A Constituição é o povo brasileiro: a relação entre Poder Judiciário e opinião pública é dialógica
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A Constituição é o povo brasileiro: a relação entre Poder Judiciário e opinião pública é dialógica Umberto Paulini1 1. Palavras introdutórias O povão, o povaréu, o populacho, a povalha, essas pessoas que não compreendem o Direito. A forma pejorativa como nos referimos ao povo, especialmente o brasileiro, pode estar arraigada em nossa cultura legal, mesmo que, de plano, a maioria dos operadores do direito negue esse fato. É curioso pensar que a ideia de levar em consideração o que o povo pensa sobre determinado assunto jurídico não tem muito respaldo em nosso meio de trabalho. Na academia, por exemplo, a opinião popular é normalmente rechaçada sob o argumento de que não possui embasamento teórico ou científico. Nos foros, juízes, promotores e advogados tendem a acreditar que sua formação lhes confere uma inteligência do fenômeno jurídico que dificilmente seria acessível ao cidadão comum. Logo, não é relevante consultá-‐lo. E, provavelmente, quem estudou Filosofia do Direito aprendeu sobre a visão que Platão tinha da política. Como se sabe, ele propunha, grosso modo, uma sociedade aristocrática divida em classes: filósofos, militares e comerciantes. O governo estaria a cargo dos reis-‐filósofos, seres virtuosos que decidiriam sobre o destino das demais classes sociais. Mas isso foi superado há muito tempo. Será? Imaginemos um país fictício – digamos que o nome desse país é “Brasil”. Esse país hipotético teve um déficit histórico de direitos não realizados e seu sistema eleitoral é bastante problemático. Nesse cenário, entendeu-‐se razoável confiar a resposta dos problemas da vida comunitária a 11 (onze) reis-‐filósofos. Admitindo-‐se, apenas para fins de argumentação, que isso realmente pudesse acontecer, impossível deixar de perguntar: afinal, por que uma Corte 1 Bacharel em Direito pela UFPR (2005). Mestre em Direito pela UFPR (2008). Foi Procurador
Federal (2007). Foi Professor da Faculdade de Direito do Centro de Ensino dos Campos Gerais -‐ PR (2012). É Juiz Federal (2013).
que reúne 11 (onze) reis-‐ministros (desculpe, quero dizer reis-‐filósofos), pessoas de notável saber jurídico, com reputação ilibada, recrutados em razão do seu reconhecimento na área do Direito, deveria levar em consideração a opinião popular sobre determinado assunto? 2. Estabelecendo um problema Antes de prosseguir, convém realizar uma advertência no sentido de que não propomos que juízes necessariamente prestem deferência (decidam conforme) à vontade popular. Uma jurisdição popular não significa populismo. O objetivo é apenas ressaltar que a opinião pública sobre assuntos relevantes da vida em sociedade e a jurisdição, especialmente o controle de constitucionalidade, estão relacionados, muito além do que imaginamos. O ponto de partida reside na constatação de que, nas últimas décadas, incorporamos no Brasil uma doutrina que, em matéria de Direito Constitucional, sustenta: (a) a superioridade normativa e a materialização, mediante incorporação de valores, da Constituição; (b) a possibilidade de sindicá-‐la diretamente perante o Poder Judiciário (doutrina da efetividade dos direitos fundamentais); (c) os direitos fundamentais como trunfos, garantias que limitam a ação estatal e, por consequência, a vontade da maioria, o que denota o caráter contramajoritário da jurisdição constitucional. Não somos contrários a essa doutrina, mas acreditamos que quando teorias viajam continentes – especialmente 10 (dez), 20 (vinte) ou até 30 (trinta) anos após sua elaboração –, costumam encontrar cenários inóspitos. E, para o bem ou para o mal, doutrina não é bula de remédio. Ao final de um livro não encontraremos um capítulo com contraindicações e efeitos colaterais. Mas, no Direito como na Medicina, efeitos adversos podem aparecer, ainda que demore algum tempo. Dentre eles destacamos: (a) uma confusão entre o que é o texto constitucional associado às suas interpretações jurídicas (constitutional law) e a Constituição propriamente dita (the Constitution)2, fenômeno jurídico e político; 2 POST, Robert C.; SIEGEL, Reva B. Democratic Constitutionalism. In.: THE CONSTITUTION IN 2020: Oxford University Press, 2009. P. 26-‐27.
(b) que o discurso isolado de que é preciso efetivar a Constituição pode obstar o debate sobre o conteúdo da mesma, bem como criar uma visão excessivamente judiciária da questão constitucional, o que explica o pensamento comum de que “o Supremo tem o direito de errar por último” e “o Direito é aquilo que os Tribunais dizem que é”; (c) que olvidamos que o controle de constitucionalidade demanda legitimidade política, motivo pelo qual, em várias situações, é natural que reflita pontos de vista populares sobre o significado da Constituição. Retoma-‐se, então, a pergunta: por que levar em consideração o que o povo pensa sobre determinado assunto? A resposta é: porque uma visão excessivamente judiciária do fenômeno constitucional leva a construção de uma cidadania passiva, desinteressada em discutir questões importantes da vida social. Nesse cenário, como todos os debates públicos são reconduzidos a uma questão jurídica (juricentric constitution3) e, após, submetidos ao controle de constitucionalidade, corremos o risco de que poucas pessoas (onze ministros) constantemente façam opções em nome de toda a sociedade. Para trabalhar esse problema, responderemos, nos próximos itens, a perguntas importantes como: Quem é o povo? O que é a Constituição? Devemos interpretar ou debater a Constituição? A jurisdição constitucional é, em essência, contramajoritária? 3. Quem é o povo? Era 05 de outubro de 1988. Por volta das 15h50, Ulisses Guimaraes ergueu o primeiro exemplar da Constituição da República. O texto que ele segurava, logo ao início, no art. 1o, estabelecia: “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Talvez o leitor mais novo não tivesse nascido naquele dia. Ainda assim, quando lê o art. 1o, da Constituição da República, identifica-‐se como parte do povo brasileiro. Mas, afinal, quem é o povo brasileiro? 3 POST, Robert C.; SIEGEL, Reva B. Protecting the Constitution from the People: Juricentric Restrictions on Section Five Power, 78 IND. L.J. 1-‐45 (2003).
Sabemos, a partir da Teoria do Estado, que povo e população são elementos distintos. População é o somatório dos habitantes dentro de um território. Povo é a população se relacionando politicamente; é a população ligada por laços políticos criados ao longo da história. O povo está sempre vivo, porém se torna mais visível em momentos de engajamento político – quando se reúne para discutir questões de amplo interesse público 4 . É o titular do Poder Constituinte, porém sua força transformadora não desaparece com a promulgação da Constituição. Foi o povo quem saiu às ruas pedindo eleições diretas (1983-‐1984), quem fez passeatas pelo impeachment do ex-‐Presidente Fernando Collor (1992), quem comemorou a transição política ocorrida em 2003 e quem voltou às ruas demonstrando insatisfação nas jornadas de junho de 2013. Povo: um elemento essencial para o Estado e, por consequência, para o Direito. Contudo, ainda que a maioria dos juristas negue peremptoriamente, sua visão de povo é essencialmente negativa. Fala-‐se num povo que age de forma irracional, emotiva e imediatista – por isso, incapaz de tomar decisões adequadas. O Direito seria, nessa visão, um elemento limitador do povo e, consequentemente, da política. Assim, o povo é como uma criança que age de forma impulsiva, não consegue se comportar. O Poder Judiciário é sua “babá constitucional”, salvando o povo das suas escolhas. Denominamos essa visão de “constitucionalismo paternalista”. Apenas para esclarecer, reconhecemos que o respeito à regras do jogo democrático são importantes. Logo, não descartamos a existência de elementos de pré-‐cometimento (precommitment) 5 e regras de validade no mundo jurídico. Mas esses preceitos funcionam bem quando nos deparamos com limitações expressas: vedação à tortura e à pena de morte (art. 5o, incs. III e XLVII, da CF), anterioridade da lei eleitoral (art. 16, da CF), regras de competência (arts. 21 a 24, da CF), anterioridade tributária ( art. 150, inc. III, da CF) etc. 4 ACKERMAN, Bruce. We The People – Foundations. Cambridge: The Belknap Press of Harvard
University Press, 1991 5 HOLMES, Stephen. Precommitment and the Paradox of Democracy. In.: John Elster and Rune. Chicago: University of Chicago Press.
Quando valores constitucionais mais abrangentes estão em discussão (liberdade, igualdade, dignidade, devido processo etc.), especialmente no que tange a assuntos controversos, entendemos que o povo é um interprete autorizado da Constituição. Esses valores estão sujeitos não apenas ao debate jurídico, mas, sobretudo, ao debate político, levado a efeito pelo povo. O povo, em nossa visão, é composto de pessoas autônomas e responsáveis, capazes de pensamento moral e, destarte, aptos ao diálogo e a participação na tomada de decisões políticas6. Propomos um “constitucionalismo libertário” que inclui o pensamento popular no processo de formação do Direito. O Direito, assim considerado, não é um elemento de limitação do povo. A Constituição não existe para asfixiar a política, mas para fomentá-‐la. Nesse processo, o povo reivindica direitos e, numa espécie de movimento circular, se transforma7. 4. O que é a Constituição? Nossa Constituição contém diversas disposições, algumas de conteúdo preponderantemente formal. Assim, por exemplo, fixa a idade mínima para ser Presidente (art. 14), afirma que o IPTU é um imposto municipal (art. 156), estabelece que compete aos Estados explorar os serviços locais de gás canalizado (art. 25) etc. Essas disposições formais tendem a não gerar controvérsia. De outra parte, a Constituição também identifica valores que informam nossa sociedade e atribuem sentido à estrutura governamental. Esses valores – tais como igualdade, liberdade, dignidade, devido processo, autonomia privada, Estado laico etc. – guardam em si uma multiplicidade de significados8. Por isso, sua aplicação pode gerar intenso debate político. Ainda assim, haverá sempre uma necessidade – uma necessidade constitucional – de atribuir a esses valores conteúdo operacional e, quando estiverem em conflito, estabelecer prioridades. Todos nós, como cidadãos ou operadores do Direito, desempenhamos um papel nesse processo. E a discussão 6 CONSANI, Cristina Foroni. A crítica de Jeremy Waldron ao constitucionalismo contemporâneo.
Revista de Direito da UFPR, v. 59, 2014, p.17. 7DE CHUEIRI, Vera Karam. Constituição Radical: uma ideia e uma prática. Revista de Direito da UFPR, v. 58, 2013. 8 FISS, Owen W. The forms of Justice. 93 Harvard Law Review 1 (1979), p. 01.
acerca do significado desses valores viabiliza a formação do conteúdo da Constituição9. Em verdade, esses valores determinaram qualitativamente como serão fundadas diversas relações sociais. Em consequência, a determinação da sua extensão pertence, em última análise, ao povo. O número de vozes que atribuem significado a esses valores é tão abrangente quanto o número de atores sociais10. Evidentemente, o Poder Judiciário tem um papel importante no processo de formação do conteúdo desses valores constitucionais, porém não detém o monopólio do seu significado. Não há razão para seu silêncio, porém sua opinião não é absorvida em termos de “força”, mas de contribuição para o debate público11. Aliás, se os Tribunais constantemente impusessem significados constitucionais impopulares sobre os aspectos da vida que mais importam aos cidadãos, deixaríamos de reconhecer o Texto Maior como “nossa Constituição”, bem como a expressão constitucional “povo” restaria vazia de significado12. Acreditamos, contudo, que os Tribunais são capazes de dissuadir o povo a abraçar certas visões acerca de um significado constitucional. De outra parte , o povo é plenamente capaz de persuadir (até mesmo pressionar) o Poder Judiciário a adotar definições comunitárias sobre o significado da Constituição13. Por isso, muitas vezes, resistir, mesmo diante de uma decisão judicial proferida pelo STF, pode representar parte de um processo importante na formação do Direito Constitucional (constitutional backlash)14. Em que pese tais assertivas, provavelmente, transmitam ao leitor a impressão de que essa tensão afeta a legitimidade da Constituição, sustentamos exatamente o contrário. O referido conflito mantém a autoridade constitucional numa espécie de paradoxo.
9 Idem.
10 Idem. 11 Ibidem, p. 02. 12 POST, Robert C.; SIEGEL, Reva B. Democratic Constitutionalism..., p. 27-‐28. 13 POST, Robert C.; SIEGEL, Reva B. Democratic Constitutionalism..., p. 31. 14 SIEGEL, Reva B.: GREENHOUSE, Linda. Before (and After) Roe v. Wade: New Questions About Backlash, 120 YALE L.J.2028.
Nesse sentido, (a) o significado da Constituição depende da sua recepção democrática, da sua identificação com o povo; (b) por esse exato motivo, as pessoas reconhecem sua legitimidade como Lei e, a partir dela, reivindicam direitos; (c) esse processo, numa espécie de looping, transforma o significado jurídico do texto constitucional15. 5. Devemos interpretar ou debater a Constituição? Alguns manuais e docentes de Direito Constitucional lembram muito nossos professores de química do ensino médio explicando a tabela periódica. Eles afirmam que os elementos químicos estão divididos em grupos, que foram separados por uma classificação, que acima de cada elemento está seu número atômico etc. Em suma, eles ensinam como ler a tabela periódica, mas não falam do seu conteúdo (dos elementos químicos). No Direito Constitucional não é diferente. Professores adoram falar sobre classificações, dimensões, elementos e interpretação da Constituição. Entretanto, falam muito pouco da Constituição em si. Como afirmam Sara Solow e Barry Friedman, professores falam excessivamente sobre “como falar da Constituição” (how to talk about the Constitution), abstraindo seu conteúdo16. Entretanto, quando valores essencialmente constitucionais estão em jogo – como igualdade, liberdade, dignidade, devido processo etc. – a resposta às questões colocadas dependerá essencialmente de uma visão substancial do Direito. Senão vejamos. Observemos a questão discutida pelo STF no HC 70514: a constitucionalidade do prazo em dobro para recorrer no processo penal concedido à Defensoria Pública. Estava em discussão a violação ao devido processo legal. Seria justo com uma das partes oferecer o prazo em dobro para recorrer ao seu adversário? Segundo o STF sim – ao menos até que a Defensoria Pública alcance o nível de organização e estruturação do Ministério Público. Contudo, é importante observar que a resolução dessa controvérsia não depende do método interpretativo utilizado (unidade, concordância, máxima 15 POST, Robert C.; SIEGEL, Reva B. Democratic Constitutionalism..., p. 32-‐33. 16 SOLOW, Sara; FRIEDMAN, Barry. How to Talk about the Constitution, 25 Yale J. L/ & Human. 69 (2013)
efetividade etc.) ou da classificação da Constituição Federal de 1988 (promulgada, escrita, dirigente, programática etc.). O que está em discussão é uma visão substancial de direito sobre o que é “processo justo”. Acreditamos que, nesse caso, o STF andou bem, decidiu corretamente a questão. Apenas não concordamos com a ideia de que o STF tem sempre a última palavra sobre o que é processo justo, liberdade, igualdade, dignidade etc. Esses conceitos são alterados na medida em que a sociedade evolui e o senso comum é modificado. Por isso, afirmar que “o Direito é aquilo que os Tribunais dizem que é” constitui um equívoco. De igual maneira, talvez o Supremo Tribunal Federal não tenha “o direito de errar por último”, pois a extensão de uma decisão judicial, especialmente aquelas proferidas em sede de controle de constitucionalidade sobre assuntos controversos, depende muito da sua aceitação, em médio prazo, pela sociedade. Em suma, interpretar a Constituição é importante. Porém, o recurso excessivo a métodos hermenêuticos pode criar uma barreira para discussão mais ampla, que venha a incluir também a sociedade civil, sobre o conteúdo da Constituição. Nesse sentido, debater a Constituição, ouvindo o povo, constitui tarefa igualmente relevante. 6. A jurisdição constitucional é, em essência, contramajoritária? Em geral, estudiosos que elogiam o controle de constitucionalidade supõem que ele ostenta caráter contramajoritário, pois, na sua visão, os direitos previstos no texto constitucional existem para limitar a vontade da maioria. Acreditamos que essa premissa é falsa e que o controle de constitucionalidade, como regra, não se contrapõe às opções majoritárias. Para tanto, nos apoiamos em Barry Friedman ao estudar o que ele denomina de “constitucionalismo popular mediado”17. Assim, ao prosseguir, gostaríamos de propor ao leitor 04 (quatro) reflexões.
17 FRIEDMAN, Barry. Constitucionalismo Popular Mediado, Año 6 Revista Jurídica de la Universidad de Palermo (Argentina) 123-‐60 (2005).
(a) Em primeiro lugar, como alguém chega ao cargo de Ministro do STF? Ora, a resposta está no art. 101, parágrafo único, da Constituição Federal. Por indicação do Presidente da República. Como se sabe, o Presidente da República é eleito por voto popular (art. 77, § 2o, da CF). De certa forma, ele representa a ideologia vigente. Supomos que o Presidente da República costuma indicar para o cargo de Ministro do STF um jurista que siga sua linha ideológica ou pelo menos próxima. Então, por quê essa pessoa, que tem uma linha ideológica próxima a do Presidente, que por sua vez foi eleito pelo voto da maioria da população, teria incentivo tão grande para julgar contra o que a maioria do povo pensa? Parece-‐ nos, em princípio, que ele não tende a julgar contra o pensamento majoritário. (b) Em segundo lugar, consideremos a questão sob outra ótica. Sabemos que o objetivo da maior parte das ações em que há presença da judicial review é a declaração de inconstitucionalidade. Por isso, alguns autores asseveram que, no exercício da jurisdição constitucional, o Poder Judiciário se contrapõe à vontade da maioria expressa pelo Parlamento. Todavia, é importante ponderar que invalidar uma lei não significa ir contra a vontade da maioria simplesmente porque ela é oriunda do Poder Legislativo. O Congresso Nacional edita, por vezes, leis impopulares; age à revelia do seu eleitorado. E o reconhecimento da inconstitucionalidade dessas leis, por certo, não se apresenta como um fenômeno contramajoritário. Nessa trilha, autores como Corinna Barrett Lain denominam de upside-‐down judicial review o fenômeno pelo qual os agentes políticos eleitos, em certas situações, não estão em sincronia com a vontade da maioria da população e o Poder Judiciário corrige essa disfunção18. No Brasil, por exemplo, podemos citar o julgamento da ADI 4650, ainda em andamento, em que o STF discute o financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas. (c) Em terceiro lugar, não é demais considerar: por que um Tribunal Constitucional teria interesse em ver a opinião popular em seu desfavor? Ora, o Poder Judiciário também precisa de apoio popular, ainda que de maneira
18 LAIN, Corinna Barrett. Upside-‐Down Judicial Review, 101 Geo. L. J. 113 (2012).
peculiar. A opinião popular, além disso, pode proteger um Poder Judiciário sitiado19. Interessante lembrar que, quando o STF enfrentava a questão do nepotismo no julgamento da ADC 12 e na edição da súmula vinculante 13, havia forte resistência ao reconhecimento da inconstitucionalidade dessa conduta dentro do aparato estatal. A opinião popular foi importante para o reconhecimento da legitimidade da decisão do STF. (d) Em quarto lugar, será que atribuir caráter contramajoritário a um julgamento não pode ser questão de perspectiva? Estudemos um exemplo. Na ADPF 186 o STF enfrentou a questão relativa à constitucionalidade da política de cotas. O Pretório Excelso, em nossa visão corretamente, entendeu pela constitucionalidade dessa política pública sob o argumento de que “tem o objetivo de superar distorções sociais historicamente consolidadas”. Cremos que o STF apreendeu corretamente o significado do valor constitucional igualdade em sua acepção substancial. Apenas não acreditamos que se está diante de uma decisão contramajoritária. Recordamos, nesse sentido, que a política de cotas foi estabelecida pelos Poderes Executivo e Legislativo. O Poder Judiciário não determinou a criação do sistema de cotas, apenas confirmou a constitucionalidade de uma política pública anteriormente implantada. Ademais, é importante levar em consideração o potencial número de beneficiados por essa política pública. Há um percentual relevante da população brasileira que se considera afrodescendente; ou que frequentou escola pública; ou cuja situação econômica permite acesso ao sistema de cotas etc. E se a decisão beneficia (potencialmente) uma parcela considerável da população e, por extensão, suas famílias, não é exatamente contramajoritária. 7. À guisa de conclusão Acreditamos que, na maioria das vezes, quando valores fundamentais estão em discussão, os Tribunais Constitucionais decidem conforme a vontade da maioria. Até porque, caso assim não fosse, sofreriam retaliações: o Presidente da República nomearia Ministros com postura de contenção judicial, o Poder
19 FRIEDMAN, Barry. Constitucionalismo Popular Mediado..., p. 137.
Legislativo emendaria a Constituição em sentido contrário às decisões dos Tribunais etc. A preocupação em ouvir a população ainda se faz presente em decisões paradigmáticas que foram precedidas de consultas públicas – como a STA 175, referente ao fornecimento de medicamentos para tutela do direito à saúde. E existem diversos julgamentos que se orientam a partir de como o povo entende atualmente determinado conceito – como no HC 82424, caso Siegfried Ellwanger, em que se discutiu a definição de racismo. Além do mais, qualquer pessoa, ao assumir o cargo de magistrado, seja como juiz substituto ou como Ministro do STF, não renuncia sua cidadania. Ele continua a fazer parte do povo, vivendo em comunidade, motivo pelo qual é absolutamente normal que se identifique com anseios populares que são expressos através da opinião pública. Decidindo dessa forma, conforme a vontade da maioria, a Corte Constitucional, ao longo do tempo, constrói um apoio difuso – uma reserva de capital institucional. Esta, por certo, não será consumida com uma decisão impopular, mas não é infinita. Ou seja, o povo prefere conviver com um Poder Judiciário mais autônomo, tolerando inclusive que ele desempenhe papel contramajoritário, porém dentro de certos limites20. Como dissemos anteriormente, não sugerimos a satisfação das preferências políticas imediatas. É possível que o Poder Judiciário verifique, em alguns casos, que o debate constitucional não está sendo levado a efeito através de uma reflexão serena. Isto é, há dificuldade de acesso a informações relevantes e participação adequada de vários segmentos sociais. Por isso mesmo, o constitucionalismo deve ser entendido como um conjunto de princípios de acordo com os quais o povo está disposto a se governar ao longo do tempo21. Logo, uma decisão impopular não precisa ser instantaneamente aceita. Quando, no exercício do controle de constitucionalidade, o Poder Judiciário age de forma contramajoritária, o determinante será identificar
20 FRIEDMAN, Barry. Constitucionalismo Popular Mediado..., p. 153-‐155. 21 FRIEDMAN, Barry. Constitucionalismo Popular Mediado..., p. 128-‐129.
valores constitucionais que alcancem apoio popular num lapso temporal dilatado. Essa atuação do Poder Judiciário provocará uma ampliação do debate público. É como o capítulo de um livro que se abre e não uma obra que se encerra. A questão, então, consiste em saber se, a partir dessa nova etapa de reflexão, a decisão judicial sobre valores fundamentais pode, em médio prazo, ganhar aceitação. Em conclusão, a relação entre Tribunal Constitucional e povo não é impositiva de significado sobre valores, mas dialógica. A Suprema Corte não fala para si mesma, mas, sobretudo, para a sociedade22. E com ela constrói novos capítulos de uma história constitucional.
22 AARNIO, Aulis. Lo racional como razonable. Centro de Estudios Constitucionales: Madrid, 1991.
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