto aos danos causados ao ecossistema, levariam o mundo a um caos com proporções senão irreversíveis, mas perto de o ser. Nesse contexto, muitas ideias e movimentos surgiram com a finalidade de salvar o planeta, sem a pseudo ajuda dos super-herois instituídos pelas nações desenvolvidas e vendidos ao mundo, como sendo o bastante para que o Universo pudesse se manter a salvo.

Essas fantasias grossaram por muitas décadas a

imaginação de muitos e o senso comum de que um alguém sempre tivesse a solução ideal. O quadro estava desenhado: um planeta numa mórbida enfermidade e sem a perspectiva de obter a sua alta... Entrementes, na década de 70, mais precisamente em 1973, Arne Naess apresenta uma proposta de quebra de paradigmas, no sentido de romper com a visão dominante sobre o uso dos recursos naturais. Naess alinho seu pensamento ecológico-filosófico de Henry Thoreau, proposto em Walden e de Aldo Leopold, na sua Ética da Terra. Denominou de Ecologia profunda por demonstrar claramente a sua distinção frente ao modelo dominante. Resta enfatizar que nessa mesma época, o Professor José Lutzemberger teria proposto ideias que se assemelhavam ao novo paradigma, desencadeando movimento ecológico brasileiro com a criação da AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural). Em contraposição à ecologia rasa, Naess apresentou suas ideias e no que concerniam essas diferenças. Esquadrinhando brevemente, ficaria evidenciada em sua ecologia profunda, a harmonia com a natureza; que toda natureza tem valor intrínseco; a igualdade entre as diferentes espécies; os objetivos materiais a serviço de objetivos de auto-realização; que o planeta tem recursos limitados; a tecnologia 284

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL apropriada e ciência não dominante; fazendo com o necessário e reciclando e biorregiões e reconhecimento de tradições de minorias. Percebe-se de forma cristalina, que a proposta apresentada por Naess, permite revelar a relação entre o universo físico e o universo biológico, e assegura a comunicação entre todas as partes do que nós nomeamos de real. De fato, a ciência ocidental fundamentou-se na eliminação positivista do sujeito a partir da ideia de que os objetos, existindo independentemente do sujeito, podiam ser observados e explicados enquanto tais. Morin nos traz a “ideia de um universo de fatos objetivos, purgados de qualquer julgamento de valor, de toda deformação subjetiva, permitiu o desenvolvimento prodigioso da ciência moderna. Mas, expulso da ciência, o sujeito assume sua revanche na moral, na metafísica, na ideologia. Ideologicamente, Le é o suporte do humanismo, religião do homem, considerado com sujeito reinante ou devendo reinar sobre um mundo de objetos (a possuir, manipular, transformar). Moralmente, é a sede indispensável de toda ética. Já metafisicamente, á a realidade última ou primeira que dispensa o objeto como um pálido espectro u, no máximo, um lamentável espelho das estruturas de nosso entendimento. Assim, surge o grande paradoxo: sujeito e objeto são indissociáveis, mas nosso modo de pensar exclui um do outro, deixando-nos apenas livres para escolher, conforme os momentos do dia, entre o sujeito metafísico e o objeto positivista. Os paradigmas da complexidade e o simplificador de Morin mantêm estreita ligação com a sistemática da ecologia profunda, aqui tratada. Deve-se buscar a complexidade lá onde ela pareça em geral ausente, como por exemplo, a vida cotidiana. Já o paradigma simplificador, põe ordem no universo, expulsa dele a desordem. A ordem se reduz a uma nova lei, a um novo princípio. A simplicidade vê o uno, ou o múltiplo, mas não consegue ver que o uno pode ser ao mesmo tempo múltiplo. Assim

relacionadas,

temos

a

complexidade

da

relação

ordem/desordem/organização surge quando se constata empiricamente que

285

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fenômenos desordenados são necessários em certas condições, em determinados casos, para a produção de fenômenos organizados. Dessa forma toda a desorganização vivida na ecologia rasa, onde grassava o antropocentrismo, trouxe insculpida em sua essência, ideais ralos e simplistas que em enfrentamento com as novas vertentes mundiais se mostraram ineficazes e inócuos. 4- A ECOLOGIA PROFUNDA Prefacialmente, rememoro que a partir da década de 70, do século passado, as manifestações acerca do meio ambiente tomaram impulso vertiginoso. As degradações impiedosas aos recursos naturais fez perceber que mais do que simples acordos acerca da preservação da natureza, haveria a necessidade de mudanças de modelos. Importante, inicialmente, traçar breves comentários acerca da vida de Fritjof Capra, para que se entenda do porque ter se tornado adepto aficionado pela substância contida na Ecologia Profunda. Capra nasceu em 1939, na Áustria. Após ter recebido seu PH.D. em física teórica pela Universidade de Viena em 1966, Capra fez a pesquisa em física de partículas na Universidade de Paris (1966-68), esteve na Universidade da Califórnia em Santa cruz (1968-70), no Accelerator linear do Centro de Stanford (1970), na faculdade imperial, na Universidade de Londres (1971-74), e no laboratório de Lawrence Berkeley, na Universidade de Califórnia (1975-88). O austríaco é, sem dúvida, um dos nomes mais significativos na divulgação da vanguarda dos progressos da Ciência, da Filosofia e, unindo tudo isso com consciência, principalmente da ecologia em nossos dias, indo, porém, sua contribuição muito além da mera popularização dos avanços da ciência moderna, o que, entre outras coisas, lhe tem custado a resistência por inúmeros acadêmicos convencionais. No livro de Fritjof Capra, “A Teia da Vida”, o autor aborda a existência de uma crise de percepção e para superação dessa crise é necessário uma 286

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL mudança radical em nossas percepções, nosso pensamento

e nossos valores,

diante dos problemas de nossa realidade, pois, estes não podem ser entendidos isoladamente por se tratarem de facetas de uma única crise. Capra cita as ideias de Thomas Khun sobre a questão dessa mudança. A quebra de paradigmas vem nos possibilitar a formular novas questões. Essa nova visão ecológica enfatiza a interdependência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza. A quebra de paradigmas requer uma mudança de uma expansão não apenas em nossas percepções e maneiras de pensar, mas também de nossos valores. É preciso haver um equilíbrio dinâmico entre os nossos pensamentos e os nossos valores, pois, ambos podem ser vistos como mudanças de auto-afirmação e integração. Transcrevo pensamento de Capra, acerca da Ecologia Profunda: “O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o termo ecológica for empregado num sentido muito mais amplo e mais profundo do que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a interdependência fundamental de todos os fenômenos, e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos)” (CAPRA, 1996, p. 14).

A Constituição Federal do Brasil, promulgada em 1988, traz em seu artigo 225 ideia de uma ecologia no sentido atribuído por Capra,ao enfatizar que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e cabe a sua preservação para as presentes e futuras gerações. O novo paradigma, que pode ser chamado visão holística do mundo, vê o mundo com um todo integrado e não como uma reunião de partes dissociadas. Também pode ser chamado de visão ecológica, se o termo ecológico for usado em sentido mais amplo e profundo que o habitual. O ambientalismo superficial é antropocêntrico.

Vê o homem acima da

natureza. A ecologia profunda não separa do ambiente natural o ser humano nem qualquer outro ser. Vê o mundo não como um aglomerado de objetos isolados, mas 287

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sim,

como

uma

teia

de

fenômenos

essencialmente

inter-relacionados

e

interdependentes. Por fim, a ecologia profunda reconhece os valores intrínsecos de todos os seres vivos e vê os seres humanos como apenas um fio particular na teia da vida. Esse pensamento, reduz o homem à condição semelhante dos antigos filósofos gregos, em busca da parte essencial à vida. Nesse aporte, é necessário imbuir-se de humildade para que a cada nova descoberta/conquista, haja compartilhamento de forma integrada que os frutos dessa nova cadeia possam ser vistos e estudados sem a preponderância de outros valores, tais como os econômicos. Pelo exposto, pode-se perceber e apreender que o planeta necessita de cuidados prementes para que seja possível o crescimento sustentável. Diante da importância dessa integração, suscitamos a seguir os meios utilizados para que seja sanada ou minimizada a degradação de damos à natureza.

Uma das medidas

utilizadas no Brasil foi o advento da Lei 9.605/98, aliada a acordos extrajudiciais, o que permite, muitas vezes, a solução eficaz para os danos ambientais. Derradeiramente, os encontros internacionais mais recentes como por exemplo, em 1992, ano da Eco-92, o mundo havia recém-saído da Guerra Fria e a Europa assinava o Tratado de Maastrich, um marco para a formalização da União Europeia. Ao mesmo tempo, a agenda ambiental ganhava força e passava a ser discutida por toda a sociedade. Agora, na Rio+20, a discussão ambiental ganhou mais urgência, diante do aumento da temperatura global e da perda de recursos naturais do planeta. O equilíbrio de forças global mudou com a ascensão de países emergentes como China e Brasil. Mas a crise econômica, com seu epicentro na Europa, e as medidas para combatê-la ofuscam as preocupações com mudanças climáticas. CONCLUSÃO Percebe-se de forma profícua a preocupação dos países para que se consiga uma formalização de acordo mais abrangente no que concerne à proteção 288

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL do meio ambiente. As ideias da ecologia superficial ou rasa são embaçadas pelas oscilações da natureza, que revolta clama por novas medidas. As ideias do físico e filósofo Capra, insculpidas no pensamento de Naess, procuraram demonstrar a importância do entrelaçamento de todas formas de vida, sem que haja a tida supremacia da raça humana, no sentido de que a “Mãe Terra” possa ser capaz de uma autopoiese. Imperiosamente, o movimento ecológico se agigantou e nas próximas cinco ou seis décadas, o mundo estará voltado para um processo de regeneração do planeta. No entanto, os fatores econômicos são extremamente fortes no sentido de frenar a política ecológica. Mas, perpassa um pensamento: qual a importância da economia num planeta destruído ou em que se viva em condições climáticas totalmente adversas? Talvez as repostas estivessem sempre presentes, mas também destruídas em prol dos fatores econômicos: os índios brasileiros viviam em perfeita harmonia com o todo.

Não dizimavam; não caçavam além das suas reais necessidades.

Tinham como deuses o sol e a lua e respeitavam a Terra como geradora de vida. Parece que o mundo civilizado deveria ter observado esses hábitos primitivos, pois a seguir nessa onda desenfreada de progresso, o resultado não será outro que não uma volta às origens, à procura de um elo que possa atrelar de novo o homem às forças universais. REFERÊNCIAS BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. BONAVIDES, Paulo. Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1999. CAPPELLETTI, Mauro. Problemas de Reforma do Processo nas Sociedades Contemporâneas. São Paulo: Forense, 1980. CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Gráfica do Senado Federal. Brasília: 2010. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo: RT, 2010. 289

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MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. Campinas: Bookseller, 1997. MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. São Paulo: Saraiva, 2009. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Ações Coletivas no Direito Comparado e Nacional. São Paulo: RT, 2010. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1990. MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. OLIVEIRA JÚNIOR, Zedequias de. Composição e reparação dos danos ambientais. Curitiba: Juruá, 2009. RODRIGUES, Geisa de Assis. Ação Civil Pública e Termo de Ajustamento de Conduta: teoria e prática. Rio de Janeiro: Forense, 2011. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. São Paulo: Malheiros, 2000.

290

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

INTERVENÇÃO DO ESTADO E REGULAÇÃO

291

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL LIMITAÇÕES AO PODER DE TRIBUTAR POR MEIO DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS, IMUNIDADES E ISENÇÕES LIMITATIONS TO THE TAXING POWER THROUGH TAXING CONSTITUTIONAL PRINCIPLES, IMMUNITY AND EXEMPTIONS Aldo Aranha de Castro, UNIMAR – [email protected] Maria de Fátima Ribeiro, UNIMAR – [email protected] Resumo: O presente trabalho tem por escopo fazer uma análise de algumas limitações ao poder de tributar, através do estudo dos princípios constitucionais tributários, das imunidades e das isenções. Com essa abordagem, compreender-seá a importância desses limitadores ao poder de tributar, inclusive como garantia da sociedade para que haja verdadeiramente a democracia e o respeito à dignidade da pessoa enquanto ser humano. Palavras-chave: Limitações ao Poder de Tributar; Princípios Constitucionais Tributários; Imunidade; Isenção. Abstract: The scope of this paper is to analyze some limitations to the taxing power, through of the study of the taxing constitutional principles, the immunities and the exemptions. With such approach, we will understand the importance of both limitators to the taxing power, include as society guarantee so that there can truly be democracy and respect for a person‟s dignity while human being. Keywords: Limitations of the Taxing Power; Taxing Constitutional Principles; Immunity; Exemption. Introdução O Direito Tributário possui uma vastidão de conceitos e definições, dentre as quais, algumas que atribuem às pessoas políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) o poder de instituir e cobrar ou determinar quem cobrará os tributos. E se há esse poder, deve existir também sua limitação, para não extrapolá-lo e, por conseguinte, não ferir o direito dos contribuintes. Neste cenário, faz-se importante a conceituação de tributo, bem como das espécies tributárias, para se ter a noção exata do direito tributário e, em sequência, poder-se com maior propriedade partir para a análise propriamente dita dos princípios constitucionais tributários, imunidades e isenções, relacionando-os às limitações ao poder de tributar. Revisão de literatura Neste trabalho, faz-se importante a fundamentação pautada em autores conceituados, tradicionais, e que trazem credibilidade ao universo jurídico, em especial se tratando de Direito Tributário, tais como Paulo de Barros Carvalho, Roque Antônio Carrazza, Sacha Calmon Navarro Coêlho, Humberto Ávila, Luciano Amaro e Eduardo Sabbag, entre outros. Estes autores trazem com propriedade 292

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL conceitos de tributo, isenção, imunidade (que não pode ser confundido como se fosse “princípio da imunidade”) e os princípios constitucionais tributários, que trarão proteção ao contribuinte, para que exista uma limitação ao poder de tributar por parte das pessoas políticas. Assim, quando da conceituação de tributo, faz-se necessário analisar melhor as espécies tributárias assim consideradas pelo Supremo Tribunal Federal (imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais) e, após, analisar pormenorizadamente os princípios constitucionais tributários (como o da legalidade tributária, do nãoconfisco, da capacidade contributiva, entre outro), as imunidades (e alguns de seus tipos), além das isenções, sempre no viés da limitação ao poder de tributar. Resultados e discussão O desenvolvimento deste tema se faz importante, para que haja uma melhor assimilação de como se dá a limitação ao poder de tributar, através dos princípios constitucionais tributários, imunidades e isenções. Após delimitar-se o tema, e fazer uma pesquisa doutrinária, cumpre desenvolver acerca do que vem a ser tributo (que é feito com propriedade pelo professor Luciano Amaro), bem como das 05 espécies tributárias adotadas pelo STF. Somente a partir daí, pode-se abordar os princípios constitucionais tributários (que são específicos e explícitos) que, encontrando como lastro a Constituição Federal, regulam e protegem o ordenamento tributário e, porque não dizer, parte do próprio ordenamento jurídico. Assim, podem-se destacar os princípios da legalidade, isonomia e irretroatividade em matéria tributária, da anterioridade e noventena, da capacidade contributiva, entre outros, que visam à proteção do contribuinte, vez que limitam as pessoas políticas de instituir ou cobrar os tributos, caso não respeitados referidos princípios. Em sequência, deve-se abordar também as imunidades e isenções, ambas relacionadas, tal como os princípios, à limitação ao poder de tributar. Nesta parte, faz-se importante conceituar isenção, onde e como ela pode afetar e interferir no poder de tributar (cuja explanação é feita pontualmente, por Paulo de Barros Carvalho), bem como conceituar imunidade e explicitar alguns tipos de imunidade, como a imunidade recíproca, que é a mais relevante das imunidades, constante do Art. 150, VI, “a”, da Constituição Federal, e Art. 9º, IV, “a”, do Código Tributário Nacional, além de outras existentes e que ganham destaque no corpo constitucional. E como resultado da pesquisa e do desenvolvimento da trabalho, poder-se-á perceber melhor a influência dos temas estudados, como limitação ao poder de tributar, garantindo aos contribuintes a certeza de que não serão surpreendidos com a instituição ou cobrança de tributos, fora dos moldes legais. Conclusão Com a abordagem das limitações ao poder de tributar, pautadas nas imunidades, isenções e nos princípios constitucionais tributários, observou-se a clara limitação das pessoas políticas (assim entendidas como União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ao poder de tributar, através de princípios, como o da legalidade e igualdade tributárias, dentre outros, bem como das imunidades (como a recíproca, 293

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL por exemplo) e das isenções, tudo isso visando sempre à proteção do contribuinte, para não onerá-lo excessivamente, trazendo as garantias constitucionais, para que seja possível a existência efetiva da democracia e o respeito à dignidade da pessoa enquanto ser humano. Referências AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2009 ÁVILA, Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. ______. Teoria da Igualdade Tributária. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. ______. Teoria dos Princípios – da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. BRASIL. Vade Mecum. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Luiz Roberto Curia, Livia Céspedes e Juliana Nicoletti. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL INTERPRETADO. org. Antônio Cláudio da Costa Machado. Barueri/SP: Manole, 2010. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. - MARTINS, Ives Gandra da Silva. Efeitos Prospectivos de Decisões Definitivas da Suprema Corte em Matéria Tributária. in Coisa Julgada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária. coord. Hugo de Brito Machado. São Paulo: Dialética; e Fortaleza: ICET, 2006. p. 209-226. MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Sistema Tributário Brasileiro. in Curso de Direito Tributário. 13. ed. coord. Ives Gandra da Silva Martins. São Paulo: Saraiva, 2011. MAZZA, Alexandre. Vade Mecum Tributário. São Paulo: Rideel, 2009. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário – Ideal para concursos públicos. São Paulo: Saraiva, 2009.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO OUTSOURCING IN PUBLIC ADMINISTRATION: THE NEED FOR REGULATORY Andrea Teresa Sarai, Graduanda do 5º ano do curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina (UEL) Lourival José de Oliveira, Doutor em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), [email protected] RESUMO: A economia globalizada e as estratégias de mercado contribuiram para o desenvolvimento do fenômeno da terceirização em busca de competitividade, eficiência, redução de custos e flexibilização das empresas. A terceirização é praticada tanto no setor privado como na Administração Pública. Ocorre que a adoção da terceirização na oferta de serviços públicos merece cuidados, pois a racionalidade do mercado capitalista não respeita os princípios fundamentais da Administração Pública, nem tão pouco os princípios protetores do trabalho humano. Muitos são os desvios praticados pela utilização da terceirização no serviço público. A única regulamentação existente até o presente momento sobre o tema é a Súmula n. 331 do TST, que recentemente sofreu alterações em seu enunciado, enfraquecendo ainda mais o incipiente controle sobre a terceirização. A responsabilidade da Administração Pública no caso de terceirização ilícita ou inadimplemento das obrigações trabalhistas e previdenciárias que antes era direta agora depende de provas, cabendo o ônus probatório ao empregado. Deve haver a comprovação de que o ente público agiu com culpa in vigilando, ou seja, faltou com o dever de fiscalizar a contratação e a prestação de serviços da empresa terceirizada, para que caiba a responsabilização da Administração Pública. Portanto, conclui-se que ficou muito mais difícil para o empregado diante do inadimplemento de seus direitos pela empresa terceirizada de ter seus créditos assegurados pela tomadora de serviços, quando se tratar de ente de direito público. Nesse sentido, merece atenção o debate para a busca de novos caminhos na construção de um processo de regulamentação da terceirização trabalhista, agregando a redução de custos, a eficiência e a valorização do trabalho. Em resumo, a terceirização deve ser revista com o escopo de ser proposta uma nova regulamentação jurídica capaz de assegurar a proteção do trabalhador. Palavras-chave: Terceirização. Administração Pública. Oscips. Responsabilidade. ABSTRACT: The global economy and the market strategies contributed to the development of the phenomenon of outsourcing in search of competitiveness, efficiency, cost savings and flexibility of companies. Outsourcing is practiced both in private and in public administration. It happens that the adoption of outsourcing in public services deserves care, since the rationality of the capitalist market does not respect the fundamental principles of public administration, nor the protective principles of human labor. Many are the deviations committed by the use of outsourcing in the public service. The only existing regulation on the subject is the Precedent. 331 of the TST (Labor Superior Tribunal), which has recently undergone changes in its wording, further weakening the control over outsourcing. The 295

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL responsibility of the Public Administration in the case of illicit outsourcing or default in labor and social security obligations used to be direct, but now depends on evidences, leaving the evidential burden to the employee. There must be proof that the public entity acted with guilty in vigilando, what means that it failed in its duty to oversee the hiring and provision of services by the outsourcing company, so that the public administration can be declared responsible. Therefore, taking into account the malfeasance of the employee rights by the third-party company, we conclude that it became much harder for the employee to have their claims secured by the borrower of services when dealing with public law body. In this sense, the debate deserves attention in the search for new ways to build a regulatory process for outsourcing labor, adding to cost reduction, efficiency and appreciation of the work. In summary, outsourcing should be reviewed with the aim to be offered a new legal regulation capable of ensuring the protection of the worker. Keywords: Outsourcing. Public Administration. Oscips. Responsibility. 1 INTRODUÇÃO As constantes transformações do mercado capitalista com inovações tecnológicas,

exigem

das

empresas

o

desenvolvimento

de

estratégias

de

administração, com o escopo de garantir a competitividade no preço das mercadorias e serviços. Ocorre que os reflexos dessas mudanças na economia são bastante prejudiciais ao trabalhador, como a redução dos postos de trabalho, a flexibilização dos direitos trabalhistas e a precarização das relações de trabalho. Dentre as estratégias da administração de empresas destaca-se a terceirização, utilizada amplamente para reduzir custos e promover a especialização da atividade produtiva, deixando a cargo de terceiros atividades secundárias como limpeza, segurança e recepção. A terceirização é sinônimo de redução de custos justamente porque reduz direitos trabalhistas e previdenciários. O processo de terceirização mostra-se vantajoso apenas para as empresas que não primam pelo capital humano, visam o lucro acima de tudo, mostrando total descomprometimento com os direitos sociais. A Administração Pública também lança mão da terceirização na prestação de serviços, o que traz problemas ainda mais graves, pois envolve o uso do dinheiro público na contratação de empresas terceirizadas que não estão preocpupadas com os trabalhadores e, muitas vezes, contratam com o ente público recebem os valores, provenientes desta contratação e não pagam seus empregados, enfim, não cumprem 296

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL com o adimplemento dos demais direitos trabalhistas. As políticas do Estado também estão tentando reduzir gastos, diminuir os direitos sociais e desinchar a máquina contratando cada vez menos funcionários. O Estado Social é uma proposta de alto custo e está se desfacelando em todo o mundo, mostrando que parcerias com o setor privado podem ser uma opção. Na parceria com o setor privado o Estado conjuntural vê a oportunidade de minimizar a sua atuação e limitar os gastos públicos. A princípio a idéia de parceria não é má, mas abre espaço para a corrupção, o nepotismo e o apadrinhamento nas contratações das empresas, quando da terceirização da prestação de serviços, pois não há regulamentação, controle ou fiscalização suficientes desses contratos, deixando o empregado da empresa de terceirização sem as garantias necessárias quanto ao recebimento de seus direitos trabalhista. Os representantes dos entes do Estado devem ser exemplo no cumprimento dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal, bem como dos princípios da Administração Pública, o que parece não ocorrer nos processos de terceirização no serviço público, exigindo maior atenção das autoridades a regulamentação dos referidos processos. Uma das formas de controle da terceirização é a Súmula n. 331 do TST, com recentes alterações no que diz respeito a responsabilidade da Administração Pública como tomadora de serviços. Diante dos argumentos aqui lançados o presente estudo possui

como

objetivo

apresentar

um

panorama

sobre a

terceirização

na

Administração Pública, no que se refere à utilização de trabalhadores vinculados à empresa interposta. A todo momento surgem questionamentos quanto à necessidade ou não de uma regulamentação própria sobre o tema para a Administração Pública, considerando as denúncias de fraudes feitas contra este certame. Pretendeu-se apontar algumas alternativas para o aperfeiçoamento deste processo, em se tratando do setor público. 2 A TERCEIRIZAÇÃO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A terceirização é um instrumento que viabiliza a prestação de serviços, atividade-meio, àqueles que procuram reduzir custos na produção, com pessoal e também com o pagamento de direitos trabalhistas aos empregados diretos. A terceirização é explorada tanto pela iniciativa privada quanto pela Administração Pública, esta última na terceirização basicamente os mesmos objetivos que a primeira, redução de custos. Segundo conceito delineado por Delgado (2011, p. 426): Para o Direito do Trabalho terceirização é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação justrabalhista que seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a este os laços justrabalhistas, que se preservam fixados com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviços, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora desse trabalhador envolvido.

Aos olhos da legislação trabalhista a terceirização foge do modelo empregatício clássico da relação bilateral do contrato de trabalho. Desafiando a doutrina e a jurisprudência ao apresentar um novo modelo de contratação da força de trabalho. Embora, reconheça-se que é essencial ao Estado a redução de gastos com as contas públicas, não é através do desrespeito a proteção do trabalhador que isto deve ocorrer. Haja vista que pode o Estado ser mais eficiente com menos custos utilizando outros meios, como: administração de qualidade e eficiente, racionalização de atividades, desburocratização de serviços, e o mais importante, fiscalização, com o escopo de evitar desvios. Bem como, maior celeridade nos processos administrativos para sanção e exoneração de servidores que atuam com desídia ou são corruptos. O que tem ocorrido é um abuso da Administração Pública na utilização da terceirização trazendo prejuízos para o trabalhador e o Estado, no tocante ao 298

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL inadimplemento das verbas trabalhistas pelas respectivas empresas terceirizadas. Como é possível demonstrar através de recentes decisões dos Tribunais Trabalhistas: TERCEIRIZAÇÃO. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CULPA. CARACTERIZADA. DÉBITOS TRABALHISTAS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO TOMADOR. Súmula nº 331 do TST. A relação oriunda de contrato de prestação de serviços terceirizados, entabulado entre a empresa prestadora e a Administração Pública, não gera vínculo de emprego direto com esta, na condição de tomadora de serviços. Todavia, o órgão público não se exime de sua responsabilidade subsidiária em relação aos créditos dos trabalhadores que lhe prestaram serviço, mormente quando verificada a culpa concreta, decorrente da ausência de salvaguardas que evitassem a contratação de uma empresa inidônea e da falta de uma fiscalização eficiente da execução contratual. Entendimento consubstanciado na Súmula nº 331 do Colendo TST. (131551 PB 00741.2011.003.13.00-0, Relator: ANA MARIA FERREIRA MADRUGA, Data de Julgamento: 14/03/2012, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 19/03/2012) AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. VEDAÇÃO DE TERCEIRIZAÇÃO DE SERVIÇOS NA ÁREA DA SAÚDE PELO MUNICÍPIO DE FORMA AMPLA. VIOLAÇÃO À CARTA MAGNA.CARTA MAGNA- A decisão proferida em sede de ação civil pública que vedou, de forma ampla, a terceirização de serviços de saúde, notadamente em relação à complicação da atenção básica e serviços de média complexidade, viola os artigos 197 e 199, § 1º, c/c a Lei nº 8.080/90, artigos 7º e 8º, afetando modo expressivo a capacidade do ente público em atender às demandas na área da saúde pública. Ressalva-se, porém, a...8.0807º8º (70041021379 RS , Relator: Matilde Chabar Maia, Data de Julgamento: 16/06/2011, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/08/2011)

É evidente a repercussão do inadimplemento das verbas trabalhistas na vida do trabalhador trazendo-lhe grandes prejuízos, sendo o seu salário de natureza alimentar o empregado. Os prejuízos para o Estado também são claros e fáceis de observar, pois, conforme a Súm. n. 331 do TST, este responde subsidiariamente aos encargos com o inadimplemento praticado por essas empresas. O que acontece é o inverso do que se 299

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pretendia a Administração Pública não economiza em nada com a terceirização e só onera os cofres públicos, em detrimento ao princípio da eficiência, comprometendo a qualidade do serviço público. Desse modo, a terceirização na Administração Pública sofre duras críticas por parte da doutrina de Direito Administrativo. Segundo Di Pietro (2002, p. 177): Tais contratos têm sido celebrados sob a fórmula de prestação de serviços técnicos especializados, de tal modo a assegurar uma aparência de legalidade. No entanto, não há, de fato, essa prestação de serviços por parte da empresa contratada, já que esta se limita, na realidade, a fornecer mão-de-obra para o Estado; ou seja, ela contrata pessoas sem concurso público, para que prestem serviços em órgãos da Administração direta e indireta do Estado. Tais pessoas não têm qualquer vínculo com a entidade onde prestam serviços, não assumem cargos, empregos ou funções e não se submetem às normas constitucionais sobre servidores públicos. Na realidade, a terceirização, nesses casos, normalmente se enquadra nas referidas modalidades de terceirização tradicional ou com risco, porque mascara a relação de emprego que seria própria da Administração Pública; não protege o interesse público, mas, ao contrário, favorece o apadrinhamento político; burla a exigência constitucional de concurso público; escapa às normas constitucionais sobre servidores públicos; cobra taxas de administração incompatíveis com os custos operacionais, com os salários pagos e com os encargos sociais; não observa as regras das contratações temporárias; contrata servidores afastados de seus cargos para prestarem serviços sob outro título, ao próprio órgão do qual está afastado e com o qual mantém vínculo de emprego público.

A contratação de empresas terceirizadas no âmbito da Administração Pública na forma de prestação de serviços técnicos especializados, segundo a professora Maria Sylvia apenas conta com a aparência de legalidade, pois, o que há, de fato, é o fornecimento de mão-de-obra para o Estado. Ou seja, essas pessoas contratadas sem concurso público, prestam serviços sem qualquer vínculo para o ente público, burlando assim o que prescreve o artigo 37, inciso II da Constituição Federal de 1988, a investidura em cargo público mediante aprovação em concurso público Outra questão relevante, segundo a opinião de Maria Sylvia, sobre a contratação temporária é a sua incompatibilidade com as atividades permanentes da 300

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Administração Pública. Assim cumpre ao ente público, demonstrar que há, temporariamente, acréscimo de serviço ou diminuição dos servidores do quadro permanente. Conforme destaca Di Pietro (2002, p. 179): Este tem sido o entendimento do Tribunal de Contas da União, o que acabou levando o Governo Federal a baixar o Decreto n. 2.271 de 07/07/97, que dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. No art. 1º, ele estabelece quais as atividades que devem ser executadas, de preferência, por execução indireta, abrangendo as de conservação de limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações. No § 2º, determina que „não poderão ser objeto de execução indireta atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal‟.

Observe-se que a obrigatoriedade de licitação nos contratos dependentes de licitação para as entidades da Administração Pública, está expressa no art. 37, inc. XXI, da Constituição de 1988. A Lei nº 8.666 de 14 de junho de 1993, em seu art. 10, permite que as obras e serviços sejam prestados por execução direta ou indireta, esta última sob o regime de empreitada ou tarefa. Embora seja perfeitamente cabível a terceirização dos serviços indicados na Lei nº 8.666/93, há um abuso desse recurso pela Administração Pública que leva o Estado a não promover concursos públicos para suprir a falta de pessoal. Segundo Martins (2010, p. 146) Como a Lei Complementar nº 82, de 27 de março de 1995, limita os gastos com servidores em 60% da receita, a terceirização representa uma forma de continuidade da prestação de serviços, não pelo funcionário, mas por empresa terceirizada. Para o Estado é muito mais fácil contratar empresas terceirizadas do que empregados, pois não precisa limitar seus gastos com funcionários a 60% da receita. O § 1º do art. 18 da Lei Complementar nº 101, de 4-5-2000, admite a terceirização de mão-de-obra que se referem à substituição de 301

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL servidores e empregados públicos serão compatibilizados como „Outras despesas de Pessoal‟.

A terceirização, segundo o autor, tem sido usada para contornar o limite de gastos com pessoal, funcionando como uma brecha na lei para que os gestores públicos passem por cima desse limite de gastos de 60% com pessoal sem responder por seus atos ou sofrerem as devidas sanções. Tanto a doutrinadora Maria Sylvia como Sérgio Pinto Martins alertam para a possibilidade de ocorrer casos de nepotismo, corrupção e fraudes na Administração Pública com o uso indiscriminado da terceirização de serviços. Nas palavras de Pinto Martins, “(...) favorece o nepotismo e as nomeações política, ferindo a exigência do concurso público. O governo gasta com o terceirizado mais do que com o servidor público. Às vezes até o dobro.” Somado a tudo isso, acrescente-se que os trabalhadores terceirizados custam mais caro aos cofres públicos que os próprios funcionários públicos. Não têm treinamento adequado, executam as atividades sem o mesmo compromisso do trabalhador concursado, e por fim, podem não receber da empresa contratada por esta ser inidônea, e, nesse caso, o Estado pode responder subsidiariamente pelo inadimplemento. Sendo assim, conclui-se que a contratação de empresas terceirizadas pela Administração Pública deve ser repensada por confrontar com os princípios da moralidade e da impessoalidade, bem como com o da eficiência indispensáveis na construção do Estado Democrático de Direito. 3 DA RESPONSABILIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A responsabilidade do ente público na contratação de serviços terceirizados é regulada pela Súm. n. 331 do TST. Em seu inciso II expressa que não há a possibilidade de vínculo de emprego com órgãos da Administração Pública, no caso de haver a contratação irregular de trabalhador mediante empresa interposta.

302

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Recentemente, a súmula sofreu alterações que limitaram o seu alcance sobre a responsabilização subsidiária do ente público quando ocorre o inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa contratada. Antes das alterações do enunciado da Súm. n. 331 do TST editadas em 24 de maio de 2011, a responsabilidade do poder público era objetiva e contemplava todas as hipóteses de inadimplemento das obrigações trabalhistas o que abrangia a culpa in eligendo e a culpa in vigilando da Administração pública. É oportuno destacar que as mudanças na Súm. n. 331, resultam da discussão perante o Supremo Tribunal Federal da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.16, proposta pela Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), cujo objeto era o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. O enfoque era o conflito entre a Súm. n.331 e o referido dispositivo da Lei de Licitações que diz que o inadimplemento do contratado, pelos encargos trabalhistas não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento. O julgamento da ADC n. 16 foi procedente, e o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93. Concluiu a Corte Suprema, que o mero inadimplemento não transfere a responsabilidade, mas a inadimplência da obrigação da Administração Pública de fiscalização sobre a contratação com a prestadora de serviços é que traz como conseqüência uma responsabilidade que a Justiça do Trabalho eventualmente pode reconhecer. Conforme alterações a Súmula n. 331 do TST passou a ter a seguinte redação: I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei n. 6.019, de 03.01.1974). II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional. (art. 37, II, da CF/1988). III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividademeio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. IV- O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de 303

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V- Os entes integrantes da administração pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666/93, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada. VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Diante do exposto, faz-se mister a análise de alguns incisos da Súmula n. 331 do TST, separadamente, bem como, suas modificações, para a melhor compreensão do tema. 3.1 O inciso IV da súmula 331 do TST Antes da alteração de 24 de maio de 2011, o inc. IV, da Súm. n. 331, anunciava a responsabilidade objetiva da Administração Pública, com base no preceito constitucional do artigo 37, § 6º, o qual estabelece que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”. Não havia diferença de tratamento na responsabilização tanto do tomador de serviços de natureza privada, quanto da Administração Pública, observada agora a partir da leitura do antigo inciso IV da súmula, que vigia com a seguinte redação:

O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei n. 8.666, de 21.06.1993). 304

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Segundo Miraglia e Rocha (2011, p. 47): A partir das modificações realizadas na Súmula nº 331 do TST, verificase que a Administração Pública, ao contrário do tomador de serviços de natureza privada, não poderá mais ser responsabilizada subsidiariamente pelo mero inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da prestadora de serviços. Para que o ente público seja responsabilizado, deverá ser comprovada a sua conduta culposa. Ou seja, não há mais a possibilidade de se atribuir a culpa in eligendo da Administração Pública. A realização do processo licitatório, por si só, já „presumiria‟ a contratação de empresa capacitada a arcar com os encargos trabalhistas.

Como se verifica a responsabilidade objetiva ainda permanece para as contratantes de natureza privada, ou seja, empresa privada que contrata serviços terceirizados responde de modo objetivo sem a necessidade de comprovação de culpa no plano processual. O que cria uma prerrogativa para a Administração Pública em detrimento do setor privado. Assim, só quando restar provada a culpa da Administração Pública in vigilando, durante o certame, é que ela irá saldar as dívidas da prestadora para com o trabalhador, o que reduz bastante a incidência da Súm. n. 331 do TST, a qual era aplicada amplamente em casos de inadimplemento pelos magistrados e Tribunais trabalhistas. Embora a incidência da súmula tenha sido reduzida, não se pode falar em retorno à teoria da irresponsabilidade estatal em detrimento dos direitos e proteção das verbas trabalhistas do obreiro de natureza alimentar e, nesse sentido, fundamental para a promoção da sua subsistência. 3.2 O inciso V da Súmula n. 331 do TST Segundo as novas orientações da Súm. n. 331, a culpa do tomador dos serviços, ente da Administração Pública, apenas incidirá quando houver o descumprimento do que determina a Lei de Licitações, cabendo ao empregado o ônus da prova. O que é um grande obstáculo na responsabilização da Administração 305

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Pública, deixar a cargo do empregado a coleta de provas de que o ente público na observação das obrigações contratuais e legais. Em recente julgado pode-se ver presente o novo entendimento contemplado pelo inciso V, que julgou improcedente a ação por ausência de provas, inviabilizando a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços. RECURSO ORDINÁRIO. AÇAO CIVIL PÚBLICA. TERCEIRIZAÇAO. OBRA CONTRATADA.1 - A terceirização é uma relação admitida pelo Direito do Trabalho, cuja aplicabilidade, alcance e possibilidades devem ser analisados em cada caso em concreto;2 - O ramo da construção civil, considerando a amplitude do seu objeto e a especialização de determinados serviços, tem admitido uma margem considerável para efeito de contratação de serviços terceirizados;3 - A ilicitude da terceirização, quando existente, deve ser robustamente comprovada, sob pena de inviabilizar o instituto e deturpar a natureza contratual;4 - A simples alegação de atrasos no pagamento de salários e demais consectários legais, sem provas, não é suficiente para embasar a ilicitude de terceirização, até porque, mesmo sendo lícita, o tomador dos serviços responde subsidiariamente em caso de inadimplência do empregador direto.5 - A ausência de provas, impõe a manutenção da sentença que julgou improcedente o pedido de indenização decorrente de ilicitude de terceirização, formulada na Ação Civil Pública. (588 RO 0000588, Relator: DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO LOPES, Data de Julgamento: 14/12/2011, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DETRT14 n.233, de 16/12/2011).

Na discussão a respeito da ADC n.16 o Supremo salientou não haver a possibilidade de invocar-se o art. 37 § 6º da CF/88, que fala da responsabilidade objetiva da Administração Pública. Isto porque o inadimplemento de verbas trabalhistas

se

perfaz

pela

empresa

prestadora

dos

serviços,

contratada

administrativamente, e não pela Administração Pública na condição de contratante. Como explicita Bramanti (2011, p. 32): Assim, a proteção social do trabalhador, que presta serviços em favor da Administração Pública e acaba por não receber seus créditos trabalhistas, não pode conduzir à consideração de responsabilidade objetiva do Poder Público pelo indébito causado por terceiro. Nada obsta, contudo, a perquirir se o agente público agiu com culpa para a 306

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ocorrência do inadimplemento dos débitos trabalhistas. Se não for evidenciada, de qualquer modo, ação ou omissão, direta ou indireta, na modalidade culposa do agente público em detrimento do contrato administrativo para a prestação de serviços terceirizados, não há como emergir responsabilidade da Administração Pública em relação às obrigações trabalhistas da empresa contratada, à luz do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993. Essa é a linha do entendimento pacificado pelo co. Supremo Tribunal Federal.

Logo, espera-se que apesar das limitações refletidas no inciso V da Súm. n. 331 do TST, os juízos e tribunais trabalhistas não deixem de buscar provas fáticas e argumentos cabais que demonstrem a verdade real nas demandas que envolvam inadimplemento das verbas trabalhistas nos contratos do poder público com as empresas terceirizadas. A Súm. n. 331 do TST ao sofrer alterações em maio de 2011, principalmente em seu inciso V, enfraqueceu a sua atuação na responsabilização do tomador de serviços, que deixou de ser objetiva. Portanto, quando ocorrer o inadimplemento das verbas do trabalhador, há necessidade provar que o ente público teve culpa na contratação para que comprovada sua culpa seja responsabilizado subsidiariamente. 4

PONTOS

CRÍTICOS

DO

PROCESSO

DE

TERCEIRIZAÇÃO

NA

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A NECESSIDADE DE SUA REGULAMENTAÇÃO. 4.1 Dos pontos críticos do processo de terceirização no serviço público Uma das fortes críticas a terceirização na Administração Pública é a respeito da utilização de mão de obra por empresa interposta, ao invés de promover concurso público para o preenchimento de vagas nos distintos setores de serviço público. A exigência constitucional do art. 37, inciso II, de prestar concurso para exercer cargo, emprego ou função pública é uma conquista que garante aos candidatos igualdade de condições no momento do concurso. É um meio de combater o apadrinhamento e o nepotismo tão presentes na vida pública do país. Segundo Silva (2011, p. 121): 307

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Desde a CF/88, a aprovação em concurso público foi adotada como condição para a investidura em cargos públicos, na forma do art. 37, II, em obediência aos princípios da impessoalidade e da moralidade. A impessoalidade, enquanto princípio constitucional expresso que rege a Administração Pública brasileira (art. 37, caput, da CF), significa a necessária ausência de subjetividade do administrador público no desempenho de suas tarefas. Vale dizer, trata-se de uma imposição lógica dos princípios da supremacia e da indisponibilidade do interesse público, que vedam ao administrador a busca de interesses pessoais, próprios ou de terceiros no exercício de suas competências.

A terceirização contribui para o encolhimento do Estado, principalmente na sua função social, a partir do momento em que busca parcerias com o setor privado. Sem a observância dos princípios da boa gestão pública como a impessoalidade e a legalidade nos certames licitatórios, onde empresas de apadrinhados dos administradores públicos são escolhidas para prestar serviços públicos. Ainda conforme Silva (2011, p. 122): Ademais, a exigência de concurso público tem a finalidade de evitar que o político, valendo-se de sua qualidade de administrador, cause danos ao interesse público, com as constantes trocas de servidores a cada gestão. Na mesma linha, a intermediação traz consigo um interesse eleitoral, tendo em vista que o político passa a ter famílias inteiras a depender dos contratos firmados com as empresas terceirizadas; assim, há uma garantia de inúmeros votos pelo medo de perda de posto de trabalho em caso de o candidato da oposição sair vencedor.

Ao deixar de promover concurso público o Estado está colaborando para que haja uma espécie de trabalhador de segunda classe nos órgãos públicos. Existindo aqueles que são concursados com plano de cargos e carreiras, qualificados, com cursos de aperfeiçoamento periódicos e os outros contratados por intermédio de empresas incapazes de cumprir com os encargos trabalhistas, que não proporcionam treinamento e nem condições para seus empregados se qualificarem. Não pode o Estado seguir a lógica de mercado neo-liberal na condução da coisa público impondo a flexibilização dos direitos e redução de gastos, justamente no 308

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL que se refere ao trabalho humano, rasgando, deste modo, a Carta Constitucional, no momento em que deixa de observar um dos princípios basilares da valorização do trabalho humano e, respectivamente da dignidade da pessoa humana. Outro ponto crítico da terceirização é a responsabilidade da Administração Pública no inadimplemento dos encargos trabalhistas por parte da empresa ou instituição social. Com as alterações promovidas nos incisos IV e V da Súm. nº. 331 do TST, o ente da Administração Pública responderá subsidiariamente ao inadimplemento se houver a comprovação da sua falta de observação na contratação com empresa ou instituição inidônea, ou seja, quando o trabalhador provar a culpa in vigilando do tomador de serviços. Conforme Almeida (2011): As alterações no tocante à responsabilização do ente estatal, infelizmente, dificultaram a situação do trabalhador terceirizado, uma vez que ficou estabelecida uma inversão do ônus da prova, circunstância que obrigará o empregado a provar a conduta culposa do órgão da Administração Pública, como faz-se possível visualizar diante do novo inciso V da súmula nº 331 do TST.

Em suma, a culpa do ente público que antes era objetiva bastando o simples inadimplemento

das

obrigações

trabalhistas,

para

que

houvesse

a

sua

responsabilização, seguindo o que preceitua o art. 37, § 6º, da Constituição, agora só ocorrerá com a comprovação da culpa in vigilando da tomadora de serviços. Em recente audiência pública, nos dias 4 e 5 de outubro, sobre terceirização realizada pelo TST, muitos foram os apontamentos sobre os efeitos perversos da terceirização na organização do trabalho. Segundo aponta Martins Filho (2011, p. 8 e 9) : a) mera redução de custos das empresas tomadoras de serviços, com sensível redução de salários (e outros direitos laborais) para os trabalhadores, sendo que parte do que lhes seria devido vai para o intermediador de mão de obra; 309

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL b) não integração do trabalhador na empresa em que efetivamente presta serviços e que é a real beneficiária de seus esforços; c) descuido das normas de segurança e medicina do trabalho por parte das empresas terceirizada em relação a seus empregados (sem contar o fato de que as empresas principais não se preocupariam com esse aspecto), o que tem ocasionado aumento considerável dos acidentes de trabalho; d) precarização da relação de trabalho, com altos índices de rotatividade da mão de obra terceirizada, a par da inadimplência reiterada das empresas contratadas pelo setor público, sem a responsabilização da administração pelos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados, o que transferiria os riscos da atividade econômica para o empregado.

Para mudar esse quadro, segundo o próprio Ministro, não é possível reverter o fenômeno econômico da terceirização que vai de encontro com a especialização das empresas, desenvolvimento tecnológico e competitividade empresarial próprio da economia de mercado. O que deve ser exigido é a intervenção estatal para disciplinar o fenômeno no que atenta contra os direitos dos trabalhadores. 4.2 Dos requisitos necessários para a contratação de empresas privadas na Administração Pública Para evitar que a Administração Pública contrate empresas inidôneas é necessário um maior controle e rigor nos contratos e parcerias com o setor privado. Nesse sentido, a Lei nº 8.666/93, impõe ao Estado que estabeleça o processo de licitação ao contratar com as empresas privadas. E determina ainda a fiscalização do cumprimento dos direitos trabalhistas dos terceirizados. A licitação, quando respeitados os princípios da impessoalidade e da legalidade presentes na esfera pública, é uma tentativa de assegurar a concorrência entre as melhores empresas, para garantir que os serviços contratados serão rigorosamente executados. Porém, não é suficiente que o ente público faça licitação, é preciso fiscalizar a prestação de serviços posteriormente.

310

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Importante instrumento foi criado recentemente, pela Lei nº 12.440 de 07 de julho de 2011, a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas, apresenta-se como requisito para contratação de empresas pela Administração Pública. Segundo mudanças trazidas pela nova Lei, tem-se a inclusão nos artigos 27 e 29 da Lei nº 8.666/93, exigências para que a empresa particular estabeleça contratos com a Administração Pública. Conforme Almeida (2011): Em relação às exigências supracitadas, o inciso IV do artigo 27 da Lei de Licitações passou a ter a seguinte redação: Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a: (...) IV – regularidade fiscal e trabalhista; Já ao artigo 29 da mesma Lei foi acrescentado o inc. V, o qual versa da seguinte forma: Art. 29. A documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista, conforme o caso, consistirá em: (...) V – prova de inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1 de maio de 1943. A Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas introduzida pela Lei nº 12.440/2011 e citada na nova redação da Lei de Licitações esta regulamentada no art. 642-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), in verbis: Art. 642-A. É instituída a Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas (CNDT), expedida gratuita e eletronicamente, para comprovar a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho. § 1o O interessado não obterá a certidão quando em seu nome constar: I – o inadimplemento de obrigações estabelecidas em sentença condenatória transitada em julgado proferida pela Justiça do Trabalho ou em acordos judiciais trabalhistas, inclusive no concernente aos recolhimentos previdenciários, a honorários, a custas, a emolumentos ou a recolhimentos determinados em lei; ou II – o inadimplemento de obrigações decorrentes de execução de acordos firmados perante o Ministério Público do Trabalho ou Comissão de Conciliação Prévia. 311

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL § 2o Verificada a existência de débitos garantidos por penhora suficiente ou com exigibilidade suspensa, será expedida Certidão Positiva de Débitos Trabalhistas em nome do interessado com os mesmos efeitos da CNDT. § 3o A CNDT certificará a empresa em relação a todos os seus estabelecimentos, agências e filiais. § 4o O prazo de validade da CNDT é de 180 (cento e oitenta) dias, contado da data de sua emissão.

Não obstante, a exigência de licitação, ser a empresa idônea, com emissão de Certidão Negativa de Débito Trabalhista,

acrescente-se, ainda a prudente

comprovação pelo administrador público das informações fornecidas pela empresa sobre o seu capital através da Declaração do Imposto de Renda. Cabe aos cidadãos exigir transparência nas contratações entre entes do poder público e o setor privado. Pois, só assim é possível a observação dos princípios da Administração Pública, como a impessoalidade a legalidade e a eficiência desses contratos. Bem como, ao Ministério Público e o Tribunal de Contas, entre outros. 4.3 A terceirização e a fiscalização da execução dos serviços prestados O art. 67 da Lei nº 8.666/93, exige que a execução do contrato seja acompanhada

e

fiscalizada,

por

um

representante

da

Administração.

Funcionário/servidor designado formalmente, cuja tarefa é verificar se os serviços estão sendo prestados no local do contrato. A tarefa engloba a fiscalização da correta utilização de materiais e equipamentos, para assegurar a qualidade dos serviços, evitando desperdícios e acidentes de trabalho, decorrentes de situação de trabalho degradantes. Ainda, cabe ao responsável em fiscalizar os contratos com empresa terceirizada, solicitar comprovantes mensais de depósito de obrigações trabalhistas e previdenciárias do mês anterior. Certificar-se que a empresa está pagando aos funcionários o mínimo exigido na Convenção Coletiva de Trabalho. Cabe ressaltar, que da maneira como a Súm. n. 331 do TST, inciso V, esta redigida, os entes da federação só respondem em caso de conduta culposa no descumprimento da Lei de Licitações. Se o ente público provar que cumpriu todos os 312

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL requisitos do processo licitatório e agiu com zelo e rigor ao cumprir tal lei, não responderá pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas pela empresa terceirizada. O que é necessário ser feito é uma revisão da súmula e ainda a criação de uma lei para frear as terceirizações. Com o escopo de responsabilizar objetivamente os entes públicos e seus dirigentes, por todo e qualquer inadimplemento dos direitos trabalhistas, para manter vivo o princípio da valorização do trabalho humano. 4.4

Da

necessidade

de

disciplina

específica

para

a

terceirização

na

Administração Pública A utilização do instituto da terceirização está amplamente difundida no setor privado como também na Administração Pública, sendo difícil extirpá-lo da dinâmica do mercado globalizado. Infelizmente, as mudanças trazidas pelas alterações da Súm. n. 331 do TST, não contribuíram em nada para a proteção do trabalho humano. Entre as possíveis alterações na disciplina da terceirização na Administração Pública é fundamental pensar na responsabilidade solidária do ente tomador de serviços. Como menciona Oliveira (2011, p.104): (...) Defendendo-se aqui uma responsabilidade solidária do tomador, diferente do que atualmente vem sendo defendido nos tribunais.

A solidariedade vincula os vários sujeitos da relação jurídica à satisfação da obrigação assumida, muito mais abrangente que a responsabilidade subsidiária que só obriga à contratante se a contratada terceirizada inadimplir com as obrigações trabalhistas. A determinação da responsabilidade solidária entre os sujeitos da relação contratual na terceirização poderá contribuir para frear a utilização em larga escala do instituto da terceirização, na prestação de serviços públicos.

313

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Dessa forma, o trabalhador terceirizado poderá acionar diretamente a Administração Pública na justiça do trabalho, aquela que tem mais condições de assumir o pagamento das obrigações trabalhistas devidas. Outra forma de inibir as recorrentes terceirizações realizadas pelo poder público seria instituir-se a responsabilização pessoal do administrador público que teria que ressarcir os cofres públicos, caso fosse omisso no seu dever de observar a idoneidade das empresas privadas com quem contrata. Mais rigor na punição, com conseqüências administrativas, civis e penais para coibir futuras fraudes nos contratos de terceirização com a iniciativa privada. A lei da terceirização na Administração Pública deve regulamentar desde o início, o processo de licitação, a obrigação de fiscalizar e a punição daqueles que não agem com obediência aos preceitos legais. Nas palavras de Martins Filho (2011, p. 5 e 6): Nos dias 4 e 5 de outubro de 2011, o Tribunal Superior do Trabalho realizou pela primeira vez, em sua historia, uma audiência pública, para coleta dos elementos técnicos necessários a uma melhor compreensão socioeconômica do fenômeno da terceirização. O objetivo traçado pelo Presidente do TST, Ministro João Oreste Dalazen, que em louvável iniciativa convocou, era o esclarecimento da Corte, na esteira do que já tem sido feito pelo STF, com vista ao embasamento fático, das decisões judiciais, apontando os caminhos da legalidade dessa moderna forma de organização empresarial.

A discussão promovida nessa audiência mostra, em primeiro lugar, o interesse da sociedade sobre o tema, e, ainda que, é possível um debate sobre o tema a fim de construir a sua regulamentação. Apontando vantagens e desvantagens, seus perigos e necessidade de adequação aos direitos dos trabalhadores, segundo o Ministro Ives Gandra. A PEC nº 133/2012 é um avanço no sentido de regulamentar os processos de terceirização no setor público, principalmente no que se refere à terceirização na área da saúde, propondo alteração no art. 197 da CF.:

314

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Art. 197 São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente pelo Estado. Parágrafo Único. Fica vedada a terceirização da mão de obra de serviços e de ações de saúde pública, salvo tratados e acordos internacionais.

Os danos decorrentes da terceirização na área da saúde são inúmeros. Dentre outros, cite-se a falta de treinamento dos profissionais, causando insegurança aos pacientes, baixa remuneração e precarização do trabalho. Embora a PEC nº 133/2012 sinalize mudanças positivas, que contou com o envolvimento de um parlamentar indignado com os abusos da Administração Pública na utilização de formas terceirizantes, principalmente na área da saúde. A sociedade civil deve participar com mais fóruns de debate e novas propostas de lei. 5 Conclusão A Súmula n. 331 do TST que regulamenta a terceirização na seara trabalhista, é o único instrumento de controle institucionalizado a respeito do tema, principalmente na esfera pública, vem contribuindo pouco para a melhora das condições de trabalhlo e garantia de remuneração justa ao trabalhador. E ainda, não é eficiente ao responsabilizar o ente público pelo inadimplemento de verbas trabalhistas, posto que isto ocorre apenas quando restar comprovada sua culpa. Ou seja, na medida em que o ente público deixa de cumprir o seu dever de fiscalizar o processo licitatório e a realização dos serviços em si. No plano da Administração Pública a súmula sofreu um abrandamento da sua atuação ao disciplinar de modo diferenciado a responsabilidade do tomador de serviços, empresa privada e ente público. Isto porque, a empresa privada continua a responder objetivamente ao inadimplemento das verbas trabalhistas e previdenciárias praticadas pela empresa terceirizada, enquanto que o ente público só responderá por esse inadimplemento se o empregado provar sua culpa no feito. É sabido que o trabalhador, por vezes, sofre diversos prejuízos à sua 315

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL integridade física, psíquica e remuneratória quando é empregado terceirizado. A terceirização trabalhista realizada de modo irregular resulta na precarização do trabalho, pois seus salários são reduzidos, não há treinamento e nem são fornecidos equipamentos de segurança. Além disso, muitas empresas terceirizantes são empresas de fachada, recebem os valores do contrato e não repassam aos empregados nenhuma verba salarial. Os prejuízos na Administração Pública também passam pela precarização do trabalho e vão além, causando prejuízos ao erário que, muitas vezes, acaba por arcar com o inadimplemento praticado pela empresa terceirizada. Sem falar no abuso da pratica terceirizante para tapar o buraco da falta de mão de obra, resultado da escassez de funcionários e inexistência de concursos públicos na promoção de um trabalho digno e com isso facilitando o nepotismo, a corrupção e o apadrinhamento. Ao Estado compete reprimir os abusos praticados pelas empresas inidôneas que estão atuando no mercado. Mas, ao revés, o que se vê é um Estado que contrata cada vez mais com terceiros e estabelece parcerias com organizações sociais que colocam em xeque o papel fundamental que deveria ser desempenhado pelo Estado, ou seja, de promoção e defesa do interesse público. A dificuldade em responsabilizar o ente público agravada pelas mudanças na Súm. n. 331 do TST, somada a falta de vontade política em resolver os problemas decorrentes da terceirização exigem uma reforma na legislação pátria, trazendo maior segurança aos que dependem do trabalho para sobreviver. Embora haja abusos praticados pelos administradores no processo de contratação de serviços terceirizados e parcerias com o setor privado, há algumas ações que indicam possíveis avanços na legislação. Como é o caso da PEC n. 133/2012 que tramita no Congresso e visa proibir a terceirização no setor da saúde pública. E, recentemente, a audiência pública, realizada pelo TST, para debater o tema, demonstrando que há interesse dos sindicatos e organizações sociais em reverter o quadro de violações aos direitos dos trabalhadores sofridos com a má condução dos processos de terceirização. Portanto, sendo inviável proibir a terceirização, tão relevante para o processo de especialização exigido no mercado. É indispensável a organização de uma 316

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL legislação sobre o tema, para que os responsáveis pelos prejuízos dos trabalhadores sejam punidos pela omissão de zelar pelo cumprimento do contrato, de forma objetiva como reza o art. 37, § 6º da CF/88. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Letícia Grassi de, Terceirização nas relações de trabalho: sua aplicação diante da nova realidade econômica. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Graduação em Direito) - Universidade Estadual de Londrina, Londrina-PR. BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4 ed. São Paulo: Ltr, 2008. BRAMANTI, Ivani Contini. A Aparente Derrota da Súmula 331/TST e a Responsabilidade do Poder Público na Terceirização. Revista Síntese Trabalhista e Previdneciária. São Paulo-SP, volume 23, número 266, agosto de 2011. BRASIL. Constituiçao (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 2. ed. São Paulo: RT, 2012. BRASIL. JusBrasil. Disponível em Acesso em 27 de fevereiro de 2012.27 de fevereiro de 2012. DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Ltr, 2011. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Direito Administrativo. Ed. 17. – São Paulo: Atlas, 2004. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella, Parcerias na Administração Pública. Ed. 4. – São Paulo: Atlas, 2002. MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. O fenômeno da terceirização e suas implicações jurídicas. Revista Magister de Direito do Trabalho, Porto Alegre - volume 44, set/out. 2011. MARTINS, Sergio Pinto. A terceirização e o Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Atlas 2010. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22 ed. – São Paulo: Malheiros, 2007. MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira; Rocha, e Ana Marques. As Novas Perspectivas da Terceirização Trabalhista no Brasil: Análise dos Mecanismos Jurídico317

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Retificadores sob a Ótica da Jurisprudência do TST. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. São Paulo-SP, volume 23, número 266, agosto de 2011. OLIVEIRA, Lourival José de, Direito do Trabalho Segundo o Princípio da Valorização do Trabalho Humano: estudos dirigidos para alunos de graduação. São Paulo: Ltr, 2011. SILVA, Antônio Álvares da. Flexibilização das Relações de Trabalho. São Paulo: Ltr, 2002. SILVA, Patrícia Pinheiro. Terceirização nos Serviços Públicos. Revista Magister de Direito do Trabalho, Porto Alegre - volume 44, set/out. 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO: INICIATIVA PRIVADA E GESTÃO DO JUDICIÁRIO ECONOMIC DEVELOPMENT: PRIVATE INITIATIVE AND MANAGEMENT OF THE JUDICIARY Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira – UNIMAR – [email protected] Angelo Fadoni – UNIMAR- [email protected] Resumo: Em relação ao desenvolvimento econômico, iniciativa privada e gestão do judiciário, demanda-se centralizar a investigação em relação à atuação da empresa na ordem jurídico-econômica enquanto sujeito de direito econômico, considerando de outra parte a eficiência e celeridade do poder judiciário à realização de seus afazeres em relação à tutela jurisdicional dos interesses empresariais. Palavras-chave: desenvolvimento econômico; iniciativa privada; gestão do judiciário. Abstract: In relation to economic development, private enterprise and management of the judiciary, to demand centralize research regarding the company‟s performance in the legal-economic as subject to economic law, whereas another part of the efficiency and speed the judiciary to performing their duties in relation to judicial protection of corporate interests. Keywords: economic development; private sector; management of the judiciary. Introdução Cumpre inserir e colaborar com a crucial tarefa de contribuir ao debate sobre a tutela jurisdicional eficiente em relação à empresa privada suficiente à caracterização de uma ordem jurídico-econômica apta ao desenvolvimento econômico em bases solidas para assegurar as transformações ocorridas e necessárias ao bem estar coletivo. Dever constitucional do Estado e direito dos cidadãos, o acesso à Justiça, a democratização e a transparência na prestação jurisdicional são, sem dúvida, pautas das instituições nacionais. No plano da investigação jurídica, a guisa de conhecimento atualizador, necessário se faz debater as complexidades, apreendendo os fatos, num exame crítico e construtivo, teoria e prática para uma Justiça efetiva com condições técnicas e eficaz de realizar o seu respectivo mister com ênfase para o núcleo referido. Revisão de Literatura A investigação temática como proposta tem por ancoragem a importância e realidade da atuação da iniciativa privada em relação à ordem econômica e o 319

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL desenvolvimento econômico indispensável ao país. De salientar que “a ordem jurídica pode cometer a organização da produção preferencialmente à iniciativa privada ou ao poder público.” (CAMARGO, 2010, p.14), enquanto que a empresa, “também centro de poder, com todos os elementos inerentes a uma instituição” (CAMARGO, 2010, p. 18), comparece nessa triangulação demandando análise ponderada de seu relevo para a ordem econômica. “O argumento de que em uma economia de mercado as empresas estão em pé de igualdade e, portanto, o pretenso absolutismo de seu poder seria freado pelo próprio mercado não tem a menor procedência” (CAMARGO, 2010, p.19) traduzindo uma “tática que, ao ignorar o problema da distribuição real do poder no interior da sociedade, neutraliza a questão da legitimidade e reduz a utilização dos mecanismos de defesa da concorrência à proteção da „autonomia da vontade‟ no sentido tradicional dos Direitos Civil e Comercial.” (SCHUARTZ, 1997, p. 91). Cabe observar que o “fenômeno associativo produz resultados que nem o próprio Estado poderia atingir, por si só. O desenvolvimento da “atividade econômica, especificamente, sob a forma associativa, permite a multiplicação da riqueza privada e pública, com repercussão sobre terceiros, empregados, comunidade etc.” (JUSTEN FILHO, 1.987,49). Induvidoso, o papel importante da atuação empresarial na cena econômica superando, sem substituir, o próprio Estado. As garantidas constitucionais à propriedade empresarial privada, capeada pelos princípios da livre iniciativa e livre concorrência, definem o lócus constitucional das condições de possibilidades para a empresa desempenhar seus afazeres, impondo, a um só tempo, limites necessários. Nesse sentido, a crítica procedente aponta para o enfrentamento do risco causado por atitudes empresariais perniciosas, que possam exorbitar o plano das liberdades em flagrante retomada dos dogmas e fundamentos liberais capazes, sem dúvida, de comprometer as premissas referentes à busca das igualdades, no contexto das obrigações empresariais, visando o equilíbrio de tais relações - amparadas pelo Estado Democrático - tendo por preocupação a centralidade da insurgência contra a perpetuação dos chamados “donos do poder”. “Cremos, então, demonstrado que o poder econômico empresarial constitui uma realidade que não se pode negar, vez que por toda parte, até nas corporações de direito privado, as decisões são devidas a um poder”, ainda que se tome um quadro ideal de economia de mercado, em que dito poder se torna desprovido de freios, limitando-se a ação estatal a impedir a erosão do sistema pela manutenção da ordem pública (CAMARGO, 2010, p. 22). A cooperação entre Estado, mercado, sociedade e Judiciário concorre para o enfrentamento do que poderia ser considerado como retrocesso,vindo a ocorrer, permanecendo a expectativa de movimentos fortes e suficientes ao enfrentamento desta complexidade decorrente do conflito entre “poderes”. Assim, a atuação do Poder Judiciário, neste contexto, torna-se relevante na medida em que uma das perspectivas principais se volta ao debate sobre a eficiência e à celeridade na prestação jurisdicional em relação à tutela dos interesses empresariais, considerando o equilíbrio indispensável ao exercício de tais atividades. Nada obstante, os temas são mais extensos e devem principiar por uma retomada da principiologia constitucional e também para a redefinição do papel do Estado, bem 320

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL como para o campo da interlocução entre interesse público e privado, interesses individuais e coletivos. Resultados e Discussão A oportunidade e necessidade de tal abordagem se impõem ainda mais ao verificar que se pretende trazer para o campo investigativo o viés constitucional, como o fez reforma recente, a inserção do inciso LXXVIII no artigo 5º da Constituição Federal de 1;988, estatuindo que a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade da sua tramitação. Principia-se aí um dos pilares da gestão da justiça e a efetivação da tutela constitucional dos direitos individuais e coletivos. O contexto indica para além da Carta Magna, uma revisão crítica e construtiva do ambiente jurídico diante dos desafios. São trazidas à colação as possibilidades da gestão do Judiciário, considerando a eficiência institucional, ou não, comprometida com o interesse empresarial, bem assim a finalidade em prol de soluções adequadas em relação à iniciativa privada e desenvolvimento econômico. Compete ao Judiciário atuar de forma competente na decisão de demandas para garantir o exercício da atividade empresarial buscando harmonizar o poder da grande empresa, considerando a capacidade expressiva dos mecanismos e instrumentos de que dispõe, podendo subordinar a seu interesse exclusivo o da própria coletividade. Os instrumentos processuais, a dinâmica do juízo de decidibilidade e a hermenêutica constitucional, possibilitam ao Judiciário: a um, decidir demandas dirigidas à redefinição do exercício do poder econômico empresarial, preservando as condições reservadas à livre iniciativa, sem incorrer em excessos, considerando o relevante perfil da empresa como sujeito de direito econômico, apta a gerar de empregos, produzindo bens e serviços; a dois, contribuir com a regulação e verificação do atendimento de certos requisitos indispensáveis à atuação empresarial, coibindo tratamento privilegiado e colaborando para a realização dos valores econômicos e sociais. Conclusão Os fundamentos constitucionais são imprescindíveis ao fomento e coerência do desenvolvimento econômico em relação à demanda das ações indispensáveis a iniciativa privada congruente em seus afazeres. Avulta a importância da atuação do Poder Judiciário brasileiro em relação ao desenvolvimento econômico como meio assecuratório de melhor desempenho neste segmento, sendo que a construção jurisprudencial vem sendo decisiva no sentido orientar a preservação da exploração da atividade empresarial de forma adequada, indicando coordenadas de cooperação, equilíbrio, coibindo o abuso de direito. Compete ao Estado implementar a modernização do sistema judiciário como instrumento imprescindível para alcançar 321

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL as metas de qualidade, celeridade e eficiência da prestação jurisdicional em relação ao segmento empresarial. Referências CAMARGO, Ricardo Antônio Lucas. A Empresa na ordem jurídica-econômica.Porto Alegre:Sergio Antônio Fabris Ed. 2010. JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no Direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. SCHUARTZ, Luís Fernando. Dogmática jurídica e a Lei 8.884/94. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo, v. 37, 1997.

322

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INTERVENÇÃO ESTATAL NO DOMINIO ECONOMICO: JUDICIÁRIO COMO IMPLEMENTADOR DAS POLITICAS ECONOMICAS STATE INTERVENTION IN TE ECONOMIC DOMAIN: JUDICIARY AS IMPLEMENTER OF ECONOMIC POLICIES Aroldo Bueno de OLIVEIRA, Universidade de Marília (UNIMAR), e-mail: [email protected], Jussara Suzi Assis Borges Nasser FERREIRA, Universidade de Marília (UNIMAR), e-mail: [email protected] Grupo de Pesquisa Desenvolvimento Econômico: Iniciativa Privada e Gestão do Judiciário Resumo: Este apresenta estudo sobre o planejamento estatal no período de estabilização da moeda (Plano Real), conjuntamente com um estudo de casos das decisões do Supremo Tribunal Federal. Busca-se investigar dentro de um conceito metodológico qualitativo a motivação da Corte Suprema sobre às decisões implementadas e a responsabilidades aferidas ao Estado pela política monetária adotada. Palavras-chave: Planejamento; Plano Real; Julgados. Abstract: This study presents the state planning during the stabilization of the currency (the Real Plan), together with a case study of the decisions of the Supreme Court. We seek to investigate within a qualitative methodological concept of motivation on the Supreme Court decisions implemented and measured the State responsibilities for monetary policy adopted. Keywords: Planning, Real Plan; Courts 1. Introdução Antes de adentrar ao tema convém esclarecer alguns conceitos primários acerca do assunto. Emprestando das Ciências da Administração, temos que a expressão planejamento pode ser conceituada como: Planejamento é um processo contínuo e dinâmico que consiste em um conjunto de ações intencionais, integradas, coordenadas e orientadas para tornar realidade um objetivo futuro, de forma a possibilitar a tomada de decisões antecipadamente. Essas ações devem ser identificadas de modo a permitir que elas sejam executadas de forma adequada e considerando aspectos como o

323

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL prazo, custos, qualidade, condicionantes. 81

segurança,

desempenho

e

outras

Adicionando a este entendimento o viés econômico, planejamento econômico é o estabelecimento de objetivos globais a serem alcançados pela economia em períodos previamente fixados. Utilizado principalmente por governos e que se destina a propiciar aos vários setores econômicos a orientação que julga adequada ao cumprimento dos propósitos que tenham sido fixados em sua política econômica. O primeiro objetivo do planejamento econômico é disciplinar a atividade produtiva para promover o desenvolvimento econômico como um todo, impedindo a depressão nos negócios e estimulando o desenvolvimento e o progresso do Estado sendo uma formulação sistemática de uma série de decisões que se interrelacionam e exprimem os objetivos do País. Surgido quando o liberalismo econômico, característico do Estado Liberal, foi substituído pela conclusão da necessidade de o Estado, por meio de seus órgãos, intervirem no funcionamento do mercado, com o que foi reconhecido o seu papel fundamental para garantir o desenvolvimento da economia, o planejamento econômico assumiu papel relevante porque possibilitava indicar caminhos para os diversos setores da economia. O processo de planejamento econômico se inicia a partir de um diagnóstico preciso da situação real do País sobre quais se estabelecem as metas para atingir, quais meios para alcança-la, quais instrumentos podem ser usados e quais os mecanismos de correção, se forem necessários. As correções e/ou alterações devem ocorrer porque a avaliação econômica que subsidia o planejamento econômico se refere a estimativas futuras e está sujeita a equívocos que podem gerar a necessidade de ajuste. Além dos diversos fatores econômicos, o planejamento (econômico) deve considerar as condições sociopolíticas do País no momento da sua implantação efetiva, porquanto vários aspectos sociais e econômicos podem ser atingidos direta e imediatamente (emprego, consumo,

81

SAMPAIO, Marcio Eduardo Corrêa Sampaio. Disponível em: http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/o-que-e-planejamento/39381/. Acesso em 20 dez. 2011.

324

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL preços, oferta, etc.) com a implementação de medidas econômicas e alterar significativamente as condições de vida da população. Sem qualquer compromisso ideológico, o planejamento econômico não é apenas um instrumento capitalista: é um instrumento cuja utilização pode resultar negativa ou positiva para esta ou aquela classe social, ou para o conjunto da sociedade, segundo a orientação e a eficiência com que for manejado. Assim, acompanhando as palavras do Prof. Gilberto Bercovici82, o planejamento é absolutamente necessário para a promoção do desenvolvimento, devendo as atividades do Estado ser coordenadas de modo a propiciar o desenvolvimento econômico e social. Esta coordenação ocorre por meio do planejamento, que não se limita a definir diretrizes e metas, mas determina, também, os meios para a realização destes objetivos. O Prof. Almiro Couto e Silva (in texto de Lucia Valle Figueiredo – O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente de planejamento) classifica o planejamento estatal econômico em três categorias: A primeira, dos planos chamados Indicativos, nos quais o governo apenas assinala em alguma direção, sem assumir quaisquer compromissos e sem pretender que a iniciativa privada os siga. Na segunda, dos planos Incitativos, o governo não apenas sinaliza, mas pretende que a iniciativa privada se comprometa a segui-lo para que os fins sejam atingidos. Neste tipo de plano o governo, muitas vezes, faz promessas sob vários aspectos, seja por meio de incentivos ou outros instrumentos para estimular a iniciativa privada a colaborar. Aqui os governados aderem por força da confiança, lealdade e boa-fé que têm no governo. Na última categoria, a dos planos chamados Imperativos, o governo define o que deve ser observado pelos administrados, não deixando margem à escolha. Sem alternativa, a iniciativa privada terá que adaptar-se para cumprir os propósitos. Neste tipo de plano é que surge, sem sombra de dúvidas, a responsabilidade integral do Estado, que adiante será tratada. De fato, tais planos não podem ser modificados, extintos ou sofrer qualquer tipo de alteração a bel prazer dos governantes, 82

BERCOVICI, Gilberto Bercovici. Desigualdades regionais, estado e constituição, São Paulo: Editora Max Limonad, p. 191.

325

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL porquanto os administrados do Estado têm o direito de confiar em seu governo e este deve agir com boa-fé. Vê-se que o planejamento econômico, deve levar em conta o aspecto técnico das possibilidades econômicas e suas análises, mas é um processo político, porque busca a transformação nas estruturas sociais e econômicas, aproximando a realidade dos objetivos políticos e ideológicos perseguidos pela Constituição. No caso brasileiro, a Constituição traz em seu bojo a enumeração do que deve ser buscado nos mais diversos aspectos (Art. 3º e 219 da CF, por exemplo). Historicamente, como bem colocado por Bercovici83, o Brasil não se saiu bem no planejamento global das atividades do Estado, sendo que em 1980 o planejamento foi abandonado. Discorrer sobre o tema, por ora é desnecessário. Com a promulgação da Constituição de 1988 o planejamento econômico ganha novas possibilidades, porquanto instituído um sistema de planejamento com grande participação do Poder Legislativo e vinculação do plano ao orçamento e aos fins enunciados no mesmo texto constitucional. Ocorre que o artigo 174, §1º, da CF, determina que deva existir o estabelecimento de legislação sistemática para o planejamento, o que ainda não ocorreu. Resta apenas a aplicação do artigo 165 e seus parágrafos que determinam resumidamente a forma como deve ocorrer o planejamento. A previsão legal se encontra na Constituição Federal, no artigo 174 (o Estado brasileiro), bem como no artigo 25, § 3º (os Estados federados) e no artigo 30, inciso III (os Municípios). A Constituição Federal estabelece no artigo 165, três instrumentos que devem compor o planejamento: o plano plurianual, as diretrizes econômicas e o orçamento. Mas não se encontra na legislação infraconstitucional, como dito, a descrição da forma de o planejamento ocorrer, salvo pela existência da Lei 4.320/64 que estabelece a forma como deve ser elaborado o orçamento. Por isto tudo, é de se concluir que em nosso País não existe planejamento econômico global há muito tempo. Na verdade o que ocorre é a redução do planejamento econômico ao nível

83

BERCOVICI, Gilberto Bercovici. Desigualdades regionais, estado e constituição, São Paulo: Editora Max Limonad, p. 196-204.

326

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de simples orçamento financeiro, o que não corresponde à própria definição de planejamento econômico. O Prof. Gilberto Bercovici84 afirma: “O planejamento coordena, racionaliza e dá uma unidade de fins à atuação do Estado, diferenciando-se de uma intervenção conjuntural ou casuística”. Esta a diferença de planejamento econômico e plano econômico – não se trata de simples semântica. De fato, os planos econômicos (bem designados com esta expressão porque não se trataram de planejamento econômico) ocorridos nas décadas de 80 e 90 foram ações temporais de caráter imperativo (segundo a classificação, já apresentada, do Prof. Almiro Couto e Silva) visando resolver problemas localizados – ainda que de grande repercussão (inflação, v.g.) e estes intervieram violentamente na sociedade, obrigando-a a seguir os enunciados governamentais sob pena de, cometendo antijuridicidade, sofrer sanções. O aspecto dos efeitos da intervenção estatal por meio planejamento econômico e a possibilidade de o Estado ser responsabilizado extra-contratualmente serão adiante tratados. 2. A Responsabilidade Extracontratual do Estado Seguindo os estudos da Lucia Valle Figueiredo85, no entendimento de doutrina e jurisprudência, o Estado é responsável extracontratualmente pela sua intervenção no domínio econômico, respondendo inclusive pela prestação jurisdicional retardada que acaba por configurar denegação de Justiça. Entretanto, preliminarmente, necessário se faz definir o conceito de responsabilidade civil do Estado. Segundo Hely Lopes Meirelles: Responsabilidade civil da Administração Pública é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a 84

BERCOVICI, Gilberto Bercovici. Desigualdades regionais, estado e constituição, São Paulo: Editora Max Limonad, p. 192. 85 FIGUEIREDO, Lucia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do estado por dano decorrente do planejamento. Revista Trimestral de Direito Público. p. 5-20.

327

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e legal. 86 Do ponto de vista do Prof. Juarez Freitas87, a responsabilidade extracontratual do Estado precisa ser reequacionada para, a um só tempo, incentivar o cumprimento das tarefas estatais defensivas e positivas e reparar os danos juridicamente injustos. Trata de duplo movimento, que consiste em assimilar a proporcionalidade como proibição de excessos e vedação de inoperância ou injustificável fuga dos deveres objetivamente estabelecidos. No país entre as décadas de 80 e 90 elaborou vários planos econômicos, visando principalmente: i) estabilização monetária, ii) aumento do poder aquisitivo da moeda, iii) evitar a corrosão inflacionaria nos salários e iv) controle da crise fiscal. Tal estabilização – fato inédito na América Latina-, sendo elevado ao status de bem público. Entretanto até chegar à estabilização, no transcorrer deste percurso, várias medidas foram tomadas, sendo estas contestadas pelos agentes econômicos na esfera Judiciária, em detrimento ao Estado que interferiu sobremaneira no ambiente econômico, alterando diferentes modalidades de contratos, sacrifício este em prol de “domar o dragão inflacionário” que corroia a economia nacional. O Poder Judiciário, na figura do Supremo Tribunal Federal, coube a função de auferir legitimidade à política econômica adotada por determinado governo, assegurando no mesmo modo os direitos individuais. José Afonso da Silva 88 ensina que planejamento é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. No entendimento de Lourival Vilanova89, o desenvolvimento da sociedade moderna não seria possível sem ciência, tecnologia e um mecanismo de poder

86

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32. ed., atualizada até Emenda Constitucional 51, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 647. 87 FREITAS, Juarez. Responsabilidade civil do Estado e o princípio da proporcionalidade. Disponível em

<

http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/index.htm?http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao0 09/>. Acesso em 18 ago. 2010. 88 SILVA, Jose Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 6ª. ed. revista e ampliada, pp. 774. 89 VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos, volume (2) - São Paulo: Axis Mundi: IBET, 2003. p. 476.

328

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL controlador do processo de desenvolvimento econômico. Este poder controlador no Estado Democrático de Direito emana das esferas Legislativa e Executiva. Seguindo seu

raciocínio,

o

planejamento,

na

forma

técnica

de

racionalização

do

desenvolvimento por parte do Estado, normalmente acaba por submeter os agentes às restrições do bem estar social, perdendo proteções jurisdicionais que no direito subjetivo erga omnes desfrutava; neste sentido, o Estado será submetido ao ordenamento, sendo seus atos de poder susceptíveis de apreciação judiciária. Todavia, essa “apreciação judiciária” não está sujeita somente às leis. Em um Estado Democrático de Direito, outras características são essenciais para dar legitimidade a essas decisões, quais sejam: a separação dos poderes, a existência de “freios e contrapesos”, e principalmente de um Poder Judiciário imparcial, dotado de prerrogativas para exercício de uma magistratura independente. Neste ínterim, no entendimento do ilustre constitucionalista Jose Afonso da Silva 90 outros valores e/ou princípios agregam-se para fornecer legitimidade aos atos praticados por esse Estado,

com

vistas

ao

bem

da

coletividade

como

os

princípios

da

constitucionalidade, democrático, justiça social, sistema de direitos fundamentais, igualdade, divisão de poderes, legalidade e principio da segurança jurídica. Nestes princípios, chamados vetores constitucionais se reporta toda e qualquer tomada de decisão dos Três Poderes, sendo que, tudo que estiver na Constituição como vetor deverá ser respeitado, ou seja, a vinculação Administrativa à lei. Desta feita, quaisquer atos administrativos sejam eles praticados pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, são passíveis de responsabilidade estatal, guardados os critérios de razoabilidade, aferindo sua constitucionalidade ou inconstitucionalidade. Saindo dos planos econômicos para os dias atuais, a insuficiência (ou ausência) de planejamento da Administração Pública através de políticas ineficazes em várias áreas de sua responsabilidade (saúde, educação, segurança pública, infra-estrutura), são causadores de danos materiais e morais não somente à iniciativa privada, mas aos brasileiros. Como exemplo da (ir) responsabilidade extracontratual do Estado colhidos em nosso cotidiano, podemos citar o “gargalo 90

SILVA, Jose Afonso. Op. Cit., p. 107-108.

329

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL estrutural” que passa o sistema aéreo brasileiro, uma vez que, apesar dos acidentes ocorridos em 200691 e 200792, e da responsabilidade estatal dos danos causados pesarem sobre a INFRAERO, ainda não se visualizou um solução em nível de planejamento, por parte da Administração Pública como noticiado nos jornais 93 e revistas deste país. Imperioso se faz pelo Estado de modificar o planejamento neste setor pelos novos interesses públicos a concretizar94. Entretanto, necessário verificar as reais possibilidades do Estado, nos diversos segmentos que atua, para evitar o desencadeamento indenizatório por parte de particulares pela falta de compromissos não mantidos. Deste planejamento, as decisões administrativas políticas legítimas ou

ilegítimas,

indubitavelmente

passam

pelos

postulados

protegidos

constitucionalmente, como o segurança jurídica, razoabilidade, proporcionalidade e motivação. Tais postulados são os controles discricionários95 dos atos políticos de toda e qualquer administração que interfira na sua coletividade. No domínio econômico, por exemplo, a exata dimensão da suplementariedade da atividade estatal nunca foi questionada, face estar delimitada no art. 173 da Carta Magna. Antes dela, o Estado criava empresas sem critérios, uma vez que tais questões não passavam pelo crivo do Judiciário, situação que evoluiu para a afirmação de sua competência para o controle de toda atividade administrativa que invadisse o mérito das decisões discricionárias. Com a apresentação dos vetores e postulados constitucionais que permeiam a administração pública, percebemos que toda intervenção estatal por meio de planejamento econômico gera responsabilidade extracontratual ao Estado, desde que seus atos não sejam motivados de modo razoável e lógico, não respeitando a boa-fé da Administração. Que a responsabilidade do Estado é planejar 91

Acidente do Boeing 737 da Gol no MT. Falhas técnico-operacionais do sistema de controle aéreo. Acidente do Airbus A320 da TAM. Falhas na Pista. 93 Notícia vinculada no Jornal Estado de São Paulo em 16.05.2010. Disponível em http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100516/not_imp552363,0.php. Acesso em 18 ago 2010. 94 Copa 2014 e Olimpíadas 2016, por exemplo. 95 Trata-se da competência-dever do Administrador, que após o caso concreto, após a interpretação, valorar dentro de critérios de razoabilidade e afastado de seus próprios Standards ou ideologias, define qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada dentro da norma. 92

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de modo a não ocorrer atrito entre os atos praticados e as garantias constitucionais, devendo se portar na boa fé e velar pela segurança jurídica. 3. Uma Nova Perspectiva para Analise de Decisões Judiciais: O Judiciário como instituição relevante no processo de implementação das políticas de estabilização econômica O objetivo deste item é apresentar a forma como são analisadas as decisões do STF, e como foram selecionados os julgados classificados como relevante. Bem como demonstrar a importância dos julgamentos de nossa Corte Constitucional para identificar a relação entre direito e moeda, a partir análises feitas dos casos relativos às medidas implantadas pelos planos de estabilização monetária. O Poder Judiciário é responsável pela revisão dos atos dos Poderes Executivo e Legislativo no sistema de separação de poderes. O Judiciário foi e ainda hoje é utilizado como espaço de contestação por diversos agentes econômicos com a finalidade de impedir ou modificar inovações introduzidas no sistema jurídico para o controle da inflação e da construção da estabilidade monetária, que interferiram no exercício de direitos individuais para se concretizar. Portanto, foi imputado às Cortes a função de aferir a legitimidade constitucional da condução da política monetária. Neste contexto, o Judiciário passou a ter o papel de preservar as instituições democráticas, onde a aplicação concreta das normas de garantias sociais sendo elevada à categoria de constitucionais. E determinar quais são os limites para a prevalência de cada um dos interesses envolvidos, quais sejam, a prerrogativa do Estado em implementar políticas econômicas de interesse publico, e dos interesses individuais, de previsibilidade e segurança das relações jurídicas já constituídas. O caso brasileiro de judicialização da política enfrentou dois dilemas: um contexto de limitação de recursos para a realização de políticas de promoção de bem-estar social, típico de um país em desenvolvimento, e a presença de normas programáticas, que indicavam objetivos a serem perseguidos pelo Estado que, no momento de megainflação em que se encontrava, estava impossibilitado de tomar 331

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL decisão macroeconômica realmente efetiva; e, o desafio, em especial pelo judiciário, da proteção de direitos individuais, especialmente àqueles relativos à garantia constitucional da intangibilidade do ato jurídico perfeito e do direito adquirido, levado à sua apreciação, devido a violência jurídica da atuação dos poderes políticos. Numa tentativa de melhorar o contexto político-econômico brasileiro, o Estado implementou diversos planos econômicos de estabilização monetária, estruturados com medidas para reduzir incertezas quanto à estabilidade do poder aquisitivo da moeda, às transferências de renda geradas pela corrosão inflacionaria e à crise fiscal pela qual passava o Estado Brasileiro. A moeda brasileira não desempenhava de forma adequada algumas de suas funções econômicas. Diversos índices oficiais eram adotados por contratos privados de longo prazo, no intuito de permitir a preservação do equilíbrio econômico-financeiro da obrigação jurídica. Durante a década de 1980 e 1990, muitas foram as tentativas de construir uma moeda estável. O objetivo era garantir a integridade do padrão monetário, ao permitir que a moeda nacional desempenhasse na economia de mercado todas as suas funções. Acrescente-se à moeda a função de meio de pagamento, se revelando como o ativo que tem o poder jurídico liberatório, ou seja, sua entrega libera o devedor de obrigações pecuniárias. Em um processo inflacionário, a moeda tem dificuldade em servir tanto como padrão de valor, como deposito de poder aquisitivo. Assim, os planos econômicos surgiram com o objetivo de reduzir expectativas quanto ao mau desempenho desses diversos papéis. A frustração gerada pelos fracassos dos planos heterodoxos e após a implementação e relativo sucesso do Plano Real, confirmavam a expectativa e anseios sociais em torno da estabilidade de preços. Esse evento histórico confirmou um fato histórico na América Latina: a estabilidade monetária converteu-se em bem público. Até a concretização da estabilidade econômica, diversas foram às medidas de implementação contestadas no Judiciário e, em especial no STF, a partir do uso do controle de constitucionalidade. Um plano de estabilização monetária pressupõe necessariamente violência jurídica, na implementação dos seis principais planos, o Estado congelou preços de produtos-chave na economia, reteve ativos financeiros 332

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL para desaquecer a demanda, alterou a modalidade pela qual os contratos previam reajustes e determinou a forma de conversão dos ajustes privados para a nova moeda, através de leis retroativas. Apresentamos neste item de modo prolixo como STF interagiu com o ambiente político-econômico, a partir da submissão à sua apreciação dos impactos provados desses planos, e verificar ser há um modelo de decisão típico para a Corte. 3.2. Uma proposta metodológica de análise qualitativa de decisões judiciais: o recurso a um modelo especial de análise jurisprudencial A análise dos julgados é essencialmente qualitativa, uma vez que a preocupação é dirigida a identificar o raciocínio jurídico desenvolvido pelo tribunal nos casos concretos, com o auxilio dos modelos de juízes, adiante propostos e explicitados. A pesquisa tem sua importância justamente porque a analise é qualitativa e não quantitativa e estuda precisamente os argumentos disponibilizados publicamente pela Corte. Nesse âmbito, foram selecionadas algumas edecisões judiciais relevantes. Elas discutiram quatro problemas jurídico-econômicos: i) estrutura institucional do órgão de definição política monetária, ii) sistema de conversão do valor contratual de cruzeiros reais para a unidade real de valor; iii) periodicidade de previsão de correção monetária em contratos privados; e por fim iv) metodologia para o cálculo de índices de correção monetária, durante a emissão do Real. Os quatro questionamentos estavam presentes no julgamento de sete grandes casos: Composição do CMN, Reajuste de Vencimentos, Servidores do RN, INSS, Pequi, ADPF 77 e BBA. 3.3. Uma proposta de análise qualitativa de decisões judiciais: o uso de juízes de François Ost. No intuito de investigar a forma pela qual o Poder Judiciário brasileiro, especificamente, a Corte constitucional, interferiu na implementação de uma 333

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL modalidade específica de política, propõe-se uma análise empírica que parte de três modelos de juízes elaborados por François Ost (1993): Júpiter, Hércules e Hermes. Que são utilizados, como um recurso para instrumentalizar a análise do raciocínio jurídico, nos casos concretos apreciados pelo Supremo tribunal Federal. O primeiro juiz, descrito por Ost, é Júpiter. Esse juiz traz consigo a idéia de transcendência. Ele corresponderia ao modelo tradicional de formação do magistrado, que tem sua preocupação voltada à validade da norma jurídica e à certeza do direito, partindo de uma concepção liberal do Estado. A fundamentação das decisões do juiz Júpiter será, portanto, essencialmente lógico-formal, ele irá recorrer ao que se denomina o processo de subsunção do fato à norma e utilizar-seá de recursos de interpretação como a “vontade do legislador”. O juiz Hércules, relativiza o mito da supremacia do legislador e traz consigo a idéia dos trabalhos cotidianos árduos. O diagnóstico feito por ele é o do aumento da complexidade social, que o modelo de código tem dificuldade em lidar. Hércules irá decidir com base em normas, à sombra do código, mas levará a cabo outros trabalhos, uma vez que é também engenheiro social. Para ele, a lei é uma simples possibilidade jurídica, que não se impõe a priori ao decisor. A idéia da lógica do sistema abre espaço para a busca do resultado prático. A concretização e a criação do direito é realizada pelo juiz no caso concreto. A fundamentação do juiz Hércules pressupõe uma racionalidade indutiva (do fato à norma), revela uma preocupação com princípios de justiça social e reforça a importância da centralidade da figura do julgador. O modelo do juiz Hermes, parte do reconhecimento de que o direito configura-se como algo necessariamente inacabado, que adquire sentido somente na mediação de conflitos e no controle de mudanças sociais. Ele será o juiz responsável por canalizar a comunicação entre as diversas racionalidades do mundo contemporâneo. O diagnostico de Hermes é a perda da centralidade do próprio juiz e do legislador. A característica marcante desse modelo será um alto grau de criatividade das decisões judiciais e, na dúvida, ele não irá interferir, ao decidir não decidir. A argumentação de um juiz Hermes evidenciará uma preocupação dirigida aos efeitos da decisão judicial no sistema econômico e social. Sua decisão terá um 334

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL caráter essencialmente provisória, com o intuito de flexibilizar a decisão judicial, e poder acompanhar as mudanças sócio-econômicas. A diferença no tratamento jurisdicional entre os três tipos de juízes é a conseqüência de uma mudança na modalidade de conflito submetido ao seu julgamento e, principalmente, sua forma de tratamento. As reformas monetárias têm a característica de bem coletivo. Uma vez definidos os critérios para a reconstrução do padrão monetário pelo Poder Público, eles devem ser compartilhados pela comunidade, tendo em vista que a conformação das expectativas inflacionárias deve atingir a todos os usuários da moeda nacional, indistintamente. 3.4. O STF e o Controle Constitucional: O Plano Real (1994) e a estabilização econômica – Questões Relevantes e Estudos de Casos Neste ítem investigamos como o STF interferiu na implementação do Plano Real que, a partir de 1994 e ao contrário dos planos heterodoxos introduzidos anteriormente, conseguiu atingir a estabilidade monetária. O objetivo é observar como a Corte Constitucional, a partir de seus julgados, interagiu com os poderes políticos e controlou a implementação dessa política, ao fornecer limites ao poder de legislar sobre a moeda. Com base nessa análise, ao final deste capítulo, intenta-se extrair um modelo de decisão do STF para questões monetárias controvertidas envolvendo o Real, a partir do exercício de identificação dos modelos de juízes propostos por Ost. A implementação do Plano Real passou por duas fases: A primeira foi com o ajuste fiscal, cujo objetivo era o ajuste das contas públicas, como pré-condição ao combate a inflação. Como forma de atingir esse objetivo foram implementados o plano de Ação Imediata (PAI)96 e o fundo social de emergência (FSE)97. O que

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“O PAI – Programa de Ação Imediata – foi um conjunto de medidas econômicas elaborado em julho de 1993, que „preparou o terreno brasileiro‟ para o lançamento do Plano Real, um ano depois de sua criação. Segundo o Governo Federal para que as finanças públicas pudessem ser equilibradas seria preciso uma total reorganização de setor público. Para isso, fez-se necessário adotar as seguintes medidas: redução dos gastos da União; recuperação da receita tributária; equacionamento das dívidas de estados e municípios com a União; controle mais rígido dos bancos estaduais; saneamento dos bancos federais; e o aprofundamento do programa de privatizações.” (CARVALHO,

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL diferiu dos outros planos de estabilização econômica implantados no país até a criação do Plano Real, importante mencionar que a implementação dessa reforma fiscal foi condição para reforma monetária. A segunda fase foi com a Reforma propriamente monetária que passou por dois estágios de implementação que foi a substituição da moeda inflacionada por uma nova e estável, através da proposta econômica de uma moeda indexada a unidade real de valor (URV); o intuito desta era promover indexação generalizada da economia e alinhar preços relativos, além de servir de mecanismo de coordenação de expectativas inflacionárias98 e, posteriormente com a inserção de uma nova unidade monetária (Real). Com a estabilização econômica do plano real, mudanças sociais ocorreram e a estabilidade de preços passou a ser reconhecida como um bem público de primeira ordem. Diante dessa abordagem analisar-se-á as questões que foram julgadas pelo STF nos casos relativos à implementação do plano real. 3.4.1 - Estrutura institucional: Composição do Conselho Monetário Nacional A alteração da composição do CMN, órgão responsável pela definição da política monetária, é matéria reservada à lei complementar, disciplinadora do sistema financeiro nacional e prevista pelo artigo 192 da Constituição Federal? 99

Leandro Souza de, Planejamento Econômico e o Plano Real. Acessado em 18/08/2010. 97 “Os objetivos do FSE eram o de equilibrar o orçamento e atenuar a excessiva rigidez de gastos da União. Além de aumento de impostos federais, foi criado o Imposto Provisório sobre a Movimentação Financeira (IPMF), e anunciado um amplo programa de combate à sonegação fiscal; o equacionamento das dívidas dos estados e municípios; a intervenção e maior controle sobre os bancos estaduais, bem como a sua reestruturação, da mesma forma que os bancos federais; e, finalmente, o compromisso com as privatizações e com a Reforma da Previdência Social.” (CARVALHO, Leandro Souza de. Op. Cit.). 98 “Objetivo da URV era o de restaurar a função de unidade de conta da moeda, buscando a regeneração da moeda no Brasil, adotando-se um único índice oficial de indexação.” (CARVALHO, Leandro Souza de. Op. Cit.). 99 EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Pedido de liminar. Argüição de inconstitucionalidade dos arts. 8., 9., 10 e 11 da Lei 9069, de 29.6.95, decorrente da Medida Provisoria 542, de 30.06.94 que instituiu o Plano Real. - Relevância jurídica do pedido que, no entanto, não tem a intensidade que se faz mister para a concessão dessa medida excepcional que e a liminar em ação direta de inconstitucionalidade. - Não-ocorrencia do "periculum in mora" ou do requisito da conveniencia. Referenda-se o despacho que indeferiu a medida liminar.(STF, ADI 1312 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, J. 19/10/1995, Rel. Ministro Moreira Alves, Requerente Partido dos Trabalhadores – PT)

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Neste questionamento do caso da composição do Conselho Monetário, em decisão de medida cautelar o STF alegou que não teria como inferir se seria inconstitucional ou não a modificação da composição do órgão por medida provisória. O Supremo entendeu que neste caso a matéria não tem a intensidade necessária para a concessão de medida excepcional como é a Liminar em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Posteriormente no julgamento final da ADIn, o STF declarou a perda do objetivo da ação por alteração, pelo poder legislativo do art. 192, CF, através da emenda constitucional nº. 40 de 2003, que servia de parâmetro para decisão sobre a constitucionalidade de reestruturação da entidade (CMN). Contraria o interesse público a retirada de participantes da sociedade civil da composição do CMN? Neste caso, o tribunal entendeu que como houve participação do Congresso Nacional para alteração da composição do Conselho Monetário Nacional, na conversão de medida provisória em lei, a retirada de participantes da sociedade civil do conselho não contrariou o interesse público, delegando, portanto, ao Poder Legislativo decidir sobre esta questão. Portanto, tratase de decisões que se enquadram no modelo de juiz Hermes, pois o tribunal julgou pela perda do objeto da ação, valendo-se de um artifício jurídico para não decidir e o STF não se posicionou sobre a questão material. 3.4.2 - Sistema de conversão para a URV: Reajuste de vencimentos Pode juiz federal conceder o reajuste de vencimentos aos servidores públicos, por meio de tutela antecipada, para recompor o poder aquisitivo da remuneração perdido durante a implementação do Plano Real? 100 O Supremo entendeu que não pode o juiz Federal conceder reajuste de vencimentos aos servidores públicos através de tutela antecipada, efetivada em processo de 100

EMENTA: Reclamação. Tutela antecipada. Decisão que, antecipando a tutela nos autos de ação ordinária, determinou a incorporação, à totalidade dos vencimentos dos autores, do percentual de 10,94% relativo à alegada redução desses vencimentos quando da conversão em URV (MPs nºs 434 e 482, posteriormente convertidas na Lei nº 8.880/94, que implementou o Plano Real). Desrespeito à decisão do Plenário na ADC nº 4. Proibição, dirigida a qualquer juiz ou Tribunal, de prolatar decisão sobre pedido de antecipação de tutela que tenha como pressuposto a questão específica da constitucionalidade , ou não, da norma inscrita no art. 1º da Lei nº 9.494/97, conforme explicitado na Pet. nº 1.401- 5/MS (Min. Celso de Mello). Reclamação julgada procedente. (STF, Rcl 846 / SP - SÃO PAULO, 19/04/2001.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL conhecimento contra a fazenda pública e que tivesse por objetivo, o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias e, que o juiz afrontou a interpretação da Corte a respeito da Lei 9.494 de 1997, estabelecido no julgamento da medida cautelar da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 04. Deste modo, o tribunal definiu (provisoriamente) a constitucionalidade da lei que determinou a impossibilidade da concessão de medidas processuais de urgência contra a Fazenda Pública. Os servidores públicos federais têm direito ao reajuste concedido por lei a trabalhadores celetistas para restabelecer o poder aquisitivo dos salários, durante a implementação do Plano Real?101 A Corte estabeleceu que a lei, ao reajustar salários de trabalhadores celetistas, para restabelecer o poder aquisitivo da remuneração devido durante a implementação do Plano Real (janeiro a junho de 1995), não se aplicaria ao servidor público, por não haver previsão legal expressa a essa categoria. Portanto, em relação a terceira e quarta questões, tratam-se de decisões que se enquadram no modelo de juiz Hermes e Júpiter, pois em relação a terceira questão utilizou-se de um artifício jurídico atribuindo suas decisões em medida cautelar essencialmente provisória. Enquanto que na quarta, faz referência à intenção do legislador. 3.4.3. Estudo de Caso: INSS É inconstitucional a sistemática, prevista por lei, para conversão em nova moeda (de cruzeiros reais para URV) dos benefícios previdenciários, que utiliza para o cálculo valores nominais não reajustados integralmente pela inflação do período?102 Há direito adquirido ao reajuste inflacionário integral dos benefícios

101 EMENTA:VENCIMENTOS - REAJUSTE - MEDIDA PROVISÓRIA Nº 1.053/95 - CONVERSÃO NA LEI Nº 10.192/2001 - CAMPO DE APLICAÇÃO. O que foi previsto na Medida Provisória nº 1.053/95, convertida na Lei nº 10.192/2001, quanto à revisão do salário dos trabalhadores visou ao implemento do Plano Real, disciplinando relações jurídicas de direito privado, sem beneficiar os servidores públicos. (STF, 1ª Turma, RMS 24651 / DF - DISTRITO FEDERAL, 02/12/2003, Rel. Ministro Marco Aurélio,JOÃO PEREIRA CARRAMILO FILHO E OUTRO (A/S)). 102

EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. LEIS 8542/92 E 8700/93. CONVERSÃO DO BENEFÍCIO PARA URV. CONSTITUCIONALIDADE DA PALAVRA "NOMINAL" CONTIDA NO INCISO I DO ARTIGO 20 DA LEI 8880/94. ALEGAÇÃO

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL previdenciários para lhes preservar o valor real? O Supremo não entendeu pela inconstitucionalidade a conversão em nova moeda dos benefícios previdenciários já prevista em lei, que não utilizava o reajuste integral pela inflação do período, mas a cada quatro meses como previsto em lei. Deste modo, não haveria direito adquirido a reajustes integrais, por se tratar de hipótese de mera expectativa de direito, não ofendendo, portanto, o princípio constitucional que assegura o reajuste dos benefícios para preservar o seu valor real que corresponde ao valor legal. Além disso, o legislador previu que incidissem os reajustes parciais e as antecipações no cálculo da conversão do benefício por seu valor nominal. Diante disso, por haver expressa referência ao legislador enquadra-se no modelo de juiz júpiter. 3.4.4. Estudo de Caso: Servidores do RIO GRANDE DO NORTE (RN) Pode legislador estadual determinar critério de conversão de cruzeiro real para URV de forma diversa daquela determinada por legislação federal (Plano Real)?103 O Supremo entendeu que não poderia legislador estadual aplicar critério de conversão de cruzeiro real para URV diverso daquele previsto por legislação federal para pagamento de seus servidores públicos, por ser objeto de competência exclusiva da União Federal e regra especial de direito econômico, que subtrai da competência legislativa concorrente de Estados e Municípios do direito monetário. Enquadra, portanto, no modelo de Juiz Júpiter por se referir ao legislador.

PROCEDENTE Recurso extraordinário conhecido e provido.( RE 313382 / SC - SANTA CATARINA , Relator: Ministro Maurício Corrêa, julgamento: 26/09/2002, Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Req. Instituto Nacional do Seguro Social – INSS). 103 EMENTA: Direito Monetário: competência legislativa privativa da União: critérios de conversão em URV dos valores fixados em Cruzeiro Real: aplicação compulsória a Estados e Municípios, inclusive aos vencimentos dos respectivos servidores, que impede a incidência de diferente legislação local a respeito (Precedente: RE 291.188/RN, Pertence, 8.10.2002. Inf. 285). Embargos de declaração: alegação de ausência de redução do valor nominal dos vencimentos dos servidores em razão da aplicação da legislação estadual que não invalida a decisão embargada, porquanto esta apenas reconheceu a incompetência do Estado para legislar sobre sistema monetário. (RE 291188 ED / RN RIO GRANDE DO NORTE, EMB. DECL. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Julgamento: 18/02/2003 , Órgão Julgador: Primeira Turma, Publicação DJ 11-04-2003, EMBTE.(S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 3.4.5. Periodicidade da Correção Monetária: Caso PEQUI104 Tem aplicação imediata aos contratos privados de prestação sucessiva a determinação legal, prevista pelo Plano Real, da periodicidade mínima de um ano para a correção monetária? O STF desenvolveu o raciocínio de que o dispositivo legal, introduzido pelo Plano Real e que previu a periodicidade mínima de um ano para a correção monetária em contratos, não alterava o padrão monetário, tampouco estabelecia regras de conversão de valores de moeda antiga para moeda nova. Não haveria, portanto, como se invocar a jurisprudência da Corte, que excepciona a intangibilidade do ato jurídico perfeito. Assim, a referida norma não poderia aplicarse retroativamente a contratos celebrados antes de sua edição, de prestações sucessivas, uma vez que a lei não poderia alcançar efeitos futuros de negócios jurídicos celebrados anteriormente à sua vigência (proibição do ordenamento jurídico à lei retroativa). Neste caso, o modelo de juiz é Júpiter por se basear na lei. 3.4.6 Índices de Correção Monetária: Caso ADPF 77 A aplicação imediata de dispositivo normativo do Plano Real, que prevê a forma do cálculo dos índices de correção monetária no mês de emissão da nova moeda, ofende o direito adquirido e o ato jurídico perfeito? O STF em medida cautelar definiu que até futura decisão da Corte, diante da relevância jurídica e econômico-financeira do caso, a suspensão de todos os processos em curso no país que questionasse a constitucionalidade do dispositivo do plano real que determinava a metodologia para a incidência de índices de correção monetária em período de transição econômica. Trata-se de modelo de juiz Hermes, uma vez que a Corte não decidiu o caso.

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EMENTA. II. Direito intertemporal: aplicação, aos contratos em curso, de legislação do "Plano Real" (M. Pr. 452/94, convertida na L. 9.069/95), na parte em que fixou em um ano a periodicidade mínima do reajuste trimestral avençado pelas partes em contrato de locação não-residencial: alegação de violação do art. 5º, XXXVI (garantia constitucional do ato jurídico perfeito): procedência.(Supremo Tribunal Federal. 1ª Turma, RE 273602 / RJ - RIO DE JANEIRO, 18/02/2003, Recte.(s): PEQUI S/A, Recdo.(A/S): DISTAC DISTRIBUIDORA DE AUTOMÓVEIS E COMÉRCIO LTDA).

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3.4.7. Caso BBA A decisão do STF que, em medida liminar de ação de descumprimento de preceito fundamental, suspendeu todos os processos judiciais, que questionavam a constitucionalidade da aplicação do cálculo para índices de correção monetária durante a emissão do Real, tem efeito vinculante em relação a outros órgãos do Poder Judiciário? O STF decidiu que, ainda que proferida em medida liminar e sujeita ao referendo do Plenário, conforme determinação legal, a decisão proferida pela Corte teria efeito vinculante em relação a outros juízes e Tribunais. Assim, os outros órgãos do Poder Judiciário deveriam cumprir a determinação da Corte de suspensão do julgamento de processos em curso, que questionassem a aplicação de cálculo para o índice de correção monetária, durante a emissão da nova moeda, o Real. Sendo, pois, modelo de Juiz Hermes. 4. CONCLUSÃO O STF ao negar o reajuste concedido por juiz federal à remuneração de servidores públicos, devido no momento da conversão de cruzeiros reais para URV, o STF, no julgamento da Reclamação nº 846, decidiu não adentrar à questão da irredutibilidade de remuneração, prevista pela Constituição (artigos 7º, VI, e 37, XV, CF/88). Apesar de não declarar expressamente a importância de argumentos político econômicos de coordenação de expectativas inflacionárias, o STF decidiu não interferir na lógica desse programa, reformando decisões em outras instâncias que modificaram pontos sensíveis do plano. Isso é especialmente evidente no julgamento dos casos do Reajuste de Vencimentos, ADPF 77 e BBA. Entretanto, no caso Pequi, o STF promoveu uma mudança em uma medida importante do Plano Real: a proibição da previsão em contratos de reajuste monetário inferior a um ano. No entanto, no julgamento desse caso, o STF excepcionou o específico contrato de locação comercial, submetido à sua revisão, da obrigação generalizada do 341

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL cumprimento dessa regra (que dependia, para ter resultado, do comportamento conjunto de todos os agentes econômicos). Pela análise da natureza dos conflitos submetidos ao STF, identificou-se uma resistência de certos agentes econômicos a medidas políticas que, em um primeiro momento, foram consideradas impopulares. Em especial, no caso da conversão de valores contratuais para a moeda nova, houve transgressão ao princípio da irredutibilidade nominal de salários, assim como do ato jurídico perfeito. Em todos os casos analisados, julgados pela Corte constitucional e relativos ao Plano Real, não houve uma discussão aprofundada sobre a relação entre direito e moeda. Contudo, previu-se que a sistemática de conversão de valores, da moeda velha para a moeda nova, excepciona o princípio da intangibilidade do ato jurídico perfeito e do direito adquirido e, no caso dos Servidores do RN, delimitou-se o âmbito da competência legislativa em direito monetário. Deste modo, um ponto interessante refere-se ao resultado prático da atuação do STF. Tanto como Júpiter, Hermes ou de forma híbrida, a Corte reconheceu, expressa ou implicitamente, nos casos relativos ao Plano Real, que o poder para interferir no conflito monetário é exclusivo aos poderes políticos, deu frágeis parâmetros para pensar a relação entre direito e moeda, e decidiu que a definição do controle social da autoridade monetária cabe exclusivamente ao Poder Legislativo. Em única decisão que interferiu no Plano Real, agiu de forma irracional, fragmentando um conflito coletivo e estabelecendo um privilégio às partes que compunham o processo judicial. Em dois casos, ADPF 77 e Reajuste de Vencimentos, o STF utilizou instrumentos inovadores preciosos: a suspensão de todos os processos em curso no país, que questionassem matéria específica relativa ao plano econômico, e atribuição de efeito vinculante às suas decisões em medida cautelar (leia-se provisórias). É possível concluir, portanto, também nos casos relativos ao Plano Real, que o STF foge a uma tentativa estrita de “modelização”. O tribunal constitucional representa um juiz essencialmente Hermes, que deixa a resolução de conflitos em torno do bem público “moeda” aos poderes políticos, por reconhecer sua limitação instrumental implicitamente. Contudo, na quase metade dos casos, ele se veste de 342

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Júpiter, porque não abandona o apego à tradição jurídica liberal, voltada à concepção de um ordenamento jurídico piramidal. Desta analise chegamos à conclusão da necessidade de uma Política de Planejamento Econômico de “Estado” de longo prazo e em conformidade com o definido no texto constitucional, principalmente em setores chaves da nossa sociedade como infraestrutura, segurança, saúde e educação, saindo de Políticas de “Governo” de efeito paliativo, para um planejamento econômico que otimizem recursos disponíveis ajustando de modo equitativo as necessidades da sociedade e os anseios dos agentes produtivos, evitando atritos, diminuindo a interferência do Judiciário e melhorando o nível desenvolvimento da nação. REFERÊNCIAS BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo : Editora Max Limonad. FIGUEIREDO, Lucia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente de planejamento. Revista Trimestral de Direito Público. p. 5-20. Constituição da República Federativa do Brasil MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 32. ed., atualizada até Emenda Constitucional 51, São Paulo: Malheiros, 2006. FREITAS, Juarez. Responsabilidade Civil do Estado e o Princípio da Proporcionalidade. Disponível em < http://www.revistadoutrina.trf4.gov.br/artigos/edicao009/ >. Acesso em 18 de agosto de 2010. SAMPAIO, Marcio Eduardo Corrêa Sampaio. Disponível em: http://www.administradores.com.br/informe-se/artigos/o-que-e-planejamento/39381/. Acesso em 20 ago. 2011. SILVA, Jose Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 6ª. ed. revista e ampliada, pp. 774. VILANOVA, Lourival. Escritos jurídicos e filosóficos, volume (2) - São Paulo: Axis Mundi: IBET, 2003. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2010. 343

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DURAN-FERREIRA, Camila. O controle dos planos de estabilização monetária pelo Supremo Tribunal Federal: um estudo empírico. Dissertação de Mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL FEDERALISMO FISCAL E A AUTONOMIA FINANCEIRA MUNICIPAL À LUZ DO PACTO FEDERATIVO BRASILEIRO Camila Nayara Giroldo – UEL – [email protected] Marlene Kempfer – UEL – [email protected] Desde a primeira Constituição Republicana, promulgada em 1891, o Brasil elegeu constitucionalmente, a forma de Estado Federalista, inspirados os constituintes na experiência norte-americana. No entanto, olvidaram-se das diferenças sociais, culturais e econômicas que distanciam as realidades de ambos os países, impossibilitando a adoção de formas de Estado idênticas. O impulso para a instauração do federalismo ocorreu de acordo com motivos históricos (colonização) e políticos ao compararmos o Brasil e os Estados Unidos. Tal constatação auxilia explicar a concentração de competências da União brasileira e, diversamente, a maior autonomia dos estados-membros norte-americanos. Com a promulgação da Constituição brasileira de 1946 houve a evolução do pacto federativo brasileiro, visto que distancia-se do paradigma federalista adotado no princípio. O Município ocupa maior relevância no pacto federativo tendo, constitucionalmente, sua autonomia reconhecida. Somente com a Constituição Federal de 1988 é que se consolidou o reconhecimento de status federativo ( Art. 1º e Art. 18). Os estudos desta pesquisa levaram a concluir que o Brasil não vivencia as conquistas de uma federação de cooperação, uma vez que: i) permanece a instalabilidade financeira em virtude da disparidade entre as receitas municipais próprias e suas atribuições, notadamente, tendo em vista o fenômeno da descentralização de encargos públicos para o Município e a centralização na distribuição das competências tributárias; ii) os Municípios não têm representação legislativa no senado federal, assim, não participam de modo direto das decisões na formação da vontade nacional tal como ocorre com os estados-membros. Em razão dessa opção brasileira os municípios são atingidos por políticas econômicas e tributárias decididas no legislativo federal e que interferem em sua autonomia financeira, especialmente, na redução das transferências intergovernamentais. iii) as transferências financeiras voluntárias não têm sido destinadas de acordo com um critério técnico, mas, por outro lado, vêm se constituindo em privilégios para a base governista. A dependência financeira pode ser comprovada por meio de estudos ecônomico-financeiros das suas receitas o que permite afirmar que o Município se encontra dependente dos demais entes, em virtude de sua hipossuficiência econômica. Para além das transferências intergovernamentais, uma opção viável aos Municípios para a consecução de suas competências materiais seriam os consórcios e os convênios, que, no entanto, não são incentivados pelo poder central. Neste termos as autonomias política e administrativa ficam comprometidas e o direito constitucional de gestão plena e democrática dos seus interesses não se realiza. Palavras-chave: Federação. intergovernamentais.

Receita

municipal.

Transferências 345

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL SITUAÇÕES ANÁLOGAS AO TRABALHO ESCRAVO: REFLEXOS NA ORDEM ECONÔMICA E NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SITUATIONS SIMILAR TO SLAVE LABOR: REFLECTIONS ON ECONOMIC ORDER AND THE FUNDAMENTAL RIGHTS Danielle Riegermann Ramos Damião Mestranda do Programa de Mestrado da Universidade de Marília (UNIMAR) [email protected] Lourival José De Oliveira Doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP Programa de Mestrado em Direito Universidade de Marília [email protected] Resumo: Esta pesquisa ampliou conceitos sobre o labor análogo ao de escravo. Mostrou-se as possibilidades de expropriação da propriedade particular e da responsabilização da cadeia produtiva. A metodologia foi pelo método dedutivo. Palavras-chave: Direitos fundamentais do trabalhador; Trabalho análogo ao de escravo; Trabalho forçado. Abstract: This research expanded on the concepts labor analogous to slavery. Proved the possibility of expropriation of private property and the responsibility of the production chain. The methodology was the deductive method. Keywords: Fundamental rights of workers; Labor analogous to slavery, forced labor. Introdução A escravidão ao longo da história da humanidade, sempre esteve presente, sendo que atualmente se transformou. O trabalho escravo é uma realidade nesta sociedade. Trabalhadores postos em uma liberdade ficta105, com dependência financeira, constrangidos a assumir dívidas para a própria sobrevivência, além de prestarem serviços penosos, em condições degradantes, sempre sob a mira de ameaças dos empregadores. Esta pesquisa decorre da necessidade ampliar conceitos acerca situações análogas ao de escravo, bem como seus reflexos econômicos e nos direitos fundamentais. Revisão de literatura A Abolição em 1888, com a Lei Áurea não marcou o fim da exploração do trabalho, registrando na história apenas uma transição do trabalho escravo para o trabalho assalariado, não menos degradante. Hoje, no Brasil, o que predomina é a modalidade denominada escravidão por dívida, em que o trabalhador labora em condições análogas às de escravo. A forma análoga à escravidão, e atual, é bem 105

FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 89.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL diferente de todos os patamares mencionados na escravidão anterior à Lei Áurea, eis que embora motivada pelos ideais do capitalismo, o homem é colocado na sua forma de liberdade, ainda que seja uma liberdade irreal, por vezes sem amarras físicas, mas preso por sua própria condição de dependência/hipossuficiência em relação ao seu empregador. Não há uma legislação específica para coibir tal exercício, sendo a partir das construções dedutivas a criação de teses que podem coadunar com o fim do trabalho forçado, como a expropriação de terras privadas, denúncia ao CADE, criando políticas públicas para a reintegração do trabalhador resgatado ao mercado de trabalho. Resultados e discussão As mais variadas formas de analogia à escravidão são combatidas pelo ordenamento jurídico, inclusive sendo uma das metas da Organização Internacional do Trabalho – OIT. Esta prática maléfica está presente dentro e fora do Brasil, e é fruto dos anseios do capitalismo, eis que a grande quantidade de pessoas livres fez criar um aumento da oferta no mercado, não havendo trabalho para todos. O que se pode constatar é que a forma deste exercício no Brasil, traduz analogia à escravidão, eis que agora como sujeito de direitos, o homem é dito livre, ainda que esta liberdade seja ficta106. Há uma gleba de normas nacionais e internacionais que seja de forma direta, ou principiológica se manifestam contrariamente ao trabalho forçado. No Brasil a é a Lei Maior, que além de seu cunho principiológico, positivou a negativa a esta forma de labor sob a conjugação dos artigos 1º, 3º, 5º, 7º e 170. É correto afirmar que o labor análogo ao de escravo é inconstitucional, justamente por violação direta dos ideais balizadores da Constituição, com transgressão inequívoca dos direitos fundamentais e dos preceitos da ordem econômica. A utilização de trabalho forçado faz baixar os custos da produção, de forma a proporcionar a possibilidade do escravizador, mantendo a mesma margem de lucro, ter diminuição injusta do preço final. Há uma vantagem advinda de prática de ato ilícito, corroborada com o abuso na interferência na economia e na concorrência. Com preços mais baixos, certamente o escravizador possui uma demanda elevada, eis que sua oferta foi reduzida. É neste diapasão que sustenta-se a possibilidade de responsabilidade de toda cadeia produtiva e da possibilidade de expropriação da propriedade por exigência da sua realização de função social. Conclusões Não resta a menor dúvida de violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores quando da prática do labor análogo ao de escravo, que fruto do modelo econômico contemporâneo, faz com que a pobreza se perpetue e por consequência a exploração do homem pelo homem. Os reflexos do trabalho forçado são identificados como descomedimento dos princípios da ordem econômica, de forma a dificultar a consecução dos objetivos positivados no art. 3º da Constituição Federal, ou seja, os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. 106

MARTINS, José de Souza. A Escravidão nos dias de hoje e as ciladas da interpretação. In.: Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1999, p. 162.

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Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 06 out. 2011. FIGUEIRA, Ricardo Rezende. Pisando fora da própria sombra: a escravidão por dívida no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004, p. 89. MARTINS, José de Souza. A Escravidão nos dias de hoje e as ciladas da interpretação. In.: Trabalho escravo no Brasil contemporâneo. São Paulo: Loyola, 1999, p. 162.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A POLÍTICA DE REDUÇÃO DE DANOS SOB A PERSPECTIVA DA ÉTICA RADICAL DA ALTERIDADE DE LÈVINAS THE POLITICS OF HARM REDUCTION UNDER THE PERSPECTIVE OF ETHICS OF RADICAL ALTERITY OF LEVINAS Dhyego Câmara de Araujo Universidade Estadual de Londrina [email protected] Resumo: O presente artigo discorre acerca do direito fundamental social à saúde, como premissa básica para o exercício da cidadania, dando enfoque à gestão pública da saúde coletiva, mais especificamente à implementação e concretização das propostas desenvolvidas pela Política de redução de danos. Pretende-se demonstrar a relevância de tal tema, gerador de grande controvérsia, no que diz respeito à alocação de recursos nessa área específica de gestão. Indica-se, por fim, como substrato de reflexão o estudo do pensamento levinasiano, vislumbrando-se este como fundamento para a implementação dessas propostas, ao analisarmos tal questão sob a égide da ética radical da alteridade de Emmanuel Lévinas, que vê no Outro o instrumento de transcendência do indivíduo e, portanto, da comunidade. Palavras-chave: direito à saúde; redução de danos; ética; alteridade; emmanuel lévinas. Abstract: This article discusses health as fundamental right and basic premise for the exercise of citizenship, focusing on the governance of public health, specifically the implementation and delivery of proposals developed by the policy of damages reduction. We intend to demonstrate the relevance of this theme, generation controversy, with regard to the allocation of resources in this specific area of management. It is stated, finally, as a substrate for reflection, the study of levinasian thought, glimpsing in this the bases for the implementation of harm reduction proposals, in analyzing this issue under the aegis of the ethics of radical alterity of Lévinas, who sees Another as the instrument in the transcendence of the individual and therefore the community. Keywords: health right; damages reduction; ethics; alterity; emmanuel lévinas. Introdução Complexo é o tema da saúde pública, de modo que se mostra de suma importância as reflexões que ele suscita. O presente artigo se propõe a analisar a saúde em seu aspecto jurídico, como direito fundamental, por uma lente filosófica, embasada na teoria de Lévinas. Mais especificamente, o objeto de análise aqui proposto é a política de redução de danos, seus conceitos e finalidades, tendo, 349

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL como já ressaltado, elegido como principal subsídio os fundamentos da ética radical da alteridade levinasiana. A realidade contemporânea, caracterizada por sua natureza plurima e pela complexidade de suas relações intersubjetivas, tem exigido, especialmente no campo da saúde, respostas adequadas, que sejam, portanto, plurais e complexas. Esse é o caso da Política de Redução de Danos, “que nos indica a necessidade de uma ação não apenas ampliada, mas para onde devem concorrer diferentes saberes e aportes teórico-técnicos”.(BRASIL, 2003, p. 7) A Política de Redução de Danos está relacionada ao fenômeno do consumo abusivo e dependência de álcool e outras drogas. Através dessa medida, pretendese abordar tal questão sob uma ótica não apenas psiquiátrica ou médica, direcionado predominantemente à questão da abstinência. Visa-se, outrossim, levar em consideração, além das questões médicas psiquiátricas, as implicações sociais, psicológicas, jurídicas, econômicas e políticas que, por serem evidentes, devem ser consideradas na compreensão geral do problema. A dependência de drogas consiste num transtorno caracterizado pela heterogeneidade, já que afeta as pessoas de diversas maneiras, por diferentes razões, em diferentes contextos e circunstâncias. Questão relevante que desafia nossa reflexão diz respeito à alocação de recursos públicos na implementação dessa política e na concretização das propostas nessa área de gestão, tendo em consideração a triste e precária realidade nacional do serviço de saúde pública atual. Uma nova percepção dessa realidade faz-se necessária, uma nova visão que não seja guiada pela lógica da exclusão dos indivíduos, relegando-os a um plano menos importante; uma percepção que se traduza em eficácia, e não aquela reforçadora da própria situação do uso abusivo e/ou dependência. Nesse cenário, apresenta-se a Ética Radical da Alteridade de Lèvinas como uma resposta adequada aos questionamentos e às dúvidas que pairam sobre a política de redução de danos no contexto atual, porque elege como premissa básica a ideia de Infinito, consistente na transcendência do Outro. Fenômeno que se respalda na concretude da Proximidade, no face a face entre o eu e o Outro. O 350

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL outro, desde já, enquanto Alteridade, e não como não-eu, isto é, o Outro enquanto ser idiossincrático. A dimensão ética dessa perspectiva funda-se, portanto, na ideia de transcendência do Outro, que se daria, não pelos moldes de uma ação racional, mas sim por uma ligação pautada pelos sentidos, pelo afeto, que o abrigaria num halo de solidariedade, lugar que sempre lhe (nos) pertenceu. 1. O direito fundamental à saúde A saúde, como premissa básica do exercício de cidadania do ser humano, constitui-se de essencial importância ao desenvolvimento da sociedade, porque diz respeito à boa qualidade de vida do corpo social em tudo o que este pode abranger, de modo que o direito sanitário se externa como forma indispensável no âmbito dos direitos fundamentais sociais. O preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde preceitua uma ampla definição do termo, quando afirma que “A saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”. A partir de então, quebrou-se aquela concepção negativa de saúde, para a qual esta era entendida segundo à inexistência de doença, para alçá-la a uma concepção positiva, afirmadora de um estado de pleno bem-estar, que envolve não só o aspecto físico dos indivíduos, mas também o mental, e a relevância do sentir-se bem socialmente. Pimenta Júnior (2010, p. 95 apud FERREIRA 1999, p. 3) indica, neste cenário, o surgimento de uma Medicina Social, que seria uma “medicina preventiva alargada ao campo das necessidades médicas criadas pelas condições econômicosociais, e de exclusiva ou predominantemente individual e curativa está a organizarse em medicina coletiva e preventiva”. O próprio texto constitucional indica, em seu artigo 196, o melhor entendimento no que tange ao direito fundamental social à saúde, segundo o qual é “direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao 351

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Do artigo supracitado vislumbra-se dois princípios estritamente vinculados à saúde pública, quais sejam, o princípio da universalidade e o da igualdade, por meio dos quais, preconizou-se, em linhas da Carta Maior, o acesso aos programas e serviços de saúde pública a todos os cidadãos de maneira integral e irrestrita, sem qualquer distinção no tratamento destinado àqueles que serão atendidos. A saúde encontra-se entre os bens intangíveis mais preciosos do ser humano, digna de receber a tutela protetiva estatal, porque se consubstancia em característica indissociável do direito à vida. Dessa forma, a atenção à saúde constitui um direito de todo cidadão e um dever do Estado, devendo estar plenamente integrada às políticas públicas governamentais. Em outras palavras, a saúde é direito social fundamental, a ser exercido pelo Estado (e não contra o Estado), através da implementação de políticas públicas e sociais que propiciem seu gozo efetivo. (ORDACGY, 2010, p. 35/36) O direito à saúde, portanto, configura-se dentre aqueles direitos de segunda dimensão, conquistados pelas lutas sociais travadas na segunda metade do século XIX e no início do século XX, os quais para a sua concretização exigem uma atuação efetiva do Estado, e não a sua abstenção. A conceituação da saúde deve ser entendida como algo presente: a concretização da sadia qualidade de vida, uma vida com dignidade. Algo a ser continuamente afirmado diante da profunda miséria por que atravessa a maioria da nossa população. Conseqüentemente a discussão e a compreensão da saúde passa pela afirmação da cidadania plena e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal. (ROCHA, 1999, p. 43) Pela sua fundamentalidade, o direito à saúde goza da prerrogativa de ser universal, uma vez que os direitos fundamentais são destinados a todos os seres humanos e não se coadunam com ideias discriminatórias, devendo ser estendidos a todos os cidadãos, a qualquer tempo e lugar. O art. 196 da Carta Magna elencou este direito como um dever do Estado, prescrevendo a sua intervenção sempre por meio de ações positivas em prol da 352

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL saúde e nunca pela sua inação. Promover a saúde implica numa atuação estatal tanto no sentido do tratamento, como também por medidas que atuem na prevenção de doenças. Entretanto, não é somente a promoção, o acesso igualitário e universal, a redução de doenças e outros agravos que expressam o dever estatal na efetivação do deste direito. Há que se ter em mente também a recuperação da saúde como uma política social e econômica. Sabe-se, no entanto, que a saúde não é uma mera abstração a qual se procura concretizar mediante ações que estejam focadas somente às áreas que, numa primeira análise, com ela estejam relacionadas, como a prevenção e a cura de doenças. O direito à saúde, assim como todos os direitos, para sua efetivação está determinado e condicionado a alguns fatores. Nesse sentido, dispõe a Lei n º 8.080/90, que criou o Sistema Único de Saúde, em seu art. 3 º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.

A partir desse dispositivo legal, descortina-se com clareza o quão fundamental é o direito à saúde, na medida em que define os critérios de desenvolvimento econômico e social do país. Portanto, é dever do Estado para com a promoção da saúde, seja curando ou prevenindo as doenças, implementar programas de saúde pública e garantir o acesso efetivo a um complexo institucional adequadamente preparado e equipado. Além disso, ante a complexidade da realidade social, o Estado na busca de efetivação deste direito, deve manter-se atento a essa realidade e suas constantes modificações, para ser capaz de adequar-se às novas demandas que lhe são exigidas neste âmbito. Haja vista que a saúde está intrinsecamente relacionada à qualidade de vida, mais altos serão os níveis desta, quanto mais e melhores forem as políticas públicas implementadas nessa área. É dever do Estado, estabelecido constitucionalmente, a promoção da saúde, curando e prevenindo doenças, mas, além disso, promovê-la 353

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL para além desses dois aspectos, transformando o sistema social por meio de uma construção contínua com vistas a elevar a qualidade de vida. Claro está, por seu turno, a interdependência da saúde com outras necessidades básicas, e, portanto, fundamentais, aos seres humanos. Por essa relação de mútuo auxílio e desencadeadora de novos direitos é que a efetivação destes só se dá de maneira indivisível, ao passo que ao se implementar políticas com vistas a melhoria de uma área da administração pública, atingir-se-á, inexoravelmente as outras. Entretanto, tais políticas devem ser efetivadas de maneira contínua e integradas. Nessa esteira, para efeitos de aplicação do art. 196 da Constituição, o direito fundamental à saúde deve ser conceituado, conforme preceitua Germano Schwartz (2001, p. 43), como Um processo sistêmico que objetiva a prevenção e cura de doenças, ao mesmo tempo que visa a melhor qualidade de vida possível, tendo como instrumento de aferição a realidade de cada indivíduo e pressuposto de efetivação a possibilidade de esse mesmo indivíduo ter acesso aos meios indispensáveis ao seu particular estado de bem-estar.

A Constituição Federal de 1988 ao estabelecer a saúde como um direito fundamental social de todos e dever do Estado, atribui a este a obrigação de promover as ações e implementar os serviços necessários à sua efetivação, visando a construção de uma nova ordem social, que trace novos objetivos, sempre tendo como norteadores o bem-estar coletivo e a justiça social. A não implementação dessas políticas no âmbito da saúde individual e coletiva, implica em não se reconhecer tal direito como este vem expresso na Carta Magna, isto é, em sua fundamentalidade. Desse modo, se o Estado se omite em relação aos desígnios que este mesmo se comprometeu a realizar, quando da promulgação da Constituição Federal em 1988, a população brasileira corre o risco de ter uma Carta Política que não seja mais que um mero conjunto de promessas não cumpridas.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 2. A política de redução de danos A Política de redução de danos (RD) funda-se em um conjunto de estratégias que tem como finalidade a redução e a prevenção das conseqüências negativas associadas ao uso de drogas. Destina-se, portanto, àqueles usuários que não desejam ou não conseguem interromper o seu consumo de drogas, apesar dos danos gerados nas esferas pessoal, familiar e social. Uma das estratégias da RD são os Programas de Trocas de Seringas (PTS), que consiste no fornecimento de seringas novas e estéreis, mediante a troca por aquelas já usadas pelos usuários. Tendo sido avaliados positivamente em diversos países da Europa e na Austrália, o sucesso desses programas tem sido evidente e sua contribuição para a redução das taxas de infecção pelo HIV e demais agentes infecciosos de transmissão sanguínea mostram-se claros e de inegável importância. Segundo Fonseca e Bastos (2005, p. 3), dentre os países da América Latina, o Brasil tem se destacado no que se refere à formulação e implementação das “intervenções de redução de danos entre a população de Usuários de Drogas Injetáveis (UDI)”. Malgrado os avanços realizados no país no âmbito das RD, há muito a se refletir e discutir a respeito da questão, na busca de uma melhor compreensão sobre o tema, a fim de garantir melhores resultados no tocante a essas políticas, como também maiores investimentos. Visto que o nível de adesão dos usuários de drogas ao tratamento ou práticas preventivas é baixo, seja porque eles não compartilham da expectativa dos profissionais da saúde em relação à abstinência, e desistem do tratamento; seja, ainda, porque não se sentem acolhidos nas suas diferenças pelos profissionais; visto ainda a situação de insalubridade a que estão expostos esses indivíduos, no que se refere ao próprio manuseamento e administração das drogas, estando em constante situação de risco de contágio de doenças, como a AIDS, hepatite B e C, entre outras. Vislumbra-se, neste cenário, a necessidade de um novo olhar para esses indivíduos, capaz de traduzir suas diferenças e necessidades de maneira mais adequada e eficaz, visando a atingir um resultado, no âmbito da saúde, satisfatório para eles, como também para a própria sociedade. 355

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A relevância desta política, para além do seu objetivo de reduzir a taxa de infecções pelo HIV e outros agentes infecciosos, através da entrega de seringas, preservativos e materiais de conscientização, mostra-se ainda mais evidente no que se refere à redução da exclusão social desses usuários, estando em estrita consonância com os fins perseguidos pelo Estado Democrático de Direito Brasileiro, positivados no artigo 1° da Carta Magna, cujo princípio norteador é o da dignidade da pessoa humana. Ingo Wolgang Sarlet (2001 p. 60), conceitua dignidade da pessoa humana como qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existentes mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

A dignidade da pessoa humana, nesse sentido, consiste numa espécie de entidade sob a qual paira toda a humanidade, isto é, cada indivíduo reveste-se do manto da dignidade, pela única e simples condição de ser humano, o que lhe garante um emaranhado de direitos e obrigações, de caráter fundamental, que se traduzem na proteção de qualquer abuso em relação à sua individualidade, bem como na efetivação dos fatores imprescindíveis para o exercício de sua cidadania, enquanto integrante da coletividade. A dignidade da pessoa humana é atributo social de dimensão existencial. Somente é possível conceituá-la na medida em que se lhe vivencia, na medida em que ela é afetada, positiva ou negativamente, na existência particular e coletiva de cada um. Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais, o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do homem, não podendo 356

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir „teoria do núcleo da personalidade‟ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos a existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana. (GOMES CANOTILHO E VITAL MOREIRA APUD SILVA, 2011, p. 105)

Quando a Constituição Federal de 1988 elenca em seu artigo 1º, como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, alavanca esta à condição fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro, determinando a vinculação e balizamento de todas as decisões políticas emitidas, a partir de então, ao respeito e proteção da vida digna. A implementação dessa Política de Saúde encontra amparo legal na própria lei que cria o Sistema Único de Saúde, quando em seu art. 5º assinala as máximas que dirigem e fundamentam o Sistema, traduzidos principalmente na identificação dos fatores determinantes da saúde, com vistas à formulação da Política de Saúde voltada para a redução dos riscas de doenças bem como para proporcionar o bem estar físico, mental e social do indivíduo e da coletividade que este integra, unindo ações preventivas e assistenciais. (Pimenta Júnior, 2010, p. 100)

Ao se incluir no plano de governo políticas públicas dessa natureza, muda-se a perspectiva do olhar em relação aos usuários de drogas, passando a considerá-los na sua singularidade e na peculiaridade de suas circunstâncias, e por óbvio, como sujeitos de direitos. Compete ao Estado, portanto, garantir a estes cidadãos as condições necessárias de acesso à saúde de qualidade para que, por conseguinte, aos mesmos seja garantido o exercício pleno de sua cidadania, independente de suas escolhas e estilo de vida pessoal. Consoante Fonseca e Bastos (2005, p. 2)

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Um dos objetivos do conjunto de propostas enfeixadas sob a égide da RD é que o usuário deixe de ser estigmatizado como „criminoso‟ e passe a ser um real beneficiário de políticas sociais e de saúde.

O reconhecimento do usuário de drogas, em suas qualidades e diferenças, assim como o entendimento mais criterioso em relação às vias de administração das drogas, exige uma tomada de novas estratégias de vínculo com eles e seus familiares; reconhecê-lo na sua realidade tão particular, para que se possa garantir eficácia a programas tanto de tratamento, como também de prevenção e educação, capazes de garantir a sua inserção social e familiar. Exige-se, dessarte, uma mudança de postura em relação à saúde pública, uma ampliação do seu campo de atuação, para que seja tão desenvolvido e complexo quanto à realidade que se lhe apresenta. Para que uma política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, deve ter em conta que as distintas estratégias são complementares e não concorrentes, e que, portanto, o retardo do consumo de drogas, a redução dos danos associada ao consumo e a superação do consumo são elementos fundamentais para sua construção. (Brasil, 2003, p. 8)

Os limites impostos à promoção efetiva desta política, por parte do Ministério da Saúde, podem ser verificados no que se refere ao impacto econômico e social que tem recaído sobre o Sistema Único de Saúde – SUS, seja por seus custos diretos, seja pela impossibilidade de resposta de outras pastas governamentais voltadas para um efeito positivo sobre a redução do consumo de drogas; isto também ocorre no que se refere ao resgate do usuário do ponto de vista da saúde (e não tão somente moralista ou legalista), e em estratégias de comunicação que reforçam o senso comum de que todo consumidor é marginal e perigoso para a sociedade. (Brasil, 2003, p. 7)

Tema relevante que se nos apresenta no campo da ética em saúde pública diz respeito aos parâmetros que devem estabelecer as prioridades na alocação de recursos destinados aos programas de uma política de saúde integral dirigida ao consumidor de álcool e outras drogas; como também encontrar uma maneira eficaz 358

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL que estabeleça um real vínculo entre os profissionais da saúde e os usuários de drogas. Para a execução dessas políticas, contudo, é necessário que haja melhores investimentos, por parte do Poder Público, nesses programas que ainda são encarados por parte da sociedade civil e política de maneira refratária e contenciosamente. Nesse cenário, a controvérsia que se coloca no tocante a gestão desse setor da Administração, refere-se à alocação de recursos públicos para a implementação das Políticas de Redução de Danos em detrimento de outras políticas das diversas áreas da saúde. Sabendo-se do atual estado de precariedade no qual se encontra a saúde pública brasileira, o que legitimaria a implementação destas políticas preventivas dirigidas a esse grupo da população (UDI), em prejuízo de outros setores? Segundo Kligerman (2002, p. 305), “a Bioética tem oferecido subsídios teóricos e práticos para dirimir conflitos de interesses e valores que mais e mais se apresentam na administração da saúde coletiva”. 3. A ética radical da alteridade em Lévinas e a política de redução de danos O estudo do pensamento do filósofo lituano-francês Emmanuel Lévinas (1906-1995) nos remete a um conceito de grande relevância na sua obra, qual seja, o da Ética da Alteridade Radical, também denominada, Escuta Ética Radical. Segundo a acepção de Lévinas, os conceitos de ética e metafísica se confundem. O filósofo atribui ao conceito de metafísica um significado próprio, referindo-se a esta como a transcendência de outrem, para além do que é físico. Considera, ainda, o fenômeno da transcendência como premissa ética do agir humano, isto é, a ação humana para que seja ética deve conduzir-se com vistas a atingir a transcendência do Outro. Assim, agrega-se ao conceito de ética o valor metafísico, transcendental, e o indicativo dessa transcendência é o que Lévinas denomina como “ideia de infinito”.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

O infinito é próprio do ser transcendente enquanto transcendente, o infinito é o absolutamente outro. Pensar o infinito, o transcendente, o Estrangeiro, não é então pensar um objeto. É pensar o que não tem os traços do objeto, na realidade é fazer mais ou melhor do que pensar. O infinito no finito, o mais no menos que se realiza pela idéia do Infinito, produz-se como Desejo. Não como um Desejo que a posse do Desejável apazigua, mas como Desejo do Infinito que o desejável suscita, em lugar de satisfazer. Desejo perfeitamente desinteressado – bondade. (Lévinas, 1988 apud Cintra, 2002, p. 114)

O Desejo do Infinito consubstancia-se, nas linhas mestras do filósofo, como vontade desprovida da apreensão egoísta do objeto desejado. Este Desejo representa, em Levinàs, vontade de ação cuja finalidade é atingir a transcendência de outrem, ação ética por excelência, bondade. A ideia de infinito, neste sentido, manifesta-se pela Proximidade, em que se encontram “face a face” o Mesmo com o Outro. Consoante Carvalho, Freire & Bosi (2009, p. 854), Lévinas ambicionou expor de forma absolutamente radical a necessidade de uma discussão ética, de um pensar a partir da ética, melhor dizendo, de uma escuta ética do humano. Sem querer rever teorias já estabelecidas ou complementá-las, o filósofo criou um pensamento original, pois na sua concepção a civilização ocidental falhou na tentativa de dar conta do próprio sentido do humano e do social.

O vocábulo “alteridade”, que tem sua origem na palavra latina alter, expressa a ideia do indivíduo enquanto Outro, do conceito do indivíduo para além das razões do Mesmo. Entretanto, a atual concepção distorcida deste fenômeno, cuja conotação ganhou sentido de “não-Eu”, negação do Mesmo, não se coaduna aos princípios éticos norteadores do pensamento levinasiano. A ética radical da alteridade, neste contexto, implica em ultrapassar este conceito de Outro, que se expressa no âmbito de sua negatividade, para alavancá-lo ao patamar de reconhecimento das qualidades que lhe são próprias, a partir delas mesmas, e não através dos moldes racionais do sujeito observador. 360

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Requere-se, portanto, um giro ontológico, através do qual, livre do egoísmo, não mais se encare o Outro por uma perspectiva de mera negação do Eu, pela qual se atribuía à existência do Outro a ideia de este ser um outro-Eu. Desse modo, o Outro passa a ser considerado para além dos problemas e da própria identidade de quem por ele é afetado. O olhar dirigido a ele se dá pelas lentes de sua particularidade, de sua individualidade, de sua própria alteridade. A ética da alteridade de Lévinas pressupõe um olhar livre da racionalidade, que se conecta com o outro através das emoções, por meio dos afetos, sendo este o único modo de se estabelecer uma relação “afetar-afetado”, que é sempre percorrida nos dois sentidos, isto é, de reconhecer no outro a sua alteridade, e ter a sua alteridade reconhecida por ele. Nas palavras de Carvalho, Freire & Bosi (2009, p. 854-855) o outro levinasiano é de uma (...) ordem, a qual não cabe uma lógica estritamente racional. A ética em Lévinas não deve, portanto, ser vista sob a óptica (optikê) racionalista, com a qual estamos tão “seguramente” adapatados; ela exige uma outra via: a dos sentidos, a dos afetos e da sensibilidade – onde se é afetado pela diferença, pela alteridade, pelo outro. Trata-se mais de uma ótica (ótikós), que nos remete à possibilidade da escuta ética.

E mais adiante, (Carvalho, Freire & Bosi, 2009, p. 856 apud Freire, 2004, p. 14) É preciso dispor a escuta para esse outro de forma a responder a ele, ao seu sofrimento (nudez e miséria em Lévinas). Essa resposta é responsabilidade [...]. Oferecer um lugar para o outro – lugar este que desde sempre já seria dele –, abrindo portas e janelas para sua visitação, oferecendo o melhor cômodo e a melhor comida, garantindo-lhe um espaço de habitabilidade, ou seja, um ethos, uma morada confiada e serena onde ele possa renovar-se para retomar suas dores ao mundo.

É a partir da escuta ética de Lèvinas que se pode propor um novo olhar, tanto da sociedade civil como também do Estado, para os indivíduos aos quais se pretende alcançar com a política de redução de danos, e com os quais se pretende construir um novo modo de se pensar, entender e viver as práticas da saúde coletiva. 361

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A relevância da dimensão ética levinasiana no contexto das políticas públicas de saúde é exatamente esse entendimento relativamente aos sujeitos envolvidos na prática de saúde, como seres afetados (no sentido de se deixar tomar pelo afeto) e responsáveis pelo outro. Nas palavras Carvalho, Freire & Bosi (2009, p. 857), é possível promover a escuta do outro de modo a assumir a caracterização de um sujeito ético-político. Sujeito esse que busca refletir constantemente sobre suas ações e se deixa afetar pelo outro, tornando-se mais capaz de dar acolhimento e morada - ethos - à alteridade, pois, como já ressaltou Boff (1999), o encontro com o outro promove o ethos necessário à sociabilidade, às relações verdadeiramente humanas.

A escuta ética da alteridade mostra-se, nesse contexto, como um marco norteador da própria saúde pública, ao estabelecer que o Outro não ocupe um lugar, senão o da sua própria identidade, identidade esta que se comunicará com a do profissional, que seja capaz de responder ao seu apelo e de garantir o cuidado necessário para com ele. No tocante às RD, a abstinência não pode ser reputada como último e único objetivo a ser alcançado. Deve-se, antes, fazer um levante sobre a trajetória de cada usuário, sabendo das suas fraquezas e potencialidades, para assim, oferecer-lhe um caminho capaz de lhe acolher na sua própria singularidade. As práticas de saúde, em qualquer nível de ocorrência, devem levar em conta esta diversidade. Devem acolher, sem julgamento, o que em cada situação, com cada usuário, é possível, o que é necessário, o que está sendo demandado, o que pode ser ofertado, o que deve ser feito, sempre estimulando a sua participação e o seu engajamento. (BRASIL, 2003, p. 10)

Portanto, imprescindível se faz ao Estado que resgate a dimensão ética levinasiana, que se coloque atento às particularidades dos grupos de indivíduos formadores da sociedade, que desenvolva as condições necessárias, relacionadas com as interações entre os usuários e os profissionais, e que garanta suporte 362

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL institucional, agindo tanto na prática das propostas das RD, bem como na discussão e conscientização acerca das mesmas. Tais argumentos não têm a intenção de que se privilegie um setor da saúde em prejuízo de outro. Muito pelo contrário, defendem que se deva considerar o fenômeno da Saúde pela sua transversalidade de interesses e pelo seu amplo âmbito de alcance. Busca-se, desse modo, uma atuação do Estado no sentido de aliar todo o seu aporte técnico-científico e institucional, que atuem nas suas diversas áreas, como instrumento de concretização desse direito a todos os cidadãos, independente de quais sejam os males que se procurar curar, ou prevenir. CONSIDERAÇÕES FINAIS A saúde, um bem elevado à condição de direito fundamental pela Constituição de 1988, goza de três prerrogativas essenciais: universalidade, igualdade e irrenunciabilidade. Todas com vistas a assegurar de maneira justa e solidária a qualidade de vida dos cidadãos. Nesse contexto é que encontra respaldo a implementação das políticas de redução de danos destinadas aos usuários de álcool e outras drogas. Na busca de se ter resguardada a dignidade da pessoa humana, intenta promover um trabalho conjunto, tendo como finalidade principal não mais a abstinência, mas sim, o significado maior da própria relação estabelecida entre os profissionais de saúde e os destinatários dessa política. Relação esta que se dá não mais por uma lógica exclusiva, que estigmatiza e exclui os indivíduos, mas antes pela lógica da inclusão, pautada pelo afeto, de modo que se crie uma nova forma de se conceber a saúde coletiva, que tenha no outro o seu alicerce de fundamentação ética, e que seja pautada pela bondade – ideia última da concepção de Infinito de Lèvinas. Além de se caracterizar pelo mútuo apoio entre os profissionais e os indivíduos que serão atendidos, a redução de danos intenciona estabelecer novas bases que possam servir de impulso à promoção da saúde em caráter universal, maior capacitação dos profissionais para lidar com esse grupo de pessoas, e principalmente a reinserção e reintegração desses indivíduos à família e à própria 363

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL comunidade, posto que muitas das vezes são pessoas que já se encontram marginalizadas, e sem perspectiva alguma de futuro. Ao se reinserir na sociedade estes indivíduos ora excluídos, verifica-se um fenômeno de agregação à sociedade de novos valores morais, os quais vão guiar toda uma estrutura social, política, jurídica, cultural e econômica. O que se pretende com a implementação do que dispõe as políticas de redução de danos, para além da promoção da saúde coletiva, é uma mudança de paradigma no que diz respeito ao olhar lançado aos usuários de drogas, visando transpor esse entendimento que os estigmatiza como “criminosos”, e, além disso, compreender que os direitos fundamentais, pela condição de que gozam, devem ser garantidos a todos, independentemente da forma pela qual se optou viver. Ver na singularidade do Outro, a legitimidade do próprio agir ético na saúde pública, é admitir a evidente legitimação das propostas da política de redução de danos. Pois que de outro modo não seria, uma vez que, tanto a ética da alteridade em Lévinas, como as propostas da política de RD buscam no Outro o seu próprio elemento de fundamentação. Ora, enquanto elemento fundamental, o Outro, ao mesmo tempo em que é transformado, é agente transformador. Pelas metas traçadas pela Política de Redução de Danos e pelo que estabelece a escuta ética da alteridade, inegável se mostra que entre ambas há um estreito e substancial vínculo. Isto, se aquela não consistir, na área da saúde coletiva, na própria execução do pensar ético de Lévinas. Isto posto, diante desta intrínseca relação de especialidade entre a redução de danos e a ética levinasiana, na medida em que a primeira consiste na aplicabilidade prática da segunda – ao se falar em saúde pública –, a implementação dessas políticas se legitimam pela sua própria razão de existir: o Outro. REFERÊNCIAS BRASIL, Ministério da Saúde. A Política do Ministério da saúde para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, Brasília, 2003. 364

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CARVALHO, Liliane B.; FREIRE, José C.; BOSI, Maria Lúcia M. Alteridade radical: implicações para o cuidado em saúde. Physis, v. 19, n. 3, p. 849-865, 2009. CINTRA, Benedito Eliseu Leite. Emmanuel Lévinas e a ideia do infinito. Revista Margem. São Paulo, N° 16, p. 107-117, dez. 2002. FONSECA E, BASTOS FI. Políticas de Redução de Danos em Perspectiva: Comparando as Experiências Americana, Britânica e Brasileira. In: Acselrad G. 2ª ed. Avessos do Prazer: Drogas, AIDS e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Ed. FIOCRUZ, 2005. KLIGERMAN, J. Bioética em Saúde Pública. Revista Brasileira de Cancerologia, Rio de Janeiro, v. 48, n. 3, p. 305-307, jul./set. 2002. ORDACGY, André da Silva. O direito humano fundamental à saúde pública. Séguin, Elida; Figueiredo, Guilherme José Purvin de (Org). Direitos sociais: Estudos à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Letra da Lei, 2010. p. 35-53. PIMENTA JÚNIOR, José Luiz Barbosa. A saúde em uma perspectiva social e democrática. Séguin, Elida; Figueiredo, Guilherme José Purvin de (Org). Direitos sociais: Estudos à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Letra da Lei, 2010. p. 95107. ROCHA, Julio César de Sá da. Direito à saúde – Direito Sanitário na Perspectiva dos Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo: LTr, 1999. SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988, Porto Alegre: Livraria do advogado, 2001. p. 192. SCHWARTZ, Germano. Direito à saúde: efetivação em uma perspectiva sistêmica. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 2001. 43p. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. Ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 928p.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PLANEJAMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO NO BRASIL: UM OLHAR DE RESGATE SOBRE A POLÍTICA ECONÔMICA NACIONAL PLANNING AND ECONOMIC DEVELOPMENT IN BRAZIL: A LOOK ON THE REDEMPTION OF NATIONAL ECONOMIC POLICY Edvania Fátima Fontes Godoy; UEL; [email protected] Marlene Kempfer; UEL; [email protected] Resumo: Não é tarefa fácil racionalizar economia e emancipação humana, entretanto, o regime democrático constitui meio adequado e seguro de garantir o desenvolvimento não apenas econômico, mas também sustentável. Desse modo, o presente ensaio aborda a necessidade de atuação positiva do Estado na ordem econômica, de modo a estabelecer políticas que promovam transformações estruturais na busca do progresso da nação. No intuito de levantar esse debate, é feito um resgate da política econômica nacional e, em seguida, são destacados alguns dos reais desafios brasileiros no cenário econômico atual, chegando-se à conclusão que uma estratégia planejada (art. 174 da CF) e pautada nas experiências já vivenciadas permitirá ao Brasil caminhar rumo ao desenvolvimento. Palavras-chave: Política Econômica Brasileira; Desenvolvimento; Planejamento Econômico. Abstract: It is not easy to rationalize the economy and human emancipation, however, the democratic system is an appropriate and safe to ensure not only economic development, but also sustainable. Thus, this paper addresses the need for positive role of the state in the economic order, in order to establish policies that promote structural changes in the quest for progress of the nation. In order to raise this debate, is made a ransom of national economic policy and then highlights some of the Brazilian real challenges in the current environment, coming to the conclusion that a planned strategy (art. 174 of the Constitution) and guided already experienced in the experiments allow Brazil to move towards development. Keywords: Brazilian Economic Policy; Development; Economic Planning. INTRODUÇÃO A sociedade humana é multidimensional, e assim o são seus problemas. Para que seja possível resgatar a política econômica de desenvolvimento no Brasil é necessário captar a dinâmica do país, bem como a complexa rede de conexões envolvidas. Contextualizar o Brasil em matéria de desenvolvimento econômico implica não só em uma análise de suas transformações econômicas, mas também na aceitação do fato de que os ideais de crescimento e desenvolvimento não estão racionalizados com as questões de plena emancipação humana. Para a concretização do desenvolvimento será necessário que haja equilíbrio na distribuição de renda e condições de vida mais saudáveis. O desenvolvimento econômico deve ser pensado a partir do uso adequado e coerente dos recursos naturais, inerentes à atividade e cada vez mais escassos. É essencial que os 366

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL governos, que pretendem dirigir o país, discutam com a sociedade e a convençam que têm a oferecer, através do planejamento (art. 174 da CF), uma perspectiva concreta de desenvolvimento sustentável, haja vista que é dever do Estado intervir promovendo, induzindo, dirigindo e regulando a ordem econômica de maneira a tornar efetivos os ditames constitucionais que a compõem. REVISÃO DE LITERATURA O Estado possui papel de destaque no relacionamento entre o domínio jurídico e o econômico. E a atuação econômico-jurídica se manifesta sempre num contexto de relação dialética, “em que da oposição criativa de uma tese e de uma antítese surge uma síntese que é o resultado engendrado pelas posições que lhe deram origem” (FONSECA, 2010, p. 185). Ou seja, em cada período histórico Direito e Economia se relacionam de forma típica. Nesse sentido, para que seja possível um olhar efetivamente planificador sobre a política econômica atual, necessário se faz um resgate, mesmo que superficial, do percurso nacional. As medidas adotadas pelo governo Vargas na década de 30 são um marco no processo de intervenção do Estado com fins de desenvolvimento. A administração Vargas possibilitou uma reforma administrativa e a adoção de medidas protecionistas para promover mudanças na estrutura produtiva nacional, até o momento dominada pelo setor agrário exportador (REZENDE, 2009, p. 01). Seguindo esse raciocínio, pode se dizer que o sucesso econômico do regime militar se deve aos benefícios retirados de diversas experiências anteriores, nas quais o país, embora sem um projeto de intervenção estruturado, adotou medidas importantes para impulsionar a industrialização da economia nacional (REZENDE, 2009, p. 01). Evidencie-se, também, que uma nova alavanca à industrialização foi dada no período de ascensão do governo de Juscelino Kubitschek e seu plano de metas. Nesse período, aprofundou-se a intervenção do Estado na economia, com duas grandes características não observadas anteriormente: “a motivação principal já não é o combate à dependência externa e a defesa da intervenção não se apoia no nacionalismo” (REZENDE, 2009, p. 02). De modo sintetizado é possível afirmar que Vargas nacionalizou as discussões sobre política econômica, e JK criou condições para o desenvolvimento por meio da reelaboração das condições de dependência do Brasil frente ao exterior. Entretanto, embora muitos avanços tenham acontecido, a Nova República emergiu com uma herança bastante difícil do governo militar. Destacam-se três aspectos mais relevantes (GREMAUD; SAES; TONETO JÚNIOR, 1997, p. 232): a) esgotamento do modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo Brasil no último meio século; b) capacidade de intervenção do Estado exaurida. A crise financeira-fiscal, somada com a dívida externa, divida interna, ciranda financeira e aceleração inflacionária como subproduto e agravante da situação, impossibilitaram a adoção de qualquer novo modelo de desenvolvimento; c) o Estado autoritário entra em crise por dois motivos, primeiro, em razão da incapacidade de induzir um processo de crescimento, e segundo, pelo fortalecimento da sociedade urbano-industrial.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL RESULTADOS E DISCUSSÃO O Brasil, embora configure uma economia capitalista, ainda não possui condições de alcançar um estágio de desenvolvimento compatível com as expectativas, o que é resultado, entre outros fatores, da instabilidade macroeconômica, que se perdeu a partir de 1970. Para Luiz Carlos Bresser-Pereira (2002, p. 118), a independência plena, alvo dos liberais clássicos, que almejavam leis ou instituições tão perfeitas de modo que a qualidade dos governantes não fosse relevante, sempre foi impossível. Contudo, hoje, com a complexidade dos problemas enfrentados pelos governantes, em todas as searas, e a rapidez com que determinados assuntos devem ser resolvidos, tal autonomia é ainda mais irrealista. Porém, “não há dúvida de que as democracias mais avançadas são aquelas que dependem menos dos erros ou acertos de seus governos”. A instabilidade macroeconômica decorre da ausência de uma política de fortalecimento do Estado e do mercado, e vem sempre substituída por soluções populista ou neopopulistas. Uma política comercial e industrial voltada para o desenvolvimento não conflita com a estabilidade macroeconômica e é altamente estratégica para o desenvolvimento sustentável. Ainda de acordo com Bresser-Pereira (2002, p. 118), há uma dificuldade das elites brasileiras de ultrapassarem preconceitos ideológicos e chegarem a um consenso sobre o papel do Estado no desenvolvimento, fruto da incompatibilidade distributiva, que dificulta a discussão pública no âmbito da sociedade civil e permite que essas elites adotem prescrições do exterior, que são resultado da falta de um consenso mínimo interno sobre o assunto. Como se pode notar, a efetividade das políticas de desenvolvimento no Brasil envolve o enfrentamento inicial de dois grandes obstáculos, a estabilidade macroeconômica e o desequilíbrio distributivo, gerado pelo aumento do endividamento público e nacional. Sem a contenção desses dois grandes problemas é praticamente impossível fazer a racionalização do sistema econômico. Para melhor entender a questão é cabível um panorama da realidade econômica atual. Pode-se dizer que a economia brasileira fica cada vez mais parecida com a das nações desenvolvidas. O governo abre seus cofres, fornece incentivo a indústrias escolhidas, aumenta os empréstimos dos bancos públicos e reduz as taxas de juros, derrubando uma barreira histórica ao desenvolvimento. Entretanto, ainda assim a economia não reage e o PIB não avança. É uma evidencia de que o Brasil reencontra antigos obstáculos à melhoria da produtividade e, consequentemente, ao crescimento. Uma das explicações para o não embalo do PIB seria os efeitos decorrentes da crise do euro e do pífio crescimento dos países ricos. Porém, só isso não explica os paradoxos da economia brasileira, pois sofrendo as mesmas pressões a economia do Chile, Peru e Colômbia tem previsão de crescimento de 5% para esse ano de 2012 (DALTRO; SATAKE, 2012, p. 72). Os motivos nacionais são mais profundos, há dez anos o governo não realiza nenhuma reforma significativa no setor indutor da riqueza: a produtividade. Um olhar de resgate exprime que a melhora na infraestrutura tem sido insignificante. Fazer negócios no Brasil é um pesadelo burocrático e tributário, isso sem contar na qualidade da mão de obra, que não evolui substancialmente. As políticas de crédito barato, que acarretaram um crescimento mais rápido, não podem ser mantidas por tempo indeterminado. A indústria brasileira precisa reagir. Mas de que forma se 368

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL produzir no Brasil ficou mais caro, consequência da alta no custo de fatores como a mão de obra e a eletricidade. Muitas empresas têm optado por importar componentes ou os próprios produtos já acabados, o que é mais conveniente do que ampliar os investimentos. Falta tecnologia. Falta atuação interventiva do Estado (DALTRO; SAKATE, 2012, p. 74). Apesar dos incentivos a ciranda econômica nacional gira em falso e o modelo dos últimos dez anos está se esgotando. Conforme Vito Tanzi (apud DALTRO; SATAKE, 2012, p. 76), é dever do Estado fazer o mercado funcionar da melhor forma possível, investigando e corrigindo abusos de poder econômico, evitando a formação de monopólios e favorecimentos, uma vez que todas as demais distorções decorrem da negligência do Estado nesses fundamentos. A má distribuição de renda é resultado do mau funcionamento do mercado, todavia, é obrigação do Estado corrigir a falha que deu origem a essa desigualdade. Nesse sentido, a sugestão que se faz é que o Estado, em sua função interventiva, inicie o enfrentamento das demandas econômicas através do corte dos gastos públicos e da adoção do planejamento (art. 174 da CF), instrumento capaz de estabelecer metas e objetivos prévios e compatíveis com a realidade da nação. Por meio do planejamento as reformas poderão transpor o custo do país e inseri-lo em padrões compatíveis com o crescimento rápido, porém sustentado. CONCLUSÃO O Brasil precisa melhorar a infraestrutura física e a oferta de capital humano, fomentar a competição e a abertura da economia, inovar com tecnologias que incorporem as externalidades da produção, afinal de contas, a busca pelo desenvolvimento econômico deve ser sustentável. Assim, Estado e o mercado devem desempenhar tarefas complementares. E essa convergência deve ter como horizonte a plena emancipação humana. Caso governo e sociedade civil caminhem na direção apontada, as perspectivas de desenvolvimento econômico sustentado poderão ser positivas ainda nesse começo do século XXI. O país poderá crescer e se desenvolver com elevação do nível de qualidade de vida da população, e sem precisar recorrer a políticas populistas ou neopopulistas. O que se propõe é um resgate da política econômica nacional e a partir dessas experiências uma nova composição das instituições e práticas políticas. REFERÊNCIAS BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. Incompatibilidade Distributiva e Desenvolvimento Auto-Sustentado. In BIELSCHOWSKY, Ricardo; MUSSI, Carlos (Org.). Políticas para Retomada do Crescimento. Brasília: IPEA: CEPAL, 2002. DALTRO, Ana Luiza; SAKATE, Marcelo. A mão que não embala o PIB. VEJA, São Paulo, v. 45, n. 2278, p. 70-81, jul. 2012. FONSECA, João Bosco Leopoldino. Direito Econômico. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 369

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL GREMAUD, Amaury Patrick; SAES, Flávio Azevedo Marques de; TONETO JÚNIOR, Rudinei. Formação Econômica do Brasil. Atlas: São Paulo, 1997. REZENDE, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução. Disponível em: . Acesso em: 14 set. 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REGULAÇÃO E O EDITAL DO LEILÃO 4G DA ANATEL Felipe Tadeu Ribeiro Morettini, Pontifícia Universidade Católica do Paraná [email protected] Em junho de 2012 foi realizado o leilão da ANATEL para licitar as novas faixas de radiofrequência, chamadas de tecnologia 4G. Por se tratar de relevante bem para o setor de telecomunicações, cabe a indagação sobre a contribuição deste processo para o desenvolvimento econômico, entendido como modificação da estrutura econômica e social107 e caracterizado como um processo de instituição da democracia econômica108. Segundo Calixto Salomão Filho, existem três princípios que possibilitariam à sociedade eleger entre as opções elencadas como princípios da ordem econômica: o redistributivo, o da diluição dos centros de poder econômico e o da cooperação. Sendo objetivo principal do Estado brasileiro a promoção do desenvolvimento por meio da efetivação destes princípios, sua intervenção por direção no domínio econômico adquire relevância, possuindo a regulação uma grande contribuição, seja por meio da autorização do uso do bem público, seja por meio do exercício de poder de polícia. Neste contexto, a licitação realizada pela ANATEL das faixas de radiofrequência, ilustra um caso de regulação com escopo desenvolvimentista na busca da difusão forçada do conhecimento econômico, tanto pela concretização do princípio redistributivo, observado na determinação de expansão do serviço 4G para áreas rurais pelas mesmas empresas que venceram o leilão, quanto do princípio da diluição dos centros de poder econômico, materializado no incremento da concorrência pela divisão do espectro em subfaixas e lotes e pela obrigatoriedade de renúncia ao espectro do 3G pelas empresas vencedoras. Palavras-chave: regulação; desenvolvimento; telecomunicações. Referências NUSDEO, F. Curso de Economia – Introdução ao Direito econômico. 3a Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. SALOMÃO FILHO, C (Coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002.

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NUSDEO, F. Curso de Economia – Introdução ao Direito econômico. 3a Edição. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 349 108 SALOMÃO FILHO, C (Coord.). Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 32.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INTERVENÇÃO ESTATAL COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DO COOPERATIVISMO STATE INTERVENTION AS A MEANS OF EFFECTING OF COOPERATIVES Glaucia Silva Leite, Universidade de Marília, [email protected] Resumo: Dentro de um núcleo ideológico bem estruturado, a Constituição Federal brasileira, em seu art. 3º, II, determina, como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a redução das desigualdades sociais e regionais, e traz, ao longo do seu texto, diversos mecanismos de efetivação deste ideal, dentre eles o Cooperativismo. Contudo, para se alcançar a efetividade e a eficiência exigida pelo diploma constitucional, constata-se a necessidade de implementação de políticas de adequação e adaptação sociocultural. Dentre as propostas mais viáveis, o reconhecimento da obrigatoriedade da intervenção estatal se faz presente com o propósito de fazer valer as prerrogativas de fiscalizador, incentivador e, fundamentalmente, planejador, concedidas ao Poder Público como agente normativo e regulador da atividade econômica. Desta forma, uma parceria entre o Estado e as cooperativas será instaurada, fazendo com que estas estejam em sintonia com as políticas públicas nacionais e regionais, formando, assim, uma aliança capaz de promover a redução das imperfeições de mercado e, consequentemente, colaborar com a redução das desigualdades sociais e regionais existentes no Brasil. Palavras-chave: Cooperativismo; Desigualdades Sociais e Regionais.

Intervenção

Estatal;

Políticas

Públicas;

Abstract: Within a well-structured ideological core, the Brazilian Federal Constitution, in its art. 3, II, determines, as a fundamental goal of the Federative Republic of Brazil, the reduction of social and regional inequalities, and brings along his text, several mechanisms of realization of this ideal, including cooperatives. However, in order to achieve effectiveness and efficiency required by constitutional law, there is the need for policy implementation and adequacy of sociocultural adaptation. One of the most viable proposals, the recognition of the obligation of State intervention is present for the purpose of enforcing the supervisory prerogatives, motivator and, fundamentally, Planner, granted to the Government as legal agent and regulator of economic activity. In this way, a partnership between the State and the cooperatives will be introduced, making these are in line with national and regional public policies, thus forming an Alliance to promote the reduction of market imperfections and, therefore, contribute to the reduction of social and regional inequalities existing in Brazil. Keywords: Cooperatives; State Intervention; Public Policies; Social and regional inequalities.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Introdução Aproximando-se dos vinte e cinco anos de vigência da Constituição Federal de 1988, ainda muito se discute sobre a efetividade jurídica das diretrizes sociais e políticas por ela adotada. O reconhecimento e a previsão de vários direitos e garantias inseridos no texto constitucional retrata a vontade dos constituintes primários em se provocar uma revolução de valores e direitos, contudo, tal atitude não foi o bastante para transformar a realidade brasileira e deixá-la apta a receber e praticar tais inovações. A explicação para este fenômeno resta fundamentada na incompatibilidade histórica e institucional entre alguns valores, princípios, ideias e programas que foram recepcionados em um texto constitucional extremamente analítico e programático, cujos valores ideológicos tidos como avançados e importantes não se coadunavam com o Estado, as instituições e a sociedade daquela época. (SENA SEGUNDO) Denota-se que se trata de um problema de caráter tipicamente sociocultural, visto que a legislação constitucional apresenta-se madura, pronta para proporcionar bons frutos aos operadores do direito, isto devido o seu visível avanço na ordem legal e regulamentar. Todavia, tais prerrogativas, inerentes a uma Constituição democrática, não são aproveitadas em sua totalidade, pois ainda encontram obstáculos ligados à ausência de vontade política em se promover uma cultura social democrática que respeite e valorize os direitos idealizados para a sociedade brasileira. Revisão de literatura Os objetivos da República Federativa do Brasil, orientações, tanto de ordem políticoideológico quanto de cunho econômico, previstas no art. 3º da CF, constituem princípios e objetivos que exigem uma compreensão concomitante e não excludente porquanto precisam ser interpretados ao mesmo tempo para se obter os resultados deles almejados em seus efetivos empregos. (SENA SEGUNDO) Em decorrência desses objetivos fundamentais surgem os princípios gerais das atividades econômicas, enumerados no art. 170 da CF. Referem-se “a um conjunto de diretrizes, programas e fins que enuncia, a serem pelo Estado e pela sociedade realiados, a ela confere o caráter de plano global normativo, do Estado e da sociedade”. (GRAU, 2010, p. 174) Veja que, dentre os dois contextos práticos citados acima, está albergada uma questão de fundamental relevância para este debate. Um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é o de reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), alem disso este é tido como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, VII). Eis a constatação de uma situação de subdesenvolvimento, incontroversa, que se pretende reverter. O legislador constituinte ao dar sequência na matéria de ordem econômica e financeira, prevê e concede prerrogativas ao Cooperativismo, um movimento, uma teoria, um sistema anterior a Constituição Federal, mas que, como ela, enfrenta problemas para garantir sua efetividade e alcançar o fim ao qual foi destinado, qual seja, justamente a redução das desigualdades sociais e regionais. 373

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O sentimento de ajuda mútua é inerente ao agrupamento, à composição das formas de sociedade, entretanto os precursores dos ideais cooperativistas da época moderna tiveram como contexto histórico um regime capitalista bem consolidado. (OLIVEIRA, 1984, p. 20) Assim, dentre o grupo de economistas do século XIX é que se houve maior divulgação do pensamento cooperativo no Mundo Ocidental, e este debatia quase que exclusivamente o ponto de vista de propostas de reforma da sociedade. (PINHO, 2004, p. 255) Neste panorama surge o Cooperativismo puro, representado por um grupo de tecelões ingleses de Rochdale e fundamentado em um conjunto de princípios: “adesão livre e espontânea; absoluta neutralidade política e religiosa; praticada democracia pura, onde uma pessoa, qualquer que fosse a sua posição social e econômica, não representava mais que um só voto; eliminação do lucro mercantil, com a devolução das sobras proporcionalmente às operações de cada um; retribuição ao capital com juros limitados; vendas à vista dos bens de consumo; fomento à educação, para preparar as gerações futuras e garantir a continuidade do sistema”. (OLIVEIRA, 1984, p. 28) Depreende-se que, desde o seu início, a forma cooperativa de atuação têm no interesse econômico a razão primeira de sua existência, propugnando indiscutivelmente pela obtenção dos melhores resultados materiais para o quadro social (MEINEN, 2002, p. 12). O seu surgimento adveio da oposição às consequências do liberalismo econômico, contudo tem como função não apenas corrigir o meio econômico-social, como também prestar serviços. Resultados e discussão No Brasil, precocemente foram testadas as atividades associativas. “A evolução legislativa brasileira é pródiga no sentido da emissão de leis autorizantes para criação de cooperativas, nos primeiros tempos. A ingerência do Estado foi marcante. Todavia, houve incentivo ao seu desenvolvimento, em maior ou menor intensidade, conforme o governo”. (CENZI, 2009, p. 14-5) Atualmente, por constatar a lógica de que o social é decorrência do econômico, é possível apresentar o seguinte conceito para este instituto: “A cooperativa e uma organização econômica sui gêneris, não é um empreendimento lucrativista, não é expressão de uma economia comunitária, de tipo coletivista, mas também não é associação caritativa. Ela assegura a existência dos economicamente débeis, os quais considera como membros dotados de iguais direitos, de uma ordem societária edificada sobre o reconhecimento do valor criativo da personalidade. A luta contra a formação de impérios econômicos corresponde à sua essência, da mesma sorte que a luta contra a massificação coletivista, que são os grandes desafios do nosso tempo”. (Hans-Jürgen Seraphin apud MEINEN, 2002, p. 12) Em sua finalidade, o Cooperativismo é considerado um regime econômico, com grande eficácia para corrigir disfunções dos sistemas econômicos e a forma correta para que os indivíduos realizem, em grupo, objetivos econômicos que teriam dificuldades de alcançá-los sozinhos (NASCIMENTO, 2000, p. 11). 374

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Por tais razões, o instituto cooperativista traz em sua essência idealista propósitos que o transformou em um adequado instrumento constitucional eleito para o combate das desigualdades sociais e regionais. Ainda que as atividades cooperativistas desempenhem um papel tão importante no contexto econômico e social e apesar da proteção e privilégio a elas conferido pela Carta Magna, existem questões que comprometem a sua eficácia. Assegura-se que tal ineficácia encontra fundamento em motivos bastante semelhantes aos enfrentados pela Constituição Federal. Faz-se necessário, neste momento, e já tardiamente, o enfrentamento desta problemática, formulando propostas que viabilizem a prática do Cooperativismo para que este alcance seu objetivo e a mais adequada e eficiente reside na aceitação da Intervenção Estatal nestas instituições. Porém, antes de enfrentar a temática se faz necessário compreender a amplitude desta prerrogativa do Estado. Além das tradicionais funções normatizadoras e reguladoras delegadas ao Estado pela Carta máxima, no que envolve especificamente o conteúdo de ordem econômica, também compete ao ente estatal fiscalizar, incentivar e planejar as atividades sob seu controle, conforme preceitua o art. 174. Com a leitura sistematizada do referido preceito, não restam dúvidas quanto à obrigatoriedade do Poder Público de fazer valer os regramentos constitucionais que obrigam o Estado a interagir, e até intervir na economia, visando à implementação das diretrizes, dos valores, fundamentos, objetivos e princípios almejados e determinados pelo texto constitucional. (SENA SEGUNDO) Conforme apanhado doutrinário, a ordem econômica na Constituição de 1988 contempla a economia de mercado, divergindo-se, contudo, do modelo liberal puro optando por um ajustamento à ideologia neoliberal. Ela repudia o dirigismo, porém acolhe o intervencionismo econômico, que não se faz contra o mercado, mas a seu favor. (GRAU, 2010, p. 191) Naturalmente, o sistema constitucional vigente permite que o setor privado se beneficie ou aproveite, de alguma forma, as decisões de planejamento do setor público, seja pelo simples fato de aproveitar os benefícios do incremento econômico surgido em uma determinada área ou setor da economia, seja pelos processos positivos oriundos da atuação estatal como agente realizador de consumo de bens e serviços. (SENA SEGUNDO) Por ser o desenvolvimento condição essencial para a realização do bem-estar social, o Estado torna-se, por meio do planejamento, o principal promotor do desenvolvimento. Para desempenhar a função de condutor do desenvolvimento, o Estado deve ter autonomia frente às sociedades privadas, ampliando suas funções e readequando seus órgãos e sua estrutura. (BERCOVICI, 2005, p. 51) Neste sentido, defende-se que o Estado deve intervir nas atividades cooperativistas, estabelecendo uma relação de parceria e confiança com as mesmas, no intuito de auxiliar a execução de suas diretrizes de planejamento por meio de incentivo econômico conquistado por intermédio das políticas públicas voltadas às regiões de atuação das cooperativas.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Conclusões São estes os resultados esperados ao defender a efetivação dos preceitos da legislação constitucional que permite a intervenção estatal também nas sociedades cooperativas, fazendo com que princípios importantíssimos sejam postos em prática para viabilizar o Cooperativismo e obter saldos mais significativos na redução das desigualdades. A proposta não é retroceder à interferência estatal na criação das cooperativas, eliminada pela Constituição Federal de 1988, e sim efetivar um preceito trazido pela mesma, em seu art. 174, para que o Estado intervenha no fomento, participe dos resultados e obtenha dados e informações suficientemente confiáveis e adequados para ampliar a participação dos entes cooperativistas nos programas e instrumentos das políticas públicas voltadas à redução das desigualdades tanto sociais quanto regionais. Com os benefícios de uma parceria estatal, o Cooperativismo, sem dúvida alguma, atingiria a confiança e a credibilidade que tanto almeja para envolver definitivamente os seus membros e toda a sociedade em seus ideais, fazendo com que a coletividade compartilhe de seus frutos e os transmita às futuras gerações. Referências BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 12. ed. São Paulo: Riddel, 2012. CENZI, Nerii Luiz. Cooperativismo: desde as origens ao Projeto de Lei de reforma do sistema cooperativos brasileiro. Curitiba: Juruá, 2009. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. MEINEN, Ênio; DOMIGUES, Jefferson Nercolini; DOMINGUES, Jane Aparecida Stefanes (org.). Aspectos jurídicos do cooperativismo. Porto Alegre: Ed. Sagra Luzzatto, 2002. NASCIMENTO, Fernando Rios do. Cooperativismo como alternativa de mudança: uma abordagem normativa. Rio de Janeiro: Forense, 2000. OLIVEIRA, Nestor Braz de. Cooperativismo: guia prático. 2. ed. rev. atual. Porto Alegre: OCERGS, 1984. PINHO, Diva Benevides. O cooperativismo no Brasil: da vertente pioneira à vertente solidária. São Paulo: Saraiva, 2004. 376

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL SENA SEGUNDO, Oswalter de Andrade. O princípio constitucional da redução das desigualdades regionais e sociais e sua efetivação jurídico-política na ordem econômica. Revista Direito e Liberdade. Disponível em: http://www.esmarn.tjrn.jus. br/revistas/index.php/revista_direito_e_liberdade/article/view/94. Acesso em: 07 ago. 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CONCORRÊNCIA FISCAL E OS REFLEXOS NA ORDEM ECONÔMICA Maria de Fátima Ribeiro. Professora do Programa de Mestrado em Direito da UNIMAR – UNIVERSIDADE DE MARILIA. [email protected] Jonathan Barros Vita. Professor do Programa de Mestrado em Direito da UNIMAR – UNIVERSIDADE DE MARÍLIA. [email protected] Autores vinculados ao Projeto de Pesquisa: OS FUNDAMENTOS DA ORDEM ECONÔMICA COMO LIMITES À TRIBUTAÇÃO: CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPLEMENTAÇÃO DE POLITICAS PÚBLICAS RESUMO: Na presente proposta pretende-se desenvolver estudo sobre o modelo de Estado brasileiro através de uma releitura das dimensões fiscais. Tal análise abordará as políticas tributárias e o desenvolvimento econômico à luz da Constituição Federal, passando pelos incentivos fiscais e subsídios, analisando, em especial, as questões que envolvem a implementação de políticas com vistas à livre iniciativa e livre concorrência, ao desenvolvimento sustentável, às políticas voltadas para a diminuição das diferenças regionais, entre outros aspectos. Como enfoque central, serão analisadas as relevantes questões tributárias envolvendo os princípios constitucionais da justiça tributária, da capacidade contributiva, da progressividade e da vedação de confisco com a apreciação sobre a ordem econômica prevista no artigo 170 aliado ao art. 3º da Constituição Federal brasileira, com estudo comparativo com o artigo 146-A, inserido pela Emenda Constitucional 42/2003, sobre a necessidade de lei complementar estabelecer critérios especiais para prevenir o desequilíbrio da concorrência. Na sequência, serão avaliadas algumas jurisprudências, demonstrando a posição do Estado brasileiro contemporâneo na implementação de políticas públicas tributárias para a aplicação de práticas do desenvolvimento econômico e social, considerando as peculiaridades, sem desbordar as conotações internacionais. Palavras-chave: Concorrência Fiscal; Ordem Econômica; Políticas Públicas; Incentivos Fiscais. SUMMARY: In this proposal we intend to develop a study on the model of the Brazilian state through a rereading of the fiscal dimensions. This analysis will address tax policies and economic development in the light of the Constitution, through the tax incentives and subsidies, analyzing in particular the issues surrounding the implementation of policies aiming to free enterprise and free competition, sustainable development policies aimed at reducing regional gaps, among other things. As a central focus, analyze relevant tax issues involving the constitutional principles of fairness in taxation, ability to pay, progressiveness and seal confiscation with the appreciation of the economic order under Article 170 coupled with the art. 3 of the Brazilian Federal Constitution, with comparative study with Article 146-A, inserted by Constitutional Amendment 42/2003, on the need for supplemental law establish special criteria to prevent the imbalance of competition. 378

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Following are valued some jurisprudence, showing the position of the Brazilian state in contemporary public policy implementation for the application of tax practices of economic and social development, considering the peculiarities, without overflowing the international connotations. Keywords: Tax Competition, Economic Order; Public Policy Tax Incentives. INTRODUÇÃO A complexidade dos sistemas tributários dos países em desenvolvimento nos remete à discussão sobre a relação entre o nível de desenvolvimento e a carga tributária verificada nos mesmos. Ao dispor sobre um novo conceito de soberania fiscal, foram impostos padrões que coloca em discussão o papel do Estado, considerando uma ordem global caracterizada pela competição e pelas desigualdades. Esses parâmetros passaram a orientar a estruturação dos atuais sistemas tributários. As repercussões do nível de desenvolvimento econômico têm influenciado, especialmente na segunda metade do Século XX, a estrutura dos sistemas tributários contemporâneos. Atualmente o tributo não tem unicamente fins arrecadatórios. Nesse sentido, a dinâmica das estruturas econômicas e sociais favorece a abordagem do tributo como mecanismo de correção dos desequilíbrios do mercado por meio da correção das desigualdades sociais e das distorções na livre concorrência. Essa perspectiva contribuiu, igualmente, para o caráter excepcional do tributo como mecanismo de desenvolvimento econômico e social. O presente artigo tem como objetivo o estudo sobre o modelo de Estado brasileiro através de uma releitura das dimensões fiscais, abordando também as políticas tributárias e o desenvolvimento econômico à luz da Constituição Federal com os reflexos na livre concorrência. Inclui também estudo sobre os incentivos fiscais e subsídios bem como a livre iniciativa e livre concorrência no desenvolvimento econômico e social. REVISÃO DE LITERATURA A Constituição Federal brasileira de 1988 inovou ao apresentar representativa evolução no modo de concepção da atuação do Estado na sociedade, com a finalidade de promover o desenvolvimento. Deve-se destacar que o Estado brasileiro visa o desenvolvimento, principalmente destacado nos artigos 170 e 3º da Constituição Federal. O art. 170 dispõe sobre os valores buscados pela ordem econômica, aliados, aos princípios jurídicos, destacando-se entre eles: a soberania nacional; propriedade e sua função social; a livre-concorrência; a tutela do consumidor; a proteção do meio ambiente; a redução das desigualdades regionais; a busca pelo pleno emprego; o livre-exercício das atividades econômicas; o tratamento tributário favorecido para empresas de menor porte e a vedação de benefícios às empresas públicas e mistas. Referida Carta Política inseriu no próprio Sistema Tributário, uma reafirmação da livre iniciativa econômica e da livre concorrência, vedando, no inciso II do artigo 150, a instituição de tributação desigual em razão da atividade econômica desenvolvida pelo contribuinte. Tal vedação já consta dos postulados da livre iniciativa e da livre-concorrência previstos no artigo 170. De igual porte, a 379

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Constituição Federal também preconiza a preocupação do Estado com o bem-estar social, quando ressalta os objetivos fundamentais da República previstos no art. 3º: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais entre outros. No tocante às implicações da tributação com o desenvolvimento econômico, é patente de que a questão essencial não reside, somente, na menor ou na maior carga tributária, mas no modo pelo qual a carga tributária é distribuída. Os tributos podem afetar ou comprometer os fundamentos da Ordem Econômica dependendo da política tributária do país. São os fundamentos da Ordem Econômica que dimensionam o grau de intervenção do Estado na organização e atuação dos agentes econômicos. Segundo as lições de Gustavo do Amaral Martins (2008), a tributação não pode ser compreendida sem que sejam consideradas as questões de mercado. Em decorrência disso, o sistema tributário não pode ser compreendido sem que seja considerada a Ordem Econômica. Essa realidade, não vem sendo enfrentada a contento, pela maioria da doutrina nacional bem como pelas decisões do Poder Judiciário. A tributação é uma das formas do Estado, intervir na organização e funcionamento da economia, desempenhando também um papel relevante no que se refere às condições para o desenvolvimento econômico, com o direcionamento voltado à extrafiscalidade. Diversas decisões dos Tribunais pátrios enfatizaram não só a liberdade de trabalho como também a liberdade de comércio e a livre concorrência, em que restou declarado inconstitucional regime tributário, em face da liberdade de comércio e da livre concorrência. Deve ser ressaltado que a política tributária, embora consista em instrumento de arrecadação tributária, necessariamente não precisa resultar em imposição. O governo pode se valer de uma política tributária utilizando-se de mecanismos fiscais por meio de incentivos, de isenções entre outros institutos que devem ser considerados com o objetivo de conter o aumento ou estabilidade da arrecadação de tributos. Assim, a política tributária poderá ter caráter fiscal e extrafiscal. O cenário mundial aponta para um crescimento da participação nacional no intercambio de bens (mercadorias), com a globalização de mercados, gera a necessidade de instituição de políticas fiscais no Brasil que permitam conciliar desenvolvimento econômico com a melhoria de condições básicas para a sociedade. É evidente a dificuldade prática em compatibilizar estes dois objetivos do Estado Democrático, porque os interesses econômicos, na maioria das vezes, caminham frente a uma maior desigualdade social e em algumas situações, registrase a falta de políticas públicas adequadas, para atender aos ditames constitucionais. Neste paradigma as políticas públicas devem preponderar a questão da carga tributária como entrave ao crescimento econômico, instituído sob o paradigma da promoção do desenvolvimento como forma de garantir a efetivação dos direitos preconizados na Carta Constitucional. Ao Estado incube o preponderante papel de instituir políticas fiscais voltadas para o desenvolvimento econômico através da intervenção direta, seja ela manifestada pelos incentivos fiscais ou outra forma de desoneração fiscal.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL RESULTADO E DISCUSSÃO O estudo está sendo realizado pela análise dos textos de doutrina, de jurisprudência e de legislação. Será realizado estudo comparado entre o artigo 170, o art. 3º e 146A da Constituição Federal, considernado as diretrizes das organizações internacionais. Na continuidade do estudo serão analisadas algumas decisões judiciais que envolvem a livre iniciativa e a livre concorrência tendo como ponto de partida a incidência tributária e os seus reflexos na Ordem Econômica. Igualmente, será demonstrado, por intermédio das análises do material indicado, a eficácia da legislação pertinente por meio da implementação de políticas públicas em forma de incentivos fiscais e outras políticas de ordem fiscal e econômica. No Brasil, como em alguns países, a correlação entre tributação, sonegação e livre concorrência pode ser observada constantemente na prática pela ocorrência de fenômenos sociais lesivos à livre concorrência, tais como: a) carga fiscal excessiva e sua distribuição injusta entre os agentes econômicos; b) tributação e incentivos fiscais discriminatórios, que privilegiam uns em detrimento de outros; sonegação e pirataria, que permitem a prática de preços predatórios (ROTHMANN, 2009). CONCLUSÕES O presente estudo encontra-se em desenvolvimento. Pode-se, preliminarmente observar a importância da atuação do Estado no processo legislativo, para a aprovação de leis (políticas públicas) a efetividade dos princípios constitucionais da Ordem Econômica, notadamente os da livre iniciativa e da livre concorrência. Destaca-se a necessidade da observância nas diretrizes internacionais quanto às tratativas da concorrência fiscal, principalmente na União Europeia, observando a tendência das decisões dos tribunais pátrios. É papel do Estado, verificar os limites da concorrência fiscal ao instituir seus tributos, bem como na forma de dispensar os contribuintes da incidência dos mesmos, evitando com isso, proporções negativas para a atividade econômica e na competitividade entre as empresas. O artigo 146-A da Constituição Federal brasileira ao dispor que, lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios concorrenciais, embora forneça alguns caminhos, seguindo a tendência internacional (como por exemplo, o Código de Conduta da União Europeia), oferece algumas incertezas quanto o seu alcance. Isto porque, mesmo podendo o Estado valer-se da tributação extrafiscal, como instrumento de intervenção no domínio econômico, referido artigo não permite a correção de falhas de mercado ou a repressão de condutas abusivas por meio de tributos. A experiência jurídica nos casos concretos é que confirmará o alcance do artigo em referência. Neste contexto, devem ser consideradas também algumas práticas que afetam a concorrência, desde a sonegação, passando pelo abuso de ações judiciais com excesso de expedição de medidas liminares, fraudes entre outras medidas que desequilibram o mercado.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REFERÊNCIAS CALIENDO, Paulo. Direito Tributário e Análise Econômica do Direito. Uma Visão Crítica, CAMPUS, Elsevier, RJ, 2009. CARRAZZA, Roque. Curso de Direito Constitucional Tributário. SP, Malheiros, 2009. CARVALHO, Cristiano. Teoria do Sistema Jurídico: Direito, Economia, Tributação. SP, Quartier Latin, 2005. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, SP, Saraiva, 2009. ELALI, André. Tributação e Regulação Econômica. MP. SP, 2007. LAPATZA, José Juan Ferreiro. Direito Tributário – Teoria Geral do Tributo,Manole, 2007. MARTINS, Gustavo do Amaral. Mercado e Tributação: Os Tributos, suas Relações com a Ordem Econômica e a Necessidade de Considera-la na Interpretação e Aplicação do Sistema Tributário. In Direito Tributário e Políticas Públicas, DOMINGUES, José Marcos (coord.), São Paulo: MP Editora, 2008, pág. 26-27. MONCADA, Luís Solano Cabral de. Direito econômico. SP. RT, 2006. NABAIS, José Casalta. O Dever Fundamental de Pagar Impostos, Almedina, Coimbra, 2009; ______. Direito Fiscal. Almedina, Coimbra, 2010. PAZ FERREIRA, Eduardo et all. Crise, Justiça Social e Finanças Públicas. Almedina, Coimbra, 2009. ______. (org) Conferência Portugal, a União Europeia e os EUA Novas Perspectivas Económicas num Contexto de Globalização - Nº 3 da colecção. Almedina, Coimbra, 2010. RIBEIRO, Maria de Fátima (Coord.). Direito Tributário e Segurança Jurídica. MP Magalhães, SP, 2008. ______. O Papel do Estado no Desenvolvimento Econômico Sustentável: Reflexões sobre a Tributação ambiental como instrumento de políticas públicas, in Direito Tributário Ambiental (coord. Heleno Taveira Torres) Malheiros, SP, 2005. ______. A Incidência Tributária Ambiental no Desenvolvimento Econômico Sustentável e a Função Social do Tributo, in Direito Tributário e Segurança Jurídica. MP Editora, SP, 2008. 382

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ROTHMANN, Gerd Willi. Tributação, Sonegação e Livre Concorrência, In Princípios e Limites da Tributação 2. Roberto Ferraz (coord.). São Paulo: Quartier Latin, 2009, pág. 333. SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas Tributárias Indutoras e Intervenção Econômica. Forense, RJ, 2005. SILVA, Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da; José Casalta Nabais. O Estado pós-moderno e a figura dos tributos. Revista de Legislação e Jurisprudência, n. 3965, p. 14-24, 2011. TORRES, Heleno. Direito Tributário e Ordem Econômica. Quartier Latin, SP, 2010. VITA, Jonathan Barros; DINIZ, Marcelo de Lima Castro. Direito concorrencial e direito tributário: sham litigation em matéria tributária. In: Revista Tributária das Américas. São Paulo: Revista dos Tribunais, número 3, jan/jun, 2011. P. 349-370.

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A LIBERDADE DE CONCORRÊNCIA COMO INSTRUMENTO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS COMPETITION FREEDOM AS A TOOL FOR EFFECTIVE FUNDAMENTAL RIGHTS Wildemar Roberto Estralioto, UNIMAR - Universidade de Marília, [email protected]. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira, UNIMAR - Universidade de Marília, [email protected] Resumo: A investigação analisa a passagem do Estado liberal ao neoliberal, e as peculiaridades afetas à sua intervenção na atividade econômica para aborda as razões que motivaram a intervenção do ente público na ordem econômica, informando os instrumentos que delimitam o campo de atuação da livre inicitava. Trata do princípio da liberdade de concorrência e seu campo de incidência contextualizando os direitos fundamentais, com especial ênfase à sua efetivação. Conclui com a análise dos reflexos que a liberdade de concorrência produz na efetivação destes direitos fundamentais. Palavras chave: Intervenção do Estado; livre concorrência; direitos fundamentais. Abstract: The investigation analyses the passage from the liberal to neoliberal State, and the peculiarities of its intervention in economic activity. Discusses the reasons that motivated the intervention of the public entity in the Economic Order, informing the instruments that delimit the playing field of free initiative. It discusses the principle of free competition and its field of incidence in the context of the fundamental rights with special emphasis on its implementation. It concludes with the analysis of the reflexes that free competition produces the realization of these fundamental rights. Keywords: State Intervention; competition; fundamental rights. Introdução Com a derrocada do Estado liberal e posterior assunção do Estado neoliberal, a ingerência do ente público na ordem econômica assumiu relevante importância prática e teórica, tanto que sua abordagem constantemente tem sido referenciada em estudos dedicados ao tema. Este percurso desenvolvido pela história revelou que vários setores foram vitimados com o excesso de liberalismo garantido num primeiro momento, e com o intervencionismo extremo existente no período do Estado social. A economia foi afetada ora com o surgimento de monopólios (fruto do liberalismo), ora com o comprometimento do orçamento público (decorrente do intervencionismo excessivo). A necessidade de adequação deste quadro teve, no neoliberalismo, uma perspectiva de obtenção de equilíbrio. No Brasil é evidente a influência de cada um destes períodos. A livre iniciativa prevista no art. 1º e art. 170 da Constituição Federal revela que os atores privados têm assegurada a liberdade de atuação na atividade empresarial. Não obstante esta referência, os mesmos 384

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL artigos apresentam um rol de outros fundamentos e de princípios que contrastam com a ideia de liberdade irrestrita. Dentre estes princípios, encontra-se o da liberdade de concorrência que limita a ingerência do Estado na atividade econômica e proporciona equilíbrio às partes concorrentes. Com esta aplicação, a concorrência apresenta-se imprescindível para a concretização dos fins da ordem econômica. A competição impõe aos concorrentes a adoção de práticas voltadas à valorização da vida, da liberdade e segurança do consumidor, e com isso atua na efetivação de direitos fundamentais. Sem a competição os direitos dos consumidores estariam suscetíveis a violações. Revisão de literatura A intervenção do Estado na atividade econômica é tema que sempre motiva a pesquisa científica, isto em razão da discussão que circunda o tema, em especial quanto à sua necessidade ou utilidade. Dentro deste contexto, uma análise histórica revela as virtudes e vícios que a maior ou menor intervenção estatal produziu na atividade econômica e na efetivação de direitos. No Estado liberal, que tinha no liberalismo econômico seu elemento de distinção, “Consumidores, fornecedores, comerciantes e produtores teriam forças suficientes para regular a vida econômica, abstendo-se o Estado dessa órbita, o que significava que o livre jogo do mercado seria o fator de regulação” (CLARK, 2001, p. 19). Apesar de ter atendido aos clamores econômicos e necessidades sociais da época, o modelo liberal de Estado possibilitou que as virtudes inicialmente motivadoras do seu surgimento viessem a gerar danos sociais que exigiam correção, tamanha a “[...] espoliação do trabalho, o doloroso emprego de métodos brutais de exploração econômica, a que nem a servidão medieval se poderia, com justiça, equiparar” (GRAU, 2010, p. 59). O liberalismo então pregado fez eclodir o monopólio dos meios de produção, e com isso a concentração de riqueza nas mãos de alguns poucos, o que gerava um grave desequilíbrio na relação entre fornecedor (produtor) e consumidor. As “[...] imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último, associadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado”. (GRAU, 2010, p. 19/20). Diante destes fatores, o Estado, “[...] coagido pela pressão das massas [...] estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual [...]” (BONAVIDES, 2011, p. 186). Esta atuação lhe garantiu a titulação de social, entendida esta mudança como uma “transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal” (BONAVIDES, 2011, p. 184). A partir de então a intervenção do Estado na atividade econômica tornou-se legítima e até necessária. Contudo, em especial após a Segunda Guerra Mundial surgem críticas veementes a esta política econômica de intervenção, fruto do endividamento gerado aos Estados que dela fizeram uso sem um planejamento apropriado. Para sanar este problema “O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas [...]” (ANDERSON, 2003, p. 11). Com este pensamento, concluiu-se que a intervenção era necessária, contudo, deveria 385

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ser minimizada. Sob esta nova perspectiva de participação do Estado no controle da atividade econômica é que surge o neoliberalismo. No Direito brasileiro, “[...] são inúmeras as causas que justificam a intervenção: a compatibilização do desenvolvimento econômico com a preservação dos bens da natureza; o desemprego estrutural; a evolução tecnológica; o incentivo ou o controle das concentrações econômicas por parte do capital nacional e/ou internacional; o combate às disparidades regionais; o incremento às pequenas e microempresas etc.” (CLARK, 2001, p. 23). Apesar de ter assegurado o exercício da livre iniciativa, é corrente o entendimento que, sob o aspecto econômico, o “[...] perfil que a Constituição desenhou para a ordem econômica tem natureza neoliberal” (COELHO, 2011, p. 204), isto em razão das limitações impostas pelo seu próprio texto ao exercício desta atividade. O Estado brasileiro, no modelo atual, deve manter-se neutro diante do fenômeno concorrencial, contudo, proibindo formas de atuação que deteriorem a concorrência (GRAU, 2010. p. 206), que é de relevante importância para o atendimento de necessidades vitais da pessoa. A expressão concorrência indica, etimologicamente, o “quanto a „competição‟ pode estimular a eficácia, promovendo o aumento da produtividade, a baixa dos preços de custo e a melhora dos serviços prestado” (VAZ, 1993. p. 23). Na condição de princípio, tem por função o “alcance de um bem maior, o de assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social” (SANTIAGO, 2008. p. 63). O direito concorrencial baseia-se na proteção do consumidor, e muitas vezes é pela proteção da “instituição” concorrência que seu interesse será protegido (SALOMÃO FILHO, 2007. p. 81). A “Constituição Federal elegeu a defesa do consumidor como um dos princípios assecuratórios de uma existência digna da pessoa humana, na qual deve se embasar toda atividade da ordem econômica [...]” (ZANOTI, 2009. p. 163). Assim, garantir a liberdade de concorrência se apresenta como instrumento de relevante importância para assegurar a efetividade da norma constitucional. Esta efetividade “[...] significa a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social. Ela representa a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social" (BARROSO, 2005, p. 71). Portanto, a iniciativa privada passa a ter relevante importância na efetivação dos direitos fundamentais. Os concorrentes, atuando dentro dos limites impostos pelo Texto Constitucional, são atores que desempenham papel imprescindível para a satisfação da dignidade da pessoa humana, do direito à vida, do direito à liberdade (de escolha), dentre outros. Resultados e discussão A pesquisa vincula-se ao estudo de disposições constitucionais e normativas que muitas vezes disciplinam interesses diversos, ou seja, de um lado o cidadão (como consumidor) e de outro a atividade econômica. Em razão dos vários pontos de conflito que a efetivação de um pode causar ao outro, faz-se uma análise da extensão da proteção dedicada à concorrência e seus reflexos nos direitos fundamentais. Esta condução do estudo tem por finalidade revelar se a liberdade para o exercício da atividade empresarial é fundamental para garantir uma maior competitividade. Busca também analisar se uma ampliação da competitividade exige 386

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL a adoção de estratégias empresariais que conduza a uma maior atração de consumidores. E por fim poder responder ao seguinte questionamento: num mercado sem concorrentes a ordem econômica estaria cumprindo seus fins e os direitos fundamentais estariam preservados? Conclusão Do liberalismo econômico ao intervencionismo do Estado na atividade econômica, são encontradas virtudes que beneficiaram a economia no seu respectivo tempo, mas que fizeram eclodir a necessidade de serem promovidas adequações. O pensamento neoliberal surgiu como um elo de equilíbrio entre dois extremos, pregando a liberdade de atuação econômica, mas impondo limites aos atores privados, e exigindo a atuação do Poder Público para balancear esta ação. No Brasil, a Constituição dedicou seu artigo inaugural, e todo seu Título VII para tratar destas normas de equilíbrio entre a liberdade irrestrita e o intervencionismo excessivo. Para tanto, garantiu a livre iniciativa como fundamento da República Federativa e da Ordem Econômica, mas impôs muitos outros fundamentos e princípios que balizam a atuação do setor privado e do Estado. A liberdade de concorrência é um dos princípios vetores da ordem econômica, e como tal, tem uma importância vital para permitir o acesso aos mercados pelos atores privados, o que amplia a perspectiva de atendimento das necessidades vitais do ser humano. Com uma pluralidade de competidores, garantidos pelo princípio da liberdade de concorrência, o direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a liberdade serão melhor atendidos, e de forma muito mais efetiva, pois independerá da intervenção direta dos poderes constituídos para serem atendidos. Referências ANDERSON, Perry. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2003. BARROSO, Luiz Roberto. Temas de direito constitucional – tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011. CLARK, Giovani. O município em face do direito econômico. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial : direito de empresa. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 (interpretação e crítica). 14ª ed. revista e atualizada – São Paulo : Malheiros Editores, 2010. 387

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL SALOMÃO Filho, Calixto. Direito Concorrencial – as condutas. 1ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007. SANTIAGO, Luciano Sotero. Direito da Concorrência: doutrina e jurisprudência. Salvador: JusPodivm. 2008. VAZ, Isabel. Direito Econômico da Concorrência. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. Empresa na ordem econômica: princípios e função social. Curitiba: Juruá, 2009.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL GLOBALIZAÇÃO E A RESPONSABILIDADE EMPRESARIAL EM FACE DAS ATIVIDADES DE RISCO NAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL GLOBALIZATION AND CORPORATE RESPONSIBILITY IN FACE OF RISK ACTIVITIES IN THE LABOR RELATIONS IN BRAZIL Lourival José de Oliveira (COORDENADOR), Lina Andréia Santarosa, Suzi Cristine Simões Sedassari, Amaury de Mello, Emerson Oliveira de Faria, Christiane Spiti, Claudia Ferreira Alves Teixeira, Danielle Riegermann R. Damião e Rafaela Geiciani Messias - UNIMAR Resumo: A responsabilidade do empregador em relação aos seus empregados aparece tipificada no artigo 7º, XXVIII da Constituição Federal, abrangendo o seguro contra acidente de trabalho, que na verdade trata-se do seguro previdenciário, envolvido pela responsabilidade objetiva, onde, independentemente da culpa do empregador, em ocorrendo o resultado danoso, como por exemplo, acidente de trabalho, surgirá em favor do empregado o direito ao benefício previdenciário. Acontece que com a dinâmica empresarial surgem novos procedimentos ou processos de produção ou de prestação de serviços capazes de trazer imanente um risco cotidiano no próprio desenvolvimento de determinadas atividades, ou, em dadas circunstâncias, atividades ditas como normais podem expressar temporariamente ou circunstancialmente um risco acentuado, produto do próprio desenvolvimento da referida atividade empresarial. Ficou assim delimitado o problema que está sendo enfrentado neste trabalho de pesquisa, que envolve as situações acima descritas, entendendo como tais, formas de realização de tarefas ou atividades profissionais, seu acúmulo, intensidade, e outras variáveis, que pelo modo imposto à sua produção, crescentes em uma economia globalizada, são capazes de causar a responsabilização direta do empregador pelo risco que se tornou imanente naquela atividade. Palavras Chaves: Ambiente de trabalho; responsabilização empresarial; risco empresarial. Abstract: The responsibility of the employer towards its employees appears typified in Article 7, XXVIII of the Constitution, including insurance against accidents at work, which in fact it is the insurance pension, surrounded by strict liability, where, regardless of fault of the employer , occurring in the result harmful, such as work accident, appear in favor of the employee the right to social security benefits. It turns out that with the business dynamics are new procedures or production processes or services capable of bringing a risk everyday immanent in the very development of certain activities, or, in certain circumstances, as said normal activities may temporarily or circumstantially express an increased risk , product development itself of that business activity. It was thus defined the problem being faced in this research work, which involves the situations described above, understanding as such, embodiments of tasks or professional activities, its accumulation, intensity, and other variables, so that the tax on its production, growing in a globalized economy, are 389

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL capable of causing direct employer accountability for risk that has become immanent in that activity. Keywords: Work environment; corporate accountability; business risk; Introdução A atividade empresarial necessita ser equacionada em termos de responsabilidade empresarial, muito embora a Constituição Federal tenha estabelecido como regra geral em termos de responsabilização da empresa, a ocorrência de dolo e de culpa do empregador, para que houvesse a responsabilização do empregador. E empresa, em um primeiro momento, deve assumir os riscos de sua atividade, envolvendo neste risco, a responsabilidade em relação aos seus trabalhadores diretos e indiretos. Várias linhas de raciocínio conduzem a esta conclusão, valendo citar a questão da hipossuficiência do empregado, o próprio risco empresarial e a função social que por ela deve ser cumprida. Não é possível falar em função social sem se cogitar sobre responsabilidade empresarial ao mesmo templo. Trata-se de algo objetivo, imanente à própria atividade empresarial. A inclusão da responsabilidade objetiva somente quando se tratar de seguro previdenciário não atende às várias atividades empresariais que gozam de um contínuo risco, bem como em relação às mudanças de procedimentos de produção ou prestação de serviços, que devido aos métodos adotados pela empresa, após processos globalizantes, transformam atividades que antes não era de risco. Não se quer aqui pautar pela prevalência da responsabilidade objetiva em qualquer circunstância. Quer se estudar de forma mais aprofundada as variáveis que podem transformar a concepção sobre a responsabilidade empresarial, em especial diante das relações de trabalho, deixando em parte a socialização do risco empresarial, consubstanciada no seguro previdenciário, e passando para a responsabilidade da empresa a partir da análise do caso concreto, levando se em conta os principais fatores envolvidos naquela determinada produção industrial.Não é possível, a partir da constatação das mudanças de procedimentos que foram aplicados na produção, não estudar as implicações que as mesmas mudanças produziram no campo da responsabilidade empresarial, ou, diante da socialização dos riscos empresariais, ocorridos a partir do momento em que a sociedade em geral contribui para a manutenção do sistema previdenciário, não querer fazer com que aquele que obteve vantagens diretas a partir da sua atividade empresarial, não devolva à mesma sociedade parte dos prejuízos a ela causados. Revisão de literatura Tanto na doutrina como na jurisprudência são encontradas construções que apontam para a responsabilidade objetiva do empregador quando a empresa desenvolve atividade de risco, como por exemplo, produção de explosivos, que no caso implica em uma atividade de perigo permanente para as pessoas que laboram, ou, na guarda e condução de valores em dinheiro ou equiparado, como o caso dos que trabalham em carro forte, que também implica em um risco inerente à própria atividade. Outra linha doutrinária, já a alguns anos, desenvolve a tese que todas as 390

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL atividades em que os empregados recebem o adicional de insalubridade ou periculosidade implicam em atividades que em ocorrendo algum dano àqueles que nela laboram, deva ser aplicada a teoria da responsabilidade objetiva, por conta que o recebimento dos referidos adicionais já atesta a existência do risco.Agora, o que falar daquelas atividades que pela própria dinâmica empresarial ou as circunstâncias que a cercam em determinado momento (situação temporária), cria um risco imanente à mesma atividade? Vale citar, a título exemplificativo, o caso de um professor, que dentro da normalidade, não exerce uma atividade perigosa ou que tenha um risco manifesto, mas que, lecionando em dada escola ou localidade, marcada estatisticamente por um elevando índice de práticas criminosas ou que naquele estabelecimento escolar constata-se um comportamento atípico dos alunos, com práticas reprováveis socialmente, implica na geração de um risco acentuado para todos que ali trabalham ou mantenham contato. Neste caso a atividade docente naquela localidade não passaria a ter o conteúdo risco na sua realização, que não é própria da atividade, mas das circunstâncias que a cercam. Caso assim seja entendido, não seria aplicada a responsabilidade objetiva no caso? Outra situação é aquela empresa que adota em sua organização produtiva procedimentos que requerem dos que ali trabalham uma acumulação de funções, para o fim direto de excluir postos de trabalho, reduzir custos e elevar a produção. Nestas circunstâncias ou condições de trabalho, deve-se analisar com mais afinco várias circunstâncias, ainda que não exista regulamento específico para aquela determinada atividade. As condições de trabalho devem ser analisadas levando-se em conta o meio ambiente onde o trabalhador executa o seu trabalho, a forma como ele executa, o cumprimento de objetivos de cada tarefa e o respaldo ou apoio empresarial que recebe para a realização dessas várias tarefas. Vale citar aqui os motoristas de transporte coletivo que acumulam a função de cobrador. Fica demonstrada, em hipótese como a exemplificada, que a acumulação de funções sobre a mesma pessoa, no caso o motorista, implica diretamente na geração de um risco manifesto para qualquer incidente que ocorrer naquela atividade, bem como pode também causar uma elevação do risco social, no que se refere à segurança pública. Fica assim delimitado o problema a ser enfrentado neste trabalho de pesquisa, que envolve as situações, entendendo como tais, formas de realização de tarefas ou atividades profissionais, seu acúmulo, intensidade, e outras variáveis, que pelo modo imposto à sua produção, crescentes em uma economia globalizada, são capazes de causar a responsabilização direta do empregador pelo risco que se tornou imanente naquela atividade. Resultados e discussões Foram elencadas propostas para a construção ou modificação do ambiente de trabalho com o fim de torná-lo propicio ao desenvolvimento da atividade empresarial, zelando primeiramente para o bem estar dos trabalhadores. As propostas foram trabalhadas em dois grupos. O primeiro grupo foi chamado de propostas preventivas. Dentre elas vale citar: adequação de horários de trabalho visando o melhor enquadramento do trabalhador; participação ativa dos trabalhadores na gestão da empresa, trabalhando diretamente e em conjunto com a área 391

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL administrativa da empresa. O segundo grupo foi chamado de propostas de responsabilização, onde trabalho com o risco empresarial, levando-se em conta a sua intensidade e forma de incidência, com vistas a justificar a aplicação da teoria objetiva em termos de responsabilidade civil. Em um terceiro momento buscou-se elaborar um estudo com a finalidade primeira de levar à criação de um ambiente que propicie a interação entre todos os trabalhadores, administradores e a comunidade onde a empresa está inserida. Uma terceira etapa da pesquisa visou desenvolver projetos de inclusão social em conjunto com a comunidade, de forma a tentar implementar um programa de qualidade de vida no trabalho, envolvendo as áreas da saúde, educação do trabalhador e de sua família. Embora a última etapa tenha ficado de certa forma além da delimitação do projeto, entendeu-se que era importante, considerando a necessidade de dar complemento ao estudo proposto, uma vez que não pode circunscrever-se apenas à questão da responsabilidade civil do empregador. Conclusões O estudo concluiu em síntese que a empresa possui a obrigação de adotar os paradigmas que compõe o conceito de sustentabilidade, proclamada por diversos estatutos internacionais e por dispositivos contidos na Constituição Federal, valendo citar a Declaração de Direitos Humanos e outros documentos vinculados à Organização Internacional do Trabalho e artigos 1º, 3º e 170 todos do texto constitucional. Os Estados nacionais assim como as organizações de trabalhadores e de empregadores possuem singular importância no tocante à efetividade de práticas de responsabilidade empresarial. Criou-se a necessidade do aperfeiçoamento de instrumentos ou procedimentos que tornem mais rápidas e objetivas a adoção pelas empresas deste novo paradigma, que implica na mudança em sua forma de gerenciamento, resultando na alteração em sua forma de relacionamento com o público interno e externo. Também, na construção de políticas comuns com o Estado, fazendo eclodir um plano harmonioso de combate a várias situações de risco social, o que torna a empresa uma realizadora de ações públicas. Neste sentido, propõe-se, principalmente através de tutelas preventivas, impor à empresa a adoção desta mudança de gestão. Caso contrário, a empresa estará praticando ato ilícito, passivo de punição preventiva. Com esta prática inibitória, obriga-se a empresa a efetivar condutas de responsabilidade social. No plano direto da responsabilidade civil da empresa, que é o núcleo primeiro da discussão, concluiu-se pela adoção da teoria da responsabilidade objetiva, levando-se em conta o ambiente de trabalho, considerando-o com seus elementos materiais e imateriais. Referências ARAÚJO, Luís César. Tecnologias de Gestão Organizacional. São Paulo: Atlas, 2001. ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2003. 392

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BARTLETT, Christopher A.; GHOSHAL, Sumantra. Gerenciando Empresas no Exterior:A Solução Transnacional. São Paulo: Makron Books, 1992. DANTAS, Marcelo Buzaglo. Tutela de urgência nas lides ambientais: provimentos liminares, cautelares e antecipatórios nas ações coletivas que versam sobre meio ambiente. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. MARINONI. Luiz Guilherme. MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Específica (arts. 461, CPC e 84, CDC). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000. MEIRELLES, Edilton. O novo Código Civil e o direito do trabalho. São Paulo : LTr, 2002. MINTZBERG, Henry. Moldando a Estratégia. In: MINTZBERG, Henry et al.. O processo da estratégia: conceitos, contextos e casos relacionados. 4. ed. Porto Alegre: Bookman, 2006, p.130-136. PASSOS, J. J. C. de. Função Social do Processo. http://jus.uol.com.br/revista/texto/3198/funcao-social-do-processo, 24.01.2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR E A LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL CONSTITUTIONALIZATION THIRD SECTOR AND LEGITIMATE JURISDICTION OF THE DEMOCRATIC CONSTITUTIONAL Marcelo José das Neves - especialista em Direito administrativo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Pósgraduado em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Mestrando em Direito Econômico e Desenvolvimento na UCAM) - [email protected] RESUMO: O presente trabalho tem por objeto a análise de um recente caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, dentro um novo panorama jurisdicional constitucional, ensejado pelo neoconstitucionalismo. O estudo foi realizado com base no voto-vista proferido pelo Ministro Luiz Fux na Ação Direta de Constitucionalidade nº 1.923, escolhido por confrontar as opções políticas (legisladores e gestores) e a função contramajoritária da jurisdição constitucional (corte constitucional). PALAVRAS-CHAVE: neoconstitucionalismo; administração pública policêntrica; regulação, fomento e colaboração. ABSTRACT: This paper aims at the analysis of a recent case tried by the Supreme Court, in a new panorama constitutional court, occasioned by neoconstitutionalism. The study was based on the voting-view delivered by Minister Luiz Fux on Constitutionality of Direct Action nº. 1.923, chosen by confronting policy options (legislators and managers) and function against majority rule of constitutional jurisdiction (constitutional court). KEYWORDS: neoconstitutionalism; polycentric public administration; regulation, promotion e collaboration. INTRODUÇÃO Um recente caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal-STF, delineado dentro do quadro argumentativo traçado pelo voto-vista do Ministro Luiz Fux, bem baliza a nova cultura constitucional ensejada pelo neoconstitucionalismo no direito brasileiro. Como bem aponta o Ministro Fux109, o neoconstitucionalimo inaugurado pela Carta de 1988 com princípios e valores inseridos pela vez primeira com tamanha

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FUX, Luiz. Jurisdição Constitucional. Democracia e Direitos Fundamentais. Edição Especial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL expressividade na Constituição, instou o STF a pronunciar-se em diversos casos difíceis, segundo um novo panorama jurisdicional constitucional. O objeto deste estudo é o exame de constitucionalidade do marco regulatório das Organizações Sociais, entes de colaboração da Administração Pública, e, por via do controle concentrado de constitucionalidade realizado na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.923 (ADI Nº 1.923), a Lei nº 8.637/98 foi questionada em diversos de seus dispositivos, diploma de destaque por atingir diretamente a prestação de inúmeras atividades essenciais à população, tais como educação, cultura, saúde, ciência e tecnologia, e meio-ambiente. Espero que a análise deste caso seja capaz de espelhar o equilíbrio, na atualidade, do exercício da função contramajoritária do STF no controle de constitucionalidade, ainda que reverberado por um único voto, que vem ao encontro do fortalecimento de uma nova cultura constitucional, atenta aos limites da legitimidade democrática do modelo brasileiro de jurisdição constitucional. 1. A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO TERCEIRO SETOR A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.923 (ADI Nº 1.923) questionou a constitucionalidade do marco regulatório das Organizações Sociais, como anteriormente ressaltado, entes de colaboração da Administração Pública, diploma de relevo por envolver tema sensível, isto é, a prestação de inúmeras atividades essenciais à população e não menos indispensáveis ao desenvolvimento sócioeconômico sustentável, como, v.g., a educação, saúde, meio ambiente e a ciência e tecnologia. Antes de adentrar na análise propriamente dita do voto proferido pelo Ministro Luiz Fux sobre o tema em destaque, qual seja o exame da constitucionalidade da lei regedora das Organizações Sociais (Lei nº 8.637/98), mister esclarecer as formas de prestação dos serviços públicos previstos no ordenamento jurídico pátrio, bem como o que se entende por terceiro setor na órbita do Direito Administrativo, o que será enfrentado no tópico a seguir.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 2. DESCENTRALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS Convém, de início, diferenciar serviço público centralizado do descentralizado, sendo aquele o prestado diretamente pela Administração Direta (União, Estados e Municípios), e este último o repassado à Administração Indireta (Autarquia, Fundação, Empresa Pública, Sociedade de Economia Mista), ao Mercado Privado e também ao Terceiro Setor. Ressalte-se que não há um entendimento conceitual uníssono, por parte da doutrina, do que seja propriamente o Terceiro Setor. Lado outro, pode-se afirmar que esta expressão, tomada em seu sentido lato, é utilizada para identificar as funções da sociedade que não pertencem propriamente às atividades estatais, e nem às atividades de mercado, correspondentes, no caso brasileiro, ao primeiro e segundo setores, respectivamente. De igual forma, as Organizações Sociais (Terceiro Setor, no sentido estrito), os Serviços Sociais Autônomos (SESI, SESC, SENAI) e as Organizações da Sociedade de Interesse Público (OSCIPs), compõem, induvidosamente, o Terceiro Setor em seu sentido mais aberto. No tocante à descentralização dos serviços públicos, insta esclarecer que ela pode ser realizada por outorga ou por delegação. A outorga caracteriza a transferência da titularidade e execução da prestação de serviços públicos e atividades, através de lei, sendo que dita titularidade não pode sair das mãos da Administração, isto é, a outorga só pode ser dada à Administração Direta, e a parte da Administração Indireta constituída pelas Pessoas Jurídicas de Direito Público (Autarquia e Fundação Pública), e, não, às Sociedades de Economia Mista e às Empresas Públicas. Por outro lado, na delegação transfere-se só a execução dos serviços ou atividades, também por meio de lei. Esta transferência é feita para a Administração Indireta (autarquia, fundações públicas, empresa pública, sociedade de economia, agências reguladoras). Esse tipo de transferência pode ainda ser realizada para particulares por meio de contrato, conforme previsão do art. 175 da CRFB/88, como exemplificam as concessionárias e permissionárias de serviço público. Pode-se mesmo delegar por ato administrativo a particular; por meio de autorização. 396

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ao lado da Administração Pública Direta (primeiro setor) e da Indireta (que integra o segundo setor, isto é, o mercado, juntamente com as empresas privadas), tem-se o terceiro setor, acima já referenciado, que, repise-se, é integrado por entes de colaboração, que estão fora da Administração Pública, sendo também chamados de entes paraestatais, aí incluídos os Serviços Sociais Autônomos (SISTEMA “S”), Entidades de Apoio (muito encontradas junto às Universidades), as Organizações Sociais (OS) – objeto de nossa análise -, e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). 3. AS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OS) E A COLABORAÇÃO Agora sim, traçadas estas considerações iniciais, passamos a nos deter na análise do ordenamento das Organizações Sociais (OS), que foi questionado pela ADI nº 1.923. Com respaldo na Lei nº 9.637/98 - que dispõe sobre a qualificação de entidades como organizações sociais, a criação do Programa Nacional de Plubicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas atividades por organizações sociais -, as OS são constituídas como Pessoa Jurídica de Direito Privado, sem fins lucrativos, encontrando-se, como já dito, fora dos limites da Administração Pública. Uma OS advém, por regra, da extinção de estruturas da própria Administração, e recebe a cessão de servidores dessa administração, bem como dotação orçamentária e bens públicos, vinculando-se à Administração por meio do estabelecimento de um contrato de gestão. A finalidade das OS é exercer a colaboração com a Administração Pública, com o Estado, para a realização de serviços públicos sociais, nas áreas de educação, cultura, saúde, ciência e tecnologia, lazer e desporto, e meio ambiente. Sobre o exato conceito de colaboração, de se acolher a lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto110, que, ao tratar do princípio da consensualidade, um dos 110

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Renovar , 2000. p. 25-27.

Mutações do Direito Administrativo, Rio de Janeiro:

397

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL mais relevantes nas reformas da administração pública brasileira, assim pontificou sobre o tema, verbis: “Quanto ao princípio da consensualidade, sua aplicação leva á substituição sempre que possível, da imperatividade pelo consenso nas relações Estado-sociedade e à criação de atrativos para que os entes da sociedade civil atuem em diversas formas de parceria com o Estado. Com efeito, a administração pública admite ser exercida tanto pela via da subordinação quanto da coordenação. Administração pública subordinativa é unilateral, hierarquizada e linear, já tendo esgotadas as suas formas de atuação coercitivas no campo da gestão dos interesses públicos. Por outro lado, a administração pública coordenativa é multilateral, equiordinada e radial, apresentando manifestações consensuais novas e em plena expansão. (...) As formas de participação que se logram pela consensualidade são cada vez mais importantes nas democracias contemporâneas, uma vez que contribuem para aprimorar a governabilidade; (...) Assim é que a ascensão da sociedade civil, que, como já se apresentou, vem como um resultado da densificação da consciência de seus interesses e de ser ela própria a origem e destinatária do poder público, está produzindo uma rica tipologia contemporânea da consensualidade envolvendo as atividades do Estado na produção das normas (a regulatória, através de fontes alternativas, fontes consensuais, e de fontes externas); na administração pública (formas alternativas, associativas e consensuais) e na solução dos conflitos (órgãos e formas alternativas de composição). Expandem-se e diversificam-se, em consequência, as formas coordenadas de atuação consensual, tanto pela via da cooperação, que se processa entre entes públicos, como da colaboração, que se dá entre entes públicos e particulares.”

A atuação do poder público, no caso do estabelecimento de colaboração com as Organizações Sociais, dá-se de forma indireta, com o uso do instrumental jurídico para incentivar os particulares a executarem os serviços públicos sociais imanentes ao campo de atuação dessas entidades, máxime por meio do emprego de fomento, isto é, pelo incentivo e estímulo à participação, com a cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública, sem embargo da celebração de um contrato de gestão, que cristaliza o controle a ser exercido pela Administração Pública, agora sob o ângulo do resultado.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Com efeito, como preconiza o art. 174 da Constituição Republicana, o Estado, como agente normativo e regulamentador da atividade econômica, pode e deve exercer a sua função de estímulo à ação dos sujeitos econômicos, e os contratos de gestão ajustados com as OS tipificam o exercício desse desiderato, que podem contemplar, inclusive, o fomento ao desenvolvimento nacional sustentável nas respectivas áreas de atuação, que são imanentes às OS, isto é, meio ambiente, educação, cultura, saúde, ciência e tecnologia, lazer e desporto. 4. A AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.923 Pela via do ajuizamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.923, por parte do Partido dos Trabalhadores – PT e do Partido Democrático Trabalhista -PDT, restou questionada, ainda em 1998, a referida Lei nº 9.637/98, principalmente frente a possibilidade de contratação dos serviços destas entidades pela Administração Pública por meio de Dispensa de Licitação, o que se tornou possível ante a inclusão do inc. XXIV no art. 24 da Lei nº 8.666/93111, com a redação conferida pela Lei nº 9.648/98. De igual modo, os autores da ação alegaram que diversos dispositivos do marco regulatório das OS afrontavam ao que disposto nos artigos 5º; 22; 23; 37; 40; 49; 70; 71; 74, § 1º e 2º; 129; 169, § 1º; 175, caput; 194; 196; 197; 199, § 1º; 205; 206; 208, § 1º e 2º; 211, § 1º; 213; 215, caput; 216; 218, §§ 1º, 2º, 3º e 5º; 225, § 1º, e 209, todos da CRFB/88. Houve o indeferimento da medida cautelar em razão de descaracterização do periculum in mora, o que se deu no ano de 2007, vindo o mérito a ser julgado em 2011, de início, com a apresentação do voto do Relator, Min. Ayres Brito, pela procedência parcial do pedido, e, depois de pouco mais de um mês e meio, foi proferido o voto-vista pelo Ministro Luiz Fux, que representou uma reafirmação da opção política manifestada no jogo democrático, com a clara preocupação de exercer a função contramajoritária da jurisdição constitucional, segregando-a, 111

Art. 24. É dispensável a licitação: (...)XXIV - para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL porém, de uma juristocracia, decidindo pela procedência parcial do pedido, para conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 9.637/98 e ao art. 24, XXIV da Lei nº 8.666/93. Sobre a citada função contramajoritária da jurisdição constitucional, Conrado Hübner Mendes112 traz à baila o pensamento de Dwork, in expressis verbis: “Para Dwork, a democracia, na sua versão mais genuína, não é apena um regime de indivíduos que se juntam para tomar decisões coletivas, processar seus interesses individuais e convertê-los em políticas públicas por intermédio da regra da maioria. Democracia é também isso, mas, antes, precisa conquistar a filiação moral de seus membros na comunidade política. (...) Democracia, assim, para que mereça o lugar de epítome da justiça política, não pode se restringir à satisfação do bem-estar geral (policy), mas deve respeitar os direitos individuais (princípios). As decisões sobre a primeira dimensão se legitimam pelo critério de “quem” e “”como” se decide: um parlamento representativo por meio do método puramente estatístico da regra da maioria, que promove a igualdade formal – “um homem, um voto” (legitamação ex ante). As decisões sobre a segunda, no entanto, legitimam-se apenas por seu conteúdo, pela resposta certa, independentemente de quem decida (legitimação ex post). Se ao tribunal couber essa missão, não há que se questionar a sua falta de legitimidade por não ter sido eleito, pois esta não seria a forma de se mensurar a legitimidade do “fórum do princípio”.

No julgamento da ADI nº 1.923/DF, verdadeiramente, subjazia à solução da controvérsia o risco de substituição das escolhas políticas do legislador quanto aos diversos modelos de intervenção estatal nos domínios econômico e social, risco que o voto de vista do Ministro Luiz Fux, com muita propriedade, revelou, ao ressaltar que o caráter pluralista da Constituição de 1988 alberga tanto a intervenção direta quanto indireta, pelo fomento e pela regulação, nos setores tocados pelas Organizações Sociais, como anteriormente por nós destacado. Assim, muito embora as Organizações Sociais não integrem o conceito constitucional de Administração Pública, devem se submeter, por força do repasse a elas dirigido de recursos, bens e servidores públicos, ao núcleo essencial dos princípios da impessoalidade, da moralidade, da eficiência e da publicidade (caput 112

MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011. Série Direito Desenvolvimento Justiça; Produção Científica. p. 17-18.

400

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL do art. 37 da CRFB/88), isto é, devem observar um feixe mínimo dos matizes do regime jurídico de direito público, sem sufocar a agilidade inerente às formas do regime de direito privado, a que faz parte por essência, tendo sido esta a pedra de toque para a declaração da constitucionalidade sufragada no voto, isto é, uma interpretação conforme a Constituição, e, não, um veto puro. O voto-vista apresenta uma leitura sistemática do que se poderia denominar de perfil constitucional do Terceiro Setor, norteado pela análise de cada um dos tópicos em que o regime legal das Organizações Sociais é reputado em suposta desarmonia com a Constituição Republicana, desmontando, um a um, cada um dos argumentos dos autores da referida ADI, como, por exemplo, destaca-se a questão afeta á Dispensa de Licitação, entendida como em plena sintonia com a finalidade que a doutrina contemporânea denomina de função regulatória da licitação, através da qual este certame passa a ser também vista como mecanismo de indução de determinadas práticas sociais benéficas, fomentando a atuação de Organizações Sociais que já ostentem, à época da contratação, o título de qualificação, caracterizando-as como colaboradoras do Poder Público no desempenho dos deveres constitucionais no campo dos serviços sociais, conforme escólio, anteriormente demonstrado, do professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto113. Todo o desenrolar do voto está caracterizado pelo emprego do direito administrativo contemporâneo, que, nas últimas duas décadas, vem sofrendo forte mutação, com a adoção de novo referencial, que passou do controle da vontade ao do resultado, o que tão claramente pode ser caracterizado pela adoção dos modernos conceitos de legitimidade e responsividade114 do administrador, administração pública de resultados, função regulatória das licitações, intervenção 113

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar , 2000. p. 25-27. 114 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2001. p. 83. “Princípio da responsividade – Se responder pela ilegalidade é dever tão antigo quanto o próprio Direito, responder pela ilegitimidade é tão recente quanto a consolidação histórica da democracia na cultura ocidental. O princípio da responsividade vem, por isso, complementar o princípio da responsabilidade e ampliar-lhe os efeitos, além da legalidade estrita, para inspirar e fundar ações sancionatórias do Direito Administrativo, voltadas à preservação do princípio democrático e da legitimidade, que dele decorre.Na verdade, tomada em seu sentido mais dilatado, a responsividade, tal como surgiu nos estudos sobre participação política, é princípio instrumental da democracia, uma vez que se destina a salvaguardar a legitimidade, ou seja, a conciliar a expressão da vontade popular, democraticamente recolhida, com a racionalidade pública.”

401

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL direta através de fomento, colaboração entre público e o privado, administração pública dialógica, entre tantos outros. Dita mudança do Direito Administrativo vem sendo construída na esteira da evolução natural do Estado, na inelutável exigência de sua intervenção de maneira especializada e eficaz em setores-chave da vida econômica, em suma, uma decorrência do novo Estado de tipo intervencionista, principalmente por meio de um maior destaque dado às estruturas de regulação. Com efeito, o modelo piramidal de Administração Pública - em que figura o governo no topo da pirâmide, de onde os agentes eleitos exercem controle político sobre as diferentes estruturas administrativas – ruiu, passando para uma configuração policêntrica, de modo a dar conta da regulação de setores sensíveis da vida social, neles incluídos certos setores da economia, como destaca Gustavo Binenbojm115, verbis: “A responsabilidade política do chefe de governo junto ao povo (em sistemas presidencialistas), ou ao parlamento (em sistemas parlamentaristas), num regime em que ele é também o chefe supremo da Administração, convolou-se em condição necessária da controlabilidade (accountability) social da atuação da burocracia. Pode-se mesmo dizer que esse era o contraponto democrático da chamada crise da lei e da notável expansão das margens decisórias da Administração na definição das políticas públicas. Pode-se dizer, assim, que este era um modelo piramidal de Administração Pública, figurando o governo no topo da pirâmide, de onde os agentes eleitos exerceriam controle político sobre as diferentes estruturas administrativas. Tal modelo entra em crise com a importação, para diversos países da Europa continetal e para o Brasil, da figura da independent regulatory agency (agência reguladora independente). Se, até bem pouco tempo, a institucionalização de autoridades administrativas com acentuado grau de autonomia em relação ao Poder Executivo Central revelava-se fenômeno restrito e peculiar à estrutura organizacional do Reino Unido e dos Estados Unidos da América, fato é que, desde a década de 70 do século passado, o fenômeno adquiriu tom universal, espraiando-se, com maior ou menor vigor, por diferentes países. Com efeito, este tipo de estrutura institucional só se proliferaria na Europa ocidental sob o influxo dos projetos de governança comunitária promovidos pela União Européia, com o nome de autoridade administrativa independente, enquanto só 115

BINENBOJM, Gustavo. Uma Teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 240.

402

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL chegaria no Brasil nos anos noventa, a reboque dos processos de privatização e reforma do Estado. (...) Passa-se, assim de um desenho piramidal para uma configuração policêntrica.”

E nesse novo cenário, neste novo quadro do direito administrativo constitucional, o voto-vista do Ministro Fux legitima-se por seu potencial de enriquecer a qualidade argumentativa da democracia, por propiciar uma interlocução institucional, dialógica entre os três poderes, caminhando a revisão judicial, pela via do controle de constitucionalidade, para muito além de um mero contrapeso. CONCLUSÃO Depreende-se da análise do voto-vista anteriormente exposto, engendrado pelo Ministro Luiz Fux no recente ano de 2011, que a aplicação das normas constitucionais não pode estar hoje jungida unicamente aos métodos usuais, posto que revelam-se, no mais das vezes, ineficientes para balizar o ambiente de incerteza e a enorme complexidade das relações jurídicas na atualidade, o que é ainda mais catalisado pelo perfil da Constituição Republicana de 1988, que, além de regras com conteúdo restrito, contempla uma ampla matriz axiológica. Exsurge também da tessitura do posicionamento do Min. Luiz Fux, cristalizado no seu voto-vista na ADI 1.923, a clara deferência às opções políticas manifestadas no jogo democrático, com o manejo do Direito Administrativo Contemporâneo em aguda sintonia com neoconstitucionalismo inaugurado com a Carta de 1988, com destaque para a maior interação deliberativa entre os poderes, de modo a franquear maior legitimidade à atuação da Corte Constitucional na produção da revisão judicial aplicada. Referências BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do Direito Administrativo. Direitos Fundamentais, Democracia e Constitucionalização. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

403

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL FUX, Luiz. Jurisdição Constitucional. Democracia e Direitos Fundamentais. Edição Especial. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2012. MENDES, Conrado Hübner. Direitos Fundamentais, Separação de Poderes e Deliberação. São Paulo: Editora Saraiva, 2011. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. ______. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2001.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ESPOSITO E FOUCAULT: A ABORDAGEM IMUNITÁRIA DA BIOPOLÍTICA ESPOSITO AND FOUCAULT: THE APPROACH OF IMMUNE BIOPOLITICS Marcos Nalli - Departamento de Filosofia, Mestrado em Filosofia – Universidade Estadual de Londrina (UEL) – Londrina/PR - [email protected] Resumo: O objeto do presente artigo é fornecer uma breve apresentação da filosofia de Esposito acerca da biopolítica à luz de suas considerações sobre a pertinência hermenêutica do “paradigma da imunização”, para seu entendimento bem com suas implicações na medicalização da vida. Terminamos por apresentar de modo sumário como o filósofo italiano crê ser possível conceber a biopolítica numa outra estrutura semântica, que tem a vida não mais como objeto de política e sim como realização da potência inovadora da vida. Palavras-chave: Esposito; Biopolítica; Comunidade, Imunidade; Medicalização; Vida. Abstract: The object of this article is to provide a brief presentation of the philosophy of Esposito on biopolitics in light of its consideration of the relevance of hermeneutics "of immunization paradigm" for understanding their implications in well with medicalization. We end by presenting a summary of how the Italian philosopher believed to be possible to conceive of biopolitics in another semantic structure, which has life not as an object of policy but as realization of innovative power of life. Keywords: Esposito; Biopolitics; Community Immunity; Medicalization; Life. * INTRODUÇÃO Atualmente, pode-se sustentar que há duas leituras majoritárias sobre Michel Foucault. Uma de caráter mais histórico-filosófico e outra de caráter mais polemizante. Pela primeira entendemos a leitura feita por comentadores do filósofo francês, que buscam compreender os meandros de seu pensamento, sua prolífica provocação conceitual, sua singularidade e originalidade argumentativa, seja no todo ou em partes de sua obra filosófica. Nesta perspectiva, parece haver uma tendência atual dentre seus comentadores em fornecer interpretações consistentes sobre a fase final de sua produção teórica, aquela de natureza mais ética e de um ponto de vista “estilístico”, mais próximo da argumentação filosófica, principalmente à luz de seus cursos no Collège de France. Por outro lado, também se percebe no cenário 405

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL internacional outro gênero de leitura, que aqui chamamos de “polemizante”, que tem por fim se valer de algumas categorias conceituais, de algumas abordagens, de algumas sugestões e provocações de Foucault acerca de alguns temas – que certamente transcendem a alcunha de temas foucaultianos. Aí, percebe-se que o foco é direcionado para um conjunto de textos de Foucault diverso daquele que parece ter se tornado prioritário aos comentadores. O foco recai principalmente sobre os textos em torno do ano de 1976, tendo como texto nuclear a última aula do curso daquele ano, Il faut défendre la société, no qual Foucault ensaia uma análise do fenômeno totalitário, particularmente o nazista, onde política e biologia se confundem de modo extremo. Essas leituras focadas na provocação interpretativa de Foucault podem ser tomadas como polemizantes, pois não têm como escopo analisar a perspectiva foucaultiana, mas aceitá-la em seu tom instigante e provocativo e, assim, buscam fornecer suas próprias leituras sobre o conjunto de fenômenos políticos que pode ser articulado em torno do binômio “política-biologia” e que não pode ser facilmente explicável à luz da filosofia política “clássica”. Essas leituras aceitam repensar a política a partir da perspectiva da biopolítica.116 DESENVOLVIMENTO Nesta perspectiva de leitura biopolítica, após Foucault, vários são os autores relevantes, mas certamente são os autores italianos que mais têm se destacado. E um desses mais expressivos, prolíficos e pertinentes é Roberto Esposito. Sua contribuição à tematização biopolítica pode ser inicialmente colocada a partir de duas perspectivas não conflitantes: primeiramente sua posição diante de dois outros filósofos italianos que também investiram suas reflexões na mesma perspectiva geral, mas cujos posicionamentos podem ser vistos como polarizações antagônicas, isto é, uma perspectiva positiva da biopolítica, expressa pelas reflexões de Toni Negri – exemplificadas por textos como Impero (2001) e Moltitudine (2004) – e outra abordagem negativa, com Giorgio Agamben – que pode ser tomada a partir de 116

Obviamente, não se trata de afirmar que há apenas estas duas perspectivas. Aqui, o objetivo foi apenas demarcar aquelas que parecem ser as duas abordagens majoritárias.

406

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Homo Sacer (1995), Quel che resta di Auschwitz (1998) e Stato di Eccezione (2004). A contribuição de Esposito seria, assim, em linhas gerais, uma espécie de mediania aristotélica a esses dois polos, nem extremamente positiva e nem extremamente negativa (CAMPBELL, 2008, p. 12). Outro ponto de partida consiste em perceber quais os seus textos importantes para esta discussão; e assim se depara com um conjunto de textos, livros, artigos, capítulos em coletâneas, que pode ser resumido a uma trilogia: Communitas: Origine e destino della comunità (1998), Immunitas: Protezione e negazione della vita (2002) e Bíos: Biopolitica e filosofia (2004); ou talvez até uma tetralogia (pelo menos até o presente momento), se incluirmos aí também Terza persona: Politica della vita e filosofia dell’impersonale (2007). É a partir dessa trilogia, ou tetralogia, que se pode captar a essência da contribuição de Esposito ao debate em torno da biopolítica. No entanto, para bem se entender sua contribuição, é preciso salientar desde o começo como é que Esposito visualiza o debate. Para ele, o que está em discussão de modo premente é entender aquilo que ele chamou de “o enigma da biopolítica”, a saber, como a biopolítica – que se caracteriza por um conjunto de ações e estratégias políticas que tem por objetivo a promoção e proteção da vida e da subjetividade – pode decair numa tanatopolítica (ESPOSITO, 2004 p. 34; 2010, p. 65), isto é, na adoção de medidas que dessubjetivam e suprimem formas de vida tomadas como dispensáveis, deletérias e perigosas à comunidade. Como ele diz expressamente: Qual o efeito da biopolítica? Chegado a este ponto a resposta do autor [isto é, Foucault] parece bifurcar-se em direções divergentes que levam em conta outras duas noções, desde o início implicadas no conceito de bios, mas situada nos extremos de sua extensão semântica: aquela de subjetivação e aquela de morte. Ambas – no que diz respeito à vida – constituem mais do que duas possibilidades. São ao mesmo tempo sua forma e seu fundo, sua origem e seu destino. Mas em cada caso, segundo uma divergência que parece não admitir mediação: ou uma ou outra. Ou a biopolítica produz subjetividade ou produz morte. Ou torna sujeito o próprio objeto ou o objetiva definitivamente. Ou é política da vida ou sobre a vida (ESPOSITO, 2004, p. 25; 2010, p. 54s).

Para dar conta de refletir, e assim resolver o enigma da biopolítica, Esposito formula o que chamou de “paradigma imunitário” pelo qual, semelhante à dinâmica 407

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL do sistema imunológico de um organismo, a imunização política é uma “proteção negativa da vida” (ESPOSITO, 2004, p. XIII; 2010, p. 24). A resolução da natureza paradoxal da biopolítica reside justamente em estabelecer uma relação de imanência entre uma e outra. Ora, a vantagem hermenêutica do modelo imunitário está precisamente na circunstância que estas duas modalidades, estes dois efeitos de sentido – positivo e negativo, conservador e destrutivo – encontram finalmente uma articulação interna, uma conexão semântica, que o dispõe em uma relação causal, ainda que seja de tipo negativo. Isto significa que a negação não é a forma da sujeição violenta que de fora o poder impõe à vida, mas o modo intrinsecamente antinômico em que a vida se conserva através do poder. Deste ponto de vista, pode-se muito bem dizer que a imunização é uma proteção negativa da vida (ESPOSITO, 2004, p. 42; 2010, p. 74).

Ao

ajuizar

que

a

abordagem

foucaultiana

da

biopolítica

falha

conceitualmente por não ser capaz de esclarecer o paradoxo em que a biopolítica incorre, a estratégia de resolução elaborada por Esposito consiste em realçar a relação de imanência que existe entre vida e poder, e entre vida e norma, a partir do conceito de “imunidade”; e isto fica ainda mais patente pois, pela categoria de “imunização”, pode-se articular aqueles dois efeitos de sentido, aparentemente antinômicos, entre o poder de conservar a vida e o de poder destruí-la. Na verdade, esta articulação fica ainda mais patente na medida em que se esclarece o próprio modo

de

funcionamento

da

imunização,

da

“autoconservação

imunitária”

(ESPOSITO, 2004, p. 43; 2010, p. 76), pelo qual se pode entender definitivamente o sentido de sua afirmação de que a imunização é uma proteção negativa da vida: todo o empenho de Esposito consiste em demonstrar como, símile ao sistema imunológico de um organismo, as sociedades reguladas pelo paradigma imunitário podem

se

valer

comprometedores

de da

elementos vida,

e

fatores

fatores

encarados

etiológicos,

como

carreadores

perniciosos,

de

morte

e

dessubjetivação, para assegurar alguma proteção da vida coletiva, comunitária. O primeiro passo para se entender o funcionamento geral do sistema imunitário é fornecido por Esposito pela articulação de dois livros anteriores a Bíos, a 408

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL saber, Communitas (1998) e Immunitas (2002). Em Communitas, Esposito identifica o grande problema niilista da comunidade, a partir da análise etimológica do conceito de “comunidade”, demonstrando que seu sustentáculo reside na obrigatoriedade, no dever de dar, assinalado pelo termo latino munus (em oposição a aquele de dom, caracterizado pela expontaneidade e gratuidade do presente, assinalada em ensaios do antropólogo Marcel Mauss ou do linguista Émile Beveniste), acirrado com a reciprocidade da obrigatoriedade. O munus, pois, na análise de Esposito, “Não implica de modo algum a estabilidade da posse [...] senão perda, subtração, cessão: é uma „prenda‟, ou um „tributo‟, que se paga obrigatoriamente. O munus é a obrigação que se contraiu com o outro, e requer uma adequada desobrigação” (ESPOSITO, 2007, p. 28). Por este motivo, Esposito sustenta a tese que o núcleo fundamental de toda a vida e organização da comunidade é uma impropriedade: não há, na comunidade, uma comunhão por identificação; os indivíduos não se reconhecem aí como semelhantes, mas como coobrigados ao ônus do tributo devido, numa cumplicidade pela ausência, pela irrealização do próprio do sujeito e do indivíduo. Por esta razão, há uma estreita vinculação entre comunidade e o nada, ou dito ainda de outro modo, a comunidade tem uma intrigante natureza niilista, pela qual se impede a realização plena dos indivíduos, de seus partícipes em sujeitos. Neste sentido, a comunidade nutre-se e se mantém com base num complexo processo de dessubjetivação do homem. Obviamente, tal tese é no mínimo surpreendente, posto que em linhas gerais a comunidade é vista como uma espécie de “porto seguro”, que garante a todos os indivíduos a possibilidade de ter a sua subjetividade assegurada e protegida. No entanto, partindo da análise filológica-semântica empreendida por Esposito, e tendo como resultado a explicitação da reciprocidade da obrigação tributária, a estrutura da comunidade desde seus fundamentos acaba por revelar uma faceta bem diversa, ao mesmo tempo que bem incômoda, uma vez que com ela, Esposito evidencia a natureza niilista da comunidade. A comunidade é uma invenção tecnológica que tem por finalidade primeira proteger os indivíduos que abriga de toda e qualquer ameaça, real ou provável, que se pode lançar contra eles: Certamente, a função política da comunidade – o conceito aristotélico de cidade já o evidencia – é o de promover e 409

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL garantir a felicidade dos indivíduos e do homem, transformando-o em bios politikos, mas sob o preço de lhes exigir como tributo que parte fundamental de sua essência, a saber, sua potência subjetiva de agir, seja devota ao bem comum. Daí a natureza niilista desse modelo koinocêntrico (ESPOSITO, 2008, p. 96): a partir da possibilidade justificada, ou melhor, legitimada, não apenas da submissão do indivíduo, mas inclusive de sua supressão em nome do bem comum, as estratégias comunitárias podem perfeitamente assumir a forma legitimada de práticas variadas de violência contra todos os possíveis inimigos de seu princípio comunal (ESPOSITO, 2007, p. 33). Ora, mas interpretar a comunidade nestes termos não apenas evidencia a sua natureza niilista. Já revela também seus traços imunitários, já previstos desde Communitas (ESPOSITO, 2007, p. 30), como forma de desobrigação tributária, símile àquela interpretação de Alain Brossat (2003, p. 26-29) da máxima latina noli me tangere em termos de contraposição entre intangíveis e intocáveis. O que de qualquer modo não invalida sua análise, posto que a contraposição entre comunidade e imunidade, no entender de Esposito, reside não entre os dois termos e sim entre imunidade e a reciprocidade da obrigação tributária, que deve ser quebrada

(ESPOSITO,

2009, p.

15). O

que,

neste

sentido,

ainda

que

paradoxalmente, a própria comunidade exige, mesmo que a reciprocidades seja instituída desde seus preceitos fundamentais, pois é o modo pelo qual ela também se justifica. A função maior do sistema imunitário é, assim, interrompendo o sistema de reciprocidade, impedir ou ao menos neutralizar o risco da deflagração niilista a que a comunidade está sujeita; e assim, a função do sistema imunitário é proteger a comunidade de si mesma. Para isto, o sistema imunitário pressupõe o negativo, aquilo que deve ser combatido como uma presença constante. É neste contexto de sentido que se justifica a interpretação espositiana dos perigos que acometem uma comunidade – modelo semântico de base para se pensar todas as organizações sócio-políticas, desde as mais simples até as mais complexas, típicas de nossa modernidade – como doenças, infecções, e o seu risco em termos de contágio; ou quando se constata o próprio perigo que pode irromper da comunidade, de doença 410

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL auto-imune. Contudo, por outro lado, para além do aspecto metafórico, há a sua pregnância hermenêutica que possibilita compreender de modo mais contundente a própria ambiguidade das estratégias biopolíticas – que Esposito definiu como seu enigma – na medida em que com o paradigma da imunização Eposito explicita o modo próprio de funcionamento da proteção por imunização, a saber, de que ela se vale daqueles elementos negativos, potencialmente desagregadores da vida comunal, para se proteger deles na iminência de sua intensificação, evitando assim os riscos de desagregação, de dessubjetivação e de morte, que em última instância são produzidos pela própria comunidade: Isto que vai imunizada, em suma, é a comunidade mesma em uma forma que juntamente a conserva e a nega – ou melhor, a conserva através da negação de seu originário horizonte de sentido. Deste ponto de vista se poderia chegar a dizer que a imunização, mais que um aparato defensivo sobreposto à comunidade, está em sua engrenagem interna. [...] Para sobreviver, a comunidade, cada comunidade, é constrangida a introjetar a modalidade negativa do próprio oposto; ainda que tal oposto permaneça um modo de ser, na verdade privativo e contrastante, da comunidade mesma (ESPOSITO, 2004, p. 48-49; 2010, p. 82).

Desse modo, portanto, Esposito equaciona e explicita como, ao menos a partir da modernidade, a comunidade apresenta implicações e desdobramentos totalitários e violentos, uma vez que ao buscar preventivamente se proteger de todos os riscos, possíveis e prováveis, ela tende a desarticular os indivíduos de sua potência criativo-afirmativa, de sua força subjetivadora. A imunização, cujo fim é de proteger a comunidade, acaba por acirrar ainda mais a tendência expropriativa de toda forma de vida conflitante e refratária aos padrões koinomônicos. Uma vida, uma subjetividade extrínseca às normas comunais, não é uma vida a ser protegida, mas uma vida a ser suprimida por ser um potencial perigo à comunidade em sua totalidade. É pela simples possibilidade de se configurar com perigo em potencial que deve ser ao menos isolada e excluída. E isto se faz patente justamente quando a vida é apropriada como objeto político, por isto, reduzida a um estado de absoluta imediaticidade, desnudada de toda e qualquer forma, estando assim totalmente entregue a toda espécie de intervenção política: “para relacionar-se com a vida, a 411

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL política pareceria ter que privá-la de toda dimensão qualitativa, tornando-a „só vida‟, „pura vida‟, „vida desnuda‟” (ESPOSITO, 2009, p. 25s); ou como dirá ainda no mesmo texto: Resulta até demasiado evidente que a política entra de pleno direito no paradigma imunitário quando toma a vida como conteúdo direto de sua própria atividade. O que falta, neste caso, é toda mediação formal: objeto da política não é já uma “forma de vida” qualquer, um modo de ser específico seu, senão a vida mesma: toda a vida e só a vida, em sua simples realidade biológica. Que se trate da vida do indivíduo ou da vida da espécie, a política tem de por a salvo a vida mesma, imunizando-a dos riscos que a ameaçam de extinção. (ESPOSITO, 2009, p. 160)

E o ponto de contato entre as duas acepções gerais de vida – a individual e a coletiva, a do sujeito e a da espécie – é justamente o corpo, seja sob a possibilidade inevitável da morte, mas ainda de modo mais contundente a enfermidade, como índice e como condição preparatória ou deflagradora da morte. Neste sentido, é preciso perceber que não se trata apenas de uma mera contraposição entre o biológico, o biomédico, e o político, mediante uma transposição metafórica. Trata-se de perceber como o corpo, e o corpo vivo, é a um só tempo “alvo” de intervenção médica e de intervenção política: é no corpo que política e biologia se cruzam e se mesclam tornando-se um só. A metáfora imunitária de proteção do corpo político diante dos riscos e ameaças – como demonstra Esposito – tem que ser compreendida inicialmente da política para a patologia e só depois, numa espécie de movimento de retroalimentação, da patologia para a política: a tese da defesa do organismo diante dos perigos de contaminação adotada pela patologia é antes a metáfora política da proteção e fortificação das cidades contra as ameaças externas. Neste sentido, se é possível articular, hoje, a temática da medicalização da sociedade e da vida das pessoas é por que antes o entendimento mesmo do organismo e da saúde dos indivíduos e toda forma de terapêutica já assumiu, ainda que por metáfora, uma postura belicista e, por conseguinte, política; ou como diz Canguilhem, citado por Esposito, “uma teoria

412

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL biológica é dominada por uma filosofia política” (CANGUILHEM, 1971, apud ESPOSITO, 2009, p. 185).117 Tal passagem, Canguilhem a reporta a Haeckel, discípulo de Virchow, a quem Esposito por sua vez imputa o crédito de ter sido o primeiro a se valer da metáfora político-organiscista para explicar o funcionamento do organismo e das células: para o patologista alemão e notório opositor ferrenho de Bismarck o indivíduo é uma espécie e instituição social na qual e pela qual suas partes são interdependentes ao mesmo tempo em que desenvolvem atividades específicas, derivadas de si mesmas, conforme célebre passagem de sua Cellularpathologie (1858). Esposito interpreta os termos da metáfora de Virchow como uma inversão tanto das teorias biológicas vigentes quanto do despotismo de Bismarck, isto é, a vida se articula com o corpo do organismo, não por que forma um todo único e que se irradia para seus limites a partir de um centro, mas por que o corpo forma uma “unidade comunitária”, ou uma “disposição federativa” (estas expressões são do próprio Virchow), ou ainda nos termos mesmos de Esposito (2009, p. 188), “uma comunidade aberta à diferença constitutiva de seus membros”; o que é, na biologia e na política, pensar a relação entre comunidade e indivíduos de tal modo que já se vislumbra aí possibilidade de uma afirmação biopolítica da vida comunal e individual com

vistas

a

superar

as

limitações

desagregadoras

da

comunidade

e

dessubjetivadoras do indivíduo. Entretanto, o que aí poderia ser visto com um forte indício da superação do modelo soberano pelo biopolítico, deve ser encarado como uma remodelação do 117

Em uma passagem célebre de seu artigo publicado originalmente em 1978, “É possível uma pedagogia da cura?”, Canguilhem (2002, p. 73-75; 2005, p. 52-53) é ainda mais enfático sobre o sentido bélico da metáfora da cura: “É bastante conhecido, por meio da etimologia, que curar é proteger, defender, munir, quase militarmente, contra uma agressão ou uma sedição. A imagem do organismo aqui presente é a de uma cidade ameaçada por um inimigo exterior ou interior. Curar é conservar, abrigar. Isso foi pensado muito antes que alguns conceitos da fisiologia contemporânea, como os de agressão, stress, defesa, entrassem no domínio da medicina e de suas ideologias. E a assimilação da cura a uma resposta ofensiva-defensiva é tão profunda e originária que ela penetrou no próprio conceito de doença, considerada como reação de oposição a uma efração ou a uma desordem. Essa foi a razão pela qual, em alguns casos, a intenção terapêutica pôde respeitar provisoriamente o mal do qual o doente esperava que o tomassem de imediato como alvo. [...] Disso decorre a tendência geral e constante de conceber a cura como final de uma perturbação e retorno à ordem anterior [...] Nesse sentido, cura implica reversibilidade dos fenômenos cuja sucessão constituía a doença”.

413

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL princípio de soberania à luz do paradigma imunitário (ESPOSITO, 2004, p. 54 e 58; 2010, p. 89 e 92); mais ainda, a ideia mesma de comunidade como unidade federativa foi recapturada numa estratégia imunitária: “para tornar-se objeto de „cuidado‟ político, a vida deve ser separada e encerrada em espaços de progressiva dessocialização que a imunizem de toda deriva comunitária” (ESPOSITO, 2009, p. 199; cf. ESPOSITO, 2004, p. 59; 2010, p. 94); bem como, em nome da segurança é a proteção imunitária que acaba por produzir o risco do qual pretende defender a comunidade e a vida, debilitando-os e os mantendo a deriva dos riscos possíveis, principalmente nos tempos atuais em que a intervenção biológica e médica já atingem o corpo humano em suas estruturas fundamentais, isto é, em seu código genético, e sobre suas implicações para uma perspectiva determinista do indivíduo e de sua liberdade, reduzida “a instrumento de conservação da vida intensa como a propriedade inalienável que cada um tem de si mesmo” (ESPOSITO, 2004, p. 73; 2010, p. 110). Elementos que encontraram sua forma mais acabada e drástica na biocracia racista do Terceiro Reich, exemplo histórico da inversão e decadência da biopolítica em tanatopolítica, pela qual, nos termos de Rudolph Hess, secretário de Hitler, “o nacional-socialismo nada mais é que biologia aplicada” (apud ESPOSITO, 2004, p. 117; 2010, p. 161); ou seja, não mais se tratando de questão de transposição metafórica, mas agora na própria realização política a partir de critérios biológicos: agir politicamente, seja para proteger a sociedade, seja para proteger os indivíduos dignos de cidadania, significa identificar os fatores negativos – assemelhados a agentes infecciosos – e sumariamente eliminá-los (ESPOSITO, 2004, p 148; 2010, p. 197). Neste sentido, a política racial nazista foi realmente uma desinfecção social (Soziale Desinfektion), como é patente neste discurso de Hitler (apud ESPOSITO, 2004, p. 123; 2010, p. 168): “A descoberta do vírus hebraico é uma das maiores revoluções deste mundo. A batalha em que estamos empenados hoje em dia é igual à que travaram no século passado Pasteur e Koch [...] Só readquiriremos a nossa saúde eliminando os judeus”. Há uma saída no fim do túnel? Dito de modo mais coerente: é possível pensar e repensar a biopolítica numa outra estrutura que não a imunitária, isto é, que evidencia a biopolítica como uma política que tem a vida por objeto e, por 414

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL conseguinte também a morte, o que implica dizer que ela pode acabar numa tanatopolítica? É possível pensar outra modalidade de biopolítica que efetivamente neutralize os riscos de que a sociedade moderna, a comunidade, está sujeita notadamente a de desenvolver uma compulsão desagregadora autoimune? Esta é a proposta de Esposito ao tentar pensar que, já desde seu núcleo semântico, a biopolítica tem que ser pensada não mais como uma política sobre a vida, que tem a vida como objeto de suas ações, mas se transforme numa política da vida, isto é, que seja a realização de toda a potência da vida em se produzir e constituir a si mesma. Uma nova forma de biopolítica que tenha como fim intensificar a vida como possibilidade de inovação de si (ESPOSITO, 2004, p. 172; 2010, p. 224; 2008, p. 147). Como uma biopolítica afirmativa se colocaria diante do cenário atual de objetivação da vida e do corpo, individual e coletivo, por expedientes médicos, sanitários, genéticos, biotécnicos, e como não dizer também eugênicos? Esposito concebe duas possibilidades: diante da indistinção do corpo, a multiplicidade da carne que nos toca a todos, diante da medicalização sobre vida que culmina no seu controle e politização normativa, o reconhecimento da natalidade como quebra dessa politização de contornos potencialmente totalitários e possibilitadora de inovações inconcebíveis. Como a daquelas mulheres Tutsi, grávidas pelos estupros pelos seus agressores Hutu, que interrogadas pelos relatores da ONU em Ruanda em abril de 2004, declararam amar seus filhos de qualquer modo, produzindo um fenômeno biopolítico e imunitário paradoxal, que é a de uma nova geração de vida num sentido imprevisto aquando do estupro: [...] que a extrema prática imunitária – aquela de afirmar a superioridade do próprio sangue com o fito de impô-lo a quem não o compartilha – é destinada a voltar-se contra si mesma produzindo exatamente isto que queria evitar. Os filhos hutu das mães tutsi, ou tutsi dos homens hutu, são o êxito objetivamente comunitário – vale dizer multiétnico – da mais violenta imunização racial. Então, deste lado, estamos diante de uma sorte de indizível, de um fenômeno de dupla face, no qual vida e política se ligam em um vínculo cuja interpretação requer uma nova linguagem conceitual. (ESPOSITO, 2004, p. XI; 2010, p. 22)

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL É neste registro, nesta incursão de repensar a biopolítica e o paradigma da imunização, que esclarece sua natureza enigmática, bem como toda sorte de medicalização da sociedade, que Esposito se esforça em trabalhar, fornecendo novos conceitos, uma nova linguagem para a filosofia política e assim explicitando a semântica inerente às práticas biopolíticas e imunitárias, ampliando seu horizonte hermenêutico e semântico (ESPOSITO, 2008, p. 148); o que, ao menos em parte, explica sua curiosa insistência com a semântica da biopolítica. Mera questão de finesse teórica, mero produto de um acadêmico da filosofia? Ou já outro modo de explicitar, também, a semântica da ação política? (ESPOSITO, 2004, p. 164; 2010, p. 215). Referências BROSSAT, Alain. La démocratie immunitaire. Palis: La Dispute, 2003. CAMPBELL, Timothy. Politica, immunità, vita: il pensiero di Roberto Esposito nel dibattito filosofico contemporaneo. In: ESPOSITO, Roberto. Termini della politica: comunità, immunità, biopolitica. Milano: Mimesis Edizione, 2008. CANGUILHEM, Georges. La connaissance de la vie. Paris: Vrin, 1971. ______. Écrits sur la médicine. Paris: Seuil, 2002. ______.. Escritos sobre a medicina. São Paulo: Forense Universitária, 2005. ESPOSITO, Roberto. Bios: biopolítica e filosofia. Lisboa: Edições 70, 2010. ______. Bíos: biopolitica e filosofia. Torino: Einaudi, 2004. ______. Communitas. Origen y destino de la comunidad. Buenos Aires: Amorrortu, 2007. ______. Immunitas. Protección y negación de la vida. Buenos Aires: Amorrortu, 2009. ______. Termini della politica: comunità, immunità, biopolitica. Milan.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REPERCUSSÕES DE CONTROLE ELETRÔNICO NO RELACIONAMENTO ENTRE O FISCO E O CONTRIBUINTE: O USO DESORDENADO DA CIBERNÉTICA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS Maria de Fátima Ribeiro UNIMAR – Mestrado em Direito [email protected] RESUMO: Pode-se questionar até que ponto a cibernética pode interferir no Direito, especialmente no Direito Tributário, considerando as repercussões sobre os contribuintes? O avanço tecnológico, a formação de blocos econômicos, a intensificação dos meios de comunicação, a globalização da economia vem transformando o mundo. Embora com a evolução e agilidade da tecnologia da informação, o Direito não consegue acompanhar com a mesma velocidade, fazendo com que o processo legislativo caminhe com mais vagar para regular diversas questões e atualiza-se neste contexto. Com relação à tributação o Fisco brasileiro está bem à frente, contando com legislações que proporcionam controles tecnológicos mais ousados de arrecadação. Assim, cada vez mais controla as atividades dos contribuintes, se valendo principalmente dos meios eletrônicos. Embora a cibernética traga benefícios, é necessário verificar os limites desse controle, principalmente no tocante à proteção dos direitos fundamentais dos contribuintes garantidos constitucionalmente. Além de inúmeras obrigações acessórias exigidas pelo Fisco, mesmo com os mecanismos tecnológicos utilizados, os contribuintes ficam vulneráveis diante excessos que podem ocorrer com a atuação do Poder Público. A tecnologia é sempre bem vinda, no entanto, em sede de tributação/arrecadação, devem ser considerados os valores essenciais tais como: a privacidade, a dignidade da pessoa humana, livre iniciativa e demais situações que possam restringir a liberdade precisam ser respeitados, sob pena de afronto à Constituição. Palavras-Chave: Tributação; Controle Eletrônico; Limites do Fisco.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PLANO DIRETOR COMO INDUTOR DAS ATIVIDADES EMPRESARIAIS MASTER PLAN AS BUSINESS ACTIVITIES INDUCER Ruy de Jesus Marçal Carneiro; UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARÍLIA, [email protected]. Wildemar Roberto Estralioto, UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARÍLIA, [email protected]. Resumo: A derrocada do regime feudal e o crescimento industrial desordenado fizeram eclodir um efeito nefasto para as cidades, prática que motivou a adoção de medidas tendentes a limitar a atuação do setor privado. Para compreender este contexto, o presente estudo analisa aspectos históricos que motivaram a intervenção do Estado na ordem econômica. Aborda os instrumentos que asseguram e delimitam o campo de atuação da livre iniciativa. Examina aspectos referentes à intervenção do Município no exercício da atividade econômica. Trata sobre o planejamento e planos elaborados no âmbito municipal para a execução de sua política urbana. Conclui com a análise do planejamento municipal, em especial o plano diretor, e seus reflexos na atividade econômica. Palavras-chave: Intervenção. Ordem econômica. Planejamento Municipal. Abstract: The collapse of the feudal regime and disorderly industrial growth broke out a harmful effect to the cities what led the adoption of measures to limit the role of the private sector. To understand this context this study examines the historical aspects that led to state intervention in the economic order. It discusses the tools that ensure and enclose the playing field of free initiative. It examines aspects related to the intervention of the municipality in the exercise of economic activity. It is about planning and plans worked out in the municipal area for the execution of its urban policy. It concludes with the analysis of the municipal planning, especially the master plan and its effects on economic activity. Keywords: Intervention. Economic Order. City Planning. 1. INTRODUÇÃO Com a derrocada do Estado liberal e a assunção do Estado neoliberal, a ingerência do ente público na ordem econômica assumiu relevante importância prática e teórica, tanto que sua abordagem constantemente tem sido referenciada em estudos dedicados ao tema. Este percurso desenvolvido pela história revelou que vários setores foram vitimados com o excesso de liberalismo garantido num primeiro momento, e com o intervencionismo extremo existente no período do Estado social. 418

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL As cidades sofreram com um abrupto inchaço de indústrias e de pessoas, o que fez eclodir problemas sociais diversos oriundos da ausência de infraestrutura. Os trabalhadores passaram a estar envoltos com abusos praticados pelos detentores dos meios de produção. A economia foi afetada ora com o surgimento de monopólios, ora com o comprometimento do orçamento público. A necessidade de adequação deste quadro tem, no neoliberalismo, uma perspectiva de obtenção de equilíbrio entre a completa liberdade de atuação na atividade econômica e o excessivo intervencionismo promovido pelo Poder Público. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 deixa evidente em seu texto a influência que sofreu de cada um destes períodos. O fundamento da livre iniciativa previsto em seu art. 1º e art. 170 revela que, no Direito brasileiro, os atores privados têm assegurado pelo Texto Magno a liberdade de atuação na atividade empresarial. Não obstante esta referência, os mesmos artigos apresentam um rol de outros fundamentos e de princípios que contrastam com a ideia de liberdade irrestrita, de ausência de interferência, ou de que estaria assegurada a condução da atividade econômica fundada exclusivamente nas forças destes mesmos atores privados. A grande questão que surge diz respeito aos instrumentos colocados à disposição do Poder Público para fazer prevalecer suas políticas, principalmente em relação ao Município que, com a ausência de regulamentação da atividade econômica, viu eclodir problemas urbanos quando da implantação de indústrias sem que existisse um prévio planejamento para tanto. Com fundamento nos problemas noticiados, o presente estudo dedicará algumas reflexões sobre a intervenção do Estado na ordem econômica e a constitucionalização desta, as ingerências que o Município exerce na atividade econômica, bem como o instrumento normativo colocado à disposição deste para gerir, de forma democrática, o planejamento da sociedade.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 2. A INTERVENÇÃO NA ORDEM ECONÔMICA: IMPORTÂNCIA PARA O ESTADO SOCIAL O exercício da atividade econômica e a ingerência do Estado nesta são temas que sempre despertaram o interesse do estudioso, isto em razão da forte divergência existente quando da abordagem da necessidade ou utilidade de convergência daquelas ações. Para ilustrar este conflito basta ressaltar que o desenvolvimento do Estado é também estudado quanto ao grau de sua participação, de forma direta ou indireta, na atividade econômica, o que lhe tem atribuído a “qualificação” de liberal, social ou de neoliberal conforme a “quantidade” de intervenção. Vale destacar que esta referência à “qualificação” não é feita com o objetivo de se promover um estudo exaustivo do tema, mas sim para possibilitar um direcionamento na abordagem que será promovida na sequência do estudo. O Estado liberal surge em razão do descontentamento com o regime autoritário de governo e ao sistema feudal de domínio da propriedade, haja vista que em conjunto figuravam como fonte de privações diversas e inviabilizavam a expansão econômica de uma nova classe que na sequência da história se tornou detentora dos meios de produção, ou seja, a burguesia. Como marco histórico desta passagem do autoritarismo para o Estado liberal pode ser citada a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, ambas datadas do final do Século XVIII. Com o Estado liberal houve a instauração de um liberalismo econômico onde, fundado no ideal francês da liberdade, igualdade e fraternidade, o mercado passou a atuar sem que houvesse interferência do ente público, ou, caso houvesse eventual intervenção, não seria esta substancial ao ponto de influenciar a ordem natural dos meios de produção. Estava consubstanciado o entendimento de que a intervenção estatal poderia fazer ruir a ordem natural da atividade econômica, e com isto propiciar o retorno ao regime autoritário até então atacado.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Neste modelo, “Consumidores, fornecedores, comerciantes e produtores teriam forças suficientes para regular a vida econômica, abstendo-se o Estado dessa órbita, o que significava que o livre jogo do mercado seria o fator de regulação” (CLARK, 2001, p. 19). Este era o entendimento dominante nos países que adotaram os pensamentos de Adam Smith, David Ricardo e outros que pregavam, em linhas gerais, a mesma “quantidade” de intervenção do Estado na atividade econômica. Apesar de ter atendido aos clamores econômicos e necessidades sociais da época, o modelo liberal de Estado possibilitou que as virtudes inicialmente motivadoras do seu surgimento viessem a gerar danos sociais que exigiam correção. Expunha, no domínio econômico, os fracos à sanha dos poderosos. O triste capítulo da primeira fase da Revolução Industrial, de que foi palco o Ocidente, evidencia, com a liberdade do contrato, a desumana espoliação do trabalho, o doloroso emprego de métodos brutais de exploração econômica, a que nem a servidão medieval se poderia, com justiça, equiparar. (GRAU, 2010, p. 59).

O liberalismo então pregado fez eclodir o monopólio dos meios de produção, e com isso a concentração de riqueza nas mãos de alguns poucos, e também deu origem a um regime de trabalho onde havia a imposição de condições inadequadas àqueles que “vendiam” a mão-de-obra, dentre outras causas que conduziam ao descontentamento. O curso da história se depara, então, com extenso rol de insatisfeitos frente a um regime que originariamente lhes havia sido benéfico. As “[...] imperfeições do liberalismo, bem evidenciadas na passagem do século XIX para o século XX e nas primeiras décadas deste último, associadas à incapacidade de auto-regulação dos mercados, conduziram à atribuição de novas funções ao Estado”. (GRAU, 2010, p. 19/20). A partir de então o Estado, “[...] coagido pela pressão das massas [...] estende sua influência a quase todos os domínios que dantes pertenciam, em grande parte, à área de iniciativa individual [...]” (BONAVIDES, 2011, p. 186), o que lhe garantiu a titulação de social, entendida esta mudança como uma “transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal”. (BONAVIDES, 2011, p. 184) 421

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Nestas condições, e a partir de então, a intervenção do Estado na atividade econômica tornou-se legítima e até necessária, pois O Estado social, por sua própria natureza, é um Estado intervencionista, que requer sempre a presença militante do poder político nas esferas sociais, onde cresceu a dependência do indivíduo, pela impossibilidade em que este se acha, perante fatores alheios à sua vontade, de prover certas necessidades existenciais mínimas. (BONAVIDES, 2011, p. 200)

O pensamento intervencionista tem em John Maynard Keynes um seu precursor, e foi de relevante importância no auxílio da superação da crise econômica verificada em sua época. Contudo, em especial após a Segunda Guerra Mundial surgem críticas veementes a esta política econômica, fruto do endividamento gerado aos Estados que dela fizeram uso sem um planejamento apropriado. Havia a necessidade de serem promovidas adequações às mazelas oriundas da política intervencionista. Nesse sentido, “O remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas [...]” (PERRY, 2003, p. 11). Não era pregada a completa supressão do controle da atividade econômica pelo Estado, sob pena de se estar proporcionando a retomada do liberalismo que, como revelado no passado, possuía vícios. A intervenção era necessária, contudo, deveria ser minimizada. Sob esta nova perspectiva de participação do Estado no controle da atividade econômica, é que surge o neoliberalismo, para o qual a intervenção não significava que necessariamente o ente público passaria a atuar sempre em concorrência com os atores privados no desempenho da atividade de produção de mercadorias ou de serviços. Ao contrário, a intervenção na atividade econômica ocorreu tanto com a direta interferência nos meios de produção, com o Estado concorrendo com o setor privado (prática ainda vinculada com o pensamento intervencionista de John Maynard Keynes), como de forma indireta impondo limites na atuação liberal que era difundida até então.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Veja-se que pela via indireta abriu-se a possibilidade de se regulamentar as políticas econômicas desenvolvidas pelo setor privado e público de forma a proporcionar equilíbrio no mercado, enquanto que pela forma direta o Estado age no exercício da atividade econômica por meio, por exemplo, de empresas públicas e de sociedades de economia mista, produzindo bens e/ou serviços. Dentro desta evolução temporal que motivou a passagem do modelo liberal para o social, e posteriormente para o neoliberal, impõe-se compreender as características do Estado brasileiro e tentar revelar as razões que justificariam a intervenção, pelo Município, na atividade econômica. Modernamente, são inúmeras as causas que justificam a intervenção: a compatibilização do desenvolvimento econômico com a preservação dos bens da natureza; o desemprego estrutural; a evolução tecnológica; o incentivo ou o controle das concentrações econômicas por parte do capital nacional e/ou internacional; o combate às disparidades regionais; o incremento às pequenas e microempresas etc. (CLARK, 2001, p. 23)

Para compreender estas causas impõe-se utilizar como objeto de estudo a norma básica oriunda do modelo de Estado brasileiro, ou seja, a Constituição da República Federativa, cujo teor, como é notório, apresenta-se extenso, com matérias que substancial e materialmente são constitucionais, e de outras que adquirem esta qualidade apenas em razão de seu aspecto formal. 3. A LIVRE INICIATIVA E AS LIMITAÇÕES IMPOSTAS PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL O Brasil não ficou inerte frente a estas mudanças ocorridas no pensamento econômico, e a Constituição da República Federativa do Brasil datada de 1988, revela em seu texto as influências que sofreu destas linhas ideológicas que surgiram durante o desenvolvimento histórico referenciado de forma singela neste trabalho. A leitura dos artigos que compõem o texto constitucional deixa evidente a presença da “herança” do Estado liberal, do social e do neoliberal na sua

423

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL construção, e, nesta oportunidade, serão referenciados sem a observância desta ordem cronológica apenas por uma questão de conveniência. O caráter social do texto constitucional fica evidente no Capítulo II, do Título II, que trata dos Direitos Sociais. Não obstante a importância destes para o Estado Democrático de Direito, o propósito desta pesquisa, ao menos no enfoque que lhe foi dada, não recomenda que lhe seja feita uma maior abordagem. No que tange ao liberalismo, a livre iniciativa pode ser citada como seu principal representante, e vem expressa já no artigo inaugural da Constituição (art. 1º, inciso IV) como um dos fundamentos da República Federativa, e garante que a atuação dos atores privados na atividade econômica ocorrerá sem a ingerência do Estado. A liberdade de iniciativa é repetida no art. 170 deste texto legal também como um fundamento da ordem econômica. Apesar de ter assegurado o exercício da livre iniciativa, é corrente o entendimento que, sob o aspecto econômico, o “[...] perfil que a Constituição desenhou para a ordem econômica tem natureza neoliberal” (COELHO, 2011, p. 204), isto em razão das limitações impostas pelo seu próprio texto ao exercício desta atividade. O Constituinte não garantiu uma liberdade irrestrita como ocorria no Estado liberal. Ao contrário, assegurou a livre iniciativa condicionando seu exercício à observância e convergência de interesses com os demais fundamentos descritos nos incisos do art. 1º, bem como aos fundamentos e princípios relacionados nos incisos do art. 170, ambos da Constituição. Esta é uma das marcas do neoliberalismo. A garantia de que o Estado não ficará inerte frente ao exercício da atividade econômica como acontecia no período do liberalismo, mas que também nela não irá intervir ao ponto de inviabilizar a atuação dos atores privados como ocorria no Estado social. A participação do Estado na atividade econômica agora possui balizas que delimitam tanto a sua atuação direta, como também impõem condicionantes à atuação privada, razão pela qual há o conceito de

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL [...] neoliberal como o modelo econômico definido na Constituição que se funda na livre-iniciativa, mas consagra também outros valores com os quais aquela deve se compatibilizar. A defesa do consumidor, a proteção ao meio ambiente, a função social da propriedade e os demais princípios elencados pelo art. 170 da CF como informadores da ordem econômica, bem como a lembrança da valorização do trabalho como um dos fundamentos dessa ordem, tentam refletir o conceito de que a livre-iniciativa não é mais um dos elementos estruturais da economia. (COELHO, 2011, p. 205)

É legítima esta compatibilização exigida quando do exercício da livre iniciativa. A busca pelo desenvolvimento econômico, apesar de necessária, não pode servir de fundamento para a violação de outros valores. É preciso sublinhar, porém, que o desenvolvimento não é um fim em si mas um simples meio para o bem-estar geral. Dessa forma, tem ele de ser razoavelmente dosado para que não sejam impostos alguns, ou mesmo a toda uma geração, sacrifícios sobre-humanos, cujo resultado somente beneficiará as gerações futuras, ou que só servirão para a ostentação de potência do Estado. (FERREIRA, 2002, p. 352)

Como referido, as condicionantes das ações do Estado e do beneficiário da livre iniciativa encontram-se descritas na Constituição, e delas não se pode desviar sob pena de causar grave violação às estruturas do regime democrático. Pode

ser referenciado

como

condicionantes nesta

oportunidade

o

fundamento da cidadania, da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho (incisos II, III e IV, do art. 1º); o fundamento da valorização do trabalho humano e os princípios da função social da propriedade, da defesa do meio ambiente, da redução das desigualdades regionais e sociais e da busca do pleno emprego (art. 170 caput, e seus incisos III, VI, VII e VIII). Todos estes valores expressos na Constituição, e outros implícitos, devem ser utilizados em harmonia, pois é da sua conjugação que se alcança o ideal a ser buscado quando do exercício da atividade econômica. A título de ilustração, a livre iniciativa somente se apresentará legítima se exercida de forma a assegurar a dignidade da pessoa humana, valorar o trabalho humano, preservar a função social da propriedade, estimular a preservação do meio ambiente, propiciar a redução das desigualdades regionais e sociais, e garantir o pleno emprego. 425

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Esta fixação de parâmetros para o exercício da atividade econômica atribuiu à Constituição de 1988 a referência de que seria uma Constituição Econômica, pois nela estariam compreendidas “[...] as normas jurídicas básicas que regulam a economia, disciplinando-a, e especialmente controlam o poder econômico, limitandoo, com o fito de prevenir-lhe os abusos”. (FERREIRA, 2002, p. 344) Imprescindível neste aspecto a participação do Estado, o que rechaça a pretensão de se assegurar uma liberdade de iniciativa irrestrita. A intervenção ocorre para permitir a realização de [...] políticas públicas para estabelecer o desenvolvimento econômico de forma compatível com a preservação da natureza; estabelecendo normas premiais para reduzir as desigualdades regionais ou para a produção de bens e serviços básicos destinados à população pobre; estimulando ações diretas para garantir os direitos humanos básicos para certas classes sociais. (CLARK, 2001, p. 30)

A viabilização destas políticas públicas que objetivam o desenvolvimento nacional e regional requer planejamento, o que garantirá um resultado mais racional das ações econômicas. Com o planejamento as ações interventivas terão “padrões de racionalidade sistematizada”, onde será possível prever “comportamentos econômicos e sociais futuros” (GRAU, 2010, p. 150). Em razão da direta vinculação entre os diversos agentes que tiveram assegurada autonomia com a Constituição de 1988 (União, Estados e Municípios), este planejamento deve ser elaborado de forma a conjugar os interesses locais às normas gerais ditadas pela União, o que revela ser de importância vital o exercício efetivo da cidadania na sua elaboração. Impõe-se desvendar, dentro deste contexto, quais seriam os atores incumbidos de planejar estas políticas públicas aptas a assegurar a harmonização entre o desenvolvimento econômico e os fundamentos e princípios que estruturam a ordem econômica constitucional, e quais seriam os instrumentos de planejamento aptos para tanto.

426

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 4. O MUNICÍPIO E SUAS INFLUÊNCIAS NA ESFERA ECONÔMICA A Constituição de 1988, a exemplo do que já havia sido previsto em outras, adotou como forma de Estado a federação. Assim, garantiu à União, Estados, Distrito Federal e Municípios autonomia, a qual se caracteriza com as prerrogativas da:

“[...]

auto-organização

e

normatização

própria,

autogoverno

e

auto-

administração” (MORAES, 2004, p. 276). Estas prerrogativas oriundas desta forma de Estado possibilitam definir o federalismo como sendo uma “[...] aliança, pacto escrito dentro dos limites constitucionais, onde se fragmenta ou descentraliza o poder político, através de mais de um centro de poder (central e periférico). Dessa forma, existe um poder central soberano, a União, e os poderes periféricos, entes federados, com sua autonomia” (CLARK, 2001, p. 63/64). Há divergências doutrinárias quanto ao fato de o Município ser ou não um dos componentes da federação. Para alguns (CASTRO, 1998, p. 53), a Federação seria constituída tão somente pelo Estado Federal e os Estados-Membros ou federados. Outros (CLARK, 2001, p. 87) defendem que o Município, diante da redação dos arts. 1º e 18 da Constituição, são considerados como integrantes da Federação. Por fim, encontramse aqueles (MOREIRA NETO, 2006, 36/37) defendem a tese de que o Município seria uma unidade federada sui generis. Feita esta breve introdução, impõe-se alertar que não se objetiva nesta oportunidade adentrar na discussão referente ao fato de o Município ser ou não considerado como integrante da federação, até porque, a conclusão que se busca independe desta abordagem. Para superar esta discussão basta assinalar que tanto aqueles que são favoráveis à inclusão do Município como membro da federação, como os que são contrários a este entendimento, concordam que referido ente tem autonomia para legislar sobre matérias que lhe foram atribuídas pela Constituição de 1988. Dentro desta distribuição de competências, a Constituição atribuiu ao Município o poder de legislar sobre assuntos de interesse local (art. 30, inciso I), de promover o 427

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ordenamento do seu território (art. 30, inciso VIII), bem como de executar sua política de desenvolvimento urbano (art. 182). Tendo legitimidade para legislar sobre estas matérias, é possível asseverar que o Município possui um amplo campo de atuação normativa, dentro do qual pode ser inserida a intervenção sobre a atividade econômica desenvolvida no seu âmbito territorial. Ao regular a ordem econômica no âmbito da sua esfera de competência, o Município está legislando sobre matérias que integram o chamado Direito Econômico, que encontra na doutrina um conceito estrito e outro amplo: Os que defendem um conceito estrito, vêem no Direito Econômico uma disciplina nova, autônoma e original, dirigida ao estudo dos problemas colocados pela intervenção do Estado na Economia. Os que preferem um conceito amplo, afirmam que uma regra é de Direito Econômico, quando rege relações humanas propriamente econômicas. (FONSECA, 2002, p. 13)

Não obstante a possibilidade de intervenção do Município na atividade econômica local, não está ela disposta de forma irrestrita. Ao contrário, ela somente se apresentará legítima quando praticada dentro dos estreitos limites impostos pela Constituição e em total observância com o planejamento desenvolvido para atender aos seus interesses locais. Como cabe ao Município legislar sobre Direito Econômico, este pode desenvolver políticas econômicas intervencionistas de forma geral para a produção, repartição, circulação e consumo, exceto quando se tratar de matérias reservadas às competências privativas e exclusivas da União e exclusivas dos Estados-membros [...]. (CLARK, 2001, p. 100)

A necessidade de se legitimar esta intervenção pelo Município deita raízes em fatores históricos. Como informado, a Revolução Industrial foi um marco para o desenvolvimento dos pensamentos econômicos, fruto da necessidade de sua adequação ao crescimento do capitalismo industrial. Também foi responsável pelo crescimento das cidades na Inglaterra “[...] num ambiente empoeirado e sem condições mínimas de higiene” (FEIJÓ, 2007, p. 186), resultado de uma “[...] urbanização conduzida apenas pelo mercado [...] quando ainda não havia respostas 428

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL para o rápido afluxo de pessoas em direção às cidades” (PINTO, 2005, p. 55). O quadro verificado à época é sintetizado com a seguinte referência: [...] Escassez de água potável, esgotos a céu aberto, ausência de áreas verdes, despejo de lixo sobre as vias públicas, edificações insalubres, mal iluminadas e sem privacidade, promiscuidade entre residências e indústrias poluentes, um conjunto de incômodos, enfim, que não difere muito do encontrado nas favelas e nos cortiços brasileiros da atualidade. (PINTO, 2005, p. 55)

Em

condições

como

estas,

apresenta-se

impossível

alcançar

um

desenvolvimento econômico e social adequado, muito menos que o permita ser qualificado como expressão da cidadania, que assegure dignidade à pessoa humana, que preserve os valores sociais do trabalho, que faça com que a propriedade cumpra sua função social, que seja eficiente para garantir a defesa do meio ambiente, ou que proporcione a redução de desigualdades. Os fundamentos e princípios da República e da Ordem Econômica, como evidente, não têm como serem preservados sem um adequado planejamento do Município que permita e reconheça como legítima a intervenção deste ente público para tentar evitar a ocorrência de situações como as anunciadas. Deve se buscar com a ingerência local o cumprimento da função social do Município, e com isso assegurar um equilíbrio entre o seu desenvolvimento econômico e o desenvolvimento social e humano. Esta função social da cidade estará sendo cumprida de forma plena quando proporcionar redução das desigualdades sociais, promoção da justiça social e melhoria na qualidade de vida. Na busca pela efetivação destes objetivos, retoma-se a assertiva de que um planejamento prévio elaborado dentro dos parâmetros normativos gerais impostos pela União e Estados, e que assegure a participação comunitária na construção dos planos dele provenientes, estará constituído com elementos que possibilitam o desenvolvimento da função social do Município.

429

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 5. O PLANEJAMENTO MUNICIPAL E O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO Quando se refere ao planejamento do Município como instrumento de instituição de políticas públicas voltadas para o exercício da atividade econômica, e consequentemente

para

fazer

prevalecer

os

fundamentos

e

princípios

constitucionais da República e da Ordem Econômica, está sendo feita referência à execução de ato que “[...] tem por finalidade fazer com que a tomada de decisões e a informação de ações sejam impregnadas de racionalidade” (FONSECA, 2002, p. 302). Em razão da pouca tradição brasileira na adoção deste planejamento, não se apresenta incomum encontrar Comunas que sofrem, por exemplo, gravíssimos problemas urbanos fruto da ausência desse estudo prévio e de regulamentação apropriada, bem como da liberdade atribuída aos executores privados da atividade econômica quando da implantação de seus empreendimentos. Também há situações em que o crescimento econômico encontra-se represado em razão de ter ele ocorrido sem que houvesse uma política adequada de criação e de expansão, principalmente dos pólos industriais. Tanto um como outro influem direta e negativamente na economia local, ao ponto, muitas vezes, de exigir vultosos investimentos pelo Poder Público para assegurar condições para que se tenha uma vida digna, ou para que a propriedade cumpra sua função social, ou para que o meio ambiente não seja afetado. Considerando, em decorrência da industrialização, o excessivo crescimento da população urbana, assentada de maneira desordenada sem qualquer planejamento e racionalidade, e a considerável atividade especulativa, em virtude da qual o proprietário do solo urbano utiliza a faculdade de não uso para aguardar o momento econômico mais oportuno para aliená-lo ou edificálo, surge a necessidade do estabelecimento de uma política urbana, com uma nova concepção de propriedade do solo urbano. (FERRARI, 2005, p. 230)

O desenvolvimento de uma política pública planejada e adequada, como evidente, apresenta-se imprescindível para a gestão do Município, para a manutenção de seus moradores, e para a execução sustentável das atividades econômicas dentro dos limites do seu território. 430

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Neste sentido, e para que estas condutas não se caracterizem como utopia, o planejamento das ações públicas apresenta-se como uma ação preliminar indispensável para a elaboração de normas (planos) que permitirão a condução destas políticas públicas, as quais compreendem inclusive aquelas afetas à atividade econômica que serão implantadas no Município. Relativamente à gestão do território do Município ganha destaque a política urbana a ser implantada, a qual pode ser traduzida como [...] o setor da atuação do Estado que trata da ordenação do território das cidades, mediante a alocação do recurso “espaço” entre os diversos usos que o disputam. O urbanismo é uma técnica destinada a ordenar a ocupação do território das cidades, a fim de que elas possam abrigar todas as atividades necessárias à sociedade, mas sem que umas interfiram negativamente sobre outras. (PINTO, 2005, p. 45)

A ocorrência desta convivência pacífica entre as atividades necessárias à sociedade, dentre as quais se incluem a econômica, reitera-se, exige planejamento, principalmente no que tange à referida política pública urbana. Neste aspecto, assevera Clark (2001, p. 155), a Constituição de 1988 inovou, pois foi a primeira a tratar diretamente do solo urbano, e o fez no seu art. 182 que dispõe sobre a política de desenvolvimento urbano, a qual deve ser executada pelo Poder Público municipal em conformidade com diretrizes gerais fixadas em lei. Para disciplinar estas diretrizes gerais foi publicada a Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001 (denominada Estatuto da Cidade), que estabelece normas de ordem pública e de interesse social que regulam o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental (parágrafo único do art. 1º), ou seja, que tem por objetivo a ordenação das funções sociais da cidade e o desenvolvimento desta dentro dos parâmetros da sua política. Como funções sociais da cidade devem ser entendidas as de “[...] habitar, trabalhar, recrear-se e circular[...]” (CARNEIRO, 1998, p. 19), e o desenvolvimento da política urbana a ela afeta está vinculado aos instrumentos disciplinados no art. 4º 431

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL do Estatuto da Cidade, quais sejam: o plano diretor, o plano plurianual, a Lei de diretrizes orçamentárias e a Lei orçamentária anual. Os planos são o consequente do planejamento. São os instrumentos que dão sentido jurídico ao planejamento. Podem ser considerados como documentos técnicos que estabelecem as diretrizes gerais de intervenção do ente público na área regulamentada, e que dependem da aprovação pelo Poder Legislativo para adquirir força normativa. O plano plurianual, a Lei de diretrizes orçamentárias e a Lei orçamentária, previstos no art. 165 da Constituição, compõem os “orçamentos públicos” da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e “[...] documentam expressivamente a vida financeira de um país ou de uma circunscrição política em determinado período, geralmente um ano, porque contêm o cálculo das receitas e despesas autorizadas para o funcionamento dos serviços públicos ou para outros fins projetados pelos governos” (BALEEIRO, 1998, p. 411). [...] O orçamento vai buscar fora de si o seu objetivo, eis que visa a permitir a implementação de políticas públicas e a atualização dos programas e do planejamento governamental. [...] A lei orçamentária serve de instrumento para a afirmação da liberdade, para a consecução da justiça e para a garantia e segurança dos direitos fundamentais. [...] (TORRES, 2000, p. 109)

Após consubstanciar o planejamento em plano (normas), este passa a integrar o orçamento, e consequentemente a desempenhar uma importante função reguladora, não obstante o fato de ter sido esta mitigada após a crise gerada no período do Estado Social. Nesta condição, os planos orçamentários ultrapassam o restrito campo de aplicação da economia, e alcançam as ações que afetam “[...] o meio ambiente, as relações de consumo, o controle da concorrência, a entrega de prestação de saúde, assistência social e educação, a política habitacional, etc [...]” o que implica na “[...] diminuição da exagerada competência de que gozava a Administração no Estado de Bem-estar Social” (TORRES, 2000, p. 59), e consequentemente na possibilidade de, em conjunto com o plano diretor, legitimar a intervenção na atividade econômica. 432

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O plano plurianual estabelece políticas públicas de longo prazo, cuja elaboração oriunda de um planejamento prévio, estabelece as diretrizes, objetivos e metas da administração pública, bem como a promoção do desenvolvimento econômico local. Conforme dispõe o § 4º do art. 165 da Constituição, o plano plurianual ganha lugar de destaque dentro do planejamento municipal quando figura como condicionante para a elaboração de todos os demais planos. A Lei de diretrizes orçamentárias está prevista no § 2º do art. 165 da Constituição, compreende as metas e prioridades da administração pública, dentre as quais as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente. É instrumento de orientação anual que não cria direitos subjetivos para os administrados, apenas direciona as ações quando da elaboração da proposta orçamentária. No § 5º do mesmo art. 165 foi disciplinada a Lei orçamentária anual que abrange o orçamento fiscal (compreendidas nestes as despesas que serão realizadas pelo ente público para a consecução de suas políticas públicas) e os investimentos em empresas públicas e na seguridade social. Contudo, é na elaboração de um planejamento formador da política pública urbana que se encontra o principal instrumento de intervenção do Poder Público local na atividade econômica. Este planejamento consubstancia-se no plano diretor, cujas peculiaridades merecem destaque. 6. A CRIAÇÃO, APLICAÇÃO E GESTÃO DEMOCRÁTICA DO PLANEJAMENTO MUNICIPAL: DIRECIONAMENTO DA ATIVIDADE ECONÔMICA E O PLANO DIRETOR. A análise histórica do desenvolvimento dos Municípios revela a sua grande vinculação com as atividades empresariais nele desempenhadas, como também e muitas vezes a dependência dos empreendimentos econômicos à infraestrutura e à política pública urbana por ele oferecida.

433

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Em especial após a Revolução Industrial as cidades passaram por um processo de rápido crescimento sem qualquer planejamento, o que fez frutificar uma série de problemas urbanos até então não conhecido do poder público. As indústrias muitas vezes se instalavam nas cidades em localidades próximas as fontes de recursos naturais que eram utilizados em sua cadeia produtiva. A exploração destes recursos naturais ocorria sem qualquer vinculação a políticas de sustentabilidade, o que gerou danos irreversíveis ao meio ambiente, e afetou a qualidade de vida de seus habitantes. Outras vezes estas indústrias eram atraídas por grandes centros de concentração de pessoas, pois assim seriam atendidas com mão-de-obra barata e em abundância. Tanto numa como noutra, não havia qualquer planejamento, a escolha pela localidade era movida apenas por razões de conveniência privada. Com a implantação destas indústrias nos centros urbanos, houve um aumento considerável no êxodo rural para as cidades, até porque a atividade agrícola já não estava mais absorvendo toda mão-de-obra disponível, fruto da mecanização do campo. Com isto, as cidades foram vitimadas com um abrupto aumento demográfico, sem que houvesse uma ordenação deste crescimento. Na atualidade, além destas práticas que ainda ocorrem e que não são incomuns, há outros problemas que surgem originados da ausência de planejamento urbano, e que vitimam as cidades de forma a comprometer o meio ambiente, o sistema viário, a qualidade de vida de seus moradores, o seu crescimento econômico, e até mesmo seu orçamento (entendido nesta oportunidade apenas como programação de despesas públicas). Estas mesmas causas afetam o setor privado, pois seus empreendimentos não são dispostos no território de forma a permitir sua expansão. Trata-se das chamadas cidades “dormitório”, ou seja, normalmente pequenos centros urbanos que são utilizados apenas como moradia dos trabalhadores que se deslocam até os grandes polos industriais para trabalharem. Com esta nova prática, são exigidos grandes investimentos das cidades “dormitório” em escolas, rede de saúde pública e saneamento para atender aos familiares dos

434

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL trabalhadores, sem que elas possam desfrutar dos benefícios econômicos gerados com o trabalho desenvolvido. Referidos problemas tem por origem a ausência de políticas públicas adequadas, o que acaba por redundar na permissão de instalação de loteamento em áreas urbanas sem que seja sopesado o impacto que irá produzir na vizinhança e na sociedade, na economia e no meio ambiente; ou na criação de parques industriais destituídos de um adequado planejamento para o Município, em especial no que tange ao seu desenvolvimento sustentável. Dentre os agentes que compõe o fenômeno urbano atual pode-se citar o crescimento industrial. Sempre presente nas cidades pós-Revolução Industrial, a indústria tem sido o pilar do sistema capitalista de produção e sustento das cidades modernas. Em virtude de seu caráter institucional, social e econômico as indústrias criaram cidades graças à transformação da sociedade de artesãos e mercadores em uma sociedade baseada no acúmulo de capital e na tecnologia. [...] Em função desta singular posição, muitas vezes a indústria tem sido legitimada pela autoridade municipal a desrespeitar o direito urbano, prejudicando a população, a urbanização e o meio-ambiente ecologicamente equilibrado. (PEREZ, 2011, 1007/1008)

Todas estas práticas militam em desfavor do desenvolvimento local, e acabam por comprometer, como mencionado, as finanças do poder público que para suprir as deficiências oriundas de sua inércia no tocante ao prévio direcionamento das atividades econômicas, tem que realizar investimentos que muitas vezes sequer estão contemplados no seu planejamento orçamentário. Como

evidente,

a

implantação

de

uma

política

pública

urbana

adequadamente planejada poderia amenizar, senão evitar, a ocorrência destas práticas. Para agir neste sentido apresenta-se imprescindível a ingerência do poder público no sentido de viabilizar a produção de normas que lhe permitam interferir, de forma direta ou indireta, no controle das atividades que venham a expandir o Município, inclusive naquelas afetas à ordem econômica. [...] A intervenção do Município, no domínio econômico, pode garantir a expansão das oportunidades de trabalho para os desempregados, a realização de projetos voltados para a moradia e alimentação da população 435

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de baixa ou sem renda, assim como a aplicação das demais políticas públicas eliminadoras das outras desigualdades sociais, não apenas resultantes da exclusão econômica. (CLARK, 2001, p. 136)

A melhor referência de norma oriunda deste planejamento criador da política pública urbana é o plano diretor que, como informado, foi inserido na Constituição de 1988 em seu art. 182, § 1º, e regulamentado pela Lei Federal nº 10.257, de 10 de julho de 2001 (Estatuto da Cidade). O plano diretor traduz-se como um instrumento normativo imprescindível no direcionamento do desenvolvimento do Município no seu aspecto físico, econômico, social, cultural, habitacional e outros, e pode ser definido como sendo a “[...] a lei supra e geral que estabelece as prioridades nas realizações do governo local, conduz e ordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as atividades urbanas em benefício do bem-estar social”. (MEIRELLES, 1998, p. 404) A Constituição, no art. 182, § 1º, dispôs sobre o plano diretor como instrumento básico da política de desenvolvimento do Município, o que por si só já legitimava a intervenção deste ente público no exercício da atividade econômica. Para se concluir neste sentido basta verificar que o Capítulo da “Política Urbana” (inaugurado pelo art. 182) está, juntamente com o Capítulo dos “Princípios Gerais da Atividade Econômica”, contemplado no Título VII da Constituição que dispõe sobre a “Ordem Econômica e Financeira”. Assim, mesmo antes de regulamentada a “Política Urbana” pelo Estatuto da Cidade, não se apresentava possível pensar em um planejamento urbano pela via do plano diretor sem a sua adequação aos fundamentos e princípios da “Ordem Econômica e Financeira”. Ilegítima, até porque contrária à Constituição, seria a instituição de uma política pública que não estivesse voltada para o racional desenvolvimento da atividade econômica de forma a valorizar o trabalho humano, a livre iniciativa, a existência digna, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e ao tratamento favorecido para micro e pequenas empresas. 436

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Para reforçar ainda mais estas linhas de conduta que devem ordenar a atuação do ente público quando da elaboração do seu plano diretor, houve a edição do Estatuto da Cidade, e a partir daí ficou ainda mais evidente a legitimidade da interferência que o Município exerce na atividade econômica desempenhada no seu âmbito territorial, principalmente diante das diretrizes gerais da política urbana constantes no seu art. 2º e incisos. Dentre as diretrizes gerais da política urbana podem ser referenciadas, a título ilustrativo, a garantia do direito de ter cidades sustentáveis ambiental, social e economicamente; a sua gestão democrática; o planejamento do desenvolvimento das cidades; a ordenação e controle do uso do solo para evitar a instalação de empreendimentos ou atividades que possam afetar o tráfego; e, o desenvolvimento socioeconômico do Município. Todas estas diretrizes revelam que a ingerência do ente público local na ordem econômica é imprescindível para o adequado desenvolvimento municipal, e que o plano diretor é um importante instrumento normativo de regulação da atividade econômica. O referido plano diretor afirma-se como norma jurídica básica de planejamento do desenvolvimento e expansão urbana e como orientador das ações do Estado e do setor privado em seu território. [...] A idéia de desenvolvimento urbano das cidades é mais ampla; nela estão contidos os aspectos econômicos, sociais e culturais que são implementados em outras normas municipais. (CLARK, 2001, p. 156/157)

Considerando a abrangência desta interferência pela via do plano diretor na atividade econômica, como também em outras áreas, o Estatuto da Cidade regulamentou a necessidade de se democratizar o planejamento que lhe dará origem. Assim o fez no art. 2º, inciso II, ao dispor sobre a gestão democrática da política pública por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano. Nada mais adequado do que exigir a interferência daqueles que diretamente estarão sujeitos aos seus efeitos, no processo de desenvolvimento da política 437

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pública urbana, afinal, “[...] os planos só serão obedecidos na medida em que a população participar de sua elaboração”. (PINTO, 2005, p. 36) Vê-se, portanto, que a elaboração preliminar de um planejamento amplo do Município sob os aspectos econômicos, territoriais, sociais, culturais e outros é imprescindível para se permitir o desenvolvimento local, e que o plano diretor, na condição de conseqüente daquele, é um importante instrumento legal de condução das atividades empresariais que poderão ser desenvolvidas no seu território. 7. CONCLUSÃO Do liberalismo econômico ao intervencionismo do Estado na atividade econômica, são encontradas virtudes que beneficiaram a economia no seu respectivo tempo, mas que fizeram eclodir a necessidade de serem promovidas adequações. O pensamento neoliberal surgiu como um elo de equilíbrio entre os dois extremos, pregando a liberdade de atuação econômica, mas impondo limites aos atores privados, e exigindo a atuação do Poder Público para balancear esta atuação. No Brasil a Constituição dedicou seu artigo inaugural, e todo seu Título VII para tratar destas normas de equilíbrio entre a liberdade irrestrita e o intervencionismo excessivo. Para tanto, garantiu a livre iniciativa como fundamento da República Federativa e da Ordem Econômica, mas impôs muitos outros fundamentos e princípios que balizam a atuação do setor privado e do Estado. A forma de Estado adotada pelo constituinte pátrio possibilitou uma divisão de competências entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, o que permitiu a este último, dentro de um prévio planejamento de suas ações, legislar sobre matérias de interesse local, de ordenar seu território e de executar sua política de desenvolvimento urbano. Este permissivo legal assegura ao Município o poder de interferir no exercício da atividade econômica desempenhada nos seus limites territoriais, desde que atenda aos preceitos da Constituição e de legislações Estadual.

438

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O planejamento preliminar ganha destaque quando da elaboração de uma política pública urbana a ser executada no território do Município. A Constituição de 1988 foi inovadora neste aspecto, pois dedicou um dos Capítulos do Título da Ordem Econômica e Financeira para tratar da “Política Urbana”. Neste foram disciplinados os instrumentos normativos que legitimam a regulação desta “Política Urbana”, ou seja, os planos, dentre os quais se destaca o plano diretor. O plano diretor, cuja criação está vinculada à participação democrática, é a exteriorização da vontade coletiva quanto aos caminhos que deverão ser seguidos pelo Município quando da ordenação de seu território, da preservação ambiental, do bem estar social e, além de outras, da atividade econômica que nele será desenvolvida. Com a legitimidade que lhe foi assegurada pela Constituição e norma reguladora de suas diretrizes gerais (Estatuto da Cidade), o plano diretor passou a ser

um

importante

instrumento

de

indução

das

atividades

empresariais

desenvolvidas no âmbito do interesse local do Município. REFERÊNCIAS ANDERSON, Perry. Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado democrático. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 2003. BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 15ª. ed. rev. e atualizada por Dejalma de Campos. Rio de Janeiro : Forense, 1988. BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 10ª ed. São Paulo : Malheiros, 2011. CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Organização da cidade: planejamento municipal, plano diretor, urbanização. São Paulo : Max Limonad, 1998. CASTRO, José Nilo de. Direito municipal positivo. 4. ed. rev. ampl. e atual. Belo Horizonte : Del Rey, 1998. CLARK, Giovani. O município em face do direito econômico. Belo Horizonte : Del Rey, 2001. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial : direito de empresa. 15. ed. São Paulo : Saraiva, 2011.

439

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. revista e atualizada. São Paulo : Malheiros, 2010. FEIJÓ, Ricardo. História do pensamento econômico : de Lao Zi a Robert Lucas. 2. ed. São Paulo : Atlas, 2007. FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de direito constitucional. 29. ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2002. FERRARI, Regina Maria Macedo Nery. Direito municipal. 2. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. Rio de Janeiro : Forense, 2002. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 15. ed. São Paulo : Atlas, 2004. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo : parte introdutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro : Forense, 2006. PINTO, Victor Carvalho. Direito urbanístico : plano diretor e direito de propriedade. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005. TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. Vol. V. 2ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro : Renovar, 2000.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

PROCESSO E ACESSO À JUSTIÇA

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE PEQUENO VALOR NO ÂMBITO DO DIREITO TRIBUTÁRIO E O ACESSO À JUSTIÇA Alana Gabi Sicuto- Universidade Estadual de londrina- [email protected] Marlene Kempfer- Universidade Estadual de Londrina- [email protected] O livre acesso à justiça constitui um princípio fundamental, previsto no Art. 5º, inc. XXXV da Constituição Federal. Tal princípio é considerado um direito natural e, durante muito tempo considerava-se que por ser anterior ao surgimento do Estado, este tinha apenas o escopo de impedir que ele fosse infringido por outros. Sendo assim, em inúmeras situações, o Estado permanecia passivo, como por exemplo, na dificuldade de uma pessoa reconhecer seus direitos e defende-los. Todavia, progressivamente o acesso à justiça vem sido reconhecido como fundamental entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que de nada adianta ser titular de um direito e não possuir mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, ser encarado como um dos requisitos fundamentais de um sistema jurídico moderno e igualitário, que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos. No âmbito do Direito Tributário o acesso à justiça em algumas situações é dificultado, na prática os próprios órgãos públicos buscam meios de dificultar os processos, como forma de defesa processual, protelando o pagamento de seus débitos. Um exemplo bastante comum refere-se aos processos que envolvem Requerimento de Pequeno Valor. Essa modalidade de cobrança, ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenando o Município, suas autarquias ou fundações ao pagamento de obrigação de pequeno valor, qual seja até 40 salários mínimos. Foi criada por permitir que o recebimento de valores considerados pequenos, ocorra de forma mais célere do que se fossem recebidos por meio de precatórios. Torna-se uma forma de recebimento mais eficiente porque, ao contrário dos precatórios, não dependem de prévia inclusão no orçamento do exercício seguinte para serem pagas. O credor do débito elabora uma petição, nos próprios autos do processo em que se deu a sentença transitada em julgado. No corpo da petição o credor demonstrará por uma tabela de cálculos corrigidos, que seu crédito não extrapola o valor de 40 salários mínimos, solicitando que o devedor pague o valor imediatamente ou apresente sua defesa. A situação examinada refere-se a matéria de defesa, por meio da qual tentando obstaculizar o credor ao acesso à justiça, o Município alega que é necessário primeiramente a elaboração de requerimento administrativo direcionado à Procuradoria. Somente após o exame desse requerimento e homologação do cálculo apresentado é que será permitido a efetiva cobrança do Requerimento de Pequeno Valor. Todavia, em contrapartida a esse entendimento, veio a Resolução nº 06/2007, do Tribunal de Justiça do Paraná, uniformizou procedimentos para a execução das obrigações de pequeno valor contra a Fazenda Pública Municipal. Conforme essa resolução, não é necessário qualquer procedimento administrativo para cobrança do montante de pequeno valor. No artigo 5º dessa resolução o texto prevê que para a execução de obrigação de pequeno valor contra Municípios, suas autarquias e fundações, o Juízo da Execução, após o trânsito em julgado da decisão, expedirá Requisição de Pequeno Valor diretamente ao ente devedor, para que efetue o pagamento, ou seja, sem a 442

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL necessidade de qualquer procedimento administrativo. Ademais, o acesso à justiça constitui princípio fundamental, portanto, é facultado ao credor optar pela via mais rápida e objetiva para garantir o pagamento do seu crédito. Não cabe ao Município, ou qualquer outro ente público, criar empecilhos que impeçam o acesso à justiça de nenhum cidadão, mesmo que como forma de defesa processual. Existem diversas jurisprudências corroborando esse entendimento, como exemplo: AGRAVO DE

INSTRUMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E ILEGALIDADE DE COBRANÇA DE TRIBUTOS C/ C REPETIÇÃO DE INDÉBITO, EM FASE DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR (RPV). DESPACHO QUE DETERMINOU A INTIMAÇÃO DO CREDOR PARA REQUERER SEU CRÉDITO JUNTO A ESFERA ADMINISTRATIVA DO ENTE PÚBLICO DEVEDOR, NOS TERMOS DA LEI MUNICIPAL Nº 8.575/01. RECURSO. ALEGAÇÃO DE QUE O CREDOR NÃO ESTÁ OBRIGADO A SOLICITAR APENAS NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA MUNICIPAL, SENDO QUE ELE POSSUI A FACULDADE DE INGRESSAR NO JUDICIÁRIO PARA COBRAR DÍVIDA EXISTENTE COM O ENTE PÚBLICO. ACOLHIMENTO. OPÇÃO DO DETENTOR DO DIREITO. EXEGESE DO PRINCÍPIO DO LIVRE ACESSO A JUSTIÇA, PREVISTO NO ART. 5º, INC. XXXV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. (...) O livre acesso a Justiça constitui princípio fundamental e, sendo assim, a parte possui a faculdade de optar pela via

judicial ao invés do ingresso no âmbito administrativo para assegurar o cumprimento do direito violado, tendo em vista que a própria Constituição Federal expressamente prevê a mencionada garantia em seu art. 5º, inc. XXXV. Desta forma, a Requisição de Pequeno Valor não pode ficar adstrita, tão somente, ao âmbito administrativo, sendo escolha do Credor, a satisfação de seu crédito pela via judicial. (...) (TJPR AI 581.313-0 Rel. Des. Idevan Lopes 1ª Câmara Cível DJ 10.08.2010). É óbvio que enquanto o Estado utilizar-se de meios que dificultem ou até mesmo impeçam o acesso à justiça, como meio de blindagem processual, tentando adiar o pagamento de seus débitos, mais complicado será o alcance pleno da eficácia desse princípio tão importante, que é elencado como fundamental. A busca incessante pela isonomia social passa, invariavelmente pelo aspecto jurídico, sendo assim, os operadores da lei, precisam criar e salvaguardar os mecanismos de acesso à justiça, bem como, os cidadãos precisam estar conscientes de seus direito e, de forma alguma abrir mão da efetivação dos mesmos. Destarte, pode-se concluir desse exemplo prático, e próximo da realidade das pessoas, que as mudanças graduais no conceito do acesso à justiça, já apresentam aplicações efetivas e concretas no cotidiano. Nosso Ordenamento Jurídico é complexo, por isso no enfoque do acesso à justiça, a simplificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil e simples que as pessoas satisfaçam as exigências para a utilização de determinado remédio jurídico. Palavras-chave: acesso à justiça; requisição de pequeno valor; processo; direito tributário.

Referências CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Editora Fabris, 1988. SCHOUERI, EDUARDO LUÍS. Direito Tributário. São Paulo: Editora Saraiva, 2012. 443

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A CONCILIAÇÃO COMO INSTRUMENTO PARA A PACIFICAÇÃO SOCIAL E A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS Aldo Aranha de Castro – UNIMAR – [email protected] Paula Georgeti Silva – UNIVEM – [email protected] O presente trabalho tem por escopo abordar um dos métodos consensuais de solução de conflito, que talvez seja o que melhor se adequa à realidade da sociedade, qual seja, a conciliação, que é tida como um instrumento de suma importância para se atingir a pacificação social. Com a percepção de uma demanda processual cada diz mais crescente, pautada em uma cultura jurídica adversarial, onde se atribui a um terceiro (no caso, o juiz) a solução das controvérsias e do conflito propriamente dito, houve certa estagnação do Poder Judiciário em sua prestação jurisdicional, vez que competirá a ele, a decisão final sobre determinado caso (que muitas vezes, por questões de equidade e justiça, seriam melhor solucionados de forma conciliatória, antes de se adentrar na esfera judiciária). Com o advento da Constituição Cidadã de 1988, e com as mudanças pelas quais vem passando a sociedade brasileira, resta importante colocar em prática um novo comportamento frente ao tratamento dos conflitos de interesses, de forma que a conciliação, neste sentido, mostra-se como um método mais ágil e eficaz para a solução das lides. Analisar-se-á a evolução dos métodos de solução de conflitos no decorrer do desenvolvimento das sociedades até se chegar à contemporaneidade, para, em seguida, abordar-se o momento de crise pela qual passa a Justiça brasileira. Posteriormente, estudar-se-á também os principais aspectos da conciliação, bem como dos princípios que a embasam, fazendo as distinções pertinentes quanto aos demais métodos consensuais de resolução de conflitos (tais como a mediação, negociação e arbitragem). Por fim, e de grande importante, farse-á uma análise da Resolução n.º 125 do Conselho Nacional de Justiça, a qual estabeleceu diretrizes fundamentais para a prática da conciliação e mediação no Judiciário, visando um tratamento mais adequado, equânime e justo, para as demandas. Com essa abordagem, restará demonstrada a importância da conciliação como instrumento capaz de auxiliar na prestação jurisdicional do Estado, garantindo um efetivo acesso à justiça, com vistas à pacificação social e ao respeito aos princípios básicos fundamentais inerentes a todo ser humano. Palavras-chave: Acesso à justiça; Solução de conflitos; Pacificação social; Conciliação.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA À LUZ DO PRINCÍPIO DA LIVRE CONCORRÊNCIA TERMINATION OF THE EFFECTIVENESS OF TAX RES JUDICATA IN LIGHT OF THE PRINCIPLE OF FREE COMPETITION Anderson Ricardo Gomes, (UNIMAR), [email protected] RESUMO. Defender-se-á a interpretação de que as decisões do Supremo Tribunal Federal, dotadas de eficácia vinculante e aplicáveis erga omnes, prolatadas posteriormente ao trânsito em julgado das ações concretas fundadas na(s) mesma(s) questão(ões) de Direito, mas em sentido diverso dessas últimas, têm o condão de esvaziar a eficácia da coisa julgada tributária, em virtude do caráter continuativo que caracteriza a relação jurídica tributária. Considerando a função política da qual se reveste a Corte Constitucional brasileira ao proferir decisões em controle de constitucionalidade, quando este tribunal fixa a interpretação do ordenamento jurídico à luz da Constituição Federal, o seu posicionamento definitivo acerca da(s) questão(ões) de Direito Tributário consiste em modificação do Direito Objetivo brasileiro, apta a proporcionar a incidência da norma tributária cuja constitucionalidade fora ratificada pelo Tribunal Constitucional, ou, a obstar tal incidência, no caso de declaração de inconstitucionalidade da mesma, não obstante as partes envolvidas na relação jurídica tributária (Fazenda Pública e contribuinte) dispuserem de decisão judicial transitada em julgado favorável aos respectivos interesses, e fundadas em interpretação jurídica diametralmente oposta ao do egrégio tribunal. E esta cessação da eficácia da coisa julgada, que se restringe aos efeitos futuros ou prospectivos da relação jurídica tributária, ocorre de forma automática, eis que aludido entendimento dá concretude imediata ao estado de coisas ideal proposto pelo princípio da livre concorrência, eis que proporciona a isonomia tributária entre os concorrentes. PALAVRAS-CHAVE: Relações jurídicas continuativas; Coisa julgada tributária; Livre concorrência. ABSTRACT. Defender will be the interpretation that the decisions of the Supreme Court, endowed with effective binding and enforceable erga omnes, handed down after the res judicata based on concrete actions (s) it (s) question (s) of law, but in a different sense of the latter, have the power to empty the res judicata effect of the tax, because of continuative character that characterizes the relationship legal tax. Considering the political function of which takes the Brazilian Constitutional Court to render decisions in judicial review when this court fixed the interpretation of law in the light of the Constitution, its position on the final (s) question (s) of Law tax law is to change the Brazilian goal, able to provide the incidence of tax law whose constitutionality had been ratified by the Constitutional Court, or to prevent such incidence in the case of unconstitutionality of the same, notwithstanding the parties involved in the legal tax (Treasury and taxpayer) has set final court decision favorable to their interests, and based on legal interpretation diametrically opposed to 445

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL the eminent tribunal. And this cessation of effectiveness of res judicata, which is restricted to the effects of future or prospective legal tax relationship, occurs automatically, behold alluded immediate understanding gives concreteness to the ideal state of affairs proposed by the principle of free competition, behold provides tax equality among competitors. KEYWORDS: Legal relations continuativas; Res judicata tax; Free competition. 1 INTRODUÇÃO A problemática tratada nesse artigo consiste na definição das repercussões que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal em sede de controle de constitucionalidade de leis e atos normativos terão sobre as pré-existentes decisões declaratórias transitadas em julgado, que tenham analisado a mesma questão constitucional concernente à tributação. Busca-se a análise da correta compatibilização entre juízos de validade diversos, proferidos por diferentes órgãos do Poder Judiciário, acerca de um mesmo enunciado normativo, de índole jurídico-tributária, a fim de se determinar quais os efeitos que a decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal irradiará sobre as decisões individuais e concretas, transitadas em julgado perante as instâncias inferiores. Insta ressaltar que o Supremo Tribunal Federal é o órgão de cúpula na estrutura do Poder Judiciário pátrio, detendo a competência para interpretar em última instância a Constituição Federal, e, por consequência, suas manifestações, além de técnicas sob o aspecto jurídico, são dotadas de forte carga política, no sentido de propiciar a exata definição do Direito Objetivo. Dessa circunstância decorre, por corolário, que a superveniência de decisão do Supremo Tribunal Federal sobre questão tributário-constitucional se caracteriza como alteração do estado do direito, apta a interferir na eficácia prospectiva de comandos normativos constantes de decisões judiciais com preponderante eficácia declaratória, que julgando relações jurídicas tributárias, fixaram-lhes os respectivos

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL “esquemas de agir”118 entre o Estado-fisco e o contribuinte, de modo até então definitivo. Isso faz com que os fatos tributários futuros passem a ser regulados de acordo com a normatividade extraída da manifestação do Supremo Tribunal Federal para a norma em questão, tal qual ocorreria se houve mudança legislativa. E nesse contexto, todos os agentes econômicos que praticarem os fatos econômicos sujeitos à tributação por força dessa norma tributária devem se sujeitar à mesma incidência do comando normativo, independentemente de serem ou não favorecidos por anterior decisão declaratória transitada em julgado, uma vez que a isonomia concorrencial exige tal providência por parte do Estado-fisco. Para o bem desenvolvimento da tese, fixar-se-á alguns conceitos processuais pertinentes ao tema, tais como relação jurídica continuativa, sentença declaratória, coisa julgada, e alteração do estado de direito. 2 COISA JULGADA TRIBUTÁRIA 2.1 RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA COMO UMA RELAÇÃO CONTINUATIVA (SUCESSIVA OU DE TRATO SUCESSIVO) O professor Teori Albino Zavascki (2012, p. 03-09) ensina que, sob o critério das circunstâncias temporais do fato gerador das relações jurídicas, estas podem ser classificadas em: 1) instantâneas; 2) permanentes (ou duradouras); e 3) sucessivas (continuativas ou de trato sucessivo). A relação jurídica instantânea se caracteriza por seu fato gerador ocorrer e se consumar em um único momento, de forma imediata, e sem continuidade no tempo, ou, resultando de fato desdobrado no tempo, só atrair uma única vez a incidência da norma no momento em que estiver inteiramente formado. 118

“A norma jurídica individual e concreta transitada em julgado definirá um „esquema de agir‟ entre Estado e contribuinte na feliz expressão de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Segundo esse autor, quando se requer que o decisium de uma sentença, para valer para processos futuros, envolva as mesmas partes, a mesma causa petendi e o mesmo objeto, obviamente que a suposta identidade não pode se referir ao ato concreto, único e irrepetível, mas aos esquemas de agir ou atividade.” (PONTES, 2005, p. 190-191)

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A relação jurídica permanente (ou duradoura) é aquela que se origina de suporte fático de incidência ou fato gerador consistente em fato ou situação que se prolonga no tempo, fazendo com que a incidência da norma também seja continua e ininterrupta. A relação jurídica sucessiva (continuativa ou de trato sucessivo), por sua vez, é aquela que surge de fatos geradores instantâneos, mas que se repetem periodicamente, de forma uniforme e continuada. Nestes casos, há uma relação jurídica permanente entre as partes, conferindo às mesmas certo status jurídico, e, de tempos em tempos, se dá a ocorrência de fatos geradores instantâneos, vinculados e decorrentes daquela relação jurídica permanente, sendo que a incidência da norma jurídica recai sobre esse suporte fático complexo (ZAVASCKI, 2012, p. 04). Teori Albino Zavascki segue lecionando que a sentença judicial se pauta pelo princípio da retroatividade, expressando um juízo de subsunção normativa sobre fatos passados e impondo os efeitos jurídicos previstos pelo ordenamento para o ocorrido sub judice. Portanto, em regra, as sentenças só têm força vinculante sobre fatos passados e as relações jurídicas efetivamente concretizadas ou consumadas. No entanto, quando a relação jurídica apreciada pelo juízo se caracterizar como sucessiva (continuativa ou de trato sucessivo), a sentença a ser proferida pode irradiar eficácia sobre fatos futuros, na medida em que disciplina o especial modo de ser desta relação jurídica e os efeitos jurídicos dos ulteriores fatos recorrentes que apresentarem o mesmo suporte fático - elementos normativos - do fato passado sobre o qual recaiu a análise judicial. Tal solução jurídica é possível devido à fisiologia da relação jurídica sucessiva (continuativa ou de trato sucessivo), a qual surge de um suporte fático complexo, em que existe uma relação jurídica permanente, dentro da qual ocorrem fatos geradores instantâneos, que se repetem de forma periódica e uniforme, como ensina Teori Albino Zavascki (2012, p. 09), in verbis: Em nosso entender, também nessa matéria tributária a eficácia 448

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL prospectiva do julgado pode ser sustentada, sem que venha a configurar julgamento sobre a norma em tese ou sentença com efeito normativo, justamente nisto; em ter a sentença lançado juízo de certeza sobre determinada situação jurídica, concreta e presente, mas de caráter duradouro, como a que diz respeito à natureza das atividades ou ao status fiscal do contribuinte, situação esta na qual se inserem os elementos próximos da obrigação tributária e o das semelhantes obrigações tributárias sucessivas. [...].

Pelas peculiaridades da relação jurídica sucessiva (continuativa ou de trato sucessivo), a coisa julgada que se forma sobre a sentença que a julga (sentença essa designada de determinativa) se sujeita a um regime jurídico diferenciado em relação às demais e traz em si, de forma implícita, a cláusula rebus sic stantibus, no sentido em que admite sua reapreciação para ser adaptada ao estado de fato e/ou ao direito superveniente, conforme expressa previsão do Código de Processo Civil brasileiro, constante de seu art. 471, I. Nesse ponto, cumpre anotar que as relações jurídicas tributárias podem ser instantâneas, surgidas a partir da ocorrência de um fato jurídico-tributário isolado, ou sucessivas (continuadas ou de trato sucessivo), que representam a grande maioria das referidas relações (MACHADO, 2003, p. 43-44). O objeto de análise do presente escrito recai justamente sobre as repercussões que a ulterior decisão final do Supremo Tribunal Federal, com eficácia vinculante e erga omnes, em sentido contrário ao entendimento fixado na res judicata tributária, surtirá sobre os fatos jurídico-tributários que se repetirem após a decisão da Corte Constitucional brasileira. 2.2 COISA JULGADA E EFICÁCIA DAS SENTENÇAS QUE JULGAM QUESTÕES TRIBUTÁRIAS: EFICÁCIA DESCONSTITUTIVA (EFEITOS RETROATIVOS) E EFICÁCIA DECLARATÓRIA (EFEITOS PROSPECTIVOS) A coisa julgada é a imutabilidade do comando normativo concreto e individual da decisão judicial, que tem a finalidade de estabilizar definitivamente a relação sociológica refletida na relação jurídica de direito material levada à apreciação do Poder Judiciário, dando concretude ao valor segurança jurídica. 449

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A coisa julgada material, que se dá em relação a processos nos quais houve resolução do mérito, impede que aquele fato jurídico sub judice seja apreciado novamente pelo Poder Judiciário no processo em que se formou ou em qualquer outro processo, salvo as hipóteses de ação rescisória. Quanto aos limites objetivos da coisa julgada, o art. 469 do Código de Processo Civil prescreve que somente o dispositivo da decisão judicial transita em julgado, o qual por sua vez, é delimitado pela congruência que apresenta com os pedidos do autor e a causa de pedir exposta na exordial. Por outro lado, não adquirem o atributo da indiscutibilidade os motivos, ainda que importantes para se determinar o alcance da parte dispositiva, a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da decisão e a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo (art. 469, I, II e III do codex supra mencionado). No que tange aos efeitos da decisão judicial transitada em julgado que decide a relação jurídica tributária, tem-se que a decisão pode ser meramente declaratória ou desconstitutiva, também chamada de constitutiva negativa. Segundo ensinam os eminentes processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Ahenhart (2003, p. 455), “a sentença declaratória apenas „declara‟ a existência, a inexistência, ou o modo de ser de uma relação jurídica. A ela recorre aquele que necessita obter, como bem jurídico, a declaração da existência, da inexistência ou do modo de ser de uma relação jurídica”. Seu objetivo é a eliminação da incerteza que recai sobre determinada relação jurídica. Por seu turno, a sentença constitutiva é aquela que cria, modifica ou extingue certa relação jurídica, podendo “ser constitutiva positiva ou constitutiva negativa, também ditas em outras terminologias, mas no mesmo sentido, sentenças constitutivas e desconstitutivas” (MARINONI; ARENHART, 2003, p. 458). Como já mencionado, as relações jurídicas tributárias podem ser instantâneas ou continuativas (sucessivas ou de trato sucessivo). Doravante, o estudo passará à inter-relacionar as eficácias preponderantes das sentenças com o processamento e julgamento das relações jurídicas tributárias continuativas (sucessivas ou de trato sucessivo). No processo tributário, as ações e respectivas sentenças declaratórias terão 450

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL cabimento quando uma das partes interessadas tencionar obter provimento jurisdicional que espanque incertezas jurídicas que recaiam sobre a existência ou não da relação jurídica tributária,

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ou quando a dúvida consistir na definição de

algum ou alguns elementos da relação jurídica tributária, por exemplo, a natureza das atividades ou o status fiscal do contribuinte. As sentenças desta natureza transitadas em julgado determinam quais os parâmetros jurídicos a serem observados naquela específica e concreta relação jurídica tributária, definindo o especial modo de ser da relação jurídica tributária, o que refletirá no modo como se produzirão os efeitos dos fatos geradores instantâneos que irão se repetir no futuro, de tal forma que os efeitos futuros da sentença perdurarão enquanto se mantiverem inalteradas as mesmas condições fáticas e jurídicas sobre as quais a decisão judicial foi proferida e se repetirem fatos geradores idênticos aos discutidos na aludida ação judicial. De outra feita, as ações e sentenças tributárias de natureza desconstitutiva vão se destinar à invalidação do ato jurídico de constituição do crédito tributário. Em tais ações tributárias, desde que haja pedido declaratório do autor (cumulativo com o pedido constitutivo negativo), a sentença desconstitutiva produz duas espécies de eficácias distintas: uma primeira, desconstitutiva, que vai recai sobre o ato concreto e pretérito de constituição do crédito tributário, invalidando-o, logo, gerando efeitos retroativos (pois incide sobre fatos consumados); e uma segunda eficácia, de natureza declaratória, por meio da qual o Poder Judiciário vai fixar quais os parâmetros jurídicos a serem observados naquela específica e concreta relação jurídica tributária e que vão reger as futuras incidências tributárias dos vindouros fatos geradores idênticos aos discutidos naquela ação judicial, ensejando efeitos prospectivos (pois se refere a fatos futuros). Ressaltando a necessidade de se discernir os efeitos passados dos futuros da coisa julgada em relações jurídicas continuativas, ensina Hugo de Brito Machado (2006, p. 157-158), verbum ad verbum:

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Por exemplo, como ocorre quando o contribuinte alega que a obrigação nascida com a relação jurídica tributária é juridicamente inexistente em virtude da inconstitucionalidade da norma tributária que instituiu a hipótese de incidência do tributo.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Conhecemos situações nas quais existem sentenças afirmando a constitucionalidade, ou a inconstitucionalidade de uma lei tributária, e tais sentenças transitam em julgado, vindo mais tarde o Supremo Tribunal Federal a resolver a questão em sentido oposto ao albergado pela sentença. À primeira vista pode parecer que a coisa julgada deve subsistir em qualquer caso, salvo apenas a possibilidade de ação rescisória. Essa ideia, entretanto, resulta da não consideração de que os efeitos da coisa julgada devem ser distintos, em relação aos fatos passados e aos fatos que, embora idênticos ou da mesma natureza, sejam de consumação futura, o que ocorre na relação jurídica continuativa.

Podem possuir a referida eficácia declaratória tanto sentenças proferidas em ações com tramitação sob as regras do procedimento processual ordinário quanto às prolatadas no procedimento do mandado de segurança. Delimita-se esta análise somente sobre a eficácia declaratória contida nas sentenças tributárias A fim de se examinar o alcance da coisa julgada tributária, há que se reforçar que a grande maioria das relações jurídicas tributárias entre o Estado-fisco e o contribuinte caracteriza-se como uma relação jurídica continuativa (sucessiva ou de trato sucessivo), pois há a reiteração periódica do substrato fático que enseja a incidência dos efeitos da norma tributária sobre os fatos jurídico-econômicos descritos pela lei como hipótese de incidência tributária, sendo que periodicamente surgem novas obrigações tributárias referentes àquela relação jurídica tributária (DALLAZEM, 2005, p. 89). Tal característica tem grande influência na delimitação da eficácia da coisa julgada tributária, uma vez que quando os integrantes da relação jurídica de direito material a expõem à apreciação do Poder Judiciário, o Estado-juiz analisa e resolve questões de direito concernentes a uma gama de elementos objetivos que periodicamente se repetirão no futuro, e que, não fosse a coisa julgada sobre aquela situação permanente, dariam azo a idênticos questionamentos jurídicos a cada ocorrência fática. Dentro dos limites da demanda exposta, o Poder Judiciário poderá apreciar todos os elementos substanciais da obrigação decorrente da relação jurídica tributária, resolvendo as questões jurídicas pertinentes e determinando quais os 452

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL parâmetros jurídicos regentes daquela específica e concreta relação jurídica fiscal, criando o que Tércio Sampaio Ferraz Júnior designa de “esquema de agir” entre o Estado-fisco e o contribuinte (PONTES, 2005, p. 190-191). Transitada em julgado a decisão que aprecia e julga a relação jurídica tributária continuativa (sucessiva ou de trato sucessivo), essa decisão surtirá naturalmente efeitos prospectivos para todas as ocorrências futuras de fatos geradores idênticos - que apresentem os mesmos elementos objetivos descritos na norma tributária -, ao analisado na ação judicial, justificando-se tal efeito no mencionado caráter continuativo da relação jurídica. (PONTES, 2005, p. 203). À luz dessas premissas processuais, tem-se que a resposta à análise da questão central deste trabalho passa pela ponderação de princípios positivados na Constituição Federal de 1988, eis que há um patente conflito normativoprincipiológico, no qual se apresenta a segurança jurídica, de um lado, representada pela garantia da coisa julgada, e o princípio da igualdade material de outro, concretizada na livre concorrência. 2.3 DA POSITIVAÇÃO DA SEGURANÇA JURÍDICA E SEUS REFLEXOS NAS DECISÕES PROFERIDAS PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL A segurança jurídica remete à idéia de estabilidade das situações individuais consumadas e previsibilidade perante o Direito. Trata-se de um valor norteador da ordem jurídica brasileira, conforme explicitado no preâmbulo constitucional, o qual alude à segurança como algo a ser propiciado aos integrantes da sociedade, conduzida por um Estado Democrático de Direito. O princípio da segurança jurídica está positivado em nossa Constituição Federal de forma implícita, mas claramente aflorando em vários dispositivos que trazem regras que preveem a estabilidade das relações jurídicas como direito subjetivo, tais como a garantia de que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada” (art. 5.º, XXXVI), “não haverá juízo ou tribunal de exceção” (art. 5.º, XXXVII), “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal” (art. 5.º, XXXIX), “a lei não retroagirá, salvo para 453

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL beneficiar o réu” (art. 5.º, XL). Também, na vedação à União, Estados, Distrito Federal e Municípios de cobrar tributos “em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado”, “no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” ou “antes de decorrido noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou” (art. 150, III, “a”, “b” e “c”). Há que se lembrar ainda que a Emenda Constitucional n.º 45/2004, coma inserção do art. 103-A, instituiu a súmula vinculante, com a finalidade de harmonizar a interpretação de controvérsia sobre questões jurídicas que acarretem divergência jurisprudencial, em prejuízo à certeza da norma, o que reforçou a importância da segurança jurídica em nosso ordenamento na medida em que a edição de súmula vinculante objetiva extirpar grave insegurança jurídica. Essa preocupação com a consagração e concretude da segurança jurídica nas relações intersubjetivas também se faz presente nos normativos que disciplinam os efeitos temporais das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle de constitucionalidade, sendo a segurança jurídica critério determinante na atividade de modulação dos efeitos da decisão. Nesse contexto jurídico-constitucional, de consagração do princípio da segurança jurídica, a positivação da garantia da coisa julgada dá concretude ao referido princípio, no sentido em que proporciona a estabilidade das relações intersubjetivas qualificadas como jurídicas, satisfazendo as expectativas humanas de segurança, com a definição acerca da regra jurídica a ser aplicada e da conduta a ser seguida, pondo fim à discussão judicial, e promovendo a pacificação social por meio do término da lide (PÉREZ LUÑO, 2012, p. 31). 2.4 DA LIVRE CONCORRÊNCIA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONALIZADO: ESPECIALIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE No Brasil, o constituinte de 1988 previu a livre concorrência como princípio da ordem econômica, de maneira a impor ao Estado o dever de implementar políticas públicas que propiciem a higidez do mercado, por meio da promoção do 454

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL maior grau de concorrência possível entre os agentes econômicos privados que atuam nesse mercado, conforme art. 170, VI, e art. 173, § 4.º, da Constituição Federal. Buscando o sentido destes comandos constitucionais, Eros Grau (2003, p. 184 -190) assevera que o princípio da livre concorrência, insculpido no inciso IV do art. 170 da Constituição, é correlato ao princípio da livre iniciativa econômica, e desdobra-se

em

liberdades

privadas e

liberdade

pública

concernentes à

concorrência, apresentando a liberdade de concorrência os seguintes aspectos: 1) faculdade de conquista de clientela, desde que não se utilize de concorrência desleal – liberdade privada; 2) proibição de formas de atuação que impeçam a concorrência – liberdade privada; 3) a neutralidade do Estado diante do fenômeno concorrencial, em igualdade de condições dos concorrentes – liberdade pública. O eminente professor leciona que é a competitividade no mercado que define a livre concorrência, tomando emprestado para tal mister as lições de Tércio Sampaio Ferraz Júnior. Extraí-se da obra de Eros Grau (2003, p. 190): Mais uma vez recorro à exposição de Tércio Sampaio Ferraz Júnior (A economia e o controle do Estado, cit.): “A livre concorrência de que fala a atual Constituição como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV) não é a do mercado concorrencial oitocentista de estrutura atomística e fluída, isto é, exigência estrita de pluralidade de agente e influência isolada e dominadora de um ou uns sobre os outros. Trata-se, modernamente, de um processo comportamental competitivo que admite gradações tanto de pluralidade quanto de fluidez. É este elemento comportamental – a competitividade – que define a livre concorrência. A competitividade exige, por sua vez, descentralização de coordenação como base de formação dos preços, o que supõe livre iniciativa e apropriação privada dos bens de produção. Neste sentido, a livre concorrência é forma de tutela do consumidor, na medida em que competitividade induz a uma distribuição de recursos a mais baixo preço. De um ponto de vista político, a livre concorrência é garantia de oportunidades iguais a todos os agentes, ou seja, é uma forma de desconcentração de poder. Por fim, de um ângulo social, a competitividade deve gerar extratos intermediários entre grandes e pequenos agentes econômicos, como garantia de uma sociedade mais equilibrada”.

455

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A proteção à concorrência justifica-se na medida em que a mesma desenvolve o mercado, proporcionando benefícios aos consumidores em geral e incentivando a pesquisa tecnológica e o aproveitamento sustentável e eficiente de todos os fatores empregados no processo de produção (PLAWIAK, 2010, p. 66-68). Carlo Barbieri Filho (apud TAVARES, 2011, p. 256) ensina que “concorrência é disputar, em condições de igualdade, cada espaço com objetivos lícitos e compatíveis com as aspirações nacionais. Consiste, no setor econômico, na disputa entre todas as empresas para conseguir maior e melhor espaço no mercado”. A concorrência que o Direito Econômico Constitucional objetiva promover é a chamada “concorrência perfeita”, estrutura de mercado caracterizada pela homogeneidade dos produtos, atomicidade do mercado, mobilidade dos fatores de produção e transparência e fixação de preços pelo próprio mercado (ROSSETTI, 2009, p. 487). Por outro lado, é importante fixar que a competição por espaço no mercado entre os agentes econômicos, ou, em outros termos, a prática da livre concorrência, pressupõe igualdade de condições entre esses agentes, de tal maneira que se pode afirmar que o princípio da livre concorrência consiste na especialização do princípio da isonomia aplicado à ordem econômica. Este entendimento reclama do Estado atuações que promovam a igualdade de condições de competição no mercado, e, inclusive, impõe ao mesmo o dever de manter a neutralidade da tributação, de forma que a incidência do ônus tributário recaia isonomicamente sobre todos os concorrentes e não se torne um fator de discrímen irrazoável e injusto na busca pelo mercado. Segundo ensinam Fellipe Cianca Fortes e Marlene Kempfer Bassoli (2012, p. 235), o “Princípio da Neutralidade Fiscal [...] possibilita: (i) igualdade de condições no jogo de mercado; (ii) ausência de barreiras estatais de ingresso e permanência no mercado; e (iii) interferência nula ou mínima do Estado no jogo de mercado”. Portanto, a questão subjacente à questão sobre a juridicidade da cessação dos efeitos prospectivos da coisa julgada tributária em virtude de posterior decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido oposto, consiste em responder a qual 456

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL princípio constitucional deve ser dada prevalência no caso de conflito entre os princípios da segurança jurídica (concretizado na garantia da coisa julgada) e da igualdade (concretizado no princípio da livre concorrência, e que, em última análise, é informado pelo valor justiça). 2.5 JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COMO INOVAÇÃO NO DIREITO Alterando-se o suporte fático ou jurídico sobre o qual a decisão transitada em julgado se fundamentou, o art. 471, I, do Código de Processo Civil permite a rediscussão da relação jurídica tributária, o que é justificado ante a constatação de que em tais casos estar-se-á diante de uma nova ação, com uma diferente causa de pedir, não havendo identificação com a anterior ação transitada em julgado. Nesse contexto, a superveniência de manifestação do Supremo Tribunal Federal, sobre a mesma questão tributário-constitucional, em sentido diverso da decisão individual transitada em julgado, caracteriza-se como modificação no estado de direito para os fins de cessação da eficácia declaratória prospectiva da coisa julgada tributária, como leciona Dalton Luiz Dallazem (2005, p. 94): “A modificação no estado de direito, por seu turno, significa o comprometimento da interpretação levada a cabo na situação jurídica objeto de apreciação judicial por força de entendimento posterior do Supremo Tribunal Federal em sentido contrário quanto à questão constitucional”. Helenilson Cunha Pontes (2005, p. 205) comunga do mesmo entendimento: “Ademais, inegável que a pronúncia de constitucionalidade com efeitos gerais, é circunstância que altera a situação de direito, sob a qual foi produzida a coisa julgada individual a impor a imediata adequação da norma individual ao novo momento vivido pelo ordenamento jurídico após aquela pronúncia”. Tal entendimento decorre da circunstância de ser o Supremo Tribunal Federal o órgão de cúpula na estrutura do Poder Judiciário pátrio, detendo a competência para interpretar em última instância a Constituição Federal, eis que é o guardião desta, e, por consequência, suas manifestações, além de técnicas sob o 457

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL aspecto jurídico, são dotadas de forte carga política, no sentido de propiciar a exata definição do Direito Objetivo. No âmbito da jurisprudência pátria, encontram-se no Superior Tribunal de Justiça

precedentes

que

acolhem

a

tese

acima

explicitada,

citando-se,

exemplificativamente, trecho da ementa do REsp 822.683/PR, de relatoria do Ministro Teori Albino Zavascki, na qual resta consignado que “há modificação do estado de direito a partir do advento da Resolução do Senado Federal que, suspendendo a execução do preceito normativo, universaliza, com eficácia erga omnes e efeito vinculante, a decisão do STF declarando a inconstitucionalidade”120. Portanto, a sentença determinativa que julga a relação jurídica tributária continuativa (sucessiva ou de trato sucessivo), sujeitando-se à cláusula rebus sic stantibus, tem sua eficácia sobre os fatos geradores futuros influenciada pela superveniência de decisão final do Supremo Tribunal Federal, em sentido oposto, visto que, para os fins de revisão da coisa julgada, a que se refere o art. 471, I, do Código de Processo Civil, esta decisão da Corte Constitucional brasileira caracteriza alteração no estado de direito, consoante ensina Hugo de Brito Machado (2006, p. 169), ipsis litteris: “A solução que, a nosso ver, é a mais adequada, e que tende a prevalecer, é a de considerar a decisão do STF como direito novo. Trata-se de alteração no contexto fático/jurídico à luz do qual o acórdão foi proferido, e que impede a produção de seus efeitos quanto a fatos posteriores que ocorrem no âmbito das relações continuativas”. 2.6 CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA NO QUE TANGE AOS SEUS EFEITOS PROSPECTIVOS O exame sobre as repercussões ou efeitos que as ulteriores decisões do Supremo Tribunal Federal, com eficácia vinculante e erga onmes, conferindo à questão tributária sentido diverso do atribuído na ação individual, produzirão sobre a

120

No mesmo sentido: EDcl no REsp 651.260/SP, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA

TURMA, julgado em 12/09/2006, DJ 09/10/2006, p. 344. 458

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL coisa julgada tributária, deve se assentar sobre duas premissas: 1 - a de que os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada tributária formada na ação individual tem eficácia ex nunc ou não retroativa, em homenagem aos princípios da segurança jurídica e da irretroatividade normativa; 2 – os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal sobre a coisa julgada tributária formada na ação individual repercutem sobre a eficácia no tempo da decisão declaratória, não se formulando qualquer juízo ou questionamento sobre a validade da referida decisão, razão pela qual se rechaça qualquer indagação sobre a aclamada teoria da relativização da coisa julgada. Em relação aos fatos tributários cujos efeitos já foram consumados, objeto de coisas julgadas anteriores em sentido diverso do ulterior entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a questão constitucional, devem os mesmos ser rediscutidos por meio de eventual ação rescisória, caso os respectivos trânsitos em julgado tiverem ocorrido em data até o limite de 2 (dois) anos imediatamente anteriores à decisão final do Tribunal Constitucional. Caso contrário, salvo melhor juízo, a incidência da norma, mesmo contrária da interpretação posteriormente atribuída pelo Supremo Tribunal Federal, não será passível de qualquer impugnação. De outro lado, em relação à sentença determinativa que julga relação jurídica tributária continuativa (sucessiva ou de trato sucessivo), a resolução da questão tributário-constitucional pelo Supremo Tribunal Federal caracteriza-se como modificação no estado de direito, passando a dar a exata conformação do Direito Objetivo no que se refere àquela questão jurídica, em situação similar à publicação de uma nova lei. Deste modo, o posterior pronunciamento do Supremo Tribunal Federal não retira a validade da decisão individual transitada em julgado, uma vez que essa, por ocasião de sua prolação, não apresentava qualquer vício, intrínseco ou intrínseco, passível de lhe acarretar sua invalidade por meio do instrumento processual cabível, que em último caso seria a ação rescisória (abstraindo-se as situações em que os atos decisórios efetivamente apresentam nulidades). 459

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A repercussão desse pronunciamento do Supremo Tribunal Federal na coisa julgada tributária individual recairá sobre o plano de sua eficácia prospectiva, retirando-lhe a normatividade de que dispunha para reger os futuros fatos jurídicos subjacentes ao “esquema de agir” que fora fixado nessa decisão. Aludida conclusão visa a compatibilizar as normas principiológicas que positivam os valores da segurança jurídica, da irretroatividade normativa e da proteção da boa-fé com os princípios da justiça, da igualdade e da livre concorrência, tendo como absoluta a garantia da coisa julgada referente a fatos consumados e flexibilizando a garantia no que tange aos fatos tributários futuros, conforme anota Hugo de Brito Machado, (2006, p. 165): Por isto entendemos que a decisão que declara a inexistência da relação jurídica tributária de natureza continuativa, ou concede mandado de segurança contra a cobrança de um tributo albergado por uma relação jurídica continuativa, transita em julgado e se faz imodificável. De modo absoluto, no que diz respeito aos fatos consumados e aos fatos que se vão consumando sem mudança no elemento fático ou no elemento jurídico da relação. E de modo relativo no que diz respeito aos fatos futuros, posto que não impede a alteração do elemento normativo formador da relação jurídica.

Cabe lembrar que o art. 146 do Código Tributário Nacional, norteado pelos mesmos valores da segurança jurídica, da irretroatividade normativa e da proteção da boa-fé, prescreve que a alteração no critério jurídico a ser aplicado no lançamento pela autoridade fiscal só terá aplicação em fatos geradores futuros. Por derradeiro, reafirma-se que não se está diante da relativização da coisa julgada, uma vez que não se tenciona desconstituir a decisão judicial, mas tãosomente, precisando os exatos termos dos limites objetivos da coisa julgada, fazer cessar a eficácia prospectiva da carga eficacial declaratória daquela decisão. 2.7 FORMA E MOMENTO DE CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DA COISA JULGADA TRIBUTÁRIA EM RAZÃO DO ADVENTO DE PRONUNCIAMENTO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Defende-se aqui, a desnecessidade de propositura da ação revisional 460

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL prevista no art. 471, I, do Código de Processo Civil, para que o interessado possa se beneficiar da nova situação jurídica que lhe é favorável em decorrência da decisão do Supremo Tribunal Federal em sentido oposto à proferida na decisão transitada em julgado. Esse posicionamento embasa-se, primeiramente, na função política que é conferida às decisões da Corte Constitucional, cujas decisões têm o condão de alterar o Direito Objetivo, uma vez que propiciam a exata definição do mesmo. Para fatos posteriores à decisão do Supremo Tribunal Federal acerca de determinada questão jurídica, a incidência da hipótese de incidência sobre a situação fática a que se aplica se dará de acordo com a interpretação que o tribunal realizou sobre a norma abstrata que compõe aquela hipótese de incidência, sendo que a interpretação fixada pela corte incorporar-se-á, automaticamente, àquela norma abstrata acompanhando-a em todas as suas futuras incidências. Adota-se essa interpretação por ser a que melhor compatibiliza os princípios da segurança jurídica (concretizado na garantia da coisa julgada) e da igualdade (concretizado no princípio da livre concorrência, e que, em última análise, é informado pelo valor justiça), cumprindo ressaltar que em tais situações deve ser dada primazia ao princípio da livre concorrência e da isonomia, a fim de equiparar todos os agentes econômicos, com igual capacidade contributiva, à mesma tributação, independentemente de um ou alguns deles ter a seu favor ou contra si, coisa julgada tributária, dando concretude ao princípio da neutralidade tributária sobre os diferentes concorrentes do mercado sujeito à tributação. Nesse sentido, posiciona-se Hugo de Brito Machado (2006, p. 157): “A prevalência da coisa julgada sobre a isonomia pode implicar, sim, maus tratos ao princípio da livre concorrência, cuja prática pressupõe igualdade de condições entre os concorrentes. A relativização da coisa julgada em proveito da realização da justiça não só é admissível, como na verdade constitui a única solução plausível” (grifo nosso). No mesmo sentido, manifestou-se o Ministro Teori Albino Zavascki, em seu voto no Recurso Especial n.º 686.058/MG, in verbis:

461

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ademais, o princípio da coisa julgada não é absoluto. Conforme assinalou Liebman, discorrendo sobre as restrições a serem impostas à coisa julgada, 'a razão principal que sufraga a orientação restritiva é que a coisa julgada é, afinal, uma limitação à procura da decisão justa da controvérsia, e deve, por isso, se bem que socialmente necessária, ficar contida em sua esfera legítima e não expandir-se fora dela' [LIEBMAN, Enrico Tullio. Limites objetivos da coisa julgada, op. cit., p. 573]. Assim, no âmbito do conflito aqui examinado, a coisa julgada formada no caso concreto deve ser harmonizada com os demais princípios e valores consagrados na Constituição. Ora, militam em favor da prevalência da força vinculante da Resolução dois princípios constitucionais, pelo menos: o da autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, que lhe deu suporte, e o da igualdade de todos perante a lei, especialmente a lei constitucional. Não teria sentido, por exemplo, invocar a coisa julgada para exigir que determinado cidadão continue pagando um tributo a que foi condenado em demanda particular, quando todos os demais estão desobrigados de fazê-lo porque o Senado, com base em decisão do Supremo, suspendeu, com eficácia erga omnes, a execução da lei criadora da exação fiscal. (grifo nosso)

Ademais, as implicações econômicas de eventual decisão judicial devem ser consideradas pelo julgador, conforme ensina André Ramos Tavares (2011, p. 8182), ad litteram: A constitucionalização do Direito consiste na imposição de que os diversos operadores do Direito, incluindo os juízes, promovam uma aplicação das leis e demais atos normativos secundários, a partir de uma leitura constitucionalmente atenta, quer dizer, por meio de uma interpretação sempre e constantemente imbuída das normas constitucionais. [...] Em termos econômicos, isso significa que é preciso atentar para possibilidades e perspectivas de cunho constitucional-econômico mesmo na interpretação de leis e demais atos normativos não diretamente relacionados ao tema, quer dizer, aparentemente fora do espectro de alcance do Direito econômico. Isso porque desde o momento no qual há uma incorporação expressa do econômico pela Constituição, uma interpretação conforme essas normas, das demais leis, torna-se imperativa.

Portanto, nesse contexto jurídico, torna-se desnecessária a utilização da ação revisional prevista no art. 471, I, do Código de Processo Civil, pelo favorecido, eis que, para os futuros fatos que correspondam ao mesmo “esquema de agir” da 462

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL relação

jurídica

tributária

com

res

judicata

anterior,

passará

a

incidir

automaticamente a “nova normatização” referente à interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal àquela mesma norma. 3 CONCLUSÃO As decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal que resolvem questões constitucionais tributárias controvertidas na jurisprudência, fixando a exata interpretação da norma tributária, dado ao caráter político da Corte Constitucional, consubstanciam-se em alteração do estado de direito, sendo que os efeitos de tais decisões irão se irradiar sobre os futuros jurídico-tributários, normatizando-os de acordo com o entendimento consagrado pelo Tribunal Constitucional. A especial característica das relações jurídicas continuativas (sucessivas ou de trato sucessivo) acarretará a influência direta de aludidas decisões sobre a eficácia prospectiva da coisa julgada individual prolatada anteriormente à decisão do Supremo Tribunal Federal, em sentido oposto. Essa interferência na eficácia prospectiva da coisa julgada é justificada pela isonomia que deve imperar entre os diferentes agentes econômicos que competem no meio econômico, em especial o imperativo de manutenção da livre concorrência, a qual pressupõe a igualdade de condições entre os concorrentes, sendo imperativo ao Estado a observância da neutralidade tributária. Por tal razão, defende-se aqui que em relação aos fatos geradores posteriores à decisão do Supremo Tribunal Federal a nova interpretação da norma tributária deve incidir erga omnes, independentemente da existência de anterior coisa julgada tributária, propiciando, destarte, a igualdade na tributação dos concorrentes. Ademais, essa “nova normatização” deve incidir de forma automática, independentemente de nova manifestação judicial, dispensando-se, pois, a ação revisional, prevista no art. 471, I, do Código de Processo Civil.

463

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REFERÊNCIAS BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2011. DALLAZEM, Dalton Luiz. A coisa julgada e a posterior apreciação da constitucionalidade pelo STF. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ELALI, André (Coords.). Coisa julgada tributária. São Paulo: MP Editora, 2005. GRAU, Eros. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. FORTES, Fellipe Cianca; BASSOLI, Marlene Kempfer. Análise econômica do Direito Tributário: livre iniciativa, livre concorrência e neutralidade fiscal. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2012. MACHADO, Hugo de Brito. Mandado de segurança em Matéria Tributária. 5. ed. São Paulo: Dialética, 2003. MACHADO, Hugo de Brito. Coisa Julgada e Controle de Constitucionalidade e de Legalidade em Matéria Tributária. In: MACHADO, Hugo de Brito (Coord.). Coisa Julgada, Constitucionalidade e Legalidade em Matéria Tributária. Fortaleza: Dialética, 2006. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. MENDES, Gilmar Ferreira, COELHO, Inocêncio Mértires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008. PEREZ LUÑO, Antonio-Enrique. La Seguridad Jurídica: una garantía del Derecho y la Justicia. Disponível em: . Acesso em: 30 de ago de 2012. PLAWIAK, Rainer Belotto. O controle das estruturas do Direito Concorrencial Brasileiro: Aspectos Teóricos e Práticos. In: MOREIRA, Egon Bockmann; MATTOS, Paulo Todescan Lessa (Coords.). Direito Concorrencial e Regulação Econômica. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PONTES, Helenilson Cunha. Coisa julgada tributária. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva; PEIXOTO, Marcelo Magalhães; ELALI, André (Coords.). Coisa julgada tributária. São Paulo: MP Editora, 2005. ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2009. TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método, 2011. ZAVASCKI, Teori Albino. Coisa julgada em matéria constitucional: eficácia das sentenças nas relações jurídicas de trato continuado. Disponível em Acesso em: 25 de ago de 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REVISITANDO A SÚMULA VINCULANTE N° 14 Antonio Aparecido de Lima Faculdade Dom Bosco de Cornélio Procópio/PR [email protected] Daniela Borges Freitas Mestrado UNIVEM Marília/SP [email protected] Diante de reiteradas negativas dos juízos aos pleitos para vistas aos autos do inquérito policial tratado em sigilo, os operadores do direito constituídos pelo investigado viram prejudicados os direitos dos seus clientes. Face a essa postura do judiciário o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na representação dos interesses da Associação dos Advogados de São Paulo (AASP) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) impetraram no Supremo Tribunal Federal (STF) o pedido para edição de Súmula Vinculante. Esse pleito teve manifestação contrária do Ministério Público Federal e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) sob o argumento desta última que “o modelo de persecução criminal brasileira ficará substancialmente comprometido, em especial na repressão dos delitos mais graves” (ANPR, apud STF, 2009). O presente estudo, classificado como pesquisa bibliográfica, descritiva e de abordagem qualitativa, repousa sobre a Súmula Vinculante n° 14, editada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que trata do direito ao advogado constituído, no exercício da sua profissão, e nos dos direitos fundamentais da pessoa investigada, ter acesso ao inquérito policial. Com amparado em autores como, Pedro Lenza, Marinoni e Mitidiero, Alexandre de Moraes, Nery, Nucci, José Afonso da Silva, Tourinho Filho, e Ministros dos STF, na pesquisa são abordados aspectos sobre a definição de súmula, o instituto da súmula vinculante, e a Súmula Vinculante 14. Ao final, constata-se que o STF assegurou para o advogado o acesso ao inquérito policial, fortaleceu os fundamentos constitucionais, e rechaçou a atitude autoritária do Estado quando da negativa ao conhecimento dos fatos pelo investigado, postura prejudicial à sociedade do Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS STF - Supremo Tribunal Federal. Súmula Vinculante n° 14. 02 fev. 2009. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PRINCÍPIO FUNDAMENTAL DO DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA À LUZ DO CONSTITUCIONALISMO CONTEMPORÂNEO THE FUNDAMENTAL PRINCIPLE OF RIGHT TO EFFECTIVE JURISDICTIONAL TUTELAGE ACCORDING TO THE CONTEMPORARY CONSTITUTIONALISM Bárbara Guasque - Pontifícia Universidade Católica do Paraná. [email protected] Maria Christina dos Santos - Pontifícia Universidade Católica do Paraná. [email protected] RESUMO: A teoria dos direitos fundamentais e a normatização dos princípios são tidas como as grandes conquistas do constitucionalismo moderno. Atualmente, à luz deste novo paradigma constitucional, o Direito é um sistema composto por regras e princípios onde estes figuram como mandamentos nucleares do sistema, alicerces fundamentais que se irradiam por todo o ordenamento jurídico, servindo de critério para a exata compreensão deste, por lhe definir a lógica e a racionalidade. Os postulados básicos da sociedade, suas ideologias, seus fins passaram a ser albergados por princípios abrigados no seio constitucional, explícita ou implicitamente. Alguns princípios existem a tempos idos, a exemplo da liberdade e igualdade, outros foram incorporados recentemente e estão em fase de consolidação, como o princípio da dignidade da pessoa humana e da razoabilidade. Mas o diferencial é que referidos princípios agora passam a ser normatizados, passando a ser a síntese dos valores abrigados no ordenamento jurídico. Dentre os princípios constitucionalmente consagrados figura o princípio do acesso à justiça, insculpido no inciso XXXV do art. 5º da CF. Referido princípio figura como o mais importante dentre todos os demais, vez que através dele se torna viável a busca pela concretização de todos os outros direitos. Contudo, não há que se falar em direito a uma tutela jurisdicional se esta não for efetiva, e esta efetividade está ligada explicitamente á condição temporal do processo e, implicitamente, à noção de dignidade da pessoa humana. Há, portanto, uma necessidade do Estado Brasileiro em aprimorar e tornar mais eficiente a tutela jurisdicional, respeitando os direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal. Palavras chave: constitucionalismo contemporâneo; tutela jurisdicional; efetividade Abstract: The theory of fundamental rights and the principles of standardization are Considered the major conquests of modern constitutionalism. Nowadays, According to this new constitutional paradigm, law is a system composed of rules and principles where these commands Represents the core of the system, fundamental foundations That spread throughout all over the statutory system, serving as a criteria for the exact comprehension of this, because its logic and defines rationality. The basic postulates of society, their ideologies, their purposes are now housed in sheltered principles within constitutional, explicitly or implicitly. Some principles are the times gone by, by example of freedom and equality, others have been recently added and are in consolidation phase, as the principle of human dignity and reasonableness. But the difference is that these principles now become standardized, becoming a 467

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL synthesis of the values sheltered in the legal system. Among the enshrined constitutionally principles appears the principle of access to justice, carved in item XXXV of art. 5 of the CF. That principle appears as the most important among all the others, because through it becomes possible to search for the realization of all other rights. However, there is no need to talk about the right to a jurisdictional tutelage if it is not effective, and this effectiveness is linked to the Explicitly temporal condition of the process, and implicitly, the notion of human dignity. Hence it follows that there is a need of the Brazilian State to improve and make more efficient the jurisdictional tutelage, respecting fundamental rights carved in the Constitution. Keywords: Modern Constitutionalism; jurisdictional tutelage; effectiveness INTRODUÇÃO A Constituição é a principal característica de um Estado soberano121. Ela figura como o ordenamento jurídico fundamental, dotado de força normativa, fixando as principais diretrizes de organização e estruturação do Estado, os princípios e valores fundamentais a serem buscados, tutelados e promovidos pelo mesmo. A Constituição Federal de 1988 iniciou uma nova ordem jurídica no Estado Brasileiro. É, sem dúvida alguma, a Constituição mais democrática que o Brasil já teve, e inaugurou o denominado Constitucionalismo Moderno em nosso país, o qual se caracteriza, essencialmente, pela inclusão no texto constitucional, de valores e princípios concernentes a direitos e garantias fundamentais e à dignidade da pessoa humana. Valores estes que devem ser seguidos e promovidos pelo Estado, além de servirem de base a toda formulação e interpretação de normas. Dentre os princípios constitucionalmente consagrados consta o princípio da inafastabilidade da tutela jurisdicional insculpido no inciso XXXV do art. 5º da CF. Referido princípio figura como o mais importante dentre todos os demais, vez que através dele se torna viável a busca pela concretização de todos os outros direitos. Contudo, não há que se falar em direito a uma tutela jurisdicional se esta não for efetiva, e esta efetividade está ligada explicitamente á condição temporal do processo e, implicitamente, à noção de dignidade da pessoa humana. Por certo que 121

Dizer que um Estado é soberano, nas palavras de Artur Cortez Bonifácio, significa, em última análise, conceber que é regido por uma Constituição própria, com princípios e regras devidamente delineados por opção do Constituinte Originário, de par com a cultura do detentor da legitimação do processo de formulação da Carta Política. (BONIFÁCIO, Artur Cortez. In: Normatividade e Concretização: A Legalidade Constitucional).

468

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL uma justiça tardia não pode sequer ser considerada justiça. Há, portanto, uma necessidade do Estado Brasileiro em aprimorar e tornar mais eficiente a tutela jurisdicional, respeitando os direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal. O presente estudo visa tecer consideração exatamente sobre esta garantia constitucional do acesso à justiça sob a perspectiva do novo constitucionalismo. 1. CONSTITUCIONALISMO

CONTEMPORÂNEO

E

OS

DIREITOS

FUNDAMENTAIS Antes de adentrar à temática central do presente estudo, necessário se faz tecer algumas considerações concernentes ao constitucionalismo contemporâneo, à força normativa da Constituição e aos direitos fundamentais. O atual modelo estatal, designado como Estado Constitucional diferencia-se do antigo modelo de Estado de Direito122 principalmente ante a inclusão, em seu texto constitucional, de valores e princípios concernentes à dignidade da pessoa humana e aos Direitos Fundamentais, assim como o estabelecimento de metas e diretrizes a que o Estado deve, em primeiro plano, buscar, com o escopo de concretizar e de proteger estes direitos e valores123. Esta novo paradigma constitucional amolda-se à diretriz universal adotada pelos Estados após a 2ª Guerra Mundial, de incluir nos textos constitucionais normas de proteção à dignidade humana e a direitos fundamentais traçados pelas Nações Unidas, cujo ordenamento condutor é a Carta Internacional dos Direitos Humanos. A introdução destes elementos ocorreu num contexto de reação aos regimes políticos caracterizados pela opressão, pelo autoritarismo e pela barbárie e marcados, singularmente, pelo não reconhecimento do outro, da alteridade, a ausência da

122

O Estado de Direito é, sob a luz do Iluminismo característico de sua época de surgimento, o Estado da razão, ou seja, é o Estado governado segundo a vontade geral da razão e orientado à consecução formal do bem comum. 123 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: A Problemática da Concretização dos Direitos Fundamentais Sociais pela Administração Pública Brasileira Contemporânea. Curitiba: Fórum, 2007.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL solidariedade124. Breus assevera que estes direitos fundamentais passaram a ser o escopo da atividade estatal, de modo que a Constituição de 1988 significou a adesão do Brasil ao denominado Constitucionalismo Contemporâneo, caracterizado formalmente pela superioridade hierárquica e definitiva centralidade da Constituição e pela plena normatividade dos princípios e regras constitucionais e, sob o aspecto material, pela inclusão explícita de valores relacionados com o respeito e com a promoção da dignidade da pessoa humana e dos Direitos Fundamentais.125 Na ensinança de Ingo Wolfgang Sarlet em artigo intitulado “As dimensões da dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito”, a noção de dignidade da pessoa humana, tal como consagrada na Constituição de 1988 (especialmente no artigo 1, inciso III), ocupa a posição tanto de fundamento e tarefa da nossa República, quanto de princípio normativo e, portanto, juridicamente vinculante, em permanente diálogo com os direitos fundamentais e a própria legitimidade da ordem constitucional126. Atualmente, a Constituição Federal se apresenta como norma jurídica que a todos vincula. Sua força normativa, explícita e implícita, firma os valores, princípios e normas a serem seguidos, seja na aplicação e interpretação das normas pelo juiz ou administrador no caso concreto, seja na elaboração das mesmas pelo legislador. Por óbvio, também a interpretação dos direitos fundamentais acha-se condicionada tanto à letra da Constituição como ao próprio conteúdo e âmbito normativo do bem por eles tutelado. Segundo ROSSI: “o Constitucionalismo contemporâneo passa a transformar os valores e opções políticas fundamentais em normas jurídicas, num grau de hierarquia ou centralidade diferenciado em relação às demais normas do sistema e 124

ROSSI, Amélia Sampaio. Neoconstitucionalismo e Direitos Fundamentais. Disponível em: > http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/amelia_do_carmo_sampaio_rossi.pdf Acesso em 03 de setembro de 2012 125 BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas no Estado Constitucional: A Problemática da Concretização dos Direitos Fundamentais Sociais pela Administração Pública Brasileira Contemporânea. Curitiba: Fórum, 2007. 126 SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito. In: MOURA, Lenice S. Moreira (org.). O novo Constitucionalismo na era pós-positivista: homenagem a Paulo Bonavides. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 86.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL que, portanto, as condiciona”.127 Os direitos fundamentais, na qualidade de dispositivos máximos de proteção a direitos essenciais dos cidadãos dentro do nosso ordenamento jurídico, fornecem as diretrizes para a aplicação e interpretação das normas infraconstitucionais. São eles que formam a base do ordenamento jurídico de um Estado Democrático de Direito e ao Estado incumbe o papel de promotor e garantidor destes direitos. A violação a algum destes princípios contidos no texto constitucional constitui verdadeira afronta ao Estado Democrático de Direito, conforme assevera Bandeira de Mello: “A violação a um princípio é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa ingerência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”128.

Portanto, uma vez que a Constituição inclui princípios constitucionais do direito processual na condição de direitos fundamentais, é de rigor que estes sejam concretizados. Dentre estes direitos fundamentais, inclui-se o direito fundamental à tutela jurisdicional, sendo que somente através de uma tutela jurisdicional efetiva se torna

possível

a

concretização

dos

demais

direitos

fundamentais

constitucionalmente garantidos. 2. HISTÓRIA DO DIREITO DE AÇÃO NO BRASIL O princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional ou princípio do direito de ação, antes de ser constitucionalmente assegurado, apareceu positivado no Brasil pela primeira vez no código civil de 1916, em seu artigo 75, que assim dispunha: “a todo o direito corresponde uma ação que o assegura”. Somente com a 127

ROSSI, Amélia Sampaio. Neoconstitucionalismo e Direitos Fundamentais. Disponível em: > http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/amelia_do_carmo_sampaio_rossi.pdf Acesso em 03/09/2012. 128 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 5.ed., Malheiros, São Paulo,1994, p. 451.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Constituição de 1946 é que ele foi elevado á condição de garantia constitucional. O artigo 141, § 4º de referida Carta Magna estipulava que “a lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual”129. O art. 150, § 4º da Constituição de 1967 repetiu a redação da anterior. Todavia, em 13.12.1968, a edição do Ato Institucional nº 5, em seu artigo 11, violou referido princípio ao dizer que: “Excluem-se de qualquer apreciação judicial todos os atos praticados de acordo com este Ato Institucional e seus atos Complementares, bem como os respectivos efeitos130”. A Emenda Constitucional 1/69 à Constituição Federal de 1967 voltou a contemplar referida garantia em seu art. 153, § 4º. Todavia, esta emenda “constitucionalizou” o AI 5 em seus artigos 181 e 182, embora sem legitimidade para tanto.131 Enfim, passado o período de exceção do Estado brasileiro, a Constituição Federal de 1988 não permitiu nenhum tipo de ofensa à garantia do direito de ação132, incluindo-a em seu artigo 5º, XXXV, passando a constar com a seguinte redação: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

129

MARINONI, Luis Guilherme. O Direito de Ação na Constituição Brasileira. http://marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2010/04/20090909022054Direito_de_acao-1.pdf >Acesso em 17/09/2011. 130 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 99. 131 Art. 181. Ficam aprovados e excluídos de apreciação judicial os atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução de 31 de março de 1964, assim como: I - os atos do Governo Federal, com base nos Atos Institucionais e nos Atos Complementares e seus efeitos, bem como todos os atos dos Ministros Militares e seus efeitos, quando no exercício temporário da Presidência da República, com base no Ato Institucional nº 12, de 31 de agosto de 1696; II - as resoluções, fundadas em Atos Institucionais, das Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais que hajam cassado mandatos eletivos ou declarado o impedimento de governadores, deputados, prefeitos e vereadores quando no exercício dos referidos cargos; e III - os atos de natureza legislativa expedidos com base nos Atos Institucionais e Complementares indicados no item I. Art. 182. Continuam em vigor o Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e os demais Atos posteriormente baixados. Parágrafo único. O Presidente da República, ouvido o Conselho de Segurança Nacional, poderá decretar a cessação da vigência de qualquer destes Atos ou dos seus dispositivos que forem considerados desnecessários. 132 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 100.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 3. O DIREITO DE AÇÃO EM ORDENAMENTOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS O direito à tutela jurisdicional é uma conquista da própria civilização a qual foi proclamada solenemente pela ONU, em 10 de dezembro de 1948, na Declaração Universal dos Direitos do Homem. O artigo 10 de referida Declaração estipulava que: "Toda pessoa tem direito, em condições de plena igualdade, de ser ouvida publicamente e com equidade, por um tribunal independente e imparcial para a determinação de seus direitos e obrigações, ou para o exame de qualquer acusação contra ela dirigida, em matéria penal".

A Convenção Europeia para a Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais133, editada em 04 de novembro de 1950 em Roma, aduzia em seu artigo 6º que: "Toda pessoa tem direitos a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial, instituído por lei, que decidirá sobre os seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela".

Da mesma forma, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos134 (pacto de San José da Costa Rica), de 22 de novembro de 1969, também incluiu, em seu artigo 8º, 1, a garantia à tutela jurisdicional efetiva, disposta da seguinte forma: "Toda pessoa tem direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei anterior, na defesa de qualquer acusação penal contra ela formulada, ou para a determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil,

133

__________________Disponível em: http://www.echr.coe.int/NR/rdonlyres/7510566B-AE54-44B9A163-912EF12B8BA4/0/POR_CONV.pdf > Acesso 20/08/2011. 134

__________________Disponível http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/c.Convencao_Americana.htm > Acesso 20/08/2011.

em:

473

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza..."135

4. DIREITO FUNDAMENTAL À JURISDIÇÃO EFETIVA No Brasil, a Carta Magna de 1988 atribui aos órgãos do Poder Judiciário, em caráter exclusivo, a tutela jurisdicional. Portanto, o Poder Judiciário detêm o monopólio do munus judicante e este, segundo José de Albuquerque Rocha, é exatamente o primeiro traço tipificador da função jurisdicional136. Não se confunde o direito de ação com outro direito assegurado constitucionalmente, qual seja, o direito de petição. Enquanto o primeiro objetiva proteger direitos do cidadão contra ameaça ou lesão, o segundo assegura a participação política, independente da existência de lesão ao direito do peticionário137. Nery Júnior menciona a lição de Manoel Antônio Teixeira Filho, para o qual o princípio da inafastabilidade da jurisdição possui profundas raízes históricas e representa uma espécie de contrapartida estatal ao veto à realização, pelos indivíduos, de justiça por mãos próprias (exercício arbitrário das próprias razões, na peculiar dicção do Código Penal - art. 345). Para Nery Júnior, este direito é uma pilastra de sustentação do Estado de Direito 138. Dworkin o classifica como princípio jurídico fundamental.139 A Ilustre Ministra da Corte Suprema, Carmem Lúcia Antunes Rocha, em artigo de sua titularidade denominado "As Garantias do Cidadão na Justiça”, ensina que:

135

VIEIRA, Valber Siqueira. A Prestação Jurisdicional. Disponível em Acesso em 20/11/2011. 136 VIEIRA, Valber Siqueira. A Prestação Jurisdicional. Disponível em Acesso em 20/07/2011. 137 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 138 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 139 GRAUS, Eros. A ordem econômica na constituição de 1988. Ed Malheiros. 13º Ed. 2008. Pág. 159.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL "o direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é, então, de uma parte direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado."140

Segundo Marinoni, o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva já foi proclamado como o mais importante dos direitos, exatamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos141. Por óbvio, referido direito figura como o mais importante dos direitos, uma vez que, para a concretização dos demais, primeiro se faz necessário abrir as portas do judiciário. Rodrigo de Cunha Lima Freire, em artigo intitulado “Direito Fundamental à Jurisdição Efetiva da Sociedade de Informação”, cita a posição de Luiz Guilherme Marinoni, para o qual: “A ação, antes vista como um mero aspecto do direito material, depois como um direito a uma sentença favorável, para alguns, ou apenas como um direito à jurisdição, para outros, é hoje, no Estado Constitucional, tida como um DIREITO FUNDAMENTAL A UMA JURISDIÇÃO EFETIVA, em consonância com o disposto no inciso XXXV do art. 5º da Cata Magna”.142 Este direito à efetividade em sentindo estrito é compreendido como o direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial. Já em sentido lato, esta tutela jurisdicional deve ser tempestiva e, conforme o caso, preventiva. Este caráter preventivo da tutela jurisdicional há muito fora contestado, ocorre que a inclusão do termo “ameaça de direito” na redação de 140

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. In: O Direito Constitucional à Jurisdição. As Garantias do Cidadão na Justiça - Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. 1993. 141 MARINONI. Luis Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em Acesso em 12/07/2011 142 FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Direito Fundamental à Jurisdição Efetiva na Sociedade da Informação. In: MOURA, Lenice S. Moreira de (Org.). O novo constitucionalismo na era póspositivista: homenagem a Paulo Bonavides. Saraiva, 2009, p. 389-396.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL referido princípio não deixa dúvidas à cerca de sua natureza preventiva, capaz de impedir a violação de um direito, afinal, o direito à tutela inibitória está contido no próprio corpo da norma que institui algumas espécies de direitos. Ele está na esfera do direito material e não processual.143 Neste sentido, cabe o julgado do Excelso e Supremo Tribunal Federal: “Poder de cautela. Judiciário. Além de resultar da cláusula de acesso para evitar lesão a direito – parte final do inciso XXXV do art. 5º da CF –, o poder de cautela, mediante o implemento de liminar, é ínsito ao Judiciário." (ADPF 172MC-REF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 10-6-2009, Plenário, DJE de 21-8-2009.)

Nery Júnior preconiza que a invocação da tutela jurisdicional deve efetivar-se pela ação do interessado que, exercendo o direito à jurisdição, cuide de preservar, pelo reconhecimento (processo de conhecimento), pela satisfação (processo de execução) ou pela asseguração (processo cautelar), direito subjetivo material violado ou ameaçado de violação144. Para Marinoni, o direito à tutela jurisdicional engloba o direito à técnica processual adequada, o direito de participação através de procedimento justo e o direito à resposta pelo Estado-Juiz. Por certo não basta apenas que o Estado preste tão somente o “munus” judicante. Necessário se faz que esta resposta seja prestada com rapidez e eficiência, ou seja, é preciso que a tutela jurisdicional seja efetiva. E este é justamente um dos grandes entraves da atualidade. Cabe a preclara ensinança de Marinoni, para o qual: “Uma leitura mais moderna, no entanto, faz surgir a ideia de que essa norma constitucional garante não só o direito de ação, mas a possibilidade de um acesso efetivo à justiça e, assim, um direito à tutela jurisdicional adequada, efetiva e tempestiva. Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão somente uma resposta, independentemente 143

MARINONI, Luis Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em Acesso em 12/07/2011. 144 JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de ser ela efetiva e tempestiva. Ora se o direito de acesso à justiça é um direito fundamental, porque garantidor de todos os demais, não há como imaginar que a Constituição da República proclama apenas que todos têm direito a uma mera resposta do juiz”.145

Neste mesmo sentido, leciona Carmem Lúcia Antunes: “O direito à jurisdição apresenta-se em três fases que se encadeiam e se completam, a saber, a) o acesso ao poder estatal prestador da jurisdição; b) a eficiência e prontidão da resposta estatal à demanda de jurisdição; e c) a eficácia da decisão jurisdita. A dicção, mesmo que constitucional, do direito à jurisdição não basta para que o cidadão tenha a segurança de ver assumido e solucionado pelo Estado o conflito que, eventualmente, surja na aplicação do direito. (...). Por isso, é insuficiente que o Estado positive a jurisdição como direito, enunciando-o na fórmula principiológica da inafastabilidade do controle judicial, mas não viabilize as condições para que este direito seja exercido pelos seus titulares de modo eficiente e eficaz"146.

Em nosso ordenamento pátrio, várias são as normas e os entendimentos da Corte Suprema que vêm objetivando produzir uma maior acessibilidade ao direito de ação por parte dos cidadãos. Inclui-se neste rol a Lei nº 1.060/50 (Lei de Assistência Judiciária), a qual isenta o pagamento de custas processuais e honorários advocatícios àqueles que não possuem condições de arcar com referidas despesas sem prejuízo de seu próprio sustento ou de sua família. Da mesma forma o art. 5º, LXXIV da Constituição, o qual dispõe: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), em seu art. 9º permite o acesso ao judiciário, sem a assistência por advogado, nas causas inferiores a vinte salários mínimos. Nos procedimentos relativos à ação popular e às ações que tutelam direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dispensam o pagamento das custas processuais e dos ônus de sucumbência como uma forma de estímulo ao direito de ação. 145

MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999. p. 218. 146 ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. In O Direito Constitucional à Jurisdição. As Garantias do Cidadão na Justiça - Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. 1993.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Nossa Corte Suprema editou duas súmulas no afã de barrar procedimentos atentatórios ao princípio da inafastabilidade, a saber: Súmula Vinculante 28: “É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.” Súmula 667: “Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa.”

Conforme preconizou o Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, Cesar Peluso: “A explosão de demandas, havida nos últimos 20 anos, de um lado revela uma sociedade mais consciente de seus direitos, e, de outro deixa transparecer que o Judiciário ainda é percebido como a instância extrema de que dispõe o cidadão para ver assegurados, dentre outros, direitos fundamentais mínimos, como saúde e educação”.147 5. EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL E A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO Uma vez que a Constituição da República assegura em seu art. 5º, XXXV o direito fundamental à tutela jurisdicional e que esta deve ser prestada de maneira eficaz a fim de dar concretude a esta garantia fundamental, é evidente que o aspecto temporal está umbilicalmente ligado à esta noção de tutela eficaz. Afinal, nas sábias palavras de Ruy Barbosa: “Justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Para a grande maioria dos doutrinadores, o direito a razoável duração do processo já estava contemplado em nosso ordenamento constitucional, estando inserido no princípio do devido processo legal e no princípio da eficiência aplicável à Administração Pública (art. 37, caput da CF). Ademais, cabe salientar novamente a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), tratado internacional de direito humanos do qual o Brasil é signatário, que em seu 147

__________________ Disponível em: Acesso em 20/08/2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL garantir-lhe previsibilidade em relação às consequências das suas ações”.153

Em outra perspectiva aludida pelo ilustre jurista, a segurança jurídica reflete a necessidade de a ordem jurídica ser estável, ter um mínimo de continuidade. E isto deve ser aplicável à legislação e à produção judicial. Todavia, a despeito das tentativas das Cortes Superiores em pacificar entendimentos conforme se vislumbra com a adoção de súmula vinculantes e o julgamento dos recursos repetitivos, na prática dos tribunais brasileiros ainda não há esta preocupação com a estabilidade das decisões.154 Ingo Sarlet liga a segurança jurídica à noção de dignidade da pessoa humana: “Considerando que também a segurança jurídica coincide com uma das mais profundas aspirações do ser humano, viabilizando, mediante a garantia de uma certa estabilidade das relações jurídicas e da própria ordem jurídica como tal, tanto a elaboração de projetos de vida, bem como a sua realização, desde logo é perceptível o quanto a ideia de segurança jurídica encontra-se umbilicalmente vinculada à própria noção de dignidade da pessoa humana. (...) a dignidade não restará suficientemente respeitada e protegida em todo o lugar onde as pessoas estejam sendo atingidas por um tal nível de instabilidade jurídica que não estejam mais em condições de, com um mínimo de segurança e tranquilidade, confiar nas instituições sociais e estatais (incluindo o Direito) e numa certa estabilidade das suas próprias posições jurídicas”.155

7. DISPOSIÇÕES FINAIS A nova ordem constitucional trazido pelo Constitucionalismo contemporâneo pressupõe a força normativa das normas constitucionais bem como a inclusão de valores e princípios ligados à noção de dignidade humana e garantidores de direitos 153

MARINONI, Luis Guilherme. Segurança dos Atos Jurisdicionais. Disponível em: http://marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2010/11/Princípio-da-Segurança-dos-Atos-JurisdicionaisMARINONI.pdf > Acesso em 20/08/2011. 154 MARINONI, Luis Guilherme. Segurança dos Atos Jurisdicionais. Disponível em: http://marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2010/11/Princípio-da-Segurança-dos-Atos-JurisdicionaisMARINONI.pdf > Acesso em 20/08/2011. 155 SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia do direito fundamental à segurança jurídica: dignidade da pessoa humana, direitos fundamentais e proibição de retrocesso social no direito constitucional brasileiro. Revista de Direito Constitucional, v. 57, p. 11 apud MARINONI, Luis Guilherme. Segurança dos Atos Jurisdicionais. Disponível em: http://marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2010/11/Princípioda-Segurança-dos-Atos-Jurisdicionais-MARINONI.pdf > Acesso em 20/08/2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fundamentais. Contudo, a eficácia normativa deste novo paradigma requer uma nova postura do juiz e da jurisdição constitucional, no sentido de garantir que a realidade jurídico-constitucional se efetive na prática. Mas especificamente, no que concerne ao princípio do direito à tutela jurisdicional, é inegável a sua importância ao se considerar que é através dele que se possibilita a efetivação de todos os demais direitos fundamentais. Este direito fundamental de acesso à justiça se efetiva mediante o processo judicial, que é um meio de resolução de conflitos o qual, com o intuito de melhor atender aos anseios da sociedade está em constante mutação no afã de buscar a almejada efetividade da prestação jurisdicional, uma vez que não basta que seja garantido o direito à tutela jurisdicional, é preciso que esta tutela seja efetiva. Conforme preleciona o Ilustre Ministro da Suprema Corte Constitucional, Ayres Brito: “(...) de nada valeria a CF declarar com tanta pompa e circunstância o direito à razoável duração do processo, se a ele não correspondesse o direito estatal de julgar com presteza. Dever que é uma das vertentes da altissonante regra constitucional de que a „lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito‟ (inciso XXXV do art. 5º). Dever, enfim, que, do ângulo do indivíduo, é constitutivo da tradicional garantia de acesso eficaz ao Poder Judiciário („universalização da Justiça‟, também se diz)”.156

Para tanto, o judiciário brasileiro vêm sofrendo mudanças em toda a sua estrutura processual buscando efetivar o direito à justiça, visando aprimorar os mecanismos processuais de modo a torná-los mais rápido, efetivo, seguro e acessível a todos. A emenda constitucional 45/2004 e a informatização do processo judicial, trazida pela Lei 11.419/2006 são exemplos disso. Contudo, ainda carecemos de diversas outras medidas. Quiçá o novo código de processo civil seja responsável por mudanças determinantes nesta jornada de busca pela concretização da efetiva tutela jurisdicional.

156

HC 94.000, voto do Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 17-6-2008, Primeira Turma, DJE de 133-2009.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Como escreveu o poeta espanhol António Machado, “caminhante, não há caminho, o caminho se faz ao caminhar”. O essencial, segundo as brilhantes palavras do Ministro aposentado da nossa Corte Suprema, César Peluso, é reconhecer as fragilidades, confessar os desacertos, confrontar carências e propor remédios viáveis, calcados em experiências controladas e possibilidades não temerárias, nem aventureiras.157 Referências BREUS, Thiago Lima. Políticas Públicas do Estado Constitucional. Curitiba: Fórum, 2007. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Direito Fundamental à Jurisdição Efetiva na Sociedade da Informação. In: MOURA, Lenice S. Moreira de (Org.). O novo constitucionalismo na era pós-positivista: homenagem a Paulo Bonavides. Saraiva, 2009. GRAUS, Eros. Os Princípios e a Interpretação da Constituição. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. JÚNIOR, Nelson Nery. Princípios do Processo Civil da Constituição Federal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. MARINONI, Luiz Guilherme. Garantia da tempestividade da tutela jurisdicional e duplo grau de jurisdição. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério. Garantias Constitucionais do processo civil. São Paulo: RT, 1999. MARINONI, Luis Guilherme. O Direito de Ação na Constituição Brasileira. Disponível em: http://marinoni.adv.br/wpcontent/uploads/2010/04/20090909022054Direito_de_acao-1.pdf MARINONI. Luis Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/5281 MARINONI, Luis Guilherme. Segurança dos Atos Jurisdicionais. Disponível em: http://marinoni.adv.br/wp-content/uploads/2010/11/Princípio-da-Segurança-dos-AtosJurisdicionais-MARINONI.pdf MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 5.ed., São 157

Disponível em: http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/54809/leia+a+integra+do+discurso+de+peluso+na+ abertura+do+ano+judiciario.shtml > Acesso em 30/03/2012

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Paulo: Malheiros, 1994. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. Editora Atlas. 24º Ed. São Paulo, 1999. ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O Direito Constitucional à Jurisdição. As Garantias do Cidadão na Justiça - Coordenador: Sálvio de Figueiredo Teixeira. 1993. ROSSI, Amélia Sampaio. Neoconstitucionalismo e Direitos Fundamentais. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/salvador/amelia_do_carmo_sampa io_rossi.pdf VIEIRA, Valber Siqueira. A Prestação Jurisdicional. Disponível em: http://www.universojuridico.com.br/publicacoes/doutrinas/default.asp?action=doutrina &coddou=651

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O ACESSO À JUSTIÇA POR MEIO DA ADEQUADA TÉCNICA PROCESSUAL E DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO ACCESS TO JUSTICE THROUGH ADEQUATE TECHNICAL PROCESS AND REASONABLE TIME OF THE PROCESS

Bruno Augusto Sampaio Fuga – Projeto de Pesquisa UEL (Acesso à Justiça: a Instrumentalidade do processo frente à jurisdição) [email protected] Resumo: O acesso à justiça por meio da adequada técnica processual para garantir a duração razoável do processo é o tema deste trabalho. O objetivo proposto é discutir e esclarecer os institutos da flexibilização procedimental, acesso à justiça, segurança jurídica, tutela transindividual e meios alternativos, como possíveis soluções para garantir o acesso à justiça e a duração razoável do processo. A justificativa é a relevância do tema e dos institutos aqui tratados e pesquisados para atingir a eficácia dos direitos pleiteados. A morosidade do judiciário e dificuldades no acesso à justiça são fatores que podem refletir em aspectos econômicos do país e, consequentemente, em todos os cidadãos. Analisar o direito comparado, dentre eles o Francês, Inglês, Neozelandês (Nova Zelândia) e Português é de fundamental importância para conhecimento teórico e prático, pois a experiência de outros países usada para enfrentar os mesmos questionamentos pode ser de grande importância. Os questionamentos pesquisados e analisados neste trabalho são também inovações jurídicas e problemas pertinentes da contemporaneidade, tendo em vista a pluralidade da sociedade e a grande quantidade de ações judiciais atualmente propostas no pátrio sistema judiciário. Palavras-chave: acesso à justiça; flexibilidade procedimental; tutela transindividual; técnica processual. Abstract: Access to justice through the proper procedural technique to ensure the reasonable duration of the process is the subject of this work. The proposed objective is to discuss and clarify the institutes of procedural flexibility, access to justice, legal certainty, protection and transindividual alternative means, as possible solutions to ensure access to justice and the reasonable duration of the process. The justification is the relevance of the topic and institutes here treated and researched to achieve the effectiveness of the rights pleaded. The slowness of the judiciary and difficulties in access to justice are factors that can reflect on the economic aspects of the country and consequently in all citizens. Analyze comparative law, including the French, New Zealand and Portuguese is of fundamental importance to theoretical and practical knowledge, as the experience of other countries used to face the same questions can be of great importance. The questions researched and analyzed in this paper are also relevant innovations and legal problems of contemporaneity, in view of the plurality of society and the large number of lawsuits currently proposed in paternal judiciary. Keywords: access to justice; procedural flexibility; tutelage transindividual; procedural technique. 486

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL SUMÁRIO Introdução. 1. O acesso à justiça e adequada técnica processual. 2. Flexibilidade procedimental. 2.1. Princípio da adequação formal em Portugal. 2.2. Flexibilização do procedimento no direito comparado. 3. Acesso à justiça e duração razoável do processo. 4. Tutela transindividual e sua contribuição para a duração razoável do processo.5. Meios alternativos de solução de conflitos. Conclusão. Referências bibliográficas. INTRODUÇÃO O presente trabalho versa sobre técnica processual no devido processo legal, seus reflexos na segurança jurídica e celeridade processual. O tema em questão

apresenta

diversos

posicionamentos

doutrinários

e

atualmente

é

amplamente estudado, pois a morosidade do judiciário é fator que pode refletir em aspectos econômicos do país e, consequentemente, em todos os cidadãos. Versa o trabalho sobre os meios alternativos de soluções de conflitos, ações transindividuais, o acesso à justiça e duração razoável do processo, além de alguns aspectos do direito comparado, em especial o Português e Inglês, com algumas observações sobre o vigente ordenamento jurídico Francês e informações sobre efetividade na Nova Zelândia. Inicia o estudo e pesquisa em obras de Ovídio A. Baptista da Silva, Bedaque, Marinoni, Dinamarco e Streck, dentre outros doutrinadores que contribuem para pensar o direito e soluções para evitar morosidade judicial, garantir segurança jurídica no devido processual legal e a inevitável discussão entre direito e moral. Conforme mencionado, a presente pesquisa dedica-se a apresentar institutos que contribuem para a celeridade processual, com duração razoável do processo, acesso à justiça e a tão almejada efetividade. 1.

O

ACESSO

À

JUSTIÇA

E

ADEQUADA

TÉCNICA

PROCESSUAL

487

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A necessidade do acesso à justiça por meio da adequada técnica processual e procedimento que assegure o devido processo legal, com garantia ao contraditório e a ampla defesa, além da razoável duração do processo158, é um dos desafios do mundo moderno. A adequada técnica processual159, que consiste no conjunto das normas que regem o procedimento160 e a formalidade, à luz da visão instrumentalista do processo, é de grande importância, inclusive, para proporcionar a justa decisão. A adequada técnica processual161, como serviço de eficiência do instrumento, garante o acesso à justiça, segurança jurídica, e é predisposta a ordenar os meios destinados a obter certos resultados. Há estudo atual sobre a necessidade de textura aberta da norma para o julgador melhor adequar o rito necessário de acordo com o caso concreto. Em contrapartida, outra linha doutrinária, contrária a este entendimento, fundamenta na necessidade de rigor no formalismo. O processo, nesta ótica, é uma técnica para garantia do direito material e a duração razoável do processo, com sua efetividade em sentido lato 162. A adequada técnica processual tem correlação com a tempestividade do processo, e, importante destacar, que o direito à tutela efetiva, com sua duração razoável é, inclusive, direito fundamental (CF, art. 5º, LXXVIII). É o direito de exigir uma prestação do Estado, vez ser vedada a autotutela. E, embora a adequada técnica processual seja importante, o direito é mais do que técnica, instrumento ou procedimento 163. E, apurar os fatores que produzem transformações no campo dos paradigmas filosóficos para contribuir no estudo da duração razoável do processo, é de vital importância. Primordial neste momento é ter em foco que nenhuma técnica processual pode ser tratada como sistema 158

Emenda Constitucional nº45, de 8 de dezembro de 2004 acrescentou: art. 5º, LXXVIII: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. 159 A técnica, enquanto técnica, é ideologicamente neutra, mas toda técnica processual há de ser ditada e construída segundo a visão dos objetos a serem alcançados. (DINAMARCO, 2009, p. 374) 160 Não há como confundir técnica processual com procedimento. O procedimento é uma espécie de técnica processual destinada a permitir a tutela dos direitos. (MARINONI, 2010, p. 148) 161 Nossa análise parte do princípio de que o processualista, especialmente o processualista enquanto legislador, seja alguém cuja função é produzir instrumentos. (Ovídio A. Baptista da Silva, 2006, p. 34) 162 MARINONI, 2010, p. 140. 163 STRECK, 2012, p. 9.

488

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fechado e autossuficiente, sendo importante, assim, compreender o cenário político e outros que a influenciam.164 Há doutrinadores que fundamentam a necessidade de assegurar a imparcialidade do juiz a ponto de este não ficar sujeito, no julgamento, a nenhuma autoridade superior, porém, este posicionamento não parece ser o mais adequado, com perigo, inclusive, se válido, de ferir o Estado democrático de direito. Para Streck, deve ser combatido o solipsismo165 epistemológico, sob pena de ferir o devido processo legal e a segurança jurídica. Para o doutrinador, princípios gerais não possuem força deôntica166, são vagos e sujeitos a interpretações irrestritas. Há, atualmente, uma inversão de pensamento o qual não se interpreta para compreender, e, sim, compreende-se para interpretar. A interpretação torna-se a explicação do compreendido. Para Bedaque, o interesse de alguns para simplificar o processo pode comprometer valores essenciais à segurança. Além disso, o formalismo exagerado, que é sinônimo de burocracia, pode ser útil para preguiçosos e covardes se esconderem no emaranhado de normas em prol de uma chicana processual. O processo, para o doutrinador, não é somente forma, pois toda organização e estrutura encontra razão de ser nos valores e princípios constitucionais. Para ele, a técnica processual tem a utilidade de assegurar o justo processo e estabelecer o modelo constitucional ou o devido processo constitucional. (2010, p. 26) Para Marinoni, o direito à prestação jurisdicional efetiva pode ser visto como: i) o direito à técnica processual adequada; ii) o direito a participação por meio do procedimento adequado167; iii) o direito a resposta do juiz; iiii) resposta jurisdicional.

164

Sobre o tema, de não ser o estudo do processo um sistema fechado e auto-suficiente: (DINAMARCO, 2009, p. 97) 165 HOUAISS (2009): doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões sem existência própria [Embora freq. considerado uma possibilidade intelectual (caso limite da filosofia idealista), jamais foi endossado integralmente por algum pensador.] 166 2012, p.95. 167 Sobre o tema: O procedimento, além de conferir oportunidade à adequada participação das partes e possibilidade de controle da atuação do juiz, deve viabilizar a proteção do direito material. Em outros termos, deve abrir ensejo à efetiva tutela dos direitos. (2010, p. 112)

489

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ainda para Marinoni, é necessário que o processo seja visto como técnica processual destinada à efetividade dos direitos e, se a técnica for fechada em si mesma, com indiferença ao direito material, será algo inservível. (2010, p. 20)168 Seria também pertinente, na visão do doutrinador, ter o juiz poder discricionário, ou eventuais cláusulas gerais processuais para dar efetividade à tutela jurisdicional. (2010, p. 22) Para constituir direitos contra a possibilidade de arbítrio do juiz, Marinoni afirma que foram evidenciadas garantias para a participação adequada do demandado no processo, como o contraditório e a ampla defesa (2010, p. 36). Para Dinamarco, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo169. (2009, p. 314, 377) A sentença não é um ato de vontade do julgador e não está restrita a sua própria consciência170. Decisões contrárias a este sentido são opostas ao ordenamento jurídico e ao devido processo legal e, inclusive, destoam da segurança jurídica tão almejada171. Esses termos dizem respeito à legitimidade e validade, tema que é recorrente e localizado na discussão entre direito e moral, como também no papel desempenhado pela razão prática (questionamento de uma ação correta). Para Bedaque, o formalismo exagerado transforma o juiz em um mero burocrata. Necessário se faz, na visão do doutrinador, reconhecer no julgador a capacidade de, com sensibilidade e bom senso, adequar o mecanismo de acordo com o caso em específico. (2010, p. 45)172 Questiona-se, então, o critério subjetivo de aplicar sensibilidade, bom senso, princípio de adequação ou adaptação em decisões judiciais. Qualquer critério 168

Sobre o tema: O fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial. (2010, p. 43) 169 Sobre o tema também: Falar em instrumentalidade do processo ou em sua efetividade significa, no contexto, falar dele como algo posto à disposição das pessoas com vista a fazê-las mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. Mais do que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo. (DINAMARCO, 2009, p. 359) 170 STRECK, 2012, p. 9 171 REsp. 279.889/AL, HC 94.826/SP, TJPR: ACrim 135.719-5/PR. 172 Sobre o tema em questão, outra passagem do doutrinador: O caminho mais seguro é a simplificação do procedimento, com a flexibilização das exigências formais, a fim de que possam ser adequadas aos fins pretendidos o até ignoradas, quando não ser revelarem imprescindíveis em determinadas situações. (2010, p. 51)

490

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL subjetivo é concessão de poderes para julgadores e grande margem de poder discricionário. Buscando se desvencilhar desta problemática, Bedaque alega ser necessário enfrentar o excesso de formalismo quando incompatível com a natureza instrumental. Para ele, a preocupação com a efetividade da tutela deve vir acompanhada de atitudes que eliminem óbices meramente formais. O exemplo é a quantidade de processos extintos por estes problemas. As implicações da preclusão, coisa julgada, nulidades, pressupostos processuais, condições da ação, formalidades excessivas e vícios que não causam prejuízo aos litigantes ou ao próprio regular andamento do processo, devem ser repensadas, não segundo a vontade pessoal do julgador, mas por meio da adequada técnica empregada pelo legislador. Em prol do combate à morosidade, sem comprometer o devido processo legal

e

a

segurança

jurídica,

é

preciso

encontrar

a

exata

porção

de

instrumentalidade e formalismo, sem o exagero que impeça a decisão de casos difíceis. Não deve também, ao buscar respostas para os questionamentos já apontados, fundamentar a solução do problema unicamente em princípio da razoabilidade, ponderação, bom senso e boa fé, pois estes critérios são subjetivos e de imediato não contribuem para a duração razoável do processo e limites para a discricionariedade judicial. O formalismo oco, vazio, por sua vez, não colabora para a celeridade processual, cria entraves desnecessários e comporta-se em desencontro à duração razoável do processo. Em contraponto, o formalismo benéfico coopera para a celeridade processual e razoável duração do processo. Neste sentido, o formalismo tem a intenção de contribuir e, assim, minimizar os efeitos da discricionariedade de forma irrestrita. É preciso retomar a instrumentalidade, pois processo é ferramenta de fazer justiça e não uma mera finalidade. Justifica-se um novo olhar, com novos

491

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL paradigmas173. Aspira-se com esta pesquisa a demonstração de que a instrumentalidade contribui para evitar formalismos vazios e inevitabilidade de uso dos princípios que, embora subjetivos, são de grande importância. A efetividade do processo está diretamente ligada à correta compreensão dos fundamentos da técnica processual. O instrumentalismo utilizado de maneira inadequada produz formalismo estéril, contribuindo para a demora no processo. (BEDAQUE, 2010, p. 31) É preciso, na relação processual, encontrar maneira mais adequada para possibilitar que o resultado seja obtido de forma rápida, segura e efetiva (BEDAQUE, 2010, p. 34). Os valores segurança, efetividade, justiça e paz social não podem ser afastados para alcançar os reais fins do processo. (BEDAQUE, 2010, p. 40) Importante contribuição traz também Watanabe, pois segundo o doutrinador, para a instrumentalidade substancial servir à efetiva realização dos direitos, necessário se faz não só a modernização e renovação do processo, como também recursos financeiros, infraestrutura material e pessoal adequados. (2012, p. 151) 174 Para Dinamarco, a instrumentalidade é o núcleo e a síntese dos movimentos pelo aprimoramento do sistema processual. Aprimorar o serviço jurisdicional implica na efetividade a seus princípios formativos (lógico, jurídico, político e econômico), tendência esta universal. (2009, p. 24) Para o doutrinador, os procedimentos mais avançados concedem liberdade das formas deixadas ao juiz entre parâmetros razoavelmente definidos e mediante certas garantias fundamentais aos litigantes. O formalismo obcecado e irracional é fator de empobrecimento do processo. (2009, p. 151) Ainda sobre o tema, o doutrinador atesta que os louvores da interpretação evolutiva não podem chegar a algo que pareça com as ideias da escola do direito 173

Sobre o tema, em leitura realizado após a elaboração deste tópico, mas de fundamental importância e citação: ao contrário, a ciência progride significativamente pro meio de revoluções, não por evolução. (Ovídio A. Baptista da Silva, 2006, p. 31). A quebra de um determinado paradigma e sua substituição por outro é o que ele denomina “revolução científica”. (Ovídio A. Baptista da Silva, 2006, p. 31) 174 Sobre o tema e mesmo posicionamento doutrinário: Queremos nos referir à forma com que são aplicadas em nosso País. É necessário dotar-se o poder público de meios materiais e logísticos para que possa melhorar sua infra estrutura e, a o mesmo tempo, capacitar melhor os juízes e servidores públicos em geral, a fim de que possam oferecer prestação jurisdicional e processual administrativa adequada aos que dela necessitam. (NERY Junior, 2010, p. 323)

492

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL livre. Ele ainda afasta as sentenças contra legem, mesmo que conduza a resultados viciados ou injustos. (2009, p. 234) Poder irrestrito, sem freios e com poder discricionário ilimitado aos julgadores, de forma pacífica entre os doutrinadores aqui citados, não é benéfico para o Estado e seus cidadãos. Limites previamente impostos, com critérios objetivos de como utilizar fundamentações de decisões judiciais com princípios, são de grande valia. Importante

também

deduzir

que

a

preocupação

no

estudo

da

discricionariedade, da técnica processual e do devido processo legal, é assaz válido, porém necessário se faz ir mais além. A busca de conceitos de direito e justiça não deve se limitar apenas na visão do poder judiciário ou no mundo jurídico. É desnecessário descobrir a melhor forma de estrutura e controle do judiciário com belíssimos conceitos de como proceder com o provável e inevitável poder discricionário e a adequada técnica processual, se os demais poderes do Estado não estiverem fortes e em harmonia, dado este que também será pesquisado para fundamentar este posicionamento. Não parece ser crível e proveitoso gerar uma teoria do direito que almeja apenas discutir aspectos jurídicos, visto que este poder, por exemplo, é extremamente conectado ao poder legislativo. O poder discricionário, o processo e a técnica processual, por sua vez, estão também diretamente ligados à forma de atuação do legislativo. Faz-se necessário conhecer a vivência do processo como instrumento, e estar informado das sugestões que outras ciências possam fornecer para seu aperfeiçoamento. O processualista deve estar atento à indispensável visão orgânica da interação entre o social, o político e o jurídico. 2. FLEXIBILIDADE PROCEDIMENTAL Além do conteúdo já exposto sobre discricionariedade, instrumentalidade, normas de texturas abertas e rigor formal, importante também prosseguir com pesquisa sobre a flexibilidade procedimental e seus reflexos no processo. 493

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Inquestionável que há atualmente uma nova ideologia com flexibilização e novo jeito de compreender o processo. Busca-se a tutela adequada e a finalidade da medida. Não comporta o processo transigir com o formalismo estéril, oco ou vazio e, por descrédito no parlamento, há maior ativismo judicial. (TAVARES, 2010) O princípio da adequação formal, por exemplo, foi inserido na legislação em vigor. Incessantemente se almeja a tutela efetiva, sendo este, inclusive, interesse público. Na visão de Tavares o simples ativismo judicial não pode colocar uma pá de cal na discussão sobre a flexibilização e essa nova ideologia. Artigo publicado por Armando Castelar Pinheiro, após ampla pesquisa de campo sobre o tema em questão, relata que a forma de aplicação da lei pode ter consequências para a economia. Demanda-se alto custo em processos além de demasiado tempo para sua tramitação. No conteúdo de sua pesquisa, Pinheiro, por exemplo, descreve que 73% dos juízes entrevistados concordam inteiramente ou muito que eles não aplicam somente lei, pois devem ser sensíveis aos problemas sociais, ou seja, acreditam ser responsáveis pela criação da lei. Em mesma pesquisa, constou que 83,4% dos juízes participantes entendem que há excesso de formalismo na legislação. Na mesma linha de raciocínio, 82,3% acreditam que o excesso de formalismo é obstáculo para o funcionamento do judiciário. Para Bedaque, determinadas formas são necessárias para garantir liberdade, porém não deve haver exagero, sendo escravo da forma. Situações de julgamento sem resolução do mérito devem ser excepcionais e a adaptação do procedimento deve ser em prol da aplicação da correta técnica processual. Para o doutrinador, deve-se ter em mira o princípio da verdade jurídica objetiva, evitando-se assim o rigor excessivo. Há, conforme mencionado, necessidade de técnica processual, pois os custos do processo e sua morosidade influenciam decisivamente na captação de recursos externos e pode determinar os rumos da economia do país. O equilíbrio entre celeridade e segurança, para Bedaque, é de fundamental importância e, inclusive, sinônimo de efetividade. Deve-se fugir do formalismo 494

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL excessivo, com simplificação do procedimento e flexibilização das exigências formais. Sobre o tema, Marinoni esclarece que é ilusão pensar que há apenas dever de ações normativas. A técnica processual é necessária, pois diante da omissão do legislador o juiz deve prestar a adequada tutela jurisdicional e há, portanto, um espaço para a discricionariedade. Para o doutrinador, deve-se ter foco na distribuição do ônus do tempo do processo, na medida do direito do autor e fragilidade do réu. Dinamarco, em sua doutrina, alega que o formalismo pelo formalismo é fator de empobrecimento do processo e cegueira para seus fins. 2.1. PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO FORMAL EM PORTUGAL Na busca de tornar célere a prestação jurisdicional, com vista a racionalização e simplicidade dos atos processuais e, inclusive, a justa composição do litígio, o ordenamento jurídico de Portugal incorporou no vigente código de processo civil o princípio da adequação formal. Deve o juiz, de acordo com o artigo 265 – A175 do Código de processo civil, ordenar a tramitação da lide, adequando à especificidade da matéria litigiosa e, assim, evitar a prática de atos inúteis. Este processo pressupõe uma nítida confiança no juiz em exercer uma prudente e flexível condução do processo. De acordo com o princípio incorporado à norma, deve o juiz, após ouvir as partes, adotar mecanismos de simplificação, sem deixar de garantir a igualdade das partes e o contraditório, para proporcionar a composição do litígio em prazo razoável. Prestigia-se, com esse princípio, o mérito à substância em detrimento da mera formalidade processual. E, nessa nova visão do processo, de acordo com texto de Portugal sobre o tema, importa desestimular o uso de faculdades dilatórias pelas partes, que pode ser dividido em três fases: evitar injustificável prolixidade, com 175

Art. 265º-A do CPC português: Quando a tramitação processual prevista na lei não se adequar às especificidades da causa, deve o juiz oficiosamente, ouvidas as partes, determinar a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo, bem como as necessárias adaptações.

495

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL peças processuais e meios de provas inadequados; aplicação de penalidades sancionatórias (taxa sancionatórias) por abusos cometidos por manifestações (recurso ou requerimentos) manifestamente improcedentes; por fim, o aplicação do instituto da litigância de má-fé, por violação dos deveres de boa-fé, com aplicação de multa superior a simples taxa sancionatória. Importante citar para visualizar a aplicabilidade do princípio acima citado, decisões judiciais de Portugal sobre o tema: Acórdão nº 0150112 de Tribunal da Relação do Porto, 19 de Março de 2001 I - Não constitui obstáculo à cumulação sucessiva, prevista no artigo 53 n.1 alínea c) do Código de Processo Civil, a circunstância de se ter iniciado uma execução sob a forma de processo ordinário a que se aplica o disposto no Decreto-Lei n.274/97 de 8 de Outubro e se pretender cumular, com esta, execução que segue forma de processo ordinário. II - O tribunal deve aplicar o princípio da adequação formal, previsto no artigo 256-A do Código de Processo Civil, quando a forma de processo aplicável difere apenas pelo valor da respectiva execução. (Grifo nosso) Acórdão nº 7423/2006-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 19 de Outubro de 2006 I - A reforma adjectiva de 95 veio privilegiar os aspectos de ordem substancial em detrimento das questões de naturêza meramente formal, de que é corolário o princípio da adequação formal (artº 265º-A do CPC) e daí que se aceite não haver obstáculo à correcção oficiosa da forma incidental desde que, obviamante, o respectivo requerimento comporte os elementos fundamentais da forma incidental que se mostre adequada (Grifo nosso)

Verifica-se que o princípio da adequação formal devidamente aplicado nas decisões judicias daquele país, valoriza-se a substância e a finalidade da medida e não a aplicação do simples formalismo. Implementou, portanto, a legislação portuguesa um regime processual civil mais simples e flexível, sem abandonar o contraditório. Sobre o tema, doutrinadora Vania Furtado afirma: O art. 265º-A CPC, não o diz, mas é claro que a tramitação sucedânea tem de respeitar estritamente a igualdade das partes (art. 3º-A CPC) e, em particular, o princípio do 496

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL contraditório (art. 3º/2/3 1ª parte CPC). Mesmo que, como o art. 265º-A CPC, o exige, a parte tenha sido previamente ouvida, ela não fica impedida de invocar o desrespeito daqueles princípios na tramitação sucedânea. A prática ou a omissão de um acto que implica a ofensa daqueles princípios traduz-se numa nulidade processual (art. 201º/1 CPC), pois que são directamente violados os preceitos que os consagram (arts. 3º/2/3 1ª parte e3º-A CPC) e essa violação influi certamente no exame ou decisão da causa.176 Embora tenha possibilidade de flexibilização procedimental, a doutrinadora acima citada salienta que o contraditório e a igualdade das partes devem ser respeitados, sob pena de traduzir em nulidade processual. Contudo, aponta a doutrina, que as mudanças não surtiram o efeito desejado, por falta de adesão dos operadores do direito ou ainda não terem despertado para a nova perspectiva processual. A mudança, portanto, é gradativa, e depende da mudança de ideologia de seus operadores. 2.2.

FLEXIBILIZAÇÃO

DO

PROCEDIMENTO

NO

DIREITO

COMPARADO A possibilidade de flexibilização do procedimento em prol da efetividade, conforme já esclarecido em tópico acima, em Portugal foi incorporado ao texto legal e denominado o princípio da adequação formal. O juiz inglês, por exemplo, com a mudança significativa na sua postura, tem maior contato com o processo e com a produção de prova. Em 1999, na Inglaterra, foi elaborado pelo magistrado Lord Woolf o código de processo civil denominado Rules of Civil Procedure, que introduziu significativa mudança no ordenamento jurídico. Com sua promulgação foram concedidos inúmeros poderes aos juízes (active case manegement), autorizando a regular direção do litígio pelo julgador a fim de alcançar a justiça substancial. Com o poder conferido no direito inglês ao juiz, busca-se a solução do conflito de maneira justa, rápida e econômica, sem obstruir a possibilidade de 176

http://pt.scribd.com/doc/6227074/Processo-Civil

497

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL solução por meios alternativos. A reforma processual inglesa implicou na redução do tempo médio para julgamento que em 1997 era de 639, passou para 498 dias em 2000-2001.177 A gestão ativa do direito inglês no Civil Procedure Rules é apresentada da seguinte maneira: 1,4 (1) O tribunal deve promover ativamente o objetivo primordial da gestão dos casos. (2) Gestão ativa de casos inclui – (a) incentivar as partes a cooperar uns com os outros na condução do processo; (b) identificar os problemas numa fase inicial; (c) decidir rapidamente as questões que precisam de completa investigação e julgamento e descartar sumariamente as outras; (d) decidir a ordem em que as questões devem ser resolvidas; (e) incentivar as partes a utilizar procedimento alternativo de resolução de litígios (GL) se o tribunal considerar ser apropriado, devendo ser facilitado o uso de tal procedimento; (f) ajudar as partes para resolver a totalidade ou parte do processo; (g) fixar prazos ou controlar o progresso do processo; (h) considerar se os prováveis benefícios de tomar uma determinada etapa justificam o custo de tomá-la; (i) lidar com muitos aspectos do caso na mesma ocasião; (j) lidar com o caso sem que as partes necessitem de comparecer no tribunal; (k) fazer uso da tecnologia, e (l) dar diretrizes para garantir que o julgamento de um caso proceda de forma rápida e eficiente.178 (tradução nossa)

Verifica-se claramente com a leitura do artigo do vigente Civil Procedure Rules inglês, a grande preocupação do legislador de impor solução eficaz ao conflito posto para julgamento. Deve-se, em suma, incentivar a cooperação, identificar problemas iniciais (assim como as condições da ação do direito brasileiro),

177

(CABRAL, 2012) http://www.justice.gov.uk/courts/procedure-rules/civil/rules/part01. Original: 1.4 (1) The court must further the overriding objective by actively managing cases. (2) Active case management includes – (a) encouraging the parties to co-operate with each other in the conduct of the proceedings; (b) identifying the issues at an early stage; (c) deciding promptly which issues need full investigation and trial and accordingly disposing summarily of the others; (d) deciding the order in which issues are to be resolved; (e) encouraging the parties to use an alternative dispute resolution(GL)procedure if the court considers that appropriate and facilitating the use of such procedure; (f) helping the parties to settle the whole or part of the case; (g) fixing timetables or otherwise controlling the progress of the case; (h) considering whether the likely benefits of taking a particular step justify the cost of taking it; (i) dealing with as many aspects of the case as it can on the same occasion; (j) dealing with the case without the parties needing to attend at court; (k) making use of technology; and (l) giving directions to ensure that the trial of a case proceeds quickly and efficiently. 178

498

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL flexibilidade no procedimento, visando a solução para garantir o julgamento rápido e eficiente. Na França, ao contrário da Inglaterra que o juiz possui vasto poder discricionário para dirigir o processo, as partes possuem poderes para condução do processo por meio de contratos de procedimentos. Há na França um movimento que entrou em vigor em 1981 visando um modelo jurídico negocial, que busca refletir sobre a contratualização da justiça, do processo e dos modos de regramento dos litigantes. 179 Sobre o

tema,

pode-se

visualizar essa

possibilidade

negocial do

procedimento no artigo 23 do Decreto n.º 1678 de 28/12/2005 do ordenamento jurídico francês, a saber: O terceiro parágrafo do artigo 764 é substituído pelas seguintes disposições: "Pode, depois de obter o acordo dos advogados, definir um calendário para o pré-julgamento. O calendário tem o número esperado e a data da troca de conclusões, a data de encerramento, os debates e, não obstante o primeiro e segundo parágrafo do artigo 450 afirma a entrega da decisão. Os prazos previstos no calendário não podem ser estendidos em caso de motivo grave e devidamente justificado. O juiz pode também remeter o assunto para uma conferência posterior para facilitar a resolução do litígio.180 (Tradução nossa)

Com a leitura do citado artigo do ordenamento jurídico francês, verifica-se a possibilidade dos advogados obterem acordo para definir o procedimento anterior ao julgamento, tendo em vista o princípio da cooperação dos juízes e das partes em harmonia com o princípio do contraditório.

179 180

(CABRAL, 2012)

http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000000815269&dateTexte=&catego rieLien=id. Texto original: Le troisième alinéa de l'article 764 est remplacé par les dispositions suivantes: Il peut, après avoir recueilli l'accord des avocats, fixer un calendrier de la mise en état. Le calendrier comporte le nombre prévisible et la date des échanges de conclusions, la date de la clôture, celle des débats et, par dérogation aux premier et deuxième alinéas de l'article 450, celle du prononcé de la décision. Les délais fixés dans le calendrier de la mise en état ne peuvent être prorogés qu'en cas de cause grave et dûment justifiée. Le juge peut également renvoyer l'affaire à une conférence ultérieure en vue de faciliter le règlement du litige.

499

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 3.

ACESSO

À

JUSTIÇA

E

DURAÇÃO

RAZOÁVEL

DO

PROCESSO Formas para minimizar a morosidade da justiça, sem sacrifício à segurança jurídica, são buscas incessantes em pesquisas de diversos estudiosos do direito, pois a duração razoável do processo e seu alto custo têm reflexos na economia do país e na geração de riqueza. A duração razoável do processo, que é um desdobramento do direito de ação, não é preocupação somente brasileira. No nosso ordenamento jurídico, de forma expressa, o direito foi inserido na Emenda Constitucional número 45 de 2005. Atualmente o tempo é de vital importância, com globalização social, aceleração dos meios de comunicação, tornando notórias as vantagens e desvantagens do poder público. Em doutrina de Nelson Nery Junior, consta que 60% dos processos são de responsabilidade do poder público e isto tem reflexos nos cidadãos, em suas rotinas e no poder econômico de todos, com grande relevância nos reflexos nos negócios jurídicos. O poder público é responsável por mais da metade dos processos, o que torna complicado pensar em celeridade processual e técnicas para solução de litígios, pois o Estado, o maior interessado, não demonstra interesse para minimizar os reflexos da morosidade. Para Marinoni, o acesso à justiça não deve estar ligado à litigância. A demora implica na inibição da evolução da sociedade e indefinição jurídica. Necessário se faz maior grau de previsibilidade das decisões, com racionalização, democratização do acesso à justiça e o direito fundamental à efetividade. A demora na solução do litígio é grave ao que menos tem e favorece grandes empresas, além de desencorajar investimentos estrangeiros e criar reflexos prejudicais nas atividades empresariais. Sobre o tema acesso à justiça, artigo publicado que questiona ser o litígio um direito ou luxo inacessível:

500

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A meta para uma maior eficácia e eficiência do sistema de assistência jurídica é louvável, mas um sistema jurídico que não ajuda aqueles que precisam ter acesso à justiça é um sistema que, em última análise, é menos eficiente e custa muito mais. Numa sociedade civilizada, o acesso à justiça é um direito do cidadão. Este direito não merece ser disfarçado por políticas de compensação.181 (tradução nossa, grifo nosso)

O direito ao acesso à justiça, portanto, está diretamente ligado à duração razoável do processo e deve ser facilitado, pois não é luxo inacessível e sim direito fundamental do cidadão. Ademais, em tempos de economia global em recessão, direitos individuais não podem ser ignorados ou enfraquecidos. Em manifesto publicado em 2010 na Inglaterra por The Law Society182, constou que a regra legal não significa nada sem o efetivo acesso à justiça para todos. De acordo com o texto inglês, deve a legislação ser clara e acessível, justa e eficaz, para garantir equilíbrio entre direitos e deveres dos cidadãos em uma sociedade democrática.183 Sobre a efetividade do sistema legal, importante colaboração traz o site oficial do Ministério da justiça da Nova Zelândia184. Naquele ordenamento jurídico consta que a efetividade do sistema legal deve estar ligada a cinco pontos, que seguem na ordem185: garantir o direito das pessoas poderem acessar os serviços; fornecer a combinação certa de serviços; fornecer serviços de alta qualidade de assistência judiciária; apoiar um sistema judicial eficiente e eficaz; gerenciar os fundos dos contribuintes de forma eficaz.

181

http://www.thelawyer.com/litigation-%E2%80%93-a-right-or-an-unaffordableluxury?/1011168.article The goal towards greater effectiveness and efficiency of the legal aid system is laudable, but a legal system that does not help those in need to get access to justice is a system which will, ultimately, be less efficient and cost more. In a civilised society, access to justice is the right of the citizen. It does not deserve to be coloured by political invective about “compensationitis” 182 http://www.lawsociety.org.uk/new/documents/2010/manifesto2010.pdf 183 http://www.lawsociety.org.uk/new/documents/2010/manifesto2010.pdf. Texto original: Clear and accessible legislation is the key to balancing the rights and obligations of citizens in a democratic society. Individuals and businesses need sensible, fair and effective laws which have been properly scrutinised. 184 http://www.justice.govt.nz/publications/global-publications/t/transforming-the-legal-aidsystem/transforming-the-legal-aid-system-1/components-of-an-effective-legal-aid-system 185 Ensure the right people can access services; Provide the right mix of services; Provide high-quality legal aid services; Support an efficient and effective court system; Manage taxpayer funds effectively.

501

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ainda consta no estudo que não basta a garantia de forma isolada dos itens acima elencadas, pois necessário se faz a interação entre os componentes. O desequilíbrio em um dos cinco componentes, por exemplo, afetará o conjunto e proporcionará a desejada efetividade do sistema legal. Por fim, não exclui na busca desse objetivo, a necessidade de criar incentivos para desestimular atrasos desnecessários e buscar soluções rápidas. 4. TUTELA TRANSINDIVIDUAL E SUA CONTRIBUIÇÃO PARA A DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO Com a alteração substancial do perfil do direito, a ampliação do rol dos direitos tutelados, a sociedade de consumo e economia de massa, necessário se faz criar técnicas para solução de litígios nessa nova ordem mundial. Com essa mudança o conceito de acesso à justiça também é alterado, eliminando barreiras de acesso à justiça na concepção social coletiva. Os direitos transindividuais afastam as inconveniências inerentes às demandas individuais com o intuito de efetivar direitos sociais fundamentais. Nessa nova ótica, necessário se faz flexibilizar exigências formais relacionadas à admissibilidade das ações coletivas, como, por exemplo, direitos do consumidor, do meio ambiente, da previdência social e servidores públicos. Com as mudanças, tornou-se necessário criar instrumentos parecidos com as class action for damages do direito norte americano, ampliando para além do âmbito da ação condenatória, sem deixar de respeitar os princípios do civil law. No nosso ordenamento jurídico, os direitos transindividuais são divididos em: difusos (grupo indeterminado, natureza indivisível e circunstancias de fato); coletivos (determinado objeto individual, relação jurídica base, natureza indivisível); individuais homogêneos (determinável, objeto individual e origem comum). Na doutrina de Grinover, Watanabe e Mullenix sobre o tema, consta que há uma tendência de cada vez mais países criarem processos coletivos com o amadurecimento do class action. Em busca da efetividade, busca-se contemplar maior quantidade de causas e abranger interesses difusos e coletivos. Necessário 502

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL também nesse cenário criar legitimidade própria, peculiaridades na coisa julgada e abertura de legitimação nas ações de direitos transindividuais. Para Marinoni, as tutelas transindividuais são direitos de 3º geração. Iniciouse com o class action do direito medieval inglês e norte americano do século XIX. Essas tutelas têm grande reflexo para evitar impunidade de grandes empresas e causadores de prejuízos, proporcionando um cidadão ativo na vida social, neutralizando vantagens de litigantes com grande poder econômico e, assim cria um trabalho racional. 5. MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS O importante é pacificar, sendo irrelevante se por meio do Estado ou não. O processo é lento e caro e torna-se necessária a ruptura com o formalismo, entendimento este de Grinover, Cintra e Dinamarco. Para Paroski, o acesso à justiça deve se dar por meio adequado, tempestivo e efetivo e o acesso não exclui outras formas de solução de conflitos. Watanabe, sobre o tema, esclarece que o importante é ter acesso a ordem jurídica justa, porém diante da deficiência do sistema, é possível recorrer à mediação. Para Marinoni, somente o Estado não resolve, necessário ter em foco que acesso à justiça não deve estimular à litigância. Pode-se recorrer, por exemplo, aos meios alternativos de solução de conflitos, como conciliação, arbitragem e mediação, que reduzem custos, favorecem incentivos e maximizam ganhos na relação comercial. Atualmente existe crise no processo, com procura de meios alternativos para solução de demandas, movimento este universal de acesso à justiça. Com isso, procura-se a desjudicialização das relações em busca da efetividade. Cappelletti acredita em acesso à justiça por meios alternativos, sendo esta a 3ª onda substitutiva da justiça contenciosa por coexistencial, ou seja, a paz privada. Meios alternativos para solução de conflitos são de grande importância quando o Estado se apresenta deficiente. A morosidade e altos custos do judiciário,

503

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL por exemplo, aumentam em 30% o spread bancário, fator este que inibi o crescimento social do país. No direito inglês, por exemplo, há expressa determinação legal do evitar litígios judiciais quando possível acordo por meios alternativos, a saber (Pre-Action Protocol for Personal Injury Claims): 2,16. As Partes devem considerar se alguma forma de procedimento alternativo de resolução de litígios seria mais adequada que a contenciosa e, em caso afirmativo, se esforçar para decidir qual forma adotar. Tanto o requerente quanto requerido podem ser inquiridos pelo Tribunal para apresentarem provas de que os meios alternativos de resolução de sua disputas foram considerados. Os Tribunais entendem que o litígio deve ser um último recurso, e que as alegações não devem ser emitidas prematuramente quando um acordo ainda está sendo ativamente explorado. As partes são avisadas de que se o protocolo não é seguido (incluindo este parágrafo), o Tribunal deve ter em conta tal conduta quando da determinação dos custos. 2,17. Não é possível neste protocolo abordar em detalhe como as partes podem decidir qual o método a adotar para resolverem suas disputas particulares. No entanto, resumidamente a seguir segue algumas das opções de resolução de litígios sem litígios: Discussão e negociação. Avaliação neutra por um terceiro independente (por exemplo, um advogado com experiência na área de acidentes pessoais ou de um indivíduo experiente no assunto objeto da reclamação). Mediação - uma forma de negociação facilitada assistida por uma parte independente e neutra.186 (tradução nossa)

186

2.16. The parties should consider whether some form of alternative dispute resolution procedure would be more suitable than litigation, and if so, endeavour to agree which form to adopt. Both the Claimant and Defendant may be required by the Court to provide evidence that alternative means of resolving their dispute were considered. The Courts take the view that litigation should be a last resort, and that claims should not be issued prematurely when a settlement is still actively being explored. Parties are warned that if the protocol is not followed (including this paragraph) then the Court must have regard to such conduct when determining costs. 2.17 . It is not practicable in this protocol to address in detail how the parties might decide which method to adopt to resolve their particular dispute. However, summarised below are some of the options for resolving disputes without litigation: Discussion and negotiation. Early neutral evaluation by an independent third party (for example, a lawyer experienced in the field of personal injury or an individual experienced in the subject matter of the claim). Mediation – a form of facilitated negotiation assisted by an independent neutral party.

504

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Ainda em um aspecto internacional, a arbitragem é uma excelente alternativa para solução de conflitos, pois nela insere-se a neutralidade, a confidencialidade, eficiência, custo-eficácia e aplicabilidade.187 CONCLUSÃO A complexa sociedade atual cria questionamentos e necessidade de pensar o direito com o propósito de atender a grande quantidade de tutelas provenientes da sociedade de massa e consumista. Busca-se incessantemente efetividade nas tutelas e de forma unânime afasta-se a aplicação de formalismo oco e vazio como meio de contribuir para a solução dos litígios. Necessário se faz também certa margem de flexibilidade procedimental para efetividade e garantia de direitos fundamentais, porém difícil encontrar o ponto de equilíbrio entre os limites de poder discricionário para o julgador sem atingir um ativismo judicial. O acesso à justiça não é posto como incentivar à litigância, pois o processo é caro e lento. Meios alternativos são de grande importância, pois o importante é pacificar, seja por intermédio do Estado ou não. De grande valia, portanto, o estudo sobre técnicas para solução da deficiência Estatal em resolver conflitos, seja por meio alternativos, ações transindividuais ou flexibilidade procedimental. Porém a árdua tarefa é encontrar o ponto de equilíbrio entre os poderes dos julgadores, diante da necessidade de flexibilidade procedimental e certo grau de discricionariedade, para não transformar em ativismo judicial e ferir a estrutura do estado democrático de direito. REFERÊNCIAS BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica processual. 3ªed. São Paulo –SP. Malheiros Editores, 2010.

187

http://www.thelawyer.com/to-arbitrate/1000357.article. Texto original: The strengths of international arbitration are many, and include neutrality, confidentiality, efficiency, cost-effectiveness and enforceability.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PINHEIRO, Armando Castelar. Judiciário, reforma e economia: a visão dos magistrados. Texto para discussão, Rio de Janeiro, n. 966, jul. 2003. Disponível em: http://www.febraban.org.br/arquivo/destaques/armando_castelar_pinheiro2.pdf. Aces so em 14/04/2012 PORTUGAL. Exposição de motivos. Disponível em: acesso em 26/06/2012. PORTUGAL. Princípio da adequação formal. Disponível em: acesso em 26/06/2012. PUGLIESE, Antonio Celso Fonseca; SALAMA, Bruno Meyerhof. A economia da arbitragem: escolha racional e geração de valor. Revista GV, São Paulo, v.7, p.1528, jan./jun. 2008. Disponível em: acesso em 17/04/2012. REINO UNIDO. Part 1 Overriding Objective. Disponível acesso 26/06/2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A CONCILIAÇÃO E A MEDIAÇÃO COMO MÉTODOS ALTERNATIVOS NA SOLUÇÃO DE CONFLITOS Carmen de Matos Bento Jacqueline Cristina Pianoschi de Matos Bento No presente artigo, analisa-se os instrumentos processuais de composição da lide, diante da atual crise do Poder Judiciário, cuja questão principal refere-se à aplicabilidade da Conciliação e Mediação, colocando em prática novas soluções que viabilizem a celeridade, a transparência e, principalmente, o efetivo acesso à justiça. Diante da falta de alternativas pacificadoras na resolução de divergências inerentes à vida humana, tratam-se a Conciliação e Mediação como ferramentas de transformação social, trazendo à baila as funções do Conciliador e Mediador diante desse quadro. Pretende-se discutir, além da aplicabilidade destes institutos, instrumentos que auxiliem efetivamente no desafogamento do Judiciário e na pacificação social, a importância dos Juizados Especiais Cíveis, criados para buscar soluções rápidas e econômicas para os conflitos, por meio destes métodos alternativos, visando facilitar a acesso à justiça às pessoas mais simples, que dele encontravam-se excluídas. Palavras-chave: Conciliação. Mediação. Acesso à Justiça. Solução de Conflitos. Conciliador e Mediador. Juizados Especiais.

508

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA NOS CRIMES DE TRÁFICO DE DROGAS – ATIVISMO JUDICIAL – BREVE ESTUDO DE CASO GRANT OF FREEDOM IN PROVISIONAL CRIMES OF DRUG TRAFFICKING – JUDICIAL ACTIVISM – BRIEF CASE STUDY Daniela Borges Freitas (Mestrado UNIVEM, Marília/SP; [email protected]) Resumo: Este artigo visa estudar, ainda que superficialmente, um julgado do Supremo Tribunal Federal e sua mudança de posicionamento em relação à concessão de liberdade provisória em crime de tráfico de drogas. Isto se dá pelo fato de que, em regra, tal concessão é expressamente vedada pela Lei 11.343/2006, bem se proíbe fiança para tal crime na Constituição Federal, art. 5º, XLIII. Palavras-chave: Tráfico de Drogas; Liberdade Provisória; Ativismo Judicial. Abstract: This paper aims to study, albeit superficially, a judgment of the Supreme Court and its change of position in relation to the grant of bail on drug trafficking crime. This happens because, as a rule, such a concession is expressly prohibited by Law 11.343/2006 well if prohibits bail for that crime in the Federal Constitution, art. 5, XLIII. Keywords: Drug Trafficking; Provisional Freedom; Judicial Activism. Introdução A Lei de Drogas – 11.343/2006 – fixou em seu artigo 44 a vedação à liberdade provisória, esta vedação também foi feita pela Carta Constitucional de 1988, art. 5º, XLIII, que estabeleceu ser inafiançáveis, além de outros, o ilícito de drogas. O fato é que, o entendimento do Supremo Tribunal Federal, em suas duas Turmas, era no sentido de respeito absoluto à vedação fixada na Lei, bem como na Constituição de 1988, por isso, ambas negavam provimento a concessão de liberdade provisória em caso de prisão para acusados por tráfico de drogas. Numa breve análise das decisões do STF, verifica-se em seus acórdãos que em data de 3/11/2009, no julgamento do HC 110742/SC, a 2ª Turma julgou de forma divergente de seu próprio entendimento de anos, ao conceder a liberdade provisória para acusada por crime de tráfico de drogas. E, ainda que haja outras decisões 509

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL anteriores nesse sentido (STF HC 97976 MG – decisão monocrática; STF HC 840787 MG – tribunal pleno) é no HC 110742/SC, da 2ª Turma do STF para, analisando o caso concreto, reconhecer o ativismo judicial e a mudança de entendimento sobre a concessão de liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas. Nesse sentido, este trabalhado tem por prioridade fazer um estudo sobre o ativismo judicial em um caso concreto, advindo de decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que outrora denegava liberdade provisória para acusados de tráfico de drogas, mas que em novembro de 2009 mudou seu posicionamento, concedendo a liberdade, mesmo contrariando o dispositivo da Lei 11.434/2006, art. 44, e a inafiançabilidade expressa constitucionalmente, art. 5º, XLIII, CF/88. 1. A vedação legal da liberdade provisória e a inafiançabilidade constitucional nos crimes de tráfico de drogas O art. 5º, XLIII, CF/88 estabelece que, “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem”. (grifos nossos) Com a vigência da Lei 11.343/2006 – Lei de Drogas –, fez-se valer a regra da inafiançabilidade imposta pela Constituição Federal. Assim, o tráfico de drogas, de acordo com o art. 44, da referida lei e do 5º, XLIII, CF/88, é inafiançável e, portanto, insuscetível de concessão de liberdade provisória. Por muitos anos o Supremo Tribunal Federal decidiu no sentido de respeito às tais normas, e na maioria das vezes, levou-se em conta a gravidade do crime de tráfico de drogas, bem como sua hediondez, para manutenção do flagrante aos acusados presos e a não concessão da liberdade provisória. A justificativa para decisões denegatórias, como se vê, por exemplo, no HC 108652/PE – STF –, é de que há vedação constitucional e infraconstitucional por se

510

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL tratar de crime inafiançável. Nessa baila, inúmeros outros acórdãos negaram provimento a pedido de liberdade provisória em caso de tráfico de entorpecentes. Sabe-se que com o advento da Lei 11.464/2007, que alterou o art. 2º, II, Lei 8072/1990 – Crimes Hediondos –, abriu-se a possibilidade de concessão da liberdade provisória sem fiança ao crime de tráfico de substâncias ilícitas. Porém, mesmo com tal alteração, o Supremo Tribunal Federal manteve seu posicionamento, em suas duas Turmas, e continuou a negar provimento aos pedidos de liberdade provisória aos presos por tráfico de substâncias ilícitas, e assim descreve em sua decisão a Ministra Carmem Lúcia no RHC 105431/GO, É insusceptível de liberdade provisória o preso em flagrante por crimes hediondos ou equiparados. A inafiançabilidade imposta ao delito de tráfico de drogas imputado ao Paciente, constitucionalmente estipulada, basta para impedir a concessão de liberdade provisória, sendo irrelevante a alteração da Lei n. 11.464/2007 (art. 2º, inc. II, da Lei n. 8.072/1990) para suprimir a expressão “e liberdade provisória”. (RHC 105431/GO. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Ministra Carmem Lúcia. Julgamento em 02/08/2011. Órgão Julgador: 1ª Turma. Disponível em: www.stf.jus.br).

Por isso, basta que a Constituição Federal trate o tráfico de drogas como inafiançável, para ser suficiente a não concessão da liberdade provisória mesmo com a alteração da Lei dos Crimes Hediondos que retirou de seu bojo a vedação da liberdade provisória sem fiança para tais crimes. E assim foram reiteradas vezes decido pelo STF, negando-se a liberdade, com a justificativa da inafiançabilidade descrita na CF/88 e na Lei de Drogas. Nota-se que este também era o entendimento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal. E que, portanto, a regra é absolutamente válida, não havendo a necessidade de analisar os requisitos impostos pelo Código de Processo Penal para concessão da liberdade durante a instrução do processo ou ainda após a condenação recorrível. Por outro lado, a doutrina e a jurisprudência dos Tribunais de Justiça sempre foram divergentes sobre esta ótica da não análise dos requisitos para concessão da liberdade provisória, art. 312, Código de Processo Penal, quando se tratava de tráfico de substâncias entorpecentes. 511

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL De um lado, a maioria das decisões atendendo a vedação imposta pela CF/88 e pela Lei 11.343/2006, e de outro, alguns julgados que concediam a liberdade para o acusado ao analisar os requisitos que permitem ao acusado aguardar fora do cárcere à instrução ou julgamento de recurso (art. 312, CPP). Na doutrina vê-se que esta vedação é tida como inconstitucional por alguns juristas, pois se a liberdade é a regra descrita pela própria CF/88, o que leva o constituinte a não permitir nem a análise dos requisitos (art. 312, CPP) para concessão da liberdade provisória? E nesse sentido escreve o professor Oliveira, A afirmação do texto constitucional, no sentido de que determinados crimes seriam inafiançáveis, não apresenta, necessariamente, um obstáculo intransponível à restituição da liberdade. Bastaria que o legislador, posterior à Constituição, estabelecesse um regime de cautelares diversos da fiança para os tais delitos inafiançáveis, mais igualmente eficientes. (...) Não cabe a lei, e nem a Constituição, afirmar necessidades prévias em matéria de prevenção contra determinados riscos, quando estes, os riscos, fundamento daquelas, somente podem ser constatados, in loco, em cada caso concreto. (...) São inconstitucionais por violarem a garantia individual da exigência de fundamentação judicial para toda e qualquer restrição de direitos no processo penal. (OLIVEIRA, 2011, p. 587/588).

No HC 97976/MG do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Relator Celso de Mello, menciona a inconstitucionalidade da vedação para concessão da liberdade provisória aos acusados e presos por tráfico de drogas, e assim escreve em sua decisão, (...) Não se decreta prisão cautelar, sem que haja real necessidade de sua efetivação, sob pena de ofensa ao 'status libertatis' daquele que a sofre. Irrelevância, para efeito de controle da legalidade do decreto de prisão cautelar, de eventual reforço de argumentação acrescido por tribunais de jurisdição superior. Precedentes. Medida cautelar deferida. (HC 97976/MC/MG – STF. Medida Cautelar em Habeas Corpus. Ministro Celso de Mello. Julgamento em 9/3/2009. Órgão Julgador: Decisão Monocrática. Disponível em: www.stf.jus.br).

Ainda que não se tenha julgamento reconhecendo a inconstitucionalidade da vedação imposta pela Lei de Drogas, é certo que o posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal se modificou recentemente e passou a analisar no caso concreto os requisitos para manutenção da prisão em flagrante, sendo assim, e, 512

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL consequentemente, passou a decidir favorável ao paciente a ordem de habeas corpus nos casos que não fundamentasse a contento o art. 312 do Código de Processo Penal, ou ainda, quando a fundamentação era exclusivamente sob o enfoque da vedação legal e da gravidade do fato. Verifica-se que a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal ainda decidi baseando-se na vedação constitucional e legal, denegando a concessão da liberdade aos presos por tráfico de drogas. Isso demonstra que o STF nos dias atuais não tem posicionamento uniforme sobre o tema, restando aos pacientes à sorte de ter seu habeas corpus julgado pela 1ª ou 2ª Turma daquele Tribunal. 2. Caso concreto sobre a liberdade provisória nos crimes de tráfico de drogas Destacam-se para análise, o HC STF 100742/SC, no qual houve decisão favorável à concessão de liberdade provisória para preso por tráfico de drogas, contrariando vedação ex lege da Constituição e da Lei 11.343/2006. De antemão, não se adentrará na análise do afastamento da Súmula 691, STF, mas tão somente no mérito da concessão de ofício da liberdade ao paciente, bem como entendimento de outros acórdãos no mesmo sentido. Assim como noutros acórdãos da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal (HC 97346/SP), o habeas corpus em friso destaca a impossibilidade de manutenção da prisão sem que haja prévia análise dos requisitos autorizadores da cautelar prisional e afasta a gravidade do fato como único fundamento de tal medida. De acordo com a redação do art. 312 do Código de Processo Penal, é necessário haver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria e ainda ser mantido o flagrante ou decretada a preventiva como garantia da ordem pública, econômica, por conveniência da instrução criminal ou assegurar a aplicação da lei penal. Com a vedação expressa na Lei de Drogas e a inafiançabilidade descrita na Constituição, à manutenção do flagrante acabava por se fazer sob o fundamento da garantia da ordem pública (art. 312, CPP) que, consequentemente, vincula tal hipótese a gravidade do fato (tráfico de drogas). 513

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Escreve o professor Oliveira sobre o tema que, Há ainda entendimento no sentido de se aferir o risco à ordem pública a partir unicamente da gravidade do crime praticado, a reclamar uma providência imediata por parte das autoridades, até mesmo para evitar o mencionado sentimento de intranquilidade coletiva que pode ocorrer em tais situações. (OLIVEIRA, 2011, p. 550).

Retira-se da decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no caso em apreço, que a gravidade do fato não é capaz de manter a prisão cautelar do preso por tráfico de drogas. Faz-se necessária, então, a análise minuciosa do caso em concreto para ser ter certeza da necessidade do cárcere cautelar. A decisão da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal – HC 100742/SC –, como se vê abaixo, vai contra norma constitucional (art. 5º, XLIII) ao autorizar a liberdade provisória para crime inafiançável, e isso se dá pelo fato de elevação do princípio da inocência, da dignidade humana, do devido processo legal e da proporcionalidade, a saber, DECISÃO: Trata-se de “habeas corpus”, com pedido de medida cautelar, impetrado contra decisão emanada de eminente Ministro de Tribunal Superior da União, que, em sede de outra ação de “habeas corpus” ainda em curso no Superior Tribunal de Justiça (HC 146.581/SC), denegou medida liminar que lhe havia sido requerida em favor do ora paciente. (...) Passo, em conseqüência, a examinar a postulação cautelar ora deduzida nesta sede processual. E, ao fazê-lo, observo que os elementos produzidos nesta sede processual revelam-se suficientes para justificar, na espécie, a meu juízo, o acolhimento da pretensão cautelar deduzida pelo ora impetrante, eis que concorrem, no caso, os requisitos autorizadores da concessão da medida em causa. Mostra-se importante ter presente, no caso, quanto à Lei nº 11.343/2006, que o seu art. 44 proíbe, de modo abstrato e “a priori”, a concessão da liberdade provisória nos “crimes previstos nos art. 33, 'caput' e § 1º, e 34 a 37 desta Lei”. Cabe assinalar que eminentes penalistas, examinando o art. 44 da Lei nº 11.343/2006, sustentam a inconstitucionalidade da vedação legal à liberdade provisória prevista em mencionado dispositivo legal. Cumpre observar, ainda, por necessário, que regra legal, de conteúdo material virtualmente idêntico ao do preceito em exame, consubstanciada no art. 21 da Lei nº 10.826/2003, foi declarada inconstitucional por esta Suprema Corte. (...) Essa vedação apriorística de concessão de liberdade provisória, reiterada no art. 44 da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), tem sido repelida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que a considera incompatível, independentemente da gravidade objetiva do delito, com a presunção de inocência e a garantia do “due process”, dentre outros princípios consagrados pela Constituição da República. (...) Vê-se, portanto, que o Poder Público, especialmente em sede processual penal, não pode agir

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL imoderadamente, pois a atividade estatal, ainda mais em tema de liberdade individual, acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade. Como se sabe, a exigência de razoabilidade traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O exame da adequação de determinado ato estatal ao princípio da proporcionalidade, exatamente por viabilizar o controle de sua razoabilidade, com fundamento no art. 5º, LV, da Carta Política, inclui-se, por isso mesmo, no âmbito da própria fiscalização de constitucionalidade das prescrições normativas emanadas do Poder Público. Esse entendimento é prestigiado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, por mais de uma vez, já advertiu que o Legislativo não pode atuar de maneira imoderada, nem formular regras legais cujo conteúdo revele deliberação absolutamente divorciada dos padrões de razoabilidade. Coloca-se em evidência, neste ponto, o tema concernente ao princípio da proporcionalidade, que se qualifica - enquanto coeficiente de aferição da razoabilidade dos atos estatais. (...) Essa é a razão pela qual a doutrina, após destacar a ampla incidência desse postulado sobre os múltiplos aspectos em que se desenvolve a atuação do Estado - inclusive sobre a atividade estatal de produção normativa - adverte que o princípio da proporcionalidade, essencial à racionalidade do Estado Democrático de Direito e imprescindível à tutela mesma das liberdades fundamentais, proíbe o excesso e veda o arbítrio do Poder, extraindo a sua justificação dogmática de diversas cláusulas constitucionais, notadamente daquela que veicula, em sua dimensão substantiva ou material, a garantia do “due process of law”. (...) Tenho por inadequada, desse modo, por tratar-se de fundamento insuficiente à manutenção da prisão cautelar do ora paciente, a mera invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu, da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a eles equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. Em suma: a análise dos fundamentos invocados pela parte ora impetrante leva-me a entender que a decisão judicial de primeira instância não observou os critérios que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou em tema de prisão cautelar. Sendo assim, tendo presentes as razões expostas, defiro o pedido de medida liminar, para, até final julgamento desta ação de “habeas corpus”, garantir, cautelarmente, ao ora paciente, a liberdade provisória que lhe foi negada nos autos do Processo nº 023.09.039543-6, expedindo-se, imediatamente, em favor desse mesmo paciente, se por al não estiver preso, o pertinente alvará de soltura. (...) Publique-se. Brasília, 17 de setembro de 2009. Ministro CELSO DE MELLO Relator.

Resta claro que o ativismo se mostra presente, pois ainda que haja norma vedando a liberdade provisória ao preso por tráfico de drogas, o Supremo, valorando o direito de liberdade do acusado em detrimento da proibição legal e inafiançabilidade constitucional, mandou expedir alvará de soltura. Em regra, e de acordo com a legislação brasileira, a cautelar prisional é obrigatória em caso de tráfico de drogas, mas após muitos anos, a 2ª Turma do Supremo firmou posicionamento diverso, e concedeu a liberdade provisória ao acusado, ao reafirmar que a prisão é a exceção, e que a liberdade do homem, sob o 515

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL crivo da persecução penal, deve ser vista como direito fundamental prevalente perante os demais. 3. Ativismo judicial e o caso concreto O ativismo judicial é crescente no Brasil. Vislumbra-se em muitas decisões que o Judiciário esteja pondo em prática direitos dos indivíduos que o Legislativo ainda não foi capaz de implementar por intermédio de lei, aplicando, com isso, diretamente o texto constitucional. Sabe-se que em alguns casos o julgador acaba por invadir a esfera legislativa criando direitos e ainda impondo obrigações, principalmente a entes públicos. Talvez, se padece dessa circunstância, pois falta vivacidade ao legislador para editar e remendar leis que não saíram do papel, bem como fazer valer efetivamente direitos e garantias fundamentais fixadas na Constituição Federal desde 1988. Por ativismo judicial, nas palavras do professor Barroso, entende-se como, (...) uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva. (BARROSO, 2009, disponível em: http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.p df).

Segundo a lição de Monteiro, o ativismo judicial “chamado por muitos de judicialização da política, pretende chamar a atenção dos magistrados e auto-legitimá-los para a participação efetiva no controle da constitucionalidade”. Para este autor, o ativismo judicial, ao contrário do que pensa Ramos, é positivo, pois “acaba por ampliar a consciência de força dos Tribunais no controle dos demais poderes, via hermenêutica constitucional”. Dessa forma, cabe ao Judiciário agir ativamente impelindo o Legislativo e o Executivo a cumprirem suas funções precípuas, já que àquele foi dado, também, o poder de analisar e fiscalizar o exercício dos outros dois Poderes mencionados. (MONTEIRO, 2010, p. 163/164).

Segue dizendo, ainda, sobre o ativismo judicial o professor Barroso, 516

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes. A postura ativista se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem: (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas. (BARROSO, 2009, disponível em: http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.p df).

É possível entrelaçar os conceitos mencionados acima ao caso concreto em análise, no sentido de que na decisão do acórdão o Ministro Celso de Mello cita a questão da inconstitucionalidade do art. 44, Lei 11.343/2006. E quando o faz, relaciona ao reconhecimento de inconstitucionalidade do art. 21 da Lei do Desarmamento, que continha a mesma vedação, qual seja, a proibição da liberdade provisória. Mas vai além, pois em atenção ao princípio da proporcionalidade o julgador, no HC em apreço, eleva como de fundamental importância à proteção da liberdade sob a consequência do estado de inocência e do devido processo legal. A Constituição Federal, art. 5º, XLIII, veda a fiança, entre outros, ao crime de tráfico de drogas, mas não deixou expressa a vedação da liberdade provisória para esse delito. Foi o legislador quem determinou a proibição na Lei 11.343/2006, art. 44. Mas o constituinte deixa evidente o direito à liberdade de todo e qualquer acusado, nos limites legais. Coube, então, ao Supremo, analisando o caso concreto aplicar diretamente a norma constitucional que garante a liberdade do acusado no curso do processo, bem como, de ser tido como inocente até se transite em julgado a sentença condenatória. Isso tudo, valendo-se, também, da proporcionalidade que está implícita na CF/88. Adentrando o caso concreto, verificam-se as justificativas que levam à concessão da ordem de habeas corpus ao paciente, e em seu voto o Ministro Celso 517

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de Mello assevera com relação à prisão fundamentada na gravidade do crime o que abaixo se lê, O Supremo Tribunal Federal, de outro lado, tem advertido que a natureza da infração penal não se revela circunstância apta a justificar, só por si, a privação cautelar do “status libertatis” daquele que sofre a persecução criminal instaurada pelo Estado. (...) Tendo por inadequada, desse modo, por tratar-se de fundamento insuficiente à manutenção da prisão cautelar do ora paciente, a mera invocação do art. 44 da Lei nº 11.343/2006 ou do art. 2º, II, da Lei nº 8072/1990, especialmente depois de editada a Lei nº 11.464/2007, que excluiu da vedação legal de concessão de liberdade provisória, todos os crimes hediondos e os delitos a ele equiparados, como o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins. (HC STF 100742/SC – STF. Habeas Corpus. Ministro Celso de Mello. Julgamento em 03/11/2009. Órgão Julgador: 2ª Turma. Disponível em www.stf.jus.br).

Tanto a doutrina quanto a jurisprudência são vacilantes na conceituação do que seja garantia da ordem pública para decretação ou manutenção da cautelar prisional. Percebe-se haver opção no sentido, do qual retiramos da obra do professor Oliveira, ao escrever que a “noção de ordem pública como risco ponderável da repetição da ação delituosa objeto do processo, acompanhado do exame acerca da gravidade do fato e de sua repercussão”. (OLIVEIRA, 2011, p. 550). No HC em estudo (100742/SC – STF), e retirando a mesma análise de outro habeas corpus (HC STF 97976/MC/MG), a decisão é pautada pela elevação do princípio do estado de inocência, da dignidade humana, da proporcionalidade e do devido processo legal. Referindo-se ao princípio do estado de inocência o professor Oliveira assim escreve sobre a fixação da prisão fundada na garantia da ordem pública, (...) é no sentido de que estaria violado o princípio da inocência, já que, quer se pretenda fundamentar a prisão preventiva para a garantia da ordem pública em razão do risco de novas infrações penais, quer se sustente a sua justificação em razão da intranqüilidade causada pelo crime (aqui, acrescido de sua gravidade), de uma maneira ou de outra, estar-se-ia partindo de uma antecipação de culpabilidade. (OLIVEIRA, 2011, p. 550).

De ser ver que, assim como descrito na decisão do HC STF 100742/SC, não se pode simplesmente fixar ou manter a prisão do acusado por tráfico de drogas por 518

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL se tratar crime grave, é necessário que se faça o estudo dos requisitos (art. 312, CPP), para então levantar justificativa idônea e robusta sobre a cautelar prisional, pois caso contrário, o correto é pôr em liberdade o preso. Adentrando, superficialmente, o princípio da dignidade humana, se utiliza dos ensinamentos do professor Nunes, que ao tratar do tema diz, É ela, a dignidade, o primeiro fundamento de todo o sistema constitucional posto e o último arcabouço da guarida dos direitos individuais. (...) é reconhecido o papel do Direito como estimulador do desenvolvimento social e freio da bestialidade possível da ação humana. (...) Não se vai aqui discutir se o ser humano é naturalmente bom ou mau. (...) a dignidade é garantida por um princípio. Logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo. (...) Ele (indivíduo) nasce com integridade física e psíquica, mas chega um momento de seu desenvolvimento que seu pensamento tem de ser respeitado, suas ações e seu comportamento – isto é, sua liberdade – sua imagem, sua intimidade, sua consciência – religiosa, cientifica, espiritual – etc., tudo compõe sua dignidade. (NUNES, 2002, p. 45/48).

Como protetora dos direitos individuais, a dignidade humana, no caso aqui narrado, a liberdade, e, levando-se em conta que a prisão é sempre a exceção, mister se faz reconhecer o direito do preso por tráfico de drogas, tendo concedida a liberdade provisória quando não preencher os requisitos para manutenção da cautelar prisional (flagrante – preventiva). Já o princípio da proporcionalidade, visto como solucionador de conflito entre princípios constitucionais, é de grande valia neste caso, isto porque, prestigia-se o direito individual da liberdade em detrimento da prisão cautelar, até porque, na Carta da República há vedação da fiança e não diretamente proibição da liberdade do preso por tráfico de drogas. O professor Lenza, citando Karl Larenz e Coelho, trata o princípio da proporcionalidade da seguinte forma, (...) utilizado, de ordinário, para aferir a legitimidade das restrições de direitos – muito embora possa aplicar-se, também, para dizer do equilíbrio na concessão de poderes, privilégios ou benefícios –, o princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, em essência, consubstancia uma pauta de natureza axiológica que emana diretamente das ideias de justiça, equidade, bom senso, prudência, moderação, justa medida, proibição de excesso, direito justo e valores afins; precede e condiciona a positivação

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL jurídica, inclusive de âmbito constitucional; e ainda, enquanto princípio geral do direito, serve de regra de interpretação para todo o ordenamento jurídico. (LENZA, 2009, p. 97).

Nada mais justo, de acordo com o acima citado, que o acusado por tráfico de drogas tenha os mesmos direitos que os acusados por outros delitos, sejam mais ou menos grave a infração. O fato é que, se o autor do delito atende os requisitos para sua libertação, correta será a concessão da liberdade provisória, caso contrário, ver-se-ia tratado desigualmente os iguais. O princípio do devido processo legal, em sua ótica processual, ampara, além de outros, o princípio do contraditório, da ampla defesa e da produção de provas em igualdade de armas (em regra). Nesse sentido, o contraditório é a igualdade de atuação dentro do processo pelas partes. A ampla defesa, de alegar e demonstrar os fatos narrados na instrução. E a produção de provas é a liberdade de produzir qualquer prova em busca da verdade real, com a ressalva e proibição de provas ilícitas. De acordo com os ensinamentos do professor Nucci, O princípio do devido processo legal é, sem dúvida, o aglutinador dos inúmeros princípios processuais penais (art. 5º, LVI, CF). Constitui o horizonte a ser perseguido pelo Estado Democrático de Direito, fazendo valer os direitos e garantias fundamentais. Se esses forem assegurados, a persecução penal se faz sem qualquer tipo de violência ou constrangimento ilegal, representando o necessário papel dos agentes estatais na descoberta, apuração e punição do criminoso. Não pode haver devido processo legal se a prova for colhida por meio ilícito, se não for concedida ao réu a indispensável ampla defesa, se o processo correr sigilosamente, sem qualquer justificativa, se houver julgamento por juízo parcial etc. Por isso, cumprir fielmente os demais princípios e regras processuais penais consagra o devido processo legal. (NUCCI, 2008, 95/96).

Assim, nota-se que a modificação de posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, no que se refere à concessão de liberdade provisória em crime de tráfico de drogas, se pauta nesses princípios acima mencionados – estado de inocência, devido processo legal, dignidade humana e da proporcionalidade. Corroborando, o Ministro Celso de Mello, no julgamento do HC STF 97976/MC/MG, trata o assunto, como abaixo descrito, 520

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Como precedentemente enfatizado, o princípio da proporcionalidade visa a inibir e a neutralizar o abuso do Poder Público no exercício das funções que lhe são inerentes, notadamente no desempenho da atividade de caráter legislativo. Dentro dessa perspectiva, o postulado em questão, enquanto categoria fundamental de limitação dos excessos emanados do Estado, atua como verdadeiro parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. Isso significa, dentro da perspectiva da extensão da teoria do desvio de poder ao plano das atividades legislativas do Estado, que este não dispõe de competência para legislar ilimitadamente, de forma imoderada e irresponsável, gerando, com o seu comportamento institucional, situações normativas de absoluta distorção e, até mesmo, de subversão dos fins que regem o desempenho da função estatal. A jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, bem por isso, tem censurado a validade jurídica de atos estatais, que, desconsiderando as limitações que incidem sobre o poder normativo do Estado, veiculam prescrições que ofendem os padrões de razoabilidade e que se revelam destituídas de causa legítima, exteriorizando abusos inaceitáveis e institucionalizando agravos inúteis e nocivos aos direitos das pessoas (RTJ 160/140-141, Rel. Min. CELSO DE MELLO ' RTJ 176/578-579, Rel. Min. CELSO DE MELLO - ADI 1.063/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Daí a advertência de que a interdição legal 'in abstracto', vedatória da concessão de liberdade provisória, como na hipótese prevista no art. 44 da Lei nº 11.343/2006, incide na mesma censura que o Plenário do Supremo Tribunal Federal estendeu ao art. 21 do Estatuto do Desarmamento, considerados os múltiplos postulados constitucionais violados por semelhante regra legal, eis que o legislador não pode substituir-se ao juiz na aferição da existência, ou não, de situação configuradora da necessidade de utilização, em cada situação concreta, do instrumento de tutela cautelar penal. Igual objeção pode ser oposta ao E. Superior Tribunal de Justiça, cujo entendimento, fundado em juízo meramente conjectural (sem qualquer referência a situações concretas) ' no sentido de que 'Referida vedação legal é, portanto, razão idônea e suficiente para o indeferimento da benesse, de sorte que prescinde de maiores digressões a decisão que indefere o pedido de liberdade provisória, nestes casos' (fls. 16) -, constitui, por ser destituído de base empírica, presunção arbitrária que não pode legitimar a privação cautelar da liberdade individual. (HC 97976/MC/MG – STF. Medida Cautelar em Habeas Corpus. Ministro Celso de Mello. Julgamento em 9/3/2009. Órgão Julgador: Decisão Monocrática. Disponível em: www.stf.jus.br).

Aventado na decisão do HC STF 100742/SC, que aqui se analisa, a possibilidade de reconhecer a inconstitucionalidade do art. 44, Lei 11.343/2006, o Ministro Celso de Mello faz menção ao art. 21, Lei 10.826/2003 (Desarmamento) que foi declarado inconstitucional no julgamento da ADI 3.112/DF, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, ao dizer que tal regra afronta a Carta Constitucional do Brasil. Nessa

baila,

aproveita-se

dos

ensinamentos

do

professor

Lenza

sobre

inconstitucionalidade, ao dizer que,

521

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O legislador constituinte criou mecanismos por meio dos quais se controlam os atos normativos, verificando sua adequação aos preceitos previstos na “Lei Maior‟. (...) A ideia de controle, então, emana da rigidez, pressupõe a noção de um escalonamento normativo, ocupando a Constituição o grau máximo na aludida relação hierárquica, caracterizando-se como norma de validade para os demais atos normativos do sistema. Trata-se do princípio da supremacia da Constituição, que nos dizeres de José Afonso da Silva, reputado por Pinto Ferreira como „pedra angular, em que assenta o edifício do moderno direito público‟, „significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria estruturação desde e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas‟. (LENZA, 2009, p. 149).

O professor Lenza, ainda citando José Afonso da Silva, fala sobre a inconstitucionalidade, exaltando a superioridade da norma constitucional, segue, Desse princípio, continua o mestre, „resulta o da compatibilidade vertical das normas da ordenação jurídica de um país, no sentido de que as normas de grau inferior somente valerão se forem compatíveis com as normas de grau superior, que é a Constituição. As que não forem compatíveis com ela são inválidas, pois a inconstitucionalidade vertical resolve-se em favor das normas de grau mais elevado, que funcionam como fundamento de validade das inferiores‟. (LENZA, 2009, p. 149/150).

Nesse sentido, a referência feita pelo Ministro Celso de Mello com a inconstitucionalidade do art. 21, Lei do Desarmamento, deixa claro que a norma constitucional deve prevalecer sob as demais normas infraconstitucionais. De todo modo, no caso em tela, vê-se que dantes não se concedia a liberdade provisória ao preso por tráfico de drogas em respeito à norma infraconstitucional (art. 44, Lei 11.343/2006), e em respeito à expressa vedação constitucional de fiança a tal delito (art. 5º, XLIII), visto que a proibição da fiança desencadeava a proibição da liberdade. Porém, modificou-se o entendimento interpretando a norma da Constituição, dando a ela maior valor, como realmente se deve fazer. Assim, se a liberdade é a regra, que fique a exceção do mando prisional, apenas nos casos em que o acusado preencher os requisitos da cautelar de cárcere.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Sendo assim, a mudança de posicionamento da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal se deu com base na elevação do princípio do estado de inocência, da dignidade humana, do devido processo legal, e, o princípio da proporcionalidade garante que no conflito entre a liberdade do acusado e do direito do cárcere imposto pelo Estado por intermédio de lei infraconstitucional, aquele prevalece, mesmo quando se estiver diante de crime de tráfico de drogas. Levantando-se, também, a possibilidade de inconstitucionalidade do art. 44, Lei de Drogas – 11.343/2006. E ainda, verifica-se na decisão em tela, e já mencionado anteriormente, que a gravidade do delito não é capaz de manter o acusado por tráfico no cárcere cautelar. Desse modo, deixa entender a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, que a prisão cautelar só se fará manter nos casos de crime de tráfico, quando estiverem efetivamente demonstrados os requisitos que autorizam a prisão (art. 312, CPP). Caso contrário, se o acusado não preencher os requisitos para prisão cautelar, o correto é que aguarde em liberdade a instrução criminal e/ou o julgamento de recurso. Tudo isso em respeito ao estado de inocência e ao devido processo legal. Pois, mesmo havendo vedação da liberdade provisória no crime de tráfico de substância ilícita, não poderá o julgador apoiar-se tão somente nesta norma, é preciso que haja, portanto, a análise dos requisitos norteadores da prisão cautelar e consequentemente seu preenchimento correto. Tratando do ativismo ao caso mencionado, vê-se que a inovação da decisão pela liberdade do acusado em crime de tráfico de drogas, se fez atendendo diretamente a Constituição Federal, visto que a norma infraconstitucional, por sua vez, vedou a liberdade para tal delito, e desrespeitou a norma maior. Com a concessão da liberdade, o julgador demonstrou o direito dos indivíduos de responder fora do cárcere à persecução criminal, em respeito à Constituição Federal. De outra banda, sabe-se que não há consenso sobre a positividade das decisões ativistas, dentre os contrários a este fenômeno, o entendimento de Reverbel, por exemplo, aduz que o Brasil mistura Estado, governo e administração, o que torna complicado distinguir “o que é jurídico do que é político”. Havendo essa falta de distinção clara, inevitavelmente “o julgador acaba fazendo uma má política, por meios jurídicos”, o que para este autor é temeroso, visto que o magistrado 523

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL decide questões políticas, quando na verdade, deveria limitar-se as questões jurídicas. (REVERBEL, 2010, p. 73/74). O exemplo maléfico citado por Reverbel são as decisões dadas pelo juiz que concedem internação em hospitais onde não há vagas, neste caso, o magistrado decide de forma jurídica, um problema de política pública, que compete, em tese, ao Executivo solucionar. Finaliza o autor que, “ativismo judicial acaba com o Estado de Democracia, com a roupagem de estar instaurando um verdadeiro Estado de Direito”. (REVERBEL, 2010, p. 73/74). Considerações Finais Nesse breve estudo sobre a concessão da liberdade provisória no crime de tráfico de drogas, verifica-se que a vedação do benefício era fundamentado na inafiançabilidade descrita na CF/88, art. 5º, XLIII, e, na expressa proibição do art. 44, Lei 11.343/2006. Por seu turno, a inafiançabilidade não pode, por si só, impedir a liberdade, até porque a fiança é tida como uma espécie de cautelar que afasta a prisão. Nesse sentido, e em consequência da inafiançabilidade, acabava-se por fundamentar o mando prisional apenas por considerar o crime grave e inafiançável. Após longos anos de acórdãos negando a liberdade provisória aos presos por tráfico de substância ilícita, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, mudou seu posicionamento e concedeu a ordem de habeas corpus para presos em flagrante por tráfico de drogas ou substâncias afins. Isso se deu pelo fato de aplicar-se diretamente o texto constitucional, e no caso em apreço, a garantia de direito individual, a liberdade. Por isso, ao decidir contrariando a proibição do art. 44 da Lei de Drogas e dando efetividade ao direito de liberdade, acaba-se deparando com a interpretação da Constituição Federal e consequente ativismo judicial. Ainda que a sociedade clame por prisões mais severas e longas, o Legislativo, há tempos, está editando leis que alargam alguns benefícios àqueles que respondem por fato ilícito. Talvez, tal posicionamento do legislador, seja por 524

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL acreditar que o cárcere nem sempre é a única saída para prevenção do crime ou da reincidência, mas que, de acordo com a Carta Política do Brasil, é a última medida a ser imposta ao condenado. Sendo assim, resta, na análise do caso concreto, verificar se o preso por tráfico de drogas preenche mesmo os requisitos para permanecer encarcerado. De modo contrário, a ele também deverá se garantir o direito individual expresso na Constituição Federal, isto é, a liberdade durante a persecução criminal, isso em nome dos princípios do estado de inocência, do devido processo legal, da dignidade humana e da proporcionalidade. No caso do HC STF 100742/SC, o ativismo na decisão da 2ª Turma veio para garantir que todos, que são iguais perante a lei, tenham o direito de ter concedida a ordem de habeas corpus, fazendo valer o preceito constitucional maior, a liberdade de ir, vir e permanecer, também no crime de tráfico de drogas. Mas, não se pode negar que parte da doutrina discorda por completo das decisões ativistas, dentre as justificativas estão a violação da do princípio da separação dos Poderes, bem como a possibilidade de judicialização da política, visto que, se o Judiciário atua interferindo nas funções precípuas dos Poderes Legislativo e Executivo, os limites conferidos aos três Poderes estaria sendo agredido o que levaria a violação da própria Democracia. Referências Bibliográficas ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. 4ª edição, revista e aumentada. Editora Saraiva: São Paulo, 2008. BARROSO, Luiz Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática. Revista nº 04 da Ordem dos Advogados do Brasil. Janeiro/Fevereiro de 2009, disponível em . Acesso em 17/02/2012. BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Processo Penal. 5ª Ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2010.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL HC 97976/MC/MG – STF. Medida Cautelar em Habeas Corpus. Ministro Celso de Mello. Julgamento em 9/3/2009. Órgão Julgador: Decisão Monocrática. Disponível em: www.stf.jus.br. HC STF 100742/SC – STF. Habeas Corpus. Ministro Celso de Mello. Julgamento em 03/11/2009. Órgão Julgador: 2ª Turma. Disponível em www.stf.jus.br. LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13ª edição, revista, atualizada e ampliada. Editora Saraiva: São Paulo, 2009. MARCÃO, Renato. Tóxicos – Lei 11.343/2006 – Nova Lei de Drogas Anotada e Interpretada. 5ª Ed. Editora Saraiva: São Paulo, 2008. MONTEIRO, Juliano Ralo. Ativismo Judicial: Um Caminho para Concretização dos Direitos. In: AMARAL JÚNIOR, José Levi do (coord.). Estado de Direito e Ativismo Judicial. São Paulo/SP: Editora Quartier Latin, 2010. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4ª Ed. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2008. NUNES, Rizzatto. O Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Editora Saraiva: São Paulo, 2002. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 15ª Ed. Editora Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2011. REVERBEL, Carlos Eduardo Dieder. Ativismo Judicial e Estado de Direito. In: AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do (coord.). Estado de Direito e Ativismo Judicial. São Paulo/SP: Editora Quartier Latin, 2010. RHC 105431/GO. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Ministra Carmem Lúcia. Julgamento em 02/08/2011. Órgão Julgador: 1ª Turma. Disponível em: www.stf.jus.br.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PROCESSO COLETIVO A SERVIÇO DA EXIGÊNCIA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS: UMA PERSPECTIVA DE ALINHAMENTO DA ATIVIDADE ORÇAMENTÁRIA À REALIZAÇÃO DOS FINS E PRIORIDADES CONSTITUCIONAIS THE COLLECTIVE PROCESS AT THE SERVICE OF THE REQUIREMENT FOR EFFECTUATION SOCIAL FUNDAMENTAL RIGHTS: A PERSPECTIVE OF REALIGNMENT OF THE BUDGETARY ACTIVITY TO THE REALIZE OF THE CONSTITUTIONAL PRIORITIES Grupo de Trabalho: “Processo e Acesso à justiça” Fernanda Raquel Thomaz de Araújo; UEL; [email protected]. Luiz Fernando Bellinetti; UEL; [email protected] RESUMO O estudo é projetado sobre a exponência do papel da Jurisdição - identificada como instância última na salvaguarda da Constituição, suas normas, diretrizes e fins diante da exigência constitucional de realização dos direitos fundamentais sociais, intentando-se explorar e abonar a fertilidade da tutela coletiva para este tratamento jurisdicional que se lança sobre as políticas públicas levadas (ou não) a efeito pelas atividades Administrativa e Legislativa, rubrica em que o processo coletivo é identificado como um instrumento de desenvolvimento democrático no funcionamento do Estado. Tal proposição vem viabilizada na premissa de que, estando a ação do Poder Público submetida à Constituição Federal, deve ser reconhecido seu caráter imperativo na definição e destinação dos gastos públicos, tônica em que a articulação destas despesas não é reservada exclusivamente à deliberação política da Administração, visto que considerável espectro das escolhas públicas já está marcado por opções constitucionalmente definidas. Daí que esta abertura ao controle jurisdicional é propugnada sob a perspectiva basilar de possibilidade de avaliação e realinhamento de opções orçamentárias implementadas pela Administração Pública, para permitir a concretização dos direitos fundamentais sociais lesionados nesta atuação estatal, com a determinação de que os demais Poderes promovam a prática de atos orçamentários cabíveis e afinados à diretriz constitucional. PALAVRAS-CHAVE: Controle Judicial; Políticas públicas; Processo coletivo; Direitos fundamentais sociais; Realinhamento orçamentário. ABSTRACT The study is designed on the exponential role of Jurisdiction - identified as the last instance in safeguarding the Constitution, its standards, guidelines and purposes front the constitutional requirement of realization of fundamental social rights, attempting to explore and indorse the fertility of collective protection for this judicial treatment of public policies implemented (or not) by the activities Administrative and Legislative, moment that the collective process is identified as an instrument of democratic development in the functioning of the state. This proposition is enabled 527

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL on the premise that, being the action of the Government subordinated to the Federal Constitution, it should be recognized its imperative character on definition and allocation of public spending, reason by that the division of these expenses can't be reserved solely to the Administration's political deliberation, since a considerable spectrum of the public choices is already marked by constitutionally defined options. Hence, this opening to the judicial review is proposed in the fundamental perspective of possibility of evaluation and realignment of budget options implemented by the public authorities to enable the achievement of fundamental social rights affronted with the state action, with the determination that the other Powers promotes the practice of appropriate budgetary acts and attuned to the constitutional guideline. The research is structured from the initial support about the adjustment of the jurisdiction's exercise in the control of public policies - in the face of refoundation built by the Constituition on the formatting of the principle of separation of powers and the emblem's of the Administration's discretionarity. KEY-WORDS: Judicial Control; Public policies; Collective process; Social fundamental rights; Budget's realignment. INTRODUÇÃO A admissibilidade de avaliação judicial da Atividade Administrativa na gestão de políticas públicas é prospecção que vem, na evolução de seu enfrentamento, vencendo a censura doutrinária e jurisprudencial - superando, neste embate, além de emblemáticas questões políticas aí articuladas (ex vi insurgência sobre a violação ao princípio da separação dos Poderes), a tradicional objeção da impossibilidade de invasão do mérito administrativo -, ambiente em que é manifesta a habitualidade e ascedência da utilização de ações coletivas. No que diz respeito à admissão deste exame e controle, entretanto, a modalidade coletiva de tutela de direitos metaindividuais - a despeito da marcha ascendente que trilha, sendo hoje alçada a caminhada para um Código Brasileiro de Processos Coletivos e também para uma teoria geral (GRINOVER, 2007. p. 11-s.) -, não tem sido explorada em todo o seu potencial de dar vazão a uma utilidade que deveria representar um dos seus principais objetivos: a efetivação dos direitos fundamentais sociais. A utilidade suscitada – cuidado de direitos fundamentais sociais – vem impulsionada por uma realidade de fácil percepção do evolutivo e substancioso reconhecimento formal de direitos fundamentais na agenda republicana, ao mesmo tempo em que é observado tênue e vago discurso sobre sua efetivação; um cenário em que, sem muito esforço argumentativo, apatia e recalcitrância são denotadas como postura do Poder Público na utilização dos recursos públicos para a realização de políticas públicas aneladas às prioritárias e reais necessidades do Estado brasileiro. Esta dinâmica, todavia, não se sustenta ou se legitima diante da baliza normativa edificada na Lei Fundamental de 1988, tanto no que diz respeito à sagração e disciplina desta categoria de direitos, quanto no que alude aos objetivos republicanos fixados em seu artigo 3º.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REVISÃO DE LITERATURA O funcionamento da Jurisdição na salvaguarda da Constituição, suas normas, objetivos e fins, é defendido por Fábio Konder Comparato - para quem as normas de direitos fundamentais (inclusive aquelas de princípios) tem aplicabilidade direta e imediata -, assinalando que esta atividade deve ser orientada pelos objetivos fundamentais da organização política brasileira, previstos no referido artigo 3º (COMPARATO, 2001. p. 29). É sob esta matiz, portanto, que o princípio da inafastabilidade da Jurisdição será integralmente assimilado como garantia constitucional de justiça (WATANABE, 1980. p. 28), assumindo aí, a dicção do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal, significância muito além da formal, atingindo desdobramentos vinculados à manutenção dos objetivos fundamentais do Estado, servindo, em última instância, como veículo de resgate da própria democracia, ao permitir a efetiva e legítima inserção da população no seu discurso (CANELA JUNIOR, 2011. p. 137). À vista desta perspectiva, salutar a proposta de Willis Santiago Guerra Filho (2005. p. 11-12): “[...] o processo de tutela de direitos fundamentais deve começar a ser desenvolvido conscientemente como um processo de natureza constitucional, da mesma forma como as ações, previstas em nosso ordenamento jurídico para garantir esses direitos fundamentais são ações constitucionais, sendo elas próprias, igualmente, direitos (ou melhor, garantias) fundamentais”. Neste sentido, diante de direito subjetivo amparado (CF, artigo 6º) e alegação de lesão a este direito (CF, artigo 5º XXXV) o Poder Judiciário tem o dever constitucional de exercer sua função típica (sendo-lhe vedado valer-se de argumentos externos à atividade jurisdicional para bloquear o acesso ao processo), permitindo a discussão democrática sobre a ofensa a direitos fundamentais sociais pelo Estado (mesmo decorrente de postura omissiva). Esta abertura se dá pela outorga do direito de ação, permitindo-se, na dialética do processo, a cognição sobre a alegada lesão e o reajuste eficaz das políticas públicas, por meio da plasticidade dos provimentos jurisdicionais, sendo, portanto, o processo coletivo, o instrumento natural para este debate ao permitir a emissão de provimento com alcance social (CANELA JUNIOR. 2011. p. 140-141). Nesta essência, como no Estado Democrático contemporâneo o centro de decisões politicamente relevantes sofre sensível deslocamento - do Executivo e Legislativo – em direção ao Poder Judiciário, o processo judicial que se instaura mediante a propositura de ações desta natureza coletiva e/ou de dimensão constitucional tornase um instrumento privilegiado de participação política e exercício permanente da cidadania (GUERRA FILHO, 2005. p. 26). Abone-se a isso que a confiança depositada nesta modalidade de ações para a proteção jurídica de interesses metaindividuais desenvolve-se suplantando a outrora nebulosidade da compreensão do processo de interesse coletivo como relevo fértil também para o tratamento de atos omissivos do Estado (WATANABE, 2003. p. 17), hesitação que comumente não se maximiza diante de atos comissivos, representados por políticas públicas ilegais ou inconstitucionais. É consentâneo, então, que a ofensa aos direitos fundamentais sociais - entendidos como direitos difusos - deve ser examinada e eventualmente reparada por meio do 529

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL processo coletivo, porquanto mecanismo tecnicamente apto à efetivação desta estirpe de direitos, sendo destacada - do atual quadro dos instrumentos processuais de que dispõe o âmbito do processo coletivo – a ação civil pública como certamente a via mais adequada, mesmo que ainda não adaptada, para a proteção dos direitos fundamentais sociais (CANELA JUNIOR, 2001. p. 142). Esta adequação também se justifica pela amplitude da tutela judicial atingível via ação civil pública - e desenvolvimento da técnica processual nela radicada -, abertura a respeito da qual assinala Rodolfo de Camargo Macuso (2002, p. 764): “[...] inicialmente, a tutela judicial via ação civil pública apresentava visível caráter condenatório-cominatório (arts. 3º e 11 da Lei 7.347/85), mas na sequência esse espectro abriu-se para os demais tipos de pedido (declaratório, constitutivo, injuncional-mandamental), mercê da abertura trazida pelos arts. 83 e 90 da Lei 8.078/90, que, por estarem inseridos na parte processual do CDC (arts. 81 a 104), com toda esta se trasladaram para o bojo da ação civil pública, conforme se vê do art. 117 daquele código. A seu turno, o art. 19 da Lei 7.347/85 autoriza a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil”. Esta preconização da tutela coletiva tem seu embasamento fortalecido na prudência do patrocínio de Osvaldo Canela Júnior (2011. p. 135-136): “Não se está, evidentemente, preconizando a abertura indiscriminada do sistema no trato do processo coletivo. Ao contrário, o que sustentamos é que as normas infraconstitucionais, que eventualmente impeçam ou mesmo dificultem a efetivação dos direitos fundamentais, são inconstitucionais e, portanto, não podem ser aplicadas pelo julgador. As leis, atos normativos e os atos administrativos praticados pelos Poderes Legislativo e Executivo constituem políticas públicas e, portanto, devem se harmonizar com os direitos fundamentais sociais e com os núcleos constitucionais de irradiação. A abertura do sistema, por conseguinte, é meramente episódica e decorre da proibição de resistência instrumental aos direitos fundamentais, princípio implícito que extraímos da interpretação sistemática da Constituição Federal. Segundo o princípio da proibição de resistência instrumental aos direitos fundamentais, nenhuma política pública, oriunda do Poder Legislativo ou do Poder Executivo, poderá se converter, comissiva ou omissivamente, em instrumento de resistência à efetivação dos direitos fundamentais. Logo, não somente os atos administrativos e de governo poderão ser examinados pelo Judiciário sob este prisma, como também as normas subconstitucionais, as quais constituem o produto de uma política pública mais ampla daqueles poderes”. Para esta projeção, sedimenta-se a inteligência do conceito de políticas públicas como a via de excelência para efetivação dos direitos fundamentais de caráter prestacional - com o condão de possibilitar verdadeira concretização destas normas constitucionais de premente relevância em que plasmados os fins e valores democráticos -, compreensão que não permite perder de vista que “algumas políticas públicas já estão definidas na Constituição, devendo necessariamente ser adotadas por corresponderem, seus fins, aos objetivos da República” (FRONTINI, 2002, p. 744). Incita-se, aí, o Direito - a partir do discernimento de que o planejamento e a consecução de políticas públicas exigem, inequivocamente, a disponibilidade de anteparo econômico pelo Estado-, a fecundar respostas adequadas à desafiadora 530

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL equação que reclama a solução sobre, diante de um direito fundamental universalmente assegurado, o que (e a quem) o Estado deve (ou não) atender, na realidade da insuficiência de suporte material para a satisfação de todos? (BREUS, 2007. p. 232) É neste palco que emerge a nevrálgica tensão em torno da questão da demanda econômica da implementação dos direitos e o problema contingencial da finitude dos recursos públicos - elementares ao custeamento das políticas públicas manejadas no Estado Constitucional -, conflito que é explorado na articulação do debate em torno da “reserva do possível”, teoria originária da jurisprudência alemã (Vorbehalt des Möglichen). Acerca da matéria, acolhe-se o patrocínio de que a projeção da reserva do possível não pode ser admitida como uma limitação absoluta, tampouco como um complacente fundamento para a evasiva estatal frente à exigência da promoção de direitos que integram o mínimo existencial, dado que não constitui elemento essencial ou integrante dos direitos fundamentais, mas, sim, que emerge apenas como um limitador fático-jurídico ou um critério para solução de conflitos entre direitos fundamentais, devendo se prestar, por isso, à salvaguarda do direito ao mínimo existencial (SARLET; FIGUEIREDO, 2008, p. 30). Não se trata, assim, de espécie normativa, mas de condição de realidade, ou seja, um contingente do mundo dos fatos que influencia a aplicação do Direito (BREUS, 2007. p. 237). É sabido que, inevitavelmente, as políticas públicas implementadas e executadas pela Administração vinculam o emprego de recursos públicos previamente disponibilizados, conforme leis de diretrizes orçamentárias. É também verdade que a Constituição, ao estabelecer os objetivos aos quais o Estado se vincula, igualmente delineia, com certo grau de precisão, - além dos limites formais referentes à digressão da destinação orçamentária para o atendimento aos dispêndios públicos limites materiais hábeis a disciplinar e orientar a gestão estatal e que desautorizam a dissonância da alocação dos recursos públicos em face destas diretrizes vinculantes na persecução dos desideratos e prioridades republicanos. É do magistério de Eduardo Cambi (2009, pp. 389-390; 407-409) que se colhe tentativa de desmistificação do impasse entre a demanda por promoção do mínimo existencial material e o paradoxo da finitude das finanças públicas: “Uma vez que os recursos públicos são limitados, devem ser aplicados, prioritariamente, na concretização de condições mínimas de tutela da dignidade da pessoa humana (mínimo existencial). Procura-se, destarte, uma otimização nos gastos públicos, voltadas à aplicação prioritária na efetivação de direitos fundamentais sociais, sem os quais as pessoas não teriam condições mínimas de sobreviver com dignidade (maximização do mínimo existencial). [...] Dentro das limitações orçamentárias, o Estado deve priorizar os gastos públicos na concretização daqueles direitos que permitem gerar as condições gerais mínimas para emancipação da pessoa humana, porque esta é a premissa mais favorável à realização dos direitos fundamentais em países de modernidade tardia como o Brasil. [...] Os direitos que compõem o mínimo existencial são tão importantes que a sua outorga não pode ficar sujeita à vontade (discricionariedade) da maioria parlamentar ou da Administração Pública. Desse modo, a ausência de previsão de despesa, nas leis orçamentárias, bem como a inexistência de políticas públicas não impede a efetivação judicial do mínimo 531

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL existencial. [...] Opções orçamentárias podem ser invalidadas pelo Poder Judiciário para permitir a concretização dos direitos fundamentais sociais ou, ao menos, do mínimo existencial. Deve o Judiciário sopesar os distintos atos materiais que podem ser praticados pelo Executivo, quando, diante das circunstâncias fáticas e jurídicas inerentes ao caso concreto, restar demonstrado que a opção do administrador é manifestamente inconstitucional. Há de ficar comprovado que foi preterido o valor da dignidade humana para se implementar outras alternativas incapazes de promover a tutela do mínimo existencial”. RESULTADOS E DISCUSSÃO Do cotejo argumentativo inferido decorre que, se justamente através do orçamento é que são instrumentalizadas as políticas públicas - bem como definido o grau de concretização dos direitos fundamentais contemplados na Constituição Federal -, é de rigor apreender, na prática orçamentária, um instrumento de governo catalisador do desenvolvimento social, político e econômico. Neste raciocínio, a prática orçamentária merece ser discernida justamente como “o momento no qual a realização dos fins constitucionais poderá e deverá ocorrer” (BARCELLOS, 2005, p. 101), ângulo pelo qual é sedimentado o entendimento de que a articulação dos gastos públicos não se reserva integralmente à deliberação política, já que considerável espectro das escolhas públicas já está marcado por opções constitucionalmente definidas. Logo, quando da demanda pela exigibilidade da efetivação de dado direito, é clarividente a necessidade de adequada compreensão entre as hipóteses de uma concreta inexistência de recursos (aptos ao custeio das políticas públicas que viabilizam a implementação do direito tutelado) e a de sua indevida alocação, ambiente em que se instala a investigação sobre como está sendo desenvolvida a função orçamentária do Estado e se esta vem sido operada em consonância com as prioridades alinhadas na Lei Fundamental. Para esta percepção, [...] existe a necessidade de diferenciar o que não é possível, porque, comprovadamente, não existem meios suficientes, mesmo após o atendimento de normas constitucionais que determinam alocação de recursos, e o que não é possível, porque os meios suficientes foram alocados para outras prioridades. Ocorre que a própria Constituição oferece parâmetros a serem respeitados [...]. Qualquer escolha alocativa de recursos deve respeitar os padrões mínimos fixados pela Constituição, assim como o rol de prioridades por ela estabelecido. E a obediência aos parâmetros fixados pela Constituição, não se trata da ocorrência da subsunção do político ao jurídico, mas do condicionamento das decisões políticas aos valores estabelecidos pela própria Constituição” (BREUS, 2007. p. 240). CONCLUSÃO É neste sentido, então, que se avaliza o mérito da avaliação e correção de políticas públicas pelo Poder Judiciário: na possibilidade de realinhamento da atividade orçamentária - implementada pelos demais poderes do Estado – às prioridades, 532

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL diretrizes e objetivos com os quais a Constituição vincula – com o grau indissociável de sua força normativa e máxima efetividade - a integralidade da ação estatal. Representa discernir o impacto orçamentário das decisões judiciais que ordenem a satisfação de direitos fundamentais sociais, provimentos diante dos quais cumprirá aos agentes públicos no exercício das funções administrativa e legislativa, promover o necessário rearranjo contábil para a respectiva harmonização financeira. E este efeito se deve, pois a consequência do trânsito em julgado das sentenças será a vinculação do orçamento à exigência de satisfação dos bens da vida amparados pela atividade jurisdicional, o que exigirá investimento do Estado. Em última instância, a Jurisdição, reconhecendo a proteção ao mínimo existencial – ainda que inexistente previsão específica no orçamento -, determina que os demais Poderes promovam a prática de atos orçamentários cabíveis e afinados à diretriz constitucional, incluindo a receita necessária ao cumprimento da obrigação, sinalizando, neste viés, a prioridade absoluta de proteção à dignidade da pessoa humana em relação às diversas dotações contempladas no orçamento. REFERÊNCIAS BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista de Direito Administrativo, n. 240, p. 83-103, 2005. BREUS, Thiago Lima. Políticas públicas no estado constitucional: problemática da concretização dos direitos fundamentais pela administração pública brasileira contemporânea. Belo Horizonte: Fórum, 2007. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: RT, 2009. CANELA JUNIOR, Osvaldo. Controle judicial de políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2011. COMPARATO, Fábio Konder. O papel do juiz na efetivação dos direitos humanos. In: Direitos humanos: visões contemporâneas. São Paulo: Assossiação de Juízes para a Democracia. 2001. FRONTINI, Paulo Salvador. Ação civil pública e separação dos Poderes do Estado. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação civil pública: lei 7.347/1885 – 15 anos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 713-752. GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 4. ed. rev. e ampl. São Paulo: RCS Editora, 2005. GRINOVER, Ada Pellegrini; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WATANABE, Kazuo (Coords.). Direito processual coletivo e o anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. 533

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A ação civil pública como instrumento de controle judicial das chamadas políticas públicas. In: MILARÉ, Edis (coord.). Ação civil pública: Lei 7.347/1885 – 15 anos. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: RT, 2002. p. 753798. SARLET, Ingo Wolfgang; FIGUEIREDO, Mariana Filchtiner. Reserva do possível, mínimo existencial e direito à saúde: algumas aproximações. In: SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (orgs.). Direitos fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional (princípio da inafastabilidadde do controle jurisdicional no sistema jurídico brasileiro) e mandado de segurança contra atos judiciais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ACESSO À JUSTIÇA DESENVOLVIMENTO E APLICAÇÃO DE NOVAS TECNOLOGIAS NA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL ACCESS TO JUSTICE: DEVELOPMENT AND APPLICATION OF NEW TECHNOLOGIES ON JUDICIAL PERFORMANCE Lívia Rossi De Rosis Peixoto; UEL; [email protected] Francisco Emílio Baleotti; UEL; [email protected] RESUMO Trata-se de estudo que busca, a partir da exposição da evolução do direito ao Acesso à Justiça e do reconhecimento deste direito como fundamental por diversos Estados Democráticos de Direito e Organismos Internacionais, encontrar nas novas tecnologias disponibilizadas pelo estudo e pesquisa conjunta de alguns países da America Latina, possíveis caminhos rumo ao alargamento e à efetividade deste direito. De início, identifica o surgimento e a evolução do direito ao Acesso à justiça, apontando os obstáculos à sua efetividade e algumas soluções propostas pela doutrina com vistas a um direito de Acesso à ordem jurídica justa. Em seguida, analisa o tratamento do Acesso à Justiça na América Latina, examinando as percepções sociais e ordenamentos jurídicos relevantes. A partir daí, encontra na Conferência dos Ministros de Justiça dos Países Iberoamericanos os avanços propostos pela doutrina na busca pela efetividade desse direto através da implementação, pesquisa e estudo de novas tecnologias advindas do diálogo realizado por este encontro. Por fim, examina especificadamente cada nova tecnologia proposta pela CONJIB demonstrando os valores de Acesso impregnados na prática dos novos atos pelos Estados na Latinoamérica. Palavras-chave: Acesso à Justiça – América Latina – Efetividade – Novas Tecnologias. ABSTRACT It was a study that seeks, from the exhibition of the evolution of the right to access to justice and the recognition of this right as fundamental by several Democratic States oh Law and International Organizations, find in the new technologies available for the study and joint research of some Latin American countries, possible paths towards enlargement and effectiveness of this right. At first identifies the emergence and evolution of the right to access to justice, pointing out the obstacles to its effectiveness and some solutions proposed by the doctrine with a view to a right of access to the legal system fair. It then analyzes the treatment of Access to Justice in Latin America, examining the social perceptions and relevant law. From there, find the Conference of Ministers of Justice of Ibero-American countries advances proposed by the doctrine in this quest for effectiveness through direct implementation, research and study of new technologies resulting dialogue performed by this meeting. Finally, each specifically examines new technology proposed by CONJIB demonstrating the values of access impregnated in practice by member of the Latin America. Keywords: Access to Justice - Latin America - Effectiveness - New Technologies. 535

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INTRODUÇÃO A proclamação dos direitos fundamentais vem assumindo perspectivas diferenciadas nos últimos tempos, principalmente no que se refere à efetividade dos direitos. Hoje em dia, quando falamos em acesso à justiça, não nos referimos somente ao acesso ao Judiciário. A partir do momento que determinado direito é proclamado pela Constituição, espera-se que seja ele efetivamente concretizado. A responsabilidade de concretização dos direitos inserida no paradigma do Estado Democrático de Direito não assume contornos evidentes somente no Brasil, mas é uma peleja global advinda das novas transformações sociais. Diante disso, o direito de Acesso à Justiça vem passando por constante transformação evolutiva, da mera previsibilidade intrínseca em primitivos ordenamentos jurídicos à assunção dos seus objetivos pelas Constituições Democráticas e por Organismos Internacionais. Em que pesem tais modificações no conceito e na previsibilidade desse direito, um longo percurso ainda precisa ser percorrido para que possamos verdadeiramente falar em respeito ao Acesso efetivo à Justiça. Nesta pesquisa, utilizaremos a metodologia descritiva, sem prejuízo de uso extenso da pesquisa bibliografia. Durante esse trabalho, traremos à tona a evolução do direito de Acesso à Justiça e a descrição de alguns entraves a esse direito. Para tanto, será alocada a contribuição louvável do Projeto Florença que resultou na obra de Mauro Capelletti e Bryan Garth. Ainda, com o intuito de colher os frutos dessa região, analisaremos a visão do direito de Acesso na percepção social e jurídica na América Latina. Entretanto, o ponto nodal desta pesquisa, há de ser a propulsão do uso e pesquisa de novas tecnologias pelos países membros da Conferencia de Ministros de Justiça dos Países Iberoamericanos, como contributo à luta pela efetividade do direito ao Acesso. Desta feita, os valores inseridos no contexto do paradigma do Estado Democrático de Direito assumem posições de orientação em todo percurso aqui realizado na busca pelo Acesso a ordem Jurídica Justa. REVISÃO DE LITERATURA A Conferência dos Ministros da Justiça dos Países Iberoamericanos (COMJIB) é uma organização internacional que reúne os responsáveis políticos pela área da Justiça de 21 Estados iberoamericanos, dentre os quais: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Paraguai, Peru, Uruguai, entre outros. Dentre as principais conquistas na batalha pelo efetivação do direito de acesso à justiça, no que se refere mais especificadamente na America Latina, estão o Convênio Iberoamericano Sobre o Uso da Video-conferência na Cooperação Internacional entre o Sistema de Justiça, assinado por 13 países, o Portal Iberoamericano de Justiça Eletrônica; O início do projeto “Tribunal Zero Papel” na Costa Rica; o Acordo para Transferência de Boas Práticas e Tecnologias. 536

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Convencidos da importância e necessidade de incrementar o uso de novas tecnologias na administração da justiça, o Acordo Iberoamericano sobre o uso da Videoconferência na Cooperação Internacional entre Sistemas de Justiça foi firmado em em 3 de dezembro de 2010 em Mar Del Plata, na Argentina, por 13 países, com adesão do México em 2011; são eles: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Costa Rica, Guatemala, Espanha, Panamá, Paraguay, Portugal, República Dominicana e Equador.188 Neste acordo os Estados manifestam a vontade de reforçar e fortalecer a cooperação regional e internacional, em conformidade com o Tratado Constitutivo da Conferência de Ministros da Justiça dos Países Iberoamericanos, considerando a importância de incrementar o uso das novas tecnologias como ferramentas que contribuem para uma administração da justiça mais célere, eficiente e eficaz. (Acordo Iberoamericano sobre o uso da vídeo conferência, p. 1) O documento prevê a possibilidade de requerimento de audição de pessoas, partes, testemunhas ou peritos, no processo judicial ou em diligências de averiguações prévias, em matéria civil, comercial e penal, sem prejuízo de outras matérias, desde que acordado previamente pelas partes; a utilização desse meio tecnológico possibilita um sistema interativo de comunicação que transmite de forma simultânea e em tempo real imagem, som e dados, à distância, de uma ou mais pessoas que prestem declarações e que estão situadas num lugar distinto da autoridade competente no processo. Para que maiores dificuldades não ocorram, o acordo é detalhado quanto ao trâmite procedimental da videoconferência, às condições em que se deve operar, inquirição de pessoas e o uso do direito do lugar do processo. Certamente, é um grande avanço que recai principalmente pelo tempo de duração do processo, otimizando em muito a expansão do direito de acesso. O Portal Iberoamericano de Justiça eletrônica, por exemplo, é um sítio que possibilita acesso amplo à noticias, legislação, documentação e descrição da participação de cada país membro nos resultados atingidos pela Conferência Iberoamericana de Ministros de Justiça. Ainda, o portal traz informações sobre todos os avanços dos países da região em matéria de justiça eletrônica: Por exemplo, em março do presente ano o Portal veiculou a notícia a respeito da implantação do INFOJUS na argentina, uma importante ferramenta democrática de acesso à justiça que possibilita o acesso à informação jurídica, baseado nos princípios argentinos da gratuidade, integralidade, acessibilidade e federalismo; De acordo, notícia veiculada no Portal Iberoamericano de Justiça Eletrônica: “El 15 de septiembre pasado la Presidenta de la Nación, Cristina Fernández de Kirchner, realizó el lanzamiento del Portal INFOJUS, administrado por el Sistema Argentino de Información Jurídica (SAIJ), dependiente de la Secretaria de Justicia del Ministerio de Justicia y Derechos Humanos de la Nación.A cinco meses del lanzamiento, el sitio ha recibido 284.943 visitas de usuarios localizados (fundamentalmente) en el país y en el exterior (EEUU, México, España, Brasil, Canadá, Colombia, Perú, Uruguay, Chile, Reino Unido, etc.), se realizaron más de 425.000 consultas a través del Buscador y se registraron más de 4.500 pedidos de 188

A íntegra do documento Oficial assinado por estes países está disponível http://www.comjib.org/sites/default/files/Convenio-Videoconferencia-ES-publicaciones_1.pdf

em

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL dossiers. La mayoría de los visitantes del portal (un 50.98%), se han transformado en usuarios recurrentes de los servicios que ofrece INFOJUS, y los consultan con frecuencia.” Ainda, o Portal Iberoamericano proporcionou o lançamento e a divulgação do IBERRED – Rede Iberoamericana de Cooperação Jurídica Internacional: “A Rede Iberoamericana de Cooperação Jurídica Internacional, IberRed, é uma estrutura formada por pontos de contacto procedentes dos Ministérios da Justiça e Autoridades Centrais, Procuradorias e Ministérios Públicos, e Poderes Judiciais dos 23 países que compõem a Comunidade Iberoamericana de Nações, orientada para a optimização dos instrumentos de assistência judicial civil e penal, e ao reforço dos laços de cooperação entre os nossos países. Constitui assim um passo fundamental na conformação de um Espaço Judicial Iberoamericano, entendido como um cenário específico onde a actividade de cooperação judicial seja objecto de mecanismos reforçados, dinâmicas e instrumentos de simplificação e agilização, na consecução de uma tutela judicial efectiva.” Desta feita, o acesso à justiça é facilitado não somente pelo acesso à informação que estas ferramentas disponibilizam, mas pela integração que pressupõe a manutenção desses arcabouços tecnológicos. Em tempos de tecnologia tão avançada é certo que ainda existem muitos lugares que dependem da vulnerabilidade de um documento para conferir resposta jurisdicional àqueles que a exigem. Além de todo discurso ambiental sugerido em torno deste tema, a segurança de atos estatais revestido de poder realizados em papel denota a insegurança da concretização dessas decisões pelo risco do consumo desta matéria prima. Ademais, a celeridade advinda pela transformação dos processos em meio eletrônico é patente. Cientes disso, o projeto Tribunal Zero Papel pretende conferir o auxilio necessário a todos os entes signatários dos Acordos e Conferências da CONJIB para que informatizem seus Tribunais e transformem os processos judiciais físicos em processos judiciais eletrônicos: “Si buscáramos una defi nición expedita para la iniciati va “Tribunal Cero Papel”, se nos ocurre instantáneamente una realidad cuasiutópica en que el Tribunal, y todos sus parti cipantes internos (magistrados y funcionarios) y externos (partes, mandatarios, público en general), interactúan y tramitan un proceso judicial de forma totalmente electrónica, desmaterializada y evitando el recurso de soportes fí sicos en papel. En resumen, no hay elementos procesales en papel, precisamente por haber sido posibilitada La desmaterialización del papel por la adopción de herramientas y opciones tecnológicas adecuadas, sin pérdida de contenido, derechos, garantí as, validez y legiti midad legal.” Por fim, numa louvável iniciativa que pretende garantir o diálogo os Estados que fazem parte da CONJIB, foi firmado um convênio-acordo entre os membros para cooperação (transferências de experiências tecnológicas que efetivaram o direito de acesso) e comunicação dos membros (como um contrato prévio estabelecendo regras de boas práticas durante a tramitação das ferramentas tecnológicas). A respeito disso, segue o artigo 3 do referido convênio: “Los contactos regulares establecidos entre las Partes deberán utilizar las formas más expeditas posibles, 538

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sobre todo el correo electrónico o la videoconferencia, sin prejuicio Del seguimiento presencial que se revele necesario.” RESULTADOS E DISCUSSÃO Precisamos encontrar ferramentas hábeis a transformar o discurso em ação. Notadamente, a pesquisa cientifica acerca da necessidade de alargamento do direito de acesso e a dependência dos demais direitos fundamentais da acessibilidade ao judiciário encontraram grande evolução. A pedra de toque, agora, e saber de que maneira conseguiremos transpor toda preleção para a vida das pessoas, possibilitando que elas não somente cheguem ao judiciário, como queria a primitiva previsibilidade legal, mas que tenham uma resposta justa, em tempo e satisfatória à suas pretensões. Certamente, as novas tecnologias encontradas através dessa pesquisa, pelos dados aqui trazidos, tem alcançado boa parte desse objetivo. Se os organismos estatais são mais fortes é honroso que se valham disso para juntos almejarem a eficácia do que pregam em comum: a efetividade do acesso à justiça. Em tempos grande tecnologia, comunicações e diálogos instantâneos, mobilidade e conhecimento global pela tela de um computador, é preciso que toda essa conquista se reverta em benefício dos direitos fundamentais. Na busca pela concreção do Acesso está presente muito mais que pressupostos para respostas aos conflitos sociais; estamos tratando da preservação dos direitos fundamentais que nós, como Estado Democráticos de Direito, elegemos como imprescindíveis para formação do ser humano. REFERÊNCIAS ANNONI, Danielle. Direitos Humanos e Acesso à Justiça no Direito Internacional: responsabilidade internacional do Estado.Curitiba: Juruá, 2003. ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de la Nación (CSJN), “Lepori”, Fallos: 324:1710 BRASIL. Constituição (1946). Constituição dos Estados Unidos do Brasil, 1946, art. 5º inciso XXXV. Disponível em . Acesso em 22.08.12. CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. CONFERÊNCIA DOS MINISTROS IBEROAMERICANOS. www.conjib.org

DE

JUSTIÇA

DOS

PAÍSES

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, disponível em http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/bibliotecavirtual/instrumentos/sanjose.htm 539

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DA SILVA. José Afonso. Curso de direito Constitucional Positivo. 15 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 1998, DECLARAÇÃO AMERICANA DOS DIREITOS E DEVERES DO HOMEM, 1948, disponível em : http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OEAOrganiza%C3%A7%C3%A3o-dos-Estados-Americanos/declaracao-americana-dosdireitos-e-deveres-do-homem.html DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do Processo, São Paulo, Malheiros Editores, 1994 _____________. Instituições de Direito Processual Civil I. 4ª. Ed. rev. Atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2002 LENZA, Pedro. Teoria Geral da Ação Civil Pública. 3ª. Ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008 LIMA. Acuerdo Nacional por la Justicia – ANJ - Documento y Recomendaciones para el Cumplimiento del Acuerdo Nacional de Justicia. Lima, 2004. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 1996, 3ª. ed. rev. Ampl. São Paulo: Malheiros Editores MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, 1992, disponível em : http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/pacto_dir_politicos.htm PETRACCHI, Enrique S., Acceso a la justicia, La Ley, Sup. Act. de 27 de mayo de 2004 WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e sociedade Moderna, in Participação e processo, São Paulo, Ed. RT, 1988 WORD BANK. World Development Report 1997: The State in a Changing World (1997)

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NO PROCESSO CIVIL E O “DISCURSO” EM MICHEL FOUCAULT PROCEDURAL FLEXIBILIZATION IN CIVIL PROCEDURAL LAW AND THE “SPEECH” IN MICHEL FOUCAULT Francisco Emílio Baleotti, Universidade Estadual de Londrina, [email protected]. Maitê Pereira Lamesa, Universidade Estadual de Londrina, [email protected]. Vinculado ao projeto de Pesquisa: Acesso à Justiça: Instrumentalidade frente à Jurisdição Resumo: O estudo da flexibilização procedimental, no âmbito do direito processual civil, é permeado de análises críticas acerca do modo como o direito vem se manifestando no que toca à busca da tutela jurisdicional efetiva, a qual, por sua vez, é uma das bases que orientam o processo atual, não mais visto como finalidade em si próprio. Todavia, o ato de questionar a temática processual e sua efetividade pressupõe estabelecer nexos com outras áreas de conhecimento, para que seja compreendido – antes mesmo das críticas que são postas a determinado assunto –, o próprio assunto, ainda que não em seus aspectos técnicos, mas sim no sentido de serem entendidas as bases do estudo jurídico. Com efeito, aqui a abordagem da obra de Michel Foucault – “Ordem do Discurso” – busca suprir a necessidade de melhor compreensão acerca da forma de manifestação do direito, para então analisar a flexibilização procedimental e de que forma ela se apresenta no sentido de fornecer determinadas soluções ao direito processual. Dessa forma, é possível coadunar estudos de diferentes áreas, para que a compreensão do direito ganhe sentido mais lógico e próximo do que é o homem e do que é a sociedade. Palavras-chave: Direito processual civil; Flexibilização procedimental; Discurso em Foucault. Abstract: The study of procedural flexibility within the civil procedural law, is replete with critical analyzes about how the right has manifested itself in relation to the pursuit of effective judicial protection, which, in turn, is one of the foundations that guide the current process, no longer seen as an end in itself. However, the act of questioning thematic and procedural effectiveness presupposes establish links with other areas of knowledge, in order to be understood - even before the criticisms that are madeto certain subject - the subject itself, though not in its technical aspects, but in the sense to be understood the basics of legal study. Indeed, the approach of the work of Michel Foucault - "Order of Discourse" - seeks to meet the need for better understanding of the manifestation of the right, then to analyze the procedural flexibility and how it is presented in order to provide certain solutions to procedural law. Thus, it is possible to put together consistent studies of different areas, so that the understanding of law may be more logical and close to what is mankind is and what is society. 541

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Keywords: Procedural civil law; procedural flexibilization; speech in Michel Focault. Introdução O direito, como forma de regulação das mais diversas relações sociais, revela-se por meio de um conjunto bem estruturado de normas e, deve-se ressaltar, de um conjunto previamente estabelecido de leis que orientam também relações processuais. Sem embargos, o direito também é fenômeno da praxis, que se realiza constantemente nos mais variados litígios propostos, o que confere o dinamismo que lhe é inerente. As leis, regras e normas são parâmetros de âmbito geral, com hierarquia e vigência próprias, das quais necessita a sociedade para que haja uma ordenação da vida conjunta. Por tal motivo, esses parâmetros são entendidos como rígidos, na medida em que devem garantir a segurança jurídica a cada uma dessas relações. As leis processuais possuem a mesma característica de balisar a atividade jurisdicional, no sentido de proteger as garantias de ordem processual e, sobretudo, de ordem constitucional. Nesse bojo, aliás, é notável a evolução do processo civil no que tange à preocupação de prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, o que importa dizer, o processo vem perdendo certa rigidez – a qual outrora já determinou a visão do processo como um fim em si mesmo – em prol da proteção de direitos e garantias fundamentais. Essa evolução vem se instituindo como frente a essa antiga visão estrita de processo vazio, ou seja, que parecia de certa forma recursar-se a compreender o caso concreto, sobretudo quando meios alternativos, não previstos em leis, fossem necessários para a obtenção de um resultado digno ou justo. Com efeito, essa preocupação é recente, e melhor se define a partir da Constituição de 1988. Toda essa questão toma forma na conceituação de discurso delineada por Michel Foucault, como algo que permeia toda as sociedades, ainda que assuma em cada localidade suas particularidades, como a forma como se dá a manutenção, permetuação e disseminação das leis, regras e normas que se enquadram na “verdade” para determinada população. O que é admitido no plano do “verdadeiro”, entretanto, varia de acordo com o querer interno de poder e de dominação, o que, portanto, vai se externalizar do que é ou não aceito pela sociedade. Desse modo, não necessariamente é vinculado à verdade, contudo, assume formas próprias de serem reproduzidos, que são os rituais. O ordenamento jurídico não escapa à impregnação do discurso, como maneira de se perpetuar e de se confirmar aqueles valores que estão incutidos nos textos legais, os quais por sua vez, representam a verdade para a sociedade que o legitimou. São estas as linhas gerais que aqui se pretende traçar como base para a abordagem do direito processual civil e do estudo relativamente recente acerca da flexibilização do procedimento que o acompanha.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Revisão de Literatura Pois bem, em linhas gerais, o discurso estabelece uma espécie de maniqueísmo entre o verdadeiro e o falso, basicamente partindo do princípio de que o conteúdo de um discurso torna-se o correto e, pelo contrário, tudo aquilo que foge ao seu conteúdo, é um erro, e será afastado. Mas essa lógica acaba por expressar o que o filósofo coloca como “vontade de verdade”, a qual representa apenas um procedimento específico utilizado pelo discurso no sentido de se solidificar como hegemônico. Há outros que se constroem por meio da exclusão do discurso e da ordenação do discurso. Tendo por base igualmente os estudos sobre flexibilização de procedimentos, especificamente no direito processual civil, é possível estabelecer uma conexão entre os estudos filosóficos e jurídicos em questão. Ora, para Foucault, não só o direito, como também outras áreas do conhecimento submetem-se à lógica do discurso, na medida em que se expressam via procedimentos previamente estabelecidos, como é o caso da medicina. No caso do direito processual, a manifestação do discurso é facilmente visualizada, vez que os procedimentos são previstos como ritos dispostos em leis processuais, como cerceamento à vontade das partes. A própria relação processual, da forma como está calcada, também reflete uma série de formalidades que contribui à perpetuação do discurso, e este está ligado à forma como se pretende sejam resolvidas as lides propostas, sob quais princípios deverão se guiar os juízes, como encarregados da função jurisdicional. Resultados e Discussões Todo esse raciocínio de inclusão nas fronteiras de um discurso é definido como a “logofilia”, contudo, o sentimento de não pertencimento a ele possui também sua definição: a “logofobia”. A descrença na Justiça constitui certa aversão ao discurso, ainda que inconsciente. Já a crítica ao discurso apresenta-se como forma de logofobia, que é a própria análise do discurso. É este vínculo que se almeja estabelecer entre crítica ao discurso e a flexibilização procedimental, esta como meio de se questionar o discurso incutido no processo civil, e tudo isso com um único fim: concretizar determinados princípios constitucionais que embora informem o processo, ainda permanecem sem a devida efetividade. Pois bem, Foucault expressa em três ações a forma de questionar um discurso: que é por em cheque nossa própria “vontade de verdade”, “restituir ao discurso seu caráter de acontecimento”, e por fim à “soberania do significante”. Essa ideias parecem se coadunar com o estudo da flexibilização no processo civil, isto porque a grande verdade da jurisdição rígida e formal já não vigora e, muito mais, já há patente necessidade de mecanismos que coloquem as partes numa situação de maior participação processual, desmistificando as verdades processuais que tornam a Justiça morosa, pouco efetiva e distante das partes.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Conclusão A ideia de flexibilização, por conseguinte, passa pela desconstrução do discurso, incutido atualmente no processo civil. Revela-se como uma nova linguagem que se aproxima da democracia participativa, que necessita romper com certos procedimentos que atualmente já não são mais vistos como úteis. A transformação também tem como ponto de partida alguns a operacionalização de institutos já assegurados no Código de Processo Civil, porém que não têm aplicabilidade na prática, ou porque requerem mudança de postura da visão que a jurisdição tem de si, e da visão que a sociedade tem da Justiça, ou porque carecem de estruturação adequada. O estudo de Foucault serve como fonte para que se entenda os mecanismos dos quais dispõe o discurso para se perpetuarem, parecendo uma verdade universal e contínua, bem como os meios para que se desvenda e desconstrua a parcela falsa revertida do aspecto verdadeiro de um discurso. É, sem dúvida, um recurso para a crítica sólida a respeito da Justiça, visando melhor instrui-la com as verdades escolhidas na Constituição de 1988, as quais foram sendo reveladas ao longo do século XX e que, um dia, possa a ser novamente aprimorada pela renovada crítica do discurso. Referências Bibliográficas BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo: influência do direitos material sobre o processo. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2003. DINAMARCO, Cândido Rangel. A Instrumentalidade do Processo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 1996. FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 5.ed. Tradução de Laura Fraga de Almeida. São Paulo: Loyola, 1999. LEAL JÚNIOR, J. C.; BALEOTTI, F. Ensaio sobre o direito fundamental à razoável duração do processo. In: Seminário Interinstitucional de Mestrados em Direito, 1., 2010, Londrina. Anais... Londrina: UEL, 2010. MARIQUITO, Carla da Silva. O Processo Civil sob Influência dos Valores Constitucionais. In: Revista Eletrônica de Direito Processual. Ano 6. Volume IX. Jan. A Jun. Rio de Janeiro: UERJ, 2012. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro: exposição sistemática do procedimento. Ed. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do Formalismo no Processo Civil. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A POSSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO DE PROVAS ILÍCITAS NO PROCESSO PARA EFETIVAÇÃO DO ACESSO A UMA ORDEM JURÍDICA JUSTA THE POSSIBILITY OF USE OF EVIDENCE ILLEGAL IN THE PROCESS FOR EFFECTIVE ACCESS TO A FAIR LAW Gustavo Gabriel Danieli Santos – Universidade Estadual de Londrina – Projeto de pesquisa: Acesso á justiça: a instrumentalidade do processo frente á jurisdição. [email protected] Resumo: O presente trabalho é fruto do projeto de pesquisa que se intitula: Acesso á justiça: a instrumentalidade do processo frente á jurisdição. Uma vertente do supra projeto objetiva pesquisar os princípios processuais na Constituição Federal relacionando-os com o acesso á justiça. Este artigo tem como objeto o princípio da proibição das provas ilícitas e sua presença no processo para efetivação do acesso a uma ordem jurídica justa. O direito á prova é uma garantia constitucional implícita que deriva do princípio do contraditório e do próprio acesso á justiça. A regra imperante no Brasil é a liberdade dos meios de prova com exceção daquelas obtidas por meios ilícitos como veda expressamente o inciso LVI do art. 5 da Carta Magna. No entanto, no contemporâneo ordenamento jurídico, não se pode entender tal vedação em termos absolutos, haja vista que há possibilidade de utilização de provas ilícitas no processo, em caráter excepcional e com a aplicação do princípio da proporcionalidade. Assim, objetivou – se estudar como tem sido compreendido o princípio da proibição da prova ilícita no processo e sua relação ao acesso á uma ordem jurídica justa. Palavras chaves: Provas; Ilícitas; Princípios; Proporcionalidade; Admissibilidade. Abstract: This paper is the result of the research project is entitled: Access to justice: The instrumentality of the case against jurisdiction. One part of the above project aims to investigate the procedural principles in the Federal Constitution relating them to access to justice. This article is about the principle of the prohibition of illegal evidence and its presence in the process of realization of access to a fair legal system. The right to trial is a constitutional guarantee implied that derives the adversarial principle and proper access to justice. The rule prevailing in Brazil is freedom of evidence except those obtained by illegal means such as bans expressly item LVI art. 5 of the Constitution. However, in contemporary legal system, no has understood this prohibition in absolute terms, given that there is possibility of using illegal evidence in the case, exceptionally and with the principle of proportionality. Thus, the objective - to study as it has been understood the principle of the prohibition of illegal evidence in the process and its relation to access to a legal system fair. Keywords: Evidence, Unlawful; Principles; Proportionality; Admissibility.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Introdução Antes de tratarmos diretamente da questão da prova ilícita no ordenamento jurídico brasileiro, é preciso analisar o direito a prova sob a égide da Constituição Federal, considerando - o como um direito fundamental, visto que decorre dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça. O direito à prova é um direito que está implícito na Constituição Federal, sendo derivado da garantia do contraditório, contida no art. 5º, inciso LV, da mesma. A regra no Brasil é a liberdade dos meios de prova conforme se infere do art. 332 do Código de Processo Civil, sendo as provas ilícitas exceção a essa regra. Todavia, no processo civil, tem-se admitido a utilização da prova ilícita mediante a utilização do princípio da proporcionalidade. Nessa seara, percebe – se que o princípio da proibição da prova ilícita deve ceder em determinado caso concreto, para que outro princípio, de maior peso naquela situação, prevaleça. Para doutrinadores brasileiros como Luiz Francisco Torquato Avolio (2003, p.43), as provas ilícitas são as que ofendem norma de direito material, enquanto as ilegítimas são as obtidas com infringência às normas de direito processual. Tanto a prova ilícita, quanto à ilegítima são, em regra, vedadas pelo ordenamento jurídico brasileiro, consoante dispõe o inciso LVI do art. 5º Carta Magna, in verbis: "são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos". Contudo, essa posição não deve ser entendida em termos absolutos, em razão da utilização do princípio da proporcionalidade que ao ser aplicado em determinado caso concreto, traz a possibilidade de se utilizar da prova ilícita para que certo direito/princípio constitucional prevaleça sobre essa proibição, efetivando assim o direito de acesso a uma ordem jurídica justa que leva em consideração o direito do individuo recorrer e se utilizar de meios probatórios, ainda que ilícitos de modo excepcional, para corroborar as alegações realizadas e fazer com que direitos e princípios constitucionais de maior peso valorativo em determinada situação fática prevaleçam sobre a proibição da utilização de provas obtidas por meios ilícitos, o que a meu ver expressa de forma notória uma manifestação da justiça no ordenamento jurídico brasileiro. Revisão de literatura No palco de discussões acerca da admissibilidade da prova ilícita no processo, encontramos algumas correntes doutrinárias que se posicionam em relação ao tema. A corrente permissiva, acredita ser admissível a prova ilícita desde que verdadeira e que não viole sanção expressa de direito processual. Assim como qualquer outra prova, àquela constitui uma forma de convencer o juiz a sentenciar uma solução justa. Seus principais defensores são Carnellutti e Franco Cordero. Já a corrente obstativa, pauta a proibição da utilização desse tipo de prova, pois haveria uma incongruência frente ao princípio da moralidade administrativa e com relação ao próprio ordenamento jurídico, trazendo conseqüências além do limite da relação autor e réu. Seus principais defensores são Nuvolone e Humberto Teodoro Júnior. Uma terceira corrente é a obstativa por fundamento constitucional, que considera a admissibilidade da prova ilícita acima de tudo uma violação aos princípios constitucionais, portanto inconstitucional. Seus principais seguidores são 546

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Cappelletti, Comoglio e Bauer. Por fim e não menos importante, contamos também com a corrente obstativa atenuada pela teoria da proporcionalidade, que de fato posiciona o princípio da proibição da prova ilícita como regra geral, mas admite em caráter de excepcionalidade a utilização da prova ilícita, com o propósito de proteger os bens de maior carga valorativa envolvidos. Seus principais defensores são Ada Pelegrinni Grinover, Antônio Scarance e Antônio Magalhães G. Filho. Cumpre destacar o brilhante entendimento de Greco Filho (1995, p.178) no que concerne a temática do presente trabalho. Segundo ele, por meio do texto constitucional parece que jamais poderia ser admitida qualquer prova cuja obtenção tenha sido ilícita. Contudo, a regra não é absoluta, porque nenhuma regra constitucional é absoluta, uma vez que tem de conviver com outras regras ou princípios também constitucionais. Assim, continuará a ser necessário o confronto ou peso entre os bens jurídicos, desde que constitucionalmente garantidos, a fim de se admitir, ou não, a prova obtida por meio ilícito. Veja-se, por exemplo, a hipótese de uma prova decisiva para a absolvição obtida por meio de uma ilicitude de menor monta. Prevalece o princípio da liberdade da pessoa, logo a prova será produzida e apreciada, afastando-se a incidência do inciso LVI do art. 5º da Constituição, que vale como princípio, mas não absoluto, como se disse. A respeito do assunto, vale observar também a lição de Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2003, p.322), onde o juiz para que possa concluir se é justificável o uso da prova, necessariamente deverá estabelecer uma prevalência axiológica de um dos bens em vista do outro, de acordo com os valores do seu momento histórico e diante das circunstâncias do caso concreto. Não se trata – perceba-se bem – de estabelecer uma valoração abstrata dos bens em jogo, já que os bens têm pesos que variam de acordo com as diferentes situações concretas. O princípio da proporcionalidade (...) exige uma ponderação dos direitos ou bens jurídicos que estão em jogo conforme o peso que é conferido ao bem respectivo na respectiva situação. Lenz, citado por Maria Cecília Pontes Carnaúba (2000, p.83), dispõe que a admissibilidade no processo de provas produzidas por meios não permitidos pelo sistema legal é uma situação nova, porque quebra os limites de interpretação incondicional do texto legal sobre as atividades persecutória e investigatória do Estado, e cria modernos freios às arbitrariedades estatais através da adoção de limites objetivos impostos pela razão, com base no princípio da proporcionalidade. Não tem o condão de desvirtuar a ação policial, permitindo um desempenho mais fácil mediante ameaças, invasões e coações para a obtenção de provas. Ao contrário, estimula um criterioso trabalho de busca de indícios que faça jus à evolução do sistema jurídico moderno, porque o resultado da atividade persecutória e investigatória deverá ser analisado judicialmente, não apenas em seu aspecto formal, mas, acima de tudo, sobre a essência das informações colhidas, porque „o conteúdo é que pode ofender o direito ao sigilo, ou não ser, por outro motivo, moralmente legítimo‟.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Resultados e Discussões Não só a proibição do uso da prova ilícita é garantia constitucional, como também o direito à prova o é. Assim, pode surgir um conflito entre os princípios constitucionais do acesso à justiça e do direito à prova, de um lado, e, de outro, o da proibição do uso da prova ilícita. Surgindo tal conflito principiológico, faz-se necessária a aplicação da técnica da ponderação de interesses, mediante a utilização do princípio da proporcionalidade, para que, no caso concreto, o julgador possa decidir qual dos princípios deve prevalecer. Dentre as correntes doutrinárias que se manifestam acerca do tema, acredito que a obstativa atenuada pela teoria da proporcionalidade seja a que melhor se adequa ao atual ordenamento jurídico, haja vista que entender a proibição das provas ilícitas em termos absolutos, criaria determinada limitação ao acesso a justiça e denotaria injustiça em certos casos concretos, em razão de que certos princípios de maior carga valorativa em determinada situação fática seriam olvidados por uma proibição a provas ilícitas de menor monta. Salutar destacar que o princípio da proibição de meios probatórios ilícitos deve sim ser entendido com a regra geral, pois do contrário, abriríamos margem para toda violação de direitos unicamente para conseguir provas, entretanto, devemos entende – lo de modo relativo, cientes de que tal princípio deve ceder em determinadas situações, quando verificado através do princípio da proporcionalidade que certo direito ou princípio tem maior peso do que o da proibição das provas ilícitas, sendo assim as mesmas podem ser aceitas. Compreender tal temática sobre essa perspectiva acaba por trazer maior efetividade ao acesso á justiça. O Supremo Tribunal Federal vêm decidindo por admitir provas de cunho ilícito, através da utilização de critérios de ponderação de valores: a razoabilidade e a proporcionalidade, ao acreditar que, diante do caso concreto, o julgador deve realizar uma análise axiológica a partir desses parâmetros. Justifica-se essa nova forma de interpretar o princípio da proibição da prova ilícita somente em casos excepcionais, de extrema daquela prova, sendo esta indispensável para a solução do processo. A título de exemplo, vale mencionar a situação trazida por Daniel Sarmento (2003, p.182): Um o caso de ação de destituição de pátrio poder, na qual existam provas ilícitas (e.g. gravações clandestinas) evidenciando a prática de abuso sexual dos genitores contra o menor. Nesta hipótese, entendemos que o direito à dignidade e ao respeito do ser humano em formação, assegurado, com absoluta prioridade, pelo texto constitucional (art. 227 CF), assume peso superior que o do direito de privacidade dos pais da criança, justificando a admissibilidade do uso da prova ilícita. Tomando como base o exemplo supra, imaginemos se o magistrado não levasse em consideração as gravações obtidas por meios ilícitos, justificando sua decisão por meio do inciso LVI, art 5 da CF, pautando que o mesmo deve ser entendido em termos absolutos. Haveria efetividade ao acesso á ordem jurídica justa se simplesmente a prova fosse desconsiderada e a criança abusada não tivesse seu direito protegido e continuasse a ter sua dignidade notoriamente maculada? Evidente que não, nesse sentido, entender o princípio da proibição das provas ilícitas em termos relativos sob o prisma humanista, principiológico e de forma 548

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL harmônica aos direitos fundamentais, é certamente o caminho para garantir maior efetividade ao acesso à justiça. Conclusão Assim, o principal enfoque do presente trabalho foi discutir diferentes posicionamentos acerca do tema principal e elucidar que mesmo com a proibição constitucional expressa de que provas obtidas por meios ilícitos não podem ser consideradas no âmbito processual, tem – se admitido em prol de uma maior efetividade ao acesso a ordem jurídica justa e com a aplicação do princípio da proporcionalidade, a utilização de tais provas. Devemos entender que as disposições do Art. 5, inciso LVI da CF, não são absolutas, mas admitem em caráter excepcional a utilização de provas advindas por meios ilícitos, adequadas a cada situação fática e primando por maior justiça e efetivação de direitos e princípios constitucionais. Referências AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. CARNAÚBA, Maria Cecília Pontes. Prova ilícita. São Paulo: Saraiva, 2000. GRECO FILHO, Vicente. Manual de Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do Processo de Conhecimento. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesses na Constituição Federal. 1 ed. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DA FLEXIBILIZAÇÃO PROCEDIMENTAL NA REDUÇÃO DA DURAÇÃO DO PROCESSO COMO INSTRUMENTO DE SUPERAÇÃO DOS DESAFIOS DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA Henrique Volpato Maluta Universidade Estadual de Londrina [email protected] É patente a todos os aplicadores do direito a morosidade da justiça. Tal demora implica na ineficácia do processo em um mundo com transações cada vez rápidas. Diante desse novo paradigma a atual administração da justiça está se mostrando por todo ineficiente para a realização dos negócios e seus consequentes conflitos, deixando de oferecer a segurança jurídica necessária na consumação das transações comerciais no mundo contemporâneo. Com fito de solucionar esse problema, propõem-se algumas medidas de flexibilização processual em busca da diminuição da duração das demandas. Considera-se que o rigor processual acarreta uma igualdade formal, contudo busca-se o estabelecimento de uma igualdade material entre as partes, a qual pode ser obtida com a flexibilização procedimental. A lei busca alcançar a justiça, sendo o procedimento meio para sua obtenção, devendo se adequar para esse fim. Inicialmente propõe-se que, logo na confecção legislativa, se paute pela edição de normas abertas, as quais permitam uma adequação incidental, feita pelo juiz, frente ao caso concreto. Outra medida flexibilizadora, para alcançar a justiça é autorizar o juiz a determinar de oficio a produção de provas. Tal medida eleva os poderes do juiz, que deverá atuar com respeito ao devido processo legal, contraditório e demais normas processuais. Por fim outra medida é a aproximação o processo ao direito material tutelado, na forma dos procedimentos especiais, adequando-o as necessidades do caso. Dessa forma o processo se aproxima do âmbito constitucional contemporâneo, favorecendo a solução dos conflitos atuais. Tais mecanismos garantem a celeridade processual sem olvidar dos princípios e garantias processuais que fundamentam um processo justo, sendo meio eficaz para redução da morosidade processual que prejudica em muito a realização dos negócios, portanto deve ser veementemente combatida. Palavras-chave: processo civil. flexibilização processual. redução da morosidade processual.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PRINCÍPIO DO LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO NAS DEMANDAS PREVIDENCIÁRIAS DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE Ivan Martins Tristão, UEL, ivantristã[email protected]. Rodolfo Carvalho Neves dos Santos, UEL, [email protected] O art. 131 do CPC introduz o princípio do livre convencimento motivado do juiz. Trata-se de uma liberdade de convicção do magistrado quanto à apreciação das provas e argumentos apresentados, podendo motivar sua decisão discricionariamente com base no que foi produzido. Discute-se, porém, a eficácia deste princípio nas causas previdenciárias para concessão de benefícios por incapacidade. Nestas demandas, realiza-se uma perícia médica para constatação da incapacidade laborativa do segurado, cujo laudo conclui ou não pela capacidade de trabalho. Frise-se que o juiz não está adstrito ao laudo (art. 436, CPC), contudo, na maioria dos casos, ele acompanha a conclusão do perito, restringindo sua motivação àquele parecer. Todavia, está consolidado na jurisprudência do STJ o entendimento de que a incapacidade deve ser analisada não apenas sobre o enfoque médicofisiológico, mas também pela condição socioeconômica do segurado (escolaridade do segurado, sua idade e sua formação profissional), mérito não abrangido pelo laudo médico (CASTILHO). Para constatação de tais condições aponta-se a inovação em trazer o trabalho do assistente social ao judiciário, acionando-o para elaborar um parecer sobre as condições sociais do segurado (MARISON). Desta forma, se concretizaria com maior eficácia o princípio jurisdicional, pois um laudo específico de análise à incapacidade funcional e outro para incapacidade no aspecto socioeconômico proporcionaria às partes e ao juiz maior segurança na decisão. Palavras-chave: Livre convencimento motivado, previdenciário, incapacidade, laudo pericial. Referências CASTILHO. Ricardo. Delineamentos da aposentadoria por invalidez. Jornal Carta Forense, São Paulo, Colunas – Previdenciário out. 2010. http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/delineamentos-da-aposentadoriapor-invalidez/7725. Data de acesso: 14. Set. 2012. MARISON, M. F. técnicos, Cadernos UNIFOA Online, Rio de Janeiro, Revista nº 06, abril 2008. http://www.unifoa.edu.br/cadernos/edicao/06/49.pdf. Data de acesso: 14 abr. 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INEFICÁCIA DAS AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO. Kayan Menin Machado, discente do 3ºano de Direito da Universidade Estadual de Londrina, [email protected] A Constituição brasileira estabelece em seu artigo 103, §2º que declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional será dada ciência ao poder competente para adoção de providências necessárias. Ocorre que devido ao princípio da separação de poderes, cláusula pétrea de nossa Constituição (art.60,§4º, III), não há nada que o Judiciário possa fazer caso o Poder Executivo ou Legislativo desrespeite sua decisão. Dessa forma, e considerando que são inúmeras as normas da Carta Magna que dependem de lei complementar não elaboradas até o presente momento, o trabalho em comento foi elaborado buscando respostas para solução desta controvérsia, almejando demonstrar que neste caso, o excessivo formalismo do direito, que por muitas vezes não considera o lado social, impede mudanças importantes em nossa sociedade, sendo que várias delas, poderiam ser feitas caso dois dos três Poderes da República pudessem ser pressionados, pelo Judiciário. O próprio criador da teoria de freios e contrapesos, Montesquieu, assinalou que com o avanço social, e as consequentes modificações do Direito, esse sistema precisaria avançar, modernizarse. Assim, baseando-se na obra do aludido filósofo francês e do constitucionalista José Afonso da Silva, o trabalho em apreço busca destacar a necessária relativização deste princípios em prol da Dignidade da Pessoa Humana, Valores Sociais do Trabalho entre outros preceitos, além de, sucessivamente, estabelecer desde já a obrigação de se fixar um prazo para o saneamento de omissões legislativas. Palavras-Chave: Constituição, omissão legislativa, ADIN por omissão, Separação de Poderes, Princípios Constitucionais. Referências BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Vade mecum, 9ª edição, São Paulo: Ed. Saraiva, 2010. MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. Ed. Trad. Cristina Murachco. São Paulo: Martins Fontes, 1996. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 25 ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DIREITO À PROVA AUTÔNOMO AUTONOMOUS RIGHT OF EVIDENCE Marcela Marques Mancini, Universidade Estadual de Londrina [email protected] Resumo: O direito fundamental à prova pode ser exercitado de forma autônoma. Há previsão no projeto do Novo Código Processual nesse sentido para permitir às partes que se conciliem ou que formem juízo sobre o potencial litigante da demanda. Palavras-chave: Prova; Fundamental; Autônomo; Código Processual. Abstract: The fundamental right of evidence may be exercised in an autonomous way. There is provision in this sense in the bill of the New Code of Civil Procedure, in order to provide to the parties to reconcile or to form a judgment about the potential litigant of the demand. Keywords: Evidence; Fundamental; Autonomous; Procedure Code. Introdução O direito fundamental à prova decorre dos princípios do contraditório e da ampla defesa e é exercitado, em regra, dentro de processo judicial em que se discute uma relação de direito material. Tanto o atual Código de Processo Civil, assim como o Novo Código de Processo Civil, possuem previsão sobre o exercício deste direito de forma autônoma, em procedimento próprio, aquele, nos casos de urgência e de perecimento da prova ou de sua fonte e este, também nos casos em que as partes possam vir a se conciliar ou mesmo para que possam formar um juízo sobre o potencial litigante da demanda. Revisão de Literatura O direito à prova pode ser extraído dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa (CAMBI, 2001, p. 103). Possui previsão expressa em tratados internacionais de direitos humanos, incorporados ao ordenamento pátrio com status de emenda constitucional, como, por exemplo, o Pacto de São José da Costa Rica. Pode-se, então, afirmar que o direito à prova revela-se como direito fundamental, uma vez que inerente ao exercício de garantias e direitos fundamentais. O direito fundamental à prova é, em regra, exercido dentro de um processo judicial e destina-se ao Estado-juiz, contribuindo para que este forme sua convicção acerca da relação material em conflito colocada pelas partes perante o Judiciário. Rossana Mergulhão (2010, p. 38), citando Frederico Marques explica que

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL [...] a prova constitui o meio e o modo de que usam os litigantes para convencer o juiz da verdade da afirmação de um fato – bem como o meio e o modo de que serve o juiz para firmar sua convicção sobre os fatos que constituem a base empírica da lide.

Há que se consignar que o vocábulo prova é polissêmico, podendo referir-se a atividade, isto é, conjunto de atos realizados pelo juiz e pelas partes, cuja finalidade é a reconstrução dos fatos alegados e que suportam as pretensões deduzidas em juízo; ou a meio, como prova que visa o convencimento do julgador sobre os fatos alegados; e, por último, prova como resultado, exteriorizando o êxito na valoração da prova pelo juiz (CAMBI, 2001, grifo nosso). Por sua vez, o conteúdo do direito fundamental à prova também é complexo e, de acordo com os ensinamentos de Fredie Didier (2012a), é composto por 4 situações jurídicas: (i) o direito de produzir prova; (ii) o direito de participar da produção da prova; (iii) o direito de se manifestar sobre a prova produzida; e (iv) o direito de ter a prova apreciada pelo Estado-juiz . E é a partir da situação jurídica consistente no direito de produzir prova que se afirma o seguinte, escorando-se no magistério de Fredie Didier (2012b) e no de Flávio Luiz Yarshell (2009): o direito de produção de prova tem autonomia suficiente para ser objeto de processo autônomo. Nesse sentido, há “quem defenda, corretamente, a possibilidade de uma ação probatória atípica, em que se busca a produção de uma prova, simplesmente, fora das hipóteses típicas” (DIDIER, 2012, p. 19, grifo do autor) previstas no Código de Processo Civil (procedimento cautelar, urgência ou impedimento de perecimento da prova ou de sua fonte) e quem afirme “[...] a existência de um direito autônomo à produção da prova, de forma não diretamente vinculada ao pleito de declaração do direito material e ao processo instaurado para essa finalidade” (YARSHELL, 2009, p. 310). Nesse esteio, vale dizer que o direito fundamental à prova ganha mais uma possibilidade de exercício, passando a abranger também, o pleito ao Estado-juiz cuja finalidade é, tão só, a obtenção de uma prova. E este raciocínio vai ao encontro do “princípio geral de prevenção” (YARSHELL, 2009, p. 252), extraído da garantia da ação e da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inciso XXXV, Constituição Federal) em consonância com a efetividade almejada em um processo. Reitera-se que o direito fundamental à prova autônomo visa, “[...] justamente propiciar elementos para que as partes possam avaliar suas chances e riscos, determinando sua conduta em relação a controvérsia” (YARSHELL, 2009, p. 254), o que pode evitar, por exemplo, o ajuizamento de uma ação (refletindo, portanto, uma função preventiva, dissuadindo o potencial litigante). Resultados e Discussão O atual CPC possui previsão de processos cautelares para a produção antecipada de provas, os quais se caracterizam pela pendência de propositura de ação principal e pela existência da situação de urgência. São eles: a Produção Antecipada de 554

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Provas (arts. 846 a 851), a Justificação (arts. 861 a 866) e a Exibição (arts. 844 e 845). Em verdade, alguns dos processos cautelares mencionados acima já versam sobre a possibilidade do exercício do direito à prova autônomo, sem o requisito da urgência. É o caso da Justificação que tem, como uma de suas finalidades, cf. o art. 861, in verbis, “justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contenciosos, seja para servir de prova em processo regular”. Humberto Theodoro Júnior afirma que, em relação a Exibição, existem três espécies e dentre elas, a 3) Ação autônoma ou principal de exibição, que Pontes de Miranda chama de “ação exibitória principaliter”, através da qual „o autor deduz em juízo a sua pretensão do direito material à exibição, sem aludir a processo anterior, presente ou futuro, que a ação de exibição suponha, a que se contactem ou que preveja. (2010, 589, grifo do autor).

Ou seja, também em relação ao processo cautelar de exibição haveria a possibilidade de se exercer o direito à prova autônomo. Por sua vez, e como foco, tem-se que o Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010 (Novo Código de Processo Civil), se promulgado com a atual redação, trará para o processo civil a possibilidade de admitir a produção antecipada de provas não só nas hipóteses típicas, mencionadas acima, mas também, naqueles casos em que a obtenção da prova possa viabilizar a conciliação entre as partes ou justificar/evitar o ajuizamento de uma demanda. Segue a provável nova redação do artigo 846, cujo conteúdo foi realocado para o art. 271, Título VII DAS PROVAS, Capítulo II DA PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS: Art. 271. A produção antecipada da prova, que poderá consistir em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame pericial, será admitida nos casos em que: I - haja fundado receio de que venha a tornar-se impossível ou muito difícil a verificação de certos fatos na pendência da ação; II - a prova a ser produzida seja suscetível de viabilizar a tentativa de conciliação; III - o prévio conhecimento dos fatos possa justificar ou evitar o ajuizamento de ação. Parágrafo único. O arrolamento de bens, quando tiver por finalidade apenas a realização de documentação e não a prática de atos de apreensão, observará o disposto neste Capítulo.

Vê-se, desse modo, que de acordo com a nova redação pretendida, a produção antecipada de provas (exercício do direito à prova autônomo), consistirá em interrogatório da parte, inquirição de testemunhas e exame pericial sem que se configure situação em possa haver perecimento do objeto ou fonte de prova, situação que venha a impossibilitar ou dificultar a verificação dos fatos ou, também, 555

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL nos casos em que possa contribuir para a solução amigável do conflito entre as partes ou mesmo para que as possam analisar o potencial litigante do conflito. Há que se consignar, por fim, que tais possibilidades de exercício do direito à prova autônomo visam estimular a solução não-imperativa e a autocomposição, também no sentido de proporcionar às partes esclarecimentos quantos aos fatos. Conclusão Em conclusão, observa-se que o exercício do direito à prova autônomo, direito fundamental, delineado à luz dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, revela-se basicamente como o direito de obtenção da prova, seja em um processo judicial em que se discute uma relação material e se almeja uma decisão, ou de forma autônoma, em um processo voltado somente para a produção da prova. O atual CPC possui procedimentos específicos de antecipação da produção de provas (incluindo justificação e exibição), a partir de processos cautelares e diante do requisito da urgência, em regra. Por sua vez, a redação do novo CPC, realoca as disposições sobre a obtenção das provas para o capítulo que trata somente das provas, passando as partes a terem a oportunidade de exercitar o direito à prova autônomo tanto nas hipóteses tradicionalmente previstas no atual CPC, mas também, para obterem a prova, passando até a serem destinatários dela, possibilitando que se conciliem ou mesmo que realizem juízo sobre o potencial litigante da demanda. Referências CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à prova no processo civil. Coleção temas atuais de direito processual civil. Coordenação Luiz Guilherme Marinoni. vol. 3. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001. DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. vol. 1. 14 ed. Salvador: Editora Juspodium, 2012. _______________. Curso de Direito Processual Civil, vol. 2. 7 ed. Salvador: Editora Juspodium, 2012. MERGULHÃO, Rossana Teresa Curioni. A produção da prova no direito processual – Os alcances e os limites do ativismo judicial. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. YARSHELL, Flávio Luiz. Antecipação da prova sem o requisito da urgência e direito autônomo à prova. São Paulo: Malheiros, 2009. BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 166, de 2010. Disponível em: Acesso em: 01 setembro 2012. 556

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO E ACESSO À JUSTIÇA INHIBITIVE APPEAL PRECEDENT AND ACCESS TO JUSTICE Marcos Antônio Striquer Soares; Universidade Estadual de londrina – UEL; [email protected]; Projeto de Pesquisa: Democracia, Direitos Fundamentais e Acesso à Justiça. Nathália Mariáh Mazzeo Sánchez; Universidade Estadual de Londrina – UEL; [email protected]; Projeto de Pesquisa: Democracia, Direitos Fundamentais e Acesso à Justiça. Resumo: Nas reformas do Código de Processo Civil, muitas delas pretenderam a facilitação do procedimento e a agilidade do processo. Tanto que, em 2004, uma emenda constitucional (n. 45) inclui dentre o rol de direitos e garantias fundamentais do art. 5º aquele relacionado à razoável duração do processo. Assim é que o § 1º do art. 518 do CPC, nessa mesma sistemática, pretendeu autorizar ao juiz de primeiro grau a recusa no recebimento do recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do STJ ou STF. A discussão que se coloca é a de se tal pretensão favorece ou diminui a garantia do acesso à justiça. Palavras-chave: acesso à justiça; súmula impeditiva de recurso; devido processo legal. Abstract: In the reform of the Civil Procedure Code, many modifications were intended to facilitate the procedure and make process faster. So much so that in 2004 a constitutional amendment (No. 45) includes among the list of fundamental rights and guarantees of Art. 5º, one related to the reasonable duration of the process. So is that § 1 of Art. 518 of the CPC, in this same system, intended to authorize the judge to refuse the receipt of appeals when the sentence is in line with precedents from Superior Court of Justice or Supreme Court. The discussion that arises is whether such claim favors or decreases ensuring access to justice. Keywords: access to justice; inhibitive appeal precedent; due process. Introdução Nos novos Estados constitucionais, em especial no pós-2ª Guerra Mundial, percebese uma mudança de paradigma no que toca à importância das Constituições no sistema jurídico das nações. Nesse diapasão, o direito processual coloca-se em papel de destaque. Isso porque, a despeito da necessidade de efetivação das pretensões constitucionais e dos direitos e garantias fundamentais, o procedimento pode se colocar como entrave ou como facilitador do direito material cuja prestação jurisdicional se pretende ver efetivada. Assim é que a doutrina tem se sustentado sobre a ideia de tutela jurisdicional adequada, ou seja, aquela que, mesmo após o ajuizamento da demanda e após a 557

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL prolação da sentença de mérito, seja capaz de eficazmente conceder às partes aquilo que lhes é de direito, especificamente. Sabe-se que a vida cotidiana é repleta de situações das mais diversas, nem todas previstas pelo ordenamento jurídico, nem no âmbito material e nem no processual. E mesmo quando as partes pretendem ver seu direito assegurado em juízo (efetividade da tutela jurisdicional), não se olvida que a previsibilidade dos comportamentos processuais lhes é matéria cara, por se tratar de segurança jurídica que lhes garante a justiça, tanto quanto possível, do caso concreto. Ocorre que, com a implementação de inúmeras modificações na lei processual civil desde a década de 1990, algumas restrições foram, sendo impostas ao jurisdicionado. Uma delas é a súmula impeditiva de recurso, vislumbrada no § 1º do art. 518 do Código de Processo Civil. Pretende-se, portanto, verificar em que medida a limitação promove ou dificulta o acesso à justiça. Revisão de Literatura Através dos estudos de Cappelletti e Garth (1988, p. 10) verifica-se que a pretensão de acesso à justiça teria sofrido uma mudança no decorrer da história mundial. Num primeiro momento, a ótica individualista e liberal dos séculos XVIII e XIX impunha uma concepção de direito de ação essencialmente ligado à ideia de possibilidade de propositura de uma ação em juízo ou de defesa quando atacado. Enquanto direito natural, o acesso à justiça era anterior mesmo ao Estado e, assim, independente deste. Ao ente estatal incumbia tão somente a tarefa de impedir quaisquer ameaças à referida garantia do cidadão (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 11). A ideia de acesso à justiça, portanto, consistia em uma autorização formal de acionar o Judiciário ou de ter sua defesa ouvida, sem quaisquer preocupações com a igualdade (material) das partes em juízo ou com a possibilidade de pagamento dos custos de um processo. Já com os movimentos socialistas dos séculos XIX e XX, a crítica à ideologia liberal e o aumento dos direitos sociais impõem uma transformação no que toca à concepção do direito de ação. Os novos direitos garantidos pelas Constituições – tais como direito ao trabalho, à saúde, à segurança e à educação – exigem uma ação positiva do Estado, mais do que negativa (quando a concepção liberal do processo e do direito material pretendia manter o Estado afastado do direito de liberdade e propriedade dos cidadãos). Nesse sentido, Cappelletti (1988, p. 11) afirma que o próprio conceito de acesso à justiça se modifica: Tornou-se lugar comum observar que a atuação positiva do Estado é necessária para assegurar o gozo de todos esses direitos sociais básicos. Não é surpreendente, portanto, que o direito ao acesso efetivo à justiça tenha ganho particular atenção na medida em que as reformas do welfare state têm procurado armar os indivíduos de novos direitos substantivos em sua qualidade de consumidores, locatários, empregados e, mesmo, cidadãos.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Na pretensão de superação do paradigma reducionista de igualdade formal, portanto, as Constituições modernas estatuem o conceito de acesso à justiça no âmbito material, o que impõe a ampliação da pesquisa com relação ao acesso à justiça, para considerar métodos de análise sociológicos, políticos, psicológicos e econômicos, por exemplo (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 14). Segundo Bedaque (1995, p. 56), em referência aos trabalhos dos autores retro citados, essas ondas renovatórias se deram em três etapas: a) a primeira relacionada à concessão de assistência judiciária aos menos favorecidos; b) a segunda afeta à representação jurídica de interesses metaindividuais; e c) a terceira relacionada ao “novo enfoque do acesso à justiça”, que pretende englobar as ondas anteriores e garantir a proteção ao direito das partes. A partir daí é que o direito de acesso à justiça tem sido relacionado como um dos mais fundamentais direitos individuais, haja vista que a “[...] titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.” (CAPPELLETTI; GARTH, p. 11). Diferentemente do que Cappelletti e Garth previram no âmbito dos sistemas judiciários europeu e norte-americano, no entanto, a preocupação com o tema na sistemática latino-americana não coincidiria com a terceira onda de acesso à justiça prevista por aqueles autores. Nesse sentido é que Junqueira (1996, p. 390) afirma que não houve no Brasil e nos países latino-americanos a expansão de um Estado Social que proclamava a efetividade de direitos e garantias individuais. Após muitos anos de ditaduras militares189 que sufocaram a participação jurídico-política da sociedade latina, a pretensão de acesso à justiça coadunava-se muito mais à expansão de direitos básicos a uma sociedade majoritariamente pobre e marginalizada do que ao reconhecimento de direitos advindos de lutas sociais históricas (JUNQUEIRA, 1996, p. 391). Assim é que a Emenda Constitucional n. 45/2004 inseriu no texto da Acarta Magna o princípio da razoável duração do processo (no art. 5º, LXXVIII) e, na mesma oportunidade, a obrigatoriedade de criação do Conselho Nacional de Justiça (no art. 92, I-A). Desde então o CNJ tem indicado aos tribunais a redução do prazo de julgamento doas ações, estabelecendo metas190 de julgamento de processos antigos e de manutenção dos autos em gabinete ou sem movimentação. Nessa tentativa de redução dos extensos prazos que sempre assolaram o Judiciário é que, em dezembro de 2004, foi firmado o “I Pacto de Estado em favor de um Judiciário mais rápido e republicano”, que consistia numa acordo entre as três funções do Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), em todas as esferas da Federação, para minimizar a problemática relacionada à duração dos processos. Naquela oportunidade, foram propostas inúmeras modificações na lei processual civil, tais como o processo eletrônico (PL 4726/2004), o julgamento de processos repetitivos (PL 4728/2004), a simplificação de procedimentos de inventário e separações para o âmbito extrajudicial (PL 4725/2004), a redução das possibilidades de propositura de agravo de instrumento (PL 4727/2004) e a uniformização de 189 190

A exemplo de Isabelita Perón na Argentina, Salvador Allende no Chile e João Goulart no Brasil. Para maiores explicações, acessar: .

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL decisões no STJ (PL 4723/2004). Além dessas propostas, foi indicada também a introdução da súmula impeditiva de recursos (PL 4724/2004), objeto deste estudo. 191 Este projeto pretendia autorizar aos juízes do primeiro grau o não recebimento do recurso de apelação quando a sentença estivesse em conformidade com matéria já sumulada no STF ou STJ. E foi o que se deu com a modificação do § 1º do art. 518 do Código de Processo Civil, modificado pela Lei nº 11.276 de 2006192. Resultados e Discussão A discussão que se coloca no caso seria a de se a referida limitação para propositura do recurso de apelação seria uma garantia ou um violação ao acesso à justiça. Veja-se que, para Cintra, Grinover e Dinamarco (2011, p. 25) o acesso à justiça não se resume à possibilidade de ver um conflito de interesses solucionado pelo Poder Jurisdicional: É necessário acentuar o conteúdo da ideia de acesso à Justiça que não há de significar simplesmente o acesso ao Poder Judiciário; não só porque também existe o direito à assistência pré-processual, mas também num sentido mais amplo: é que acesso à Justiça significa, e deve significar, não apenas o acesso aos tribunais, mas o acesso à um processo justo, o acesso ao devido processo legal, àquele conjunto de garantias tão importantes que fez com que Mauro Cappelletti dissesse constituir o mais importante dos direitos, na medida em que dele depende a viabilização dos demais direitos.

Nesse sentido, processo justo é também aquele que permite a solução dos conflitos em um prazo razoável de tempo. Conforme afirma Marinoni (2006, p. 540), quando há casos de matéria sumulada pelo STJ ou STF, “[...] a abertura de uma livre oportunidade para a interposição da apelação não só traria prejuízo ao direito fundamental à razoável duração do processo, como também ocasionaria um acúmulo despropositado de recursos e processos nos tribunais [...]”. Assim, a técnica processual toma lugar de assumida importância na manutenção do acesso à justiça. Outro problema que poderia ser mencionado seria o de se a referida limitação imporia ferimento ao princípio do duplo grau de jurisdição. No mesmo sentido, Marinoni (1998, p. 217) afirma que não, haja vista que:

191

A título de informação, veja-se que foi firmado, em abril/2009, o “II Pacto Republicano de Estado por um Sistema de Justiça mais Acessível, Ágil e Efetivo”, que priorizou a agilidade e efetivação da tutela jurisdicional, bem como a garantia do acesso universal à justiça. 192 Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994) o § 1 O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal. (Renumerado pela Lei nº 11.276, de 2006).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL [...] o aludido inciso do art. 5º [da Constituição Federal] garante os recursos inerentes ao contraditório, vale dizer o direito aos recursos previstos na legislação processual para um determinado caso concreto, ressalvando que, para certa hipótese, pode o legislador infraconstitucional deixar de prever a revisão do julgado por um órgão superior.

Ressalta-se, no entanto, que o dispositivo, em sua interpretação gramatical, não impõe a intimação da parte apelada antes da decisão de não recebimento do recurso pelo juiz. No entanto, tal concepção traria malefícios ao apelado nos casos de sentença parcialmente procedente, em que poderia haver o interesse de recurso adesivo, motivo pelo qual vem-se entendendo pela necessidade de intimação do apelado antes da decisão do juiz. Conclusões Conforme visto, um dos principais problemas do Judiciário hoje é a morosidade do processo. A modificação dessa realidade tem sido intentada por todas as esferas do poder, através de modificações constitucionais, infraconstitucionais (no Código de Processo Civil), bem como pela inserção de metas aos órgãos do Judiciário (através do CNJ). Nesse sentido, a garantia do acesso à justiça depende em grande parte não só de um processo que forneça a adequada resposta ao problemas das partes, mas também de um processo justo, que só se verifica se a tutela é entregue no tempo adequado. E as modificações realizadas no CPC, nesse sentido, são bastante positivas. Como é também positiva a restrição imposta pelo § 1º do art. 518 do CPC, quando limita a interposição do recurso de apelação. Isso porque, conforme analisado, o duplo grau de jurisdição não constitui em si uma garantia intransponível. Desde que garantidos o devido processo legal e o direito das partes de comunicarem-se com o magistrado, então garantido está o acesso à justiça. Acesso esse que compõem-se, vale lembrar, também do fortalecimento das defensorias públicas e de assistência integral aos necessitados, de procedimentos de tutela coletiva que sejam capazes de racionalizar o processo e o julgamento de conflitos de massa, bem como da alteração e ampliação do aparato jurisdicional, com novas varas e subseções judiciárias, fortalecendo os juizados especiais e a solução pacífica dos conflitos. Referências CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 1988. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. São Paulo: Malheiros, 1995. JUNQUEIRA, Eliane Botelho. Acesso à justiça: um olhar retrospectivo. Revista Estudos Históricos, Brasil, 9, dez. 1996. Disponível em: . Acesso em: 30 ago 2012. MARINONI, Luiz Guilherme. Manual do processo de conhecimento / Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006. ______. Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença. 2 ed. São Paulo: RT, 1998.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL UMA ANÁLISE DO CASE MANAGEMENT NAS CORTES FEDERAIS AMERICANAS AN ANALYSIS OF CASE MANAGEMENT IN THE AMERICAN FEDERAL COURTS Marcos Antônio Striquer Soares, UEL, [email protected] Rafael de Souza Borelli, UEL, [email protected] Resumo: Recentemente passou a questionar-se a necessidade da reaproximação do direito material com o processo, com fito de uma individualização e desasbtratização da prestação jurisdicional. Indo nesta linha da individualização da prestação jurisdicional é de se salientar importante técnica, que é a da flexibilização procedimental, a qual permite ao Juiz, caso haja déficit procedimental referente àquele caso concreto, que faça a adequação do procedimento legal para que seja satisfatório para o desenrolar daquele litígio. No Brasil ainda nao há previsão legal, contudo existe dispositivo no Anteprojeto de Código de Processo Civil, em discussão no Senado Federal. Neste norte, após análise da gestão de procedimentos nas Federal Courts estadunidenses, percebeu-se que a previsão de flexibilização em nosso Anteprojeto é ainda demasiado tímida, mostrando-se necessária rediscussão da matéria, tanto pela doutrina, como pelo Legislativo. Palavras-chave: flexibilização procedimental; anteprojeto de Código de Processo Civil.

cortes

federais

americanas;

Abstract: Recently, the process doctrine began questioning the need for aproximation of material right and process. In this light a new technique, aimed at the individualization of process has emerge Some of these techniques are the granting of probatory power to the Magistrate and Case Management. In brazilian process there isn‟t (yet) a legal rule for case management, although in the Civil Procedure Project there is a rule that allows for it. In this light, by analyzing the Case Management in the american Federal Courts, this work noted that the Civil Procedure Project is too shy, showing a need for a rediscussion of this matter. Keywords:; case management; American Federal Courts; Brazilian Civil Procedure Project. INTRODUÇÃO O presente trabalho buscará, de maneira não exauriente, analisar a questão da flexibilização procedimental (case management) nas Cortes Federais Americanas e sua possível aplicação no Brasil. Esta discussão exsurge da reaproximação do direito material com o processo e suas implicações, as quais incluem a concessão de poderes instrutório ao juízes e principalmente a possibilidade de flexibilização procedimental. Em especial no que tange à flexibilização procedimental, far-se-á estudo de direito comparado (Cortes Federais dos EUA) para que se visualizem 563

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL potenciais melhorias em nosso (futuro) sistema processual previsto no Anteprojeto de Código de Processo Civil. REVISÃO DE LITERATURA Luiz Guilherme Marinoni aponta como intuitiva a noção de que a ação não se confunde com o direito material. O autor aduz que atualmente qualquer leigo tem a ideia de que propor uma ação não significa ter o direito que através dela se busca (MARINONI, 2011, p. 180). Contudo, como o próprio Marinoni assevera, a concepção dominante do direito de ação193 é insuficiente para a atual concepção do direito de ação como direito fundamental e do processo como instrumento do direito material. O processualista salienta que as normas processuais por sua natureza instrumental, não podem se desligar do caso concreto e devem ser lidas à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (MARINONI, 2011, p. 290-295). Não é diferente a posição de Bedaque. O autor entende que todos os fenômenos inerentes ao processo devem ser concebidos em função do direito material, com a técnica processual adequando-se a seu objeto (os fatos jurídicos). Ele afirma que a reaproximação do direito material com o processo não tem como condão eliminar o binômio direito-processo, e sim estabelecer o íntimo nexo entre ambos os institutos (BEDAQUE, 2003, p. 24). Seguindo este raciocínio, tem-se que para o correto desenvolvimento da ciência processual é necessário que se conceba o processo como um instrumento adequado a seu escopo de pacificação social. Enquadra-se nesta nova concepção individualizada do direito de ação a ideia da flexibilização procedimental. O procedimento é o processo em sua dinâmica, o modo pelo qual os diversos atos se relacionam na série constitutiva do processo, representando o modo do processo atuar em juízo (seu movimento), diferenciando-se do processo, ontologicamente, sendo que o processo civil seria mais do que apenas o procedimento (Gajardoni, 2011). Gajardoni (2011) exemplifica a diferença entre processo e procedimento: Neste grupo [normas procedimentais] estão as normas que ordenam a prática dos atos processuais nos feitos de rito comum (ordinário e sumário) e especiais; as que disciplinam a seqüência dos atos a serem praticados pelo juiz na audiência preliminar (art. 331 do CPC); a ordem de produção de provas em audiência (art. 452 do CPC); a ordem dos processos nos tribunais (artigos 547 a 556 do CPC). Mas além destas, também serão normas procedimentais as que dão forma aos institutos regulados nas normas processuais, que como tal não podem ficar sem alma, sem procedimento para sua realização prática (normas acidentalmente procedimentais). 193

Usualmente cita-se a como dominante a concepção de direito de ação de Cintra, Grinover e Dinamarco (2011, p. 277): “situação jurídica que desfruta o autor perante o Estado, seja ela um direito (direito público) ou um poder. Entre os direitos públicos subjetivos, caracteriza-se mais especificamente como direito cívico, por ter como objeto uma prestação positiva por parte do Estado (obrigação de dare, facere, praestare): a facultas agendi do indivíduo é substituída pela facultas exigendi.”

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Nesta linha, o nosso atual sistema processual é um modelo procedimental rígido, temperado por modelos flexíveis. A rigidez advém das normas específicas previstas no rito sumário e ordinário (Livro I do CPC) e o temperamento advém dos chamados „procedimentos especiais‟ (livro IV do Código). Wambier e Medina (2009, p. 54) apontam que este sistema rígido mitigado deveria abarcar parte expressiva das demandas submetidas ao Judiciário, contudo, em muitos casos, à situação de direito material não corresponde nenhum procedimento adequado. Ou seja, ocorre um „déficit procedimental‟. Nestes casos, o procedimento adequado deverá ser modelado pelo Magistrado, de acordo com os parâmetros oferecidos pelas partes (direito material apresentado) (WAMBIER E MEDINA, 2009, p. 55). Com o Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil da Comissão de Juristas, a esperança acerca do tema da flexibilização procedimental se renovou, vez que há previsão expressa nos artigos 107, V e 151, § 1º. Os artigos têm a seguinte redação: Art. 107. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: V – adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa; Art. 151. Os atos e os termos processuais não dependem de forma determinada, senão quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial. § 1º Quando o procedimento ou os atos a serem realizados se revelarem inadequados às peculiaridades da causa, deverá o juiz, ouvidas as partes e observados o contraditório e a ampla defesa, promover o necessário ajuste.

Analisando os dispositivos, não se vê neles nenhuma marca de particularidade ou adequação específica ao caso concreto, senão a fixação de parâmetros mínimos, abstratos e gerais, nos termos do artigo 24, § 1º da Constituição da República (TAVARES, 2011). Ou seja, a criação dos novos parâmetros procedimentais dependerá muito da participação do próprio Magistrado. Gajardoni (2008), pontuou que para justificação da flexibilização procedimental deveria estar presente a finalidade da medida, fosse pela hipossuficiência de uma das partes, fosse pela falta de tutela adequada (déficit procedimental), a motivação da mudança procedimental e o contraditório, com a ouvida pelo Juiz de ambas as partes, numa visão colaborativa do procedimento194. Trícia Cabral (2010), apoiada em Gajardoni, aponta que algumas das possibilidades do Magistrado na flexibilização procedimental seriam: a) a inversão da ordem de produção de provas; b) a fungibilidade procedimental; c) a fungibilidade entre ritos e demandas; d) a fungibilidade entre defesas; e) a fungibilidade entre procedimentos liquidatórios; f) a fungibilidade entre as cautelares típicas e atípicas; g) a utilização de procedimento diverso do legal e abstratamente previsto; h) a flexibilização judicial dos prazos; i) a flexibilização das regras sobre preclusão. 194

A respeito do dever de colaboração no processo civil, ver MITIDIERO, 2009.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Contudo, percebe-se que apesar da boa doutrina de Cabral e Gajardoni não há no Anteprojeto disposições suficientes para uma aplicação da flexibilização procedimental nos moldes por eles preconizados. RESULTADOS E DISCUSSÃO Nos EUA (em razão de seu federalismo por agregação195) os Estados têm autonomia para estabelecerem suas normas processuais, motivo pelo qual é de relevo o estudo das normas processuais federais, por seu maior alcance. Nas Cortes Federais (District Federal Courts) a principal fonte de direito processual são as Federal Rules of Civil Procedure (FRCP). Criadas nos anos 1970, as FRCP tiveram como objetivo a individualização da condução dos processos judiciais, através do judicial case management (JCM). O JCM atua de duas formas: busca de solução do conflito pelos meios alternativos de resolução de controvérsias; flexibilização judicial do procedimento, permitindo ao juiz estipular etapas de desenvolvimento da demanda. Nas FRCP existe previsão de duas audiências pre-trial (pré-julgamento). Aqui iremos analisar a chamada audiência do artigo 16 (rule 16). Segundo Hirsch e Schwarzer (1991), o ponto-chave da audiência do artigo 16 é que o “judicial officer take charge early on and, together with the lawyers, establish a program appropriate for its just, speedy and inexpensive resolution.”196 Um dos aspectos do JCM nas Cortes Federais americanas é a apresentação de um resumo prévio do caso pelas partes (individualmente), além de um agendamento conjunto dos atos processuais a serem realizados. Hirsch e Schwarzer (1991) sustentam que este procedimento elimina diversas vezes casos com pouca sustentação (tanto do autor como do réu), além de „forçar‟ os advogados a um acordo (agreement), já que as posições ficam bem delineadas desde o início. A audiência do artigo 16 também evita problemas futuros no que diz respeito à competência, vez que o juiz já pode notar, desde esse momento, caso seja incompetente. Depois de estabelecimento da competência, a audiência do artigo 16 tem como um de seus fins primevos a identificação das questões principais, descomplicando casos os quais inicialmente pareciam complexos. Neste ponto, o juiz deve questionar, de maneira vigorosa, as partes, para entender realmente quais os pontos-chave do caso, que nas petições podem passar despercebidos, em meio à verborragia típica do Direito (HIRSCH E SCHWARZER, 1991). Outrossim, deve o Magistrado proceder de maneira a verificar o que, exatamente, o autor busca (indenização por danos, etc). Isto ajuda a verificar o que está em jogo no litígio (questões patrimoniais ou extrapatrimoniais), reduzindo o que pode ser

195

Para maiores aprofundamentos acerca de Estado Federal e federalismo, ver DALLARI, 1986, passim. 196 Em tradução livre: O objetivo é que o magistrado tome o controle do caso rapidamente, e juntamente com os advogados, estabeleça um procedimento justo, veloz e barato de solução da controvérsia.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL entregue à outra parte no discovery197. Neste ponto, o juiz pode ordenar que as partes entreguem documentos mais bem especificados, diminuindo a duração da demanda (HIRSCH E SCHWARZER, 1991). Também durante a audiência do artigo 16 o Magistrado deve estabelecer uma agenda para o caso, com estabelecimento de prazos para o discovery, ouvida de testemunhas, etc. Schwarzer e Hirsch (1991) salientam que a mantença firme dos prazos estabelecidos é uma maneira efetiva de solucionar os litígios civis. Por fim, o juiz deve sermpre abordar na audiência a possibilidade de solução por acordo198. Neste norte, verifica-se que uma adoção, no sistema brasileiro, de um JCM seria uma grande evolução em relação ao proposto Anteprojeto. O JCM do artigo 16 das FRCP demonstra um juiz apegado ao caso desde o início, que rejeita sumariamente demandas manifestamente improcedentes (e aceita as demandas com defesas manifestamente improcedentes), que estabelece os pontos controvertidos antes do início da demanda, com auxílio das partes, etc. CONCLUSÃO Este estudo demonstrou que as intentadas mudanças legislativas (Anteprojeto de Código de Processo Civil) referentes à flexibilização procedimental mostraram-se demasiado tímidas e genéricas, motivo pelo qual é visto como necessário um reestudo e uma rediscussão da matéria pela doutrina e pelo legislador. Isto fica muito nítido pela diferença de aprofundamento dada ao case management nas cortes federais estadunidenses e a timidez do legislador brasileiro ao tratar do tema. No caso da FRCP (como explanado no trabalho) existe todo um roteiro para o Magistrado gerenciar o processo, de modo a evitar discussões inúteis, produção de provas inúteis, entre outros problemas que afligem a jurisdição brasileira. Mostra-se, portanto, que a adoção de um sistema de gerenciamento de procedimentos no Anteprojeto de Código de Processo Civil, nos moldes da FRCP seria extremamente salutar e um salto evolutivo em relação ao atual tratamento da matéria. REFERÊNCIAS BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. A influência do direito material sobre o processo. 3. ed. São Paulo, Malheiros, 2003. CABRAL, Trícia Navarro Xavier. Flexibilização procedimental. Revista eletrônica de direito processual, v. 6, p. 135-164, 2010.

197

Um problema no discovery americano, é a „inundação de documentos‟, onde uma parte que possui documentação favorável a outra acaba entregando milhares de documentos relacionados ao caso, dificultando o encontro do documento relevante, atrasando e/ou dificultando a solução da controvérsia de maneira justa e adequada. 198 Salienta-se que a solução por acordo (settlement) é muito mais comum nos EUA, devido à inexistência de justiça gratuita e honorários de sucumbência (cfr. CAPPELLETTI E GARTH, 2002, passim).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. DALLARI, Dalmo de Abreu. O Estado Federal. São Paulo: Ática, 1986 GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A competência constitucional dos Estados e matéria de procedimento (art. 24, XI, da CF): ponto de partida par releitura de alguns problemas do processo civil em tempos de novo CPC. Revista eletrônica de direito processual, v. 7, p. 3, 2011. _______. A flexibilização do procedimento processual no âmbito da common law. Revista de Processo, v. 163, p. 161-178, 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de processo civil. Teoria geral do processo. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. v. 1. MEDINA, José Miguel Garcia; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Processo civil moderno. Parte geral e processo de conhecimento. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. v. 1. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil - Pressupostos Sociais, Lógicos e Éticos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. TAVARES, Luis Marcelo Cabral. Perspectivas da flexibilização procedimental na experiência brasileira em face do Substitutivo do Senador Valter Pereira ao Projeto de Lei no Senado n. 166, de 2010. Revista eletrônica de direito processual, v. 7, p. 136-157, 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A IMPRESCINDIBILIDADE DE UMA NOVA CULTURA JUDICIÁRIA: REVISANDO PARADIGMAS THE INDISPENSABILITY A NEW CULTURE OF JUDICIAL: REVIEWING PARADIGMS Mayna Marchiori de Moraes - mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, [email protected] Rodrigo Marchiori de Moraes - graduando em Direito pela Universidade Norte do Paraná – UNOPAR, [email protected] RESUMO: A mera possibilidade de acesso à justiça disponível aos indivíduos, não significa, por si só, garantia aos preceitos fundamentais que embasam o ordenamento jurídico contemporâneo. Atualmente, a visão de acesso à justiça reside em uma ordem jurídica justa, a qual proporciona a sociedade o uso de ferramentas para efetivação do direito, produzindo resultados que sejam socialmente úteis, dentro de uma temporalidade considerada adequada. Ocorre que, a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado Democrático de Direito em tempo razoável e observado os princípios constitucionais previstos na Carta Magna tem se mostrado, muitas vezes, um ideal de justiça inalcançável. Como forma de auxílio ao Poder Judiciário, a implementação de técnicas extrajudiciais de resolução de conflitos, concomitantemente com mudanças de paradigmas arraigados na cultura da litigiosidade, tornam-se fortes mecanismos ao combate da morosidade e, principalmente, na criação de uma cultura mais intensa voltada à pacificação social. A opção da sociedade de valer-se dessas formas não-adversariais de solução de conflitos é o caminho para a construção de uma convivência mais harmônica, em prol do bem comum. PALAVRAS-CHAVE: acesso à ordem jurídica justa; meios extrajudiciais de resolução de conflitos; Estado Democrático de Direito; revisão paradigmas; crise da justiça. ABSTRACT: The mere possibility of redress available to individuals, not mean, by itself, guarantee the fundamental precepts that underlie the contemporary legal system. Currently, the vision of access to justice lies in a just legal order, which gives the company the use of tools for realization of the right, producing results that are socially useful, within a temporality considered adequate. It turns out that the provision of judicial review by the democratic rule of law within a reasonable time and subject to the constitutional principles laid down in the Constitution has proved, often an unattainable ideal of justice. To assist the Judiciary, the implementation of techniques extrajudicial dispute resolution, concomitantly with changes in paradigms rooted in the culture of litigiousness, become stronger mechanisms to combat the slowness and especially in creating a culture focused more intense the social pacification. The option of the company worth up these non-adversarial forms of dispute resolution is the path to building a more harmonious coexistence in favor of the common good. 569

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL KEYWORDS: access to fair legal system, non-judicial means of dispute resolution; democratic state, revising paradigms; crisis of justice. INTRODUÇÃO A constante evolução e globalização da sociedade, traço permanente dos tempos hodiernos, trouxeram inúmeras consequências à coletividade, umas favoráveis, outras, no entanto, desfavoráveis. Uma destas, prejudiciais ao Estado Democrático de Direito, eclodiu na fragilidade criada dentro dos sistemas integrantes do Estado, de forma precípua no Judiciário, por sua inquestionável influência e terminante aumento nas insatisfações face aos conflitos multidisciplinares. Assim, atualmente, um dos males que afeta de forma severa a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva aos indivíduos é a morosidade do sistema jurídico brasileiro. O crescimento proporcional existente entre a insuficiência da estrutura organizacional do sistema e o número excessivo de demandas, tem se acentuado drasticamente com o passar dos anos, motivo que leva a doutrina processual contemporânea a se preocupar com a questão da temporalidade do processo. Não são poucas as questões que persistem e carecem de desmistificação, tais como: as vias que se traduzem em um processo pleno e efetivo, as garantias para que a celeridade na tramitação do processo judicial possa perdurar, dentre outras. Para que a efetividade prevaleça, faz-se imperativa uma mudança de postura dos cientistas e operadores do direito, bem como, uma nova leitura em alguns institutos do processo civil, com o fito de possibilitar que instrumentos complementares sejam postos em prática, solucionando os conflitos de interesses inter partes. O Conselho Nacional de Justiça desenvolveu a Política Nacional de Conciliação no Judiciário, por meio da Resolução nº 125, que busca incentivar à pacificação social entre as próprias partes envolvidas e contribuir para a tão ansiada efetividade na tutela jurisdicional prestada pelo Estado Democrático de Direito, através do desenvolvimento de núcleos e centrais de conciliação em todo o país. Da mesma forma encontra-se, quando da leitura do Projeto de Lei nº 166/2010 (Projeto do novo Código de Processo Civil), mecanismos que visam pôr em prática a conciliação e a mediação como formas de resolução de conflitos. Emerge assim, um compromisso para cientistas e operadores do direito, traduzindose na necessidade de estudar, de maneira teórica e prática, a valoração na utilização de meios não adversariais na solução de conflitos e seus respectivos resultados. Destarte, necessário que a disseminação de tais meios na cultura nacional progrida, para o fim de resguardar as normas e princípios constitucionais que servem de referência ao ordenamento jurídico e buscando, sempre, a efetivação dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal. REVISÃO DE LITERATURA O conflito é inerente a toda e qualquer civilização, devido as diferentes cargas axiológicas existentes em cada indivíduo ou mesmo, por meio de aspiração coletiva. E foi por meio das civilizações e de uma percepção do que viria a ser o Estado 570

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Democrático de Direito que despontou o acesso à justiça mediante a figura de um pretor, legalmente investido em suas atribuições, como alguém capacitado a solucionar o conflito de interesses em substituição às partes. Dos mais importantes e variados princípios, é no acesso à justiça – o qual se traduz na garantia de um sistema jurídico que além do dever/ser igualmente acessível a todos, tem a responsabilidade de produzir resultados justos, assim entendidos como substancialmente eficazes – que se encontra a base para um dos maiores, senão o maior desafio deixado, por tempo demais, à margem do sistema jurídico pátrio: não se trata apenas de possibilitar o acesso à justiça enquanto instituição estatal, mas sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica plena, de justiça e eficácia. “Proporcionar o acesso à justiça é, em primeiro lugar, demonstrar aos jurisdicionados que o Estado tem condições de lhes fornecer uma resposta justa, em espaço de tempo razoável, motivando-os a buscar a solução do conflito por meio do Poder Judiciário”. (KLIPPEL, 2008, p. 58). Essa máxima se dá, pois, conforme leciona Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 108) “o processo vale pelos resultados que produz na vida das pessoas ou grupos, em relação a outras ou aos bens da vida”. Entretanto, ao contrário do ideal pontuado por Dinamarco, a máquina judiciária brasileira encontra-se em situação tal que, torna-se tarefa hercúlea atender a todos de maneira justa e eficaz, sendo que as reivindicações atuais da população, no campo de ação do judiciário, transmitem a insatisfação pelo retardamento na prestação da tutela jurisdicional, ante a sobrecarga excessiva de processos que gera a crise de desempenho e a perda de credibilidade na estrutura organizacional de nosso sistema. (GRINOVER, 2008, p. 22). RESULTADOS E DISCUSSÃO Em razão do descumprimento da efetividade e da celeridade pelo Poder Judiciário na prestação da tutela jurisdicional, ressurge na sociedade contemporânea, o interesse do sistema pelo uso das vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo e encurtá-lo, conquanto não o excluam necessariamente. (GRINOVER, 2008, p. 23). Sobre as vias alternativas e sua correlação com o sistema jurídico, Kazuo Watanabe (2011, p. 383) assegura: O princípio de acesso à justiça, inscrito no n. XXXV do art. 5º, da Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. [...] Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-Ia cabe-lhe organizar não apenas os serviços processuais como também, e com grande ênfase, os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação. 571

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

Na conciliação as partes entregam a um terceiro – o conciliador – o ônus de aproximá-las e orientá-las na constituição de um acordo; é um meio de decisão de conflitos em que se busca um conciliador para que este possa, intervindo no mérito da questão, posto que possui autoridade e conhecimento para administrar o litígio, adequar os interesses das partes, de modo a garantir um acordo mais próximo de suas pretensões. Além de pacificar, a conciliação persegue os objetivos de criar uma nova mentalidade, voltada à pacificação social, diminuindo o tempo de duração do litígio, viabilizando a solução por procedimentos informais e simplificados e reduzindo o número de processos existentes no Poder Judiciário. (NALINI, 2008). A mediação, por sua vez, também é uma técnica de autocomposição de conflitos, onde um terceiro imparcial auxilia as partes, denominado mediador. Entretanto, este nada sugere, apenas auxilia as partes na busca de uma solução. (BUITONI, 2006). O mediador ajuda as partes a resolverem o conflito, aliviando as pressões irracionais que elas estão sofrendo, para que possam compreender melhor as reais circunstâncias do problema, possibilitando, dessa forma, uma análise equilibrada dos fatos. (NALINI, 2008). O objetivo da implementação mais assídua destas técnicas é tornar a sociedade capacitada a enfrentar suas controvérsias de modo menos conflituoso, através da autonomia da vontade e da democracia, para que as partes cooperem com o sistema e, concomitantemente, satisfaçam seus anseios, alcançando a paz social. Esta é a razão pela qual, com foco na instrumentalidade e no cumprimento dos objetivos sociais do processo, os legisladores do Código de Processo Civil projetado deram especial ênfase a mediação e a conciliação, enfatizando a imprescindibilidade de magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público estimularem estas formas de solução pacífica de conflitos (artigo 145), destinando uma Seção inteira a esses institutos (seção V artigos 134 a 144). Já no artigo 107 do recente projeto, consta a lista de deveres que o juiz deve observar quando da condução do processo e, em seu inciso IV, dispõe que o magistrado deve esforçarse por, “prioritariamente e a qualquer tempo, compor amigavelmente as partes, preferencialmente com auxílio de conciliação e mediadores judiciais”. É sob essa perspectiva que o projeto do novo Código de Processo Civil incentiva o uso das técnicas alternativas de solução de conflitos, como meios de pacificação social, escopo da jurisdição, com a possibilidade de, simultaneamente, satisfazer às necessidades da sociedade resolvendo-lhes as pendências e ainda, desobstruir o sistema, permitindo que este possa se dedicar, efetivamente, aos litígios que envolvam interesses públicos, direitos indisponíveis ou ainda, causas com grau de complexidade elevado. Trata-se, pois, de buscar “a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam a autocomposição.” (GRINOVER, 2008, p. 23). Ocorre que, um dos principais entraves na implementação das técnicas conciliativas “continua a ser a cultura retrógrada. Muitos dos integrantes do Judiciário não confiam nas alternativas à justiça processualizada convencional. Por isso ainda não se leva totalmente a sério a urgência da conciliação.” (NALINI, 2008). A sociedade 572

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL jurídica ainda venera “a litigiosidade, a partir de uma concepção puramente formal dos mecanismos da ampla defesa e da própria atividade jurisdicional.” (FERRAZ, 2006). Acerca da necessidade de mudanças de paradigmas, Kazuo Watanabe (apud VASCONCELLOS, 2011) assevera: É claro que a redução dos processos judiciais é muito importante, mas ela é uma consequência da pacificação das partes conflitantes. Com essa pacificação, abre-se o caminho para a conciliação e para uma mudança de consciência da sociedade sobre como solucionar os seus conflitos de maneira pacífica. [...] Outro benefício trazido pela resolução é que, com ela, a busca conciliação passou a ser uma obrigatoriedade dentro do Judiciário brasileiro, não mais uma opção.

Dentro desse contexto é que um movimento favorável à política pública da conciliação pode oferecer uma nova visão para o Judiciário e uma nova mentalidade voltada à paz social. Em prol disso, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 125, instituiu a Política Judiciária Nacional de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesses que visa tornar efetivo o princípio constitucional do acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, Constituição Federal) como acesso à ordem jurídica justa. Kazuo Watanabe (2011, p. 389-390) defende que: Desde que seja adequadamente implementada a Resolução, certamente assistiremos a uma transformação revolucionária, em termos de natureza, qualidade e quantidade dos serviços judiciários, com o estabelecimento de filtro importante da litigiosidade, com o atendimento mais facilitado dos jurisdicionados em seus problemas jurídicos e conflitos de interesses e com o maior índice de pacificação das partes em conflito, e não apenas solução dos conflitos, isso tudo se traduzindo em redução da carga de serviços do nosso Judiciário, que é sabidamente excessiva e em maior celeridade das prestações jurisdicionais.

José Renato Nalini (2008), desembargador do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, afirma que essas máximas divulgadas carecem de maior consentimento da sociedade. O modo mais proveitoso de ganhar uma briga é antes de ela começar, por isso a expressão da campanha “Conciliar é legal” torna-se bastante oportuna. É imprescindível mostrar aos milhares de estudantes de direito que não é possível imaginar um juiz em cada esquina para resolver toda espécie de problemas. Além da inviabilidade econômica, há uma incoerência ética nesse caminho. Com o objetivo de implementar a cultura e atendendo à Resolução nº 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), realiza mutirões de conciliação periodicamente. Segundo o desembargador Valter Ressel, coordenador do Centro de Conciliação do TJPR, o programa é um sucesso. O índice se acordos realizados chegou a 67% no dia 19 de março de 2012, 573

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL segunda-feira. Já na terça-feira, dia 20, o aproveitamento foi de 82,61%. (RESSEL, 2012). O presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso (apud CAVALCANTI; VASCONCELLOS, 2011), afirmou que as formas extrajudiciais de resolução de conflitos são as melhores ferramentas para se reduzir o grande volume de processos judiciais em tramitação, que “ameaça o eficaz funcionamento da Justiça e compromete a confiança da população no Judiciário”. Torna-se imperativo assimilar “a idéia de que conciliar é tarefa tão ou mais essencial e nobre que dirigir processos ou proferir sentenças.” (PELUSO, apud CAVALCANTI; VASCONCELLOS, 2011). “O trabalho realizado pelo CNJ será marcado por representar um momento histórico que está “mudando a face do Judiciário brasileiro”, sobretudo em relação à nova cultura de conciliação.” (BRAGA, apud CAVALCANTI, 2011). A consequência disto será a recuperação do prestígio e respeito do Poder Judiciário brasileiro. “E assistiremos, com toda a certeza, à profunda transformação do nosso país, que substituirá a atual “cultura da sentença" pela "cultura da pacificação", disso nascendo, como produto de suma relevância, a maior coesão social.” (WATANABE, 2011, p. 390). CONCLUSÃO O movimento em prol de um sistema judicial amplo, por meio da introdução de variados programas para equacionar as disputas por meios de métodos alternativos de pacificação social ocorre, com maior frequência, nos tempos atuais em razão da ineficiência da máquina judiciária. A procura por novos meios de resolução de conflitos atende, antes de tudo, um impulso democrático, caracterizado pela necessidade em propiciar efetividade aos direitos fundamentais, permitindo assim que a sociedade utilize-se de um aparato administrativo mais célere e menos burocrático. No que concerne à utilização de meios extrajudiciais, os próprios envolvidos serão responsáveis pelos acordos que assumem, visto que tais acordos serão firmados diretamente por eles, no intuito de extinguir quaisquer celeumas. A solução conciliada é livre, oriunda da manifestação da vontade dos indivíduos, gerando, assim, incentivo a uma mentalidade mais madura e serena, refletindo, sem dúvida, em reavaliações sobre desentendimentos futuros e de forma geral, na sociedade. O impulso dado pelo projeto do novo Código de Processo Civil, o uso das técnicas extrajudiciais e a iniciativa do Conselho Nacional de Justiça, ao lançar o programa em prol da conciliação estimulam e orientam os indivíduos, empresas privadas bem como a comunidade jurídica de uma forma em geral a romperem com paradigmas e, via de consequência, tornarem-se adeptos de uma política judiciária nacional de conciliação e mediação. Entretanto, o maior óbice à implementação dessa técnica continua a ser a cultura retrógrada da litigiosidade, pois muitos dos integrantes do Judiciário não confiam nas vias alternativas à justiça processualizada convencional. Torna-se imprescindível, portanto, convocar o cidadão à uma nova mentalidade, voltada à paz social, com o fito de elidir a ideia dessa litigiosidade exasperada que presenciamos. Para tanto, necessário que alguns paradigmas culturais sejam derrubados, em prol da 574

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pacificação social, para que o dogma da utilização desenfreada da atividade substitutiva do Poder Judiciário seja amenizado, substituindo a intervenção estatal pela promoção efetiva de meios não adversariais de resolução de conflitos. Dessa forma, abrandar-se-á o manejo desenfreado da atividade substitutiva do Poder Judiciário, dando margem a uma nova cultura acerca da promoção da solução de conflitos por meios autocompositivos, que são instrumentos efetivos na pacificação social. REFERÊNCIAS BUITONI, Ademir. A ilusão do normativismo e a mediação. Revista do Advogado, São Paulo, n. 87, p.109 114, 2006. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Arbitragem – Alguns Aspectos do Processo e do Procedimento na Lei nº 9307/96. São Paulo: Editora LED, 2000. CAVALCANTI, Hilda. Política de conciliação é resultado de trabalho no CNJ, segundo conselheiros. 2011. Disponível em: . Acesso em: 23 de fevereiro de 2012. ________________; VASCONCELLOS, Jorge. Peluso defende inclusão da conciliação à rotina dos juízes. 2011. Disponível em: . Acesso em: 23 de fevereiro de 2012. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. Rev. e Atual. São Paulo: Malheiros, 2004. FERRAZ, Taís Schilling. A conciliação e sua efetividade na solução dos conflitos. 2006. Disponível em: . Acesso em: 23 de fevereiro de 2012. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista Nacional de Magistratura, Brasília, v. 2. n. 5. p. 22-27. abr. 2008. KLIPPEL, Bruno Ávila Guedes. Os meios de impugnação às decisões judiciais e o processo justo. Revista de Processo, ano 33, n. 155, p. 58. Jan. 2008. NALINI, José Renato. Conciliar é a solução. 2008. Disponível em: . Acesso em: 20 de maio de 2012. RESSEL, Valter. TJ aposta na conciliação para a solução de conflitos. 2012. Disponível em: . Acesso em: 24 de março de 2012. 575

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Revista de Processo (RePro), São Paulo, ano 136, v. 195, p. 381-390, maio 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL PROCESSO CIVIL DE RESULTADOS: DIALÉTICA VALORATIVA CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL RESULTS OF CIVIL PROCEDURE: CONSTITUTIONAL AND DIALECTICS EVALUATIVE CIVIL PROCEDURE Mayna Marchiori de Moraes, mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL, [email protected] Rozane da Rosa Cachapuz, doutora em Direito Internacional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, [email protected] RESUMO: O Estado Democrático de Direito garante aos indivíduos a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, pautada nos princípios arraigados na Constituição Federal, com vistas ao processo civil de resultados. Entretanto, hodiernamente, a demora na entrega do bem da vida perquirido pelos interessados continua a ser um dos males contemporâneos do processo civil, o que acaba por descredibilizar o sistema jurídico pátrio. Uma das formas de auxiliar a presteza na solução dos conflitos levados ao Poder Judiciário é a equalização das normas à evolução da sociedade de forma global. Em razão disso, tramita nas Casas Legislativas o Projeto do novo Código de Processo Civil, que almeja a efetivação das garantias constitucionais. Este trabalho possui o escopo de analisar os reflexos trazidos pelo Projeto de Lei nº 8046 de 2010, no que concerne à concreção dos princípios constitucionais basilares previstos no ordenamento jurídico pátrio. PALAVRAS-CHAVE: princípios constitucionais; processo civil; instrumento; efetividade. ABSTRACT: The democratic rule of law guarantees individuals the provision of an effective judicial protection, based on the principles entrenched in the Constitution. However, in our times, the delay in delivery of the judicial protection sought by interested people continues to be one of the evils of contemporary civil procedure, which turns out to discredit the legal system. One way to aid promptness in solving the conflicts brought to the Judiciary is the equalization of the evolution of standards in a global society. As a result is processing the Legislative Houses Project of the new Code of Civil Procedure, which aims at effective of constitutional guarantees. This work has the scope to analyze the impacts brought by the Draft Law nº 8046 of 2010, regarding the concreteness of basic constitutional principles in the legal system. KEYWORDS: constitutional principles; civil procedure; instrument; effectiveness.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INTRODUÇÃO O Estado, ao suprimir do particular o poder de fazer justiça pelas próprias mãos, assumiu a jurisdição e, em razão disso, ele tem o dever de prestar a tutela jurisdicional quando regularmente invocado. Ocorre que, a constitucionalização, o aumento considerável no número das demandas e a ascensão institucional do Poder Judiciário provocaram, no Brasil, uma intensa judicialização das relações sociais e, em razão dsito, as críticas junto aos órgãos competentes cresceram de forma alarmante. A temática já muito discutida sobre a necessidade da implementação de reformas judiciárias se acentuou devido ao fenômeno globalizacional que incitou inúmeras insatisfações nesta era de sociedades de massa. Para auxiliar a superação da crise da justiça e corroborar a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva, irradiando os valores esculpidos nos princípios e regras constantes no texto constitucional para todo o ordenamento jurídico pátrio, torna-se necessário que as normas processuais evoluam, de forma a auxiliar o trâmite procedimental das ações, sem elidir a segurança jurídica. A mudança na postura dos cientistas e operadores do direito, bem como a revisão de alguns institutos do processo civil, a fim de permitir que novos instrumentos sejam criados e colocados à disposição dos cidadãos para a solução dos conflitos de interesses são medidas possíveis de serem alcançadas e que corroboram a concreção dos valores constitucionais hodiernos. Nesse sentido, este trabalho abordará as principais inovações que o Projeto do novo Código de Processo Civil traz ao sistema judiciário, à luz das tendências contemporâneas do direito processual de adequação dos instrumentos processuais às modalidades de conflitos existentes e com vistas a alcançar a prestação de uma tutela jurisdicional célere e efetiva.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 1. DOS CONFLITOS JURISDICIONAIS Conflitos são decorrências naturais da condição humana que enfatizam a tendência à posição unilateral e estimulam a polarização das posições. São, portanto, frutos de percepções e entendimentos divergentes quanto a fatos e condutas

que

envolvem

expectativas,

valores

ou

interesses

comuns.

(VASCONCELOS, 2008, p. 19). No contexto global, não raras vezes, as relações sociais geram diversos tipos de conflitos que necessitam de intervenções judiciais para, por meio da resposta do Estado, alcançarem uma solução apaziguadora. É por meio da atividade da jurisdição, parcela do poder estatal, que aplica a lei ao caso concreto, que o Estado ameniza os conflitos sociais. Na jurisdição “um terceiro substitui a vontade das partes e determina a solução do problema apresentado.” (DIDIER JUNIOR, 2010, p. 84) Athos Gusmão Carneiro (2004, p. 5) conceitua a jurisdição como sendo “a atividade pela qual o Estado, com eficácia vinculativa plena, elimina a lide, declarando e/ou realizando o direito em concreto”. A jurisdição, também denominada de heterocomposição, é a função estatal que busca a justa composição da lide. (CARNELUTTI, 1952, p. 5). Trata-se, pois, de atividade pela qual o Estado-Juiz, em substituição às partes, e com desinteresse na lide, decide a quem cabe o direito, declarando-o ou fazendo-o ser concretizado, possuindo poderes coercitivos para tanto. O Estado-Juiz emprega a legislação, produto do Poder Legislativo, como fonte fim para a atividade jurisdicional. 2. ACESSO À ORDEM JURÍDICA JUSTA O acesso à ordem jurídica justa é uma garantia constitucional assegurada a toda coletividade de que o sistema jurídico, além de dever/ser igualmente acessível a

todos,

também

produza

resultados

justos,

assim

entendidos

como

substancialmente eficazes. Cappeletti e Garth (1988, p. 68) lecionam que “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como requisito fundamental- o mais básico

579

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL dos direitos humanos- de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. Segundo Kazuo Watanabe (1998), “a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata de apenas possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa”. Sobre o dever do Estado de fornecer uma tutela jurisdicional adequada ao cidadão, Klippel (2008, p. 58) leciona: Proporcionar o acesso à justiça é, em primeiro lugar, demonstrar aos jurisdicionados que o Estado tem condições de lhes fornecer uma resposta justa, em espaço de tempo razoável, motivando-os a buscar a solução do conflito por meio do Poder Judiciário. Para que tal pensamento deixe de ser uma utopia e possa ser realmente visto em nosso dia-a-dia, imprescindíveis se mostram as reformas institucionais, a capacitação dos Magistrados e a melhora nas condições físicas do trabalho.

Hodiernamente, a principal preocupação dos legisladores e estudiosos do direito é a busca pelo equilíbrio da duração do processo e da eficiência na prestação da tutela jurisdicional aos cidadãos que tem garantido tais prerrogativas na Constituição Federal. Medina (2004, p. 34) bem pontua que, “a sobrecarga de processo faz a justiça tornar-se lenta e atrasada, e, conforme bem ilustrou Rui Barbosa, na sua clássica „Oração aos Moços‟, „justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Assim, o Estado mostra-se ineficaz quando não soluciona os litígios de forma satisfatória. Para atingir a justeza na prestação da tutela jurisidicional é imprescindível o aperfeiçoamento interno da ordem processual, capacitando-a a proporcionar resultados

proveitosos

e

satisfatórios

aos

que

se

utilizam

do

processo

(DINAMARCO, 2004, p. 114), almejando propiciar uma decisão com vistas a tornar as partes envolvidas mais felizes (ou menos infelizes), mediante a eliminação dos conflitos que as envolvem, com decisões justas. (MARINONI, 1999, p. 27). Portanto, acesso à justiça significa acesso a um processo justo, que possibilite, além de outras nuances, a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito 580

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL substancial. Sobre a ótica valorativa do processo civil de resultados, Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 108) bem pontua: O processo vale pelos resultados que produz na vida das pessoas ou grupos, em relação a outras ou aos bens da vida – e a exagerada valorização da ação não é capaz de explicar essa vocação institucional do sistema processual, nem de conduzir à efetividade das vantagens que dele se esperam. Daí a moderna preferência pelas considerações em torno da tutela jurisdicional, que é representativa das projeções metaprocessuais das atividades que, no processo, se realizam e, portanto, indica em que medida o processo será útil a quem tiver razão.

Nesse sentido, a busca por um processo justo que seja capaz de proporcionar segurança jurídica em tempo efetivo, deve tornar-se um compromisso do poder público aos jurisdicionados, por meio uma incessante luta pelo aperfeiçoamento do sistema jurídico pátrio. Em nome deste ideal de efetividade, tramita na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 8.046 de 2010, que pretende, dentre inúmeros objetivos, privilegiar a simplicidade da linguagem e da ação processual, a celeridade do processo e a efetividade do resultado da ação, além do estímulo à inovação e à modernização de procedimentos, garantindo o respeito ao devido processo legal. 3. O PROCESSO Antes da definição de processo necessário destacar o que se entende por Direito Processual. O Direito Processual é mais amplo que o conceito de processo, sendo considerado um “conjunto de normas jurídicas voltadas à regulamentação da atividade característica da jurisdição”. (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2010, p. 53). Já processo é o instrumento pelo qual o ordenamento jurídico é construído, modificado e ampliado. “É toda atividade que cria, modifica e aplica o ordenamento 581

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL jurídico, seja criando ou modificando normas abstratas ou concretas, seja materializando estas normas no mundo fático.” (BELLINETTI, 2006, p. 18). Wambier, Almeida e Talamini (2010, p. 146), lecionam sobre este tema: [...] é conceito de cunho finalístico, teleológico, que se consubstancia numa relação jurídica de direito público, traduzida num método de que se servem as partes para buscar a solução do direito para os conflitos de interesses (especificamente, como se verá, para aquela parcela do conflito levada a juízo, ou seja, para a lide).

Dinamarco (2004, p. 299) afirma que processo “é o resultado da soma de todas as disposições constitucionais e legais que delimitam e descrevem os atos que cada um dos sujeitos processuais realiza no exercício de seus poderes fundamentais, ou seja: a jurisdição pelo juiz, a ação pelo demandante e a defesa pelo réu.” Assim, o processo abrange o procedimento e a relação jurídica processual. Nessa linha de raciocínio, o processo é o “instrumento através do qual a jurisdição opera”. (CINTRA; GRINOVER; DINAMARCO, 2007, p. 277). 3.1. A equalização de valores constitucionais e processuais civis O direito processual constitucional exterioriza-se mediante duas vertentes, segundo as lições do mestre Cândido Rangel Dinamarco (2004, p. 53): (a) a tutela constitucional do processo, que é o conjunto de princípios e garantias vindos da Constituição (garantias de tutela jurisdicional, do devido processo legal, do contraditório, do juiz natural, da exigência de motivação dos atos judiciais etc.) [...]; e (b) a chamada jurisdição constitucional das liberdades, composta pelo arsenal de meios predispostos pela Constituição para maior efetividade do processo e dos direitos individuais e grupais, como o mandado de segurança individual e o coletivo, a ação civil pública, a ação direta de inconstitucionalidade, a exigência de juizados especiais etc.

De tal modo, a busca pela obtenção da tutela jurisdicional adequada deve estar pautada nos princípios e garantias constitucionais ansiando maior efetividade,

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL no que concerne ao aspecto da forma (quanto ao processo), da substância (direito em litígio), do tempo (interregno da marcha) e do modo (definido em lei). A relação entre a Carta Maior e o processo ocorre, nos sistemas processuais modernos, a partir de preceitos constitucionais basilares, pois são estes que dão o norte de observância obrigatória ao legislador para formular leis consideradas constitucionais. (GRECO FILHO, 2007). A Constituição Federal, conforme ensina o processualista Humberto Theodoro Junior (2009, p. 3), descreve regras sobre os direitos individuais que tem nítida correlação com o direito processual, como por exemplo: o tratamento igualitário das partes do processo (que assegura a todos o direito de submeter toda e qualquer lesão de direitos à apreciação o Poder Judiciário); as normas que garantem o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; o princípio da razoável duração do processo e os meios para assegurar a celeridade de sua tramitação. O direito processual é um instrumento para realização de valores, especialmente de valores constitucionais, sendo considerado um conjunto de princípios e normas legais regulamentadoras do exercício da função jurisdicional. (SANTOS, 2007). Nesse sentido, Luiz Rodrigues Wambier (2010, p. 64) assevera que o princípio do devido processo legal, esculpido na Constituição Federal, significa o processo cujo procedimento e consequências tenham sido previstas em lei e que estejam em sintonia com os valores constitucionais. Entretanto, imperioso frisar que a efetividade da tutela jurisdicional depende da sistemática jurídica, isto é, da promoção de meios de ordem infraconstitucional, a fim de que tais garantias (devido processo legal e acesso à justiça) tenham aplicabilidade efetiva no caso concreto. Dessa forma, todo processo deve dar a quem tem o direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele deve receber (CHIOVENDA apud DINAMARCO, 2004, p. 108). Essa máxima se dá em prol da efetividade do processo e deve servir de alerta contra tomadas de posição que tornem acanhadas ou mesmo inúteis às medidas judiciais, deixando resíduos de injustiça.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 4. IMPRESCINDIBILIDADE DE REVISÃO DE PARADIGMAS A morosidade dos órgãos do Poder Judiciário na prestação de uma tutela efetiva às partes, em tempo útil e justo, é uma questão extremamente relevante no estado contemporâneo. O acúmulo de processos, os efeitos da globalização sem o proporcional investimento na informatização, a defasagem de recursos destinados ao Poder Judiciário, a ausência de leis mais eficazes e a falta de estímulos efetivos a conciliação, mediação e arbitragem, são alguns dos fatores que geram o atraso na prestação jurisdicional. O legislador processual pátrio, preocupado em garantir a aplicabilidade de princípios constitucionais como o da ampla defesa, do contraditório e da igualdade olvidando de ponderar, muitas vezes, os demais princípios, também constitucionais, como o da celeridade, efetividade e razoável duração – previu a possibilidade de recurso para praticamente todos os atos processuais, o que, sem dúvidas, procrastina a obtenção do direito material. A necessidade de mudança no sistema processual brasileiro para tornar o processo mais célere em prol dos indivíduos, bem como da coletividade, é fato notório, para que se possa atender ao princípio do devido processo legal substancial. Em entrevista ao jornal Estado de São Paulo, em 31 de maio de 2010, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux afirmou que o reclame atual da população é a morosidade da Justiça. Asseverou ainda, que as declarações fundamentais de direitos humanos garantem que todo homem faz jus a um processo justo em que a decisão ocorra em um prazo razoável e a nação que não cumpre isto não pode ser considerada uma nação onde a justiça é considerada acessível. Diante desta situação do Poder Judiciário e considerando a constante evolução social marcada pela complexidade das relações sociais, torna-se imprescindível a criação de instrumentos e o aperfeiçoamento daqueles já existentes, para que a tutela jurisdicional seja efetiva e o processo cumpra sua missão, tornando-o mais célere, justo e adequado (MARINONI; MITIDIERO, 2010), na atividade de pacificar os conflitos, como instrumento da jurisdição. 584

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

5. PERSPECTIVAS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL PROJETADO Com a socialização do direito constitucional, fez-se necessário traçar novos paradigmas voltados à concretização do direito fundamental da celeridade processual, razoável duração do processo, instrumentalidade e eficiência, adaptando-se às novas concepções que valorizam o social, revelando a existência de direitos difusos e coletivos. Por conseguinte, após a edição da Carta Magna, fundamento da existência e da proteção dos direitos fundamentais, seguiram-se várias reformas no Código de Processo Civil, com a implantação tópica de modificações e a criação de institutos jurídicos novos, cuja finalidade era não só a da simplificação do processo, mas também e principalmente, efetivar a prestação jurisdicional. Entretanto, as inúmeras reformas quebraram a sistematização que o Código de Processo Civil de 1973 detinha quando de sua promulgação, gerando tumulto organizacional, em que pese tais modificações foram deveras necessárias diante da constante evolução da sociedade hodierna. Surgiu, dessa forma, o atual projeto do novo Código de Processo Civil, cheio de inovações perquiridas pelos operadores do direito, objetivando a sistematização do instrumento e adequando-o aos princípios constitucionais. Exemplo disto é o artigo 4º do referido projeto, que dispõe: “as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral da lide, incluída a atividade satisfativa”. 5.1. Concreção de valores constitucionais Atualmente, o legislador se preocupa em elaborar normas que explicitem os objetivos do sistema jurídico não mais se limitando a regrar condutas, explicita José Miguel Garcia Medina (2011, p. 145). O sistema deve atentar para as exigências de cada indivíduo pois o processo civil deve servir ao cidadão, a tutela jurisdicional deve ser subjetiva e objetivamente adequada, atendendo de forma concreta as

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL necessidades das pessoas que vão a juízo em busca do direito material por elas afirmado. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 23). Conforme artigo publicado em 08 de outubro de 2010 pelo Jornal O Estado do Paraná por Teresa Arruda Alvim Wambier, um dos objetivos do Código de Processo Civil projetado é o de inverter esta escala de valores: relevante deve ser o mérito, não o processo. Portanto, este tem que ser necessariamente e drasticamente simplificado. Um tema de relevante importância para o direito processual brasileiro é a previsibilidade no Código de Processo Civil de 1973 de recursos para quase todas as decisões judiciais. Sobre esse tocante, o Ministro Luiz Fux (2010b), bem pondera: De cada recurso que a parte hoje interpõe cabem inúmeros outros recursos. A parte pode transformar seis agravos em 30 recursos em um processo só, cinco para cada agravo. A parte entra com agravo. O relator decide monocraticamente. Aí a parte entra com agravo regimental, depois entra com embargo de declaração e depois entra com recurso especial. Aí o relator indefere monocraticamente. Ela então entra com agravo regimental contra essa decisão e entra com embargo de declaração. E se houver cerceamento de defesa, ainda vai para o Supremo.

Com o fito de solucionar esse número desarrazoado de recursos, muitas vezes procrastinatórios, o Projeto do novo Código de Processo Civil propõe a extinção do agravo retido, cuja função é a de evitar preclusões e, em contrapartida, altera-se o regime do instituto das preclusões. O código limitará a utilização de recursos itinerantes a cada decisão do juiz. “Ele praticamente reserva um recurso para a sentença final e, no curso do processo, ele só pode recorrer das liminares e decisões de mérito.” (FUX, 2010b) Luiz Fux (2010b) salienta ainda, que o Projeto de Lei nº 8046/2010 inova quando apresenta a possibilidade de sanção ao advogado que apresentar recursos manifestamente infundados: Para as aventuras judiciais eventualmente intentadas o código reserva uma bela surpresa sancionatória. A cada recurso manifestamente infundado, a parte sofrerá uma nova sucumbência 586

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL recursal (perdendo novamente, a parte terá de pagar por isso). Então ela perde em primeiro grau e paga custas e honorários. Perde em segundo grau, paga novamente custas e honorários. Perde no STJ, paga custas e honorários. A ausência de sucumbência pode estimular uma aventura judicial. Mas a presença da sucumbência tem uma capacidade de persuasão muito grande, porque o advogado vai ter a obrigação de avisar a parte de que já há uma jurisprudência pacificada e que se ela (a parte) mesmo assim quiser recorrer para ganhar tempo, pode vir a sofrer um prejuízo material.

Essas medidas possuem o objetivo de auxiliar na redução do lapso temporal entre o ajuizamento da ação e a sentença de mérito, sem que haja supressão do direito de defesa ou gere algum tipo de insegurança jurídica. Nesse viés, os relatores do projeto decidiram incluir no texto medidas estimuladoras para estabilização das jurisprudências e dispositivos que valorizem os precedentes dos Tribunais Superiores, com o objetivo de desatordoar o jurisdicionado e contribuir decisivamente para a segurança jurídica. (WAMBIER, 2010). A jurisprudência funcionará como instrumento moderador da duração dos processos. O juiz deverá respeitá-la, não podendo julgar diferente, pois uma vez consolidada, ela se aplica a todos os recursos que poderiam acudir os Tribunais Superiores. (FUX, 2010b). O intuito da medida é criar um ambiente de segurança e previsibilidade, respeitando, em primeira instância, o princípio constitucional da isonomia. (WAMBIER, 2010). Outro ponto a ser destacado é a substituição da reconvenção, hoje existente no procedimento ordinário, pela figura do pedido contraposto (artigo 337 do projeto), que será explanado na própria peça contestatória. Nessa seara, a impugnação ao valor da causa não precisará mais ser apresentada em peça autônoma, mas igualmente junto ao contexto da contestação. Já as exceções de impedimento e suspeição foram abolidas do sistema, devendo a parte interessada, querendo, alegá-la mediante petição específica (artigo 116). A incompetência absoluta e a relativa serão arguidas como preliminar de contestação (artigo 338, inciso II do projeto), pois, um dos objetivos primordiais do projeto está na simplificação do procedimento civil. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 90). 587

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A intervenção de terceiro foi modificada pelo projeto, manteve-se a assistência, fundiu-se os casos de denunciação da lide e de chamamento ao processo sob o nome de chamamento e extinguiu-se a oposição e a nomeação à autoria (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 118). O amicus curiae foi também previsto como hipótese de intervenção de terceiro. Outro aspecto interessante do Projeto do novo Código de Processo Civil é a eliminação das cautelares nominadas. Tal fato se deve a uma tendência do direito brasileiro, em que se expandiram as medidas cautelares e de urgência de tal modo que não se justifica a manutenção de procedimentos cautelares típicos, diante da grande liberdade para decidir, adjudicada ao Judiciário. Para Marinoni e Mitidiero (2010, p. 106), a supressão das medidas cautelares do texto processual e a junção da tutela cautelar e da tutela antecipada num mesmo tópico, qual seja, tutelas de urgência, é opção acertada: Reconheceu-se, na esteira do que sustentamos há muito tempo, o fato de a tutela antecipatória fundada no perigo e de a tutela cautelar constituírem espécies do gênero tutela de urgência. Seguindo esta linha, o Projeto propôs a disciplina conjunta do tema.

Mais um exemplo de inovação é o incidente de soluções de demandas repetitivas que almeja descongestionar os tribunais com causas repetitivas em que a decisão deve ser aplicada a todos os processos, criando-se, assim, mecanismos para evitar recursos quando questões idênticas já foram solucionadas. Sobre essas benesses, Luiz Fux (2010b) acredita que, no caso de aprovação dos instrumentos que foram propostos, poder-se-á reduzir a duração de um processo usual em 50% e em 70% em processos de massa. Com foco na instrumentalidade e no cumprimento dos objetivos sociais do processo, os relatores do Código de Processo Civil projetado derem especial ênfase a mediação e a conciliação, acentuando a necessidade dos magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público estimularem estas formas de solução pacífica de conflitos (artigo 145), destacando uma Seção inteira a esses institutos (seção V artigos 134 a 144). 588

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Um dos incisos constantes na lista de deveres do juiz quando da condução do processo refere-se exatamente ao auxílio dos conciliadores e mediadores. O artigo 107, inciso IV, do referido projeto dispõe que: Art. 107. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: [...] IV – tentar, prioritariamente e a qualquer tempo, compor amigavelmente as partes, preferencialmente com auxílio de conciliação e mediadores judiciais.

Nesse contexto de participação é que o novo projeto do Código de Processo Civil incentiva o uso das técnicas alternativas de solução de conflitos, com a possibilidade de, concomitantemente, satisfazer às necessidades da sociedade resolvendo-lhes as pendências e ainda, desobstruir o sistema, permitindo que este possa se dedicar, efetivamente, aos litígios que envolvam interesses públicos, direitos indisponíveis ou, ainda, causas com grau de complexidade elevado. Em que pese a gana promissora dos legisladores ao elaborarem o Projeto do novo Código de Processo Civil, fato incontroverso é que a alteração da lei, por si só, não é milagrosa. De há muito já se afirmou: “a justiça retardada é uma justiça denegada. Mas por outro lado, a justiça instantânea é uma utopia”. (FUX, 2010a). Nos dizeres de Ada Pelegrini Grinover (2011): O problema da celeridade não é de natureza tal, que possa ser solucionado pela lei, por melhor que seja. Nosso processo civil emperra por uma questão de mentalidade e devido à burocratização dos serviços cartorários.

Conforme bem pontua Teresa Arruda Alvim Wambier (2010), a lei é responsável por melhorias nos resultados na exata medida em que a origem do problema foi por ela causada. Nesse diapasão, o Projeto de Lei nº 8046/2010 não pode ser ansiado como uma solução única e milagrosa dos inúmeros problemas existentes. O Código de Processo Civil projetado, se aprovado, e bem aplicado, será um dos vários meios existentes direcionados a revestir uma via de acesso segura a um sistema mais eficiente para a prestação da tutela jurisdicional. 589

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS O direito em questão vê-se situado no âmbito de uma sociedade que, ao fazer opção pela democracia, institui o Estado Democrático de Direito, este que, a seu turno, apresenta-se explicitamente compromissado com a realização de um conjunto de valores considerados indispensáveis à realização do bem-estar social. Ora, fato notório que uma tutela efetiva e tempestiva proporciona maior satisfação e justiça para a sociedade, ideal almejado por todos, tendo em vista que hoje o acesso à justiça é amplo, permitindo não só a defesa de direitos lesados, mas também aqueles ameaçados, conforme destaca o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal. Destaca-se, portanto, a relevância da intensa reforma que está ocorrendo no sistema processual civil brasileiro diante da possibilidade de revogação do atual Código de Processo Civil e, via de consequência, a vigência de um novo que, além de preservar o que seria aproveitável no Código vigente, regulamentará uma sistematização mais moderna do processo, para o fim de adequar o instrumento à efetiva aplicação do direito substancial. Assim, o Código de Processo Civil projetado, atualmente em discussão nas Casas Legislativas, está trazendo inovações e apresentando possíveis soluções para as debilidades atualmente mais pulsantes na atividade do Poder Judiciário, especialmente em relação à simplificação dos atos processuais e consequente diminuição do lapso temporal na prestação da tutela jurisdicional pelo Estado, incentivando, nesta linha de raciocínio, a solução pacífica das controvérsias como forte meio auxiliar no combate a morosidade processual e incentivo à conciliação das partes. As exigências esculpidas em referido projeto são oriundas de um modelo constitucional de processo justo, o papel atual das codificações, a técnica legislativa própria destinada aos códigos vigentes, sendo inolvidável iniciá-los a partir de eixos teóricos próprios às linhas de força do Estado Constitucional. O Código de Processo Civil projetado pode ser considerado como um ponto de partida, que deverá ainda, 590

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ser aprimorado na Câmara dos Deputados, com o fito de tornar-se um instrumento útil para uma prestação jurisdicional de melhor qualidade. Referências BELLINETTI, Luiz Fernando. Direito e processo. In: Processo e constituição. Estudos em homenagem ao professor José Carlos Barbosa Moreira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução de Ellen Northfeet. Porto Alegre: Fabris, 1988. CARNEIRO, Athos Gusmão. Jurisdição e competência. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. CARNELUTTI, Francesco. Estúdios de derecho procesal. Trad. Esp. De Santiago Sentis Melendo. Buenos Aires: EJEA, 1952, vol. II. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 3. ed. Trad. Brás. De J. Guimarães Menegale. São Paulo: Saraiva, 1969, vol. II. CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. DIDIER JR. Fredie. Curso de direito Processual Civil. 12. ed. Salvador: Juspodivm. 2010. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 4. ed. Rev. e Atual. São Paulo: Malheiros, 2004. FUX, Luiz. Entrevistado por Felipe Recondo. "Mudança no processo civil pode reduzir em 50% o tempo de ações", em 31 de maio de 2010a, acessado em 25 de julho de 2012, in http://www.estadao.com.br/noticias ______. Entrevistado por Felipe Recondo. "Número de ações é insuportável", em 09 de junho de 2010b, acessado em 15 de julho de 2012, in http://www.estadao.com.br/noticias

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. GRINOVER, Ada Pelegrini. "Ada Pelegrini comenta Projeto do Novo CPC", em 13 de julho de 2011, acessado em 23 de julho de 2012, in http://processoemdebate.wordpress.com/2011/07/13/ada-pelegrini-comenta-projeto-donovo-cpc/ 591

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL KLIPPEL, Bruno Ávila Guedes. Os meios de impugnação às decisões judiciais e o processo justo. Revista de Processo, ano 33, n. 155, p. 58. Jan. 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. ______; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MEDINA, Eduardo Borges de Mattos. Meios alternativos de solução de conflitos: o cidadão na administração da justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2004. MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao projeto do novo CPC. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. Processo de Conhecimento. 25. ed. Vol. 1. Saraiva. São Paulo, 2007. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. Malheiros. São Paulo, 2008. THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. Mediação de conflitos e práticas restaurativas. São Paulo: Método, 2008. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 11. ed. Revista dos Tribunais. São Paulo, 2010. v. 1. _______; ALMEIDA, Flavio Renato Correia de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. "Um novo Código de Processo Civil", em 08 de fevereiro de 2010, acessado em 23 de julho de 2012, in http://www.paranaonline.com.br/canal/direito-e-justica/news/

WATANABE, Kazuo. Acesso à justiça e sociedade moderna. In GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover (Coord.). et al. Participação e processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p.128-135.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A TUTELA DA EVIDÊNCIA E A EVIDÊNCIA DOS DIREITOS199 Paulo Henrique Guilman Tanizawa – Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL - [email protected] A tutela da evidência é apresentada no projeto do Novo Código de Processo Civil como uma nova perspectiva de resposta do Poder Judiciário, assumindo o nítido escopo de instrumentalizar o processo à razoável duração e afastar o risco de sua ineficácia ou de eventual perecimento do direito. A temática, pioneiramente contemplada pelo Ministro Luiz Fux, visa respaldar de modo tempestivo os direitos líquidos e certos do jurisdicionado, principalmente nas relações privadas, constituindo-se em um provimento imediato, satisfativo e mandamental, na medida em que o objeto litigioso oferecer condições suficientes para a concessão da tutela, à semelhança da técnica monitória documental. Em que pese a disciplina da tutela da evidência no projeto do Novo Código de Processo Civil, é cediço inferir que algumas das hipóteses contempladas nos casos elencados no novo CPC não traduzem a ideia de um direito materialmente evidente, ou seja líquido e certo, mas apenas, àqueles processualmente evidentes, como nos casos de pedido incontroverso e abuso do direito de defesa, que não estão lastreados por uma verossimilhança material ou substancial. Questiona-se se o provimento idôneo a tutelar os chamados direitos processualmente evidentes deveria estar alocado nas hipóteses de julgamento conforme o estado do processo e julgamento antecipado. Doravante, funda-se em flagrante técnica de sumarização do procedimento por mitigar o iter do procedimento ordinário e satisfazer, de imediato, o direito pleiteado. Palavras-chave: Tutela da evidência; Acesso à Justiça; Direito evidentes.

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Resultante do projeto de pesquisa “Acesso à Justiça: A instrumentalidade do processo frente à Jurisdição” da Universidade Estadual de Londrina (UEL).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O PROCEDIMENTO CONFORMADO THE CONFORMED PROCEDURE Paulo Henrique Guilman Tanizawa – Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL - [email protected] Resumo: O presente texto pretende apresentar os aspectos inerente ao tema da conformação do procedimento às necessidades do direito material, enquanto proposta viável à superação da ordinariedade do procedimento e estrita obediência à tipicidade das técnicas processuais. Busca-se demonstrar as perspectivas relevantes que condicionam a possibilidade de revisitação do procedimento em matéria processual civil Palavras-chave: Procedimento conformado. Poderes do Juiz. Cognição. Devido processo legal. Abstract: This paper aims to present aspects about the subject of the conformation of the procedure through the needs of the material rigths, while viable proposal to overcome the ordinariness of the procedure and strict obedience to the typicality of procedural techniques. Seeks to demonstrate the relevant perspectives which determine the possibility of revisitation the procedure regarding civil procedure. Palavras-chave: Conformed procedure. Judge Powers. Cognition. Due process of law. Introdução A concepção tradicional de relação jurídica é baseada no desenvolvimento de um procedimento ordinário e dos chamados procedimentos especiais, insculpidos no Código de Processo Civil vigente. Esta mesma concepção carrega a ideologia do juiz obediente à tipicidade das técnicas processuais e o apego ao aspecto privado do processo civil, em consequência da pretendida autonomia do processo frente ao direito material. A insuficiência da uniformidade procedimental nos ordenamentos jurídicos fez erigir a necessidade de se conferir maior dinamicidade à atuação do juiz, a partir da perspectiva que aqui denominamos de procedimento conformado, à luz da ideia da imperiosa necessidade do procedimento servir de instrumento hábil a tutela dos direitos. Desta feita, ao necessário vigor é cediço a concessão de poderes ao juiz, ao fito de melhor gerenciar o andamento do processo, conformando o procedimento à situação de carência disposta no caso concreto. Em suma, pretende-se no presente trabalho pontuar algumas questões relevantes inerentes ao tema da adequação do procedimento e demonstrar como a atividade das partes e do juiz se comutam para a consecução de um procedimento idôneo à corroborar a adequada tutela jurisdicional.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Revisão de Literatura A ideologia autonomista do processo permitiu a gênese de um antagonismo peculiar, eis que, ao mesmo tempo em que dedicava-se ao contributo da independência do processo, introvertia-se às necessidades e carências do direito material, na perspectiva-se de que “não se comunica mais com a realidade e com a carência específica de tutela que o direito material exige” (ARENHART, 2003, p. 24). Consequentemente, forjou-se um sistema ensimesmado e alentado, cujos reflexos estenderam-se, inclusive sobre o modus operandi da atividade jurisdicional. “Em termos ideológicos, essa fase é marcada pela tendência, herdada especialmente após a Revolução Francesa, de isolar a figura do juiz de qualquer influência externa, mantendo-o neutro e, comm isso, preservando a autoridade da lei sobre a do magistrado” (ARENHART, 2003, p.24). Com o advento da fase instrumentalista, reconhece-se a necessidade da sensibilidade do processo civil com o direito material, contribuindo à formação de uma processualística voltada à recuperação dos escopos do processo, volvendo-se às necessidades específicas e substanciais dos direitos carentes de tutela. Os ideais delineados pela instrumentalidade do processo viabilizaram a percepção de que as diferentes espécies de direitos necessitam diferentes formas de tutela. Por consequência, temas que antes eram considerados como inadequados ou metodologicamente reputados como impertinentes200, assumiram relevância a partir dessa perspectiva revisitadora. A partir de tais premissas revelou-se a absoluta impropriedade da essência autonomista em face do direito material e, a falácia de sua constituição, eis que, a higidez processual é intimamente dependente do direito material a ser tutelado. Ao que importa, a superação da tensão entre direito e processo afeta sobremaneira a matéria do procedimento. Em considerável tirocínio, as perspectivas de direito material permitiram a adoção de concepções idôneas a corroborar a um processo civil instrumental. Persiste, assim, um ponto de confluência entre ambas as dimensões, conforme magistralmente evidenciado por Kazuo Watanabe. Trata-se da perspectiva constitucional do processo que ao cingir as extensões materiais e processuais, enseja o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Logo, substancialmente, a premissa constitucional da adequada tutela jurisdicional considera tanto as situações processuais quanto as materiais. A compreensão da jurisdição a partir da ótica constitucional, além de evidenciar uma consequência natural do dever estatal de proteger os direitos, o qual constitui a essência do Estado Contemporâneo (MARINONI, 2008, p. 137), enseja a legitimidade da atuação do juiz. À luz desse ponto de confluência evidenciado por Watanabe, a importância do direito material fica mais nítida “quando se percebe que a função do juiz não é apenas a de editar a norma jurídica, mas sim a de tutelar concretamente o direito material, se necessário mediante meios de execução” (MARINONI, 2008, p. 136). Destarte, o direito à tutela jurisdicional efetiva, nas palavras de Marinoni (2008, p. 137), presta-se a “iluminar a compreensão do juiz 200

Esse viés é representado principalmente no que tange à temática da tutela jurisdicional. Diversas matizes erigiram sob essa ótica, como as denominadas tutelas jurisdicionais diferenciadas, a relação entre as condições da ação e o mérito, entre outras.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sobre o direito material”, bem como, “incide sobre a atuação do juiz como diretor do processo, outorgando-lhe o dever de extrair das regras processuais a potencialidade necessária para dar efetividade a qualquer direito material (e não apenas aos direitos fundamentais materiais) e, ainda a obrigação de suprir as lacunas que impedem que a tutela jurisdicional seja prestada de modo efetivo a qualquer espécie de direito.” Resultados e discussão Com a complexidade das relações sociais e o surgimento de novas situações carentes de tutela, o procedimento ordinário se mostrou insuficiente e inapto a respaldar a totalidade dos direitos, seja por questões do tempo do processo, seja pela burocratização dos atos processuais. O desenvolvimento do processo a partir de um procedimento único e uniforme (ordinário) reflete os anseios doutrinários de se criar uma ciência processual autônoma em relação ao direito material e desconsidera as diferenças entre as pessoas, os bens e as peculiaridades e necessidades das plurais relações jurídicas que se constituem. Notadamente, a praxis não permite que o legislador providencie normas processuais específicas à satisfação das diversas situações de carência, ou preveja um procedimento adequado a cada ocasião conflituosa cotidiana. Desse modo, a criação do procedimento adequado ao caso concreto e as perspectivas de se conformar o procedimento a partir das exigências do direito material, se impõem para a consecução e acesso a um processo civil efetivo. Há tempos vêm se apontando a insuficiência do procedimento ordinário nos ordenamentos jurídicos. A doutrina sempre se absteve em discutir os fundamentos lógicos, políticos e sociais que sustentavam a ordinariedade do procedimento no processo civil. Por tempos a dogmática assentada cunhava a perspectiva de que um único procedimento seria hábil para tratar todo e qualquer caso conflitivo (MARINONI, 2008, p. 422). Superada a carga ideológica que permeia a ordinariedade do procedimento no ordenamento pátrio, são reveladas duas vertentes temáticas que a alimentam: a primeira revela o elevado grau de privatização em que a função jurisdicional foi submetida e, a segunda a vinculação de todo direito material ao aspecto obrigacional (Direito das Obrigações) e, desse modo, universalizar o procedimento da actio romana (BAPTISTA, 2006, p. 147). Na crítica de Ovídio Baptista da Silva (2008, p. 18) como se não bastassem a compreensão do processo como ciência e o racionalismo, como escudo, ainda extasiamo-nos com as suas consequências, ao glorificar o procedimento, insubstituível instrumento protetor da suposta neutralidade do juiz. A doutrina italiana, aos tempos de 1929, com Carnelutti201, já preconizava um processo a struttura elástica, como bem obervou o já mencionado jurista gaúcho. Em outras ocasiões, nos idos dos anos de 1973, Barrios Angelis, também citado por Baptista da Silva (1997, p. 414), também vislumbrava o procedimento elástico, conforme a maior ou menor evidencia do direito litigioso, desvinculando-o do rigorismo do procedimento ordinário. 201

“Lineamenti della riforma del processo civile di cognizione”, in Riv. Dir. Proc. Civile, 1929.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A perspectiva da adaptabilidade do procedimento foi endossada com o advento no Código de Processo Civil Inglês (Civil Procedural Rules – CPR). Na disposição de Gajardoni (2008, p. 169), isso implicou na ampliação dos poderes do julgador, que assumiu relevante papel na condução do processo, o que denominou de case management. A atenção da doutrina para a necessidade de se mitigar a ordinariedade do procedimento, evidencia não só insuficiência deste na tutela dos direitos, contrapondo-se aí à perspectiva de efetividade da tutela processual, mas também a necessidade da superação da ideologia da neutralidade do Estado e do juiz. A flexibilização procedimental, a partir da perspectiva da adequação do processo ao direito material por meio da conformação do procedimento, apresenta-se como uma proposta veemente a viabilizar a efetividade do processo, o acesso à justiça e a razoável duração do processo. Nesta senda, considerando a ótica de que o processo é o procedimento qualificado pelo contraditório (WATANABE, 2012, p. 130), ainda é possível a potencialização da aplicabilidade dos princípios constitucionais e processuais. Examinando a chamada flexibilização, termo largamente adotado pela doutrina, verifica-se que não se trata, em suma, de uma veemente flexibilização do procedimento em si. Ao que é evidente, a técnica processual contida no procedimento é que se flexibiliza, a partir do nítido escopo de operar a conformação do procedimento a fim de melhor satisfazer as exigências do direito material. Logo, o procedimento se conforma a partir da técnica que é ou não flexibilizada, seja com maior ou menor intensidade. Nesse viés, a técnica processual da cognição é um pressuposto para tal conformação. A hipótese também é evidenciada por Watanabe (2012, p. 131), ao ponderar que através do procedimento é que se faz a adoção da cognição (nos planos vertical e horizontal), bem como suas combinações, para a consecução de tipos diferenciados de processo que, por sua vez, consubstancia o procedimento adequado, em atenção às exigências da pretensão material veiculada pelo direito de ação, quanto à urgência, brevidade e definitividade do provimento. Note-se que a técnica processual deve extrapolar sua aparência apática ao assumir relevante função neste desiderato. Destarte, o procedimento conformado é, por consequência, o equacionamento do direito à cognição adequada à natureza da litígio colocado à apreciação judicial, integrando assim o conceito do devido processo legal. Por fim, na imperiosa lição de Watanabe (2012, p.131), “devido processo legal é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios.” Conclusão Infere-se que tutela jurisdicional a ser concedida deve rigorosamente respaldar as situações de carência material do jurisdicionado, a partir do manejo da técnica processual adequada à solução da situação conflituosa que é apresentada ao juiz. Logo, para esse desiderato, é cediço que os poderes atribuídos ao julgador não pode ficar submetido ao rigor estabelecido pelo procedimento ordinário. O procedimento ordinário, que se mostra insuficiente à atender as variadas 597

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL situações delituosas, carece de expressiva revisão. Por tais razões é que se vislumbra, com entusiasmo, os procedimentos conformados. Conformidade esta que se opera a partir da flexibilização das técnicas processuais, de modo a proporcionar suporte ao processo civil destinado a instrumentalizar a efetivação do direito material. Sem embargos, mostrou-se que a partir da técnica da cognição persiste a possibilidade da consecução de procedimentos diferenciados, eis que, por intermédio do procedimento é que compatibiliza as várias combinações de cognição (em seus dois planos: vertical e horizontal). Propriamente, os poderes atribuídos ao juiz para o manejo da técnica ao fito de se conformar o procedimento a necessidade da causa coaduna-se com a proposta do magistrado enquanto agente político. Ora, se o juiz deve assumir seu papel de agente político, comprometido com os objetivos do Estado, parece razoável que ele deva zelar pela prestação de justiça (efetiva) e pela adequada realização dos direitos. Referências ARENHART, Sérgio Cruz. Perfis da tutela inibitória coletiva. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes Instrutórios do Juiz. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. ______. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 5.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. DINAMARCO, Candido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A flexibilização do procedimento processual no âmbito da commom law. Revista de Processo, São Paulo, V. 163, Set. 2008. MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. ______. Técnica processual e tutela dos direitos. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Da Função à Estrutura. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 158, p. 09-19, Abr, 2008. ______. Processo e Ideologia: o paradigma racionalista. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. ______. Jurisdição e Execução na tradição romano-canônica. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. 598

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WATANABE, Kazuo. Da Cognição no Processo Civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ASPECTOS DO (NEO)CONSTITUCIONALISMO E SUA RELAÇÃO COM O ACESSO À JUSTIÇA VIABILIZADO PELO INSTITUTO DA MEDIAÇÃO (NEO)CONSTITUTIONALISM ASPECTS AND ITS RELATIONSHIP WITH ACCESS TO JUSTICE MADE POSSIBLE BY THE MEDIATION INSTITUTE Renata Mayumi Sanomya - mestranda em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL/PR, [email protected] Rozane da Rosa Cachapuz - doutora em Relações Internacionais com ênfase em Direito de família pela PUC/SP, [email protected] RESUMO: A mera possibilidade de acesso aos tribunais não significa garantia aos direitos fundamentais do acesso à ordem jurídica justa e da dignidade da pessoa humana inseridos de forma expressa na Constituição Federal e que servem de base para o ordenamento jurídico contemporâneo. Atualmente, a noção de acesso à justiça abarca o efetivo acesso a uma ordem jurídica justa, capaz de proporcionar à sociedade a defesa e concretização dos direitos materiais pretendidos. Assim, a prestação da tutela jurisdicional pelo Estado Democrático de Direito em tempo razoável e observados os princípios constitucionais previstos no diploma constitucional tem se mostrado cada vez mais alinhado com os ideais do movimento transformador do (neo)constitucionalismo. Além disso, como forma de auxílio ao Poder Judiciário, a adoção da mediação como meio alternativo de solução de conflitos, representa um importante instrumento capaz de possibilitar a pacificação social. A escolha da sociedade em utilizar meios não adversariais eficazes no combate à morosidade, portanto, constitui o caminho para a edificação de uma sociedade mais pacífica, justa e alinhada com esse novo momento constitucional. PALAVRAS-CHAVE: acesso à ordem jurídica justa; neoconstitucionalismo; mediação. ABSTRACT: The mere possibility of access to the courts does not mean guarantee to fundamental rights of access to fair legal system and the human dignity expressly inserted in the Constitution that serve as basis to the contemporary legal ordering. Currently, the notion of access to justice encompasses the effective access to fair legal system, capable to provide to the society the protection and concretion of desired substantive rights. Therefore, the installment of judicial tutelage by the Law Democratic State in reasonable time and observed the constitutional principles specified in Constitution has been shown increasingly aligned with the ideals of neoconstitutionalism. Beyond that, as a form of aid to the Judiciary, the adoption of mediation as an alternative resource of conflict resolution, represents an important device capable of allowing social peace. The choice of society in using effective not adversarial means to combat tardiness, therefore, is the way to build a society more peaceful, fair and aligned with this new constitutional moment. KEYWORDS: access to fair legal system; neoconstitutionalism; mediation.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL INTRODUÇÃO A economia globalizada e a evolução da sociedade, traços marcantes da contemporaneidade, transformaram de maneira significativa a forma de enxergar e interpretar o Direito. É inevitável admitir que os mecanismos tradicionais de resolução de conflitos disponíveis se mostram insuficientes, tanto no que aspecto quantitativo como no qualitativo, comprometendo a credibilidade no Poder Judiciário. A morosidade, o desgaste desnecessário e os gastos dispendidos em processos judiciais intermináveis, além dos constantes resultados insatisfatórios para as partes, tem demonstrado a necessidade de redimensionamento do significado de um direito fundamental insculpido na Constituição Federal, qual seja, o acesso à ordem jurídica justa. Nesse sentido, o mero acesso aos tribunais não é mais aceitável na conjuntura social atual, exigindo o Estado Democrático de Direito uma visão ampliada da dignidade da pessoa humana por meio da concretização do acesso à justiça. Trata-se da garantia de que o sistema jurídico, além de dever/ser igualmente acessível a todos, também possui a obrigação de produzir resultados justos, assim compreendidos como aqueles substancialmente eficazes. O acesso à justiça pode ser encarado “como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos”. (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 68). O crescimento demasiado do número de demandas e a procura por uma realidade cada vez mais vinculada aos valores éticos e sociais, tem aumentado significativamente as discussões acerca do que se convencionou chamar de (neo)constitucionalismo, um movimento cuja característica principal é o reconhecimento da Constituição como um verdadeiro instrumento de transformação social. Esse movimento de caráter transformador instaurado pelo Estado Democrático de Direito se concretiza por meio de um processo histórico que vislumbra uma nova forma de interpretar o Direito, restringindo “fortemente os poderes do Estado, ao mesmo tempo em que impõe a atuação deste para implementar o vasto rol de direitos que reconhece como fundamentais à existência humana de forma digna” (LEAL JUNIOR, 2012, p. 14). Vê-se, assim, a necessidade de superação dos obstáculos que impedem a pacificação social e o efetivo acesso à ordem jurídica justa por meio da utilização adequada do instituto da mediação, sendo este um meio complementar e auxiliar do Poder Judiciário, inspirado por um Direito mais humanizado e que se aproxime das necessidades cotidianas. Para que a sociedade possa utilizar e se beneficiar dos meios extrajudiciais de resolução de conflitos é imprescindível o desenvolvimento de uma nova cultura social que possibilite a compreensão e avaliação desses métodos, de forma a obter soluções mais rápidas, menos onerosas e efetivas. (CACHAPUZ, 2005, p. 16). Com o movimento do (neo)constitucionalismo nasce um compromisso para legisladores e operadores do direito, traduzindo-se na importância de valorização dos direitos fundamentais, principalmente a dignidade da pessoa humana e o 601

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL acesso à ordem jurídica justa por meio da utilização de meios não adversariais e seus respectivos objetivos, entre eles, o bem-comum e a pacificação social. REVISÃO DE LITERATURA Conflitos são decorrências naturais da condição humana que enfatizam a tendência à posição unilateral e estimulam a polarização das posições. A partir dessa constatação, cada vez mais, tem-se sentido a necessidade da existência e desenvolvimento de um Direito multidisciplinar e condizente com a realidade vigente, que seja capaz de atender aos anseios e expectativas sociais. As mudanças ocorridas no pós-guerra fixaram o marco histórico que deu origem ao movimento do neoconstitucionalismo, teoria conhecida pela proteção aos direitos fundamentais e “que se enquadra em um Estado em busca de efetividade e transformação, por meios racionais de correção, e em torno de uma identidade própria da Constituição.” (MOREIRA, 2008, p. 28). Ainda, temos que, para Lucas Machado Fagundes e Antônio Carlos Wolkmer (2011, p. 371), uma das tendências desse movimento político-jurídico é “a reinvenção do Estado [...] para além do reconhecimento constitucional, tomado como reinterpretação da concepção do direito e da justiça no processo de inovações jurídicas e políticas das instituições reconstituídas desde a realidade colonial”. Essa nova realidade, pautada no Estado Democrático de Direito e na dignidade da pessoa humana, tem acirrado significativamente a busca pela concretização do acesso à ordem jurídica justa. Dessa forma, torna-se indispensável a criação de instrumentos e o aprimoramento daqueles já existentes, para que a tutela jurisdicional seja efetiva e o processo cumpra sua missão de pacificação dos conflitos, tornando a prestação judicial mais célere, justa e adequada. (MARINONI; MITIDIERO, 2010, p. 22). Considerando que, nos dias atuais, a demora na entrega do bem da vida pretendido constitui um dos maiores obstáculos à concretização da justiça, torna-se imprescindível uma mudança na postura dos legisladores e dos operadores do direito, expandindo as formas de solucionar os conflitos por meio da implementação dos meios alternativos, como por exemplo, o instituto da mediação. Assim, “para melhor resolver conflitos, é preciso conhecer a teoria da negociação, a própria teoria do conflito e sua escalada (espiral do conflito), a teoria da mediação. Repete-se: a solução jurídica, por si só, não pacifica os contendores.” (BACELLAR, 2009, p. 87). Entretanto, percebemos que é o oposto que ocorre, pois, ao contrário do ideal magistralmente pontuado por Bacellar, a falta de uma cultura mediacional e a busca primária pela jurisdição contenciosa, faz com que o Poder Judiciário fique “abarrotado de processos e seu desafio de dar o mais amplo acesso à justiça (ordem jurídica justa) com rápida, eficaz e segura solução dos litígios, muitas vezes não tem sido cumprido.” (BACELLAR, 2009, p. 87). RESULTADOS E DISCUSSÃO A demora e ineficiência na prestação da tutela jurisdicional pelo Poder Judiciário têm aumentado as discussões acerca da possibilidade de utilização e dos benefícios 602

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL advindos dos meios alternativos de solução de conflitos, dando maior ênfase ao instituto da mediação. Com relação ao assunto, Kazuo Watanabe (2011, p. 383) assevera: O princípio de acesso à justiça, inscrito no n. XXXV do art. 5º, da Constituição Federal, não assegura apenas acesso formal aos órgãos judiciários, e sim um acesso qualificado que propicie aos indivíduos o acesso à ordem jurídica justa, no sentido de que cabe a todos que tenham qualquer problema jurídico, não necessariamente um conflito de interesses, uma atenção por parte do Poder Público, em especial do Poder Judiciário. [...] Mas é, certamente, na solução dos conflitos de interesses que reside a sua função primordial, e para desempenhá-Ia cabe-lhe organizar não apenas os serviços processuais como também, e com grande ênfase, os serviços de solução dos conflitos pelos mecanismos alternativos à solução adjudicada por meio de sentença, em especial dos meios consensuais, isto é, da mediação e da conciliação.

A mediação torna possível a análise do problema por meio da ótica valorativa do outro, ou seja, através da valorização dos anseios individuais dos supostos combatentes, de modo que as próprias partes envolvidas encontrem soluções viáveis para seus problemas, tornando o conflito uma situação construtiva a ser gerenciada. Entre as inúmeras vantagens decorrentes do uso da mediação, merecem destaque: a resolução de disputas de forma construtiva, o fortalecimento das relações sociais, a promoção de relacionamentos cooperativos, a exploração de estratégias que possam prevenir ou resolver futuras controvérsias (AZEVEDO, 2009, p. 20), a humanização das disputas, entre outras. Nesse sentido, o instituto da mediação se apresenta como um importante instrumento de solução de disputas, capaz de promover o diálogo entre as partes e a consequente resolução consensual, sendo seu principal objetivo a pacificação social. Essas características vêm de encontro com os ideais do neoconstitucionalismo e da democracia, razão pela qual, vêm sendo implantadas. Trata-se, pois, de buscar “a racionalização na distribuição da Justiça, com a subsequente desobstrução dos tribunais, pela atribuição da solução de certas controvérsias a instrumentos institucionalizados que buscam a autocomposição.” (GRINOVER, 2008, p. 23). Acerca da utilização da mediação como instrumento auxiliar do Judiciário, os ensinamentos de Roberto Portugal Bacellar (2009, p. 87): Ademais, ainda que a solução venha rápida, em muitas delas não tem havido pacificação, em face de que o modelo tradicional de jurisdição (pelo Poder Judiciário) ainda carrega consigo a característica da conflituosidade (ganha/perde), enquanto novas experiências, no mundo todo, propõem modelos consensuais (ganha/ganha) para solução das demandas. O fato de tratar das controvérsias como uma disputa entre “partes” (modelo conflitual – ganha/perde) gera prejuízo aos laços fundamentais e eventualmente afetivos existentes entre elas. 603

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Dentro desse contexto é que um movimento favorável à mediação pode oferecer uma nova visão para o Judiciário e uma nova mentalidade voltada à pacificação social. Por tratar-se de tão interessante e ampla temática, justifica-se a pesquisa ora apresentada, sendo de grande importância por realizar proposta de melhoria dos institutos apresentados e por contribuir para o debate doutrinário acerca de sua efetividade. CONCLUSÃO O movimento conhecido como neoconstitucionalismo tem ganhado força no ordenamento jurídico, ficando rotulado por seu caráter transformador e pela valorização dos direitos fundamentais. A ineficiência da máquina judiciária e a bagagem jurídica excessivamente formalista tem reforçado a necessidade da implementação de mudanças que sejam eficazes na concretização do efetivo acesso à ordem jurídica justa. A procura por novos meios de resolução de conflitos atende, antes de tudo, aos ideais da sociedade e de um Estado Democrático de Direito, aumentando a satisfação das partes em litígio por meio da resolução consensual, acarretando, consequentemente a pacificação social. A mediação permite, assim, a continuidade dos relacionamentos e a sensação de cumprimento da justiça, onde ambas as partes se sentem ganhadoras. Contudo, para que esse instrumento auxiliar do Poder Judiciário seja implantado com sucesso alguns óbices como a cultura da litigiosidade e na postura dos operadores do direito ainda se fazem imprescindíveis. Dessa forma, os ideais do neoconstitucionalismo, entre os quais destaca-se o acesso à ordem jurídica justa, poderão se concretizar, promovendo a pacificação com justiça e a realização dos direitos materiais pretendidos. REFERÊNCIAS AZEVEDO, André Gomma de. Fatores de efetividade de processos de resolução de disputas: uma análise sob a perspectiva construtivista. In: CASELLA, P.; SOUZA, L. (Coord.). Mediação de conflitos – novo paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2009. BACELLAR, Roberto Portugal. Sustentabilidade do Poder Judiciário e a mediação na sociedade brasileira. In: CASELLA, P.; SOUZA, L. (Coord.). Mediação de conflitos – novo paradigma de acesso à justiça. Belo Horizonte: Ed. Fórum, 2009. CACHAPUZ, Rozane da Rosa. Mediação nos conflitos & direito de família. Curitiba: Juruá, 2005. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Ed. Fabris, 1988.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL FAGUNDES, Lucas Machado; WOLKMER, Antônio Carlos. Tendências contemporâneas do constitucionalismo latino-americano: Estado plurinacional e pluralismo jurídico. Pensar, Fortaleza, v.16, n.2, jul.-dez. 2011. GRINOVER, Ada Pellegrini. Os fundamentos da justiça conciliativa. Revista Nacional de Magistratura, Brasília, v. 2. n. 5. p. 22-27. abr. 2008. LEAL JUNIOR, João Carlos. O direito à razoável duração do processo e os impactos econômicos da morosidade processual nos negócios empresariais. Dissertação apresentada ao curso de Mestrado em Direito Negocial, 2012. MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: críticas e propostas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. MOREIRA, Eduardo Ribeiro. Neoconstitucionalismo: a invasão da constituição. São Paulo: Método, 2008. WATANABE, Kazuo. Política Pública do Poder Judiciário Nacional para tratamento adequado dos conflitos de interesses. Revista de Processo (RePro), São Paulo, ano 136, v. 195, p. 381-390, maio 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ALCANCE NORMATIVO DO ART. 5º, INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: A DISCIPLINA E AS GARANTIAS DO DIREITO DE AÇÃO THE NORMATIVE COMPREHENSIVENESS OF THE FEDERAL CONSTITUTION’S ARTICLE 5, NUMBER XXXV: THE RIGHT OF ACTION’S DISCIPLINE AND GUARANTEES Thadeu Augimeri de Goes Lima Mestrando em Ciência Jurídica na Universidade Estadual do Norte do Paraná Endereço eletrônico: [email protected] RESUMO: O artigo estuda o alcance normativo do art. 5º., inciso XXXV, da Constituição Federal Brasileira. Vale-se dos métodos hipotético-dedutivo, dialético e histórico-evolutivo e parte de marcos teóricos inseridos na concepção instrumentalista do sistema processual. Inicia pela abordagem da evolução do conceito de ação e de seus atuais significados jurídico e político. Prossegue com a análise da normatividade do art. 5º., inciso XXXV, da Constituição Federal e de como ele estabelece a disciplina e as garantias do direito de ação. A conclusão confirma a hipótese trazida na Introdução, verificando que o dispositivo caracteriza o ponto fulcral de um verdadeiro regime jurídico do direito de ação. PALAVRAS-CHAVE: Art. 5º., inciso XXXV, da Constituição Federal Brasileira. Direito de ação. Regime jurídico. Disciplina e garantias. ABSTRACT: The paper studies the normative comprehensiveness of the Brazilian Federal Constitution‟s article 5, number XXXV. It uses the hypothetical-deductive, the dialectical and the historical-evolutionary methods and starts from theoretical frameworks inserted in the procedural system‟s instrumentalist conception. It begins with an approach to the evolution of the conception of action and to its current legal and political meanings. It advances by examining the normativity of the Federal Constitution‟s article 5, number XXXV, and how it establishes the right of action‟s discipline and guarantees. The conclusion confirms the hypothesis brought in the Introduction, verifying that the disposition characterizes the central point of a true legal regime to the right of action. KEYWORDS: Brazilian Federal Constitution‟s article 5, number XXXV. Right of action. Legal regime. Discipline and guarantees. SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1 NOTAS SOBRE O DIREITO DE AÇÃO, ONTEM E HOJE, E SEUS SIGNIFICADOS JURÍDICO E POLÍTICO; 2 ANALISANDO A NORMATIVIDADE DO ART. 5º., INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS. INTRODUÇÃO O objetivo do presente trabalho é analisar o alcance normativo do art. 5 o., inciso XXXV, da Constituição Federal, sob o prisma da disciplina e das garantias que 606

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL o preceito estabelece para o direito de ação, caracterizando o ponto fulcral de um verdadeiro regime jurídico concernente a este instituto fundamental do Direito Processual. São preferencialmente empregados, na consecução da tarefa proposta, os métodos hipotético-dedutivo, dialético e histórico-evolutivo. Com efeito, a hipótese levantada logo acima, posicionando-se no sentido da posição nuclear do enunciado normativo em dito regime jurídico, é submetida a falseamento mediante o confronto das normas extraíveis do dispositivo com outros institutos processuais conexos. Antes, porém, não pode ser olvidado o exame das origens históricas do conceito de ação e de seu desenvolvimento ao longo do tempo, bem como devem ser confrontados e criticamente avaliados os diferentes entendimentos de respeitados juristas que se debruçaram sobre o tema, procurando organizá-los em uma síntese superadora de suas possíveis contradições. Outrossim, o presente estudo parte de referenciais teóricos que se inserem na concepção doutrinária conhecida por instrumentalismo, notadamente as correntes que preconizam a força normativa dos princípios e regras processuais insculpidos na Constituição, a irradiação de seus efeitos sobre todo o Direito infraconstitucional e a necessidade de dotar o sistema processual de mecanismos que lhe confiram efetividade prática. Na primeira seção do trabalho se examinam a evolução do conceito de ação, desde o Direito Romano até hodiernamente, e de seus atuais significados jurídico e político. Em seguida, na segunda seção, abordam-se a normatividade do art. 5º., inciso XXXV, da Constituição Federal e o modo como ele estabelece a disciplina e as garantias do direito de ação, caracterizando o ponto fulcral de um verdadeiro regime jurídico, encerrando-se com a conclusão obtida no trato do assunto. 1 NOTAS SOBRE O DIREITO DE AÇÃO, ONTEM E HOJE, E SEUS SIGNIFICADOS JURÍDICO E POLÍTICO

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A ideia de ação não tem sido uniforme ao longo do curso histórico do Direito Processual. Com efeito, constata-se extrema diferença entre a percepção que se havia da actio do Direito Romano e o atual conceito de ação. Pode ser traçado, pois, um quadro evolutivo, de suas origens até hoje, passando sucintamente em revista as principais teorias construídas para explicar o instituto. Desde o Direito Romano, e até por volta do começo do século passado, era a ação considerada simples aspecto, acessório ou elemento integrante do direito material, ou mesmo a reação deste contra a sua violação. Tal doutrina ficou conhecida como teoria clássica, civilista ou imanentista da ação e apregoava, em linhas gerais, que não haveria ação sem direito e nem direito sem ação, nos moldes asseverados por SAVIGNY e como constava do art. 75 do Código Civil pátrio de 1916 (CÂMARA, 2008, p. 107-108; FREIRE, 2001, p. 47-48; GRINOVER, 1973b, p. 25-26; TESHEINER, 1993, p. 85-88). Na segunda metade do século XIX, contudo, a conhecida polêmica entre os romanistas alemães BERNHARD W INDSCHEID e THEODOR MÜTHER lançou as bases para o desfazimento da confusão conceitual entre o direito de ação e o direito substancial, culminando por demonstrar serem eles realidades distintas, porquanto a ação se desdobra em dois direitos, ambos de natureza pública: um deles reconhecido ao suposto prejudicado, de pleitear a prestação jurisdicional, voltado contra o Estado; e o outro para o próprio ente público, de corrigir a lesão jurídica, dirigido contra a parte que a causou (CÂMARA, 2008, p. 108; FREIRE, 2001, p. 48; GRINOVER, 1973b, p. 26; TESHEINER, 1993, p. 92-93). Surgiu assim a tese da autonomia do direito de ação, que passou a contar com enorme adesão dos juristas europeus da época e sobre a qual se firmaram dois posicionamentos: o que considerava a ação um direito autônomo e concreto e o que a compreendia como um direito autônomo e abstrato ao provimento jurisdicional. Para os defensores da primeira teoria, criada pelo jurista germânico ADOLPH WACH a partir do estudo da ação declaratória negativa e publicada inicialmente em 1885, no seu Manual de direito processual civil alemão (Handbuch des deutschen Zivilprozessrechts), o direito de ação, embora distinto do direito material lesado, somente existiria quando houvesse uma decisão favorável ao autor. Tratar-se-ia da 608

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL pretensão à tutela jurídica (Rechtsschutz-Anspruch) do Estado, direcionada simultaneamente contra este e contra o réu, dotada de natureza pública e dependente da concorrência de requisitos oriundos do ordenamento processual (os pressupostos processuais) e do ordenamento substancial (as condições da ação, tal como eram então percebidas) (FREIRE, 2001, p. 49; GRINOVER, 1978b, p. 26; NEVES, 1997, p. 93; TESHEINER, 1993, p. 93-94). GIUSEPPE CHIOVENDA (1998, p. 37-42) prestou adesão a essa doutrina, com sua ideia da ação como direito potestativo, não obstante entendesse que se voltaria apenas contra o demandado e que tenderia a produzir efeitos na esfera jurídica dele pela só vontade de seu titular. Conforme o mestre italiano (1998, p. 42), a ação se define como o “poder jurídico de dar vida à condição para a atuação da vontade da lei” (grifo no original). A segunda vertente, ao seu turno, preconizava que a ação consistiria no direito à resolução do conflito de interesses pelo Estado-juiz, independentemente da efetiva existência do direito material postulado. Bastaria ao demandante, para o exercício da ação, estar de boa-fé, acreditando verdadeiramente ter razão quanto à pretensão deduzida. Em feliz coincidência, posto que não se tem registro de prévios contatos entre seus artífices, foi desenvolvida por HEINRICH DEGENKOLB, na Alemanha, e por ALEXANDER PLÓSZ, na Hungria, no fim da década de 1870, vindo a conquistar a preferência de autorizadas vozes (CÂMARA, 2008, p. 110; GRINOVER, 1978b, p. 27-28; MARINONI, 2008, p. 177-178; TESHEINER, 1993, p. 88-89). Em 1949, na Itália, expôs ENRICO TULLIO LIEBMAN aquela que se convencionou chamar teoria eclética da ação, procurando em certa medida conciliar as opiniões precedentes. Distinguindo entre o poder ou direito de agir em juízo, de índole constitucional e consubstanciado na garantia genérica e incondicionada de irrestrito acesso ao Poder Judiciário, vera emanação do status civitatis, e a ação propriamente dita, de índole processual e apta a invocar e mover a atividade jurisdicional em busca do pronunciamento sobre ou a satisfação de uma pretensão, conferiu nova roupagem à categoria das condições da ação. Em sua lição, seriam elas requisitos para que, no plano concreto, a ação realmente existisse, possibilitando um juízo de mérito, porém não influindo na procedência ou improcedência do pedido, no processo de conhecimento, ou na satisfação do direito 609

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL material, no processo executivo (DINAMARCO, 2002a, p. 379-392; LIEBMAN, 1980, p. 131-136; MARINONI, 2008, p. 170-173; MONIZ DE ARAGÃO, 2002, p. 42; TESHEINER, 1993, p. 102). Pode-se afirmar ser mais aceita em nosso país, na atualidade, a teoria do direito autônomo e abstrato, temperada pela concepção liebmaniana das condições da ação, que lhe apara os exageros e confere à ação um nexo de instrumentalidade com o direito substancial (BUENO, 2010, p. 373-384; GRINOVER, 1973b, p. 31; MONIZ DE ARAGÃO, 2002, p. 41-44). Hodiernamente, pois, a ação é tida pela imensa maioria dos estudiosos brasileiros como um direito subjetivo público de exigir do Estado a prestação jurisdicional, pouco importando se de acolhimento ou rejeição da pretensão de quem o exerce, sendo assim abstrato; é ainda autônomo, porquanto desvinculado da existência do direito material pleiteado; e instrumental, por se relacionar a uma situação concreta regulada pelo ordenamento jurídicosubstancial, seja objetivando a formulação da norma jurídica de regência (atividade jurisdicional voltada à tutela cognitiva), seja intentando a atuação prática desta (atividade jurisdicional dirigida à tutela executiva em sentido amplo). Tecidas as observações acima, convém trazer à colação o magistério de CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, para quem a ação é “o direito ao exercício da atividade jurisdicional (ou o poder de exigir esse exercício)” (2010, p. 271). Trata-se do chamado conceito sintético de ação. O conceito analítico, por sua vez, é colocado por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (2002a, p. 367) como “a soma das posições jurídicas ativas do autor no processo”, abarcando os poderes de romper a inércia da função jurisdicional, de efetiva participação no procedimento, mediante as mais variadas atuações cabíveis, tais as de argumentar, provar, recorrer e instaurar incidentes, e de exigir a tutela efetiva de suas situações de vantagem (processuais e materiais). COMOGLIO, FERRI e TARUFFO (2011, p. 63-64), baseados em leitura do art. 24, primeiro parágrafo, da Constituição da República Italiana, mas em tudo aplicável à nossa realidade, veem na ação três elementos constitutivos: 1) o poder de propor ao juiz uma demanda, com a qual o autor pede a tutela de um seu direito subjetivo ou interesse legítimo; 2) o poder, derivado do primeiro e exercitável nas formas 610

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL permitidas durante o trâmite procedimental, de fazer valer as próprias razões, isto é, de cumprir no processo todas aquelas atividades necessárias ou úteis à obtenção da tutela pleiteada; e 3) o direito, subordinado ao sucesso das atividades mencionadas no número anterior, de conseguir do juiz um provimento tecnicamente idôneo a assegurar tutela adequada e efetiva à situação substancial levada a julgamento. O direito de ação, por conseguinte, em uma acepção sintética e conglobante de seus aspectos elementares antes citados, pode ser conceituado como o direito de obter a prestação jurisdicional integral, integralidade esta cujo conteúdo é variável e se submete a condicionamentos processuais e materiais. É corrente apontar a sede constitucional do direito de ação no art. 5º., inciso XXXV, da Carta Magna, o qual preconiza que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se, pois, de direito dotado de fundamentalidade formal e material (ALEXY, 2008, p. 520-523; SARLET, 2009, p. 74-78) e que ostenta, além de um significado jurídico, um importantíssimo significado político. Sob o ponto de vista jurídico, a ação é consectário da proibição da autotutela e da assunção da administração da justiça pelo Estado, bem como da opção jurídico-política deste pela inércia da função jurisdicional (ne procedat judex ex officio), mostrando-se o meio técnico apto a provocar e conduzir o seu exercício (GRINOVER, 1973b, p. 24; LIEBMAN, 1980, p. 135). Impedida a justiça de mão própria e excluída a atuação espontânea dos órgãos incumbidos de prestar a jurisdição, mas existente o dever destes de o fazer, o ente público há que oferecer aos jurisdicionados, em contrapartida, um mecanismo para ativá-la e para influir no seu resultado (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2010, p. 271; MARINONI, 2008, p. 206; MONIZ DE ARAGÃO, 1978, p. 70-71). Reconhece-se a eles, por conseguinte, o direito de ação, composto de poderes e faculdades de iniciativa e de participação processual. Erigida ao patamar constitucional, e ganhando assim status de direito fundamental, a ação se insere na categoria dogmática dos direitos a prestações ou a ações estatais positivas, mais especificamente no grupo dos direitos a organização e procedimentos (ALEXY, 2008, p. 488-490; CAMBI, 2009, p. 218-219; SARLET, 611

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 2009, p. 180, 196), como direito a procedimento em sentido estrito, embora também possa ser visualizada no âmbito dos direitos a proteção (ALEXY, 2008, p. 490). No quadro

empírico-positivo

dos

direitos

fundamentais,

a

ação

cobre

a

multifuncionalidade deles, isto é, pode ser utilizada conforme as suas necessidades funcionais. Coloca-se sobre todas essas funções e, na verdade, sobre todos os direitos fundamentais materiais, pois eles dependem, em termos de efetividade, do direito de ação. É a ação um direito fundamental processual, e não material, porém pode ser dita o mais fundamental dos direitos, porquanto imprescindível à efetiva concreção de todos eles (MARINONI, 2008, p. 205). Por outro ângulo, é direito cívico (LIEBMAN, 1980, p. 132; NERY JR., 2002, p. 103) de primeira geração ou dimensão, cujo liame com o conteúdo essencial do Estado de Direito é evidente (DINAMARCO, 2002b, p. 331-332; MONIZ DE ARAGÃO, 1978, p. 69). Não obstante, viu-se enriquecido com novas tonalidades face ao advento do Estado Democrático de Direito. Sobressai, a partir de tais observações, o seu significado político. Com a Revolução Francesa de 1789, uma radical mudança nos contextos social, político e econômico veio a lume. Os ideais burgueses de igualdade, liberdade e fraternidade transformaram a visão de mundo então arraigada, o que refletiu no campo jurídico mormente pela consagração do princípio da tripartição das funções estatais, fortalecendo ainda mais a garantia do due process of law. Foi com a divisão do exercício do poder entre órgãos distintos que o Estado passou a ser obrigado a obedecer as leis por ele mesmo ditadas. Instituído o sistema de freios e contrapesos, nasce um Estado em que ninguém mais detém, na organização política, poder incontrastável. Tal realidade é o Estado de Direito, cuja principal conquista se consubstancia no reconhecimento de direitos do particular em relação ao próprio Estado (direitos públicos subjetivos). O súdito se torna cidadão e o processo deixa de ser mero instrumento de controle social para se converter, também, em garantia do indivíduo frente ao Estado, em direito público subjetivo à proteção estatal do direito subjetivo material (GIDI, 1990, p. 199-200). O direito de ação, assim, identifica-se com a ideia do processo como garantia ativa, pois, diante de alguma ilicitude, mesmo oriunda dos Poderes Públicos, pode o prejudicado dele 612

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL se utilizar para buscar preveni-la ou remediá-la (GRECO FILHO, 1998, p. 46). Portanto, em primeiro lugar, o jus actionis, politicamente, é visto como instrumento de controle do poder. Ademais, é por intermédio da ação e da constante extensão de sua admissibilidade que se obtêm os bons resultados da abertura do acesso ao processo e à ordem jurídica justa, indispensáveis a um regime que aspire ser substancialmente democrático (DINAMARCO, 2002b, p. 332). Com efeito, a ampliação do conceito de cidadania para além de singela titularidade de direitos políticos stricto sensu enseja uma nova e imediata relação entre a legitimidade para agir e a democracia participativa. O alargamento da legitimação pode ser compreendido como corolário do Estado Democrático de Direito, que deve abrir “caminhos” para a participação popular na gestão do bem comum (MARINONI, 1996, p. 110). O regime de democracia participativa permite (e até incentiva) que a própria comunidade controle o Estado, seja pelos indivíduos mesmos, seja por segmentos organizados, agindo neste último caso em legitimação concorrentedisjuntiva com órgãos e entidades do setor público (MANCUSO, 2011, p. 88). Nessa perspectiva, as ações coletivas compõem instrumental capaz de trazer poderosa influência modernizadora ao sistema processual, uma vez que, superando a concepção da ação processual como expressão de um conflito individual, inauguram campo extraordinariamente prolífico para o exercício político da solidariedade, autorizando uma visão comunitária do Direito (SILVA, 2006, p. 319). Como bem destaca ADA PELLEGRINI GRINOVER, o reconhecimento e a necessidade de tutela jurisdicional dos interesses supraindividuais [...] puseram de relevo sua configuração política. Deles emergiram novas formas de gestão da coisa pública, em que se afirmaram os grupos intermediários. Uma gestão participativa, como instrumento de racionalização do poder, que inaugura um novo tipo de descentralização, não mais limitada ao plano estatal (como descentralização político-administrativa), mas estendida ao plano social, com tarefas atribuídas aos corpos intermediários e às formações sociais, dotados de autonomia e de funções específicas. Trata-se de uma nova forma de limitação ao poder do Estado, em que o conceito unitário de soberania, entendida como soberania absoluta do povo, delegada ao Estado, é limitado pela soberania 613

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL social atribuída aos grupos naturais e históricos que compõem a nação. (2000, p. 10)

Destarte, o direito de ação também se firma politicamente como instrumento de participação direta no exercício do poder. Frisadas a natureza jurídica e as características do direito fundamental de ação e expostos os seus significados jurídico e político, cabe passar ao exame do alcance normativo do art. 5o., inciso XXXV, da Lei Maior. 2 ANALISANDO A NORMATIVIDADE DO ART. 5º., INCISO XXXV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL O art. 5o., inciso XXXV, da Constituição da República traz preceito para o qual os estudiosos costumam apresentar variados nomes, todos eles, via de regra, encarados como sinônimos: princípio ou garantia da inafastabilidade do controle jurisdicional ou da inafastabilidade do Poder Judiciário (CÂMARA, 2008, p. 46; DINAMARCO, 2002a, p. 356; MARINONI, 1996, p. 110-111; NERY JR., 2002, p. 98; TESHEINER, 1993, p. 31), garantia do acesso à justiça (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2010, p. 88), princípio da proteção judiciária (GRINOVER, 1973a, p. 133), garantia da proteção judicial efetiva (MENDES, 2010, p. 591), dentre outros. O enunciado, outrossim, encontra seu primeiro antecedente constitucional expresso no art. 141, § 4o., da Constituição Brasileira de 1946, cuja redação foi reproduzida no art. 150, § 4o., da Constituição de 1967 (posteriormente renumerado para art. 153, § 4o., pela Emenda Constitucional n. 1/1969), não obstante haja quem o vislumbre, de forma embrionária, já no art. 179, inciso XII, da Constituição Imperial de 1824 (MENDES, 2010, p. 587; MONIZ DE ARAGÃO, 1978, p. 72). Impende notar que o vigente dispositivo se mostra semanticamente mais amplo que seus predecessores: a uma, porque estendida a sua dicção à via preventiva, para englobar a ameaça a direito; a duas, porque suprimida a referência a direitos individuais, presente naqueles (CINTRA; DINAMARCO; GRINOVER, 2010, p. 87). Cumpre, então, fixar-lhe o alcance normativo e verificar em que moldes 614

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL atualmente disciplina e garante o direito fundamental de ação no ordenamento jurídico pátrio. No ensejo dessas indagações, é de total pertinência a observação de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, para quem Os resultados dos modernos estudos de direito processual impõem que se confira à ação uma configuração marcadamente teleológica, não mais restrita aos tradicionais aspectos técnico-jurídicos do instituto e agora voltada à definição dos meios postos à disposição das pessoas para o efetivo acesso à ordem jurídica justa. A garantia constitucional da ação (Const., art. 5o., inc. XXXV), modernamente explorada pelo prisma da inafastabilidade do controle jurisdicional, espelha a tendência expansiva em direção à universalidade da jurisdição, no duplo significado de ampla abertura da Justiça, eliminando resíduos não-jurisdicionáveis, e de busca de soluções capazes de conduzir à efetividade da tutela jurisdicional. Vista assim, a ação é hoje encarada como instituto intimamente ligado aos postulados do Estado-social-de-direito e à ampla garantia do devido processo legal, na extraordinária dimensão com que esta passou a ser considerada. (2002a, p. 356)

Nessa mirada teleológica, identificamos no art. 5o., inciso XXXV, da Lei Maior o centro de gravidade ou ponto fulcral de um verdadeiro regime jurídico do direito de ação, estruturado por normas que instituem posições jurídicas subjetivas para os jurisdicionados e para o Estado. Como anota ELIO FAZZALARI (2006, p. 81-82), a norma, além de padrão de valoração de uma conduta, pode e deve ser contemplada sob outros ângulos. Assim, mediante operação lógica, é possível e útil destacar o sujeito a quem a norma se dirige, seguindo o modelo de comportamento pela mesma traçado, e fazer emergir a posição do sujeito em relação à norma, imputando-se a ele a valoração normativa. Tal posição jurídica subjetiva é indicada com os termos faculdade e poder, se a norma valora a conduta como lícita (permitida), e com o termo dever, se a valora como obrigatória. Faculdade e poder se distinguem por consistir a primeira em autorização para a prática de um ato de cunho eminentemente material (por exemplo, usar um bem), ao passo que, no último, à autorização para a prática do ato se soma a atribuição de efeitos jurídicos ao aludido ato, decorrentes da vontade do sujeito (por exemplo, alienar um bem). Faculdade, poder e dever são chamados 615

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL posições jurídicas primárias, em razão de se caracterizarem como básicas ou elementares no relacionamento lógico sujeito-norma, e se combinam para formar outras mais complexas. Ainda de acordo com o mestre italiano (2006, p. 81, 83-86), por intermédio de outra passagem lógica, pode-se ligar o objeto do comportamento regulado pela norma ao sujeito a quem esta assegura situação de proeminência relativamente ao dito objeto, revelando uma posição jurídica de segundo grau: o direito subjetivo. Ao seu turno, o dever, quando correlato a um direito subjetivo, ou seja, quando posto em função da concretização daquela situação de proeminência, é tecnicamente denominado obrigação. A partir do binômio direito subjetivo-obrigação se compõe o esquema da relação jurídica. Por derradeiro, um direito subjetivo pode resultar do agregado de várias normas e, por conseguinte, de várias posições jurídicas. É o que ocorre, entre outros, com o direito de propriedade, composto de faculdades e poderes de uso, fruição e disposição de um dado bem, outorgados ao proprietário deste, e de deveres gerais de abstenção (não-turbação) impostos erga omnes. É também o caso do direito de ação, como passamos a analisar. Transportando os conceitos fundamentais acima elencados com vistas à interpretação mais usual que a doutrina confere ao texto do art. 5o., inciso XXXV, da Carta Magna, constata-se que dele é viável extrair um conjunto de normas, especificamente

regras

de

comportamento,

que

estabelecem

situação

de

proeminência dos jurisdicionados em geral e impõem deveres ao Estado em função dela, tendo como objeto referencial a prestação jurisdicional. Destarte, reconhece-se que esse agregado de normas e de posições jurídicas subjetivas delas derivado configura em favor dos jurisdicionados, sejam pessoas físicas ou jurídicas ou mesmo entes dotados tão-somente de personalidade judiciária (MENDES, 2010, p. 606), um direito subjetivo tocante à exigência da prestação jurisdicional, de natureza pública, porquanto voltado contra o Estado, a quem se imputam os deveres correlatos ou, mais apropriadamente, as obrigações que se conectam àquele e cujo cumprimento fica a cargo de seus órgãos judiciais. Tal direito público subjetivo, formado pelo complexo de normas e de posições jurídicas subjetivas decorrentes, é exatamente o direito de ação, guindado pela Constituição ao patamar de direito fundamental. 616

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Confirmada a previsão da ação já no estrato jusfundamental, cabe especificar, ainda em conformidade com a ordem constitucional em vigor, o seu conteúdo enquanto direito subjetivo, inclusive de modo a melhor delimitar as obrigações estatais em função dela e os contornos do próprio objeto que assegura aos seus titulares, repita-se, a prestação jurisdicional. Nesse passo, salienta-se que a orientação teórica mais avançada e afinada com a dogmática dos direitos fundamentais tem conferido ao direito de ação feição bastante ampla e generosa (SARLET, 2009, p. 197), abrangendo posições de vantagem concernentes não só ao fim a que se predispõe, como ainda aos meios necessários a atingi-lo e, quando julgada procedente a pretensão que através de seu exercício se deduz, aos resultados prático-jurídicos que desse fim se esperam. Emblemática é a lição de LUIZ GUILHERME MARINONI, concluindo que o preceito insculpido no art. 5o., inciso XXXV, da Constituição Federal significa, a um só tempo, que: […] i) o autor tem o direito de afirmar lesão ou ameaça a direito; ii) o autor tem o direito de ver essa afirmação apreciada pelo juiz quando presentes os requisitos chamados de condições da ação pelo art. 267, VI, do CPC; iii) o autor tem o direito de pedir a apreciação dessa afirmação, ainda que um desses requisitos esteja ausente; iv) a sentença que declara a ausência de uma condição da ação não nega que o direito de pedir a apreciação da afirmação de lesão ou de ameaça foi exercido ou que a ação foi proposta e se desenvolveu ou foi exercitada; v) o autor tem o direito de influir sobre o convencimento do juízo mediante alegações, provas e, se for o caso, recurso; vi) o autor tem o direito à sentença e ao meio executivo capaz de dar plena efetividade à tutela jurisdicional por ela concedida; vii) o autor tem o direito à antecipação e à segurança da tutela jurisdicional; e viii) o autor tem o direito ao procedimento adequado à situação de direito substancial carente de proteção. (2008, p. 221)

A respeito da tutela jurisdicional efetiva, e de maneira semelhante, acentuam COMOGLIO, FERRI e TARUFFO (2011, p. 33) que a existência dela representa variável dependente da disponibilidade de remédios processuais construídos realisticamente em função das necessidades que emergem dos diversos tipos de situações substanciais, bem como da eficiência destes remédios em termos de acessibilidade e funcionalidade, o que, reconhecem, afigura-se como hipótese ideal bastante difícil 617

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de se realizar em concreto, mas que constitui um sistema de referência pelo qual se devem orientar os ordenamentos processuais. Segundo o trio de mestres italianos (2011, p. 67), a tutela em sentido constitucional, a que tende a ação, vem a implicar: a) a possibilidade séria e efetiva de obter do juiz um provimento que seja compatível e homogêneo com a natureza das situações subjetivas tuteláveis, satisfazendo plenamente a necessidade da tutela para elas invocada; b) a elasticidade e a diferenciação das formas de tutela, em relação às características variáveis dos direitos ou interesses pretendidos com o exercício da ação; c) a relevância garantista das formas de tutela admissíveis, posto que homogêneas com as situações tuteláveis e adequadas ao ponto de lhes conceder o máximo possível de proteção concreta. Assim, conforme frisa EDUARDO CAMBI (2009, p. 218-219), é importante ficar clara, na formulação de técnicas idôneas, a inserção da ação no contexto dos direitos

a

organização

e

procedimentos,

vistos

como

direitos

tanto

ao

estabelecimento de determinados institutos processuais ou de certos ritos quanto a uma dada interpretação ou aplicação concreta das normas processuais, vinculando simultaneamente o legislador e os órgãos judiciais. Para ele, o art. 5o., inciso XXXV, da Lei Maior não assegura apenas o direito de acesso à justiça, que de nada adiantaria se o processo judicial deixasse de garantir meios e resultados, devendo ser interpretado como um direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, célere e efetiva. Fazendo coro a esses ensinamentos, porém de modo ligeiramente diverso, entendemos que do enunciado em apreço, conjugado com os incisos LIV (garantia do devido processo legal), LV (garantias do contraditório e da ampla defesa) e LXXVIII (garantias da duração razoável e da celeridade do processo), todos do mesmo art. 5o., extrai-se, por via interpretativa, uma norma principiológica, dirigida ao legislador e ao Poder Judiciário, que institui o direito público subjetivo fundamental à tutela jurisdicional qualificada pelos predicados de adequação, tempestividade e efetividade. Trata-se de princípio jurídico, eis que sobrelevam o seu caráter imediatamente finalístico e primariamente prospectivo e a pretensão de complementaridade e de parcialidade, demandando, para sua aplicação, a avaliação 618

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção (ÁVILA, 2009, p. 78-79). No caso, o estado de coisas a ser promovido é a aspiração axiológica do acesso à ordem jurídica justa, o que evidencia o íntimo liame da aludida tutela jurisdicional qualificada com a garantia do devido processo legal, contemporaneamente traduzida como direito ao processo justo (NERY JR., 2002, p. 32). Ademais, tal princípio se impõe ao legislador, exigindo dele a construção e o desenvolvimento de formas procedimentais e de técnicas processuais aderentes às necessidades do direito material (adequadas, céleres e efetivas), e aos órgãos jurisdicionais, exigindo que, nas situações concretas sob sua apreciação, valham-se daquelas que se mostrarem melhores e mais indicadas para conferir cabal proteção ao interesse ou direito substancial em tese ameaçado ou lesionado, inclusive fazendo as pertinentes adaptações, bem como que, na ausência de lei expressa, supram a omissão impeditiva dessa proteção (CAMBI, 2009, p. 222; MARINONI, 2008, p. 206-207). Do exposto, verifica-se que, no atual panorama constitucional, a expressão tutela jurisdicional não pode mais ser conceituada restritivamente como proteção dada somente a quem tem razão no plano do direito material, tal qual sustentam ENRICO TULLIO LIEBMAN (1980, p. 129), CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO (1996, p. 29) e JOSÉ ROBERTO

DOS

SANTOS BEDAQUE (1997, p. 24), devendo ser compreendida em

sentido extensivo, que abarque todas as modalidades e espécies de tutela passíveis de serem concedidas pelo Estado-juiz, sejam elas preventivas ou repressivas, satisfativas ou cautelares, provisórias ou definitivas. LUIZ GUILHERME MARINONI (1996, p. 123) adverte que quem parte da premissa de que só possui direito à adequada tutela jurisdicional aquele que tem razão perante o ordenamento substancial não consegue dar a abrangência necessária à inafastabilidade do controle jurisdicional, que garante a todos, estejam ou não amparados no plano material, a adequada tutela jurisdicional. O direito de ação, completa, tem como corolário o direito ao procedimento adequado e à tutela do direito afirmado, pouco importando se aquele que propõe a demanda ostenta, verdadeiramente, o direito material. Nessa linha de raciocínio, entendemos que tutela jurisdicional, em acepção compatível com a promessa constitucional de proteção judicial efetiva (MENDES, 619

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 2010, p. 591), há que ser concebida como a proteção real e concreta outorgada por meio da atividade jurisdicional a situações jurídicas subjetivas consideradas relevantes pelo ordenamento jurídico, seja por estarem sujeitas a palpável risco, seja por corresponderem, ainda que prima facie, ao conteúdo de comandos normativos, e independentemente de guardarem natureza substancial ou processual. Ela não se limita ao plano lógico-jurídico, antes e com maior ênfase atuando no mundo empírico, no propósito de ensejar resultados práticos idênticos ou aproximados ao máximo dos que seriam obtidos com a voluntária observância da norma. Outrossim, não faz distinção entre meras pretensões, interesses jurídicos ou direitos definitivamente reconhecidos, de feição material ou instrumental, pondo-se a resguardá-los sempre que dotados de relevância jurídica e carentes de proteção. Tem-se destarte uma conceituação ampla do fenômeno, capaz de colocar sob sua égide toda a tipologia apresentada nas classificações doutrinárias (tutelas preventiva e repressiva; tutelas satisfativa – cognitiva e executiva – e cautelar; tutelas interinal ou provisional e definitiva etc.). Embora alguns juristas preconizem o estudo da tutela jurisdicional como instituto processual autônomo (BUENO, 2010, p. 309; DINAMARCO, 1996, p. 1920), preferimos enxergar o direito público subjetivo fundamental a ela (qualificada pela adequação, pela tempestividade e pela efetividade) como elemento, aspecto, extensão, modalidade ou prolongamento dos próprios direitos fundamentais de ação e de defesa, nos exatos moldes dos direitos processuais à prova e ao recurso. De fato, a proteção pelo Poder Judiciário pode ser dada tanto ao autor quanto ao réu, o que se explica por conta do paralelismo usualmente visto entre a ação e a defesa, unidas pelo processo, definido como procedimento (adequado) em contraditório. Todavia, como tal paralelismo não significa plena identidade e nem tem caráter absoluto, a tutela jurisdicional apresenta mais intensidade e maior variabilidade quando ligada às posições ativas inerentes ao direito de ação, razão por que, inclusive, em perspectiva que destaca o nexo instrumental da ação, serve-lhe de critério classificatório. Note-se que a tutela jurisdicional, quando conferida ao réu que se manteve em postura exclusivamente defensiva no curso procedimental, resumese ao juízo de inadmissibilidade, com a extinção do processo sem resolução do 620

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL mérito, ou a uma sentença de improcedência que muitas vezes sequer declara a inexistência da relação jurídica aventada pelo autor como fundamento de sua pretensão, limitando-se ao non liquet (por exemplo, no julgamento de improcedência por insuficiência probatória da parte do demandante). Diferentes, ao seu turno, são as hipóteses nas quais o demandado assume postura ativa e exerce também o direito de ação no mesmo processo, manejando reconvenção ou pedido contraposto, ou das chamadas ações dúplices, em todas elas podendo, desde que obtenha êxito, beneficiar-se das acrescidas intensidade e variabilidade adrede ressaltadas. Esclarecido o vínculo que vislumbramos entre o direito fundamental de ação e o direito fundamental à tutela jurisdicional adequada, célere e efetiva, justifica-se o motivo pelo qual anteriormente conceituamos o primeiro, em uma acepção sintética, como o direito de obter a prestação jurisdicional integral, integralidade esta que tem conteúdo variável e se submete a condicionamentos processuais e materiais. A tutela jurisdicional é um elemento, aspecto, extensão, modalidade ou prolongamento tanto da ação quanto da defesa, e portanto também uma eventualidade relativamente a uma e outra. Isto é, pode ou não ser outorgada ao autor, assim como pode ou não ser outorgada ao réu. Porém, ainda que não seja contemplado com a tutela jurisdicional, o demandante sempre obterá a prestação jurisdicional, que é a resposta devida pelo Estado-juiz ao exercício do direito de ação, inobstante o seu teor. Conforme registra ANTONIO GIDI, […] o direito de ação é o direito subjetivo público do cidadão à prestação jurisdicional devida pelo Estado, vale dizer, o direito a uma sentença. Não a uma sentença favorável, como querem os concretistas; nem a uma sentença de mérito, como propôs, diplomaticamente, Liebman. O direito de ação é um direito a uma sentença de qualquer conteúdo, seja pela procedência do pedido, seja pela improcedência, seja pela extinção do processo sem julgamento do mérito, seja até mesmo pelo indeferimento da inicial. (1990, p. 202)

Logo, essa resposta estatal pode ou não vir acompanhada de qualquer uma das modalidades de tutela jurisdicional enumeradas pela doutrina. Dizer que a prestação jurisdicional há que ser integral e que esta integralidade é processual e 621

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL materialmente condicionada, por outro lado, equivale a afirmar que o autor tem o direito de obter tudo e exatamente aquilo que sua situação concreta lhe garante perante os planos processual e substancial. Assim, se não reúne as condições da ação, a integralidade se dará com a prolação de sentença terminativa. Ainda, se as reúne, porém não ostenta o direito material alegado, a integralidade estará satisfeita com a prolação de sentença de mérito que julgue improcedente sua pretensão. Por derradeiro, se, além de preencher as condições da ação, o demandante vem a demonstrar a existência de seu direito substancial, a integralidade somente se perfará com a entrega da efetiva tutela jurisdicional. Sem prejuízo, em qualquer dessas hipóteses, poderá ele também fazer jus, por exemplo, à tutela provisional ou à tutela cautelar, as quais então deverão compor a aludida integralidade. A previsão das normas que conferem supedâneo ao direito fundamental de ação e (em parte, como frisado) ao direito fundamental à tutela jurisdicional qualificada, entretanto, não esgota a normatividade do art. 5o., inciso XXXV, da Constituição da República. Completando o que chamamos de regime jurídico do direito de ação, a partir dele também se estruturam regras de competência que estabelecem verdadeiras garantias institucionais em prol daqueles direitos fundamentais contra investidas dos Poderes Públicos tendentes a tolhê-los indevidamente. Com efeito, trata-se de dispositivo que traz simultaneamente delimitação material, reserva e delimitação substancial (conteudística ou objetiva) de competência. Ao consignar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (grifos nossos), o enunciado delimita materialmente (diz quem pode exercê-la) ao legislador e reserva (diz por meio de que ato jurídico deve exercê-la) à lei a competência para intervenções nos âmbitos de proteção dos direitos fundamentais de ação e à tutela jurisdicional qualificada. Para exata intelecção acerca de qual órgão legiferante e qual fonte normativa são constitucionalmente aptos a promover tais intervenções, o inciso XXXV do art. 5o. precisa ser conjugado com o art. 22, caput, inciso I, e parágrafo único, com o art. 62, § 1º., alínea b, e com o art. 68, § 1º., inciso II, da Carta Magna, resultando que o legislador há que ser o Poder Legislativo da União e que a lei pode adotar a forma 622

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de emenda constitucional, lei complementar ou lei ordinária. As intervenções nos âmbitos de proteção dos direitos fundamentais em tela, portanto, estão sujeitas a reserva legal simples, isto é, despida de pressupostos ou objetivos específicos a serem observados (SARLET, 2009, p. 392). Significa, por conseguinte, que ao Poder Executivo e ao Poder Judiciário é vedado interferir originariamente sobre eles, impondo-lhes condicionamentos, exigências ou restrições não previstos em lei. Em acréscimo, ao preconizar que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (grifos nossos), o enunciado delimita substancial, conteudística ou objetivamente, de maneira negativa (diz o que não pode ser feito no seu exercício), a competência para intervenções nos âmbitos de proteção dos direitos fundamentais de ação e à tutela jurisdicional qualificada, proibindo que a lei venha a afastar irremediavelmente do crivo jurisdicional as afirmações de lesão ou ameaça a direito, inclusive no que tange às medidas provisionais e cautelares de que se mostrem carentes (CÂMARA, 2008, p. 47-49). Sob outro ângulo, contrario sensu, autoriza-lhe a conformação, a regulamentação e a limitação dos mencionados direitos fundamentais, que no entanto sempre se mostrarão passíveis de controle com base na proporcionalidade e na razoabilidade. Nesse sentido, convém destacar que o exercício da ação, conforme cediço entendimento, não é ilimitado, podendo ser submetido a uma sorte de exigências, cuja ausência caracterizará sua abusividade e inadmissibilidade (COMOGLIO; FERRI; TARUFFO, 2011, p. 278; TORNAGHI, 1953, p. 8). São as adrede mencionadas condições da ação, que encontram seu fundamento de validade justamente na sobredita possibilidade do legislador federal de balizar o âmbito de proteção do jus actionis. CONCLUSÃO O direito de ação é tido por ampla parcela da doutrina brasileira como um direito subjetivo público, autônomo, abstrato e instrumental, cuja previsão normativa se encontra no art. 5º., inciso XXXV, da Constituição Federal. Trata-se, portanto, de direito dotado de fundamentalidade formal e material que, no quadro empírico623

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL positivo dos direitos fundamentais, cobre a multifuncionalidade deles, e que se insere na categoria dogmática dos direitos a prestações ou a ações estatais positivas,

mais

especificamente

no

grupo

dos

direitos

a

organização

e

procedimentos, como direito a procedimento em sentido estrito, embora também possa ser visualizado no âmbito dos direitos a proteção. Sob o ponto de vista jurídico, a ação é consectário da proibição da autotutela e da assunção da administração da justiça pelo Estado, bem como da opção jurídico-política deste pela inércia da função jurisdicional, caracterizando um direito cívico de primeira geração ou dimensão, cujo liame com o conteúdo essencial do Estado de Direito é evidente, e que se viu enriquecido com novas tonalidades face ao advento do Estado Democrático de Direito. Sob a perspectiva política, o direito de ação primeiramente se identifica com a ideia do processo como garantia ativa, mostrando-se um instrumento de controle do poder. Outrossim, a extensão de sua admissibilidade e a ampliação da legitimidade para o seu manejo guardam conexão com a abertura para a democracia participativa e com o fomento do exercício político da solidariedade, fazendo com que a ação também se firme como instrumento de participação direta no exercício do poder. O art. 5o., inciso XXXV, da Lei Maior consubstancia o centro de gravidade ou ponto fulcral de um verdadeiro regime jurídico do direito de ação, estruturado por normas que instituem posições jurídicas subjetivas para os jurisdicionados e para o Estado. Dele é viável extrair, de ínício, regras de comportamento que configuram em favor dos jurisdicionados um direito subjetivo tocante à exigência da prestação jurisdicional, voltado contra o Estado, a quem se imputam as obrigações que se conectam àquele e cujo cumprimento fica a cargo de seus órgãos judiciais. É exatamente o direito de ação, cuja feição, conforme a orientação teórica mais avançada e afinada com a dogmática dos direitos fundamentais, mostra-se bastante ampla e generosa, abrangendo posições de vantagem concernentes não só ao fim a que se predispõe, como ainda aos meios necessários a atingi-lo e, quando julgada procedente a pretensão que através de seu exercício se deduz, aos resultados 624

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL prático-jurídicos que desse fim se esperam. Sobressai, assim, o vínculo do direito fundamental de ação com o direito fundamental à tutela jurisdicional qualificada pelos predicados da adequação, da tempestividade e da efetividade, reflexo de norma principiológica construída a partir da conjugação dos incisos XXXV, LIV, LV e LXXVIII, todos do art. 5o. da CF. A previsão das normas que conferem supedâneo ao direito fundamental de ação e (em parte) ao direito fundamental à tutela jurisdicional qualificada, entretanto, não esgota a normatividade do art. 5o., inciso XXXV, da Constituição da República, a partir do qual também se estruturam regras de delimitação material, de reserva e de delimitação substancial (conteudística ou objetiva) negativa e positiva de competência, que estabelecem verdadeiras garantias institucionais em prol daqueles direitos fundamentais contra investidas dos Poderes Públicos tendentes a tolhê-los indevidamente, completando-se o regime jurídico em apreço. REFERÊNCIAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo: influência do direito material sobre o processo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v. 1. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 18. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. 1. CAMBI, Eduardo. Neoconstitucionalismo e neoprocessualismo: direitos fundamentais, políticas públicas e protagonismo judiciário. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio. Campinas: Bookseller, 1998. v. 1.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 26. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. COMOGLIO, Luigi Paolo; FERRI, Corrado; TARUFFO, Michele. Lezioni sul processo civile: il processo ordinario di cognizione. 5. ed. Bolonha: Il Mulino, 2011. v. 1. DINAMARCO, Cândido Rangel. Tutela jurisdicional. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 92, n. 334, p. 19-41, abr./mai. 1996. ______. Execução civil. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2002a. ______. Fundamentos do processo civil moderno. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2002b. t. 1. FAZZALARI, Elio. Instituições de direito processual. Tradução de Elaine Nassif. Campinas: Bookseller, 2006. FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Condições da ação: enfoque sobre o interesse de agir. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. GIDI, Antonio. A dimensão política do direito de ação. Revista de Processo, São Paulo, v. 15, n. 60, p. 196-207, out. 1990. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. GRINOVER, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1973a. ______. O direito de ação. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 62, n. 451, p. 24-31, mai. 1973b. ______. Significado social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos. Revista de Processo, São Paulo, v. 25, n. 97, p. 9-15, jan. 2000. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile. 4. ed. Milão: Giuffrè, 1980. v. 1. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. MARINONI, Luiz Guilherme. Novas linhas do processo civil. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. ______. Teoria geral do processo. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. 626

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MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais de caráter judicial e garantias constitucionais do processo. In: MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 587-819. MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. O Estado de Direito e o direito de ação: (a extensão do seu exercício). Revista Brasileira de Direito Processual, Rio de Janeiro, v. 4, n. 16, p. 69-91, out./dez. 1978. ______. Hobbes, Montesquieu e a teoria da ação. Revista Forense, Rio de Janeiro, v. 98, n. 363, p. 39-49, set./out. 2002. NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. NEVES, Celso. Estrutura fundamental do processo civil: tutela jurídica processual, ação, processo e procedimento. Rio de Janeiro: Forense, 1997. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia: o paradigma racionalista. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. TESHEINER, José Maria Rosa. Elementos para uma teoria geral do processo. São Paulo: Saraiva, 1993. TORNAGHI, Helio. Processo penal. Rio de Janeiro: A. Coelho Branco Filho, 1953. v. 1.

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CONTRATOS CONTEMPORÂNEOS

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CARTÃO DE CRÉDITO E RESPONSABILIDADE DERIVADA DO ABUSO DO DIREITO CREDIT CARD ABUSE AND LIABILITY ARISING FROM THE RIGHT Alessandra Celestino de Oliveira.UNIMAR-UNIVERSIDADE DE [email protected] Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira. UNIMAR-UNIVERSIDADE DE MARALIA- [email protected] Resumo: A utilização dos cartões de crédito na economia brasileira é de suma importância, sendo forma de negociação utilizada nas operações comerciais, movimentando cifras incalculáveis de valores, neste contexto analisando a responsabilidade civil das administradoras de cartão de crédito no mercado de consumo. Palavras-chave: Cartões de Crédito, Economia, Responsabilidade Civil. Abstract: The use of credit cards in Brazil's economy is of paramount importance, being used form of negotiation in business operations, moving untold numbers of values in this context by analyzing the liability of managers of credit card in the consumer market. Keywords: Credit Cards, Economics, Civil Liability. Introdução Os agentes da economia envolvidos no processo econômico, especificamente nos contratos de cartões de crédito, o abuso de direito deve ser repreendido, sendo um fenômeno social das relações e da responsabilidade objetiva. A falta de um sistema formalizado de falência dos consumidores teve um papel importante no crescimento de suas dívidas tornando-se imprescindível a análise da responsabilidade dessas partes no contexto contratual. Revisão de literatura O endividamento dos consumidores, pessoas físicas aponta consequências sérias em decorrência do aumento das dívidas. Em abril de 2010, o Ministério de Justiça elaborou um relatório através do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), através de seu sistema de informações no período de 01.01.2007 a 31.12.2009. De posse desses dados, LIMA (2012, p. 239) chega às seguintes conclusões:- Que o cartão de crédito respondeu por 12,09% do total das demandas levadas aos Procons do período; Que representou 1/3 (33,92%) das demandas relativas ao setor financeiro; Cobranças indevidas (44,71%) e Contrato (16,34%) correspondem a 61,05% das demandas registradas em cartão de crédito. Para serem estudadas as condutas/cláusulas que oneram a grande massa de consumidores, didaticamente convém a análise nos seus aspectos operacionais e 629

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL nos aspectos financeiros da operação que envolve este instituto com base no abuso do direito, estabelecendo-se as responsabilidades dessas partes no contexto contratual. No que tange os aspectos operacionais da responsabilidade decorrentes de negligência: furto, perda, roubo, extravio, clonagem, emissão sem anuência do titular, não existe diferença interpretativa nas situações de perda, furto, roubo, extravio e clonagem de cartões de crédito, trabalhando somente nas situações de uso indevido do produto por terceiros, trabalhando nestas hipóteses nos contratos de adesão com cláusulas de transferência de riscos, transferindo para o cliente, os riscos do empreendimento, nas hipóteses retro mencionadas. BRANCO (1988, p.152) analisa que tal cláusula fere os princípios da boa-fé e da autonomia da vontade, como violenta a própria teoria contratual, por onerar o titular de uma obrigação sem ter causa conexa, “o risco deve ser de quem tem o dever de identificar o titular, assim com a administradora deve ser responsável pelo fornecimento de informações e condições necessárias à identificação do titular. Da loja vendedora é risco de aceitar o cartão sem conferi-lo e sem exigir a comprovação devida, com a cautela recomenda, devendo, em tal hipótese, arcar com os prejuízos”. O posicionamento dos agentes econômicos no contexto contratual atual reflete o risco ou “teoria do risco do empreendimento”. Como salienta MORAES (2004, p. 61) [...] “pela teoria do risco do empreendimento, o empreendedor responde pelos riscos gerados por seus atos. Independentemente de culpa, a administradora deverá, neste caso, sofrer os riscos decorrentes de sua operação. Além disso, o ônus de provar a culpa exclusiva do consumidor para se exonerar da responsabilidade civil, deve ser transferida para a entidade emissora ou para o fornecedor”. Outro aspecto que chama atenção é o envio dos cartões de crédito sem autorização dos clientes. Esta falha ou falta de conexão do CMN com o mercado encontra-se na regulação da Responsabilidade das Administradoras pelo BACEN no caput do art. 10 da CMN 3919/10, que assim estabelece sobre o envio de cartões de crédito. Art. 10. As instituições mencionadas no art. 1º que emitam cartão de crédito ficam obrigadas a ofertar às pessoas naturais cartão de crédito básico, nacional ou internacional. Analisando o dispositivo, em simplória interpretação, visualiza-se uma incompatibilidade com os pressupostos da atividade financeira, em vista da falta de análise de crédito, ferindo a técnica bancária já cristalizada nas normas do BACEN. Como anota SANTOS (2010, p. 386): Por fim, mas de maior importância, uma indiscriminada obrigação de contratar com pretendentes a titulares de cartão de crédito, sem uma adequada análise de crédito de cada um deles, feriria a boa técnica bancária, princípio básico que rege a atuação das instituições financeiras e que está cristalizado em inúmeros dispositivos do CMN e BACEN. Desta maneira, a obrigatoriedade de fornecer cartões à pessoas naturais atende a necessidade de emitir papel-moeda pelo Banco Central; todavia, abre precedentes aos problemas de negligência no fornecimento do dinheiro cartão aos consumidores. O envio de cartão sem prévia autorização do titular, nos termos do artigo 39, III, do CDC, constitui prática abusiva. Não se pode enviar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto ou fornecer-lhe qualquer serviço. Conforme têm reconhecido nossos Tribunais, a responsabilidade nesta hipótese é objetiva, de tal forma que se inverte o ônus da prova, cabendo ao réu provar que sua prática não causou dano ao cliente. 630

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Nada obstante, tal prática ilegal e abusiva, até pouco tempo, foi bastante executada. Todavia, a flagrante ilegalidade exigiu da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça ação mais enérgica com aplicação de sanções mais severas. Se não bastasse o bom senso indicar que tal prática por si só seja abusiva e, em face disso, deva ser punida a infratora, impressionam os casos, que não são poucos, de indenização por dano moral de Administradoras que, além do envio ilegal do cartão, encaminham o nome do destinatário do cartão ao SPC e até ao SERASA, pelo não pagamento das anuidades. O dever de informar assegura ao consumidor o direito de informação verdadeira e clara, este, substanciado, acompanhado com a boa-fé, objetivando garantir a igualdade entre o titular (consumidor) e a administradora (fornecedora) de cartões de crédito, bem como assegurar informação precisa acerca dos objetos dos contratos e da publicidade não enganosa, com carga vinculante que garanta ao aderente ao sistema a informação exata sobre as condições gerais estabelecidas no instrumento. BRANCO, (1988, p.153), aponta as principais informações a serem prestadas pelas administradoras de cartões de crédito ao titular (consumidor): “Na conclusão do contrato entre administradora e titular, devem-se calcular o custo anual, com as taxas reais cobradas, as consequências para o descumprimento ou mora no pagamento dos extratos, os deveres de uso do cartão, o conteúdo do contrato em geral, sua duração, renovação, validade, abrangência territorial, a responsabilidade no caso de extravio, perda e uso por terceiros, a participação da instituição financeira, os juros e as formas de extinção da relação contratual”. Como consequência ao direito a informação, o Estado intervém na relação contratual para garantir aos consumidores seus direitos básicos. Esta intervenção poderá ser administrativa pelos órgãos que compõem o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor ou pelo Poder Judiciário, podendo o Juiz modificar, revisar as cláusulas contratuais, além de determinar o cumprimento da oferta e publicidade, da reparação dos danos, alterar valores e rescindir o contrato. Resultados e discussão Tratando-se da relação de consumo, os contratos avençados entre consumidores e agentes financeiros deverão ser interpretados à luz dos dispositivos constitucionais, concomitantemente com a aplicação subsidiária do Código do Consumidor, abandonando os conceitos do direito civil e firmando-se especificadamente na Lei 8079/90. Entre esses problemas, o envio sem a anuência do titular corrobora de forma positiva para o aumento do endividamento do consumidor ou sua negativação, em vista da prática reiterada de se enviarem cartões à pessoas cadastradas em seu banco de dados, sem que haja pedido efetuado pelos destinatários ou conferência dos dados do receptor, situações que podem colocar um cartão de crédito em poder de terceiros, ocasionando inúmeros transtornos ao cliente-titular, nestes casos, as administradoras entendem que, com o recebimento e assinatura do cartão, ocorre a aceitação tácita do destinatário. Tal situação não é compatível com doutrina e jurisprudência, uma vez que podem ocorrer situações de extravio, os cartões podem ser utilizados por terceiro, acarretando responsabilidade à Administradora. A utilização dos cartões de débito e crédito é situação que a dinâmica das relações 631

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL contratuais impõe ao consumidor de produtos, razão da diminuição do trânsito de dinheiro, em vista da insegurança, ou pela necessidade de romper com conceitos estáticos inerentes às negociações existentes até seu advento. Finalizando, a jurisprudência já solidificou a responsabilidade civil para aspectos operacionais na dinâmica utilizada pelos cartões de crédito. Conclusões A responsabilidade civil decorrente de furto, perda, roubo ou extravio e clonagem tornou-se de grande relevância no ordenamento jurídico, existem grandes discussões sobre o assunto devido ao notório aumento da criminalidade e ao pouco entendimento dos usuários. Isto contribuiu para que a discussão da responsabilidade civil, sobretudo no tocante à validade da limitação contratual imposta pelas administradoras relativamente à sua responsabilidade pelas despesas incorridas por terceiros até a comunicação do fato pelo consumidor, fazendo valer seus direitos no que tange a relação pré-estabelecida. Referências BRANCO, Gerson Luiz Carlos. O sistema contratual do cartão de crédito. São Paulo: Saraiva,1998. _______. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e da outras providências. Disponível em: . Acesso em 12 set. 2012. LIMA, Clarissa Costa de Lima. O cartão de crédito e o risco de superendividamento: uma análise da recente regulamentação da industria de crédito no Brasil e nos Estados Unidos. In.Revista de Direito do Consumidor. Ano 21. Vol. 81. Janmar./2012. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2012. p. 239. MORAES, Rosélia Pereira. Cartão de crédito e alguns aspectos polêmicos. Orientador: Dr. Leonardo Machado Cusato. 81 fls. Monografia apresentada ao Centro de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito da Universidade Luterana do Brasil. Gravataí, 2004. SANTOS. Flávio Maia Fernandes dos. As novas regras sobre cartão de crédito introduzidas pela res. CMN 3.919 de 25.11.2010. Revista de Direito Bancário e Mercado de Capitais, São Paulo, ano, n.51, p.379-393, jan./mar. 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL BOA-FÉ NOS CONTRATOS BANCÁRIOS GOOD FAITH IN CONTRACT BANK Aroldo Bueno de OLIVEIRA, Universidade de Marília (UNIMAR), [email protected] Resumo: Os contratos bancários são negócios jurídicos que impõem ao Estado constante regulação. Como eficientes meios de realização de políticas econômicas, possui uma função social relevante dentro das políticas sociais, como mecanismos capazes de regular a vida em sociedade. A escolha do tema para pesquisa pelo princípio da boa-fé ser o axioma de novos deveres especiais de conduta, aspecto a ser observado na interpretação da manifestação de vontade dos agentes, por sua razão finalista e sua carga valorativa. Palavras-chave: Princípios. Boa-fé. Contratos Abstract: Bank contracts are legal businesses that require constant adjustment to the State. How efficient means of conducting economic policies, has an important social function within social policies, such as mechanisms to regulate life in society. The choice of topic for research by the principle of good faith is the axiom of new special duties of conduct aspect to be noted in interpreting the expression of will of the agents, for your reason and your load finalist valuation. Keywords: Principles. Good faith. contracts Introdução Os contratos bancários são negócios jurídicos celebrados no âmbito das atividades bancárias e financeiras, influenciando as políticas econômicas de Estado, razão do enorme contingente de pessoas que são atingidas nas suas celebrações nos inúmeros setores produtivos de nossa economia de mercado. É inconteste dentro de nossa sociedade moderna a importância essa relação contratual, ademais, as atividades financeiras e bancárias, são eficientes meios de realização de políticas econômicas e governamentais em vista do seu instrumental – base da pesquisa-, possuindo os contratos uma função social relevante dentro das políticas sociais, como mecanismos capazes de instrumentalizar e regular a vida em sociedade. A escolha do tema para pesquisa ocorreu em vista do principio da boa-fé ser a base principiológica de novos deveres especiais de conduta existentes durante a vigência de toda relação contratual (lealdade, cooperação, sigilo, informação, proteção); por se tratar do aspecto a ser observado na interpretação da manifestação de vontade dos agentes em sua razão finalista e por sua carga valorativa para os interpretes que o aplicam. Dadas essas premissas, qual o alcance e a importância para o mercado financeiro a utilização desse principio no âmbito das relações negociais e contratuais para alcançar os objetivos almejados para o Sistema Financeiro Nacional elencados em nossa Constituição? 633

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Revisão de Literatura As constantes mudanças ocasionadas no Direito Privado estão intimamente ligadas às modificações provocadas pelo desenvolvimento do capitalismo dentro do contexto social que atua e as desigualdades por ele impostas. É imprescindível investigar os princípios contratuais para a compreensão do ordenamento jurídico e para aqueles que atuam no universo do Direito, uma vez que tais princípios, como normas que são, influenciam nas relações do Direito com a sociedade. Tais concepções moldam as bases a que os juristas irão se reportar, bem como estabelecem as diretrizes para que o estudioso do direito acompanhe e atenda as necessidades sociais. [...] a visão forte dos princípios jurídicos afasta a precedência hierárquica das regras, abrindo novas possibilidades de ajustar a solução normativa ao caso concreto. Por isso mesmo, seja na função normativa, seja na função hermenêutica, os princípios fundantes do Direito Civil devem ser enfrentados, na busca de uma nova visão desse ramo da Ciência Dogmática do Direito.202

Uma nova teoria contratual encontra-se em constante processo de formação, buscando uma interpretação criativa e construtiva do Direito dos Contratos. O “surgimento de novas figuras” no Direito Contratual acontece em função da massificação, especialização, socialização e incremento das relações contratuais, que viabilizaram a mudança do paradigma do Estado Liberal. Esta ruptura paradigmática com o atual modelo liberal vem modificar profundamente a relação negocial, no sentido de se buscar um novo pensar sobre o modelo contratual. No entendimento de Nalin: A idéia de caos atinge o contrato, enquanto momento do sistema codificado. A crise e até a 'morte do contrato' (Grant Gilmore), estão inseridos nesse contexto, em que a desconstrução dos dogmas se apresenta como inevitável. [...] O repensar do modelo contratual, ou o reconhecimento da crise institucional, surgem em razão do desajuste entre o modelo contratual de 'gré à gré' (paritário) e as relações de massa. O 'Code', assim como nosso próprio Código Civil foram concebidos para que figurem a relação jurídica contratual 203 somente dois sujeitos (credor e devedor).

Neste repensar, procura-se sair do antigo modelo napoleônico, de um sistema fechado, hermético, para uma constitucionalização do Direito Privado, em um 202

LIMA, Taisa Maria Macena de. Princípios fundantes do direito civil atual. In NAVES, Bruno Torquato de Oliveira; FIUZA, César; SÁ, Maria de Fátima Freire de. Direito civil: atualidades. – Belo Horizonte: Del Rey: 2003. p.257. 203 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001.p.113-114.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sistema aberto às demandas sociais. Em sua obra FACHIN204 nos ensina que “o debate sobre a travessia do Direito Civil tradicional ao Direito Civil contemporâneo presentemente suscita pertinência com temas relevantes, a principiar com o da pessoa. A questão não é retórica, especialmente quando estão na cena a propriedade, a família e o contrato”. Com o desenvolvimento da economia, dogmas contratuais (autonomia da vontade e seus corolários), passaram em vez de promover o desenvolvimento humano, chancelar injustiças sociais, se tornando as bases para o rompimento do paradigma liberal, e instituição de nova pautas axiológicas em detrimento a esta nova realidade jurídico-econômica. Preciosa é a contribuição da Dra. Jussara Suzi Assis Borges Nasser FERREIRA205 neste sentido: A concepção tradicional do negócio jurídico, permitindo o uso do instituto como instrumento de exploração social, faz desmoronar as bases do contrato rompendo com o paradigma liberal. Nessa perspectiva, altera-se o lastro principiológico negocial formado, anteriormente, por princípios, igualmente herméticos, como organizados pela metodologia racionalista. O giro metodológico reorganiza a unidade do sistema, considerados as generalidades legislativas e abstrações formais, tomando por contraponto a pluralidade sistêmica aberta, especificidades reais, e as mudanças sociais fundadas nas complexidades negociais. Tais movimentos provocam a reconstrução da teoria negocial, embasada na constitucionalização dos pactos, adoção das pautas axiológicas consideradas as reais exigências do contexto sóciojurídico e econômico.

A boa-fé desta forma, acrescenta CASADO206 é mais que um princípio ético, constituindo-se em verdadeiro conceito econômico, ligado à função social dos contratos. Aliás tratando da influência deste princípio nos contratos bancários, objeto imediato deste estudo, a função social é patente, pois já não se concebe uma sociedade civilizada sem a presença de tais instituições, dada a importância que ocupam no cenário mundial. Resultados e discussão O estudo científico do Direito objetiva buscar um resultado prático, contribuindo na evolução do instituto e de modo prático e efetivo produza efeitos na vida das pessoas. A proposta de uma dissertação abordando tema já explorado na doutrina se perfaz. Na academia, estuda-se poucos tipos contratuais e visualizando a 204

FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.p.77. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria Critica do Negócio Jurídico. Revista de Direito Privado da UEL. Volume 2. Numero 1. Londrina. Acesso: www.uel.br/revistas/direitoprivado. p. 10. 206 CASADO,Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancario e financeiro. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2006. p. 117. 205

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL importância dos Bancos no cotidiano das pessoas, pelo levantamento do emaranhado de leis e regulamentos existentes sobre a atividade bancária existe uma realidade ímpar que deve ser objeto de estudo, descrição e regulação normativa, para harmonização dos efeitos decorrentes das atividades financeiras e bancárias nos negócios jurídicos. A discussão advém que o tema proposto estar entre as novas tendências do direito, levando o interesse de intérpretes de diversas áreas de atuação da dogmática jurídica, razão da importância na consecução e manutenção do direito das partes, influenciando principalmente na intenção real da vontade e seus efeitos no mundo. Conclusões Não há maior interesse no mundo jurídico do que a determinação da eficácia e o alcance valorativo da manifestação de vontade das partes, levando em consideração a situação atual dos partícipes, o fim social do contrato e principalmente o controle da atuação jurisdicional na interpretação e aplicação do instituto da boa-fé objetiva, sempre em busca do equilíbrio econômico e justiça contratual, expressão do artigo 170 da Constituição Federal. Referências CASADO,Marcio Melo. Proteção do consumidor de crédito bancário e financeiro. 2ª ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:Editora Revista dos Tribunais, 2006. FACHIN, Luiz Edson. Teoria crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Teoria Critica do Negócio Jurídico. Revista de Direito Privado da UEL. Volume 2. Numero 1. Londrina. Disponível em: www.uel.br/revistas/direitoprivado. Acesso em 02 out. 2011. FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002. JUSEFOVICZ, Eliseu. Contratos: proteção contra cláusulas abusivas. 1ª.ed., 4ª.Tir./Curitiba:Juruá, 2008. NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. TEPEDINO, Gustavo José Mendes. Normas constitucionais e relações de direito civil na experiência brasileira. In: Revista Jurídica, n. 278. Porto Alegre: Notadez, 2000.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O TRABALHO INFORMAL À LUZ DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E ECONÔMICO INFORMAL WORK TO LIGHT OF SOCIAL AND ECONOMIC DEVELOPMENT Emerson Oliveira de Faria - Mestrando Unimar – Universidade de Marília. [email protected]. Vinculado ao projeto de pesquisa: Globalização e a responsabilidade empresarial em face das atividades de risco nas relações de trabalho no Brasil. Lourival José de Oliveira - Docente Mestrado Unimar – Universidade de Marília [email protected] RESUMO: O mercado de trabalho, da metade do último século até os dias atuais tem sofrido uma acelerada transformação e a informalidade no trabalho tem despertado atenção de pesquisadores que apontam como uma das características do fenômeno chamado globalização. O trabalho informal está inserido dentre as consequências que contribuem para a precarização do trabalho humano. No Brasil, a falta de políticas públicas efetivas voltadas para a valorização do trabalho humano pode ser considerado como um dos principais fatores para a ampliação ou crescimento da informalidade. Conclui-se que a informalidade no trabalho contribui significativamente para diversos resultados sociais danosos. É importante destacar que a informalidade no trabalho contraria os principais princípios insculpidos no artigo 170 da Constituição Federal, valendo citar a função social da empresa e o pleno emprego. Ao final do trabalho não poderia deixar de ser apresentadas sugestões com vistas a combater a informalidade no Brasil, no sentido de retirar da informalidade trabalhadores que se encontram desprovidos do mínimo de segurança nas suas relações de trabalho e previdenciária. A redução da desigualdade social necessariamente passa pelo combate à informalidade no trabalho, como forma de efetivação do Estado Democrático de Direito. Palavras-chave: Desenvolvimento Social e Econômico. Estado. Trabalho Informal. ABSTRACT: The labor market, half of the last century until today has undergone a rapid transformation and informality at work has attracted attention of researchers that point as a characteristic of the phenomenon called globalization. Informal work is included among the consequences that contribute to the precariousness of human labor. In Brazil, the lack of effective public policies aimed at the enhancement of human labor can be considered as a major factor for the expansion or growth of informality. We conclude that the informality at work contributes significantly to many harmful social results. Importantly informality at work contradicts the main principles of Article 170 of the Federal Constitution, worth mentioning the role of social enterprise and full employment. At the end of the work could not be submitted suggestions aimed at combating informality in Brazil, in order to remove the informal workers who are deprived of minimum security in their labor relations and social security. The reduction of social inequality necessarily passes through combat informality at work, as a way of realization of the democratic state. 637

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Keywords: Informal Work. Social and Economic Development. State. Introdução As crescentes transformações no mercado do trabalho, oriundas de um processo de globalização, reflete no dia a dia da sociedade brasileira e em especial do crescimento do mercado informal nacional. Referido mercado informal e sua expansão, traz como consequência um maior número de pessoas que pertencem ao setor informal, setor precário e inseguro, desamparados por políticas públicas, onde exercem suas atividades sem qualquer garantia e a margem da lei. Aliado ao crescimento do informalismo, o presente estudo funda-se no encontro de mecanismos existentes atualmente, traduzidos em políticas públicas e iniciativas privadas, objetivando a diminuição ou regulamentação do mercado informal. A pesquisa busca responder as causas que fazem crescer o trabalho informal. A dignidade da pessoa humana, base dos questionamentos existentes na pesquisa presente, vez que previsto na Constituição Federal e desta forma um meio de garantir e cobrar um trabalho digno. Objetivou-se demonstrar o descompasso entre as políticas públicas existentes e o real problema da situação do trabalho informal, relacionando o setor do informalismo com a ausência de políticas públicas específicas na valorização do trabalho. Também, com a presente pesquisa, buscouse o apontamento de sugestões que passam pela necessidade da construção de um trabalho digno, atentando-se para o perfil da ordem econômica nacional, demonstrando a inconstitucionalidade do trabalho informal em virtude de afrontar a Constituição Federal do Brasil. Serão apresentados propostas de regulamentação da trabalho informal. Referente á metodologia utilizada, o presente estudo desenvolver-se-á por meio de um trabalho de pesquisa que norteará a identificação das fontes bibliográficas, utilizando-se o método dedutivo. Revisão de literatura A queda do número de vagas no setor formal vem provocando uma verdadeira revolução no mercado de trabalho, que por falta de empregos, tende a se adaptar às novas tendências que a economia informal impõe. A informalidade hoje abriga uma grande parcela da mão-de-obra do Estado, gerando postos de trabalho e renda para uma parcela da população ora excluída da sociedade. É quase como se o trabalho informal não pudesse deixar de existir. As transformações de paradigmas se evidenciam atualmente, onde distâncias que até ontem eram percorridas em alguns meses, hoje, essas mesmas distâncias são percorridas em algumas horas. Mensagens que demoravam vários dias para serem entregues aos seus destinatários, hoje são instantâneas. Nunca a humanidade produziu tantos bens e serviços quanto na atualidade, em pouco mais de 300 anos a humanidade desenvolveu-se muito mais que todo o período anterior de sua história. No mesmo sentido surgiram e surgem novas formas de prestações de serviço, no intuito de dar conta de todas estas transformações, estando o trabalho informal situado como um dos resultados produzidos no tocante à depreciação do valor da mão-de-obra. A compreensão do problema dos envolvidos no setor informal se faz necessária, visto 638

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL a necessidade de organização para a garantia de direitos de cidadania no contexto do desenvolvimento econômico e social. Uma das principais características do setor é o fato de ser heterogêneo. Nele estão contempladas pessoas que operam no mercado de trabalho, propriamente dito, os que não têm carteira assinada, e os que produzem ou comercializam bens ou serviços, os autônomos e os pequenos empregadores. Desta forma, aquele grupo que em tese deveria estar protegido pela legislação trabalhista está se distanciando da rede de proteção social em um fenômeno que admite várias saídas, e por outro lado, outro grupo opera sem qualquer garantia previdenciária. O entendimento, tanto das possíveis causas que determinam o tamanho do mercado informal quanto do seu funcionamento, assim como a sua qualificação, tornam-se cruciais desde o ponto de vista da política econômica, na medida em que os impactos dos seus diferentes instrumentos implementados mediante os sistemas de regulação e de tributação, dentre outros, sobre o desempenho da atividade econômica, serão completamente diferentes. Razão disso é a análise da frequência com que as atividades informais ocorrem e de sua relação com a economia formal sendo fundamental para uma concreta atuação, quanto á política econômica. Nas economias desenvolvidas o informalismo está em relativo aumento, o que demonstra que a informalidade não se liga apenas à baixa tecnologia e a mão-de-obra desqualificada, encontrada geralmente em economias menos desenvolvidas, fazendo da informalidade parte do novo modo de produção, marcado principalmente pela diminuição de custos e aumento sem controle dos lucros. Resultados e discussão O regramento ou regulamentação da atividade informal, não solucionaria o caso em virtude de não ser eficiente na contenção do crescimento do trabalho informal onde parte da mão de obra se ocupa com atividades de cunho precário, razão de não ter sucesso na obtenção de outra ocupação. A justificativa do individuo cair ou procurar o setor informal objetivando sua subsistência são várias, entre as mais usadas é o fato de não terem conseguido um emprego melhor, atrelando desta forma o crescimento informal ao mercado formal de trabalho. Nesse ponto encontra-se o maior desafio por parte do Estado em especial dos poderes públicos, no sentido de criar mecanismos na criação de vagas de trabalho ocasionando, mesmo que em parte, empregos formais. Porém, em razão de sua magnitude, o problema parece ser difícil de ser resolvido, visto que o crescimento econômico, como foi exposto, demonstrou ser incapaz de garantir a manutenção ou o retorno ao emprego formal de grande parcela que atualmente se socorre do meio informal. Muitos dos trabalhadores informais apresentam quase nenhuma escolaridade ou qualquer recurso no sentido de formação qualificada profissional, recuando assim sua possibilidade de eventual recolocação formal. No mesmo sentido, outros tantos, manifestam descontentamento em qualquer colocação no meio formal, dizendo satisfeitos com sua renda e que dificilmente obteriam a mesma renda ou superior em um emprego certo e regrado. A falta de informação atinge, portanto, mais fortemente a classe informal, onde seria conveniente a aplicação de ações do Estado, no sentido de melhorias na forma de trabalho, consequentemente aumentando o 639

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL rendimento, em desfavor ao labor precário e total falta de segurança Estatal. Em consonância com a regulamentação do trabalho informal, torna-se necessário, por exemplo, destinação de setores onde o exercício da ramo informal se consolide, onde por intermédio de cooperativas ou trabalhadores unidos formem uma associação, garantindo um melhor meio de negociar suas mercadorias ou serviços. Ainda com efeito imediato a entrada dos informais, além de regulamentação de suas atividades, ao acesso desta mão de obra aos mecanismos de crédito, como medida de impacto imediato. Outra alternativa urgente no combate ao crescimento de crianças e adolescentes que entram no mercado informal, é a adoção de programas federais como o renda mínima, garantindo desta forma que esse contingente de possíveis e futuros trabalhadores informais permaneçam em estabelecimentos escolares, sem se preocuparem em constituir renda ajudando seus familiares. A escolaridade baixa é fator de contribuição do crescimento do mercado informal e muitas vezes impedimento de entrada no mercado formal de trabalho, mesmo em se tratando de economias em crescimento. Resta afirmar que o fator educacional é imperativo no combate da mão de obra precária informal, onde que por meio de cursos ou mesmo do ensino padrão o indivíduo pode dividir os benefícios do crescimento econômico exercendo um trabalho qualificado, não podendo, desta forma, a educação ser deixada de lado em razão de importante contribuição da cidadania. Assim a sintonia entre políticas públicas e por exemplo, mecanismos de concessão de crédito, formas outras de qualificação profissional voltado para o informalismo e o envolvimento da sociedade na discussão do problema informal, torna-se fundamental no enfrentamento do crescimento do trabalho informal. A aplicação de políticas públicas voltadas para a questão torna-se necessária, onde via de regra os assistidos por elas são indivíduos de baixa escolaridade e renda, com precária moradia, fazendo desta forma, um vínculo com a atividade informal, presente todas e as mesmas precárias condições de sobrevivência. A qualificação da mão de obra depende de políticas públicas de qualificação profissional, onde depende também de uma gestão responsável e atual no amparo de quem realmente delas necessita.O administrador de políticas públicas é responsável pelos anseios sociais em especial, e em nosso caso, dos informais, onde previsto constitucionalmente, compete a ele e sua gestão a intensificação de mecanismos voltados a quem necessitam, sedimentados na gestão pública. Conclusões Como forma de redução da informalidade no Brasil a aplicação da nova Lei 12.44111, de expressão "EIRELI" Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, pode contribuir com a redução da informalidade. Outra medida é o caso do microempreendedor individual, regulado pela Lei Complementar 128-08, atendendo inúmeros trabalhadores do ramo informal, entre eles, autônomos e outros de característica empreendedora, apresentando, também como saída ao problema do trabalho informal. Incluindo os trabalhadores informais em programas voltados as políticas universais mediados pelo Ministério do Trabalho e Previdência Social, promovendo a saúde do trabalhador informal e por consequência limitando a precariedade do trabalho ocasionando na redução do informalismo, apontam como o 640

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL real caminho a ser trilhado pela Estado. A parceria público privada com incentivos tributários e a criação de um plano nacional de empregabilidade fazem parte da função reguladora e interventora do Estado que necessitam de forma urgente de ações concretas como as que aqui foram apresentadas, a fim de ser alcançada a informalidade do trabalho no Brasil. Inclusão da mão de obra informal em políticas públicas e sua profissionalização, demonstram eficiência em medida de combate ao crescimento do precário e inseguro trabalho informal. Necessário uma mudança de paradigma, criando mecanismos novos no âmbito constitucional no socorro de quase metade da mão de obra nacional inserida no trabalho informal.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS E OS CONTRATOS DE HOSPEDAGEM DE WEBSITE DIANTE DA AUSÊNCIA DE REGRAMENTO ESPECÍFICO ELECTRONIC CONTRACTS AND WEBHOSTING CONTRACTS IN THE ABSENCE OF SPECIF RULE Fábio Yuji Yoshida – Universidade Estadual de Londrina - [email protected] Leonardo Melo Matos – Universidade Estadual de Londrina - [email protected]

RESUMO: Trata-se de uma análise dos contratos eletrônicos de modo geral, verificando-se primeiramente a regulação da internet no Brasil, principais aspectos jurídicos aplicáveis e as suas implicações nas celebrações de contratos. Depois, farse-á uma análise geral da teoria geral dos contratos aplicada à idéia do contrato celebrado via internet. Ao final, o objetivo é efetuar uma análise específica de um caso típico de contrato celebrado exclusivamente via internet: a hospedagem de website. Atualmente, tais contratos não são hipótese geradora de nenhum tributo e sendo utilizadas cada vez mais, pode vir a suscitar problemas e discussões jurídicas, que exigem um correto conhecimento e manuseio da legislação em vigor até que haja uma regulação específica. Neste sentido, demonstrar-se-á que tal regulação em específico é desnecessária, ainda que útil, sabendo-se usar corretamente a teoria geral dos contratos. Palavras-Chaves: Direito Eletrônico, contratos eletrônicos, domínio virtual, hospedagem de website ABSTRACT: An general analysis of electronic contracts, studying first the Brazil‟s Internet regulation, applicable law and its implications in the contratacts celebration. Then will a study of the general theory of contracts applied to the online contracts. At the end, the objective is to perform a specific analysis of a typical case of contract exclusively online: website hosting. Currently, such contracts are not hypothesisgenerating and no tribute being increasingly used, could cause problems and legal disputes, which require a correct understanding and handling of the legislation until there is a specific regulation. In this sense, it will demonstrate that such regulation is unnecessary in specific, though useful, knowing correctly use the general theory of contracts. Keywords: Electronic Law, online contracts, domain name, webhosting Introdução O presente artigo tem por objetivo fazer uma análise dos contratos eletrônicos, sobretudo dos contratos de hospedagem de website. Sendo a internet algo que faz parte do cotidiano, inclusive do Direito com a celebração de contratos e até mesmo o peticionamento eletrônico, há uma necessidade de compreender com maior precisão o que é a internet e quais as suas modificações e implicações ou não no direito. 642

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Primeiramente será analisado o que é a internet e o que ela significa para o direito. Isso posto, será feito uma análise sobre o chamado domínio virtual, buscando seu conceito e sua caracterização, bem como questões atinentes à responsabilidade do proprietário do domínio. O domínio é um pressuposto necessário para que um website possa ser levado ao ar, o que faz com a hospedagem de website, em geral realizada em servidores, através de contratos eletrônicos. No tópico do contrato de hospedagem de website primeiramente será feita uma análise sobre a internacionalização dos contratos através da internet e os seus desafios para o usuário. Na análise propriamente dita dos contratos de hospedagem de site, primeiramente será analisada a sua natureza jurídica, sua caracterização e as principais cláusulas contratuais inerentes a tais contratos. Da Internet e sua Compreensão para o Direito Um grande erro que se pode verificar no cotidiano de muitos operadores do direito e de muitos usuários da internet, é imaginar que a internet se trata de algo “virtual”, sem ter um correspondente aporte “material”. Essa visão pode ser facilmente superada apenas analisando a etimologia da palavra internet. Como é cediço, internet significa “inter” (entre) “net” (rede), trata-se, portanto, de uma rede internacional de computadores. Entretanto, não é raro ver quem se assuste com a complexidade da internet, a tal ponto que já se viu dizer que “A Internet é a primeira coisa que a humanidade criou e não entende, a maior experiência de anarquia que jamais tivemos” (SCHMIDT apud CORRÊA, 2002, p. 7). Utilizando-se uma definição mais fática do que propriamente jurídica, a internet é um conjunto de computadores localizados em diversas partes do mundo, interconectados por meio de uma rede internacional, ligada por meio dos chamados “backbones”, que são responsáveis para propiciar que um determinado computador localizado num lugar do mundo seja ligado a outro localizado em qualquer outro local do globo. 643

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O chamado website nada mais é que um conjunto de arquivos localizados num computador físico conectado à rede mundial. Para facilitar a visualização desses arquivos foi criado um sistema de linguagem informática denominado HTML, lido por meio de softwares chamados “browsers”. Com o passar dos anos, novos sistemas de linguagens foram criados e passaram a ser lidos pelos browsers, tais como o PHP, ASP, Java, etc. Assim, o website nada mais é senão um arquivo físico localizado num dado computador, que mediante a utilização desta linguagem lida por meio dos browsers, cria um sistema de atalhos (links) para propiciar o acesso a este arquivo. O website substitui, assim, o papel de o usuário ter que explorar por meio de pastas este outro computador ligado na rede, tal como ocorre em rede doméstica ou empresarial quando se acessa o drive virtual de um outro computador. Outro erro comum dentre os operadores do direito é ver a internet como sendo algo distante, difícil, novo, complexo, que exigiria radicais mudanças do direito. Neste sentido: “Essa problemática gerada pelo comércio eletrônico e pelos contratos via internet tem grande relevância no mundo jurídico pela sua enorme complexidade e pelo fato de não estar estruturada normativa, jurisprudencial e doutrinariamente.” (DINIZ, 2008, p. 756)

Isso posto, ter essa simples visão mostrada mais acima (despretensiosa de definir segundo as definições da ciência informática) nos fornece subsídio para que possamos afirmar que, efetivamente a internet não é algo virtual, mas real e material e vai-nos fornecer elementos para que analisemos os chamados contratos eletrônicos e sobretudo, sobre os direitos dos usuários de hospedagem de sites, visto que em tal artigo pretende-se estudar um caso concreto de contrato típico da internet. Do Domínio Virtual e Regulação no Brasil Conforme já visto, o website é um conjunto de linguagem visualizável por meio de um software denominado browser (ex: Internet Explorer, Mozilla FireFox, 644

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Google Chrome, etc), que se apresenta enquanto visualização gráfica com um conjunto de links (atalhos para arquivos), texto e imagens. A forma encontrada para se proceder à comunicação entre os computadores ligados à rede internacional foram os IPs, que se trata de uma seqüência numérica que identifica o local da onde os dados estão sendo transmitidos. Este IP identifica um computador na rede. Com os websites, se passa o mesmo. Os mesmos possuem um IP, porque são efetivamente uma pasta localizada no HD de qualquer computador. Para facilitar o acesso, foi criado o sistema de domínio virtual, mais conhecido como www, que seguido de um nome e um sufixo que designa a modalidade de website, compõe o endereço virtual. Ted Nelson foi quem criou um sistema chamado de hipertexto. Por tal sistema, o hipertexto é um documento de informática que utiliza palavras que, uma vez selecionadas, levam o usuário a outro documento. Assim associa-se, por exemplo, ao endereço “www.brasil.gov.br” um acesso a um outro arquivo, localizado em algum servidor que contém os arquivos que serão exibidos ao se visualizar referido endereço. Para facilitar o acesso para os usuários, foi criado um sistema de domínio virtual. O domínio virtual pode ser compreendido como o endereço utilizado pelo usuário

da

internet

para

acessar

um

determinado

site,

a

exemplo:

http://www.brasil.gov.br. São sinônimos: endereço de site, URL, hiperlink, etc. Assim sendo, faticamente, o domínio é um atalho para se acessar um determinado website. O domínio é fornecido e controlado por meio de uma entidade registrante, sendo que para cada país é atribuído um sufixo para registro (no caso do Brasil, o sufixo é o ponto br). Cabe a cada país determinar quem é a entidade registrante dos domínios de sua nacionalidade. No caso do Brasil, durante muitos anos a entidade legítima era a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). A partir da Resolução nº 02/2005 (atualmente revogada) do Comitê Gestor da Internet (CGI.br), a responsabilidade da concessão de registros “ponto br” passou à entidade Nic.Br.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O CGI.br foi criado em 1995 por meio da Portaria Interministerial nº 147/1995, entre os Ministérios das Comunicações e Ciência e Tecnologia. O Comitê era originalmente formado por 9 membros, com mandato de 2 anos após sua nomeação. Cada setor envolvido na internet é representado por um membro (conforme artigo 2º da referida Portaria). Em 2003, o Decreto nº 4.829, substituindo referida Portaria, regulamentou o Comitê Gestor de Internet, utilizando-se de parte do texto da Portaria Interministerial e acrescentando novas disposições. Dentre as novidades introduzidas pelo Decreto de 2003, está a mudança na composição dos Membros, numérica e de classes, incentivando a participação do terceiro setor, inclusive iniciativa empresarial. Assim sendo, o Comitê Gestor é colegiado formado por membros do governo, setor empresarial, representes da comunidade acadêmica e terceiro setor. O Cgi.br para coordenar suas atividades, criou o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), sobre a qual falar-se-á melhor posteriormente. O artigo 10 do já mencionado Decreto nº 4.829/2003, dispõe sobre o registro de domínios, que pode ser atribuído a entidade pública ou privada sem fins lucrativos. Atualmente, a norma que concede registro de domínio foi regulamentado pela Resolução CGI.br/RES/2008/008/P, de 28/11/2008. No Brasil foi atribuído à NIC.br conceder o registro de domínios .br, mediante o site Registro.br (http://registro.br). A NIC.br é uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, constituída mediante associação. O registro de domínio ponto br é considerado pelos webmasters (proprietários de websites) como um dos mais rigorosos e burocráticos do mundo. Até poucos anos, o sufixo “.com.br” (o ponto com originalmente era designado para sites de intuito comercial) era privativo de pessoas jurídicas. Como a seguir demonstrar-se-á, o rigor na concessão dos registros em domínios .br representa um melhor controle da atividade da internet Brasil, justamente por isso motivo de críticas entre usuários. Uma vez concedido o registro do domínio a um dado sujeito, a transferência de titularidade é resguardada de uma exigência de série de documentos: cópia autenticada de contrato social da proprietária do domínio, procuração específica 646

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL para fins de transferência de domínio com firma reconhecida, carta de autorização de transferência de domínio, dentre outros comuns a qualquer contrato. Essa dificuldade na concessão de registro levava muitas vezes o efetivo proprietário do website emprestar um número de CNPJ. Até poucos anos atrás, somente pessoas jurídicas poderiam registrar endereços de site no Brasil, sendo que pessoas físicas só o podiam fazer mediante o uso do pouco conhecido sufixo “.nom.br”. Como não é exigido o envio de documentação para a concessão do registro, apenas a declaração de um número de CNPJ, responsável e dados essenciais, nada impede que se utilize inclusive de um CNPJ inativo, porém válido. Há poucos anos, se liberou o registro de domínios de diversos sufixos, inclusive “.com.br” para pessoas físicas com CPF. Mas a burocracia e a dificuldade na transferência não raro muitas vezes também o site a permanecer para fins de registro de domínio vinculado a um sujeito que não é o seu responsável. Essa situação é relativamente comum. É dizer, o sujeito possui um site, utilizando-se um CNPJ de terceiro, e não consegue transferir para o seu nome. Não é preciso dizer os problemas jurídicos decorrentes desse registro em nome de terceiro: inexoravelmente, alguém de boa-fé que for lesado, ao verificar a titularidade do site, estará demandando contra um sujeito que não possui responsabilidade civil ou ainda, inexistente, restando usar-se dos mecanismos processuais para comprovar a efetiva responsabilidade do sujeito em nome de quem o site está registrado. Assim, o sujeito que registra o domínio originalmente assume uma responsabilidade, pois se o seu domínio for utilizado por outro sujeito, é o seu nome que está registrado, portanto, a princípio, pode-se presumir a sua responsabilidade, mormente em vista da teoria da aparência. Assim, em eventual demanda, caberá ao sujeito que emprestou o CNPJ comprovar que o site é utilizado por outro sujeito. Muitos websites de hospedagens de site acabam vendendo junto com a hospedagem, o próprio domínio, ou seja, o endereço do site, registrando em seu nome, porém sendo o domínio utilizado pelo usuário. Esses sites fazem isso geralmente dando gratuitamente o domínio para que, após o sujeito encerrar as atividades de hospedagem de site, o hospedeiro ficar com o endereço para si, para 647

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL utilização para fins comerciais. Não é difícil imaginar. O webmaster contrata uma hospedagem de site, recebe de graça o domínio, faz este domínio ter valor econômico devido a um site próspero e após querer mudar de hospedagem ou desistir do site, o registro fica em nome do primeiro hospedeiro, que tem um endereço de internet que possui valor econômico, podendo revendê-lo com deságio, muito acima do valor de uma anualidade normal para o registro de site. Isso faz gerar a discussão se existe direito ao usuário para a utilização do domínio. Desta forma, a discussão recairia no judiciário, onde em decisões semelhantes, tem-se concedido a transferência compulsória do domínio ao efetivo usuário. Outra situação possível é a confusão existente entre o domínio virtual e o nome empresarial ou marca. Isso porque sendo o domínio um nome, nada impede a que venha a ser comercializado um domínio que coincide com o nome de uma marca nominal registrada. Tem-se apenas um aparente conflito de normas, mas não se confunde nome de site (domínio, endereço) com marca (BRASIL, 2002, p. 48). Essa questão chegou ao Judiciário e discute a responsabilidade civil da entidade registrante e do usuário que registra como site um nome que é protegido comercialmente.

Caso

célebre

no

Brasil

foi

o

registro

do

domínio

“jornalnacional.com.br” efetuado por um sujeito que não possuía qualquer ligação com a Rede Globo de Televisão (Autos 143/1999 da 7ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo/SP). De momento, o artigo não analisará esta problemática, discutindo tão-somente o direito dos webmasters sobre o servidor de hospedagem de site contratado. Da Teoria Geral dos Contratos no contexto dos Contratos Eletrônicos A internet e os meios eletrônicos se tornaram talvez se não a principal, uma das maiores fontes atuais de negócios jurídicos. Nesse sentido: “Nesse particular, contrariamente ao que sucede em outros setores, o potencial de danos indiretos excede largamente o de danos diretos, pois o custo diferencial do serviço prestado via rede é muito baixo (especialmente quando utilizada a Internet) (...) Por outro lado, o benefício e o risco indireto

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de tais serviços, prestados via Internet, é significativo, dadas as vantagens que as redes proporcionam quanto a tempo e espaço. Por essa razão, muitas pessoas passam a concentrar nas redes a disponibilidade de recursos para seus afazeres, tornando-se delas bastante dependentes.” (PAESANI, 2000, p. 81)

Como visto, a internet abre espaço para uma ampla discussão no que tange a responsabilidade civil. Uma das grandes dificuldades apontadas para a celebração dos contratos eletrônicos - principalmente os inteiramente realizados em via eletrônica como a hospedagem de website - dizem respeito à internacionalização dos contratos. Ou seja, da mesma forma que um usuário celebra um contrato entre nacionais, como numa compra-e-venda de um website de vendas, o usuário pode celebrar contratos com partes localizadas em outra parte do mundo. E esse é o grande diferencial entre a internet e as outras formas de celebração de contrato à distância, como telefone ou correio. Dificilmente um simples cidadão contrataria um serviço de telefone por meio de um telefonema internacional. O mesmo já não se passa com a internet. Quando um usuário celebra um contrato com uma parte localizada no exterior, ainda que manifeste sua vontade em território nacional, por meio do “clique”, a parte contratante está localizada em outra parte do mundo e é ela quem oferece a oferta. Ora, nos dizeres da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, a lei a ser regida é aquela do proponente, portanto, se este for uma parte estrangeira, será a lei estrangeira a ser aplicada, em virtude de que a própria lei brasileira se exime de reger sobre este contrato (art. 9º, parágrafo segundo). “O contrato eletrônico é uma modalidade de negócio à distância ou entre ausentes, efetivando-se via Internet por meio de instrumentos eletrônicos, no qual está consignado o consenso das partes contratantes.” (DINIZ, 2008, p. 757)

Sobre o momento da consumação de contratos celebrados via internet, sendo tal contrato um contrato a distância, o Brasil aplica a teoria da expedição (art. 434 do Código Civil). Ou seja, reputa-se realizado o contrato quando o sujeito faz o clique aceitando as condições contratuais.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Não se pode dizer que isso gera uma insegurança ao usuário e que o deixa desprotegido, mormente sendo consumidor. Trata-se da celebração de um contrato cuja execução realiza-se em estrangeiro, sendo irrelevante que a manifestação de vontade tenha ocorrido em território nacional, pois essa foi apenas a forma de manifestação de vontade, sendo tal contrato celebrado à distância, através de comunicação telemática. Assim, o usuário que se facilitando da internacionalização da internet, opta por utilizar os serviços com um website estrangeiro, transferirá ao dono do website prestador de serviços o ônus em caso de eventual inadimplemento, pois será dificílimo demandar este sujeito estrangeiro e obter a realização dos seus direitos. Afinal, se o usuário está em seu próprio país, o sujeito só poderia usar de carta rogatória, contando com a colaboração da justiça do país da outra parte. A nosso ver, aliás, isso abre espaço para possibilidade de celebração de futuros tratados bilaterais e multilaterais, em matéria de cooperação de internet. Outra situação bem distinta é quando o proponente reside no Brasil e utilizase de um computador-servidor localizado no estrangeiro (o que é relativamente comum, visto que os servidores brasileiros possuem preço elevado e são, em geral, de baixa qualidade e segurança) para celebrar ofertas voltadas ao nacional. Neste caso, irrelevante ser o computador-servidor localizado no estrangeiro. Mesmo que o serviço se trate de uma hospedagem de site, e que, portanto, o serviço executado está sendo realizado num servidor localizado no estrangeiro, a norma brasileira continua sendo aplicável em virtude do disposto no caput do artigo 9º da Lei de Introdução ao Código Civil, qual seja, de que a obrigação reputa-se realizada no lugar em que é constituída o proponente. Essa situação é relativamente comum. Muitos sujeitos, sem se preocupar com sua constituição jurídica enquanto pessoa jurídica, enquanto firma individual ou sociedade empresária, por vezes sem recolher impostos, acabam adquirindo de computadores-servidores estrangeiros uma cota para revenda de hospedagem, ofertando este serviço aos brasileiros. O usuário deste serviço de revenda de hospedagem de site, precisa se precaver, mormente em vista do pagamento – quase sempre realizada por meio de 650

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL depósito em conta corrente ou cartão de crédito – para verificar quem é a pessoa que está percebendo este pagamento, sendo esta a parte que está celebrando o contrato presumivelmente. Assim, sendo lesado em seu direito, como uma oferta não cumprida, poderá o usuário deste serviço de revenda de hospedagem comprovar a aplicação da norma nacional, inclusive com possibilidade de vínculo de direito do consumidor, comprovando a habitualidade, onerosidade, intenção de lucro e o fato de ser prestador de serviços. A dificuldade natural se deve ao fato de ambos os sujeitos serem resididos em comarcas distintas, sendo que muitas vezes o consumidor sequer tem meios de descobrir onde reside o proponente. Por isso volta a importância do domínio e sobretudo quando se trata de domínio “ponto br", em que a Nic.br é obrigada a guardar todos os dados relativos ao usuário registrante. Porém, não sendo domínio nacional, pode ser difícil descobrir quem é o sujeito que registrou o domínio virtual. Uma forma de superar esse obstáculo é utilizar dos serviços dos chamados “Whois” das entidades registrantes de domínios virtuais. No Brasil, por exemplo, o Registro.br fornece um sistema detalhado de identificação de propriedade e autoria do domínio registrado, sendo que, se a parte que consta neste registro é presumivelmente, a prestadora do serviço. Não se pode levar isso como objeção ao contrato eletrônico, pois esta mesma dificuldade se apresentaria no caso de contratos celebrados via atendimento telefônico, telemarketing. Neste a insegurança ao consumidor é ainda maior, pois tudo que tem é apenas o telefone da empresa. Para descobrir quem é o titular da linha telefônica teria que requisitar informações à prestadora dos serviços de telefonia ou até utilizar-se de ofício judicial. Na internet, devido à publicidade do registro de domínio, pode mais facilmente descobrir quem é o titular do domínio, o que gera presunção de que se trata da parte efetivamente envolvida na celebração deste contrato. Ainda assim, se não for possível, pode ainda pedir um ofício judicial para que a entidade informe quem é o registrante e os seus dados.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL “Desse modo, a obrigação do empresário brasileiro que dele se vale [comércio eletrônico] para vender os seus produtos ou serviços, para com os consumidores, é a mesma que o referido diploma atribui aos fornecedores em geral. A transação eletrônica realizada entre brasileiros está, assim, sujeita aos mesmos princípios e regras aplicáveis aos demais contratos aqui celebrados [dos contratos normais previstos no Código de Defesa do Consumidor].” (GONÇALVES, 2010, p. 712)

Desta forma, como se vê, não há razão para que se veja na internet uma imprescindível necessidade de regulação especial, pois todas as normas referentes à teoria geral dos contratos podem ser livremente aplicada se não houver regulação específica, não havendo nisso qualquer omissão legislativa. Dos Contratos de Hospedagem de Website e a ausência de regramento específico Conforme já dito, o website corresponde a um atalho para um determinado computador ou fração de um computador (uma pasta) ligado na rede, visualizável em softwares que fazem a leitura de uma linguagem de computador, apresentando como resultado final a interface gráfica de um website, tal como vemos diariamente em nossos computadores. Deste modo, para haver o website é preciso que haja um computador que armazene os arquivos e que possua ligação com a internet e cuja visualização farse-á mediante um domínio ou endereço IP. Para isso, aquele que quer criar um website, deve procurar um serviço de hospedagem de site ou pode hospedar em seu próprio computador, presentes alguns requisitos técnicos essenciais (como IP fixo e conexão 24 horas por dia). Quando um sujeito procura um serviço de hospedagem de site, está na realidade reservando um espaço num computador-servidor ligado 24 horas por dia à rede, mediante algumas cláusulas contratuais típicas deste tipo de contrato, como a taxa de transferência de arquivos e os tipos de linguagens e scripts de internet suportados pelo servidor. O usuário que contrata serviço de hospedagem de site está contratando a utilização de um disco rígido de um computador remoto localizado em algum lugar 652

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL do mundo, pouco importando se no Brasil ou no exterior, para alocar seus arquivos, sendo que esta contratação ocorreu apenas por meio telemático, mas é contrato à distância, sendo que a contratação ocorreu fora do estabelecimento, pois a oferta e o proponente podem estar no estabelecimento, mas o consumidor celebrou o contrato fora do estabelecimento, sendo que a ligação que teve ao estabelecimento foi apenas de comunicação de dados, igualmente como telefone. Assim, surge a dificuldade para identificar o que é a hospedagem de site sob o ponto de vista do direito das obrigações e contratos. E o mais razoável é de que se trata de uma modalidade de prestação de serviços por meio de “contratos eletrônicos”, cuja execução far-se-á exclusivamente mediante meio eletrônico. Prestação de serviços, segundo Venosa (2008, p. 197) é o “contrato sinalagmático pelo qual uma das partes, denominada prestador, obriga-se a prestar serviços a outra, denominada dono do serviço, mediante remuneração.” Venosa observa que no que tange ao objeto, é válida toda espécie de serviço ou trabalho lícito, sejam eles materiais ou imateriais. Sendo os contratos de prestação de serviços, segundo longa tradição jurídica, a primeira forma de regulação de trabalho, e tendo ainda um caráter ligado ao esforço físico de alguém, tem-se que o uso do serviço nos contratos celebrados via internet será no sentido do prestador se obrigar a fornecer o objeto da prestação (ex: a hospedagem do site), despendendo todos os meios que forem necessários. Temse, pois, um uso mais moderno da compreensão do significado de serviço. Não entender tais contratos como prestação de serviços, seria admitirmos um vazio jurídico, pois nenhuma outra espécie contratual contempla o que os contratos de internet oferecem. Como já visto, não é locação; não é obrigação de dar, pois só se está cedendo uso de um espaço de disco rígido a rigor. Assim, entendendo-se que não é serviço para os fins legais, só pode ser um contrato atípico, o que não nos parece adequado, visto que novamente invocando a comparação com o telemarketing, a venda de um serviço (como por exemplo, identificação de chamadas) por uma ligação telefônica, não é visto como um contrato atípico, mas sim prestação de serviço. Aliás, neste sentido a lei 9.472/1997, sobre serviços de telecomunicação. 653

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Nestes contratos, o dono do website (que pode ser um empresário, ou seja, apenas é o autor intelectual do site, mas cuja programação transfere a um webmaster; ou o próprio webmaster, que programa o seu próprio site e o administra) celebra um contrato de prestação de serviços, consistente num “aluguel” de um espaço em um disco rígido de um computador-servidor. Em que pese tal “aluguel”, não parece ser possível com base no atual conceito legal de locação considerar esta reserva de utilização de um espaço como sendo propriamente contrato de locação. Veja-se que este “aluguel” foge ao conceito de locação de coisas do art. 565 do Código Civil, pelo simples fato de não haver uma tradição da coisa, muito embora haja a contratação de um uso e gozo sobre o espaço do HD (disco rígido) contratado. Além da concessão do espaço no disco rígido do computador-servidor, existe a execução de serviços, como a segurança, backups, concessão “gratuita” de um pacote de serviços (scripts de web 2.0, fóruns, etc.), o que caracteriza a natureza de contrato de prestação de serviços. Por isso, o mais razoável é considerar que se trata de prestação de serviços com algumas particularidades, pois a execução contratual far-se-á mediante meio eletrônico (o webmaster usufruirá da coisa mediante a exploração por internet exclusivamente, podendo armazenar tantos arquivos quanto forem possíveis, bem como ter a liberdade no conteúdo, ressalvado a política de hospedagem da contratada, que sendo relação contratual, pode restringir sites de pornografia, de comércio, etc.), cuja retribuição é o valor pago mensalmente. A natureza do contrato é eminentemente civil, mas existe espaço para aplicarse a natureza consumeirista. Quanto à aplicação do Código de Defesa do Consumidor, há que se ter em vista a finalidade de tais contratos. Primeiramente é preciso superar a visão de que a internet se destina apenas a intuito comercial ou empresarial ou com intenção de lucro direta ou indireta, pois há muitos websites de pessoas físicas que não possuem qualquer destinação econômica (os chamados sites pessoais, bem como blogs, flogs e afins).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Assim, o website pode ser usado para constituir-se em um fim (hipótese que a aparentemente subsume-se no art. 2º do Código de Defesa do Consumidor), como um website pessoal; ou um meio, como um website de comércio eletrônico, de prestação de serviços; ou um website subsistente em si mesmo (um portal), cuja exploração são os anúncios publicitários e algum serviço on-line ofertado, como sites de notícias, de serviços on-line e etc. De todo modo, o contrato celebrado em ambas as hipóteses (com destinação a fim ou a meio), deve cumprir com a oferta (vale tanto a regra Civil quanto a consumeirista, de que a oferta constitui-se como elementos do contrato definitivo, havendo maior vinculação no caso consumeirista). A oferta no caso é divulgada pelas páginas com as características dos planos contratados, havendo responsabilidade contratual em caso de descumprimento, que pode converter-se em perdas e danos, caso haja algum prejuízo ao usuário (como o website ficar fora do ar, ou não processar corretamente as informações), como bem ressalta Maria Helena Diniz (2008, p. 759). Outra hipótese de oferta é a vinculação da página-anúncio de alguns benefícios, que no contrato padrão escrito e disponibilizados em caixa de mensagens (quase sempre extensos e incompreensíveis e com fontes tamanho 8 ou 10, sem parágrafos e separação de linhas) são referidos benefícios ressalvados, condicionados ou limitados sem destaque, ou ainda com divergência de dados quantitativos e qualitativos. Em sendo contrato de consumo, pode haver inclusive a implicação de cláusula formalmente nula por ser contrato de adesão, e possibilidade de pagamento indevido. Aliás, tais contratos são tipicamente contratos de adesão, pois o próprio website dispõe as cláusulas contratuais, não podendo o usuário delas discordar, muito mais que num contrato celebrado entre presentes. O judiciário será o meio de fazer prevalecer a oferta proposta, sendo o contrato de consumo ou não. Quanto ao usuário do website final (mormente sites pessoais, blogs, flogs e afins), a dificuldade será demonstrar que tal contrato é relação de consumo, vez que ante o despreparo dos operadores do direito, mesmo os consumeiristas, muitos se mostram céticos quanto à aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em 655

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL tais relações, visto que identificam nisso um contrato B2B (Businnes-to-Business) e não B2C (Business-to-Consumer). Na doutrina de direito eletrônico, costuma-se identificar três tipos de contratos eletronicos: B2B (Business-to-Business, celebrados entre empresas, regidos pelo Direito Civil observado o Direito Empresarial); B2C (Business-to-consumer, celebrados entre empresa e consumidor, regido pelo Direito do Consumidor); e C2C (Consumer-to-Consumer, celebrado entre consumidores, regido pela legislação civil, ex: compras no site Mercado Livre). Assim, num caso concreto, por evidente precaução, deve eventual usuário de hospedagem de site lesado em eventual demanda judicial primeiramente comprovar a relação de consumo para se beneficiar das normas consumeiristas. Em relação à utilização do site enquanto meio, como um site que um lojista contrata para a veiculação de produtos on-line, há que se ver a possibilidade de aplicação da teoria finalista mitigada, vendo no usuário deste website uma hipossuficiência técnica, que o coloca numa relação de desigualdade em relação ao prestador do serviço, podendo abrir espaço para uma aplicação excepcional do Código de Defesa do Consumidor. Evidentemente, no caso concreto, terá que ser demonstrado de forma clara no judiciário essa possibilidade de invocação das normas consumeiristas nestes casos. Assim se vê que muito embora seja muito comum a utilização de websites hoje em dia, inclusive encontrando o Poder Judiciário todo informatizado, ainda que o peticionamento e a marcha processual ocorra em meio de papel, o que poderá levar cedo ou mais tarde o judiciário a ter que enfrentar esse tipo de demanda. De momento, verifica-se uma concentração neste tipo de demanda em Estados como o de São Paulo, sendo possível encontrar diversas jurisprudências no Tribunal de Justiça de São Paulo sobre discussão de autoria de domínio, perdas e danos decorrentes de falhas na prestação de hospedagem de site, dentre outros. Mas inevitavelmente a questão estará chegando aos Tribunais Superiores, até a Jurisprudência começar a ter um posicionamento em relação a tais contratos.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Conclusão Diz-se que o direito tem dificuldade de lidar com o novo. Mesmo sendo uma ciência dinâmica, que lida com a dinamicidade da vida, o direito acompanha todos os novos fenômenos que ocorrem no mundo das relações sociais, para depois assimilá-los. A internet sem dúvida alguma foi o fenômeno moderno mais significativo para o direito. Afinal trouxe uma série de conceitos que representam um verdadeiro desafio ao aplicador do direito. Como lidar com o anonimato da internet, onde qualquer sujeito pode inserir uma página de internet para expor qualquer conteúdo, legal ou ilegal, podendo a página ser deletada com apenas um clique? E nisso tudo vem o fenômeno do crescimento e expansão da criação de websites, blogs, flogs, vlogs, todos conceitos que lidamos no dia-a-dia, mas que muitas vezes não atentamos para o seu significado jurídico. Para que possam existir os websites é necessário que aja a hospedagem através dos servidores, e onde há a prestação de serviços, há contratos. E dentro do estudo realizado, podemos claramente identificar, diante da ausência do regramento específico, que o contrato de hospedagem de website é uma espécie prestação de serviços, de natureza e execução completamente eletrônica, podendo, de acordo com a finalidade e sobretudo o sujeito utilizador, se tratar de um contrato B2B ou um contrato B2C, caso em que se vê possível aplicarse o Código de Defesa do Consumidor. Como todos e quaisquer contratos devem observar os princípios gerais e cláusulas gerais, como a boa-fé e a função social, bem como o princípio da vinculação da oferta, possibilidade de revisão judicial, etc. A idéia da prestação de serviços parece ser a mais adequada, visto que na sistemática do Direito Civil o aluguel pressuporia a tradição ou a transferência da posse de uma coisa, o que não ocorre quando se contrata a utilização de um servidor. O servidor continua localizado na sede da prestadora de serviços e o usuário contrata apenas a utilização de fração de dados (Gigabytes) e a empresa prestadora 657

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL fica responsável por ligar esses dados na rede mundial, para que o usuário possa programar o seu site e o mesmo ser exibido na internet. A internet sem dúvida se trata de um fenômeno novo para o direito. Mas é preciso também ter claramente presente alguns conceitos elementares para melhor compreender o fenômeno da internet. E compreendendo que a internet é uma rede de computadores físicos, ligados entre si, e, portanto, não é algo “virtual”, que está solto no meio do mundo, tem-se um grande passo para que possa adequadamente regulá-la. Assim, se é verdade que seria importante e salutar que houvesse uma legislação própria, a verdade é que a legislação atual, mormente para os contratos eletrônicos, é plenamente aplicável, com as devidas observações. O operador do direito precisa ter a mentalidade aberta para a análise deste novo fenômeno, para não iniciar seu estudo a partir de premissas erradas, como parece estar ocorrendo, mediante uma simples consulta de projetos de lei ligados à internet. Referências BRANT, Cássio Augusto Barros. Os direitos da personalidade na era da informática. Revista de Direito Privado, São Paulo: Revista dos Tribunais, n.42, abr/jun 2010. BRASIL, Angela Bittencourt. Informática Jurídica: o Ciber Direito. Rio de Janeiro: A. Bittencourt Brasil, 2002. CANELLA, Sergio Eduardo; LEWIS, Sandra Borbon. Breves Anotações sobre o Comércio Eletrônico. Revista Scentia Iuris. Londrina: v.9, 2005 CORRÊA, Gustavo Testa. Aspetos jurídicos da internet. 2 ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 8 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. v.3 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 24 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008. v.3 _____, Maria Helena. Tratado Teórico e Prático dos contratos. 6 ed. rev., ampl. e atual.Sao Paulo: Saraiva, 2006. v.5

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ELIAS, Paulo Sá. Contratos eletrônicos. Contratos eletrônicos bancários. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: . Acesso em: 1 jun. 2011. Folha de São Paulo. Utilizar site com conta de amigo vira crime nos EUA. Disponível em: . Acesso em: 03 jun. 2011 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. v.3 HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Contrato: estrutura milenar de fundação do direito privado. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: . Acesso em: 3 jun. 2011. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. 8 ed. 2 reimp. São Paulo: Atlas, 2008. v.III PAESANI, Liliana Minardi. Direito de Informática: Comercialização Desenvolvimento Internacional de Softwares. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002.

e

_____, Direito e Internet: Liberdade de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 2002.

e

Informação,

Privacidade

ROCHA, Roberto Silva da. Natureza jurídica dos contratos celebrados com sites de intermediação no comércio eletrônico. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 16, n. 61, p. 230-269, jan./mar. 2007. SCHOURI, Luís Eduardo (organizador). INTERNET: O Direito na Era Virtual. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. SILVA, Rosana Ribeiro da. A Teoria Geral dos Contratos e os Contratos Eletrônicos. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.2, n. 8, p.198/209, out/dez 2001.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A RESPONSABILIDADE OBJETIVA NO DIREITO ADMINISTRATIVO À LUZ DA TEORIA DO DIREITO STRICT LIABILITY ON ADMINISTRATIVE LAW UNDER THE THEORY OF LAW Francisco Augusto Zardo Guedes Mestrando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Email: [email protected] Resumo: A gravidade das sanções legalmente previstas para licitações e contratos administrativos não se faz acompanhar de um regime jurídico estruturado de modo a assegurar um veredicto justo e juridicamente válido. O cenário tende a se agravar, pois está em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6826/2010, que prevê que “As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não” (art. 2o). O objetivo do presente ensaio é analisar se, à luz da Teoria do Direito, é adequada a responsabilização objetiva da pessoa jurídica com a finalidade de impor sanções restritivas de direitos. Palavras-chave: Sanções Administrativas. Responsabilidade Objetiva. Teoria do Direito. Abstract: The severity of the sanctions provided by law for bids and administrative contracts isn‟t accompanied by a legal regime structured to ensure a fair verdict and legally valid. The scenario is getting worse, because it is pending in the House of Deputies draft bill 6826/2010, which provides that “Corporations are strict liable, in the administrative and civil actions, by herof harmful acts committes in their interest or benefit, exclusive or not” (Second article). The purpose of this essay is to examine whether, in light of the theory of Law, is proper the strict liabilty of the corporation for the purpose of imposing sanctions that restrict rights. Keywords: Administrative Sanctions. Strict Liability. Theory of Law. 1 INTRODUÇÃO O Estado é um importante consumidor de bens e serviços produzidos pelo setor privado. Parcela significativa do faturamento de muitas empresas advém dos contratos celebrados com o poder público, em geral, mediante prévia licitação. Esse contexto revela que a imposição das penas de suspensão ou impedimento de contratar com a Administração Pública por até 5 (cinco) anos pode ser profundamente nociva ao particular, ao ponto de inviabilizar a continuidade de

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sua atividade econômica. Funcionários, fornecedores e investidores, entre outros, também sofrerão, indiretamente, os reflexos dessa sanção. A gravidade das penas, contudo, não se faz acompanhar de um regime jurídico estruturado de modo a assegurar um veredicto justo e juridicamente válido. Segundo Rafael Munhoz de Mello: Não obstante a frequência com que são aplicadas e a gravidade de suas consequências, as sanções administrativas não encontram no ordenamento jurídico pátrio uma disciplina jurídica satisfatória. Não há lei disciplinando o exercício da atividade punitiva pela Administração Pública, tal qual ocorre na Espanha, na Itália e na Alemanha, para mencionar alguns exemplos. No Brasil as sanções administrativas são tratadas de modo assistemático pelos inúmeros diplomas legais que criam infrações administrativas, alguns deles indubitavelmente merecedores do rótulo cunhado por Eduardo Garcia de Enterría: „pré-beccarianos‟.207

E, como se não bastasse, a doutrina não tem se debruçado sobre o tema. Como asseverou Marçal Justen Filho: O tema das sanções no âmbito da Lei nº 8.666/93 não propiciou debates mais aprofundados na doutrina. […]. Os autores mais abalizados costumam passar sobre a matéria num vôo de pássaro. O único autor que dedicou que dedicou esforços aprofundados sobre a material foi o já citado Eduardo Rocha Dias, cujo trabalho merece aplausos (ainda que não adesão integral a suas conclusões).208

No seu Curso de Direito Administrativo o autor reitera semelhante consideração: “No entanto, o tema até o presente não mereceu maior atenção da doutrina e da jurisprudência”209. Passado 10 (dez) anos, o cenário retratado por Justen Filho nada se alterou. Ademais, a obra de Eduardo Rocha Dias 210, publicada pela primeira e única vez em 1997, perdeu atualidade com o advento da Lei 207

MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador: As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. p. 16. 208 JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de Serviços Públicos e as Multas por Inadimplemento do Concessionário. Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba, n. 100, p. 498, 2002. 209 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 452. 210 DIAS, Eduardo Rocha. Sanções Administrativas aplicáveis a Licitantes e Contratados. São Paulo: Dialética, 1997.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 10.520/2002, que instituiu o Pregão. É certo que relevantes trabalhos foram publicados

sobre

as

sanções

administrativas

em

geral211,

mas

nenhum

especificamente sobre as sanções em licitações e contratos administrativos. O cenário tende a se agravar, pois está em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6826/2010, que “dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira”212. O art. 7º, II, do Projeto prevê, dentre as sanções, “a declaração de inidoneidade, pelo prazo mínimo de um e máximo de cinco anos”213, o que impede a empresa de licitar e contratar com qualquer esfera de governo. Ainda segundo o citado Projeto: Art. 2º. As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. Parágrafo único. A responsabilização da pessoa jurídica ocorrerá independentemente da: I - natureza do vínculo entre quem pratica o ato e a pessoa jurídica beneficiada; II - existência de autorização superior ou poder de representação; e III – obtenção ou não da vantagem ou do benefício almejado.214

Os diversos aspectos que envolvem a aplicação das sanções em licitações e contratos administrativos serão objeto da pesquisa em curso no âmbito do Programa 211

FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas. São Paulo: Malheiros, 2001; FERREIRA, Daniel. Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988. Belo Horizonte: Fórum, 2009; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador: As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007; OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e Sanções Administrativas. 2. ed. São Paulo: RT, 2005; OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. 3. ed. São Paulo: RT, 2009. 212 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei 6.826/2010. Brasilia: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2012. 213 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei 6.826/2010. Brasilia: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2012.. 214 BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei 6.826/2010. Brasilia: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2012.

662

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná. O objetivo específico do presente ensaio é contribuir modestamente para a colmatação da lacuna existente, analisando se, à luz da Teoria do Direito, é adequada a responsabilização objetiva da pessoa jurídica com a finalidade de impor sanções restritivas de direitos. 2 O CONCEITO DE SANÇÃO Hans Kelsen conceitua sanção como um ato de coação estatuído pela ordem jurídica em reação à conduta humana contrária àquela considerada como prescrita ou conforme ao Direito215. Sanção é, portanto, a consequência do ilícito. Para Kelsen, é isso o que difere a sanção dos atos de coação que não têm esse caráter. A prisão é a sanção prevista para o furto. Já o internamento compulsório de um indivíduo atacado por uma doença, embora seja um ato de coação, não se configura como sanção porque “entre os pressupostos do ato da coerção estatuído pela ordem jurídica não se encontra qualquer ação ou omissão de determinado indivíduo especificada pela mesma ordem jurídica” 216. Essa também é a posição de Carlos Santiago Nino, para quem “só se pode falar em „sanção‟ naqueles casos em que a coerção estatal é exercida como resposta a alguma atividade voluntária de um agente, ou seja, quando há uma conduta realizada mediando a capacidade de omitir”217. Kelsen subdivide as sanções em pena e execução. Ambas são a realização de um mal ou a privação de um bem. Como destaca Nino, “Kelsen propõe considerar „bens‟ aqueles estados de coisas que, para a maior parte das pessoas, são valiosos, sendo irrelevante que não o sejam para um desesperado ou um masoquista”218.

215

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 37. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 121. 217 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 202. 218 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 200.

216

663

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL No caso de prisão, a pena é a privação da liberdade. No caso da multa, a privação do patrimônio. No caso da demissão, a perda do emprego ou do cargo. A diferença entre a pena e a execução forçada é que esta visa “compensar (indenizar) o ilícito”219. Enquanto a sanção (penal) de multa reverte a um fundo público, na execução (civil) forçada o valor é atribuído ao lesado para reparar o prejuízo patrimonial ou moral. Na obra Teoria Geral do Direito e do Estado, Hans Kelsen denomina a execução forçada de sanção civil, salientando que entre ela e as sanções penais não há nenhuma característica distintiva quanto à natureza externa. “Mais fundamental é a diferença de propósito: ao passo que o Direito criminal tem como fim a retribuição ou, segundo a visão moderna, a coibição, i.e., a prevenção, o Direito civil tem como fim a reparação”220. Essa distinção, contudo, não é absoluta. Primeiro, porque “é praticamente impossível questionar que as sanções civis, pelo menos secundariamente, servem ao propósito de prevenção por coibição”221. Segundo, porque a interpretação segundo a qual as sanções penais têm por finalidade: Prevenir, pela intimidação, a ação ou omissão contra a qual a pena é dirigida, é uma interpretação que também é possível em face de ordenamentos juridicos-penais cujo aparecimento não foi determinado pela idéia de prevenção, mas o foi tão somente pelo princípio de que se deve retribuir o mal com o mal. As penas de morte e de prisão permanecem as mesmas, quer se vise ou não, ao estatuí-las, um fim de prevenção. Sob este aspecto não existe qualquer diferença essencial entre pena e execução (civil), pois também essa pode – sendo, como é, sentida como um mal pelo indivíduo que atinge – ter um efeito preventivo, por forma tal que o fim da indenização se pode combinar, aqui, com o fim de prevenção.222

219

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 122. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.53. 221 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 54. 222 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 123.

220

664

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 3 A FINALIDADE DAS SANÇÕES Tais questões suscitam outra discussão, ainda mais complexa, sobre a finalidade das sanções. Para Emmanuel Kant, a pena tem finalidade retributiva: A pena jurídica (poena forensis), que difere da pena natural (poena naturalis), pela qual o vício leva em si o seu próprio castigo e à qual o legislador não olha sob nenhum aspecto, não pode nunca ser aplicada como um simples meio de se obter um outro bem, nem ainda em benefício do culpado ou da sociedade; deve, sim, ser sempre contra o culpado pela única razão de que delinquiu; porque jamais um homem pode ser tomado por instrumento dos desígnios de outro nem ser contado no número das coisas como objeto de direito real; sua personalidade natural inata o garante contra tal ultraje, mesmo quando possa ser condenado a perder a personalidade civil. O malfeitor deve ser julgado digno de punição antes que se tenha pensado em extrair de sua pena alguma utilidade para ele ou para seus concidadãos. A lei pena é um imperativo categórico.223

Kant confere tamanha importância ao caráter retributivo da pena que, segundo ele, se uma determinada sociedade decidisse se dissolver, ainda assim “o ultimo assassino preso deveria ser morto antes da dissolução a fim de que cada um sofresse a pena de seu crime”224. Radicalmente oposta é a posição dos utilitaristas, para os quais a pena possui caráter preventivo. Jeremias Bentham diz que “as penas legais são males, que devem recair acompanhados de formalidades jurídicas sobre os indivíduos convencidos de terem feito algum ato prejudicial, proibido pela lei, e com o fim de se prevenirem semelhantes ações para o futuro”225. “O castigo que o réu padece é um painel em que todo o homem pode ver o retrato do que lhe teria acontecido, se infelizmente incorresse no mesmo crime”226. Segundo Bentham: todo homem se governa nas suas ações por um cálculo, bem ou mal feito, sobre prazeres e penas, ainda mesmo o que não é capaz de 223

KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. 3. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 176. KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. 3. ed. São Paulo: Ícone, 1993. p. 178. 225 BENTHAM, Jeremias. Teoria das Penas Legais. São Paulo: Logos, s.d. p. 17. 226 BENTHAM, Jeremias. Teoria das Penas Legais. São Paulo: Logos, s.d. p. 20.

224

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL reflexão aturada: lembra-se, por exemplo, de que a pena vai ser a consequencia duma ação que lhe agrada: esta ideia faz um certo abalo no seu espírito para o retirar do prazer. Se o valor total da pena lhe parece maior, se pesa mais do que o valor total do prazer, é natural que a força, que o afasta do crime, venha por fim a vencer, e que não tenha lugar o desatino, que formava seu pensamento.227

Se Bentham fosse indagado a respeito da hipótese cogitada por Kant, em que uma sociedade decidiu se dissolver, pode-se afirmar que sua conclusão seria pela desnecessidade de aplicação da pena dada a sua inutilidade para os indivíduos em processo de dispersão. É o que se infere da seguinte passagem: A pena, que em si mesma não tem valia; a pena, que repugna a todos os sentimentos generosos, sobre até emparelhar com os mais altos benefícios, quando a podemos encarar, não como um ato de raiva ou de vingança contra um criminoso ou desgraçado, que se rendeu a uma inclinação funesta, mas como um sacrifício indispensável para a salvação de todos.228

Com efeito, se não haverá mais o todo, não há porque realizar esse ato de sacrifício consistente na aplicação de uma pena. Analisando as vantagens e falhas das duas teorias, Carlos Santiago Nino assevera que: o retribucionismo, por um lado, parece satisfazer quase todas as nossas convicções intuitivas de justiça: exclui a possibilidade de condenar um inocente, exige que só sejam condenadas as ações voluntárias, prescreve penas mais severas para os fatos mais graves, determina que um ato intencional seja punido de forma mais severa que um negligente (já que a recriminação pelo fato é maior) etc.229

Entretanto, essa atenção excessiva para a retribuição e o completo desinteresse quanto à utilidade da pena, salienta Nino: Requer de nós uma intuição ética básica compartilhada por muito poucos: que a soma de dois males dá como resultado um bem. O que senão o sentimento e o desejo de vingança – alguém pode se 227

BENTHAM, Jeremias. Teoria das Penas Legais. São Paulo: Logos, s.d. p. 19-20. BENTHAM, Jeremias. Teoria das Penas Legais. São Paulo: Logos, s.d. p. 20. 229 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 505-506. 228

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL perguntar – explica essa preferência por um estado do mundo em que os males se multiplicam, sem atender à possibilidade de algum efeito benéfico para alguém?.230

Na falha do retribuicionismo está a virtude do utilitarismo, que nos induz a: Não nos deixar levar pelo espírito de vingança e pelo ressentimento diante da impotência para desfazer o mal que aconteceu, agravando desse modo os infortúnios humanos, e a olhar, em vez disso, para o futuro, buscando apenas a minimização do sofrimento.231

Se, porém, a pena não é a retribuição por um mal praticado, a desvantagem do utilitarismo reside no fato de que: Não está, de jeito nenhum, garantida nessa concepção a exigência de atitudes subjetivas – intenção ou negligência - para a responsabilidade penal; em muitos casos poderia ser mais eficaz e econômico como forma de prevenção que cetidos delitos fossem de responsabilidade objetiva.232

Mais grave do que isso é a possibilidade de utilizar a concepção utilitária da pena para condenar um inocente, como forma de evitar um mal maior. Nino propõe a superação desse dilema pela combinação dos aspectos positivos das duas correntes. Segundo ele, a pena é um encargo imposto ao condenado que gera benefícios sociais. A imposição desse encargo só será legítima se for consentida. Esse consentimento restará configurado quando o agente praticar determinada

conduta,

mesmo

sabendo

quais

serão

suas

consequências

necessárias. Para o mestre argentino: Como essa teoria consensual da pena requer conhecimento de que a responsabilidade penal é uma consequência necessária de uma ação voluntária, dela se infere a ilegitimidade de condenar um inocente, a exclusão de leis retroativas e a exigência de conhecimento dos fatos e do direito.233 230

NINO, 506. 231 NINO, 506. 232 NINO, 506. 233 NINO, 508-509.

Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL 4 O CONCEITO DE DELITO Analisado o conceito de sanção e as diversas teorias sobre a finalidade da pena, cumpre analisarmos o seu pressuposto, o delito. Para Kelsen, “certa conduta humana é um delito porque a ordem jurídica vincula a essa conduta como condição, como consequência, uma sanção”234. A partir dessa formulação, Kelsen pretende se distanciar do Direito natural, que distigue as condutas em mala in se e mala prohibita, isto é, má em si e má porque proibida. Segundo Kelsen, para uma teoria do Direito positivo a conduta é delituosa porque assim diz a legislação, mediante o estabelecimento de uma sanção: A definição de delito como conduta do indivíduo contra o qual é dirigida a sanção, como consequência de sua conduta, pressupõe – apesar de não fazer referência ao fato – que a sanção é dirigida contra o indivíduo cuja conduta o legislador considera nociva à sociedade e que, portanto, ele tem a intenção de obstar através da sanção.235

Todavia, Kelsen ressalta que tais ilações são válidas para os povos civilizados. Nos povos primitivos, o sujeito não existe individualmente, mas apenas como membro do grupo. Logo, a sanção também é imposta contra o grupo ao qual pertence. Ainda segundo Kelsen: O conceito jurídico de delito pressupõe, em princípio, que o indivíduo cuja conduta tem, a partir de uma perspectiva política, um caráter socialmente nocivo, e o indivíduo contra quem é executada a sanção coincidem. Apenas sob tal condição é correta a definição jurídica do delito como conduta do indivíduo contra quem é dirigida a sanção, como consequência de sua conduta.236

Nino questiona a concepção kelseniana, afirmando que, conforme reconhece o próprio autor da Teoria Pura, “essa definição não abrange os caso de 234

55. 235

58. 236

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.

59.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL responsabilidade indireta; ou seja, aquelas situações em que se aplica sanção a uma pessoa pelo ato antijurídico cometido por outra”237. Precisamente como forma de abarcar a responsabilidade indireta, Kelsen formula uma outra definição de delito: “A conduta do indivíduo contra o qual a sanção é dirigida ou que tem certa relação juridicamente determinada com os indivíduos contra os quais é dirigida a sanção”238. Nino critica essa definição, argumentando que: O conceito de relação jurídica, ou o de aparentado, é bastante vago para que se inclua nesse vínculo, como alvo da sanção, não só o filho em relação ao pai ou o chefe de Estado em relação aos cidadãos, como também o promotor que acusa e o cocontratante que demanda por descumprimento do contrato.239

Por fim, Nino chega à “conclusão de que Kelsen não conseguiu perfilar um conceito satisfatório de „ato antijurídico‟”240. O autor argentino passa então a buscar na dogmática penal uma definição de delito, citando o jurista alemão Ernst von Beling, que definia delito como “a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma adequada sanção penal e que preenche as condições objetivas de punibilidade”241. O primeiro requisito é uma ação, assim entendida como o movimento corporal voluntário. A ausência voluntária desse movimento também pode caracterizar uma ação, na modalidade omissiva. O segundo requisito é a tipicidade. “Uma ação é típica quando se enquadra estritamente em uma descrição precisa contida em uma lei penal não retroativa” 242. O terceiro requisito é a antijuridicidade. O homicídio em legítima defesa é típico, mas não é antijurídico, pois admitido pelo ordenamento. 237

NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise 207. 238 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do p.61. 239 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise 209. 240 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise 209. 241 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise 213. 242 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise 214.

do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O quarto requisito é a culpabilidade. A ação é culpável “quando está acompanhada por um componente psicológico característico, que pode ser o „dolo‟ (intenção) ou „culpa‟ (negligência ou imprudência)”243. O quinto requisito é a punibilidade, que se refere à conduta sujeita à pena. Todavia, como alerta Roberto José Vernengo, uma definição como essa “vale apenas se for aceita a premissa política de que não existe outro tipo de responsabilidade penal que a pessoal. Isso é uma limitação histórica contingente, própria do direito penal liberal”244. 5 A RESPONSABILIDADE OBJETIVA O último conceito a ser analisado antes de ingressarmos na resolução do problema proposto na introdução é o de responsabilidade. Kelsen assinala que “o indivíduo contra quem é dirigida a consequência do ilícito responde pelo ilícito, é juridicamente responsável por ele”245. A responsabilidade é individual “quando a sanção é dirigida apenas contra o delinquente”246. A responsabilidade é coletiva: Quando a sanção não é dirigida contra o delinquente, ou seja, contra o indivíduo que, por sua própria conduta, cometeu o delito, mas contra outros indivíduos que se acham em uma determinada relação jurídica com o delinquente”.247

Kelsen acrescenta que: A responsabilidade por um delito cometido por outro indivíduo, que não o responsável, nunca pode ser baseada na culpa do indivíduo responsável, ou seja, no fato de ter ele previsto ou pretendido o

243

NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 214. 244 VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 197. Tradução nossa. 245 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 136. 246 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 73. 247 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 73.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL efeito prejudicial. A responsabilidade responsabilidade absoluta.248

coletiva

é

sempre

Responsabilidade absoluta, também chamada de responsabilidade pelo resultado e de responsabilidade objetiva, é aquela em que “o evento não é previsto nem intencionalmente visado pelo agente”249. Em oposição a essa modalidade, Kelsen aborda também a responsabilidade subjetiva ou pela culpa, aqui compreendida como “a relação positiva entre o comportamento (atitude) íntimo, anímico, do delinquente e o evento produzido ou não impedido através de sua conduta externa; consiste na sua previsão ou na sua intenção, àquele evento dirigida”250. Segundo Roberto José Vernengo, “quando não há coincidência entre o sujeito obrigado e o sujeito sancionado (responsável); é dizer, quando o responsável não pode evitar com uma ação própria a aplicação da sanção, dizemos que a responsabilidade é objetiva”.251 E prossegue: “Toda responsabilidade indireta, quanto o sujeito é sancionado por um ato de um terceiro e não pode com seu próprio atuar cumprir a ação que evita a sanção, é também caso de responsabilidade objetiva”252. No tocante aos campos de aplicação da responsabilidade objetiva, Vernengo observa que: Não se sanciona penalmente, e, por fim, não há responsabilidade objetiva, no âmbito do direito penal. Princípio que se costuma expressar dizendo que, em direito penal a responsabilidade é sempre pessoal. Sem embargo, a aplicação cada vez mais frequente de sanções penais a grupos organizados como pessoas jurídicas coletivas obriga a revisar esta noção, que é própria de uma certa etapa política do direito penal ocidental.253

248

KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 74. 249 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 137. 250 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 137. 251 VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 215. Tradução nossa. 252 VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 215. Tradução nossa. 253 VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 215-216. Tradução nossa.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Segundo Vernengo, “nos direitos primitivos é frequente que apareça a responsabilidade objetiva e até coletiva”254. 6 A IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DA PESSOA JURÍDICA COM A FINALIDADE DE IMPOR SANÇÕES RESTRITIVAS DE DIREITOS A sanção consistente na declaração de inidoneidade para licitar e contratar com qualquer esfera de governo tem a natureza de pena, seguindo a classificação de Hans Kelsen. Isso porque de sua imposição não resulta a reparação do prejuízo patrimonial ou moral causado pelo ilícito. Ao revés, a finalidade de sua aplicação é retribuir o ilícito com um mal e também prevenir a ocorrência de novos ilícitos. Daí o seu caráter retributivo e preventivo. Como enfatiza Kelsen, “apenas se o mal da sanção for inflingido ao malfeitor, as exigências de retribuição serão concretizadas e o medo da sanção poderá impedir as pessoas de cometer o delito”255. Assim, sanções como a declaração de inidoneidade, para alcançar sua finalidade, somente poderão ser impostas ao autor do delito. Sendo o delito uma “ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma adequada sanção penal e que preenche as condições objetivas de punibilidade” 256, fica excluída a possibilidade de responsabilização indireta e objetiva das pessoas jurídicas nos moldes previstos no art. 2º do Projeto de Lei 6826/2010. Primeiro, porque não havendo ação da pessoa jurídica, por meio das pessoas naturais que a representam, não há delito, que é o pressuposto da sanção.

254

VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 217. Tradução nossa. 255 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p.58. 256 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 213.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Segundo, porque, como a pessoa jurídica “não pode evitar com uma ação própria a aplicação da sanção”257, não há justificativa para aplicá-la, já que, nesses casos, a pena nem retribuirá tampouco prevenirá a prática de novos delitos. 7 CONCLUSÃO O presente ensaio pretendeu analisar se, à luz da Teoria do Direito, é adequada a responsabilização objetiva da pessoa jurídica com a finalidade de impor sanções restritivas de direitos. A partir das considerações acima expostas, concluise que: a) Sanção é um ato de coação estatuído pela ordem jurídica em reação à conduta humana contrária àquela considerada como prescrita ou conforme ao Direito;258 b) Há, entre as sanções penais e civis uma diferença de propósito: “Ao passo que o Direito criminal tem como fim a retribuição ou, segundo a visão moderna, a coibição, i.e., a prevenção, o Direito civil tem como fim a reparação”;259 c) Segundo o jurista alemão Ernst von Beling, delito é “a ação típica, antijurídica, culpável, submetida a uma adequada sanção penal e que preenche as condições objetivas de punibilidade”.260 d) Segundo Roberto José Vernengo, “quando não há coincidência entre o sujeito obrigado e o sujeito sancionado (responsável); é dizer, quando o responsável não pode evitar com uma ação própria a aplicação da sanção, dizemos que a responsabilidade é objetiva”;261

257

VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 215. Tradução nossa. 258 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 37. 259 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 54. 260 NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. p. 213. 261 VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 215. Tradução nossa.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL e) Vernengo observa que “não se sanciona penalmente, e, por fim, não há responsabilidade objetiva, no âmbito do direito penal. Princípio que se costuma expressar dizendo que, em direito penal a responsabilidade é sempre pessoal”.262 A responsabilidade penal objetiva é frequente no direito primitivo; f) A declaração de inidoneidade, que possui a natureza de pena, somente poderão ser impostas ao autor do delito, ficando excluída a possibilidade de responsabilização indireta e objetiva das pessoas jurídicas nos moldes previstos no art. 2º do Projeto de Lei 6826/2010. REFERÊNCIAS BENTHAM, Jeremias. Teoria das Penas Legais. São Paulo: Logos, s.d. BRASIL. Congresso Nacional. Projeto de Lei 6.826/2010. Brasilia: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível em: . Acesso em: 22 ago. 2012. JUSTEN FILHO, Marçal. Concessões de Serviços Públicos e as Multas por Inadimplemento do Concessionário. Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba, n. 100, p. 498, 2002. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. KANT, Emmanuel. Doutrina do Direito. 3. ed. São Paulo: Ícone, 1993. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992. ______. Teoria Pura do Direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador: As sanções administrativas à luz da Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. NINO, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2010. 262

VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976. p. 215-216. Tradução nossa.

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VERNENGO, Roberto Jose. Curso de Teoria General del Derecho. 2. ed. Buenos Aires: Cooperadora de Derecho y Ciências Sociales, 1976.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A SITUAÇÃO ATUAL DO DIREITO CONTRATUAL: A PÓS-MODERNIDADE E A SUA INFLUÊNCIA NA TEORIA CONTRATUAL THE CURRENT SITUATION OF CONTRACT LAW: A POST-MODERN ERA AND ITS INFLUENCE ON THE THEORY OF CONTRACT Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira – UNIMAR – [email protected] Rita Diniz Caminhoto – UNIMAR – [email protected] Resumo: Na pós-modernidade surgem novos paradigmas em relação à propriedade, a família e os contratos. A descodificação do Direito Civil e a dignidade da pessoa humana visam a reconquistar o lugar do Direito. Palavras-chave: pós-modernidade; contratos; pluralismo; valores constitucionais; repersonalização do homem. Abstract: In postmodernity new paradigms arise in relation to property, family and contracts. The decoding of Civil Law, the dignity of the human person aiming to regain the place of law. Keywords: postmodernity; contracts; pluralism; dignity of the human person. Introdução Com a pós-modernidade, coloca-se o contrato em um contexto de fenômenos sociais, levando a uma análise integrada do aspecto jurídico com as questões sociológicas. Houve uma alteração na forma de manifestação do conhecimento em todos os setores sociais, e sua consequência ainda não foi vislumbrada em toda a sua íntegra. Destarte, os contratos precisam ser repensados, para uma adequação a essa nova realidade, a pós-modernidade, que criou novos parâmetros para o Direito, com a aplicação dos princípios constitucionais, de acordo com o contexto de seu meio social. Revisão de Literatura Na idade moderna, com a globalização, muitas mudanças sociais ocorreram assinalando as seguintes: a evolução industrial, a evolução tecnológica, com a informática e a robótica, a ampliação do consumo, o liberalismo seguido do neoliberalismo, com o Estado Social, a massificação social, o crescimento econômico, a melhoria do estilo de vida social, um melhor relacionamento internacional entre os povos, a consagração da democracia. Em decorrência disto, surgiram incertezas e inseguranças, que geraram crises, marcando a pósmodernidade. Nesta fase, as mudanças sociais levaram a Ciência do Direito a ser repensada, com a formação de novos conceitos, novos paradigmas, como o reconhecimento dos direitos fundamentais, elevando-se o homem à posição central do ordenamento jurídico-social, a aplicação dos valores constitucionais na interpretação das normas, em especial o princípio da dignidade da pessoa humana, o respeito às diferenças, o pluralismo, a descodificação do Direito Civil. “O fenômeno 676

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL da pós-modernidade cria novos parâmetros para o Direito, [...] vinculados ao crescimento da aproximação da ciência do Direito com os valores constitucionais, ressaltando e revitalizando a importância do indivíduo como pessoa e finalidade última de todo o ordenamento, sem contudo se descuidar do adequado trato da sua inserção no meio social que o circunda.” (XAVIER, 2006, p. 65). “O deslocamento do foco de interpretação do contrato do Código Civil para um sistema CivilConstitucional é que enquadra o homem no centro das atenções do ordenamento.” (NALIN, 2001, p. 245-246). “Quando se faz referência à despatrimonialização do Direito Civil e consequente despatrimonialização do contrato, tem-se em vista a renovação dos propósitos do contrato contemporâneo, dentre o que se destaca atenção maior dispensada ao sujeito do que à produção e ao consumo, sem que com isso se sustente a superação do conteúdo econômico do negócio, mesmo que, minimamente, retratado.” (NALIN, 2001, p. 250). Por conseguinte, novas formas de contratos agora surgem, como os contratos de adesão, enfim, contratos em massa, o que também traz a necessidade de se repensar esses institutos, levando-se em consideração a função social dos contratos. “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.” (CÓDIGO CIVIL, 2002, art. 421). “Parte significativa dos autores pesquisados entende a função social como a expressão, no âmbito contratual, dos ditames da “justiça social”, próprios do Welfare State constitucional. Trata-se do fenômeno referido como a “publicização”, “socialização”, ou mesmo a “constitucionalização” do Direito Privado, em razão do qual institutos tradicionalmente pertencentes ao Direito Civil – como o contrato, a propriedade – passam a ser orientados por critérios distributivistas inerentes ao Direito Público.” (TIMM, 2008, p. 74). “De qualquer modo, [...] o contrato interprivado a relação jurídica subjetiva, nucleada na solidariedade constitucional, destinada à produção de efeitos jurídicos existenciais e patrimoniais, não só entre os titulares subjetivos da relação, como também perante terceiros.” (NALIN, 2001, p. 255). “A limitação da autonomia privada vem definida pela ordem pública, pelo princípio da função social, pelos bons costumes e pelo princípio da boa-fé.” (FERREIRA, 2007, p. 91). “Dessa forma, atento aos princípios sociais aplicáveis aos contratos – boa-fé objetiva, equivalência material e função social – e ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana não mais se admite a mantença de contratos desprovidos de uma concepção social, devendo-se buscar, através da aplicação científica do sistema jurídico e, sobretudo, da sua repotencialização, de forma a torná-lo compatível com as exigências econômicas e sócias hodiernas, uma conciliação entre a liberdade e a igualdade.” (MATTIUZO JUNIOR; GAGLIARDI, 2007, p. 41-42). “Nesse sentido, a função social do direito contratual garantiria a predominância dos interesses coletivos (ou sociais) sobre os interesses individuais, no âmbito do contrato. Porque a sociedade apresenta enormes desigualdades, os acordos privados as refletiriam. Então, a distribuição de riqueza, [...] o Estado deveria proteger a parte mais fraca na relação privada, fazendo-o por meio da regulação dos pactos.” (TIMM, 2008, p. 74). “Nenhum dos seus campos, contudo, parece ter sido mais afetado pela „estandardização‟ social do que o direito das obrigações, em especial o direito dos contratos: [...] onde sequer se cogita do papel da vontade a reclamar espaço e qualificação jurídica.” (MARTINS-COSTA, 2011, p. 1134). “O contrato, cujo nome se mantém, não privilegia mais a autonomia da 677

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL vontade, mas sim a inter-relação dos atores sociais através da intervenção do Estado.” (DIAS, v. 3, 2011, p. 80).“Nos contratos de massa os valores constitucionais da dignidade da pessoa humana [...] oferecem aos tribunais sólidas bases de referência para a interpretação de uma „normativa intervencionista‟ no contrato quando violados, ou em vias de serem violados ditos princípios.” (MARTINS-COSTA, 2011, p. 1144). “No direito social (social law) preconizado por Eward as partes não pactuam cláusulas diretamente sem antes passar pela mediação do todo, ou seja, da vontade social, ou ainda, para se utilizar os termos de nossas legislações, da função social do contrato.” (DIAS, v. 3, 2011, p. 85). Destarte, houve, na pósmodernidade, alterações no pensamento jurídico, para se adequar às mudanças sociais dessa nova era. Resultados e Discussão Desde o século passado, a teoria contratual, em relação aos valores sociais, vem sendo objeto de preocupação. As grandes mudanças sociais ocorridas nos últimos tempos têm acarretado alterações na forma de manifestação do conhecimento em todos os setores sociais. Percebe-se uma descodificação do Direito Civil, devido ao pluralismo, com a presença de outras legislações mais específicas, tais como a Lei do Inquilinato e o Código de Defesa do Consumidor. Como resposta à massificação social, também vem ocorrendo a centralização do homem no ordenamento jurídico, visando à dignidade da pessoa humana. Os Direitos Humanos são reavivados pelo discurso jurídico pós-moderno, como elemento guia, influenciando o Direito Civil, que passa a assumir o papel de limitador de abusos, para a proteção dos indivíduos. O constitucionalismo amplia seus valores, abarcando direitos outros, além dos direitos da estrutura estatal e das garantias individuais. Com a abrangência dos valores sociais marcados pela tolerância à diversidade, o direito privado passa por uma transformação, proporcionando uma efetiva mudança nos dogmas tradicionais, com as noções de função social da propriedade, da empresa e dos contratos. Por conseguinte, o pensamento pós-moderno reposiciona o Direito como elemento de transformação da vida social e fator fundamental para a explicação da vida social. Conclusão Os novos paradigmas surgidos na pós-modernidade, no que tange os contratos redefinem a teoria contratual, assentando princípios e limites em relação ao núcleo negocial. As transformações do direito privado asseguram a adoção dos novos paradigmas, como a função social da propriedade, da empresa e dos contratos. Os valores constitucionais são cada vez mais aplicados na interpretação dos pactos colocando o contratante como principal titular de proteção. A teoria negocial passa a compor a cena das importantes transformações proporcionando um novo repensar do direito negocial em direção à humanização de democratização dos pactos.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Referências BRASIL. Código civil brasileiro. Disponível em: Acesso em: 13 set. 2012. DIAS, Carlos Alberto Da Costa. Moderno dirigismo econômico e direito contratual, In: TEPEDINO, Gustavo et FACHIN, Luiz Edson. Doutrinas Essenciais. Obrigações e contratos. Contratos: princípios e limites, v. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Funcionalização do direito privado e função social. In: FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; RIBEIRO, Maria de Fátima. Direito empresarial contemporâneo. Marília: Arte & Ciência, 2007. MARTINS-COSTA, Judith. Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro, In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson. Doutrinas Essenciais. Obrigações e contratos. Contratos: princípios e limites, v. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. MATTIUZO JUNIOR, Alcides; GAGLIARDI, Maria Aparecida. A constitucionalização do direito civil e a nova teoria contratual. In: FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; RIBEIRO, Maria de Fátima. Direito empresarial contemporâneo. Marília: Arte & Ciência, 2007. NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno. Em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001. TIMM, Luciano Benetti. Ainda sobre a função social do direito contratual no Código Civil brasileiro: justiça distributiva versus eficiência econômica. In: TIMM, Luciano Benetti et all. Direito & economia. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. XAVIER, José Tadeu Neves. A nova dimensão dos contratos no caminho da pós-modernidade. Tese de Doutorado. UFRGS, Porto Alegre: UFRGS, 2006.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A APLICABILIDADE DA TEORIA DAS OBRIGAÇÕES DE MEIO E DE RESULTADO NOS CONTRATOS RELACIONADOS À REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA Loreanne Manuella de Castro França, mestranda em Direito Negocial pela UEL/PR, bolsista CAPES/DS, especialista em Direito Civil e Processo Civil pela UEL/PR, [email protected] Rita de Cássia Resquetti Tarifa Espolador, doutora em Direito pela UFPR/PR, mestre em Direito Negocial pela UEL/PR, [email protected] RESUMO: O presente artigo aborda a problemática da teoria das obrigações de meio e de resultado e sua aplicabilidade em um dos instrumentos contratuais utilizados por clínicas e unidade de hospital especializadas na realização de reprodução humana assistida, em qualquer de suas técnicas. Após pesquisa realizada sobre o contrato utilizado na formação da relação jurídica negocial entre as clínicas de reprodução humana assistida e seus pacientes, ou seja, pessoas interessadas em se submeter a alguma técnica de fecundação artificial, observou-se o uso não apenas do contrato de prestação de serviços médicos, mas também de outras espécies de documentos, mais específicos para determinadas situações, como o informe de consentimento para técnicas de reprodução humana assistida, o instrumento de autorização para fertilização in vitro/inseminação artificial com ovócito/sêmen doado ou cedido gratuitamente, o acordo de criopreservação de sêmen, entre outros. Analisando minuciosamente o primeiro documento específico citado, observou-se o estabelecimento, em um de seus itens, da espécie de obrigação contratada, sendo obrigação de meio e não de resultado. Questiona-se a viabilidade dessa definição, fazendo-se um estudo sobre a teoria das obrigações de meio e de resultado, inserindo-a no informe de consentimento para técnicas de reprodução humana assistida, fazendo uma relação sobre as teorias da responsabilidade civil. PALAVRAS-CHAVE: Obrigação de meio; obrigação de resultado; reprodução humana assistida; contratos. ABSTRACT: The present article addresses the problem about the theory of means and result obligation and its applicability in the contractual instruments used by clinics and hospital unities specialized in performing human assisted reproduction in any of its techniques. After research on the contract used in the formation of the legal relationship between the human assisted reproduction clinics and their patients, people interested in undergoing some technique of artificial fertilization, we observed not only the use of the contract to provide medical services, but also other kinds of documents, more specific to certain situations, such as the report of consent to human assisted reproduction techniques, the instrument of authorization for in vitro fertilization / artificial insemination with oocyte / sperm donated or given free, the according to cryopreservation of semen, and others. Examining the first specific document cited, there was the establishment, in one of its items, the kind of obligation contracted, obligation of means and not of results. We wonder, then, the 680

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL viability of this definition, doing a study on the theory of means and result obligations, inserting it in the report of consent for human assisted reproduction techniques, making a relation about the theories of liability. KEY-WORDS: Obligation of means; obligation of result; human assisted reproduction; contracts. INTRODUÇÃO A teoria das obrigações de meio e resultado, no Direito Civil contemporâneo, mostrase relevante na medida em que implica diferentes interpretações acerca da natureza da responsabilidade civil no sistema jurídico brasileiro. O presente artigo, neste contexto, pretende discorrer, ainda que brevemente, sobre a aplicabilidade da teoria das obrigações de meio e resultado nos negócios jurídicos envolvendo a reprodução humana assistida, especificamente no que se refere ao instrumento hábil para a declaração de consentimento das partes envolvidas no procedimento. REVISÃO DE LITERATURA Segundo Silvio de Salvo Venosa (2005a, p. 27), obrigação consiste em “uma relação jurídica transitória de cunho pecuniário, unindo duas (ou mais) pessoas, devendo uma (o devedor) realizar uma prestação a outra (o credor)”. A teoria das obrigações de meio e de resultado é recente, advinda com a acentuação das relações de consumo, e tem estreita ligação com as duas teorias que classificam a responsabilidade civil, quais sejam a objetiva e a subjetiva. Introduzida por Demogue, na doutrina francesa moderna, modificada por Henri e Léon Mazeaud, que a consideravam uma summa divisio de todas as obrigações, delituais e contratuais, a distinção entre obrigações de resultado e de meios diz respeito ao objeto da obrigação, tendo, contudo, por razão de ser, uma repartição diferente do ônus da prova que incumbe aos contratantes, por ocasião de uma contestação. (TUNC, 2011, p. 748)

Consequentemente, definiu-se um liame entre a responsabilidade civil e a teoria geral das obrigações, relacionando-se a responsabilidade civil objetiva com a obrigação de resultado e a responsabilidade civil subjetiva com a obrigação de meio. A doutrina, em geral, realiza diversas classificações das obrigações. No entanto, a divisão das obrigações à qual se debruçou nesta pesquisa foi a que as difere entre obrigações de meio, também chamadas de obrigações de diligência, e obrigações de resultado. De forma simples, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho assim conceituam essas espécies de obrigações: A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender sua atividade, sem garantir, todavia, o resultado esperado. [...] Nesta modalidade obrigacional [obrigação de 681

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL resultado], o devedor se obriga não apenas a empreender a sua atividade, mas, principalmente, a produzir o resultado esperado pelo credor. (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2009, p. 97)

Quanto a sua execução, no caso das obrigações de resultado, se dá quando o devedor cumpre objetivo final; nas obrigações de meio, o inadimplemento caracteriza-se pelo desvio de comportamento ou omissão de cuidados ou precauções a que se comprometeu, sem considerar o que se obteve como resultado final (PEREIRA, 1993, p. 214). A classificação das obrigações entre obrigações de meio e obrigações de resultado também se mostra relevante quando se trata da atividade médica. O trabalho do profissional da Medicina, em regra, segundo doutrina dominante, constitui-se em “uma obrigação de meio e não de resultado, por não comportar o dever de curar o paciente, mas sim o de prestar-lhe os cuidados conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina” (DINIZ, 2008, p. 299); “Ele se obriga a empregar os meios de que dispõe para chegar a um resultado que permanece externo ao contrato” (TUNC, 2011, p. 749). Todavia, existem situações em que a atividade do médico singular pode ensejar obrigação de resultado, como, por exemplo, na cirurgia plástica estética, em cirurgias de correção da visão, bem como em exames laboratoriais. Quanto a forma de contratação das clinicas de reprodução assistida pelos pacientes, ou seja, pessoas interessadas em realizar qualquer procedimento de reprodução humana assistida, observa-se que o mais comum é o contrato de assistência médica, que pode abranger tanto o contrato médico quanto o contrato de assistência médico-hospitalar. No contrato de assistência médica é pactuada a prestação de serviços profissionais desta espécie a um cliente; já o contrato de assistência médico-hospitalar inclui, além da prestação objeto do contrato de assistência médica, também a internação em clínica ou hospital e alimentação, inclusos ou não em plano de saúde (DINIZ, 2003, p. 590). Porém, existem outras espécies de documentos utilizados pelas clínicas de reprodução humana ou unidades de hospital especializadas, a depender do método contratado para a realização do procedimento de fertilização assistida. Entre eles, pode-se citar: o informe de consentimento para técnicas de fertilização assistida, o instrumento de autorização para fertilização in vitro/inseminação artificial com ovócito/sêmen doado ou cedido gratuitamente, o acordo de criopreservação de sêmen, bem como o informe de consentimento para congelamento e preservação de pré-embriões. RESULTADOS E DISCUSSÃO O informe de consentimento para técnicas de fertilização assistida deveria ser um contrato anexo a qualquer contrato médico celebrado entre paciente e clínica de reprodução humana assistida, pois traz consigo informações relativas ao procedimento que será realizado, todas as suas particularidades e riscos, atendendo ao dever de informação disposto no artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor. Nesse instrumento contratual, consta cláusula afirmativa no sentido de que a clínica 682

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL assume uma obrigação de meio e não de resultado, ou seja, de que está obrigada apenas em realizar o procedimento, não dando conta de seu resultado, sem a possibilidade de ser demandada para imputação de responsabilidade caso este não ocorrer. Contudo, cabem alguns questionamentos nesse ponto, os quais necessitam de uma resposta concreta a fim de que se possa definir corretamente a espécie de obrigação pactuada: a) ao contratar com um paciente a realização da reprodução assistida, a promessa por parte da clínica é de que a gravidez aconteça ou de que o nascimento ocorra?; b) a clínica se compromete a gerar uma criança perfeita, sem qualquer tipo de deformação, doença ou anomalia?; c) caso essa a criança não nasça perfeita, há a previsão de responsabilização da clínica?; d) Na hipótese de troca de material genético (por exemplo, troca de provetas contendo sêmen do paciente contratante e de um desconhecido), qual será a responsabilidade da clínica que efetuou o procedimento equivocado? Nota-se, portanto, um certo anseio por parte da pessoa jurídica prestadora do serviço médico no sentido de desvirtuar a natureza de sua obrigação, com o fim de modificar a teoria a ser aplicada em sua responsabilização civil, tendo em vista a relação da responsabilidade civil objetiva com a obrigação de resultado e da responsabilidade civil subjetiva com a obrigação de meio. No entanto, não há o que possa eximir por completo a imputação de responsabilidade à clínica de reprodução humana assistida ou sua apreciação pelo Poder Judiciário, sendo que tal responsabilização pode ser atribuída consoante os ditames do Código Civil (artigos 948 a 951) e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 14). CONCLUSÕES Por meio da pesquisa realizada constata-se que a maioria da doutrina classifica a obrigação dos médicos como uma obrigação de meio, isto é, o profissional se vê obrigado em empregar todos os métodos de que possui conhecimento e a maior diligência possível na realização de sua atividade, a fim de que se possa chegar ao resultado pretendido, mas sem a obrigação da realização desse resultado. Todavia, existem hipóteses nas quais a obrigação do médico é considerada como de resultado. Verifica-se que, em que pese constar no documento que a clínica especializada em reprodução humana assume uma obrigação de meio, existe a possibilidade de modificação na natureza dessa obrigação para uma obrigação de resultado, a depender das respostas dadas aos questionamentos colocados, o que tem como consequência direta o estabelecimento da teoria de imputação de responsabilidade a ser aplicada ao caso concreto. Quanto ao informe de consentimento para técnicas de reprodução humana assistida, vislumbra-se ser um documento do qual se deve fazer uso todo e qualquer profissional da Medicina ou de áreas afins, pois constitui-se num instrumento que cumpre o dever de informação, um dos direitos básicos do consumidor (art. 6º do CDC) e um dos deveres do médico, conforme estabelecido na Resolução nº 1.957/2010 do Conselho Federal de Medicina. 683

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Entretanto, mostra-se incabível, nesse documento, estabelecer a forma da obrigação contratada, se é uma obrigação de meio ou se é uma obrigação de resultado, visto que, antes disso, deve-se responder a alguns questionamentos colocados em relação ao procedimento a ser empregado na realização da reprodução humana assistida, como o compromisso da clínica ou unidade de hospital especializada em reprodução humana assistida em empregar a técnica adequada, o cuidado com o material genético coletado, a fim de que não haja confusões e implantação de material equivocado, se existe ou não a promessa de que a gravidez aconteça, dentre outros. Por fim, conclui-se pela vedação dessa definição obrigacional, que pode causar prejuízo ao paciente contratante no momento em que desejar responsabilizar a clinica pela má prestação do serviço ou por qualquer prejuízo causado, devendo tal imputação de responsabilidade ser realizada pela teoria adequada, com vistas as particularidades do caso concreto e os ditames da legislação civil e consumerista. REFERÊNCIAS BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1990. Disponível em: . Acesso em 01 ago. 2012. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível em: . Acesso em 01 ago. 2012. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 7º volume: responsabilidade civil. 22. ed. rev., atual. e ampl. de acordo com a reforma do CC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. DINIZ, Maria Helena. Tratado teórico e prático dos contratos, volume 2. 5. ed. rev., ampl. e atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2003. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, volume II: obrigações. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil: teoria geral das obrigações. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. 684

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL TUNC, André. A distinção entre obrigações de resultado e obrigações de diligência. In TEPEDINO, Gustavo José Mendes; FACHIN, Luiz Edson (coords.). Doutrinas essenciais: obrigações e contratos. v. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: teoria geral das obrigações e teoria geral do contratos. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005a.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DIREITO DE PROPRIEDADE E TERRAS INDÍGENAS PROPERTY RIGHTS AND INDIGENOUS LAND Luana Ruiz Silva; Universidade de Marília – UNIMAR [email protected] Roseli Maria Ruiz – Universidade de Marília – UNIMAR [email protected] Resumo: A Constituição da República de 1988 garantiu aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, e a mesma Constituição garantiu o direito de propriedade no rol dos direitos fundamentais, inclusive enquanto cláusula pétrea. Apesar de haver norma constitucional que relativiza o direito de propriedade tal relativização encontra causas em rol taxativo, sendo defesa interpretação que cria limitações outras se não aquelas inerentes à função social da propriedade. A complexidade que envolve a questão indígena no Brasil, principalmente em razão do tratamento muito político e pouco jurídico que se dá à causa, ultrapassa barreiras que faz com que o que inicialmente seria um “fazer justiça” transforma-se em uma “fábrica de injustiças” carente de cientificidade. Assim, o presente trabalho trará uma análise dos conflitos entre a questão da tutela do índio, do processo de aculturação indígena, da política integracionista, dos interesses questionáveis de setores interessados no congelamento do desenvolvimento do país, da irrazoabilidade que permeia as demarcações e da relevância do direito de propriedade para o Estado Democrático de Direito, destacando a imprescindibilidade de uma ciência objetiva para dirimir tais conflitos. Palavras-chave: propriedade, rural, demarcação, terras, indígenas. Abstract: The Constitution of 1988 guaranteed to the Indians the original right to the lands they traditionally occupy, and the same Constitution guaranteed the right of property in the list of fundamental rights, even as entrenchment clause. Although there is a constitutional provision that relativizes property rights causes in such relativization is exhaustive roster, and an interpretation that creates others limitations beyond the social function of property, are not legal. The complexity involved in indigenous issues in Brazil, mainly because of exacerbated political and not legal treatment given to the question goes beyond barriers that makes what initially would be a "do justice" becoming to a "factory of injustice "lacking in scientificity. Thus, this paper will provide a review of the issue of conflict between the Indian tutelage, the process of acculturation, indigenous integrationist policy, the interests of questionable sectors interested in freezing the development of the country, the unreasonableness that permeates the demarcations and relevance property rights for the democratic rule of law, stressing the indispensability of an objective science to address such conflicts. Keywords: property, rural, demarcation, land, indigenous

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Introdução A história do mundo civilizado trouxe desde sempre os possuidores e proprietários de terras como senhores acima do bem e do mal, opressores, absolutistas, senhores feudais, senhores de engenhos, senhores de escravos, a bela nobreza vaidosa, egoísta e dominadora de vastos territórios ociosos. A Revolução Industrial teve como uma de suas consequências o êxodo rural, camponeses que antes faziam a terra produzir abandonavam o labor no campo em busca de melhores condições nos centros urbanos, e o aumento de área rural ociosa acabava por trazer outros problemas, como a escassez de alimento e comprometimento da saúde social. O homem do campo, o produtor rural, o proprietário rural, o pequeno e principalmente o grande empresário rural ainda carregam nos ombros o pré-conceito da sociedade quanto à sua imagem. É a herança que se desabrochou no desenrolar da história, durante séculos sendo consolidada no imaginário da humanidade, ainda mais se considerar que a concentração de pessoas se dá nos centros urbanos onde acredita-se que “o leite cria na caixinha e a carne surge nas bandejinhas de isopor nas prateleiras do supermercado”. Este introito presta-se apenas a esclarecer a origem da distorcida e equivocada visão da opinião pública sobre os fazendeiros, apesar de já há décadas que os fazendeiros brasileiros apresentam elevadíssimo índice de produtividade garantindo o crescimento do PIB e colando o Brasil em 8º lugar no ranking de crescimento mundial, garantindo o arroz, o feijão e a carne no prato dos brasileiros e alimentando o mundo. Outra ideia equivocada que paira no imaginário coletivo é a figura do índio, seres da natureza, em harmonia absoluta com as plantas, rios e animais, filhos e irmãos da terra, seres puros e bons por excelência que, no caso dos índios brasileiros, foram surpreendidos com a chegada dos brancos, gananciosos, violentos, maldosos e malditos, que escravizaram esses seres da natureza e roubaram-lhe o habitat sagrado, sequestrando sua alma que se confunde com o território no qual vivem. 687

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Essa é a síntese do processo de colonização sob a ótica de uma versão apaixonada. Mas a paixão daqueles que assim escrevem, e diga-se de passagem, é a regra literária sobre o assunto, esquecem de indicar nesse mesmo contexto que muito antes e independentemente da chegada dos portugueses, os indígenas, divididos em tribos oriundas de diversos troncos linguísticos, já guerreavam entre si, escravizando uns aos outros na busca pela conquista territorial. Eis os fatos históricos que se aprende nos livros. Pois bem, séculos se passaram e em 1988 a Constituição da República Federativa do Brasil, como já garantiam as Constituições antecessoras, garantiu o direito de propriedade e garantiu aos índios o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. E das leituras exclusivamente sociológicas e antropológicas e menos jurídicas desses institutos surge no Brasil o conflito entre índios e proprietários rurais. Aqueles

amparados pela

posse

tradicional indígena, o

antijurídico

indigenato, enquanto estes amparados pelo direito de propriedade enquanto esteio do Estado Democrático de Direito com títulos expedidos pelo Poder Público devidamente registrados em Cartório de Registro de Imóveis. Eis a problemática que se pretende discutir nas linhas que seguem. 1. A ciência do direito e os conflitos entre direito de propriedade e direito territorial indígena A América foi povoada por povos asiáticos, que para cá teriam vindo a pé, por uma passagem que se formara com o congelamento das águas devido a uma glaciação que se deu entre uns 35 mil há cerca de 12 mil anos. É aceita também a possibilidade de entrada marítima no continente, pelo estreito de Bering. Há considerável controvérsia sobre as formas e datas em que se deu essa migração263.

263

CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In:________(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras / Secretaria Municipal de Cultura / FAPESP, 1992, p. 10.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL É de grande imprecisão e incerteza, igualmente, as informações acerca da história e tamanho da população indígena no Brasil. Sabe-se, portanto, que o encontro das civilizações do Velho e do Novo Mundo, em razão da ganância e ambição dos povos, resultou na redução da população indígena que, acredita-se, estava na casa dos milhões e passou a ocupar, aproximadamente, a casa dos 200 mil índios264. Os historiadores Francis Jennings e Francisco Adolfo de Varnhgen, concluem que: Se a população aborígine tinha, realmente, a densidade que hoje se lhe atribui, esvai-se a imagem tradicional (aparentemente consolidada no século XIX), de um continente pouco habitado a ser ocupado pelos europeus. Como foi dito com força por Jennings (1975), a América não foi descoberta, foi invadida265.

Num primeiro momento, os europeus queriam os índios como parceiros de escambo, pois tinham interesse nos recursos naturais brasileiros, principalmente o pau-brasil. Com o primeiro governo geral do Brasil, a Colônia se instalou e os colonos passaram a desejar os índios, agora, não mais como parceiros de escambo, mas como mão-de-obra266. A Coroa, para fortificar-se politicamente, interessava-se por aliados índios livres, inclusive para servirem de “fronteiras vivas”, garantindo seus limites externos. Outra figura importante, nesse contexto, era a Igreja. Pelo sistema do padroado, o papa conferia ao rei de Portugal poder excepcional em matéria religiosa e, em contra partida, era imposta à Coroa a evangelização de suas colônias. Destaca-se, aí, a presença da ordem religiosa dos Jesuítas que, por serem independentes financeiramente, não atuavam conforme ordens da Igreja e, contrário aos então interesses da Coroa, buscavam o controle do trabalho indígena. Isso até meados do século XVIII, vez que os Jesuítas foram expulsos por Pombal em 1759.

264

CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In:___________(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras / Secretaria Municipal de Cultura / FAPESP, 1992, p. 12. 265 Ibidem, p. 14. 266 Ibidem, p. 15-17.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A demarcação de terras indígenas na fronteira do país foi, no fim do século XX, considerada como algo que punha em risco a soberania nacional e outrora, a existência de índios nas linhas limítrofes do Brasil, ao contrário, representava uma fronteira fortificada, chamada, por Nádia Farage de “muralhas dos sertões”. Hoje, com a ascensão dos direitos sociais, no que tange aos povos indígenas, e em razão dos resultados, a princípio, desastrosos, advindos do choque das civilizações, fala-se, com forte engajamento, na dívida que a sociedade brasileira tem para com os índios. Esse discurso é, sem dúvida, eivado de legitimidade. Mas referida dívida deve ser analisada em harmonia com aquilo que roga o ordenamento jurídico, verificando, assim, princípios jurídicos básicos como, por exemplo, o princípio da igualdade e, também, o instituto do direito adquirido. Ressalta-se, porém, que independentemente de como se deu o referido encontro de civilizações e da verificação ou não das figuras do oprimido e do opressor embasadas na “ganância e ambição” que dominaram o processo de colonização, para o mundo das leis importa, tão somente, o tratamento jurídico que esses fatos receberam através dos tempos, desde as primeiras verificações normativas advindas do Brasil Colônia até a atualidade, onde se verifica um Estado Democrático de Direito regido pela Constituição da República Federativa do Brasil. A Constituição Federal de 1891, em seu artigo 64, transferiu para o domínio dos Estados as terras devolutas. Os Estados, na condição de titulares do domínio, venderam essas terras devolutas. Ocorre que, segundo sustentação por parte de indigenistas, dentre elas existiam terras indígenas, inalienáveis267, o que já se esclareceu linhas acima vez que terras devolutas desocupadas não se confundem com terras indígenas habitadas em caráter permanente. O artigo 64, da referida Carta, quando faz uso da expressão “terras devolutas”, não engloba no conceito as terras tradicionalmente ocupadas por índios.

267

JUSTIÇA FEDERAL / MS. Ação Declaratória n.º 2001.60.00.003866-3, 3ª Vara. Relator: Odilon de Oliveira. Julgada em: 1 out. 2004. p. 14.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Terras devolutas e terras indígenas não se confundem. Estas são afetadas ao uso especial268. Nesse sentido o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do Recurso Especial n.º 219.983-3/SP, em seu voto, entende que: A regra definidora do domínio dos incisos I e XI do artigo 20 da Constituição de 1988, considerada a regência seqüencial da matéria sob o prisma constitucional, não alberga situações como a dos autos, em que, em tempos memoráveis, as terras foram ocupadas por indígenas. Conclusão diversa implicaria, por exemplo, asseverar que a totalidade do Rio de Janeiro consubstancia terras da União, o que seria um verdadeiro despropósito269.

A Constituição de 1988, em seu artigo 231, reconhece aos índios, entre outros direitos, o direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Tem-se visto que existe o entendimento de que o direito dos índios é originário, não procede do reconhecimento pelo Estado, da mesma forma que não é anulado pelo não reconhecimento270, assim sendo, o direito dos índios existe desde sempre, nos mesmos moldes dos direitos fundamentais do homem pautado no jusnaturalismo. Daí dizer que o objetivo do constituinte foi proteger e não constituir um direito, já desde a Constituição de 1934 e, principalmente, na Constituição Federal de 1988, devido ampla preocupação voltada para os indígenas. O artigo 231 da Constituição Federal, esclarece que: São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais

268

Idem. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Especial publicado no Diário de Justiça de 17 de setembro de 1999, p. 59. Relator: Marco Aurélio de Mello. In: JUSTIÇA FEDERAL / MS. Ação Declaratória n.º 2001.60.00.003866-3, 3ª Vara. Relator: Odilon de Oliveira. Julgada em: 1 out. 2004. p.32. 270 OLIVEIRA FILHO., João Pacheco de. Terras indígenas: uma avaliação preliminar de seu reconhecimento oficial e de outras destinações sobrepostas, Terras indígenas do Brasil, CEDI/Museu Nacional, 1987, p. 7. 269

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º - As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º - O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º - As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis. § 5º - É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, "ad referendum" do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco. § 6º - São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa fé. § 7º - Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, § 3º e § 4º.

O artigo supra citado reconhece como sendo dos índios os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e seu parágrafo 1° apresenta quatro condições para o reconhecimento de terras “tradicionalmente ocupadas”, tais como: 1) serem por eles habitadas em caráter permanente; 2) serem por eles utilizadas para suas atividades produtivas; 3) serem imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar; 4) serem necessárias a sua reprodução física e cultural, tudo segundo seus usos, costumes e tradições. Se, ao interpretar o parágrafo 1º, o intérprete o fizer desmembrando as quatro condições para que a terra seja considerada “tradicionalmente ocupada”, ou seja, se considerar suficiente a verificação de apenas uma das condições, então, deparar-se-ia com a constatação de que todo o território brasileiro, em sua plenitude, seria terra indígena, uma vez que o direito dos índios é originário.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Não é isso, obviamente, que a lei pretende, ainda que houvesse evidências da presença de indígenas em todo ou em algum ponto específico do território nacional, em um passado remoto. Nas palavras do ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Dr. Ilmar Nascimento Galvão: “o índio, na verdade, não está investido do poder de transformar em terra pública federal aquela em que vai pondo os pés, por efeito de eventuais perambulações, como se fossem os reis MIDAS dos tempos modernos, numa versão indígena e latifundiária”271.

José Afonso da Silva entende que: A base do conceito acha-se no art. 231, §1º, fundado em quatro condições, todas necessárias e nenhuma suficiente sozinha [...] o tradicionalmente refere-se, não a uma circunstância temporal, mas modo tradicional de como eles se relacionam com a terra, já que há comunidades mais estáveis, outras menos estáveis, e as que tem espaços mais amplos em que se deslocam, etc. Daí dizer-se que tudo se realize segundo seus usos, costumes e tradições272 (grifo nosso).

A interpretação que afasta a tradicionalidade da posse da circunstância temporal, restringindo-a ao modo tradicional da vida indígena, encontra sérios problemas. Primeiro diante de sua amplitude, abrangendo área ilimitada do território nacional, ainda mais se se somar aqui o entendimento de que algumas tribos indígenas são nômades273, indo constantemente em busca de novos bens da natureza274, de modo que estariam os índios a tradicionalmente possuir tanto a área habitada quanto a área perambulada. 271

CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA. Parecer sobre questões sobre legislação indígena, de 26 de outubro de 2006. Relator: Ilmar Nascimento Galvão. 272 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1989. p. 715. 273 MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 14ª ed., São Paulo: RT, 1989. p.457. 274 SOUTO, Marcos Jurema Vilela. Controle jurisdicional de atos demarcatórios de áreas indígenas (RT 706/262).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL E segundo porque a circunstância temporal é essencial para o caso em tela considerando que a cultura é dinâmica. A cultura indígena, a embasar a classificação de determinada área como indígena ou não, tem de ser a cultura atual, o modo de vida atual, o hoje. Assim, na hipótese de os índios abandonarem uma determinada área até então permanentemente habitada, em razão de sua natureza nômade ou de seu modo de vida, esta inconstância desconstituiria a ocupação tradicional, pois desconstituiria a habitação permanente, de modo que a previsão de seu retorno num futuro incerto, não mais poderia acontecer com respaldo no Art. 231 da CF/88. Esse espaço de tempo no ínterim de ausência de habitação indígena, nos costumes dos não-índios, e para o ordenamento jurídico brasileiro, caracteriza a desconstituição da terra tradicionalmente ocupada, ainda mais quando ali se verificam fatos juridicamente relevantes, amparados pela legislação vigente e eivados de legitimidade e boa-fé, que foi o que ocorreu quando o estado federado alienou terras devolutas aos particulares, terras desocupadas, vazias. Nesse sentido, muito bem colocadas estão as palavras de Miguel Reale, em seu artigo “O mito do índio”, que identifica o grave perigo que pode resultar da má interpretação dada ao texto constitucional no que se refere à proteção dos direitos dos índios sobre a terra: [...] Num país que há milhões de homens sem terra, recorrendo á invasão até mesmo de propriedades rurais produtivas, temos assistido a criminosos esbanjamentos de imensas porções de nosso território a pretexto de atender a valores culturais dos silvícolas. È claro que, numa época cada vez mais marcada pelo humanismo ecológico, ninguém vai pretender recusar aos nossos índios o habitat condizente com suas atividades naturais, mas o bom senso dita limites prudentes á ação do Estado. [...] Na demarcação das terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, entendendo-se como tais as por eles ocupadas em caráter permanente (§ 1º do mencionado artigo), tem havido evidentes abusos e concessões, estendendo-se em demasia as áreas “imprescindíveis á preservação dos recursos ambientais necessários á sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, como ainda se declara no citado preceito constitucional. Tudo depende do entendimento a ser dado á expressão “ocupação em caráter permanente”, a qual tem sido largamente compreendida, a partir-se da 694

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL afirmação de que se trata de gente nômade, acostumada a percorrer imensos territórios, o que nos conduz a exageros manifestos, confundindo-se “ocupação permanente” com “ocupação eventual275.

Miguel Reale, complementa seu ensinamento acerca do assunto com o artigo “Ainda o mito do índio”, comentando que prevalece uma interpretação equivocada do texto do artigo 231 da Constituição de modo a conferir aos índios as terras presumidamente ocupadas por seus antepassados, qualquer que seja o número que compõe sua população, não atendendo ao critério de habitação em caráter permanente: À luz desse entendimento, perniciosamente perfilhado pela Funai, teríamos a conclusão de que, se tivesse sobrado apenas um ianomâmi ou um menkragnoti, a ele deveriam ser outorgados milhões de hectares [...]. É obvio que no texto constitucional está implícito o critério de proporcionalidade entre as áreas tradicionalmente ocupadas no passado e as que, no presente, os índios efetivamente habitam em caráter permanente276.

A demarcação de terras indígenas deveria se restringir às áreas efetivamente imprescindíveis à preservação dos recursos naturais necessários a seu bem-estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. O romantismo que envolve a questão indígena, no entanto, observado por Miguel Reale277 como produtor de “abusos grotescos”, deflagra-se na verificação fática acerca de tais demarcações: [...] só a reserva Menkragnoti tem 4,9 milhões de hectares, não chegando a 490 o número de aborígines. Quer dizer que a cada índio caberão nada menos que dez mil hectares, correspondentes a mais de quatro mil alqueires paulista! [...] Para justificar tais absurdos, chegou-se a dizer que a magnitude da área demarcada se explica pelo fato de que “as terras são contíguas, mas os índios não são contínuos”, o que constitui evidente confissão de que estão sendo atribuídos aos índios colossais vazios ou enclaves territoriais por eles não ocupados, entre uns e outros aldeamentos. [...] o natural e normal é que, em função de cada hábitat efetivo, se procedesse à demarcação de tantas “reservas” quantas imprescindíveis à vida normal dos indígenas278. 275

REALE, Miguel. O mito do índio. O Estado de São Paulo. s.d. Caderno 2. O autor traz uma noção da realidade vivenciada dentro do conflito fundiário envolvendo índios e não-índios. 276 REALE, Miguel. Ainda o mito do índio. O Estado de São Paulo. Publicado em 10 jul. 1992. 277 REALE, Miguel. op. cit. 278 Idem. A demarcação da reserva Menkragnoti, no Sul do Pará, se deu na Presidência de Sarney,

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Acerca das possíveis interpretações do artigo 231 da Constituição Federal, destacando os abusos e regalias que se observa quando desempenhadas interpretações ideológicas ou meramente literais, Yves Gandra Martins, em seu artigo “Latifúndios indígenas” comenta que: A pressão exercida por ONGs Internacionais sobre a Constituinte, em 19871988 [...] para a defesa dos 300.000 índios brasileiros, resultou na oferta de 10% do território nacional para tais pessoas, deixando para os outros 175 milhões de brasileiros, os 90% restantes. Em relação às terras passíveis de pertencer a estes 90%, o legislador supremo sujeitou-as à denominada reforma agrária, com vistas a coibir a existência de latifúndios improdutivos [...]. Quanto aos 10% restantes, correspondentes à “nação indígena”, adotou-se o critério oposto: foram garantidos fantásticos latifúndios protegidos pela polícia federal, além de assegurar-se a 0,4% da população brasileira o reconhecimento de organização social, costumes, línguas, crenças e tradições próprios, quase tratando, seus integrantes, como povo estranho, enquistado dentro do Brasil, apenas pela União tutelado279.

Essa interpretação não é em hipótese alguma fantasiosa, pois, pela interpretação literal do caput do artigo 231, “a mais pobre das técnicas hermenêuticas”280, essa seria, dentre todas as outras, a conclusão mais objetiva. E prossegue o mencionado jurista: Tanto que por essa exegese – que entendo carente de razoabilidade porque incompatível com os princípios insertos na Constituição – os “brasileiros não índios” não poderiam ter latifúndios, os índios brasileiros, sim; os “brasileiros não índios” poderiam ter suas terras improdutivas desapropriadas, os índios brasileiros, não; o poder de expropriar (terrenos urbanos, prédios, casas, fazendas etc.) só seria exercitável com relação a bens pertencentes aos “brasileiros não índios”, jamais aos de propriedade dos “índios brasileiros”. [...] Tampouco é razoável argumentar-se que a palavra “tradicionalmente”, usada pelo constituinte, estaria a sinalizar que, por determinação constitucional, as terras que possuíam no passado continuam a lhes pertencer281. interligando a reserva Caiapó às reservas Jarina, no Mato Grosso, até o Parque Nacional do Xingu, somando nada menos de 11,3 milhões de hectares. 279 MARTINS, Yves Gandra. Latifúndios indígenas. Disponível em Acesso em: 05 abr 2012. 280 MARTINS, Yves Gandra. Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios. Disponível em . Acesso em: 05 abr 2012. 281 MARTINS, Yves Gandra. Latifúndios indígenas. Disponível em

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Yves Gandra Martins conclui, então, quanto ao assunto aqui abordado: A inteligência que dou ao dispositivo é diferente. Entendo, à luz do parágrafo primeiro do artigo 231, que as terras que “tradicionalmente ocupam” são aquelas que, à data da promulgação da Carta, eram – e ainda são – por eles habitadas em caráter permanente, vale dizer, aquelas em que estão situadas suas aldeias e, no máximo, os terrenos lindeiros a elas. Jamais vastas extensões de terra, à época já ocupadas, inclusive por cidades. Considerar de propriedade dos indígenas vastas extensões de terra, que já não são por êles ocupadas, há muito tempo, é tornar todo o “brasileiro não índio”, cidadão de 2ª. categoria. Os brasileiros sem teto, sem terra, sem habitação e sem emprego, que não gozam de direito a qualquer parcela das terras brasileiras, nesta categoria estariam incluídos. Em compensação, os privilegiadíssimos cidadãos indígenas (300.000) seriam intocáveis possuidores de 10% do Brasil [...] Se assim fosse, valeria a pena que cada brasileiro requeresse a “cidadania” indígena, para, de imediato, tornar-se dono de parte do Brasil282.

Nos artigos “Latifúndios indígenas” e “O terreno dos brasileiros e as terras dos índios”, do citado jurista Yves Gandra Martins, encontra-se ainda a preocupação quanto ao enfraquecimento da política nacional na defesa de sua soberania frente à possibilidade de dar aos indígenas uma nação autônoma da brasileira: O certo é que o infeliz texto do dispositivo constitucional está provocando conflitos [...], sendo que a conivência governamental, que leva a proteger os privilégios indígenas contra os cidadãos brasileiros, pode, inclusive, despertar, no futuro, o interesse de potências do primeiro mundo, em substituir a União na tutela desta parcela da nação brasileira, que o constituinte – na leitura canhestra do governo – teria transformado em segmento autônomo, separado do povo brasileiro283. Admitindo-se – numa leitura meramente gramatical do texto maior – que os índios não sejam brasileiros e que caiba à União apenas “proteger” as terras desses “não nacionais”, à evidência, qualquer potência estrangeira – que não respeita as normas da ONU – poderá entender que o Brasil está mal defendendo os silvícolas – hoje altamente civilizados – e querer reivindicar para si própria o protetorado de 10% do território nacional, respaldada na própria lei suprema brasileira [...] O Brasil teria reduzido seu território atual em 10%284. . Acesso em: 05 abr 2012. 282 MARTINS, Yves Gandra. Latifúndios indígenas. Disponível em . Acesso em: 05 abr 2012. 283 MARTINS, Y. G. op. cit. 284 MARTINS, Y. G. Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios. Disponível em:

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Referida “interpretação canhestra” de que índio não é brasileiro, com a intenção de que se verifique nações autônomas no território nacional, foi, inclusive, incutida por aqueles que apresentam interesses de qualquer natureza, nos discursos dos membros das comunidades indígenas, como se verifica no relato do líder Waiãpi Waiwai: No futuro não quero que meus netos digam que o avô deles era louco. Eu não quero que eles digam que eu dei a nossa terra para os brasileiros. Eu quero ver os meus descendentes dizerem que eu defendi direitinho as nossas terras. Se os brasileiros ficarem por aqui não teremos nada para comer. A caça vai desaparecer, porque os brasileiros vão matar tudo. E então não vai haver mais Waiãpi. Mas eu não vou saber, eu não estar mais vivo285.

E nesse contexto pode-se aplicar, por analogia, a frase proferida pelo repórter comentarista da CNN Espanõl e editor para a América Latina do jornal Miami Herald, Andres Oppenheimer no sentido de que “novas pequenas nações poderão alterar o mapa da América Latina até 2050”286. E para Yves Gandra Martins, uma leitura mais razoável do texto constitucional seria que: [...] todo o território é brasileiro. Nenhuma parcela pertence aos índios, como integrantes de um povo diverso do brasileiro. A Constituição lhes assegura a permanência nas terras que na data da promulgação da Carta ocupavam, mantendo sua peculiar organização social, e nisso já os privilegia. Cumpre ao Estado demarcar essas áreas, para dar-lhes a proteção que a Lei Maior determina. Porém, na qualidade de brasileiros, pelo princípio da isonomia, não podem ter direito a maior área, “per capita”, do que qualquer brasileiro não indígena. Acesso em: 05 abr 2012. 285 SURVIVAL INTERNATIONAL, ONG. Deserdados – os índios do Brasil. Londres: Survival International, 2000. Trad. Telma Camargo Holanda e Jusus Chimenes Gil, p. 76. 286 OPPENHEIMER, Andres. Disponível em: < https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:WEX97oQlMB4J:oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upl oad/2007/01/5_3146Amaz%25C3%25B4niaOpini%25C3%25A3oInternacional.pps+%22Novas+pequenas+na%C3%A7% C3%B5es+poder%C3%A3o+alterar+o+mapa+da+Am%C3%A9rica+Latina+at%C3%A9+2050%22&hl =ptBR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESig2MGlIa9LifAHVBLRbUHEQokptXhvDuw4a5K1XTvX48GO_95We mFnzB4BtJw4hVskb8nt_Bjw2H0BSkK34DQjJE3GVmGW3vNkHQk4ZZzQEsaVQv0m5KNu9k2Stk4tD 7Doq5ux&sig=AHIEtbSLJtEwFc92mnT90oXlVLsjjI0zIQ> Acesso em: 18 abr 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Assim, somente aquelas terras em que estão localizadas as suas habitações, onde desenvolvem sua cultura e costumes, é que efetivamente lhes pertencem. E, se não as fizerem produzir, poderão ser desapropriados, nos termos do art. 185 da CF287.

Não menos importante as transcrições até então declinadas, mas considerando a relevância, concretude, credibilidade, tecnicidade que abarcam as decisões proferidas pelos magistrados, ainda mais no caso dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, Corte Suprema do Poder Judiciário brasileiro, destaca-se as palavras do Ministro Marco Aurélio no Voto Vista proferido nos autos da PET3388/STF. Em referidas palavras resta compilada a relevância de todo o exposto no corpo do presente trabalho como a questão da tutela, do processo de aculturação, da política integracionista, dos interesses questionáveis, da irrazoabilidade que permeia as demarcações, da relevância do direito de propriedade para o Estado Democrático de Direito, enfim, compilando o que até aqui se trabalhou assim entendeu o Ministro Marco Aurélio: Como se percebe, há sim a obrigação de o país demarcar as terras indígenas – o que, aliás, é imposto pela própria Constituição Federal –, mas não existe um modelo demarcatório claramente definido, contínuo ou em ilhas, nem a exigência de se ter como válido um processo que apresentou vícios, desde a elaboração do laudo antropológico. Cumpre asseverar ser direito humano a proteção da propriedade privada. O simples reconhecimento de que terras privadas, intituladas pelo Estado (gênero), cuja legalidade dos títulos foi apurada em processo judicial transitado em julgado, nunca pertenceram aos respectivos proprietários poderá levar o Brasil a responder no cenário internacional. Eis o artigo 21 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos/Pacto de São José da Costa Rica: [...] Artigo 21º - Direito à propriedade privada 1. Toda pessoa tem direito ao uso e gozo dos seus bens. A lei pode subordinar esse uso e gozo ao interesse social. 2. Nenhuma pessoa pode ser privada de seus bens, salvo mediante o pagamento de indenização justa, por motivo de utilidade pública ou de interesse social e nos casos e na forma estabelecidos pela lei. 3. Tanto a usura como qualquer outra forma de exploração do homem pelo homem devem ser reprimidas pela lei. [...]

287

MARTINS, Y. G. Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios. Disponível em: Acesso em: 05 abr 2012..

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL À luz dessas observações, novamente ressalto a necessidade de se fomentar o processo de elementos fáticos imprescindíveis ao deslinde, que deveriam ter sido colhidos durante a instrução. Sou favorável à demarcação correta. E esta somente pode ser a resultante de um devido processo legal, mostrando-se imprópria a prevalência, a ferro e fogo, da óptica do resgate de dívida histórica, simplesmente histórica – e romântica, portanto, considerado o fato de o Brasil, em algum momento, haver sido habitado exclusivamente por índios. Os dados econômicos apresentados demonstram a importância da área para a economia do Estado, a relevância da presença dos fazendeiros na região. Difícil é conceber o chamado fato indígena, a existência de cerca de dezenove mil índios em toda a extensão geográfica da área demarcada - uma área doze vezes maior que o Município de São Paulo, em que vivem cerca de onze milhões de habitantes. Para mim o enfoque até aqui prevalecente soa desproporcional a discrepar, a mais não poder, da razoabilidade. E tudo, repito à exaustão, resultando de um processo demarcatório cujos elementos coligidos se mostram viciados, como se não vivêssemos em um Estado de Direito. Aliás, surge paradoxo no que se assenta que a posse indígena a ser reconhecida e preservada é a existente à data da promulgação da Constituição - premissa de todo harmônica com o § 1º do artigo 231 nela contido - e, em passo seguinte, desconhecendo-se o envolvimento de áreas limitadas, conclui-se pela subsistência da demarcação contínua, com limitações à liberdade de ir e vir de brasileiros, em verdadeiro apartheid, com o atropelo de situações devidamente constituídas, quer por títulos de propriedade reconhecidos como de bom valor pelo Estado, quer por decisão judicial. E tudo isso ocorre com abrangência incomum porque envolvidos índios e descendentes de índios aculturados e não povos indígenas em condições primitivas. A todos os títulos, tem-se, de um lado, situação inusitada – grande área na qual o cidadão comum não poderá entrar – e, de outro, adoção de critério que extravasa em muito o que concebido pelo Constituinte de 1998288 (grifo nosso)

Fica clara, portanto, a percepção de que, ao artigo 231 da Constituição, não cabe interpretação meramente literal, nem, tampouco, ideológica 289, ou seja, não cabe uma interpretação290 que se baseia em fundamentos abstratos, como, por 288

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PET3388 – Voto Vista do Ministro Marco Aurélio, fls. 81-83. . IDEOLOGIA. In: FERREIRA, A. B. de H., Novo dicionário da língua portuguesa, 2.ª ed., Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. pg 913. Ciência da formação das idéias; tratado das idéias em abstrato; sistema de idéias. Pensamento teórico que pretende desenvolver-se sobre seus próprios princípios abstratos, mas que, na realidade é a expressão de fatos, principalmente sociais e econômicos, que não são levados em conta ou não são expressamente reconhecidos como determinantes daquele pensamento. Sistema de idéias dogmaticamente organizado como um instrumento de luta política. Conjunto de idéias próprias de um grupo, de uma época e que traduzem uma situação histórica. 290 HERMENÊUTICA. In: FERREIRA, A. B. de H., Novo dicionário da língua portuguesa, 2.ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. pg. 889. Interpretação do sentido das palavras. Arte de interpretar leis.

289

700

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL exemplo, a terminologia “áreas imprescindíveis á preservação dos recursos ambientais necessários à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições”, sem que se cometa abusos grotescos. O legislador, ao criar uma norma, tem como guia uma série de princípios, e vincula a norma criada a uma razão de ser, a um fundamento, qual seja, a essência do preceito legal. A essência da norma não aparece expressamente em seu texto, ela advém da hermenêutica, estampada como pano de fundo, não da norma em si, isoladamente, mas do ordenamento jurídico como um todo. Desta forma, porém, para que seja alcançada a intenção do legislador ao criar a lei, há de se desempenhar uma interpretação sistemática, não da lei, mas do conjunto de leis, uma vez que elas convivem em um mesmo ordenamento, se relacionam e, muitas vezes, se complementam, impondo limites umas às outras. Nessa perspectiva, é correta a afirmação de Juarez Freitas 291 de que “interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito”. E, por conseguinte, há de se dizer que ao interpretar-se o artigo 231 da Constituição Federal, imprescindível levar em consideração direitos por ela garantidos, como é o caso do direito à propriedade, que compõe o rol dos direitos fundamentais, assim como a súmula 650 do STF que exclui do rol de bens da União as terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto. A súmula 650 do STF derruba a tese de que a terra, que um dia foi ocupada por índios e depois o deixou de ser, continua sendo considerada por eles tradicionalmente habitadas em razão de sua natureza nômade, pois faz entender que um território já há muito abandonado pelos indígenas e que, muitas vezes, já até é objeto de direito privado, pertencendo a particulares que o adquiriram dentro do trâmite legal, é visto como aldeamento extinto, estando automaticamente desafetado. 291

FREITAS, Juarez., A Interpretação Sistemática do Direito, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. pg.

7.

701

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL O Juiz Federal Dr. Odilon de Oliveira, em sentença nos autos da Ação Declaratória que tem como objeto a declaração judicial positiva de domínio e posse, mansa e pacífica, sobre os imóveis titulados em nome dos autores e, em contra partida, de que não são terras tradicionalmente ocupadas por silvícolas, faz menção ao depoimento do índio Manoel Pereira, no final da folha 1477 dos autos: [...] após o desapossamento pelos fazendeiros, os índios passaram a viver numa área de 2090 hectares, permanecendo todos, até hoje, somente nesse pedaço de terra, insuficiente para todos; sabe o depoente que existem outros índios, que não são terenas, pretendendo a posse das mesmas terras que estão sendo disputadas nesse processo; e cada vez chegam mais índios de outra localidade292.

E sobre o depoimento acima mencionado, comenta o Juiz Federal Dr. Odilon de Oliveira que o fato relatado se enquadra na definição de aldeamento extinto nos termos do enunciado da súmula 650 do STF. Além de ser verificado no caso concreto o aldeamento extinto, ressalta-se que as terras em litígio são todas desmatadas na estrita observância da legislação ambiental vigente à época em que os primeiros colonos desbravaram tais rincões na Marcha para o Oeste, e a maior parte com formação de pastos e lavouras. Não há que se falar, como entendeu o mencionado magistrado, em: “preservar as atividades próprias dos índios, seus usos, costumes, tradições, enfim, a bela cultura dessa gente espoliada, depositando esse povo em terras sem qualquer cobertura florística, com recursos ambientais inadequados ao seu bem-estar”293.

Sobre a caracterização de aldeamento extinto, o Juiz Federal Dr. Odilon de Oliveira cita o voto do Sr. Ministro Cordeiro Guerra, proferido no julgamento do mandado de segurança n.º 20.234-3 em 04 de junho de 1980, na vigência da Constituição de 1967:

292

JUSTIÇA FEDERAL / MS. Ação Declaratória n.º 2001.60.00.003866-3, 3ª Vara. Relator: Odilon de Oliveira. Julgada em: 1 out. 2004. p. 25 - 26. 293 Idem.

702

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL [...] Diz-se no §1º do artigo 198: “ficam declaradas a nulidade e a extinção dos efeitos jurídicos de qualquer natureza que tenham por objeto o domínio, a posse ou a ocupação de terras habitadas pelos silvícolas”. No meu entender, isso só pode ser aplicado nos casos em que as terras sejam efetivamente habitadas pelos silvícolas, pois, de outro modo, nós poderíamos até confiscar todas as terras de Copacabana ou Jacarepaguá, porque já foram ocupadas pelos tamoios [...] o possuidor legitimado por títulos recebidos do Estado, em priscas eras, não pode ser espoliado do fruto de seu trabalho, sem indenização294.

O mencionado Juiz Federal, na mesma sentença, menciona, ainda, trechos do voto do Ministro Marco Aurélio, Relator no julgamento do Mandado de Segurança 21.575-5, de Mato Grosso do Sul, em 03 de fevereiro de 1994, já na vigência da atual Constituição, acerca dos preceitos trazidos pela Constituição de 1967 e, posteriormente, pela Constituição de 1988: [...] quando da entrada em vigor de tais preceitos – em 1967 – e pelos trabalhos antropológicos realizados, os indígenas – hoje cerca de 150 – já estavam há pelo menos vinte e sete anos longe de suas terras e, portanto, quer para a definição do domínio da União, quer para a proteção aos próprios silvícolas já não se podia falar em terras por eles ocupadas. O Estado alienara-as em dezembro de 1937, ou seja, trinta anos antes da inovadora disciplina constitucional [...]. A atual Carta não assegura aos indígenas o retorno às terras que outrora ocuparam, sejam qual for a situação jurídica atual e o tempo transcorrido desde que as deixaram. O reconhecimento de direitos contido no artigo 231 esta ligado, no particular, às “terras que tradicionalmente ocupam” (presente), sendo que houve nítida preocupação em definir o sentido da expressão. [...] a regra sobre a nulidade, extinção e ausência de produção de efeitos jurídicos [...] não tem alcance suficiente a fulminar alienação que foi formalizada por unidade da Federação há mais de meio século [...] os preceitos constitucionais [...] Preveem não a devolução de terras de que há muito foram retirados os indígenas e que hoje estão na titularidade de pessoas diversas, mas asseguram a permanência dos índios nas que por eles estão habitadas [...].

O princípio da legalidade deve prevalecer, atrelado à segurança jurídica, concedendo estabilidade ao Estado brasileiro, e, para tanto, há de se observar os requisitos do §1º do artigo 231 da Constituição Federal, a afastabilidade do §6º do

294

JUSTIÇA FEDERAL / MS, op. cit., p. 27.

703

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL mesmo artigo assim como a Súmula 650 do STF e demais legislações infraconstitucionais no que tange à demarcação de terras indígenas. Conclusão O direito territorial indígena conforme a essência do Art. 231 da CF e o direito de propriedade não são institutos que se contrapõem. São direitos constitucionalmente reconhecidos que restam postos em harmonia, pois quando a Constituição estipula que cabe à União demarcar terras indígenas está referindo-se à terras públicas da União efetivamente ocupadas por índios, e não à propriedades particulares supostamente ocupadas por indígenas em algum ponto do passado. Na hipótese de o Poder Público entender pela necessidade de demarcar para indígenas uma área inserida no contexto da propriedade privada, esta demarcação só se faz juridicamente possível pela desapropriação mediante justa e prévia indenização da terra ao proprietário, pois se assim não for estar-se-á diante de verdadeiro ato de confisco. Referências CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA AGRICULTURA. Parecer sobre questões sobre legislação indígena, de 26 de outubro de 2006. Relator: Ilmar Nascimento Galvão. CUNHA, Manuela Carneiro da. Introdução a uma história indígena. In:___________(Org.). História dos índios no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras / Secretaria Municipal de Cultura / FAPESP, 1992. FERREIRA, Aurélio Boarque de Holanda, Novo dicionário da língua portuguesa, 2.ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. FREITAS, Juarez., A Interpretação Sistemática do Direito, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002. JUSTIÇA FEDERAL / MS. Ação Declaratória n.º 2001.60.00.003866-3, 3ª Vara. Relator: Odilon de Oliveira. Julgada em: 1 out. 2004. MARTINS, Yves Gandra. Latifúndios indígenas. .

Disponível

em

704

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL MARTINS, Yves Gandra. Os terrenos dos brasileiros e as terras dos índios. Disponível em . MEIRELLES, Helly Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 14ª ed., São Paulo: RT, 1989. OLIVEIRA FILHO., João Pacheco de. Terras indígenas: uma avaliação preliminar de seu reconhecimento oficial e de outras destinações sobrepostas, Terras indígenas do Brasil, CEDI/Museu Nacional, 1987. OPPENHEIMER, Andres. Disponível em: < https://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:WEX97oQlMB4J:oglobo.globo.com/bl ogs/arquivos_upload/2007/01/5_3146Amaz%25C3%25B4niaOpini%25C3%25A3oInternacional.pps+%22Novas+pequena s+na%C3%A7%C3%B5es+poder%C3%A3o+alterar+o+mapa+da+Am%C3%A9rica+ Latina+at%C3%A9+2050%22&hl=ptBR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESig2MGlIa9LifAHVBLRbUHEQokptXhvDuw4a5K1X TvX48GO_95WemFnzB4BtJw4hVskb8nt_Bjw2H0BSkK34DQjJE3GVmGW3vNkHQk 4ZZzQEsaVQv0m5KNu9k2Stk4tD7Doq5ux&sig=AHIEtbSLJtEwFc92mnT90oXlVLsjjI 0zIQ> REALE, Miguel. Ainda o mito do índio. O Estado de São Paulo. Publicado em 10 jul. 1992. REALE, Miguel. O mito do índio. O Estado de São Paulo. s.d. Caderno 2. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 5ª ed., São Paulo: Malheiros, 1989. SOUTO, Marcos Jurema Vilela. Controle jurisdicional de atos demarcatórios de áreas indígenas (RT 706/262). SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - PET3388 – Voto Vista do Ministro Marco Aurélio. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Especial publicado no Diário de Justiça de 17 de setembro de 1999, p. 59. Relator: Marco Aurélio de Mello. In: JUSTIÇA FEDERAL / MS. Ação Declaratória n.º 2001.60.00.003866-3, 3ª Vara. Relator: Odilon de Oliveira. Julgada em: 1 out. 2004. SURVIVAL INTERNATIONAL, ONG. Deserdados – os índios do Brasil. Londres: Survival International, 2000. Trad. Telma Camargo Holanda e Jusus Chimenes Gil.

705

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL DANO MORAL E INDENIZAÇÃO POR POLÍTICAS PÚBLICAS DEFEITUOSAS EM TECNOLOGIA E INOVAÇÃO – A DIMINUIÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Miriam Azevedo Hernandez Perez - Projeto de pesquisa: A tecnologia e a inovação como instrumentos para a concretização da democracia, sob a ótica da teoria do agir comunicativo RESUMO: O presente trabalho procura analisar os danos morais e a indenização por políticas públicas defeituosas em tecnologia e inovação, resultando na diminuição de direitos da personalidade, reconhecidos como direitos fundamentais. PALAVRAS-CHAVE: dano moral – indenização – direito da personalidade – políticas públicas. ABSTRACT: This article is about the moral damage and indenization for bad public policies in technology and innovation, as a result of the depreciation of personality rights, recognized as fundamental and human rights. KEY-WORDS: moral damage – indenization – personality rights – public policies. 1. Direitos da Personalidade – aspectos gerais 1.1. Características dos direitos da personalidade O art. 11 do Código Civil de 2002 prevê expressamente que os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. As

características

objeto

de

normatização

decorrem

da

própria

infungibilidade da pessoa, que não admite a sua aquisição por outra pessoa, não podendo ser objeto de cessão ou sucessão, uma vez que se cuida de um direito que exprime a personalidade do titular, como esclarece SILVIO BELTRÃO (2005, p. 27). A irrenunciabilidade resulta na impossibilidade da pessoa de abdicar de seus direitos, sem prejuízo da possibilidade de serem estabelecidas restrições ao exercício destes, a despeito de serem absolutos (BELTRÃO, 2005, p. 27). Afinal, a se admitir de forma contrária, teríamos direitos que, se exercidos ao extremo, certamente viriam a colidir com os direitos da personalidade de outrem, limitando-os, senão anulando-os (REIS, 2007, p. 192). Os direitos da personalidade não possuem um caráter patrimonial, mas, como já esclarecido, pessoal (BODIN, 1997, p. 96), a ensejar efeitos erga omnes 706

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL sobre todos, que, para a sua observância, devem praticar atos de cunho positivo e negativo, como, e.g., deixar de expressar-se de forma abusiva em relação ao titular do direito, conforme esclarece SZANIAWSKI (1992, p. 1): Para a realização de tal tarefa é mister, primeiramente, estudar e elaborar uma teoria geral dos direitos de personalidade para depois se extrair seus efeitos limitadores em relação a outros direitos e os limites que estes impõem sobre aqueles, em cada caso concreto dentro da ponderação de bens e interesses" a fim de se poder alcançar o equilíbrio entre os diversos direitos e se obter a almejada justiça.

O caráter essencial dos direitos da personalidade, por sua vez, é determinante quanto ao aspecto inato de tais direitos, uma vez que nascem em sua maioria com a própria pessoa, sendo igualmente imprescritíveis, não importando o não exercício dos mesmos em extinção (BELTRÃO, 2005, p. 29). Os direitos da personalidade, ainda que não passíveis de extinção ou intransmissibilidade, podem ser, de forma negocial, objeto de limitações, desde que observados as restrições previstas no próprio ordenamento, como aquelas atinentes à dignidade da pessoa humana, ao respeito ético da pessoa. Admite-se, ainda, a possibilidade de revogação de contratação com esse objeto, sendo passível, entretanto, de ressarcimento o lesionado, pelos danos que venha a sofrer (BELTRÃO, 2005, p. 31). 1.2. Limites ao exercício dos direitos da personalidade O Código Civil de 2002 aderiu à teoria concepcionista, para a qual o concepturo, o embrião e o nascituro são considerados, desde a fecundação, como um ser humano individualizado, pessoa e sujeito de direitos (CASALI, 2004, p. 64). SZANIAWSKI (2005, p. 87) destaca que se tem afirmado que o objeto dos direitos de personalidade não é encontrado na própria pessoa, nem nas pessoas sujeitas a uma obrigação passiva universal. Na verdade, é identificável nos “bens constituídos por determinados atributos ou qualidades, físicas ou morais, do homem, individualizado pelo ordenamento jurídico”. 707

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Os direitos da personalidade são passíveis de limitações no seu exercício, apesar de serem considerados absolutos, podendo ser extrínsecos – limitados pelo embate com outros direitos da personalidade, igualmente objeto de proteção - ou intrínsecos – aqueles demarcados pela própria lei (BELTRÃO, 2005, p. 30). A limitação ao exercício dos direitos da personalidade decorre da necessidade de respeito ao interesse e fim social da ordem pública, sendo de se relacionar os dispositivos do art. 5º, incisos VIII, XI, XII e XLVII da Constituição Federal de 1988 como exemplos (BELTRÃO, 2005, p. 30). SZANIAWSKI (2005, p. 114-115), citando Hubmann, esclarece que a personalidade, no entender desse autor, é composta de três elementos fundamentais: a dignidade, a individualidade e a pessoalidade, verbis: (...) que constituem o indivíduo, portador de caráter próprio e de uma força criadora que lhe permite desenvolver-se e evoluir além de seus limites internos, a fim de alcançar a auto-realização como ser humano espiritual.

O autor (2005, p. 117-121) observa ainda que o desenvolvimento da jurisprudência dos tribunais europeus resultou na cessação da separação entre direitos da personalidade e direitos fundamentais, concepção própria do século XIX, que refutava a ideia de um direito geral de personalidade. No entanto, mediante o advento das novas tecnologias e a premência que alcançaram na vida dos indivíduos, resultando na invasão da vida privada das pessoas, tendo-se verificado o ressurgimento de uma especificação das normas a fim de tutelar os direitos da personalidade. Não obstante, a adoção de uma “teoria tipificadora dos direitos de personalidade pela doutrina e pelos tribunais, tem-se mostrado insuficiente e confusa no que tange à proteção da pessoa humana” (SZANIAWSKI, 2005, p. 122). O advento da 2ª Guerra Mundial e o desenvolvimento de constituições direcionadas à garantia dos direitos humanos resultou no movimento da constitucionalização do direito civil e, por conseguinte, na sua repersonalização (BODIN, 1993, p. 12). 708

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL A concepção contemporânea existencialista é no sentido de que a pessoa é um projeto de si, desenvolvida a fim de superar as suas limitações imanentes, desenvolvendo

os

diferentes

personalismos,

conforme

defende

DIOGO

GONÇALVES (2008, 37). Nesse contexto, a atuação do Estado foi igualmente objeto de revisão, uma vez que o direito passou a ser “um sistema ético aberto, tendo como centro o ser humano, o primeiro de seus valores, cujo fundamento do ordenamento jurídico possui por substrato a noção de dignidade do ser humano” (SZANIAWSKI, 2005, p. 126). Assim sendo, a atuação Estatal e das demais instituições sociais deverão pautar-se pela viabilização desse exercício na sua forma ampla, somente permitindo-se alguma restrição dentro das estritas hipóteses legais, como são os casos de choque de direitos da personalidade, o que se dá sob a ótica da visão personalista do Direito, como esclarecem OLIVEIRA e MUNIZ (1979, p. 232): Ao defendermos uma noção personalista do Direito, não estamos sustentando uma concepção individualista da sociedade, como ao analista desinformado e superficial poderia parecer. Conscientes de que só a noção substancial de pessoa confere sentido e dignidade ao Direito, e de que só tal noção permite uma visão crítica e valorativa dos diferentes ordenamentos jurídicos, não enxergamos o ser humano de maneira abstrata, mas em sua inserção concreta na História e na sociedade. Em uma visão personalista, o ser humano não é visto como átomo isolado em face do Estado nem em visão competitiva de ser contra o outro, mas como ser como o outro.

A determinação à observância dos direitos da pessoa consta expressamente no preâmbulo da Constituição Federal de 1988, quando estabelece que o Estado Democrático é destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e o bem-estar. O constituinte estabeleceu ainda entre os princípios fundamentais que o Estado Democrático de Direito tem como fundamentos a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, encontrando-se, dentre os objetivos fundamentais da República, no art. 3º, inc. IV, a promoção do 709

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. O art. 4º, nos incisos II, VIII e IX prevê, ainda, que a República Federativa do Brasil rege-se, em suas relações internacionais, pelos seguintes princípios: a prevalência dos direitos humanos, o repúdio ao terrorismo e ao racismo e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. CLÁUDIO LEMBO (2007, p. 159) esclarece que a Constituição Federal de 1988 esmiuçou os direitos da pessoa ao longo seu texto, sendo divisíveis em três blocos: direitos fundamentais (art. 5º); direitos sociais (art. 6º e 7º); direitos garantidores da ordem social (art. 194, 195, 196 a 200 etc). 1.3. A cláusula geral do direito da personalidade e a antropocentrização do direito – alguns aspectos da realidade contemporânea Após o fim da 2ª Grande Guerra, especialmente na Europa, restou patente que o indivíduo corre sérios riscos uma vez colocado em condição de subserviência, de subalternidade em relação ao Estado, conforme esclarece CAPELO DE SOUSA (1995, p. 84). Por outro lado, observa o autor (SOUSA, 1995, p. 84), o incremento tecnológico resultou numa série de interferências crescentes na vida privada e pública dos indivíduos, verificando-se inclusive a confusão entre ambas. Nesse sentido, o uso da tecnologia de forma frequente em todas as esferas da vida do indivíduo – particular, laboral etc -, a incisão e a opressão que a cultura midiática produzem, a captura de informações pessoais por toda sorte de bancos de dados informatizados, a cultura do consumismo, o desgaste nas relações fomentado por uma competitividade padronizada e concebida como natural da sociedade contemporânea, gerando uma agressividade, como destaca SOUSA (1995, p. 84), banalizadora de valores éticos e de solidariedade, sem dúvida resultam em sérios reflexos nos direitos da personalidade, seja sob o aspecto da incidência de normas visando a sua tutela, seja quanto ao conteúdo das normas que dispõe quanto ao tema. 710

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL MANUEL ATIENZA e JUAN RUIZ MANERO (2007, págs. 18-19), nesse sentido, destacam a interdisciplinaridade do direito, quando observam que devemos assumir a historicidade do Direito e das categorias jurídicas, procurando “desenvolver uma concepção do Direito mais materialista, ou social do que a que subjaz na teoria dominante”, de modo que sejam consideradas não apenas as noções de norma, relação jurídica e outros temas, mas também o contexto maior, isto é, “questões como a divisão do trabalho, as necessidades humanas, interesses, conflito, poder etc.”. É nesse sentido também o esclarecimento de JACQUES CHEVALLIER (2009, p. 30), ao esclarecer que, após o período da crise das políticas, no qual o Estado Providência foi duramente contestado, efetivamente objeto de contenção, seguiu-se a percepção da sua essencialidade, inobstante o movimento estrutural existente no sentido da sua revisão. Esclarece ainda o autor (2009, p. 59) que, se o Estado está presente na vida social, assim ocorre mediante a adoção de modalidades diversas daquelas adotadas até então. No entanto, trata-se de uma forma fluida, aproximada, por conta da pósmodernidade, que elastece as possibilidades, dissipando as certezas quanto à evolução, transmudadas em indeterminação. Nesse contexto, o ordenamento jurídico, em seu centro, deve ter desdobrados, como valores fundamentais, a personalidade humana e sua dignidade, de modo que “a proteção devida à personalidade e dignidade humana deve ser reclamada de todas as pessoas, tanto do Estado como do particular”, conforme leciona ELIMAR SZANIAWSKI (1993, p. 56). Destaca

SOUSA

(1995,

p.

84),

referindo-se

ao

homem

europeu

contemporâneo, que este passou a reivindicar um espaço, uma “esfera de resguardo e de ação”, que viabilize tanto a defesa, quanto a afirmação no meio social. Ao mesmo tempo, a despeito de reconhecer que a todos cabem a disponibilização de condições sociais básicas, esse mesmo homem pretende exercer plenamente sua individualidade, a fim de não se ver massacrado pela estandardização do meio. Os reflexos jurídicos dessas necessidades não se materializam novos direitos da personalidade especificados, mas um direito geral, pois há percepção de 711

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL que a previsão delimitada torna o homem, na verdade, refém dos detentores do poder, que limitam o essencial da sua personalidade (SOUSA, 1995, p. 85). Desse

modo,

percebe-se

que



uma

luta

no

sentido

da

antropocentralização das regras jurídicas, da sua unidade e da expansividade da personalidade humana, razão pela qual a cláusula geral exsurge como uma espécie de solução matriz, uma “referência e complemento dos direitos especiais de personalidade” (SOUSA, 1995, p. 85). Anota o autor (SOUSA, 1995, p. 85) que diversos países passaram a prever cláusulas gerais de personalidade, dentre os quais a Alemanha, Áustria, Suíça e, mesmo em países que inicialmente optaram pela individualização dos direitos da personalidade, como França, Itália e Portugal, verifica-se uma inclinação na direção de um direito genérico. É o que esclarece EDNA HOGEMANN (2008, p. 85), ao referir-se à concepção de Windscheid quanto ao direito em geral, admitindo que a pessoa teria a capacidade de manifestar-se exteriormente, desenvolver suas faculdades de pensar e sentir, sem que tal implicasse em regra numa ação sobre outros indivíduos ou coisas. Essa concepção surge ao final do século XX, quando a doutrina alemã debruçou-se no sentido da elaboração da categoria dos direitos da personalidade, verificando-se o surgimento de duas concepções: a primeira entendia o poder do sujeito sobre a própria pessoa como “um direito geral à livre atuação e expressão de sua individualidade humana”; a segunda criticava a amplitude que poderia alcançar uma cláusula geral do direito da personalidade vindo a agredir o desenvolvimento da personalidade de outras pessoas (HOGEMANN, 2008, p. 84). SZANIAWSKI (1993, p. 61), por sua vez, anota que à alegação de que uma cláusula geral da personalidade resultaria em um direito ilimitado, com dificultosa possibilidade de restrição, lembra que, na verdade, o direito é delimitado por conta do próprio Direito Constitucional, verbis: O Direito Constitucional possui em seu conteúdo direitos fundamentais que se constituem em um direito objetivo, atual e válido para a tutela da personalidade, servindo para fundamentar os 712

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL princípios jurídicos do próprio Estado como os princípios do estado social.

Em outra via, WANDERLEY BARRETO e LUCIANY

SANTOS

(2006,

p. 480) entendem que no Brasil temos uma cláusula geral da personalidade no art. 1º., inciso III da Constituição Federal, referente ao princípio da dignidade da pessoa humana, da mesma forma que ocorre na Alemanha e na Itália, não havendo que se falar em risco à segurança, ao contrário, pois ela acolhe os novos direitos que surgirem. HOGEMANN (2008, p. 87) anota ainda a concepção de Hubmann, que procurou reunir em três grupos de valores da personalidade aqueles a serem tutelados: (i) aqueles atinentes ao desenvolvimento da personalidade; (ii) todo o arcabouço do indivíduo, aí compreendidas as memórias, experiências, espírito, dentre outros; (iii) a individualidade do homem, que se divide em três planos: (a) o individual, que garantiria o homem e seu modo de ser; (b) o privado, a envolver uma garantia do homem em relação às circunstâncias da vida; (c) o nível secreto, aquele atinente às ações, expressões e pensamentos dos quais somente os mais próximos poderiam tomar conhecimento. Na concepção da autora (2008, p. 87), temos que o entendimento de Hubmann eleva a pessoa ao centro protetivo do ordenamento jurídico, afastando a concepção patrimonialista que necessariamente influenciam a interpretação e aplicação do direito no sentido do apequenamento do indivíduo e, portanto, de sua dignidade, em função do capital. 2. O acesso à tecnologia como um instrumento para o exercício dos direitos da personalidade É lugar comum a necessidade exponencial do homem contemporâneo ao acesso aos meios tecnológicos para a prática dos atos mais elementares do seu diaa-dia, seja na compra de mercadorias no mercado, no agendamento de compromissos, nas comunicações, conforme assinala ZYGMUNT BAUMAN (2005, p. 18), para quem, em função da repartição do nosso mundo em fragmentos mal 713

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL coordenados, nossas existências individuais são igualmente fatiadas em episódios mal conectados, fragilizando o desenvolvimento e, por conseguinte, o exercício da personalidade. As instituições sociais anteriormente gozavam de uma presunção de continuidade,

estabilidade

e

segurança,

viabilizando

ao

indivíduo

um

desenvolvimento mais claro de sua personalidade, o que já não se verifica há algum tempo, desde a perda dessa naturalidade do eu, que lançou o indivíduo perdido na sociedade, ao menos em busca dos nós, em função da necessidade humana de pertencimento (BAUMAN, 2005, p. 30-31). No entanto, essa fragilização do indivíduo torna-o suscetível à adesão aos chamados grupos fundamentalistas, sectaristas, ou mesmo grupos que, de alguma forma, elaborem essa idealização do coletivo, do grupo, do retorno à família perdida, no que, como revela ainda BAUMAN (2005, p. 31) não é bem sucedido, pois facilmente será novamente abandonado se não se curvar às especificações do grupo, especialmente naqueles virtuais, onde facilmente podem se dar as exclusões, simplesmente pelo silêncio, já não tão simples nas relações pessoais. Por outro lado, o desenvolvimento da personalidade adquire um caráter utilitarista, passando a ser guiada por uma nova lógica, qual seja, a do objetivo, de modo que o indivíduo passa a preocupar-se não em descobrir-se e vivenciar o seu ser, mas em identificar os objetivos atraentes e passíveis de conquista com a utilização dos meios que possui, verificando-se uma baixa cidadania, sendo a principal força motora por trás desse processo a acelerada “liquefação” das estruturas e instituições sociais (BAUMAN, 2005, p. 51-57). GILBERTO DUPAS (2000, p. 100) observa que a inovação tecnológica, na verdade, serviu como um instrumento de acumulação de nível e qualidade infinitamente superiores aos experimentados em fases anteriores do capitalismo, que se utiliza ainda de forma acentuada do parcelamento das cadeias produtivas. No entanto, em que pesem as críticas existentes ao uso da tecnologia e suas consequências, não resta dúvida que o indivíduo, ainda que inserido nesse contexto de crise de paradigmas, muitas vezes se vê alijado no exercício de diversos

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de seus direitos – dentre os quais o da personalidade - pela ausência de acesso, ou sua deficiência, conforme pontua IVAR HARTMANN (2007, p. 6): Mas essa fascinante idéia esbarra de início na questão da digital divide, que será posteriormente abordada. Esse suporte tecnológico não está ao alcance de todos, sequer da maioria. Quando essa questão for resolvida, teremos então um sistema que permitirá manifestar o voto a partir de casa ou outro local de conveniência, estando isso disponível para todos os eleitores. A princípio seria a solução de muitos, senão todos, os problemas políticos da atualidade. O indivíduo escolheria diariamente a linha a seguir em termos de políticas publicas e determinaria a posição da legislação em assuntos controversos sem medo de desagradar seus eleitores, entre outras vantagens.

Afinal, o homem é que determina o uso que faz da tecnologia desenvolvida, e quem determina o deverá ser implementado, pesquisado e criado, para ser utilizado para a sociedade. E, se as inovações não têm sido disponibilizadas ou desenhadas para atender as demandas sociais, constituindo verdadeiro cerceio aos direitos da personalidade, pois inviabilizam o pleno desenvolvimento do indivíduo, a sua expressão ampla e a possibilidade da concretização de seu projeto de vida – muitas vezes de forma preconceituosa, parcial, em detrimento das camadas menos favorecidas -, verifica-se, por outro lado, que há no ordenamento vigente o instrumental necessário a fim de tutelar os referidos direitos, pontua novamente o referido autor (HARTMANN, 2007, p. 8): É inevitável que, em um mundo globalizado, cuja sociedade é informatizada, violações de Direitos Fundamentais sigam ocorrendo na, e com o uso da, Internet. Além dos direitos à informação e liberdade de expressão, resta constantemente açoitado o direito à privacidade ou intimidade.” (...) “O poder de polícia do Estado que ameaça a liberdade de expressão é o mesmo que quebra constantemente a barreira da vida privada dos cidadãos. O espectro espacial da monitoração de dados dos indivíduos passa a ser significativamente estendido pelas possibilidades da computação ubíqua, ao passo que a cobertura temporal dessa monitoração cresce juntamente com a capacidade de armazenamento: uma autoridade governamental poderá, mediante simples acesso ao banco de dados referente a um determinado indivíduo, ser informada de diagnósticos pré-natais deste último.” (...) “Entendemos que o direito a liberdade informática pressupõe 715

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL uma ampla categoria de Direitos Fundamentais relacionados à informação: sua emissão, transmissão, veiculação, seu armazenamento e sua publicidade. É a construção que julgamos mais apropriada para a Era da Informática, da Informação.

Nesse sentido, DUPAS (2000, p. 103-105) destaca a subserviência do saber ao capital, que, por sua vez, não tem compromisso com a preservação da terra e o bem-estar, sendo necessária uma nova teoria da responsabilidade, que entenda que o homem deve ser um indivíduo ético, consciente da fragilidade e do caráter perecível da humanidade. 3. As políticas públicas e o acesso à tecnologia As políticas públicas, por sua vez, constituem temática oriunda da Ciência Política e da Ciência da Administração Pública, conforme esclarece BUCCI (2006, p. 1), para a qual, no campo jurídico, tem sido objeto de estudos pela Teoria do Estado, do direito administrativo, dentre outros ramos. Não se pretende, portanto, que o Direito assuma a responsabilidade de conceber a resposta definitiva e exclusiva à efetivação das políticas públicas culturais, ainda que de forma consentânea aos valores democráticos e, portanto, com observância dos direitos fundamentais. Assim se dá, pois se verifica igualmente uma “esterilização” do próprio direito público no seu papel de organizador “das relações entre Estado, Administração Pública e sociedade, processo que resultou do seu distanciamento em relação a uma realidade cambiante e dinâmica” (BUCCI, 2006, p. 2). Não se cuida, entretanto, de uma análise reducionista, pois, como assinala SIMONE GOYARD-FABRE (2003, p. 300), constata-se uma crise de identidade na legitimidade da democracia, um “Estado-providência” altamente demandado quanto aos denominados “direitos do homem”, bem-estar e a substituição da democracia liberal pela socialdemocracia, todos os elementos reveladores da dificuldade na própria conceituação de democracia que, na verdade, “contém elementos

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL perturbadores e conflituosos que, produzindo tensões e crises, mostram a pulverização da democracia política”. Há quem procure explicar esse quadro no fato do Estado ser de inspiração neoliberal, no qual as ações e estratégias públicas direcionam-se a políticas de cunho compensatório, direcionadas para aqueles que, “em função de sua „capacidade e escolhas individuais‟, não usufruem do progresso social”, sem que tal implique qualquer alteração das relações vigentes na sociedade, no entender de ELOÍSA HOFLING (2001, p. 39). ROBERT KEOHANE e JOSEPH NYE JR (1998, p. 94) entendem que os estados que se pretenderem manter com alguma credibilidade, devem se preocupar menos com recursos materiais a fim de implementar a política, do que o crescente aumento de fontes para a sociedade dispor de informações. Desse modo, diante de uma sociedade cada vez mais informada, as chances dos estados obterem a adesão popular sem a devida contraprestação se esvanece no passado, pois o sentido histórico dirige-se para o controle crescente pelo cidadão (HARTMANN, 2007, p. 19): O controle da atuação do Estado, através de seus três poderes, é elemento essencial de um Estado Constitucional. Trata-se de assegurar a legitimação da ação da Administração, da produção legislativa e judicial, que só pode ser alcançada quando os titulares dos Direitos Fundamentais saibam e concordem com o que é feito.

É no mesmo sentido que se manifestam AIRES ROVER e HÉLIO JÚNIOR (2012, p. 2), quando esclarecem que o processo de inclusão digital e o desenvolvimento do governo eletrônico resultarão necessariamente no fenômeno da tele-administração - resultante da necessidade de modernização da “Administração Pública a partir do uso da informática e demais recursos tecnológicos existentes para melhor atender o cidadão, respeitados seus princípios informativos e norteadores.” Conforme ressaltado, o ordenamento vigente prevê a observância dos direitos da personalidade, sendo a tecnologia um instrumental necessário muitas vezes para a sua efetivação plena. Nesse sentido, a omissão estatal, a atuação 717

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL deficiente do Estado, ou mesmo a dos particulares no sentido de disponibilizar a tecnologia existente aos indivíduos, em contrariedade ao ordenamento jurídico, resulta em danos não apenas materiais, mas aos direitos da personalidade e, por conseguinte, a sua dignidade humana. HARTMANN (2007, p. 27): O direito fundamental de acesso à Internet funciona, primeiramente, como um mandamento de proibição, dirigido ao Estado e particulares, no sentido de omitirem-se de restringir, de qualquer forma desproporcional ou não justificada, o acesso de um indivíduo à Internet. A eficácia desse direito proíbe também a edição e afasta a constitucionalidade de atos normativos que implicassem essa restrição.

DUPAS (2000, p. 108), no entanto, tem outro entendimento. O autor defende que deve ser objeto de debate se é papel do Estado ou da sociedade a regulação ética do uso das tecnologias e das hegemonias delas decorrentes. Desse modo, o Estado, na sociedade pós-moderna, deve viabilizar a garantia do respeito ao desejo de justiça, que deve prevalecer sobre o valor econômico, assegurando-se, assim, a legitimidade do desenvolvimento tecnológico, sem que se deixe constranger pelo capital, “utilizando-se dos avanços da ciência em benefício da grande maioria de seus cidadãos” (DUPAS, 2000, p. 120-123). ALAMPAY (2006, p. 7-9), no entanto, observa que o foco não deve ser exclusivamente a disseminação do uso da tecnologia ou o desenvolvimento econômico, mas a implementação também das diferentes capacidades das pessoas, como elas usam a ciência e a sua instrumentalização para outros fins. Afinal, tanto o desenvolvimento econômico quanto o acesso à tecnologia podem se transformar um fim em si mesmos, de modo que é importante atentar para o direcionamento da sua utilização, pois o acesso ao correio eletrônico, a endereços eletrônicos não significa necessariamente qualquer tipo de contribuição social, ao contrário, pois podem ser usados exclusivamente para interesses particulares.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CONCLUSÃO Os direitos da personalidade, diante da denominada crise de paradigmas, bem como das vicissitudes econômicas e sociais próprias de um mundo capitalista e globalizado, sofrem ingerências de toda a natureza no sentido de sua restrição, ou até mesmo inaplicabilidade. A tecnologia e a inovação, nesse contexto, como instrumentos criados pelo homem, podem ser utilizados no sentido da efetivação dos direitos da personalidade ou no seu esvaziamento. O ordenamento jurídico brasileiro, entretanto, estabelece uma série de direitos da personalidade que devem ser observados tanto pelo Estado quanto por particulares, sob pena da incidência das penalidades previstas em lei. Desse modo, as distorções havidas nas políticas públicas direcionadas ao desenvolvimento de tecnologia e inovação para a efetivação dos direitos da personalidade, resultam em danos à pessoa, que se vê impedida de exercê-los pela má atuação estatal, a ensejar o nascimento do direito à indenização. Não se trata, portanto, da mera viabilização do acesso à tecnologia e à inovação existentes, uma vez que estas são instrumentos desenvolvidos pelos próprios homens, sob pena de termos uma ufania da tecnologia em si mesma, sem a atenção devida ao aspecto ideológico, político, social e econômico dessa atuação. Na verdade, há que se implementar o desenvolvimento das diferentes competências das pessoas, a fim de que se utilizem de todos os instrumentos disponíveis dentro de seus projetos individuais de vida, exercendo de forma ativa seus direitos da personalidade, no sentido de ver contemplados e praticados os seus desdobramentos, a envolver outros aspectos de sua pessoalidade. REFERÊNCIAS ALAMPAY, E. Beyond access to ICTS: Measuring capabilities in the information society. International Journal of Education and Development using ICT. 2006, p. 115. http://ijedict.dec.uwi.edu/printarticle.php?id=196&layout=html. Data do acesso: 20/06/2012. 719

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL LEI 12.462/2011: INOVAÇÃO LEGISLATIVA DE CONTRATAÇÃO PÚBLICA 12.462/2011 LAW: PROCUREMENT OF INNOVATION LEGISLATIVE Patrícia Toledo de Campos; Graduanda pela Universidade Estadual de Londrina; UEL; [email protected] Resumo: A escolha do Brasil como país-sede da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 ensejou a criação da lei 12462/2011. Essa inovação legislativa buscou enfrentar os desafios contemporâneos acerca da burocratização das normas de licitação e de contratação públicas. Instituiu-se, portanto, o regime diferenciado de contratação, dotado de características procedimentais próprias. Os aspectos inéditos da norma em tela demonstraram se tratar de uma forma mais ágil, transparente e eficaz para a realização das contratações estatais referentes à prática esportiva, principalmente no que concerne à contratação de obras e serviços de engenharia. Palavras-chave: contratações públicas; inovações; procedimento. Abstract: The choice of Brazil as host country of the 2014 World Cup and 2016 Olympic Games led to the creation of the Law 12462/2011. This innovation legislative sought face contemporary challenges about the bureaucratization of the rules of public procurement and contracting. Instituted, therefore, the arrangements of differentiated engagement, endowed with characteristics procedural own. The novel aspects of the standard screen shown in the case of a more agile, transparent and effective for the performance of state contracts relating to sports, especially with regard to contracting works and engineering services. Keywords: government procurement; innovations; procedure. Introdução Como se sabe, o Brasil foi escolhido como país-sede de um dos maiores eventos esportivos do planeta, a saber, a Copa do Mundo da Federação Internacional de Futebol Associado (FIFA) de 2014. A partir dessa escolha, um abrangente esforço nacional iniciou-se, buscando organizar, planejar e executar empreendimentos para a realização de tais práticas esportivas. Grandes desafios foram impostos à nação, como a obtenção de meios para restaurar e construir estádios, bem como atos de investimentos em infraestrutura, com destaque para a área de transporte e sistemas viários. Dessa forma, para que se cumprissem as metas estabelecidas pela Lei Geral da Copa, uma importante inovação foi trazida ao ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, a lei 12.462/2011. A mencionada lei instituiu normas de licitação e de contratação públicas aplicáveis exclusivamente às licitações e aos contratos necessários à realização da Copa das Confederações da FIFA 2013, da Copa do Mundo FIFA 2014, dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 e de obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos estados da Federação distantes até 350 km das cidades sedes desses eventos 723

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL internacionais. Essa atual e complexa novidade legislativa é que ensejou o objeto de estudo do presente trabalho. Revisão de literatura A lei 12.462/2011, autodenominada como Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), estabeleceu normas especiais para regerem licitações e contratações específicas acerca das práticas esportivas a serem realizadas no Brasil (Copa das Confederações, Copa do Mundo Jogos Olímpicos e Paraolímpicos). No entanto, as normas gerais previstas na Lei 8.666/1993 não foram abandonadas, pois caminham ao lado da nova legislação. Os pontos da referida lei que merecem destaque no trabalho em tela devido a sua inovação trazida e/ou discussão apontada pela doutrina contemporânea, a saber, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Renato Monteiro de Rezende, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo, são seu âmbito de incidência, as peculiaridades do regime de contratação integrada, o procedimento licitatório, com ênfase no critério de julgamento, no orçamento, e no instrumento convocatório, e, por fim, a aplicação de sanções administrativas e criminais e a anulação e revogação de licitações. Resultados e discussão Como já mencionado, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas foi instituído pela lei 12.462/2011 e previu aplicação exclusiva às licitações e contratos oriundos de Copas e de Jogos. No entanto, é importante ressaltar que embora a norma seja destinada a União, aos Estados, ao Distrito Federal e também aos Municípios, sua utilização dependerá de ter o respectivo ente assumido um encargo na Copa das Confederações de 2013, na Copa do Mundo de 2014, nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016 ou em obras de infraestrutura e de contratação de serviços para os aeroportos das capitais dos estados da Federação distantes até 350 km das cidades sedes desses eventos internacionais. Por essa razão, verifica-se que a lei “tem incidência em âmbito nacional, mas não atinge todos os entes da Federação. Somente se aplica àqueles que devam realizar alguma contratação relacionada com os supracitados eventos desportivos” (ALEXANDRINO; PAULO, 2012, p. 625 A grande maioria das normas trazidas pela lei 12.462/2011 diz respeito à contratação de obras e serviços de engenharia. Isso se dá pelo motivo de o Brasil ter necessidade de construir e reformar empreendimentos para uma memorável prática esportiva mundial a ser realizada nesse país. Uma das inovações apresentadas pela legislação foi a possibilidade de se estabelecer contratos de execução indireta de obras e serviços de engenharia sob o regime da contratação integrada, a qual compreende a elaboração e o desenvolvimento dos projetos básico e executivo, a execução de obras e serviços de engenharia, a montagem, a realização de testes, a pré-operação e todas as demais operações necessárias e suficientes para a entrega final do objeto, conforme art. 9º, §1º da lei 12.462/2011. Apenas nesse regime quem realizará o projeto executivo e o projeto básico será o contratado, nas demais contratações de obras e serviços o projeto básico deverá ser aprovado por autoridade competente. Há quem entenda que “a previsão legislativa de um regime 724

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL contratual que dispensa a elaboração do projeto básico pela Administração Pública revela mais do que uma busca por mais eficiência nas contratações administrativas. Na verdade, parece refletir também uma preocupação com o problema crônico de planejamento que tem marcado as licitações públicas no Brasil” (REISDORFER, 2011). É importante destacar que, para qualquer que seja o regime adotado, a lei veda a elaboração de obras e serviços sem projeto executivo. O critério de julgamento, para esse regime, será sempre o de técnica e preço, sendo vedada a realização de termos aditivos aos contratos firmados, salvo quando haja necessidade de recompor o equilíbrio econômico-financeiro decorrente de caso fortuito ou força maior ou quando o projeto necessite de alguma alteração para melhor adequação aos objetivos da contratação, a pedido da administração pública, desde que não decorrentes de erros ou omissões por parte do contratado, observados os limites previstos no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/1993. Em que pese a lei não tenha previsto alteração contratual nos casos de áleas extraordinárias, fato do príncipe e fato da Administração, se estas afetarem o equilíbrio econômicofinanceiro do contrato, o contratado terá direito à recomposição, por força do art. 37, XXI, da Constituição Federal (DI PIETRO, 2012, p. 364). A lei 12.462/2011 também estipulou uma modalidade de licitação característica do regime diferenciado de contratações e, em seu art. 18, elencou os possíveis critérios de julgamento a serem utilizados nessa esfera, a saber, menor preço ou maior desconto, técnica e preço, melhor técnica ou conteúdo artístico, maior oferta de preço ou maior retorno econômico. Destaca-se que, segundo Alexandrino e Paulo (2012, p. 640), “o legislador não atribuiu um nome próprio ao procedimento de licitação [...], trata-se de um procedimento que, embora não tenha um nome específico, não se enquadra em nenhuma das modalidades de licitação já existentes”. No tocante ao orçamento numa contratação a ser efetuada pelo regime diferenciado, a atual legislação impõe que este não será divulgado até que a licitação termine, não havendo prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas. Cumpre mencionar que por mais simples que seja uma alteração legislativa sempre acarretará conflitos doutrinários, veja: “qual seria a vantagem desse sigilo? Segundo foi divulgado pelas autoridades que defenderam a medida na época da discussão, o sigilo evitaria o prévio conluio entre os licitantes. Sinceramente, não entendemos o alcance da alegação” (REIS, 2011, p. 4). Pois bem. O art. 9º, §2º da lei 12.462/2011 prevê que o instrumento convocatório deverá conter o orçamento previamente estimado, quando adotado o critério de julgamento por maior desconto; o valor da remuneração ou do prêmio, quando adotado o critério de julgamento por melhor técnica ou conteúdo artístico; e o preço mínimo de arrematação, quando adotado o critério de julgamento por maior oferta. Assim, tem-se que a regra é que não seja divulgado o orçamento antes do término da licitação, mas em caso de opção pelo critério de julgamento por maior desconto, o orçamento deverá ser previsto em edital. As licitações que adotarem o regime diferenciado de contratação deverão obedecer a ordem das fases previstas no art. 12 da legislação: preparatória, publicação do instrumento convocatório, apresentação de propostas ou lances, julgamento, habilitação, recursal e encerramento. Ressalte-se que, em havendo ato motivado, a fase de habilitação poderá anteceder as fases de apresentação de propostas ou lances e de 725

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL julgamento, desde que expressamente previsto no instrumento convocatório. Ainda faz-se importante destacar que todas as sanções criminais e administrativas previstas na lei 8666/1993 se aplicam às licitações e às contratações realizadas sob o regime diferenciado, conforme disposto no art. 47, §2º da lei 12.462/2011. No entanto, “embora seja elogiável o propósito de dotar a Administração de instrumentos para punir licitantes e contratados faltosos ou desonestos, tal matéria deve ser objeto de norma geral, por envolver interdito à participação em certames e à contratação com o Poder Público” (REZENDE, 2011, p. 54). Por fim, cumpre registrar que as normas acerca da anulação e revogação de licitações elencadas na lei 8666/1993 também se aplicam às contratações elaboradas sob o regime diferenciado, de acordo com o art. 44 da lei 12.462/2011. Conclusões Com a escolha do Brasil para sediar a Copa Mundial de 2014, bem como os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, surgiu a obrigação de planejar e executar empreendimentos para amparar o maior evento esportivo do Mundo. Frente à imposição de desafios para investimento em infraestrutura, não somente para o Estado Brasileiro, mas para toda sociedade, é que se elaborou um regime licitatório diferenciado para as contratações oriundas da realização das referidas práticas esportivas, almejando modernizar e descomplicar o instituto das licitações. A lei 12.462/2011 trouxe várias inovações no campo das contratações estatais, instituindo o regime diferenciado de contratações públicas dotado de peculiaridades próprias. As novidades legislativas abordadas no presente estudo foram o âmbito de incidência da lei ser apenas em locais que possuirão sede para jogos; o surgimento de um novo regime de execução indireta de obras e serviços de engenharia, denominado de contratação integrada; e a criação de um procedimento licitatório original, afastando-se das modalidades de licitações tradicionais previstas pela lei 8666/1993 e se apresentado diferenciado quanto ao critério de julgamento, ao sigilo orçamentário e ao conteúdo do instrumento convocatório. Assim, pode-se concluir que o regime diferenciado de contratações públicas constituído pela lei 12.462/2011 surgiu para tratar do desafio contemporâneo da burocratização na contratação, almejando esta de forma mais ágil, transparente, econômica e eficaz. Referências ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 20 ed. São Paulo: Método, 2012. BRASIL. Lei n. 12462/2011. Disponível em: Acesso em: 13 Set. 2012. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2012.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REIS, Paulo Sérgio Monteiro. O regime diferenciado de contratações públicas. Coluna Jurídica JML. Incluído 10 Out. 2011. Disponível em: http://www.jmleventos.com.br/pagina.php?area=colunajuridica. Acesso em 14 Set. 2012. REISDORFER, Guilherme Fredherico Dias. A contratação integrada no regime diferenciado de contratação (lei 12462/2011). Informativo Justen, Pereira, Oliveira e Talamini, Curitiba, n. 55, setembro de 2011, disponível em http://www.justen.com.br/informativo, acesso em 13 Set. 2012. REZENDE, Renato Monteiro de. O Regime Diferenciado de Contratações Públicas: comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Núcleo de pesquisas e estudos do senado federal. Brasília, 2011.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL OS DESDOBRAMENTOS DA REPRODUÇÃO HUMANA ASSISTIDA NA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES THE UNFOLDING OF ASSISTED HUMAN REPRODUCTION IN THE TRIPARTITION OF POWERS Vinícius Luiz Reis Mônaco, graduando em Direito pela Universidade Estadual de Londrina, [email protected] RESUMO: O presente artigo tem como objetivo apresentar uma discussão concernente aos reflexos que a reprodução humana assistida gera no âmbito da tripartição dos Poderes, a qual é regulada no artigo 60 da Constituição Federal de 1988. O recorte teórico escolhido foi a conexão existente entre o crescimento das técnicas de reprodução humana assistida, a inércia do Poder Legislativo, a ineficiência da esfera executiva e a ampliação excessiva da atividade interpretativa dos juízes. PALAVRAS-CHAVE: Direito Civil; Direito Constitucional; Biodireito; Reprodução Humana Assistida; Tripartição dos Poderes. ABSTRACT: The present text has as its main purpose to introduce some clarification on the reflexes that the assisted human reproduction generates in tripartition of Powers, regulated in article 60 of the Federative Constitution from 1988. Emphasis is given on the connection between the growth of assisted human reproductive techniques, the inertia of the Legislative Power, the inefficiency of the executive branch and excessive expansion of the interpretive activity of judges. KEYWORDS: Civil Law; Constitutional Law; Biolaw; Assisted Human Reproduction; Tripartition of Powers. INTRODUÇÃO O presente estudo surge como uma tentativa de apresentar esclarecimentos concernentes aos desdobramentos gerados pela reprodução humana assistida na tripartição dos Poderes. Para tanto, com o escopo de propiciar maior entendimento acerca da temática, buscou-se, inicialmente, trazer explicações a respeito da conceituação desta salutar atividade médica, bem como da separação dos Poderes. Por fim, é elaborada uma explicação referente ao “desequilíbrio” da tripartição dos Poderes, devido à inércia legislativa, ineficiência do Poder Executivo e ampliação exacerbada da atividade interpretativa dos juízes. O recorte teórico precípuo do estudo é enfatizar a conexão existente entre a reprodução humana assistida e a tripartição dos Poderes.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL REVISÃO DE LITERATURA Nos dias hodiernos com a ascensão dos avanços técnico-científicos, tornou-se recorrente a utilização de tecnologias de reprodução humana assistida; no entanto, este termo é empregado de forma desmedida e, muitas vezes, sem correspondência ao seu real significado. Por esta razão, em um primeiro momento, cumpre tecer uma explicação concernente à própria acepção da expressão reprodução humana assistida. A expressão foi cunhada com o escopo de descrever um conjunto de técnicas para tratamento paliativo de infertilidade e sua aplicação fundamenta-se no impedimento da procriação gerado por quadros medicamente bem definidos. Trata-se de uma atividade médica paliativa, pois a infertilidade não é totalmente subtraída, ou seja, ela continua a subsistir, não é curada. (CORRÊA; LOYOLA, 2005, p. 104) Neste sentido, conforme pontifica Diniz (2011, p. 610), a reprodução humana assistida pode ser conceituada como o conjunto de operações para unir, artificialmente, células reprodutoras masculinas e femininas, propiciando a origem de um novo ser humano. A reprodução humana assistida é composta por diversas técnicas, dentre elas se destacam a inseminação artificial e a fertilização in vitro. Para esmerar a compreensão concernente aos reflexos da reprodução humana assistida, é oportuno tecer explicações sobre a tripartição dos Poderes. Esta temática é amplamente discutida por Charles Louis de Secondat ou Barão de Montesquieu, o qual concebia a separação dos Poderes como a distribuição do poder em órgãos ou corpos, com capacidade para estruturar sua organização e conduzir seus interesses autonomamente, ou seja, afastando a intervenção excessiva de um sobre o outro. O escopo precípuo era coibir a concentração e o abuso de poder (ZAFFARONI, 1995, p. 81-82). No âmbito constitucional da República Federativa do Brasil, a separação dos Poderes é detentora de um expressivo teor axiológico e principiológico, por esta razão é reputada como cláusula pétrea, elencada expressamente no artigo 60, § 4º, da Constituição Federal de 1988. O seu conteúdo nuclear é a divisão e atribuição das funções estatais a órgãos diversos, com a existência de mecanismos de controle recíproco entre eles, objetivando proteger os cidadãos contra o abuso de poder (BARROSO, 2010, p. 173-174). RESULTADOS E DISCUSSÃO Faz-se mister salientar que a reprodução humana assistida carrega em seu bojo uma função social, pois além de ser um serviço de saúde, seus efeitos não se restringem ao âmbito privado. Ao contrário, envolvem interesses de ordem pública, os quais devem ser tutelados pelo Estado, além de interferir diretamente na seara dos direitos fundamentais, precipuamente o direito à vida e à saúde. Entretanto, constata-se uma problematicidade na esfera legislativa, pois a quantidade de dispositivos legais é insuficiente e, muitas vezes, ineficaz, uma vez que as normas vigentes não são capazes de propiciar segurança jurídica em face da expressiva complexidade que permeia as nuances das técnicas de reprodução assistida. 729

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Hodiernamente, no Brasil, a Resolução nº 1957/2010 é o único documento oficial destinado a positivar, especificamente, a reprodução humana assistida, composto apenas de normas éticas e técnicas. Uma questão que enaltece a necessariedade da normatização e merece ser positivada é a exigência da regularização e da criação de algum tipo especial de licença, capaz de fiscalizar e controlar o funcionamento das clínicas de reprodução humana assistida. A concretização desta medida viabilizaria o controle da localização das clínicas, bem como o conhecimento acerca dos tipos e da eficácia das técnicas empregadas, número de embriões criopreservados no país, o tempo de armazenamento e as características das gestações e dos recém-nascidos. Trata-se de dados ainda pouco divulgados e de salutar relevância para o debate bioético e a regulação da reprodução humana assistida (CORRÊA; LOYOLA, 2005, p. 107). Na esfera executiva, por sua vez, impera a falta de agilidade e efetividade na prestação de serviços públicos de saúde que oferecem o tratamento de reprodução humana assistida. Constata-se que as clínicas existentes são insuficientes para atender a demanda, bem como há significativa discrepância em relação à distribuição das mesmas pelo território nacional. Convém salientar que a acessibilidade aos tratamentos de reprodução humana assistida é regulada por meio do poder aquisitivo dos solicitantes, pois parcela significativa das clínicas de fertilização in vitro é privada e desprovida de qualquer controle de fiscalização oficial. Não se pode olvidar que, na maioria dos casos, cabe aos pacientes arcar como o ônus de medicamentos, exames e materiais, o que demanda expressivo dispêndio financeiro. A consequência precípua é a exclusão, por razões de aspecto econômico, de parte significativa da população (CORRÊA; LOYOLA, 2005, p. 106). Por fim, o “desequilíbrio” da tripartição dos Poderes, decorrente da ineficiência do Poder Executivo na prestação de serviços públicos de saúde, bem como da inércia da esfera legislativa, gerou no âmbito judiciário um aumento exacerbado da atividade interpretativa dos magistrados. É oportuno ressaltar, ainda, que as próprias leis positivas estabelecem um limite de interpretação, ou seja, são formuladas em termos gerais, sem tecer minúcias. Por esta razão, a função nuclear do juiz ao aplicar o direito é extrair, em face da obscuridade e do alto teor de imprecisão, o significado das normas para a resolução do caso concreto. Nesse viés, interpretar consiste em determinar o sentido e o alcance do conteúdo normativo (MAXIMILIANO, 1998, p. 01). Entretanto, a problematicidade reside na ampliação exacerbada da atividade interpretativa do juiz, ou seja, o poder discricionário pode tornar-se um instrumento de abuso de poder. O magistrado não possui respaldo jurídico para ampliar sua interpretação, de modo excessivo, conforme desejar, uma vez que a decisão judicial deve pautar-se sempre na imparcialidade e na reflexão de todos os interesses envolvidos. Além disso, exige-se que a fundamentação esteja alicerçada em conteúdo principiológico e axiológico concreto, bem como amparado pelo ordenamento jurídico (GABARDO; SALGADO, 2008, p.180).

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL CONCLUSÃO Os avanços técnico-científicos proporcionam grandes benesses para a sociedade, dentre elas, ressalta-se as técnicas de reprodução humana assistida. Estes métodos interventivos são capazes de superar a infertilidade, enfermidade que aflige parcela considerável de mulheres, e dialogam com relevantes direitos fundamentais, em especial, o direito à vida e à saúde. A problemática da reprodução humana assistida congrega, portanto, evidente conexão com a tripartição dos Poderes. Por esta razão, faz-se mister, nesse viés, exigir dos órgãos competentes da República Federativa do Brasil coerente colmatação dos requisitos e responsabilidades inerentes a esta atividade técnicocientífica. Objetiva-se, com isso, coibir a consumação de irregularidades capazes de conspurcar, direta ou indiretamente, esse segmento que congrega sensível interesse para uma salutar convivência social. REFERÊNCIAS BARROSO. Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2010. CORRÊA, Marilena C. D. V.; LOYOLA, Maria Andréa. Reprodução e bioética. A regulação da reprodução assistida no Brasil. Caderno CRH, Salvador, v. 18, n. 43, p. 103-112, jan./abr. 2005. DINIZ, Maria Helena. Estado atual do biodireito. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. GABARDO, Emerson; SALGADO, Eneida Desiree. Os fundamentos democráticos da decisão judicial e a questão do direito e da moral – uma visão a partir do neopositivismo de Hart e a crítica de Nino. Revista da Faculdade de Direito – UFPR, n. 48, p. 165-186, 2008. MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998. MEIRELLES, Jussara Maria Leal. Estudos de biodireito.Curitiba: Genesis, 2004. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Poder judiciário: crise, acertos e desacertos. Trad. de Juarez Tavares.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Imagens do contemporâneo: paradoxos de um direito in-sensível Vinícius Nicastro Honesko - UFSC - [email protected] Pouco antes das 10h da manhã do dia 11 de setembro de 2001, eu saía alguns minutos antes da aula de Processo Civil para o costumeiro xadrez no Centro Acadêmico. No caminho, porém, vejo um de meus amigos de turma – com quem costumava jogar – saindo do centro acadêmico atônito. Dizia: “Acabaram de jogar um avião numa das torres do World Trade Center”. Sem acreditar, entrei no Centro Acadêmico, ainda com pouca gente, e vi que ele não estava brincando. Comecei a acompanhar a transmissão na pequena TV que tínhamos por ali. A notícia começou a se espalhar pelas salas e, pouco depois, a pequena sala dos estudantes estava repleta de gente estupefata diante das imagens de uma Nova Iorque que desabava. Mas o que acontecia naquele dia (além da perda de milhares de vidas e do evidente início de um enrijecimento na busca pelo inimigo político do Ocidente, o “terror sem face”)? Era, como tanto depois se anunciou, de uma abrupta mudança no mundo que se tratava? O que a exibição ao vivo das imagens de um ataque terrorista podia representar para o início deste século? (Lembremos que imagens de violências de guerra já haviam ganhado espaço dez anos antes, na primeira guerra do Golfo.) O que mais era possível ver naquelas imagens? Aliás, o que a partir de então mudava (se é que houve efetivamente mudança) na economia do visível e nos modos de regulação (se é que é possível usar tal termo) da produção e uso das imagens? Para tentar esboçar hoje algumas possíveis análises (não digo respostas) a partir dessas perguntas, penso ainda em alguns eventos que me remetem a 2001 e à UEL, mais especificamente entre os dias 22 e 24 de agosto daquele ano, no Congresso Brasileiro de Direito Administrativo que tinha sido realizado em Curitiba. Por quê? À primeira vista a disparatada conexão entre os eventos é pessoal. Porém, foi conversando com a professora Marlene Kempfer, num dos intervalos do congresso, que lhe mostrei um livro que eu, então católico ativo, tinha comprado: um pequeno curso de cristologia. Na época, meu interesse pelo caráter dogmático do 732

III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL direito estava se rarefazendo (e as saídas para o xadrez no Centro Acadêmico eram cada vez mais frequentes) e a vontade de estudar filosofia e história estavam se consolidando (e faço meus agradecimentos pessoais à professora Marlene pelos projetos de ensino que foram meu suspiro e fôlego final para terminar a graduação). Lembro muito bem do que, naquela ocasião, a professora Marlene me disse: “Pois é, gostaria de poder começar a estudar isso em breve.” A cristologia, que àquela época me interessava como suporte à fé católica, trata de estudar a figura (a imagem) de Jesus, o messias (e, sabemos, Cristo não era um sobrenome, mas a designação técnica em grego para messias295): se a natureza de Jesus era humana, divina ou ambas, de que modo Jesus se relaciona com o Pai e, fundamentalmente, seu papel, como deus encarnado, no plano de redenção da humanidade. O que me escapava totalmente em 2001 era em que medida a “cristologia” – que o então tolo estudante de direito pensava ser sua linha de fuga dentro de um congresso de direito administrativo – necessariamente tinha a ver com tudo aquilo que acontecia na capital do Paraná. Isto é, fugia-me a compreensão de como nos estudos da administração pública (o governo), na esfera do grande Leviatã, sobrevivem de modo velado os debates e as preocupações com a natureza do messias e com o modo de organizar e administrar as relações internas à pessoa divina (lembremos da doutrina da trindade), bem como as indagações sobre o modo em que deus, encarnando e ingressando na história, estabelece seu plano de gestão da história humana (a chamada providência). O tolo estudante, incapacitado pelas luzes e pela inflação das imagens de laicidade do direito (e, claro, também pelo seu catolicismo), era incapaz de ver que o manual, que comprara pensando ser sua ilha em meio ao mar da juridicidade em que estava, era também ele um pequeno tratado sobre administração. No entanto, as perguntas que hoje posso fazer e que podem dar ensejo a esta minha fala são: de que maneira a administração das pessoas da trindade tem a ver com a administração na esfera dita laica? Como tal relação administrativa tem a

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Cf. AGAMBEN, Giorgio. Il Tempo che Resta. Un commento alla Lettera ai Romani. Torino: Bollati Boringhieri, 2000. p. 22-24.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ver com a questão das imagens, questão esta por mim lembrada no episódio do 11 de setembro de 2001 (ao qual, aqui, no centro acadêmico, assisti há 11 anos)? Para a primeira pergunta uma resposta apresenta-se inevitável: seja na relação de organização interna às pessoas da trindade, seja nas relações de organização do governo no Estado, o que está em questão e é justamente o modo de organizar-se, o modo como administrar, o modo de gerir tais relações. É sabido que o termo economia (de oikos, casa em grego) era utilizado tanto por Xenofonte quanto por Aristóteles para designar um modo de organização da casa grega (oikos = casa; nemein = administrar, gerir), lugar onde havia a hierarquia e a chefia por um oikonomos, o que instaura a lei da casa – e aqui remeto às análises de Hannah Arendt em seu A Condição Humana.296 Exemplo notório desse uso clássico do termo já encontramos na fala de Sócrates no diálogo Econômico, de Xenofonte: Pensamos que a economia, administração do patrimônio familiar, é o nome de um saber, e esse saber parece ser aquele pelo qual os homens são capazes de fazer crescer seus patrimônios, e patrimônio parece-nos ser o mesmo que o total de uma propriedade, e, para nós, propriedade é o que para cada um é proveitoso para a vida e dá-se como proveitoso, tudo quanto se saiba usar.297

No entanto, falamos de um uso do termo na seara da administração da cidade. É óbvio que não podemos nos furtar de fazer menção à disciplina que nasce no século XVIII da nossa era: a economia política (e lembrar Adam Smith e seu A Riqueza das Nações seria quase que uma cacofonia). Antes, porém, desse irremediável salto histórico (e, mais uma vez, as análises de Hannah Arendt são muito pertinentes para a compreensão das diferenças entre as por ela chamadas esfera pública/esfera privada – par dicotômico da antiguidade clássica grega – e a esfera social), é preciso lembrar que a ampliação do uso do termo economia à gestão das atividades da polis já encontra na antiguidade suas primeiras manifestações. Assim, quando abrimos o tratado Os Econômicos (que nos chega 296

Cf. ARENDT, Hannah. A Condição Humana. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. Trad.: Roberto Raposo. pp. 31-89. 297 XENOFONTE. Econômico. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Trad.: Anna Lia Amaral de Almeida. pp. 30-31.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL por meio do corpus aristotelicum, mas cuja atribuição de autoria a Aristóteles é questionável) lemos logo no primeiro parágrafo: A arte de administrar uma casa e a de administrar uma pólis diferem entre si não apenas na medida em que a casa e a pólis também diferem (uma vez que aquela é o fundamento desta), mas ainda no fato de a administração da pólis envolver muitos governantes e de a administração doméstica depender somente de um.298

A questão do uso do termo que remetia às atividades domésticas para as questões da polis é, ainda na antiguidade, signo de um ampliação do seu espectro semântico. De fato, a noção de práxis, isto é, um saber não epistêmico, é como que o núcleo duro do termo e, como tal, como conceito pragmático, tende a ser usado em diversas áreas. Diz Marie José-Mondzain que o termo Encontra-se em Hipócrates para falar das disposições a serem tomadas em relação ao doente. Em Políbio, designa a administração política e também a marcha ou evolução dos eventos, enquanto em Dionísio de Halicarnasso, trata-se da organização do conjunto de uma obra literária. O substantivo é mais tardio que o verbo oikonomein, que aparece em Sófocles no Electra. Paul Mazon o traduz por “je suis servante au palais de mon père” [“eu sou governanta no palácio de meu pai”]. Electra quer dizer que ela está reduzida a uma atividade servil de governanta do palácio paterno. A tarefa da economia é a de todo servidor encarregado de governança, assim como, simbolicamente, Ésquilo designa a cólera como governante do palácio de Agamenon. A tonalidade pejorativa é ainda mais notória em Platão, assim que Sócrates descreve a Fedro a gestão mesquinha e mortal do amor por aquele que não ama. O campo semântico é em língua grega, portanto, desde o início, tanto ligado aos bens materiais quanto aos bens simbólicos, aos quais se acrescenta a ideia de serviço. De uma maneira geral, a oikonomia clássica implica a organização funcional de uma ordem em vista de um lucro, material ou não. O modelo dessa ordem é natural, mas a boa gestão dessa economia nas sociedades necessita a análise das situações e a intervenção humana para o melhor serviço dos fins.299 298

ARISTÓTELES. Os Económicos. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da moeda, 2004. Trad.: D.F. Leão. p. 35. 299 MONDZAIN, Marie-José. Image, Icône, Économie. Les sources byzantines de l’imaginaire contemporain. Paris: Seuil, 1996. pp. 34-35. “…on le trouve chez Hippocrate pour parler des

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A arte, ou saber, de administrar uma casa, portanto, desdobra-se na arte de bem administrar (seja o corpo do doente, seja a organização de um discurso, seja, ainda que pejorativamente, o próprio amor). Que essa arte de administrar venha a ser compreendida no século XVIII, principalmente a partir dos fisiocratas – como François Quesnay –, também como atinente à cidade, ao corpo político, é possível verificar com a simples leitura do verbete economia da quinta edição do Dicionário da Academia francesa, de 1798: “economia, diz-se figurativamente, e em significação mais precisa, da ordem pela qual um Corpo político subsiste principalmente: ela se chama Economia política.”300 Entretanto, ainda que vislumbrar o uso fisiocrático do termo seja já interessante para ver as implicações do oikonomico na esfera do público, o que nos interessa é uma outra derivação do uso do termo, qual seja, a de que fazem uso os teólogos da então incipiente igreja católica. Ainda que os termos ligados à oikonomia já tenham sido usados por Paulo de Tarso (Cf. I Cor. 4, 1-2: “Portanto, consideremnos os homens como servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus. Ora, o que se requer dos administradores, é que cada um seja fiel”; Efe. 4, 15-16: “Mas, seguindo a verdade em amor, cresceremos em tudo em direção àquele que é a Cabeça, Cristo, cujo Corpo, em sua inteireza, bem ajustado e unido por meio de

dispositions à prendre autour du malade. Chez Polybe, il désigne l’administration politique et meme la marche ou l’évolution des événements, alors que, chez Denys d’Halicarnasse, il s’agit de l’organisation d’ensemble d’un ouvrage littéraire. Le substantive est plus tardif que le verbe oikonomeis, qui apparaît chez Sophocle dans Électre. Mazon le traduit par “je suis servant au palais de mon père”. Électre veut dire qu’elle est réduite à une activité servile d’intendante du palais paternel. La tâche de l’économe est celle de tout serviteur chargé de l’intendance, tout comme, symboliquement, Eschyle désigne la colère de l’intendance, tout comme, symboliquement, Eschyle désigne la colère comme intendante du palais d’Agamemnon. La tonalité pejorative est encore plus nette chez Platon, lorsque Socrate décrit à Phèdre la gestion mesquine et mortelle de l’amour par celui qui n’aime pas. Le champ sémantique est donc, dès le depart, dans la langue grecque, aussi bien lié aux biens matériels qu’aux biens symboliques, auxquels s’ajoute l’idée de service. D’une façon générale, l’oikonomia classique implique l’organisation fonctionnelle d’un ordre en vue d’un profit, matériel ou non. Le modèle de cet ordre est naturel, mais la bonne gestion de cette économie dans les societies nécessite l’analyse des situations et l’intervention humaine pour le meilleur service des fins.” (Todas as citações extraídas de textos em outras línguas foram por mim traduzidas no corpo do texto e mantidas no original na nota de rodapé.) 300 DICTIONNAIRE DE L‟ACADÉMIE FRANÇAISE. 5ème Édition. 1798. p. 1073. Disponível no sítio: http://www.ebooksgratuits.com/ebooksfrance/dictionnaire_academie_francaise_5eme_edition.pdf “économie, se dit figurément, et dans une signification plus étendue, de l’ordre par lequel un Corps politique subsiste principalemente: elle s’appelle Économie politique.”

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL toda junta e ligadura, com a operação harmoniosa de cada uma das suas partes, realiza o seu crescimento para a sua própria edificação no amor.”301), é quando dos debates acerca da divindade ou não de Jesus, que antecederam o primeiro concílio de Niceia, que o uso do termo toma a denotação de administração das pessoas da trindade. Assim, quando os monarquianos sustentavam que a introdução da pessoa do Filho no Pai era o abandono do monoteísmo (monarquismo) e a assunção de um novo politeísmo criado pelos trinitaristas, a resposta destes é que Deus é uno em essência e substância, mas trino quanto à sua administração, quanto à sua oikonomia. É o que Tertuliano, um dos mais ferrenhos defensores do trinitarismo, mostra em Contra Praxéas: Se, portanto, os heréticos creram que para salvar o dogma da unidade de Deus seria preciso que o Pai e o Filho fossem a mesma pessoa, sua unidade está salva uma vez que, estando só, há um Filho que dá testemunho das próprias Escrituras. Se eles não querem que o Filho seja visto como uma segunda pessoa, distinta do Pai, por medo de que esta distinção estabeleça dois Deuses, nós mostramos que a Escritura menciona também dois Deuses e dois Senhores; e para impedi-los de se escandalizarem, nós lhes expusemos que não se trata de duas Divindades diferentes, de dois Senhores diferentes, mas somente do Pai e do Filho, como formando duas pessoas distintas, não em substância, mas em disposição, já que nós reconhecemos o Filho inseparavelmente unido ao Pai e semelhante em essência, mas diferente em grau. O que quer que nós chamemos Deus quando nós o nomeamos só, não faz dois Deuses, mas um Deus único, por isso mesmo que ele deve ser chamado Deus em virtude da unidade do Pai.302 301

As referências são à edição da Bíblia de Jerusalém. Cf. A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 1995. 302 TERTULIANO. Oeuvres III. Paris: Chez Lous Vivès, Libraire-Éditeur, 1872. Trad. M. de Genoude. p. 212. “Si donc les hérétiques ont cru que pour sauver le dogme de l'unité, de Dieu, il fallait que le Père et le Fils fussent la même personne, son unité est sauve, puisque, tout en étant seul, il a un Fils auquel rendent témoignage les mêmes Ecritures. S'ils ne veulent pas que le Fils soit regardé comme une seconde personne, distincte du Père, de peur que cette distinction n'ait l'air d'établir deux Dieux, nous avons montré que l'Ecriture mentionne aussi deux Dieux et deux Seigneurs; et pour les empêcher de se scandaliser, nous leur avons exposé qu'il ne s'agit pas de deux Divinités différentes, de deux Seigneurs différents, mais seulement du Père et du Fils, comme formant deux personnes distinctes, non pas en substance, mais en disposition, puisque nous reconnaissons le Fils inséparablement uni au Père, et semblable en essence bien que différent en degré. Quoique nous l'appellions Dieu quand nous le nommons seul, il ne fait pas deux Dieux, mais un Dieu unique, par la même qu'il doit être appelé Dieu en vertu de l'unité du Père.”

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Tertuliano, que escreve em latim, faz uso do termo economia, ora mantendo-o em grego, oikonomia, ora traduzindo-o ao latim como dispositio (disposição) ou dispensatio (gasto).303 É de todo modo interessante, antes de avançarmos, uma pequena e fundamental digressão sobre a sorte do termo oikonomia – e, para isso, aproveitome das análises que faz o filósofo italiano Giorgio Agamben sobre o termo dispositivo em Michel Foucault, conectando-as, porém, com as leituras sobre o tema da oikonomia da filósofa francesa Marie-José Mondzain. Foucault não chega a definir o que é um dispositivo. Porém, em uma entrevista de 1977, o filósofo francês trata de esboçar algumas características conceituais fundamentais para a compreensão do termo. Diz ele que o dispositivo é: Primeiramente, um conjunto resolutamente heterogêneo, que comporta discursos, instituições, complexos arquitetônicos, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas morais, filantrópicas, enfim: o dito, assim como o não-dito, eis os elementos do dispositivo. O próprio dispositivo é uma rede que pode se estabelecer entre estes elementos. Em segundo lugar, aquilo que eu gostaria de notar no dispositivo é justamente a natureza da ligação que pode existir entre esses elementos heterogêneos. Assim, tal discurso pode mesmo aparecer, ao contrário, como um elemento que permite justificar e mascarar uma prática que, ela mesma, permanece muda, ou funcionar como reinterpretação segunda dessa prática, dar-lhe acesso a um campo novo de racionalidade. Enfim, entre esses elementos, discursivos ou não, há algo como um jogo, mudanças de posição, modificações de funções, que podem, elas também, ser muito diferentes. Em terceiro lugar, por dispositivo, compreendo um tipo – digamos – de formação que, em certo momento histórico, tem por função maior responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma função estratégica dominante. Isso pôde se dar, por exemplo, na absorção de uma massa de população flutuante que numa sociedade de economia de tipo essencialmente mercantilista encontrava-se excedente: houve aí um imperativo estratégico, jogando como matriz 303

É importante ver que aqui está, em certo sentido, a origem da noção de dispositivo em Michel Foucault, como se verá abaixo. Além disso, é impreterível fazer menção ao famoso ensaio de Georges Bataille, La notion de dépense. Cf. BATAILLE, Georges. La Notion de Dépense. In.: BATAILLE, Georges. La Part Maudite. Paris: Les Éditions de Minuit, 2003. pp. 25-45.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL de um dispositivo, que se tornou, pouco a pouco, o dispositivo de controle-assujeitamento da loucura, da doença mental, da neurose.304

Agamben, analisando esses traços conceituais do dispositivo deixados por Foucault, resume os três eixos apontados da seguinte forma: a)É um conjunto heterogêneo, linguístico e não-linguístico, que inclui virtualmente qualquer coisa, no mesmo título: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de polícia, proposições filosóficas etc. O dispositivo em si mesmo é a rede que se estabelece entre esses elementos. b) O dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre numa relação de poder. c) Como tal, resulta do cruzamento de relações de poder e de relações de saber.305

Procurando a gênese do dispositivo no pensamento de Foucault, Agamben acaba por encontrar num ensaio de Jean Hyppolite – a quem Foucault sucede no College de France –, Introduction à la philosophie de l´histoire de Hegel, um termo significativamente próximo às noções de dispositivo de Foucault: positividade. De acordo com Agamben, nas análises que Hyppolite faz de duas obras hegelianas (O

304

FOUCAULT, Michel. Dits et Écrits. III. 1976-1979. Paris: Gallimard, 1994. p. 299. “premièrement, un ensemble résolument hétérogène, comportant des discours, des institutions, des aménagements architecturaux, des décisions réglementaires, des lois, des mesures administratives, des énoncés scientifiques, des propositions philosophiques, morales, philanthropiques, bref: du dit, aussi bien que du non-dit, voilà les éléments du dispositif. Le dispositif lui-même, c´est le réseau qu´on peu établir entre ces éléments. Deuxièmement, ce que je voudrais repérer dans le dispositif, c´est justement la nature du lien qui peut exister entre ces éléments hétérogènes. Ainsi, tel discours peut apparaître tantôt au contraire comme un élément qui permet de justifier et de masquer une pratique qui, elle, reste muette, ou fonctionner comme réinterprétation seconde de cette pratique, lui donner accès à un champ nouveau de rationalité. Bref, entre ces éléments, discursifs ou non, il y a comme un jeu, des changements de position, des modifications de fonctions, qui peuvent, eux aussi, être très differents. Troisièmement, par dispositif, j´entends une sorte – disons – de formation, qui, à un moment historique donné, a eu pour fonction majeure de répondre à une urgence. Le dispositif a donc une fonction stratégique dominante. Cela a pu être, par exemple, la résorption d´une masse de population flottante qu´une société à économie de type essentiellement mercantiliste trouvait encombrante: il y a eu là un impératif stratégique, jouant comme matrice d´un dispositif, qui est devenu peu à peu le dispositif de contrôle-assujettissement de la folie, de la maladie mentale, de la névrose.” 305 AGAMBEN, Giorgio. O que é um Dispositivo. In.: AGAMBEN, Giorgio. O que é o Contemporâneo? E outros ensaios. Chapecó: Argos, 2009. Tradução: Vinícius Nicastro Honesko. p. 29.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL Espírito do Cristianismo e o seu Destino e A Positividade da Religião Cristã), o autor teria indicado dois termos chaves do pensamento hegeliano: destino e positividade. Segundo Hyppolite, “destino” e “positividade” são dois conceitoschave do pensamento hegeliano. Em particular, o termo “positividade” tem em Hegel o seu lugar próprio na oposição entre “religião natural” e “religião positiva”. Enquanto a religião natural diz respeito à imediata e geral relação da razão humana com o divino, a religião positiva ou histórica compreende o conjunto das crenças, das regras e dos ritos que numa determinada sociedade e num determinado momento histórico são impostos aos indivíduos pelo exterior.306

De acordo com Agamben, em Hyppolite a oposição natureza/positividade seria simétrica à dialética razão/história. Portanto, Se “positividade” é o nome que, segundo Hyppolite, o jovem Hegel dá ao elemento histórico, com toda a sua carga de regras, ritos e instituições impostas aos indivíduos por um poder externo, mas que se torna, por assim dizer, interiorizada nos sistemas das crenças e dos sentimentos, então Foucault, tomando emprestado este termo (que se tornará mais tarde “dispositivo”) toma posição em relação a um problema decisivo, que é também o seu problema mais próprio: a relação entre os indivíduos como seres viventes e o elemento histórico, entendendo com este termo o conjunto das instituições, dos processos de subjetivação e das regras em que se concretizam as relações de poder.307

Para Foucault, desse modo, os dispositivos funcionariam como conceitos operativos gerais, isto é, que, na estratégia foucaultiana, tomariam o lugar dos universais: “não simplesmente esta ou aquela medida de segurança, esta ou aquela tecnologia do poder, e nem mesmo uma maioria obtida por abstração.” 308 Desse, generalizando a compreensão foucaultiana, para Agamben dispositivo é “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os 306

Idem. pp. 30-31. Ibid. pp. 32-33. 308 Ibid. p. 33. 307

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL discursos dos seres viventes.”309 Na gênese no termo – desde suas origens na teologia cristã até seu uso por Foucault –, portanto, haveria uma conexão dispositivo/governo que o filósofo italiano realça a partir de uma dicotomia: seres viventes (correspondentes à substância, à ontologia) e dispositivos (que capturam – do mesmo modo como a oikonomia divina está intimamente conectada com a essência sem fundamentar-se nela – o vivente, sem, no entanto, serem essencialmente ligados a ele). Dessa captura, do contato direto entre vivente e dispositivo surge, segundo Agamben, um terceiro elemento: o sujeito. Isto é, o processo de captura dos viventes pelos dispositivos pode ser chamado de um processo de subjetivação-sujeição.310 Nesse sentido, enquanto dispositio, a noção de economia remete-se à ideia grega de systema, à organização do grande oikonomos e também é ligada à noção de cosmos grego, à ordem natural das coisas, cuja origem remete ao grande oikonomos – o princípio de organização racional (oikonomia) que se torna pronoia, providência. A noção de dispensatio, por sua vez, incorpora uma outra dimensão, relacionada à ideia de encarnação, isto é, à noção de história dos homens como despesa (gasto) divina – a divindade que entra na história e torna-se, na imaginação cristã, temporal (nasce, vive e morre). Assim, com relação à dispensatio, podemos anotar algo que suscita a conexão com o problema da imagem inicialmente levantado. Além da temporalização da divindade (nascimento, vida e morte) que, por isso, torna-se histórica, o problema da encarnação evoca também uma questão de visibilidade, um dar-se a ver. Isto é, como lemos na Carta aos Colossenses (Col. 1, 15-16) de Paulo, o problema do messias é também expresso como – num modo que lembra em muito os termos platônicos – relacionado à visibilidade: “Ele é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis: Tronos, Soberanias, Principados, Autoridades, tudo foi criado por ele e para ele”. O plano de salvação – que supõe a divisão no próprio ser divino: que se mantém uno em essência, mas 309

Ibid. p. 40. Sujeito – o resultado desse processo –, nesse sentido, é aquele vivente que toma consciência de si e ao mesmo tempo sotopõe-se a um poder (que não é um poder de domínio, mas um governo – em última instância, uma gestão, uma oikonomia). Isto é, o processo de subjetivação é aqui pressuposto do governo dos homens. 310

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL trino quanto em sua práxis –, o ingresso divino no mundo humano, acontece pelo redimensionar-se da transcendência, invisível e intemporal, em dimensão temporal, histórica e visível: “Deus entra na história pelo nascimento de sua imagem filial. Desde que no Ocidente a manifestação do visível se descreva em termos de nascimento, de morte e de ressurreição, ela se dirige a corpos vivos dotados de palavra e de julgamento.”311 Ora, a imagem enquanto encarnação divina (dar-se a ver do invisível), abrenos a um problema conceitual: que imagem é essa? Podemos tocar o problema novamente voltando aos gregos. Seria imagem a tradução do latim imago, que por sua vez seria a tradução do grego eikon? Uma primeira resposta é negativa. Lembra-nos Marie-José Mondzain que Eikon em grego não é um substantivo. Quando Platão, ou os padres da Igreja mais tarde, falam de eikon, eles não designam uma coisa. Eles designaram um modo de aparição no campo do visível, pois eikon em grego é análogo a uma forma verbal no particípio presente. Quando um grego quer dizer a coisa, a coisa icônica, ele toma a raiz dessa palavra, eikon, mas ele a coloca no neutro, pois eikon é um desinência verbal no particípio presente ativo e no feminino. Quando ele vai colocar no neutro – o neutro para as coisas em grego termina frequentemente por “ma” – torna-se “eikonisma”, como “apeikasma”, “fantasma”. (...) Ao contrário, as palavras no neutro terminam com “on” – como “eidolon”, que dá “ídolo”- e designam, no visível, as operações das coisas, dos objetos, na sua consistência opaca e presente, no seu efeito de real.312 311

MONDZAIN, Marie-José. Le Commerce des Regards. Paris: Seuil, 2003. p. 18. “Dieu entre dans l’histoire par la naissance de son image filiale. Désormais en Occident la manifestation du visible se décrit en termes de naissance, de mort et de resurrection, elle s’adresse à des corps vivants doués de parole et de jugement.” 312 MONDZAIN, Marie-José. Image, Sujet, Pouvoir. Entretien avec Marie-José Mondzain. In.: Sans Public. Revue Web. Disponível em: http://www.sens-public.org/spip.php?article500&lang=fr (acesso: 15/09/2012) “Eikon en grec n'est pas tout à fait un substantif. Quand Platon, ou les Pères de l'Église plus tard, parlent d'eikon, ils ne désignent pas une chose. Ils ont d'abord désigné un mode d'apparition dans le champ du visible, parce que eikon en grec est analogue à une forme verbale au participe présent. Quand un Grec veut dire la chose, la chose iconique, il prend la racine de ce mot, eikon, mais il le met au neutre, parce que eikon est un rejeton verbal au participe présent actif et au féminin. Quand il va le mettre au neutre - le neutre pour les choses en grec se finit souvent par « ma » - ça va devenir « eikonisma », comme « apeikasma », « fantasma ». (...). Par contre, les mots au neutre finissent aussi par « on » - comme « eidolon », qui a fait « idole » - et désignent, dans le visible, les opérations des choses, des objets, dans leur consistance opaque et présente, dans leur effet de réel.”

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O ícone nos dá semblante, aparência, uma operação do visível (e também do sensível) que coloca um problema irreparável ao platonismo, pois das aparências não é possível epistème (um saber abstrato, necessário e universal), não é possível um estatuto ontológico de verdade. Ao mesmo tempo, o ícone não é uma coisa, um objeto do olhar, mas algo partilhável na experiência humana. A imagem que se encarna, que entra na história humana como um homem, é, desse ponto de vista, uma semelhança, não uma coisa, um ídolo (e por isso a decomposição do termo imagem faz-se necessário: um ícone necessariamente não é um ídolo). E é nesses termos ícone/ídolo que, lembremos, uma disputa política (e, também, de governo dos homens) acontece e marca a história do ocidente: trata-se do debate entre iconoclastas e iconófilos, entre os séculos VIII e IX em Bizâncio, que se desenrola entre os defensores do poder do Império temporal (iconoclastas) e os defensores do poder secular (iconófilos) – e talvez seja já esse o primeiro grande embate a respeito da imagem no Ocidente com o traçado político dos impérios. É sabido que a disputa acontece porque os defensores do Império (e o próprio Constantino V foi o porta-voz da iconoclastia de Estado) acusam os iconófilos de idolatria, isto é, de adoradores de um falso deus que seria a imagem – isto é, de um deus cunhado por mãos humanas, de maneira que ícone e ídolo seriam a mesma coisa. Isto é, aos iconoclastas todo ícone só se faria conhecer como ídolo. Aos iconófilos, entretanto, entre ícone e ídolo havia uma incompatibilidade, uma contradição: Eikon designa uma relação, eidolon designa um objeto. E, portanto, os iconófilos puderam dizer aos iconoclastas: são vocês que, destruindo os ícones, são idólatras, já que diante da fragilidade e da aparência do ícone, vocês veem apenas o objeto. Assim, vocês têm um olhar idólatra sobre o que deveria ser para vocês apenas um objeto. É seu olhar que reifica o objeto da fragilidade, da semelhança.313

313

Idem. “Eikôn désigne une relation, eidolon désigne un objet. Et donc, les iconophiles ont pu dire aux iconoclastes : c'est vous qui en détruisant les icônes êtes idolâtres, puisque devant la fragilité et la semblance de l'icône, vous ne voyez que l'objet. Donc vous avez un regard idolâtrique sur ce qui

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A constituição do plano das imagens como algo ligado à fragilidade, portanto, deu aos iconófilos a vitória na contenda. Ao tomarmos as noções de imagem em seus diferentes aspectos (como ícone ou como ídolo), vemos que enquanto a uma, o ícone, cabe um papel político fundamental no que tange à fragilidade da instância política (o reconhecimento dos semelhantes, o dar-se a ver no espaço público) à outra, o ídolo, está atrelada uma ideia de reificação da imagem (a imagem enquanto insígnia do poder). Não é por acaso que nas disputas bizantinas havia, por parte dos iconoclastas, todo um imaginário de heráldicas, marcas imperiais, etc., haja vista que em disputa estava um modo de manutenção do poder político: os imperadores queriam enfraquecer o poder das imagens dos monastérios e da igreja e fazer reconhecer o poder de suas imagens. Ou seja, a contenda de como ver uma imagem, nesse caso, entendida como ícone, dizia respeito à própria estruturação do poder – era de uma guerra pelo controle do poder das imagens que se tratava (ambos, iconoclastas e iconófilos, reconheciam o poder das imagens – enquanto ícone – e, portanto, ambos tentavam, cada um à sua maneira, descaracterizar as imagens do outro como ídolos). Desse modo, teríamos, de um lado, a oikonomia gerencial, a administração das pessoas da trindade – que Agamben sugere ser a matriz velada da noção dos dispositivos de controle modernos – e, de outro lado, a eikonomia (cuja homofonia com oikonomia Marie-José Mondzain percebe de modo sagaz), o direito do ícone, a lei da nova casa do Verbo agora encarnado: da gestão invisível da pessoa divina (no plano da transcendência) passa-se à organização do visível, da imagem do deus na imanência. E aqui um paradoxo: à oikonomia, enquanto modo de administração e governo que nos chega por meio da noção de dispositivo e que leva os viventes à sujeição a um governo (que não tem mais nenhum sentido histórico senão a gestão interminável da vida até a profundidade dos genes), contrapõe-se a eikonomia, um outro modo de constituição de sujeitos, não sujeitados, mas singulares, que se dão a devrait ne pas être pour vous un objet. C'est votre regard qui réifie l'objet de la fragilité, de la semblance.”

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ver na partilha do sensível, que se constituem na fragilidade da aparência, como seres especiais – e lembremos que o termo latino species (aparência, aspecto, visão, e que traduz o grego eidos, figura) nos revela a noção de que o especial do homem que, segundo Emanuele Coccia, é o único vivente a “fazer do sensível não apenas o meio ambiente em que se banha a todo instante, mas a sua própria consistência”314, está justamente na sua exposição (e que Jean-Luc Nancy trata de ex-peausition, o nosso dar-se a ver). Isto é, nos formamos pelas imagens. Ou ainda, como também lembra Giorgio Agamben, “o ser especial é absolutamente insubstancial. Ele não tem lugar próprio, mas acontece a um sujeito, e está nele como um habitus ou modo de ser, assim como a imagem está no espelho.”315 (E claro que podemos ligar o habitus à morada habitual do homem, que era o sentido primeiro da ética.) Jacques Lacan, em seu famoso ensaio sobre o Estádio do Espelho, lembranos que a constituição do indivíduo humano enquanto sujeito passa pelo reconhecimento da própria imagem: “o filhote do homem, numa idade em que, por um curto espaço de tempo, mas ainda assim por algum tempo, é superado em inteligência instrumental pelo chimpanzé, já reconhece não obstante como tal sua imagem no espelho.”316 Continua adiante Lacan: Essa atividade conserva para nós, até os dezoito meses de idade, o sentido que lhe conferimos – e que é não menos revelador de um dinamismo libinal, até então problemático, que de uma estrutura ontológica do mundo humano que se insere em nossas reflexões sobre o conhecimento paranoico. Basta compreender o estádio do espelho como uma identificação, no sentido pleno que a análise atribui a esse termo, ou seja, a transformação produzida no sujeito quando ele assume uma imagem.317

Lacan chama atenção, portanto, à fixação da subjetividade, à constituição da própria natureza da criança a partir da imagem. O que tentamos ver aqui, no 314

COCCIA, Emanuele. A Vida Sensível. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2010. Trad.: Diego Cervelin. p. 60. 315 AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007. Trad.: Selvino Assmann. pp. 52. 316 LACAN, Jacques. O Estádio do Espelho. In.: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. p. 96. 317 Idem. p. 97.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL entanto, é que tal imagem não pode constituir-se como ídolo (o duplo objeto que, se não ultrapassado como objeto, é tão somente gerador de amor incondicional àquela consciência cindida), mas como uma semelhança, como uma fragilidade que não passa de um ícone. Nesse sentido, não há estagnação de uma única imagem possível de si – de uma imagem a ser gerida e governada pelo seu suposto e, se assim o crê, ingênuo proprietário –, mas aparências, contingências (algo muito mais próximo do regime ético aristotélico do que platônico). Ora, daqui um outro paradoxo que Marie-José Mondzain expõe: Se o sujeito se constrói, então se compreende que o que os Padres designavam com a palavra eikon era algo que era constitutivo das relações entre sujeitos. Então, o que é constitutivo do político, isto é, do viver juntos no sentido grego, o é porque constitutivo de procedimentos, de protocolos de subjetivação. Não há sujeito sem imagem. É muito importante. O ídolo torna-se cada vez mais, no seu processo de reificação, o modo sobre o qual o visível produz não sujeito, mas o reduz a estado de objeto: o ídolo é o que reifica o sujeito sendo uma reificação da imagem.318

De fato, do cruzamento das leituras de Agamben e Mondzain chegamos a uma conclusão inquietante: o processo de subjetivação pode tanto levar à especialização dos seres que se dão a ver (abrir para eles a dimensão da imagem ícone, ou seja, o homem tornando-se homem a partir do sensível e da partilha dessa imagens que produz) quanto à mais terrível sujeição a qualquer forma de governo (isto é, dimensionar-se como ídolo, como coisa para uma instância administrativa. E nada mais evidente do que o atual corpo dócil e pacato de uma humanidade que, incapaz de produzir imagens a partir das quais se reconhece, constrói ídolos que representam uma identidade. Evidências disso estão por toda parte no panteão de 318

MONDZAIN, Marie-José. Image, Sujet, Pouvoir… “Si le sujet se construit, alors on comprend que ce que les Pères désignaient du mot d'eikon était quelque chose qui était constituant des relations entre les sujets. Donc, ce qui est constituant du politique, c'est-à-dire du vivre ensemble au sens grec, l'est parce que c'est contituant des procédés, des protocoles de subjectivation. Il n'y a pas de sujet sans image. C'est très important. L'idole devient d'autant plus, dans son processus de réification, le mode sur lequel le visible produit non pas le sujet mais réduit le sujet à l'état d'objet : l'idole est ce qui réifie le sujet, en étant une réification de l'image.”

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL ídolos do contemporâneo: ídolos do prazer de uma vida confortavelmente entregue aos muros de um condomínio fechado, a identificação por meio das grifes das marcas, o pseudo-reconhecimento do outro somente a partir de objetos exteriores, os avatares dos mundos virtuais). O problema não para por aqui, pois não há de per se ícone ou ídolo, mas eles se constroem a partir do olhar, na relação que se estabelece entre o que se dá a ver e aquele que vê.319 Nesse sentido, ver em uma imagem um ícone é o indicativo do reconhecimento de si próprio enquanto imagem que se apresenta, enquanto imagem sensível e partilhável na experiência política, enquanto ser frágil e que se reconhece no limite do como se dá a ver – no seu habitus, na sua ética. Por outro lado, construir imagens ídolos, é reificar a si mesmo e supor ingenuamente ser capaz de governar tais objetos, sem se dar conta de que é por esses mesmos objetos governado, sujeitado (e, talvez, seja necessário repensar toda a nossa atual compreensão de direito que pensa a realização do espírito, a concreção de uma suposta humanidade, em termos de produção ou emanação de humanidade objetivada – idolatrada, diria – em instituições ou eticidade. E as esvaziadas declarações de direitos são o mais claro exemplo disso). É momento de voltar às questões que me suscitaram esse devaneio. Digo que quando convidado para falar sobre filosofia do direito e inovações tecnológicas me vi um tanto quanto atônito, mas não tinha como me furtar ao convite de voltar à UEL, desta vez não como o tolo aluno que jogava xadrez no CA, mas como professor. Atônito porque pensava que o tema era algo muito distante das minhas atuais preocupações. Porém, refletindo por um momento, lembrei-me da bela compreensão de ser contemporâneo de Giorgio Agamben. Contemporâneo não é: apenas aquele que, percebendo o escuro do presente, nele apreende a resoluta luz; é também aquele que, dividindo e interpolando o tempo, está à altura de transformá-lo e de colocá-lo em relação com os outros tempos, de nele ler de modo inédito a história, de “citá-la” segundo uma necessidade que não provém de 319

Sobre a relação entre o que vê e o que se dá a ver, remeto ao belo livro de Georges DidiHuberman O que vemos, o que nos olha. Cf.: DIDI-HUBERMAN, Georges. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Ed. 34, 2005. Trad.: Paulo Neves.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL maneira nenhuma do seu arbítrio, mas de uma exigência à qual ele não pode responder. É como se aquela invisível luz, que é o escuro do presente, projetasse a sua sombra sobre o passado, e este, tocado por esse facho de sombra, adquirisse a capacidade de responder às trevas do agora.320

Ora, tentar enxergar nas trevas do agora, nas trevas de um tempo em que é mais fácil encontrar-se os ídolos – as coisas do visível nas suas mais nefastas manifestações – do que seres dados à partilha do mundo (os ícones frágeis que jogam a vida – un coup de dés – para além da tentativa de controlá-la e administrála), parece-me ser uma tarefa digna de ser dita de inovação. E, talvez, o modo de fazer esse novo esteja no repensar, reexaminar, no voltar-se ao passado, às questões que podem parecer as mais disparatadas e que, porém, assinalam de um modo ou de outro o nosso tempo. O problema que me dispus a analisar se deu pela tentativa de conectar algumas leituras sobre o problema da administração (portanto, da gestão, do governo) com algumas perspectivas histórico-filológicas. Nesse iter, foi inevitável o confronto com o problema das imagens. E aqui volto às perguntas sobre o 11 de setembro de 2001. Depois dessas análises resta-nos saber: foram os atentados um ataque iconoclasta? Podemos dizer que, no sentido da destruição de ícones, não, pois hoje, na sociedade do espetáculo tão criticada por Guy Debord, 321 assistimos tão somente à gestão de ídolos, de imagens reificadas e que dão identidade, que representam e são tomadas como coisas. A hipócrita guerra da “democracia” contra o “terror” nada mais é do que a destruição mútua de ídolos que já não são ícones que circulam na frágil esfera política, mas que são construídos como intocáveis objetos de adoração. Por isso, não se trata nem mesmo de uma luta por poder político, como foi a batalha entre iconófilos e iconoclastas, uma batalha de substituição icônica (lembremos dos ícones do poder profano), mas uma mútua destruição de ídolos que legitime uma gestão oikonomica dos homens (por parte do “terror” os ataques de 11 de setembro, sabidamente executados como em um filme de Hollywood, implode não só o ídolo do Trade, mas ao mesmo tempo o da indústria 320 321

AGAMBEN, Giorgio. O que é o Contemporâneo? e outros ensaios... p. 72. Cf. DEBORD, Guy. La Société du Spectacle. Paris: Gallimard, 2005.

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III SEMINÁRIO INTERINSTITUCIONAL DE MESTRADOS EM DIREITO DA UEL do entretenimento e, como faz Hollywood, porém ao contrário, dá ídolos aos seus governados; os assassinatos de reféns filmados e disseminados na internet – uma espécie de snuff movie que implode o ídolo liberdade, etc; por parte da “democracia” as caricaturas de Maomé e similares, a captura e morte de Bin Laden que, como se viu, não põe nem fim nem diminui o círculo da violência, e o reconhecimento do outro tão somente como objeto, não como especial mas como especiaria, como disponível ao trade, ao consumo e deglutição pelo capital). Como diz um outro teórico a mim muito caro, Georges Didi-Huberman, “a questão das imagens está no coração deste grande problema do tempo, nosso „malestar na cultura‟. Seria preciso saber olhar nas imagens aquilo de que elas são as sobreviventes. Para que a história, liberada do puro passado (esse absoluto, essa abstração), nos ajude a abrir o presente do tempo.” 322 Ou ainda, quando da sua recente visita a Auschwitz-Birkenau: Jamais se pode dizer: não há nada para ver, não há mais nada para ver. Para saber duvidar do que se vê é preciso ainda saber ver, ver apesar de tudo. Apesar da destruição, do esfacelamento de todas as coisas. É preciso saber olhar como olha um arqueólogo. E é por meio de tal olhar – de tal interrogação – sobre o que vemos que as coisas começam a nos olhar desde seus espaços enterrados e seus tempos evadidos.323

Pensar o tempo presente, pensar o direito, pensar a política em vistas do que muda, é ainda saber ver, é ainda saber viver os restos de passado que sobrevivem em nós e, lidando com eles, tentar viver sem mais esperanças de futuro, mas também sem medo do passado que retorna. Como diriam os velhos gregos, é uma questão de viver o kairós, o tempo oportuno. 322

DIDI-HUBERMAN, Georges. Images Malgrés Tout. Paris: Éditions de Minuit, 2003. 226. “la question des images est au coeur de ce grand trouble du temps, notre “malaise dans la culture”. Il faudrait savoir regarder dans les images ce dont elles sont les survivantes. Pour que l´histoire, libérée du pur passé (cet absolu, cette abstraction), nous aide à ouvrir le présent du temps” 323 DIDI-HUBERMAN, Georges. Écorces. Paris: Éditions de Minuit, 2012. p. 61. “On ne peut donc jamais dire: il n’y a rien à voir, il n`y a plus rien à voir. Pour savoir douter de ce qu’on voit, il faut savoir voir encore, voir malgré tout. Malgré la destruction, l’effacement de toute chose. Il faut savoir regarder comme regarde un archéologue. Et c’est à travers un tel regard – une telle interrogation – sur ce que nous voyons que les choses commencent de nous regarder depuis leurs espaces enfouis et leurs temps enfuis.”

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