A CONSTITUIÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) DOS JOVENS: ASPECTOS DISTINTIVOS NO CONSUMO CULTURAL

June 4, 2017 | Autor: P. Bandeira de Melo | Categoria: Youth Studies, Cultural Identity, Habitus, Public Policy, Cultural cores
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A CONSTITUIÇÃO DA(S) IDENTIDADE(S) DOS JOVENS: ASPECTOS DISTINTIVOS NO CONSUMO CULTURAL Rodrigo Vieira de Assis1; Patricia Bandeira de Melo2 1

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Estudante do Curso de Ciências Sociais – DECISO – UFRPE; E-mail: [email protected], Pesquisadora da Coordenação Geral de Estudos Econômicos e Populacionais – CGEP – Fundaj. E-mail: [email protected]

Sumário: Os produtos culturais – em termos de música, arte e outras expressões de cultura e lazer – atuam sobre seus consumidores definindo o sentido do grupo ao qual se sente pertencer e, assim, constituindo identidade(s). O presente trabalho objetiva verificar como se dá o processo de distinção e definição de identidades de jovens assistidos por políticas públicas culturais, com idade entre 15 e 29 anos, a partir do consumo cultural. Para tanto, buscou-se na sociologia de Pierre Bourdieu (2008) em diálogo com as reflexões dos estudos culturais, especialmente Hall (2006) e Canclini (1999), o caminho teórico necessário. Para o levantamento dos dados, aplicou-se o procedimento de entrevistas semiestruturadas com gestores de projetos socioculturais e com jovens que integram essas atividades. O método utilizado foi o snowball. Ele permite identificar uma rede de relações entre indivíduos, na medida em que um indica outro para participar da pesquisa. Assim, alcança-se pontos de saturação (redundância das informações), o que indica que não há mais informações relevantes para o trabalho. Constatou-se que a distinção social é gerada pela manifestação do senso estético, classificando o que deve ser consumido, tanto na ordem física, quanto simbólica da vida social, gerando estilos de vida modernos. Palavras-chave: habitus; identidade cultural; jovens; políticas públicas culturais; pontos de cultura INTRODUÇÃO A relação entre consumo cultural e juventude é uma das formas de se verificar como o indivíduo percebe e constrói a sua identidade dentro de um círculo social. Assim, aquilo que o indivíduo assume gostar de possuir e consumir – em termos de expressões de cultura e lazer – contribui para identificá-lo e localizá-lo na estrutura da sociedade. Desse modo, o indivíduo determina e é determinado por aquilo que consome, na medida em que a escolha pelo que deve ser consumido caracteriza seu estilo de vida e sua identidade. Existe hoje na sociedade brasileira uma pluralidade de grupos sociais, marcados pelo processo de consumo, situados em posições diferenciadas na estrutura social. No universo do consumo cultural, grupos sociais podem ser identificados como agrupamento de indivíduos que estabelecem vínculos subjetivos capazes de organizá-los objetivamente no espaço social, principalmente no que tange à formulação dos esquemas de percepção estética (BOURDIEU, 1982; FEATHERSTONE, 1995; CANCLINI, 1999). A presente pesquisa Coordenação do Programa Institucional Bolsas de Iniciação Científica – Pibic/Fundaj/CNPq

objetiva verificar como se dá o processo de distinção e definição de identidades de jovens a partir do consumo cultural. Para tanto, faz uso do conceito bourdieusiano de habitus, o qual é estrutura estruturante e estruturada, capaz de classificar as práticas e, ao mesmo tempo, classificar-se na estrutura social que o gera (BOURDIEU, 2008). O corpus do estudo é delimitado aos jovens assistidos por políticas públicas culturais, com idade entre 15 e 29 anos, habitantes da Região Metropolitana do Recife (RMR) e que participam de ações desenvolvidas nas cidades do Recife, de Olinda e de Jaboatão dos Guararapes. O recorte etário escolhido é o mesmo adotado pela Secretaria e pelo Conselho Nacional de Juventude, que é o mesmo do Estatuto da Juventude, em tramitação na Câmara dos Deputados. A hipótese principal é que os elementos que são partilhados pelos indivíduos definem o sentido do grupo e atuam sobre as percepções de sua(s) identidade(s). Esse sentido, expresso em suas práticas e em suas percepções sobre as práticas, principalmente de consumo cultural, abre margem para uma analise sociológica qualitativa dotada de relevância para a compreensão do processo de constituição das identidades culturais no contexto social brasileiro. Para alcançar seu objetivo geral, este trabalho, de cunho qualitativo, considerou que as práticas de consumo dos indivíduos são influenciadas pela oferta de bens culturais advindos de políticas públicas culturais (BOURDIEU, 2008). Nesse contexto, verificou-se também se ocorrem mudanças nos gostos e nos estilos de vida dos indivíduos após participarem das ações estatais interventivas. MATERIAIS E MÉTODOS Para alcançar os jovens da faixa etária entre 15 e 29 anos assistidos por políticas públicas culturais, primeiro foi realizada uma busca sobre as ações estatais desenvolvidas nos últimos anos para a área da cultura. Destacaram-se os Pontos de Cultura, resultado de ações interventivas de entidades da sociedade civil, cuja finalidade é buscar recursos públicos através de editais para a continuidade dos projetos, tornando-se, dessa maneira, integrantes de ações políticas interventivas. Foram feitas visitas a alguns locais, identificados via consulta à listagem oficial dos Pontos de Cultura do Estado de Pernambuco, limitando-se aos municípios selecionados. Dentre os locais contatados foram escolhidos para a pesquisa os projetos socioculturais da Escola Pernambucana de Circo – EPC (Recife), do Grupo Bongar – Jovens da Comunidade Xambá (Olinda) e do Maracatu Aurora Africana (Jaboatão dos Guararapes). A escolha desses projetos deu-se pelo poder de atuação nas comunidades em que estão situados. Isso pôde ser observado pelo perfil de consumo cultural dos jovens nestas localidades, a partir da produção e difusão de elementos da cultura local por estas instituições (com atividades voltadas para a dança popular, a confecção de instrumentos musicais percussivos, o artesanato, as atividades circenses etc.). Este quadro permitiu uma análise das identidades culturais dos grupos de jovens. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com representantes das instituições selecionadas intentando mapear o local e compreender a realidade do projeto, seus objetivos e suas ferramentas culturais. Em um segundo momento, realizou-se visitas aos espaços para compreender e identificar quem eram os jovens ali envolvidos. Em seguida, foram aplicadas as entrevistas semiestruturadas com os jovens, enfatizando o seu gosto para apropriação de bens simbólicos, verificando, dessa maneira, a hierarquia dos bens e Coordenação do Programa Institucional Bolsas de Iniciação Científica – Pibic/Fundaj/CNPq

das práticas culturais. Os nomes dos coordenadores são apresentados no trabalho, mas os dos jovens são preservados para dar mais liberdade à sua fala. No final da pesquisa de campo, totalizaram-se 18 entrevistas, três com representantes e 15 com jovens. Neste percurso, o estudo considerou a redundância das respostas dos indivíduos, utilizando-se do método snowball, também conhecido como “bola de neve”. Com este método, é possível constatar uma rede de relações sociais entre os sujeitos entrevistados, na medida em que um indica o outro, durante a exposição de sua posição nas questões que lhe são apresentadas, até atingir o ponto de redundância. Segundo Alves-Mazzotti (1999, p.163), “atinge-se ‘um ponto de redundância’ a partir do qual não mais se justifica a inclusão de novos elementos”. RESULTADOS E DISCUSSÃO Os produtos culturais ofertados pelos Pontos de Cultura advêm dos conhecimentos já existentes entre os membros da instituição cultural que propôs o projeto. Foi percebido, por exemplo, na entrevista concedida por Fábio Sotero, coordenador do Ponto de Cultura do Maracatu Aurora Africana, que na seleção das atividades oferecidas buscou-se contemplar indivíduos que já participavam das atividades da instituição. Se houver alguém apto a ensinar, por ter o conhecimento adequado ao que estão querendo disponibilizar em termos de expressão cultural e atividades de lazer, a oficina é posta em pauta. Constatou-se que os jovens possuem limitado poder de escolha sobre o que vai ou não ser ofertado, pois devem inserir-se em uma das atividades já prescritas no plano de atuação. Isso acontece porque o que está disponível para consumo cultural são produtos constituídos no cerne das atividades fixadas ainda quando o plano de trabalho dos Pontos se encontra em nível de projeto, submetido à edital público. Segundo uma jovem de 26 anos, residente em Jaboatão dos Guararapes e participante das oficinas de percussão e de dança do Aurora Africana, realiza-se “reuniões mensais, onde cada um expõe a sua opinião e vê a melhor forma de se trabalhar”. Todavia, ela afirma que “nenhuma das oficinas foram modificadas por causa das minhas opiniões”. Esse discurso é frequente entre os jovens entrevistados. Assim, verifica-se que a intervenção dos indivíduos assistidos pelas atividades não possuem legitimidade na estrutura das políticas públicas culturais. Os jovens entrevistados integram as atividades dos projetos buscando não só atividades de cultura e lazer, mas uma formação profissional na área cultural. Eles buscam novas perspectivas e se dedicam às atividades objetivando o conhecimento necessário para uma possível inserção em espaços profissionais condizentes com suas capacidades (física e simbólica). O seu habitus é continuamente estruturado e nessa dinâmica se verifica a integração do jovem na estrutura social a qual se sente (ou se quer sentir) pertencer. A distinção social entre os grupos de jovens é produzida pela expressão do discernimento, considerando o que é bom e o que é ruim para ser consumido – em termos de música, de artes e de atividades de cultura e lazer. Isso pressupõe uma hierarquia formulada subjetivamente que é expressa objetivamente no desempenho das práticas e na classificação dessas práticas (BOURDIEU, 2008). O habitus de consumidor cultural desenvolvido pela frequência de acesso aos produtos que são disponibilizados pelas políticas culturais é incorporado e expresso em todos os domínios da vida dos jovens. Eles buscam se integrar mais às atividades que participam, objetivando Coordenação do Programa Institucional Bolsas de Iniciação Científica – Pibic/Fundaj/CNPq

alcançar o nível técnico exigido para desempenharem funções profissionais, no campo da produção cultural. CONCLUSÕES Dos três Pontos de Cultura visitados, concluiu-se que nenhuma das oficinas desenvolvidas resultou de intervenções dos jovens assistidos. Todas foram planejadas pela entidade e, após recebimento dos recursos, postas em prática. O plano de trabalho é um norteador que não pode ser modificado. Assim, no limite da amostra analisada, afirma-se que não há aceitação (ou legitimidade) do que o aluno das oficinas questiona ou sugere. Por serem jovens residentes em bairros que sediam atividades voltadas para as manifestações da cultura popular, eles passam a compreender mais as raízes culturais de sua localidade. Ao identificar nos produtos culturais oferecidos e disponíveis para consumo os princípios que devem ser seguidos para afirmarem-se socialmente, os jovens definem suas identidades culturais. Dessa maneira, reconfigura-se o senso estético, resultado da modificação do gosto e dos princípios organizativos do habitus dos jovens. Desse modo, os estilos de vida são partilhados entre os indivíduos que se sentem pertencentes a um mesmo grupo social, organizado pelo julgamento social do gosto. Além disso, verificam-se contradições e estratégias de comportamentos que permitem aos jovens se incluírem em eventualidades especificas do universo do consumo cultural. Desde a representação que fazem do espaço dos estilos de vida à maneira de se portarem neste mundo de representações, os consumidores culturais se utilizam da hierarquia dos produtos culturais para se apresentarem de maneira distinta e distintiva. AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Programa de Iniciação Científica da FUNDAJ e ao CNPq, por financiar este trabalho; à minha orientadora Patricia Bandeira de Melo, que me mostra o caminho rumo ao conhecimento científico, por sua orientação, paciência e carinho de sempre; a meus pais e irmã, pela compreensão, apoio e companheirismo. REFERÊNCIAS ALVES-MAZZOTTI. A. J. GEWANDSNAJDER, F. O método nas ciências naturais e sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. São Paulo: Thomson, 1999. BOURDIEU, P. Gostos de classe e estilos de vida. In: ORTIZ, Renato (org.). A Sociologia de Bourdieu. São Paulo: Ática, Coleção Grandes Cientistas Sociais, v. 39 1982. ____________. A distinção: crítica social do julgamento. 1ª reimpr. – São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk, 2008. CANCLINI, N. G. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. Rio de Janeiro, editora UFRJ, 1999. FEATHERSTONE, M. Cultura de consumo e pós-modernismo. São Paulo: Studio Nobel, 1995. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. Coordenação do Programa Institucional Bolsas de Iniciação Científica – Pibic/Fundaj/CNPq

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