A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO: UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER
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UNIVERSIDADE FEEVALE ADRIANA DA SILVA FERREIRA A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO: UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER NOVO HAMBURGO 2015
ADRIANA DA SILVA FERREIRA A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO: UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER Trabalho
de
conclusão
de
curso
apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Publicidade
e
Propaganda
Universidade Feevale. Orientadora: Profª. Me. Daniela Santos da Silva NOVO HAMBURGO 2015
pela
ADRIANA DA SILVA FERREIRA Trabalho de Conclusão do Curso de Publicidade e Propaganda, com o título A construção da dominação legítima através do discurso: uma análise das enunciações de adolf hitler, submetido ao corpo docente da Universidade Feevale, como requisito necessário para a obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda. Aprovado por: ___________________________________ Prof.ª Me. Daniela Santos da Silva Professora Orientadora ___________________________________ Prof. Dr. Henrique Alexander Grazzi Keske Banca Examinadora ___________________________________ a Prof. Me. Tais Vieira Pereira
Banca Examinadora Novo Hamburgo, novembro de 2015.
Este trabalho é dedicado, com amor, à Ana (In Memorian). Minha irmã, que foi pra mim um grande exemplo de determinação, amor e alegria.
AGRADECIMENTOS Agradeço à minha família pais, irmã, sobrinha e cunhado pelo apoio e incentivo que sempre me deram. Em especial, à minha mãe e ao meu pai, que sempre fizeram tudo que podiam por mim, com amor e dedicação incondicionais. Ao meu namorado, que esteve o tempo todo ao meu lado, de forma compreensiva me dando todo o apoio e incentivo. Ás minhas amigas, que sempre me motivaram e compreenderam minha ausência no período de construção dessa pesquisa. E, principalmente à minha orientadora. Que abraçou esse trabalho comigo, com muito entusiasmo, carinho e dedicação. Foi um período muito prazeroso e de muito aprendizado, esse que passamos. Infinitamente obrigada!
RESUMO
Esta pesquisa parte do pressuposto de que a comunicação é um meio para que as pessoas atinjam seus próprios objetivos, afetando o contexto em que estão (BERLO, 1972). Dessa forma, mostrase relevante analisar como um indivíduo, a partir do discurso, amplia seu poder a ponto de obter a legitimação da dominação que pretende exercer. Para tanto, o presente trabalho tem como objetivo geral verificar como o discurso de Adolf Hitler pode ter contribuído para legitimar sua dominação sobre os alemães. Como objetivos específicos, elencase: investigar o contexto das enunciações de Hitler; verificar como o contexto dos interlocutores de Hitler pode ter os predisposto a legitimar a dominação; analisar as Formações Discursivas que revelam o sentido das mensagens de Hitler e verificar, com base em Max Weber, qual tipo de dominação Hitler exerceu. O tema é relevante para a Publicidade e Propaganda na medida em que essa atividade tem como propósito principal persuadir o públicoalvo através da mensagem. A Análise do Discurso, na perspectiva da escola francesa, serviu como procedimento metodológico. O corpus de análise foi composto pelos pronunciamentos de Hitler durante o 6ª Congresso do Partido Nazista, em 1934, registrados no documentário O Triunfo da Vontade , da cineasta Leni Riefenstahl. Para contextualizar as enunciações investigadas, construiuse um resumo da vida e trajetória política de Adolf Hitler e do partido Nazista, bem como da Alemanha e seu envolvimento na 1ª e na 2ª Guerras Mundiais. A partir disso, as Sequências Discursivas que compõem as Formações Discursivas das enunciações de Hitler foram examinadas, revelando a construção de sentidos de suas mensagens. Com base nos estudos realizados, concluiuse que Adolf Hitler exerceu dominações carismática e racionallegal, simultaneamente. Essas foram legitimadas pelo povo alemão a partir de motivações diversas no contexto de derrota na 1ª Guerra, como sentimento de humilhação, instabilidade política, desemprego, crise econômica e identitária, conjuntura europeia de preconceito racial e supervalorização da raça alemã. Tudo isso aliado à impressionante capacidade oratória de Hitler. Palavraschave: Adolf Hitler. Dominação Legítima. Análise de Discurso.
ABSTRACT
This study departs from the assumption that communication is a means intended for people to reach their own goals, affecting the setting in which they are (BERLO, 1972). Therefore, it is relevant to analyze how an individual, through discourse, enhances their power so as to legitimize the domination that they intend to enforce. For this purpose, this paper has the general objective of investigating how Adolf Hitler's speech may have contributed to legitimize his rule over the German people. As specific goals, we list: to investigate the context of Hitler's utterances; to verify how the context of Hitler's interlocutors may have predisposed domination to being legitimized; to analyze Discursive Formations that reveal the meaning of Hitler’s messages; and to verify, based on Max Weber, what type of domination Hitler exerted. This is relevant theme for Advertising as it chiefly aims at persuading a target audience through the message.The intent is to reflect critically on the use that (we) communicators make of persuasive communication. This includes the awareness that in Advertising, or in any other profession, what ones speaks and how it is spoken may really lead to changes, not always beneficial. The relevance of the subject matter in this study is centered on two aspects. From the perspective of an utterer, it is understood that this study may contribute to comprehend the power of communication and the responsibility of a communicator. From the perspective of an interlocutor, this study may contribute to understand how an interlocutor supports the legitimization of their own domination, strengthening the order of a certain speech. For the theoretical basis of the proposed investigation, an indepth study on communication, legitimate domination and speech was conducted. Discourse Analysis, from the perspective of the French school, served as a methodological procedure. The corpus of the analysis comprised Hitler’s speeches during the th 6 Congress of the Nazi Party, in 1934, recorded in the documentary Triumph of The Will , by film maker Leni Riefenstahl. To contextualize the investigated utterances, a summary was written about the life and political trajectory of Adolf Hitler and the Nazi Party, as well as Germany and its participation in World War I and II. Subsequently, Discursive Sequences comprising the Discursive Formations in Hitler’s utterances were examined, revealing the construction of meanings in his messages. Based on the studies conducted, it was concluded that Adolf Hitler exerted charismatic and rationallegal authority, simultaneously. These were legitimized by the German people due to several reasons in the context of World War I defeat, such as the feeling of humiliation, political instability, unemployment, economic and identity crisis, European situation of racial prejudice and overvaluation of the German race. All of this was associated with Hitler’s impressive rhetoric skills. Keywords: Adolf Hitler. Legitimate domination. discourse analysis
LISTA DE ABREVIATURAS AD
Análise de Discurso.
DAP
Partido dos Trabalhadores Alemães.
DSP
Partido Socialista Alemão.
E1
Enunciação número 1.
E2
Enunciação número 2.
E3
Enunciação número 3.
E4
Enunciação número 4.
E5
Enunciação número 5.
EUA
Estados Unidos da América.
FD
Formação Discursiva.
FD’s
Formações Discursivas.
JH
Juventude Hitlerista.
NSDAP
Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães.
PG
Povo em Geral.
POSDR
Partido Operário Social Democrata Russo.
AS
Sturmabteilung (em alemão); Tropa de Choque (em Português).
SD
Sequencia Discursiva.
SD’s
Sequencias Discursivas.
SPD
Partido Social Democrático da Alemanha.
SS
Schutztaffel (em alemão); Brigada de Defesa (em Português).
USPD
Partido Social Democrata Independente da Alemanha.
LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Corpus bruto de análise
Quadro 2 – Corpus primário de análise
Quadro 3 – Corpus de análise secundário
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 REFERENCIAL TEÓRICOMETODOLÓGICO
2.1 A DOMINAÇÃO SEGUNDO MAX WEBER
6
2.1.1 Dominação racionallegal
2.1.2 Dominação tradicional
2.1.3 Dominação carismática
2.2 O DISCURSO E A IDEOLOGIA
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 ANÁLISE DE DISCURSO
3.2 COLETA DOS DADOS E CONSTRUÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE
4 A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO
4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIOHISTÓRICA
4.1.1 Hitler e a Alemanha Como tudo começou
4.1.2 A trajetória política de Hitler
4.1.3 A consolidação do poder e o declínio de Hitler
4.2 A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO DE ADOLF HITLER
4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DOS DISCURSOS DE ADOLF HITLER
9
INTRODUÇÃO O homem não é autossuficiente, ele comunicase com os demais a fim de atingir seus próprios interesses, e dessa forma, poder viver e sobreviver (BERLO, 1972). Além disso, de acordo com o autor, a capacidade de comunicação do homem é que permite a organização e vida em sociedade. Dessa forma, compreendese que a comunicação carrega sempre algum interesse. Na área da Publicidade e Propaganda, isso fica ainda mais evidente, pois o objetivo central é convencer o público, por meio da mensagem, a comprar o produto, conhecer a marca, contratar o serviço etc. A fim de atingir esse objetivo, a primeira etapa da construção do trabalho é decidir que mensagem será utilizada. Essa definição da mensagem ocorre considerando o que deve ser dito, como será dito, para quem será dito e em que momento será dito. A fim de identificar a melhor mensagem, que seja capaz de persuadir o público. Após uma reflexão sobre esse processo, concluiuse que a mensagem é o mais relevante para o atingimento do objetivo de comunicação. Essa reflexão levou à definição do tema de pesquisa e à escolha do discurso como a forma de comunicação a ser estudada. Isso porque percebeuse nesse tipo de comunicação a essência do processo comunicional; em um discurso, o foco está na articulação das palavras, no orador e em seus interlocutores. O gosto da autora por História e, principalmente, o reconhecimento de que Adolf Hitler foi alguém que utilizou a palavra como principal ferramenta para atingir seus próprios objetivos, levaram à escolha do discurso desse político como objeto de pesquisa. Sabese que Hitler conseguiu convencer milhares de pessoas a seguirem, por vontade própria, os seus ideais. Ou seja, ele conseguiu dominar com legitimidade. A relevância do tema dessa pesquisa se centra em dois aspectos. Primeiramente, da perspectiva de um enunciador, entendese que essa pesquisa poderá contribuir para a compreensão sobre o poder da comunicação. O intento é levar a uma reflexão crítica sobre o uso que (nós) os comunicadores fazem dela. Isso inclui a ciência de que, na Publicidade e Propaganda, ou em qualquer outra profissão, o que se fala e como se fala pode realmente ocasionar mudanças, nem sempre positivas. A responsabilidade de um comunicador é, portanto, imensa. O segundo aspecto relevante é do ponto de vista do interlocutor. Dessa perspectiva, esta pesquisa poderá contribuir para a compreensão de como o interlocutor contribui para a legitimação da sua própria dominação. Isto é, quando um indivíduo confia em
determinado discurso, e decide por vontade própria seguir o que está sendo proposto, ele está na realidade legitimando as orientações do enunciador. Com essa participação ativa do interlocutor, legitimase a orientação dada por aquela fala, tornandoa mais forte. Cabe ressaltar que os casos de dominação através do discurso não ocorrem somente na publicidade ou na política (como é o caso de estudo dessa pesquisa), mas também, em diversos outros contextos, como de religião, de educação, familiar, enfim. A relevância desse estudo, não se dá, portanto, em um contexto específico. Mas sim, em qualquer relação de dominação legitima, com o uso de comunicação. Para atingir esse objetivo foram traçados os seguintes objetivos específicos: (a) investigar o contexto das enunciações de Hitler; (b) verificar como o contexto dos interlocutores de Hitler pode ter os predisposto a legitimar a dominação; (c) analisar as Formações Discursivas que revelam o sentido das mensagens de Hitler; e (d) verificar, com base em Max Weber, qual tipo de dominação Hitler exerceu. Quanto aos procedimentos adotados para a realização do estudo, iniciouse pela construção do embasamento teóricometodológico sobre dominação legítima e discurso, através de uma pesquisa bibliográfica. Para fundamentar o processo de comunicação, utilizouse Berlo (1960; 1972), que explica o vínculo da comunicação e a busca dos indivíduos pelo atingimento de seus interesses. Foi com base nas ideias desse autor que se estabeleceu a relação entre dominação legitima e discurso. Max Weber (2000), principal estudioso sobre as relações sociais de dominação, foi utilizado para embasar esse tema. Ele define os tipos de dominação que um indivíduo pode exercer sobre os demais, bem como as circunstâncias em que elas podem ocorrer. Isso permitiu verificar qual tipo de dominação Adolf Hitler exerceu sobre o povo alemão. As ideias de Milton José Pinto (1999) e Eni Orlandi (2007) foram utilizadas na fundamentação da variável discurso, da perspectiva de AD. José Fiorin (2001) contribui com o entendimento sobre a presença da ideologia nos discursos. Além disso, a pesquisa bibliográfica contribuiu para a contextualização sócio – histórica do discurso de Hitler. Utilizouse, principalmente, Ian Kershaw (2010) e Ribeiro Jr (2001), para embasar a situação em que Hitler escreveu e proferiu o seu discurso. Com essa pesquisa, construiuse também um breve resumo da história de vida de Hitler, a situação da Alemanha desde a 1ª guerra mundial e toda a trajetória política do partido Nazista. Realizouse também, uma pesquisa documental, para a busca dos discursos de Hitler.
Inicialmente, buscouse os discursos transcritos em livros, na integra e em português. Encontrouse, porém, alguns livros com partes do discurso. Mas, com base nos estudos previamente realizados, entendeuse esses recortes como superficiais e tendenciosos. Portanto, optouse por não utilizálos. Diante da dificuldade de localizar os discursos transcritos de uma fonte confiável, a orientadora dessa pesquisa, sugeriu que fosse considerado o documentário, O Triunfo da Vontade . O qual possui registros de discursos de Adolf Hitler. O filme foi produzido a pedido de Hitler pela diretora Lei Rienfesthal e registra o 6ª Congresso do Partido Nazista, em Nuremberg. O objetivo desse documentário era mostrar ao povo alemão a grandiosidade do governo de Hitler que, naquele momento, estava há um pouco mais de um ano e meio na gestão e como esse já estava causando melhorias consideráveis no país. A participação em massa dos alemães nos comícios registrados na película, bem como, a alegria e empolgação do povo ao ver o Führer ( líder , em alemão), revelaram também o apoio da população a Hitler e ao seu regime. Portanto, considerando a confiabilidade desse documentário bem como a sua relevância histórica, os enunciados apresentados nele foram submetidos à análise. Como último procedimento metodológico, valeuse da Análise de Discurso (AD), da perspectiva da escola francesa. Optouse pela análise discurso tradicionalmente francesa, pela forma como ela considera o discurso. Nessa linha de AD, o discurso é uma interação entre o enunciador (sujeito que produz e reproduz o discurso) e seus interlocutores, eles se relacionam através da construção de sentidos, sendo influenciados e, ao mesmo tempo, influenciando o contexto. O embasamento teórico de AD nessa linha se deu principalmente pelos autores Milton José Pinto (1999) e Eni Orlandi (2007). Dessa perspectiva, entendeuse que compreender o significado das palavras que compõem uma fala ou um texto não são suficientes para que se compreenda a real mensagem de um discurso. É necessário conhecer o contexto e a ideologia da enunciação, do enunciador e de seu interlocutor, para assim, compreender o sentido da mensagem. Isto é, a construção e a compreensão do real sentido da mensagem de um discurso depende, e é influenciado, por esses fatores. Esses sentidos presentes no discurso são revelados através das Formações Discursivas, que são formadas por Sequências Discursivas. Esta monografia está organizada em três etapas. A inicial apresenta o embasamento teórico metodológico, com as definições das variáveis dominação legitima, discurso e ideologia. A segunda apresenta os procedimentos metodológicos adotados para a realização
da pesquisa, que são a pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e análise de discurso. Por fim, expõese a contextualização sócio histórica dos enunciadores e das enunciações, realizase a análise e apresentase as considerações finais da pesquisa.
2 REFERENCIAL TEÓRICOMETODOLÓGICO Neste capítulo é apresentado o embasamento teóricometodológico utilizado na compreensão das principais variáveis presentes no tema desta pesquisa: dominação legítima e discurso. Na fundamentação sobre dominação legítima, são apresentados os conceitos de Max Weber, principal estudioso do tema. O autor explica as relações de dominação, o contexto em que ocorrem e suas características, bem como, os três principais tipos de dominação encontrados em sociedade. Em seguida, trazse as ideias de Berlo (1960; 1972) sobre o processo de comunicação, com foco na necessidade que os indivíduos possuem de se comunicar para atenderem objetivos próprios e, assim, poderem viver e sobreviver em sociedade. Por fim, são expostos os conceitos relativos à Análise do Discurso por meio dos estudos de Orlandi (2007) e Pinto (1999). Esses são complementados, através de Fiorin (2001), com a definição de ideologia e o modo como ela se faz presente no discurso. 2.1 A DOMINAÇÃO SEGUNDO MAX WEBER Max Weber (18641920) sistematizou a discussão a respeito da dominação em seu ensaio sobre sociologia compreensiva chamado Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Publicada postumamente em 1920, a obra foi construída através de escritos deixados pelo autor. Em resumo, podese afirmar que, nesse estudo, Weber visou o entendimento das relações sociais estabelecidas em sua época. Para tanto, investigou primeiramente as ações dos indivíduos (micro ambiente) para, então, compreender a sociedade (macro ambiente). Para o autor, é através das atitudes racionais dos indivíduos que se constrói a sociedade. É dentro desse estudo que, entre diversos tipos de relação possíveis entre indivíduos e entre indivíduo e sociedade, Weber apresenta a dominação legítima, tema de fundamental relevância para o desenvolvimento do presente trabalho (OLIVEIRA, 2008). A apreensão das ideias do autor passa pela compreensão da diferença entre poder, dominação, obediência e disciplina: Poder significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade. Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis; disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática a uma ordem, entre uma
pluralidade indicável de pessoas, em virtude de atividades treinadas. (WEBER, 2000, p. 33).
As diferentes situações de dominação podem ser baseadas, segundo Weber (2000), em motivos distintos: afetivo, racional (por ideais e valores) ou interesses materiais. A origem de cada motivo é o que define, de maneira ampla, o tipo de dominação existente em determinada relação social. Porém, motivos naturalmente afetivos ou materiais não bastam para manter a dominação, de alguma forma, todos buscam despertar a crença em sua legitimidade. A legitimação da dominação é construída na relação entre dominador e dominado, na medida em que o último decide se submeter ao primeiro, entendendoo como uma fonte válida de poder. Segundo Weber (2000), o dominado pode submeterse a tal situação motivado por razões internas como entrega sentimental, racional ou religiosa – e, também, (ou somente) pelo interesse em determinadas consequências externas. Assim, segundo Max Weber (2000), existem três tipos principais de dominação legitima: de caráter racional, de caráter tradicional e de caráter carismático. Todas serão apresentadas a seguir. 2.1.1 Dominação racionallegal A dominação legal , segundo Weber (2000), apresenta caráter racional e se baseia na obediência às normas de determinado contexto, que devem ser seguidas por todos aqueles indivíduos que dele fizerem parte. Através dessas normas é organizada uma hierarquia: as ordens dos ocupantes dos cargos superiores são obedecidas por todos os indivíduos que ocupam cargos inferiores. É importante frisar que, nesse caso, a obediência ao indivíduo “superior” se dá devido à representatividade de sua posição na estrutura hierárquica, não devido às suas características pessoais. Esse tipo de dominação é relatada por Pagès et al. (1993, p. 48) quando discutem a criação de regras nas organizações: A direção mundial elabora as políticas a serem seguidas, define os objetivos a serem atingidos nos diferentes estágios do processo econômico (pesquisa, produção, venda) e assegura a utilização das funções facilitando sua realização (administração, publicidade, relações públicas, gestão do pessoal, etc.).
Para cada política, de acordo com esses autores, as condições de realização dos objetivos são estabelecidas por regras especificadas em manuais. Tais regras fixam as
atribuições de cada indivíduo, as formas de avaliação das suas ações, as formalidades administrativas concorrentes a cada operação etc. É nesse sentido que Weber (2000, p. 143) indica que a dominação legal é característica das sociedades ocidentais modernas e é sustentada por algumas condições essenciais: estar ligada a um exercício contínuo, dentro de regras determinadas e funções oficiais, por um período préfixado, em um contexto limitado e com delimitação dos atos coercivos dentro do que for aceitável e devidamente contextualizado. O exercício de poder que se organiza dessa forma é chamado de autoridade institucional: 'Autoridade institucional' existe, neste sentido, naturalmente em grandes empresas privadas, partidos, exércitos, do mesmo modo que no ‘Estado' e na ‘igreja'. Assim, também, no sentido dessa terminologia o presidente eleito do Estado (ou o colégio dos ministros ou dos 'representantes do povo’ eleitos) é uma 'autoridade institucional'. (WEBER, 2000, p. 143).
Conforme o autor, relacionadas à autoridade institucional estão outras condições que também são necessárias para a caracterização da dominação como racionallegal: ● O princípio da hierarquia oficial, ou seja, a “organização de instâncias fixas de controle e supervisão para cada autoridade institucional com o direito de apelação ou reclamação das subordinadas às superiores” (WEBER, 2000, p.143); ● A existência de regras (regras técnicas ou normas) que, na sua aplicação, exige qualificação profissional. Os indivíduos classificados como possuidores das qualificações necessárias são aceitos no contexto organizacional como funcionários, formando assim o seu quadro administrativo; ● Há separação entre o quadro administrativo e os meios de administração e produção, ou seja, os funcionários não possuem os meios materiais de produção e de administração, mas o utilizam para a execução de seu trabalho e de suas responsabilidades; ● Todos os direitos e deveres são relacionados ao cargo (não ao detentor de tal cargo) e são necessários para garantir a execução de determinada função no ambiente de trabalho; ● O princípio da documentação, em que todos os acordos, normas, requisitos, decisões, ordenações e disposições de todas as espécies são documentadas. Ainda sobre a concepção das regras, Pagés et al. (1993, p. 51) afirmam: “É pelo meio indireto da elaboração de regras dinâmicas que a centralidade da organização é mantida e
dessa forma o poder da direção central”. Ou seja, é através da criação de normas e regras que a autoridade (o líder) é instituída e, através disso, a dominação é efetivada. No tipo puro da dominação em questão, segundo Weber (2000), somente a autoridade da organização detém a posição de senhor, concedido por denominação, sucessão, eleição ou apropriação. As funções senhoriais são, também, consideradas competências legais exercidas através do quadro administrativo burocrático, formado pelos funcionários. Estes se caracterizam, segundo Weber (2000), como pessoas livres que obedecem somente às obrigações do seu cargo. Elas são nomeadas dentro de uma hierarquia de cargos e têm competências funcionais fixas, determinadas em contrato, com base em seleção livre segundo a qualificação profissional (verificada por provas ou comprovada por diplomas). Os funcionários recebem um salário para execução de suas funções, determinado de acordo com a posição hierárquica do seu cargo, podendo ser demitidos ou pedir demissão. Exercem seu cargo como profissão e têm a perspectiva de carreira por promoção, eficiência ou os dois, de acordo com as regras do superior. Por fim, os funcionários trabalham em separação absoluta dos meios administrativos e sem apropriação do cargo, ficando submetidos a um sistema de controle e disciplina do serviço. Weber (2000) esclarece que a dominação calcada no quadro administrativo burocrático representa a tendência ao nivelamento dos profissionalmente mais qualificados, visto que apenas os poucos indivíduos bem dotados financeiramente buscam e atingem a qualificação exigida. Tratase da dominação da impessoalidade, em que tudo é feito apenas por dever, sem paixão ou entusiasmo. A administração burocrática, presente em praticamente todas as áreas (igrejas, estados, empresas e associações, entre outras formas de organização), é o que garante as condições necessárias para a existência do sistema capitalista, oferecendo uma “administração contínua, rigorosa, intensa e calculada”, tida “como núcleo de toda administração de massas” (WEBER, 2000, p. 146). É o tipo de dominação mais racional existente, permitindo também o funcionamento do Estado Moderno. Nesse contexto, é possível ao dominado se defender da burocracia administradora dominante saindo de sua posição e criando a sua própria organização. Esta, porém, igualmente precisará submeterse a burocracia. De acordo com Pagés et al. (1993, p. 61), “para determinar a extensão do poder do criador da regra, não é necessário examinar em detalhe suas características particulares, o
poder não reside na própria regra, mas no movimento que a institui e nas modalidades e sua utilização”. Esse apontamento já havia sido feito por Weber (2000, p. 147) quando afirmou que a “administração burocrática significa: dominação e virtude de conhecimento; este é seu caráter fundamental especificamente racional”. Isso significa que não basta a posição de poder dada ao indivíduo devido ao seu conhecimento profissional. A burocracia também eleva esse poder através do poder prático do seu exercício, ou seja, os conhecimentos adquiridos pelo exercício da função ou obtidos por documentações. Rezende (1984, p. 82), por sua vez, afirma que “a universidade adota semelhante atitude de dominação ao admitir que os títulos universitários conferem poder: 'saber é poder’”. Na situação em que o professor aplica uma prova ao aluno, por exemplo, o professor se encontra em posse do saber absoluto e o aluno, com o não saber. “Nesse contexto, o professor aparece não como alguém que produz o saber, mas como alguém que o controla através dos exames” (REZENDE, 1984, p. 82). Portanto, podese compreender que a essência da burocracia racional está no formalismo e na tendência dos funcionários de buscarem qualificação para a execução de suas tarefas, submetendose às regras e normas impostas e, assim, mantendo a continuidade da administração burocrática. 2.1.2 Dominação tradicional Diferentemente da dominação legal, a dominação tradicional tem sua legitimidade na crença, na santidade de ordens e poderes tradicionais, que existem “desde sempre” (WEBER, 2000, p. 148). Esse tipo de dominação tem o senhor (ou senhores) denominado em função de atributos embasados em regras tradicionais, as quais são obedecidas devido à dignidade pessoal da liderança, recebida pela tradição. De acordo com o autor, os dominados são uma associação de devotos que compartilham princípios comuns de educação e são considerados companheiros tradicionais ou súditos do dominador. Este é considerado um senhor pessoal, e seu quadro administrativo se compõe primariamente de servidores pessoais. A fidelidade pessoal do servidor é tida, portanto, como decisiva na relação entre dominado e dominador.
Na dominação tradicional não há estatutos ou regras a serem obedecidas, o que há é um senhor denominado pela tradição. Suas ordens são legitimadas de duas maneiras: […] em parte em virtude da tradição que determina inequivocadamente o conteúdo das ordens, e da crença no sentido e alcance destas, cujo o abalo por transgressão dos limites tradicionais poderia pôr em perigo a posição tradicional do próprio senhor; em parte em virtude do livre arbítrio do senhor, ao qual a tradição deixa espaço correspondente. (WEBER, 2000, p. 148).
Para Weber (2000, p. 148), o livre arbítrio senhorial tem base na ausência de limitações, o que, por princípio, descreve a obediência em virtude do dever da piedade, ocasionando um duplo domínio: “da ação do senhor materialmente vinculada à tradição, e da ação do senhor materialmente independente da tradição”. No segundo caso, o senhor se 1
manifesta livremente sobre a graça ou desgraça do dominado com julgamentos puramente pessoais, sem nenhuma regra ou norma formal. Isso reforça a ideia de que o indivíduo escolhe submeterse ao dominador, nesse caso, motivado pela crença que nele possui. Nesse tipo de relação social, quando ocorre resistência por parte do dominado, essa normalmente não se dá com relação ao sistema tradicional, mas sim, frente à pessoa do senhor, que pode ter desrespeitado os limites do seu poder. Assim, novos direitos ou princípios só se legitimam com a pretensão de terem sido vigentes desde sempre ou quando são reconhecidos como fruto do dom de sabedoria senhorial (WEBER, 2000). Weber (2000) indica que a dominação tradicional é operacionalizada com ou sem quadro administrativo. Quando há um quadro administrativo, esse é composto por: Pessoas tradicionalmente ligadas ao senhor, por vínculo de piedade ('recrutamento patrimonial'): membros do clã; escravos; funcionários domésticos dependentes, particularmente seguidores de algum ministério; cliente; colonos; libertados; ('recrutamento extrapatrimonial’): relações pessoais de confiança (‘favoritos' independentes, de todas as espécies); ou pacto de fidelidade com o senhor legitimado; funcionários livres que entram em relação de piedade para com o senhor. (WEBER, 2000, p. 148, 149).
O que diferencia os dois tipos de dominação tradicional com quadro administrativo é a forma de recrutamento dos dominados. Na dominação tradicional patrimonial há um vínculo de piedade comum, enquanto na dominação tradicional extrapatrimonial o vínculo é de confiança. Por outro lado, em ambos os casos se encontram faltantes (a) a competência fixa segundo normas objetivas; (b) a hierarquia racional fixa; (c) a nomeação regulada por 1
Kant ( apud WEFFORT, 1998, p. 53) define liberdade como a ausência de determinações externas do comportamento, considerando que “nos seres racionais a causa das ações é o seu próprio arbítrio (por oposição ao mero desejo ou inclinação que não são objetos de escolha)”.
contrato; (d) a formação profissional como norma e (e) o salário fixo ou apenas salário pago em dinheiro. Porém, todas essas lacunas existentes na forma de dominação tradicional com e sem quadro administrativo são preenchidas pelas decisões do senhor. Como mencionado, a dominação tradicional pode se estabelecer também sem que haja um quadro administrativo. Nesse caso, a dominação tradicional pode se efetivar através da gerontocracia ou do patriarcalismo primário. De acordo com Weber (2000, p. 151): Denominase gerontocracia a situação em que, havendo alguma dominação dentro da associação, esta é exercida pelos mais velhos (originalmente, no sentido literal da palavra: pela idade), sendo eles os melhores conhecedores da tradição sagrada. A gerontocracia é encontrada frequentemente em associações que não são primordialmente econômicas ou familiares. É chamada patriarcalismo a situação em que, dentro de uma associação (doméstica), muitas vezes primordialmente econômica e familiar, a dominação é exercida por um indivíduo determinado (normalmente) segundo regras fixas de sucessão.
Dessa maneira, compreendese que, sem a existência de um quadro administrativo, a dominação tradicional se dá de duas maneiras: quando se tem o membro mais velho como o dominador (gerontocracia), ou quando o dominador é denominado através de regras fixas de sucessão (patriarcalismo). Segundo Weber (2000) é possível que os dois tipos de dominação tradicional sem quadro administrativo coexistam. Porém, de qualquer forma, é determinante, em ambos os casos, que o poder seja orientado pelo interesse do dominado em usufruir da sabedoria do dominador, não sendo o dominador a se apropriar livremente desse direito. Portanto, é a ausência total de quadro administrativo e a dependência do dominador no interesse de obedecer do dominado que determinam essa situação. Os associados ainda são, portanto, companheiros', e não 'súditos'. Mas são 'companheiros' em virtude da tradição, e não 'membros' em virtude de estatutos. Devem obediência ao senhor e não a regras instituídas. Mas ao senhor apenas a devem de acordo com a tradição. O senhor, por sua parte, está estritamente vinculado à tradição. (WEBER, 2000, p. 151).
Há ainda, segundo Weber (2000, p. 152), o tipo de dominação tradicional estamental, em que “determinados poderes de mando e as correspondentes oportunidades econômicas estão apropriados pelo quadro administrativo”. Ou seja, a dominação tradicionalestamental é efetivada sobre uma associação, um grupo de indivíduos ou por apenas um indivíduo, bastando que estes pertençam ao quadro administrativo possuidor dos poderes de mando. As principais características da dominação tradicional estamental são: a limitação da livre seleção do quadro administrativo, que é sempre realizada pelo senhor; a existência de
uma associação ou de uma camada social estamentalmente qualificada; ou a apropriação dos cargos, meios e poderes, por parte quadro administrativo, que podem repousar em arredondamento, penhora, venda, privilégio pessoal, associação ou camada estamentalmente qualificada ou feudos (WEBER, 2000). Quando, por compromisso com o senhor, indivíduos privilegiados por poderes estamentais criam estatutos (políticos, administrativos ou ambos), disposições administrativas ou medidas de controle da administração, ocorre o que Weber (2000) denomina como divisão estamental de poderes. Ainda de acordo com Weber (2000), compreendemse por feudos, os poderes de mando conferidos originalmente por contrato a pessoas individualmente qualificadas, portadoras de direitos e deveres recíprocos com o dominador e orientadas por conceitos de honra estamental. Em um quadro administrativo originalmente mantido por meio de feudos, temse um feudalismo de feudo (WEBER, 2000). A dominação tradicional possui forte ligação com as relações econômicas, isso porque, de acordo com Weber (2000, p. 156), “costuma atuar sobre as formas de gestão econômica, em primeiro lugar e de modo muito geral, mediante certo fortalecimento das ideias tradicionais”. Nesse aspecto, destacamse as dominações gerontocrática e a patriarcal, pois não se apoiam em um quadro administrativo particular do senhor, que, para manter sua legitimidade, depende unicamente da observação da tradição. Para atuar sobre a economia, a dominação tradicional depende de um formato específico de finanças determinado pela parte dominadora. Nesse sentido, Weber (2000) traz alguns desses modos específicos: ● Quando os servidores do senhor têm suas necessidades providas mediante prestações em espécie e serviços pessoais: as relações econômicas estão vinculadas à tradição, o desenvolvimento do mercado é bastante dificultado e o uso de dinheiro é orientado pelo consumo, o que possibilitou o nascimento do capitalismo; ● Quando o provimento das necessidades dos servidores e do senhor, privilegiam determinados estamentos: o desenvolvimento do mercado fica limitado pela queda da “capacidade aquisitiva”. Essa ocorre em virtude das exigências da associação dominadora em relação a propriedade e à capacidade das economias individuais;
● Quando há uma relação monopolista, com o provimento das necessidades do senhor e dos servidores determinado por taxas e por impostos: o desenvolvimento do mercado é irracionalmente limitado, dependendo da natureza dos monopólios. As maiores oportunidades aquisitivas encontramse nas mãos do senhor ou de seu quadro administrativo. Nessa condição, o capitalismo está impedido (em caso de direção completa da administração) ou desviado para o âmbito do capitalismo político (no caso de existirem como medidas financeiras o arredondamento ou a compra de cargos, bem como o recrutamento capitalista de exércitos ou funcionários administrativos). No patrimonialismo e no sultanismo, a economia fiscal atua de modo irracional, mesmo com a presença da economia monetária. Isso, segundo Weber (2000), ocorre em virtude da coexistência de um vínculo tradicional com as fontes tributárias diretas. Ocorre também devido à liberdade completa quanto à extensão e natureza da fixação de taxas, impostos e criação de monopólios. Outros motivos são a falta da possibilidade de calcular as cargas tributárias e o grau de liberdade das atividades aquisitivas privadas, necessárias para racionalizar a economia. No caso da divisão estamental dos poderes, a política financeira tem, segundo Weber (2000), a particularidade de impor cargas tributárias fixadas por compromisso e, portanto, calculáveis. Com isso, o poder do senhor é limitado, evitandose que ele crie impostos e monopólios apenas por sua vontade. Ainda segundo o autor, o patrimonialismo inibe a economia racional por conta de sua política financeira e de suas características de administração. Isso é perceptível na dificuldade que o tradicionalismo coloca à existência de estatutos formalmente racionais, na ausência típica de um quadro administrativo com qualificação profissional formal, no amplo espaço que é deixado para a vontade do senhor e de seu quadro administrativo e na tendência à regulação materialmente orientada para a economia, com sua consequente quebra de racionalidade formal. Tal irracionalidade econômica é decisiva no patrimonialismo hierocraticamente orientado, enquanto no sultanismo é decisiva para a arbitrariedade fiscal. 2
Portanto, conforme Weber (2000), ainda que diversas formas de capitalismo estejam enraizadas em poderes patrimoniais, o mesmo não ocorre com o empreendimento aquisitivo 2
São exemplos o capitalismo comercial, capitalismo de arredondamento de impostos e cargos, capitalismo baseado em fornecimento de bens ao Estado ou financiamento de guerras, capitalismo de plantações e o capitalismo colonial.
orientado pela situação do mercado dos consumidores privados. Esse se caracteriza pelo capital fixo e pela organização racional de trabalho livre — sendo, portanto, sensível às irracionalidades da justiça, da administração e da tributação, que atrapalham a possibilidade de cálculo. O autor ressalta ainda que o empreendimento aquisitivo orientado pelo mercado dos consumidores privados só não ocorre quando o senhor patrimonial, por interesses financeiros ou próprios do poder, recorre à administração racional com profissionais qualificados. Mediante um motivo que justifique tal circunstância, ocorre uma formação profissional e um processo peculiar: a incorporação de associações comunais urbanas (que governavam a si próprias) aos poderes patrimoniais concorrentes, com o apoio de sua potência financeira. 2.1.3 Dominação carismática A dominação carismática ocorre quando o dominador se utiliza de seu carisma com a pretensão de dominar. Weber (2000, p. 158, 159) define carisma como: […] uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobrehumanos, ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a torna como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder.
Um importante registro é o fato de Weber (2000) ressaltar que, para caracterizar a dominação como carismática, não se deve considerar o carisma do ponto de vista ético ou estético, por exemplo. Um indivíduo possuir carisma ou participar de situação carismática também não é, por si só, determinante para a legitimação desse tipo de dominação. O que deve ser levado em conta é como essa característica é entendida pelos carismaticamente dominados, também chamados de adeptos. De acordo com o autor, o livre reconhecimento do carisma pelos dominados é o que decide a validade do carisma, solidificado através de provas (inicialmente milagres, entrega de revelações, veneração de heróis ou confiança do líder). Nas palavras de Weber (2000, p. 159), “psicologicamente, esse reconhecimento é uma entrega crente e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança”. No caso de faltar ao dominador a “sua força mágica ou heroica, se lhe falha o sucesso de modo
permanente e, sobretudo, se sua liderança não traz nenhum bem estar aos dominados”, a dominação carismática pode se dissolver, pois perde seu sentido. O quadro administrativo do senhor carismático é selecionado segundo qualidades igualmente carismáticas: “ao 'profeta' correspondem os 'discípulos'; ao 'príncipe guerreiro', o 'séquito'; ao 'líder', em geral os 'homens de confiança'” (WEBER, 2000, p. 160). A nomeação é feita segundo inspiração do líder, devido à qualidade carismática invocada. Por não haver hierarquia, não existe a possibilidade de carreira ou ascensão, somente a intervenção do líder quando necessário, definindo encarregados de carisma limitado. Só há limitações espaciais ou objetivamente condicionadas do carisma e da missão. Os liderados não recebem salário nem prebenda, assim, vivem com o senhor em comunismo de amor e camaradagem. Há, também, a criação de direito através do juízo de Deus e revelações. Materialmente, porém, aplicase a toda dominação carismática genuína a frase: 'Está escrito – mas em verdade vos digo'. O profeta genuíno, bem como o príncipe guerreiro genuíno e todo líder genuíno em geral, anuncia, cria, exige, mandamentos novos – no sentido originário do carisma: em virtude de revelação, do oráculo, da inspiração, ou então de sua vontade criadora concreta, reconhecida, devido a sua origem, pela comunidade religiosa, guerreira, de partido ou outra qualquer. (WEBER, 2000, p. 160).
O reconhecimento do líder, portanto, é um dever. Quando entre dois indivíduos há a pretensão de validade carismática, essa é decidida em uma disputa pela liderança, reconhecida obrigatoriamente por parte da comunidade ou por meios mágicos. A dominação carismática rejeita em seu tipo puro, segundo Weber (2000), o aproveitamento econômico dos dons divinos como fonte de renda, pois reconhece que o carisma se estabelece onde existe vocação, missão, tarefa intima. Porém, isso é mais um ideal do que uma realidade, pois em cada situação de dominação há um interesse, como cita Weber (2000, p. 161): O herói de guerra e seu séquito procuram espólio, o dominador plebiscitário ou líder carismático de partido busca meios materiais ara assegurar seu poder; o primeiro, além disso, procura o esplendor material de sua dominação para firmar seu prestigio de senhor.
O que ignorase nesse caso é, portanto, a forma comum de receita racional ou tradicional através de atividade econômica. O suprimento das necessidades carismáticas ocorre, segundo Weber (2000), por patrocínio (gorjetas, doações, corrupção), esmolas, herança ou extorsão (violenta ou pacífica).
Na citação a seguir, o autor esclarece como se dá a ação do carisma sobre os indivíduos e a sociedade. Weber (2000, p. 161) compara a dominação carismática ao tradicionalismo, uma vez que esse também possui a capacidade de causar mudanças na direção da consciência e nas ações dos indivíduos. O carisma é a grande força revolucionária nas épocas com forte vinculação à tradição. Diferente da força também revolucionária da ratio , que ou atua de fora para dentro pela modificação das circunstâncias e problemas da vida e assim, indiretamente das respectivas atitudes , ou então por intelectualização, o carisma pode ser uma transformação com ponto de partida íntimo, a qual, nascida de miséria ou entusiasmo, significa uma modificação da direção da consciência e das ações, com orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas de vida e diante do ‘mundo’, em geral. Nas épocas préracionalistas, a tradição e o carisma dividem entre si a quase totalidade das direções de orientação das ações.
Quando, por qualquer motivo, não se tem mais o portador do carisma, surge espaço para sucessores. O modo como isso se resolve “[...] é essencialmente decisivo para a natureza geral das relações sociais que então se desenvolvem” (WEBER, 2000, p. 162). Como possíveis soluções para a determinação de uma nova pessoa para ocupar o papel de liderança, mantendo a rotina do carisma, o autor aponta: 1. Alguém possuidor de determinadas características e de carisma. Nesse caso, a legitimidade está ligada a regras que são as características que o dominador deve ter, ou seja, a tradicionalização do perfil do líder; 2. Revelação, juízo de Deus ou outras técnicas de seleção. Nesse caso, a legitimação ocorre de forma técnica (legal); 3. Definição, por parte do dominador anterior, com o amparo do reconhecimento da comunidade. Assim, a legitimidade é adquirida por designação; 4. Definição do quadro administrativo carismaticamente qualificado com o reconhecimento da comunidade. Porém, não se trata de um modelo de eleição ou de seleção livre; tratase apenas de deveres, de uma designação justa do verdadeiro portador do carisma. Nessa situação, a legitimação do poder se baseia na conquista de um direito, realizada de forma justa e com determinadas formalidades; 5. Crença de que o carisma é hereditário, ou seja, está no sangue. Dessa forma, tornase o sucessor algum parente próximo do dominador. Caso não haja um familiar, ocorre uma verificação (por meio dos métodos já apresentados nos itens 1 e 4) para a definição do herdeiro autêntico. Ou seja, nesse caso, a legitimação não
ocorre em virtude da fé dos dominados no carisma do dominador, mas sim a partir da […] aquisição em virtude da ordem de sucessão (tradicionalização e legalização). O conceito de 'senhor pela graça de Deus' muda completamente seu sentido e significa agora: senhor por direito próprio, e não por um direito que depende do reconhecimento por parte dos dominado. O carisma pessoal pode faltar por completo. (WEBER, 2000, p. 163).
6. Entendimento do carisma como algo mágico, capaz de ser produzido e transmitido do seu portador para outras pessoas. Nessa situação, a legitimação se baseia nas qualidades adquiridas. Além de se dar através da sucessão do líder, a rotinização do carisma pode ocorrer por interesse do quadro administrativo. Quando os dominados querem seguir o líder ao longo do tempo, a rotinização pode ocorrer por apropriação de poderes e oportunidades dos seguidores (reguladas por seu recrutamento), ou ainda, através da tradicionalização ou legalização. Nessa última situação, a rotinização ocorre através de (a) recrutamento sagrado, onde os seguidores determinam normas para o recrutamento e o carisma só pode ser despertado ou provado, mas não aprendido; (b) recrutamento por carisma hereditário, em que os dominadores recebem, legitimamente, os cargos adequados a essa herança; ou então (c) pela criação, pelo quadro administrativo, de cargos e oportunidades aquisitivas individuais para seus membros, havendo a legalização ou tradicionalização (WEBER, 2000). Para a compreensão da rotinização do carisma, cabe destacar que, de acordo com Weber (2000), dáse a exclusão de atitudes contrárias à economia. Essa passa por uma adequação de modo a atender as necessidades e, assim, prover as condições econômicas para render impostos e tributos. Outro aspecto relevante a ser considerado na dominação carismática é a frequente racionalização das relações dentro das associações, fazendo com que o reconhecimento do líder seja um fundamento e não uma consequência da sua legitimidade. Assim, modificase o aspecto autoritário do carisma para antiautoritário. Nesse caso, o autor afirma que o líder é eleito e levado formalmente ao poder pelos dominados através de livre escolha. Da mesma forma ocorre a destituição do líder. Esse formato aproximase do formato legal. A forma mais
comum de definição do líder é por plebiscito (eleições), sendo mais rotineiro ocorrer nas 3
lideranças de partidos (WEBER, 2000). No tipo de carisma antiautoritário, em relação à economia, O dominador plebiscitário procurará geralmente apoiarse num quadro de funcionários que opere com rapidez e sem atritos. Quanto aos dominados, tentará vinculálos a seu carisma, como 'ratificado', ou por meio de honra e glória militar ou promovendo seu bem estar material – em certas circunstâncias pela combinação de ambas as coisas. Seu primeiro alvo será a destruição dos poderes e possibilidades de privilégios tradicionais feudais, patrimoniais ou autoritários de outro tipo. O segundo será a criação de interesses econômicos que estejam a ele vinculados por solidariedade de legitimidade. Servindose, para isso, da formalização e legalização do direito, pode fomentar em alto grau a economia ‘formalmente' racional’. (WEBER, 2000, p. 177).
Conforme o autor, o tipo de poder plebiscitário pode enfraquecer o caráter racional da economia, pois a relação desse tipo de poder com a crença e a entrega dos dominados rompe com a personalidade formal da justiça e com a administração por meio de uma justiça material. Isto é, o dominador tornase “um ditador social aquele que não está preso a formas de socialismo modernas” (WEBER, 2000, p. 178). Verificase que, conforme Weber (2000), a dominação através do carisma, enquanto algo extracotidiano, opõese à dominação legal e à tradicional, que se caracterizam pelo hábito. Por não possuir regras, a dominação carismática apresenta perfil irracional, totalmente contrária à dominação legal que se denomina racional pelo fato de possuir regras analisáveis. Por sua vez, a dominação tradicional é também orientada por regras e possui vínculo com precedentes do passado, sendo isso o que a afasta da dominação carismática, que derruba o passado e absorve características revolucionárias. 2.2 O DISCURSO E A IDEOLOGIA O presente subcapítulo apresenta os estudos feitos acerca do discurso, em especial no que diz respeito à sua relação com a ideologia. Levandose em conta o objetivo geral desta pesquisa — analisar como o discurso contribui para a legitimação da dominação —, entendese ser pertinente compreender a estruturação e relevância do discurso no processo de comunicação. Da mesma forma, é importante apreender como a ideologia se faz presente no 3
Denominase partidos, segundo Weber (2000), relações associativas com base no livre recrutamento com o objetivo de proporcionar poder aos seus dirigentes dentro de uma associação e, através disso, oferecer oportunidades de seus membros ativos realizarem seus objetivos (ideais ou materiais).
discurso e contribui juntamente com o contexto da enunciação e a compreensão da mensagem pelo interlocutor para a construção do sentido existente mensagem. Esses entendimentos sustentam os passos da análise apresentada mais a frente. Iniciando com uma abordagem ampla, apresentamse as ideias de David Berlo (1960; 1972) sobre a comunicação entre indivíduos e a sua importância na estruturação e desenvolvimento da sociedade. Depois, focando no tema central, apresentase a definição de discurso e sua relação com a ideologia, tendo como principais referências Eni Orlandi (2007), Milton José Pinto (1999) e José Luiz Fiorin (2001). Cabe aqui ressaltar que, no presente trabalho, o processo de comunicação entre indivíduos através do discurso está sendo entendido como uma relação complexa, que sofre interferências do contexto e da história dos indivíduos. Não se entende o processo de comunicação, então, como um sistema fechado e linear, como alguns dos conceitos de Berlo (1960; 1972) permitem entender. Entretanto, as ideias desse autor permitiram a compreensão de que, além de não ser autossuficiente, o ser humano usa da sua relação com os demais indivíduos a fim de garantir seus interesses. Ou seja, ao se comunicar, o enunciador pretende atender a alguma necessidade individual e grupal com a ajuda do seu interlocutor. É dessa forma que, para Berlo (1960; 1972), organizase e mantémse a vida em sociedade, ideia que se mostra relevante frente aos objetivos desta pesquisa. Berlo (1960; 1972) sustenta que a comunicação é um processo regulado e fundamental na formação, organização e até na sobrevivência dos seres humanos em sociedade. O autor afirma que “os sistemas sociais são as consequências da necessidade que tem o homem de relacionar seu comportamento com os comportamentos dos outros, a fim de realizar seus objetivos”. Portanto, é a interdependência entre os indivíduos que forma o sistema social, cabendo à comunicação viabilizar essa relação. Outro autor que ratifica o entendimento de que a comunicação é um instrumento para a formação social é Beltrão (1982). Ele afirma que os seres humanos, enquanto seres sociais, necessitam de outros seres para trocar informações e para alcançar seus objetivos. Essa relação que se dá através da troca de informações, o autor denomina de comunicação. Para Beltrão (1982), somente a comunicação permite o entendimento e a coordenação para agir, com troca de informações que mantém a existência de grupo e a participação dos integrantes na realização dos objetivos definidos.
Berlo (1960) apresenta três modos através dos quais a comunicação se relaciona com a organização do sistema social. Primeiramente, os sistemas sociais se produzem por meio da 4
comunicação , ou seja, é a disponibilidade da comunicação que possibilita a relação entre as pessoas para que, assim, haja o desenvolvimento social. Junto a isso, uma vez criado um 5
sistema social, ele determina a comunicação de seus membros , caracterizando o grupo e seus integrantes. Isto é, as normas e a forma como se organiza esse grupo social irão definir como, por que, para quem e por quem a comunicação deve ocorrer. Com isso, o integrante de determinado grupo será reconhecido como a ele pertencente pelo modo como se comunica. 6
Por fim, a comunicação afeta o sistema social e o sistema social afeta a comunicação na medida em que integrantes de determinado sistema social incorporam em sua personalidade as características do sistema, tornandose semelhantes entre si. Da mesma forma, indivíduos que convivem com tal sistema podem absorver suas características e se juntar ao grupo. Através dessas ideias de Berlo (1960), é possível compreender a importância da comunicação como viabilizadora da relação entre indivíduos e sua organização como uma sociedade. E é nesse aspecto que essas ideias do autor se tornam relevantes para esse estudo. Considerar que a comunicação interfere ativamente nas relações humanas é importante para a análise que será feita adiante. Berlo (1960) afirma ainda que os indivíduos, aos se comunicarem entre si, buscam afetar o ambiente e a si mesmos, sempre esperando uma resposta específica para essa comunicação, seja ela o compartilhamento da crença em algo ou a realização de determinada ação. O autor afirma que, para a ocorrência dessas interações intencionais, o indivíduo está limitado a produção e transmissão de mensagens. Essas mensagens produzidas “são os produtos de comportamentos relacionados com os estados internos das pessoas. […] São os produtos do homem, os resultados do seu esforço por codificar ideias” (BERLO, 1960, p. 151). Mensagens são, segundo o autor, ideias representadas através de algum código. Ainda segundo a perspectiva desse autor, toda comunicação evoca sentidos, sejam os transmitidos pela mensagem do emissor ou os recebidos pelo emissor, através da resposta que o público emite ao recebêla. Com o intuito de afetar o público, o emissor compõe a mensagem com os símbolos que tenham o sentido que ele tem a intenção de causar.
Grifo da autora dessa pesquisa. Grifo da autora dessa pesquisa. 6 Grifo da autora dessa pesquisa. 4 5
Havendo um objetivo a comunicar e uma resposta a obter, o comunicador espera que a sua comunicação seja a mais fiel possível. Por fidelidade, queremos dizer que ele obterá o que quer. Um codificador de alta fidelidade é o que expressa perfeitamente o que a fonte quer dizer. Um decodificador de alta fidelidade é o que traduz a mensagem para o recebedor com tal exatidão. (BERLO, 1960, p. 43).
Ou seja, para o autor, ao se comunicar, um indivíduo está transmitindo uma mensagem, uma ideia, e possui uma intenção com isso: espera que essa ideia seja compreendida para que ele atinja, assim, seu objetivo inicial. Para o atendimento do objetivo inicial, é preciso então a interpretação do que se quer dizer na mensagem transmitida, bem como a fidelidade da sua compreensão com relação ao que se queria que fosse compreendido. Dessa maneira, Berlo (1960) esclarece como a construção da mensagem — desde a escolha do código para a transmissão da mensagem, a definição do objetivo que se tem ao comunicar, até a confirmação de que houve o entendimento da mensagem — contribui para a realização do objetivo inicial da comunicação. Visto que toda comunicação tem um sentido, o entendimento fiel desse sentido é essencial para que o emissor alcance seu propósito com a fala. Beltrão (1982, p. 85) cita, porém, que conhecer as linguagens utilizadas pelo homem não define a finalidade sobre seu uso e significado. Para o autor, A comunicação cultural é um fenômeno demasiado complexo para ser aprendido apenas com regras e dicionários: os modos de pensar e agir dos indivíduos e coletividades, suas tradições e as influências que recebem as circunstâncias em que vivem em determinado momento e seu estado psicológico alteram usos e significações. Por isso, não é suficiente que o comunicador conheça o sistema de signos de cada linguagem, mas que se traduzam no discurso, ou seja, em uma configuração de signos utilizados na emissão de mensagens simbólicas.
Isto é, para a construção de uma mensagem e o entendimento dela pelo ouvinte do modo como o emissor deseja, necessitase da compreensão não só dos elementos linguísticos — como as letras e as palavras — mas, também, dos seus significados simbólicos. A cultura, os pensamentos, as crenças, a realidade de vida, enfim, todo contexto em que foi produzida e no qual foi recebida, pode influenciar a mensagem e sua compreensão. A linha de estudos que busca compreender a construção de sentidos de mensagens é a Análise de Discurso (AD). Orlandi (2007) afirma que, das inúmeras maneiras de estudo da linguagem e sua significação — como, por exemplo, o entendimento da língua como sistema de signos ou a própria gramática — surgiu o interesse de estudiosos pelo discurso. A AD possui muitas definições e, tradicionalmente, pode ser compreendida por duas grandes
influências: a francesa e a inglesa. A diferenciação entre as duas linhas será abordada no capítulo de Análise de Discurso. Nesse momento, é fundamental compreender apenas que a AD Trabalha com o sentido e não com o conteúdo do texto, um sentido que não é traduzido, mas produzido; podese afirmar que o corpus da AD é constituído pela seguinte formulação: ideologia + história + linguagem. A ideologia é entendida como o posicionamento do sujeito quando se filia a um discurso, sendo o processo de constituição do imaginário que está no inconsciente, ou seja, o sistema de ideias que constitui a representação; a história representa o contexto sócio histórico e a linguagem é materialidade do texto gerando ‘pistas’ do sentido que o sujeito pretende dar. (CAREGNATO; MUTTI; 2006 p. 680,681).
Ou seja, o contexto histórico em que o discurso é escrito e/ou proferido, a mensagem (sentido e ideologia) que ele expressa e pretende disseminar, e o modo como essa mensagem foi transmitida (linguagem) são os elementos considerados pela Análise de Discurso. É a partir desses elementos que o discurso de Adolf Hitler — objeto de pesquisa deste trabalho — será analisado. A AD torna possível visualizar a relação prática entre língua e discurso, pois o discurso não é tido como uma liberdade em ato, sem quaisquer condicionantes linguísticos ou históricos, assim como a língua não é tida como algo recolhido em si, sem falhas ou equívocos. A língua torna possível a construção do discurso. Com base nisso, é possível extrair que a AD considera o discurso como algo que contempla não só o texto escrito ou falado, mas sim, a enunciação. Isto é, o momento único em que os enunciados são produzidos e reproduzidos dentro de um contexto histórico. Considera, também, o contexto em que os interlocutores do enunciador entram em contato com o discurso, uma vez que tal contexto influência diretamente no entendimento dos sentidos enunciados. Conforme Orlandi (2007, p. 15), “a palavra discurso, etimologicamente, tem em si a ideia de curso, de percurso, de correr por, de movimento. O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observase o homem falando”. Ou seja, a linguagem serve para estruturar o discurso e esse não é algo fechado em si, mas, sim, algo em movimento, passível de interferências e influências. É fundamental esclarecer que discurso, nesse sentido, não equivale necessariamente a texto. O texto, aqui, é compreendido como uma unidade com início, meio e fim ou, como afirma Pinto (1999, p. 7), “como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita
e/ou de outros sistemas semióticos no interior de práticas sociais contextualizadas histórica e socialmente”. O texto, portanto, “deve ser coerente, não contraditório e seu autor deve ser visível, colocandose na origem do seu dizer” (ORLANDI, 2007, p. 36). Tratase, nesse caso, de palavras organizadas de acordo com regras textuais, permitindo um sentido calculável e a identificação do autor (enquanto sujeito), com seus objetivos e intenções, logo totalmente distinto da ideia de discurso. Pinto (1999) considera o discurso uma prática social. Para o autor, a linguagem utilizada para a construção do discurso faz parte de um contexto com marcas sociais e históricas. Por isso, é carregada de sentidos, não servindo apenas como ferramenta para a construção de tal discurso. Brandão (2012, p. 10) reforça essa formulação ao indicar que: A linguagem enquanto discurso não constitui um universo de signos que serve apenas como instrumento de comunicação ou suporte de pensamento; a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação de ideologia.
Dessa maneira, discurso não é a mensagem puramente transmitida de um emissor para um receptor, mas sim, uma relação complexa que conta com sujeitos e sentidos condicionados à língua e à história. Nas palavras de Orlandi (2007, p. 21), “o discurso é efeito de sentidos entre locutores”. Por isso, a autora propõe que na análise de um discurso se deve considerar a questão ideológica, pois a língua se materializa na ideologia e a ideologia se revela na língua. Conforme Pêcheux (1975 apud ORLANDI, 2007, p. 17), “não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpelado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido”. O discurso é, portanto, o espaço em que ideologia e língua se relacionam, permitindo que a língua faça sentido por e para sujeitos. Fiorin (2001, p. 28) explica que “a esse conjunto de ideias, a essas representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens são o que comumente se chama ideologia”. Para o autor, as ideologias se formam através da realidade do indivíduo. Realidade essa que, em uma formação social, possui dois níveis: um de essência (profundo) e um de aparência (superficial). A partir do nível superficial, para o autor, que seriam construídas as ideias de uma formação social. Essas ideias racionalizadas buscam explicar e justificar a realidade da perspectiva daquele grupo.
Devido a ideologia se formar no nível superficial da realidade, explica Fiorin (2001), ela, algumas vezes, pode ser considerada falsa consciência. Ela é construída independentemente da consciência dos agentes sociais como uma forma aparente das circunstâncias. Ou seja, a ideologia representa a forma como determinado grupo vê, justifica e explica sua existência. É, portanto, o conhecimento daquela classe sobre seu contexto. Por isso, Fiorin (2001, p. 29) afirma que nenhum conhecimento é neutro, visto que sempre expressa o ponto de vista de uma classe sobre o seu cenário: Todo conhecimento está comprometido com os interesses sociais. Esse fato dá uma dimensão mais ampla ao conceito de ideologia; ela é uma ‘visão de mundo’, ou seja, o ponto de vista de uma classe social a respeito da realidade, a maneira como uma classe ordena, justifica e explica a ordem social.
Assim, para cada classe social existirá uma ideologia, que será construída conforme essa classe vê a realidade e, cada ideologia, por sua vez, terá um discurso correspondente. Há que se considerar, porém, que a ideologia da classe dominante tende a ser também a ideologia dominante na sociedade. Fiorin (2001) explica que as ideias que constroem a ideologia surgem, em última instância, no nível econômico da sociedade. Fatores como questões jurídicas, filosóficas, religiosas, entre outras, exercem também influências nessa construção. Contudo, para o autor, a situação econômica seria decisiva para a determinação da ideologia de determinada classe, visto que “o modo de produção determina as ideias e o comportamento dos homens e não o contrário” (FIORIN, 2001, p. 31). O autor ressalta que isso não equivale a afirmar que a ideologia é simplesmente o retrato da economia, pois ela tem sua própria forma, regras e funcionamento, a economia influência a ideologia de uma maneira mais complexa, mais ampla. O discurso tem então, ainda segundo Fiorin (2001), o papel de materializar as formações ideológicas. Cada indivíduo constrói seu discurso a partir dos discursos assimilados durante toda a vida na sociedade na qual cresceu. A partir disso, para o autor, o discurso não é a construção individual e livre do sujeito falante: o discurso é o “produto de relações sociais, assimila uma ou várias formações discursivas, que existem em sua formação social, e as reproduz em seu discurso” (FIORIN, 2001, p. 43). Assim sendo, o falante é o suporte do discurso (materialização da ideologia), enquanto a sua classe é o agente discursivo (formador do discurso).
Desta forma, considerando as ideias apresentadas neste subcapítulo, entendese que a comunicação é, de fato, o que permite a formação e convivência social. Porém, a comunicação não se reduz à simples transmissão de mensagem do emissor para o receptor, mas tratase de um processo que abrange o saber, a história e o contexto do indivíduo. Já o discurso é construído a partir da relação do indivíduo com aquilo que ele assimilou da sua realidade e, posteriormente, com seus interlocutores. Desse modo, o discurso traz em si elementos do seu enunciador, além de um sentido próprio criado a partir do contexto em que é manifesto. Tal sentido também é produzido pelos interlocutores desse discurso, ou seja, as pessoas que com ele se relacionam, as quais possuem suas próprias histórias e entendimentos do contexto. Esse discurso sempre transmitirá uma ideologia, não só de quem o enuncia, mas também de determinada classe ou grupo social. Esses elementos são a visão de mundo, a ideologia materializada, de todos os envolvidos na comunicação.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O presente trabalho, de natureza básica e método cientifico monográfico (PRODANOV; FREITAS, 2013), foi realizado de forma exploratória e qualitativa. Foram adotadas, para sua construção, as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental (GIL, 1994). Os resultados da pesquisa bibliográfica possibilitaram a construção do embasamento teórico e metodológico para os temas comunicação, dominação legítima e discurso. Além disso, a pesquisa bibliográfica contribuiu para a contextualização sóciohistórica do discurso de Hitler, através do conhecimento sobre a sua história de vida, sobre a situação da Alemanha desde a 1ª Guerra Mundial e sobre a trajetória política do Partido Nazista. Já a pesquisa documental foi realizada na busca dos discursos de Hitler transcritos na íntegra e em português. Como procedimento teóricometodológico, adotouse a Análise de Discurso (AD) tradicionalmente francesa, devido à forma como essa perspectiva considera o discurso. Nessa linha de AD, o discurso é uma interação entre o enunciador (sujeito que produz e reproduz o discurso) e seus interlocutores; eles se relacionam através da construção de sentidos, sendo influenciados e, ao mesmo tempo, influenciando o contexto. 3.1 ANÁLISE DE DISCURSO A Análise de Discurso (AD), que é bastante antiga e contempla diversas áreas do conhecimento, possui muitas definições. Porém, conforme introduzido anteriormente, tradicionalmente é conhecida por duas grandes influências: a da escola francesa e a da escola inglesa. A AD francesa “define os discursos como práticas sociais determinadas pelo contexto sóciohistórico, mas que também são parte constitutivas daquele contexto” (PINTO, 1999, p.17). Essa concepção articula a Linguística e a História, além de tomar a ideologia como determinante na produção e reprodução de sentidos pelo indivíduo. Já a tradicional escola inglesa, segundo Pinto (1999, p. 17), propõe análises que “combinam a descrição da estrutura e do funcionamento interno dos textos, com uma tentativa de contextualização um pouco limitada e utópica". De acordo com o autor, nessa perspectiva,
toda fala é uma forma de ação originária do indivíduo, como se esse fosse imune ao contexto social histórico. Além disso, compreende que o processo de comunicação se dá entre indivíduos que dominam total e conscientemente as regras da comunicação, adotando estratégias para atingir seus objetivos comunicacionais. Compreendese, portanto, como principal diferença entre essas duas tradições que a análise inglesa torna o sujeito enunciador do discurso como alguém que conhece todas as técnicas de linguagem e que apenas transmite uma fala, de modo fechado, sistêmico e praticamente independente do contexto. Já a análise francesa reconhece a interação entre enunciador e contexto sóciohistórico, além de defender que o discurso contribui para a formação social assim como o contexto social contribui para a construção do discurso. Portanto, neste trabalho, optouse pela Análise de Discurso tradicionalmente francesa. Para Pinto (1999, p. 7), esse tipo de análise busca “descrever, explicar e avaliar criticamente os processos de produção, circulação e consumo dos sentidos vinculados àqueles produtos na sociedade”. Os produtos aos quais o autor se refere são os próprios discursos, os quais constroem sentidos. Ou seja, quando se verifica enunciados, entendidos como práticas sociais efetivadas através da linguagem e inseridas em um contexto sóciohistórico, fazse, na verdade, uma análise de discursos. Orlandi (2007), por sua vez, entende que a AD visa à compreensão de como objetos simbólicos fazem sentido, ou seja, a investigação se dá na busca da compreensão do sentido da mensagem que determinado discurso evoca, o que vai além do significado das palavras apresentado pelo dicionário, por exemplo. É pelo sentido que o discurso manifesta a ideologia, através dos objetos simbólicos formados pelo contexto sóciohistórico de produção e reprodução. Isso é bastante pertinente para a análise do objeto de pesquisa do presente trabalho: um discurso político — que, por si só, é carregado de ideologia e intenção — enunciado em momentos históricos importantes. Orlandi (2007) afirma, ainda, que na AD se busca por respostas a questões que envolvem concomitantemente três áreas do conhecimento: a Linguística, o Materialismo Histórico e a Psicanálise. Segundo a autora, com essas três áreas trabalhando juntas, se rompem fronteiras, pois, a AD […] interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo modo
como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialidade relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 2007, p. 20).
Ao tratar do estudo de enunciações, Orlandi (2007) frisa dois aspectos: as condições de produção do discurso e o interdiscurso. As condições de produção tangem à construção do discurso e devem ser compreendidas em seu contexto imediato (ocasião em que o discurso é produzido) e em seu sentido amplo (contexto sóciohistórico e ideológico). Já o interdiscurso é a memória discursiva, ou seja, a ciência do sujeito sobre o que já foi dito acerca de determinado tema. Esse conhecimento prévio é o que torna possível ao sujeito a construção de seu próprio discurso. É nesse sentido que a autora afirma que um discurso não tem início, meio e fim, pois se refere às ideias em curso, nas quais se retoma algo já dito e, de alguma forma, prevêse o que será dito a respeito dessas ideias futuramente. A autora explica que, durante o processo de investigação, é necessário considerar alguns elementos do discurso. São eles: a) Verificar o que está sendo dito, como está sendo dito, quem o diz, em que contexto o diz etc.; b) Observar as funções imaginárias do enunciador, ou seja, a imagem que se tem do sujeito conforme sua posição hierárquica (por exemplo, um professor, médico etc.); c) Verificar as relações de sentido (relação entre o que já foi dito e o que está sendo dito) e as relações de força (valor diferenciado geralmente atribuído às enunciações de pessoas que ocupam diferentes posições em uma hierarquia, como, por exemplo, o que é dito por um aluno ou por um professor); d) Considerar o chamado esquecimento número dois relacionado à enunciação, que fornece a ideia de que o que está sendo dito só pode ser dito daquela forma. Segundo a autora, é necessário desfazer tal ilusão. Para tanto, o analista deve comparar a forma com que o que está sendo dito no discurso analisado se relaciona com o que já foi dito em outros discursos. Ainda a partir de Orlandi (2007), entendese que parte importante do processo explanado é a observação das Formações Discursivas (FD's) do discurso, isto é, das suas diversas unidades de sentido. A noção de formação discursiva, ainda que polêmica é básica na Análise de Discurso, pois permite compreender o processo de produção de sentidos, a sua
relação com a ideologia e também dá ao analista a possibilidade de estabelecer regularidades no funcionamento do discurso (ORLANDI, 2007, p 43).
As FD's são compostas pelas chamadas Sequências Discursivas (SD's). Maingueneau (2000) afirma que as SD's são as unidades retiradas da continuidade dos textos, sendo que, para Courtine ( apud MAINGUENEAU, 2000), o formato dessas unidades varia conforme o tipo de análise realizada. Segundo Courtine ( apud MITTMANN , 2007), as SD's são os recortes — feitos pelo analista — de sequências linguísticas presentes no discurso. Tais recortes, quando relacionados à memória (o que já foi dito), à própria Formação Discursiva na qual estão inseridos e às Formações Discursivas do interdiscurso apresentam as pistas dos efeitos de sentido.
Orlandi (2007, p. 67) sustenta que “as palavras refletem sentidos de discursos já realizados, imaginados ou possíveis. É desse modo que a história se faz presente na língua”. Assim, o interdiscurso também deve ser considerado nas FD's, pois contribui para o entendimento da construção de sentido do discurso. Outro elemento a ser considerado é o uso de metáforas, isto é, o uso de uma palavra em um contexto diferente do seu habitual pela semelhança de seu significado a fim de realizar uma analogia. O uso dessas figuras de linguagem é, também, relevante na análise da construção do sentido porque leva a uma “transferência” que estabelece “como as palavras significam” (ORLANDI, 2007, p. 44). Isso reforça a ideia já apresentada de que uma palavra possui significados diferentes de acordo com o seu contexto. Pêcheux ( apud Orlandi, 2007, p. 44) explica que: O sentido é sempre uma palavra, uma expressão ou uma proposição por uma outra palavra, uma outra expressão ou proposição; e é por esse relacionamento, essa superposição, essa transferência ( metaphora ), que elementos significantes passam a se confrontar, de modo que se revestem de um sentido. [...] o sentido existe exclusivamente nas relações de metáfora (realizadas em efeitos de substituição, paráfrases, formação de sinônimos) das quais uma formação discursiva vem a ser historicamente o lugar mais ou menos provisório.
Isto é, a relação dos elementos do discurso (linguagem, contexto e ideologia) é fundamental para que se interprete a sua construção de sentidos. Essa relação é complexa, com idas e vindas em que um elemento interfere no outro, possibilitando a identificação do sentido da mensagem de um sujeito. É dessa forma, portanto, que será realizada a análise do objeto de pesquisa deste trabalho: o discurso de Adolf Hitler. Pretendese, com esse estudo, identificar como a enunciação de Hitler contribuiu para legitimar a sua dominação sobre os seus ouvintes.
3.2 COLETA DOS DADOS E CONSTRUÇÃO DO CORPUS DE ANÁLISE Para a construção do corpus de análise desta pesquisa, foram elencadas inicialmente as enunciações de Adolf Hitler em dois momentos decisivos para a história da humanidade: a primeira, de 1933, ocorreu quando Hitler chegou à Chancelaria do Reich ; a segunda, de 1939, quando anunciou a invasão à Polônia, que deu início à 2ª Guerra Mundial. Conforme citado, houve grande dificuldade para a localização da transcrição dessas enunciações em livros. Muito material foi encontrado em blogs e sites sobre história e curiosidades. Porém, a falta de garantias quanto a real autoria e integralidade de tais enunciados, bem como quanto à qualidade das traduções feitas levaram à desconsideração desse material. A transcrição da referida enunciação de 1939 foi localizada em dois livros em português: Líderes e discursos que revolucionaram o mundo , de 2010, da editora Universo dos Livros/SP e Discursos que mudaram a história , de 2012, da editora Prumo/SP. Porém, o conteúdo não estava apresentado em sua totalidade. Os autores dessas obras fizeram recortes das enunciações dando destaque a frases de efeito proferidas por Hitler, impossibilitando a análise pretendida. Outro ponto é que, apesar dos dois títulos apresentarem os mesmos pronunciamentos, em cada obra foram utilizadas palavras diferentes, o que sem dúvida influência na produção de sentidos. Conforme Orlandi (2007), ao realizar recortes do objeto de análise, o analista já está realizando interpretações dos sentidos expressos no discurso. Portanto, os trechos encontrados nos livros mencionados não foram utilizados na análise. A busca por livros em português que trouxessem as transcrições na íntegra continuou, contudo sem sucesso. Por sugestão da orientadora deste trabalho, viuse como oportuno transcrever e analisar os enunciados presentes no documentário O Triunfo da Vontade . O filme, distribuído no Brasil por Sonopress Rimo Indústria e Comércio Fonográfico S/A, foi produzido a pedido de Hitler pela diretora Lei Rienfesthal e registra o 6ª Congresso do Partido Nazista, em Nuremberg. De acordo com Frigeri (2013), os caminhos de Leni e Hitler se cruzaram em 1933, quando Leni lançou na Alemanha seu filme A Luz Azul , sobre alpinismo. Para Sontag (1986 apud FRIGERI, 2013), não há indícios de que esse filme tenha sido produzido para fins políticos, mas se acredita que o roteiro sobre uma moça impetuosa que tentava escalar o pico
da montanha mais alta pode ter atraído Hitler. Considerase que partir da história surgia uma metáfora irresistível de coragem e luta para se chegar ao auge. Conforme Bach (2008 apud FRIGERI, 2013), em maio de 1934, Leni mudouse para Nuremberg com o arquiteto nazista Albert Speer, visando organizar as filmagens do 6ª Congresso do Partido Nazista, que ocorreria em setembro daquele ano. O NSDAP concedeu à cineasta, de acordo com Frigeri (2013), os recursos financeiros e todas as condições necessárias para realizar as filmagens, bem como as melhores câmeras profissionais da época, uma grande equipe de produção e inúmeros figurantes. Após o documentário ter sido assistido e com base na pesquisa sóciohistórica 7
realizada ao longo do presente estudo , entendeuse que essa seria uma fonte confiável para a realização da análise almejada. O documentário foi lançado em 1935 e exibido em diversos locais da Alemanha, como relata Frigeri (2013, p. 600): De acordo com dados coletados no Museu Dokumentationszentrum Reichspasteitagsgelände (2012), localizado na cidade de Nuremberg, o Triunfo da Vontade alcançou mais pessoas que o próprio congresso repetido a exaustão poderia alcançar, após 28 de março de 1935 foi apresentado nos cinemas de 70 cidades da Alemanha, sempre precedido por uma grande cerimônia. A distribuidora de filmes do partido alemão nacional socialista o usou para a educação política e também a exibiu nas escolas, assistir ao filme era obrigatório a todos os alunos.
Após o sucesso desse filme, segundo Frigeri (2013), Leni foi convidada a gravar mais filmes para o partido: Dia da Liberdade , de 1935, que marca a saída da Alemanha da Liga das Nações e mostra o ressurgimento da máquina militar do país, e Olympia , de 1938, que registrara os Jogos Olímpicos que ocorreram na Alemanha em 1936. Para Lenharo (1995, p. 59), O Triunfo da Vontade foi um marco para a época: “[...] o cinema Nazista não só propôs uma nova modalidade de filme de propaganda, mas também alcançou um nível invejável de realização estética”. O autor afirma ainda que Leni foi “muito 8
além ” na produção desse documentário, considerando todas as cenas em que Hitler é mostrado como um deus grandioso e aclamado por seus partidários e pelo povo. Portanto, considerando a confiabilidade do filme bem como a sua relevância histórica, os enunciados apresentados foram submetidos à análise. As filmagens retratam Adolf Hitler
A expressão “muito além” foi utilizada significando algo que superou as expectativas. Muito além, expressão informal, comumente utilizada para algo que superou as expectativas.
7 8
falando à Juventude Hitlerista em dois momentos: uma vez aos integrantes da SA e da SS e uma vez para o público em geral. A seguir, no Quadro 1, é descrito o corpus bruto de análise, ou seja, a caracterização geral das enunciações de Adolf Hitler mostradas no documentário em O Triunfo da Vontade . Na sequência, no Quadro 2, são apresentadas as SD’s retiradas de cada enunciação. A transcrição de todos os pronunciamentos é encontrada, na íntegra, ao final deste trabalho (ANEXO A).
Quadro 1 – Corpus bruto de análise
ENUNCIAÇÃO
ABREVIAÇÃO
DESCRIÇÃO
1 Enunciação de Hitler para integrantes da Juventude Hitlerista
E1 – JH
Pronunciamento de Hitler para um grupo de trabalhadores da JH em um campo aberto. Os jovens estão organizados em formação militar e uniformizados. No lugar de armas, empunham enxadas. Hitler fala de um palco extremamente alto, todo de pedra.
2 Enunciação de Hitler para integrantes da Juventude Hitlerista
E2 – JH
Pronunciamento de Hitler para um grupo da JH em um campo aberto. Os jovens estão organizados em formação militar e uniformizados. Naquele momento, não empunham enxadas. Hitler fala de um palco extremamente alto, todo de pedra.
3 Enunciação de Hitler para o povo em geral
E3 – PG
Pronunciamento de Hitler para o povo em geral. Uma multidão de apoiadores do partido segura estandartes e marcha em direção ao palco do qual, a seguir, Hitler fala. Hitler fala de um palco extremamente alto, todo de pedra.
4 Enunciação de Hitler para integrantes da SS e da AS
E4 SS/AS
Pronunciamento de Hitler para a SS e SA. Os integrantes dos dois grupamentos estão uniformizados, enfileirados e aguardando para ouvir o Führer . Hitler fala de um palco extremamente alto, todo de pedra.
5 Enunciação de Hitler frente aos participantes do Congresso do NSDAP
E5 – PG
Pronunciamento de Hitler no encerramento do IV Congresso do Partido Nazista. Todos estão sentados aguardando o Führer , que logo entra no salão. Em alguns momentos da fala, a plateia levanta e aplaude muito. Hitler fala de um púlpito em cima do palco que, ao fundo, apresenta uma gigantesca suástica.
Fonte: Elaborado pela autora.
Quadro 2 – Corpus primário de análise ENUNCIADO
E1 JH
(Continua)
SD E nós sabemos que para milhares da nossa população o trabalho não está longe de ser um conceito que segrega, mas que une a todos.
SD 01
E eu sei que assim como você serve a Alemanha com humildade hoje, a Alemanha verá em vocês filhos marchando com alegria.
SD 02
Por mim e por todo o povo alemão.
SD 04
Vocês representam um grande ideal.
SD 05
Meus trabalhadores! Pela primeira vez, vocês ficam antes de mim na lista de chamada.
SD 06
E, em particular, ninguém irá morar na Alemanha sem que trabalhe para nosso país. Não há outro emprego.
SD 07
A nação inteira será educada por vocês.
SD 08
(continuação)
ENUNCIADO
E2 JH
E3 PG
SD Esse tempo virá quando nenhum alemão puder ser admitido na comunidade da nossa gente sem ter primeiro trabalhado como alguém dela.
SD 09
Minha Juventude alemã. Depois de um ano, eu os saúdo aqui novamente. Hoje, aqui neste lugar, vocês são uma amostra do que nos cerca na Alemanha inteira.
SD 10
E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças, arde a mesma paixão que nos guia.
SD 11
Nós queremos ser um povo. E vocês meus jovens, são este povo.
SD 12
Não queremos mais ver divisões de classes. Vocês não devem deixar que isso cresça entre vocês.
SD 13
Vocês devem suportar privações sem se desintegrarem.
SD 14
Independente do que façamos ou criemos hoje, nós morreremos, mas a Alemanha continuará vivendo em vocês. E quando não houver mais nada de nós, então vocês devem segurar em seus punhos as bandeiras que erguemos do nada.
SD 15
E sabemos que vocês moças e rapazes alemães estão sendo incumbidos de tudo que esperamos da Alemanha.
SD 16
Queremos que nosso povo permaneça forte. Será difícil, e vocês próprios devem reforçar isso para os seus jovens.
SD 17
E quando a grande coluna do nosso movimento marchar hoje triunfante pela Alemanha, eu sei que vocês irão aderir à coluna.
SD 18
E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças, arde a mesma paixão que nos guia.
SD 19
Unidos a nós, vocês não serão excluídos.
SD 20
Mas que também seja valente. E vocês devem ser pacíficos.... [Hitler é interrompido por aplausos]. Então, vocês devem ser pacíficos e corajosos ao mesmo tempo.
SD 21
Queremos um dia ver um Reich. E vocês devem lutar por isso.
SD 22
Queremos que nossa população seja obediente. E vocês devem praticar a obediência. Queremos que nosso povo ame a paz,
SD 23
Foi à necessidade de nossa gente que nos moveu e que nos trouxe unida.
SD 24
Isso não é compreensível para aqueles que não tiveram infortúnio semelhante em sua nação.
SD 25
Tambores virão diante de tambores, bandeiras virão diante de bandeiras, grupos virão diante de grupos. E, finalmente, a poderosa coluna desta nação unida conduzirá a nação que um dia foi dividida.
SD 26
O movimento vive. Está em firmes alicerces.
SD 27
(continuação)
ENUNCIADO
E4 SS e SA
SD Esta é a nossa promessa esta noite. Toda hora, todo dia, pensar somente na Alemanha, nas pessoas, no Reich , na nação alemã e no povo alemão.
SD 28
E enquanto apenas um de nós puder respirar, ele dará sua energia a este movimento. E o defenderá, assim como nossos camaradas fizeram no passado.
SD 29
Parecelhes intrigante o que instiga estas centenas de milhares em conjunto, o que nos leva a aturar necessidade, sofrimento, privação. Eles não conseguem entender isso como algo que não seja uma ordem estatal. Eles estão enganados.
SD 30
Não é o Estado que nos comanda, e sim nós que comandamos o Estado. Não é o estado que nos cria, mas nós que criamos nosso estado.
SD 31
Seria pecado se, em alguma ocasião, admitíssemos deixar de fazer aquilo pelo qual sempre lutamos com tanto trabalho, tanta preocupação, tanto sacrifício e tanta necessidade.
SD 32
Nós não podemos ser desleais com o que nos deu senso e determinação.
SD 33
Nada virá de coisa nenhuma se não for baseada em uma ordem maior. Essa ordem não nos foi dada por um superior terrestre. Ela nos foi dada por Deus que criou nosso povo.
SD 34
Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa Alemanha. E devemos continuar unidos por esta Alemanha.
SD 35
Entrego a vocês as bandeiras e estandartes, com consciência de que estou dando para as mãos mais leais da Alemanha.
SD 36
Aqueles que acreditam que surgiu uma fissura em nosso movimento estão enganados. Ele permanece tão firme quanto essa pedra aqui. Nada na Alemanha irá quebrálo.
SD 37
Só um louco ou um mentiroso mal intencionado pode achar que eu ou alguém mais, podemos ter a intenção de destruir o que nós mesmos construímos durante anos
SD 38
Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa Alemanha.
SD 39
E devemos continuar unidos por esta Alemanha.
SD 40
Em tempos passados, vocês provaram lealdade a mim. E em tempos à frente de nós, não poderá ser e nem será diferente.
SD 41
E5 PG
O povo alemão é feliz por saber que as divisões do passado foram substituídas por um importante modelo que conduz a nação.
SD 42
Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros de luta.
SD 43
Como um partido, tivemos que continuar com a minoria a fim de mobilizar aqueles com espírito de luta e senso de sacrifício. E esses nunca foram a maioria, mas sempre a minoria.
SD 44
ENUNCIADO
(continuação)
SD Só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido.
SD 45
E talvez, a despeito do esplendor deste evento, alguns de vocês se lembrarão saudosamente dos dias em que foi difícil ser um Nacional Socialista.
SD 46
Quando nosso partido consistia em apenas sete homens, ele proclamou dois princípios. Primeiro, queria ser um Partido com projeção mundial. E segundo, queria, sem compromisso, exclusividade do poder na Alemanha.
SD 47
Um símbolo da eternidade.
SD 48
permanecerá inalterável em sua doutrina. Duro como aço em sua organização. Flexível e adaptável em suas táticas. Na sua essência, contudo, vai parecerse com uma ordem religiosa.
SD 49
Foi mais que isso para centenas de milhares de combatentes. Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros de luta.
SD 50
Apenas quando nós, no Partido, usando todo nosso vigor, tivermos atingido os mais altos ideias Nacionais Socialistas, somente então, o Partido será um eterno e indestrutível pilar do povo alemão e do Reich .
SD 51
Resolvemos guardar a liderança da nação e jamais renunciála.
SD 52
O partido sempre será a liderança política da gente alemã.
SD 53
Nós carregamos o melhor sangue e sabemos disso.
SD 54
E com uma dedicação impressionante, o melhor da raça alemã assumiu a liderança do Reich , do povo. E, por causa disso, o povo aprovou e legitimou essa liderança.
SD 55
Porque a ideia e o movimento são a expressão da nossa gente.
SD 56
Uma vez, nossos adversários acharam meios, através de perseguições e proibições, de extirparem os mais débeis elementos do nosso movimento. Agora, devemos vigiar a nós mesmos e rejeitar aquele que for mau e, por isso, não tem a ver conosco.
SD 57
É nosso desejo, nosso propósito que este Estado e este Reich devem continuar a existir nos próximos milênios.
SD 58
Podemos ficar felizes sabendo que esse futuro será totalmente nosso.
SD 59
Neste momento, dezenas de milhares de membros do partido deixarão a cidade. Enquanto alguns viverão de suas memórias, outros estarão se preparando para a próxima lista. E novamente as pessoas virão e irão.
SD 60
E estarão determinadas, animadas e inspiradas novamente.
SD 61
Haverá apenas uma pequena seção de combatentes ativos. E será exigido mais deles do que de seus companheiros. Para eles, não basta declarar simplesmente: “Eu acredito”, mas, de preferência, prometer: “Eu lutarei.
SD 62
(Conclusão)
ENUNCIADO
SD O objetivo é que todos os alemães se tornem Nacionais Socialistas. Mas só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido.
SD 64
O VI Congresso do Partido está chegando ao final. Milhões de alemães de classes diferentes das nossas podem ver isto só como uma impressionante mostra de poder político.
SD 65
Então, nosso Exército glorioso, o poderoso portador das armas da nossa gente, será ligado à, igualmente tradicional, liderança política do nosso Partido. Juntos, esses dois corpos instruirão e fortalecerão o povo alemão. E eles carregarão, em seus ombros, o Estado alemão e o Reich .
SD 66
Fonte: Elaborado pela autora
A seguir, é descrita a composição do corpus final de análise, ou seja, as Sequências Discursivas (SD’s) que, organizadas de acordo com o sentido que revelam, formam as Formações Discursivas (FD’s) das diferentes enunciações analisadas. As SD’s são os fragmentos do discurso que, considerando os objetivos deste trabalho, mostramse como os mais representativos. Elas evidenciam traços do contexto sóciohistórico, da ideologia e da dominação que, juntos, permitem observar a construção do sentido das mensagens de Hitler. Quadro 3 – Corpus de análise secundário
Formação Discursiva
SD’s
FD 1: A Alemanha aos olhos de Hitler
SD 01; SD 02; SD 24; SD 25; SD 26; SD 39; SD 42.
FD 2: Os interlocutores (de Adolf Hitler) por Adolf Hitler
SD 01; SD 04; SD 05; SD 10; SD 11; SD 41; SD 43; SD 44; SD 45.
FD 3: O Führer e o NSDAP pela perspectiva de Adolf Hitler
SD 06; SD 27; SD 37; SD 38; SD 39; SD 44; SD 46; SD 47; SD 48; SD 49; SD 50; SD 51; SD 52; SD 53; SD 54; SD 55; SD 56; SD 57; SD 65.
FD 4: As promessas de Adolf Hitler
SD 07; SD 28; SD 58; SD 59; SD 60; SD 61; SD 66.
FD 5: As exigências de Adolf Hitler aos seus interlocutores
SD 08; SD 09; SD 12; SD 13; SD 14; SD 15; SD 16; SD 17; SD 18; SD 19; SD 20; SD 21; SD 22; SD 23; SD 29; SD 30; SD 31; SD 32; SD 33; SD 34; SD 40; SD 41; SD 62; SD 63; SD 64.
Fonte: Elaborado pela autora
4 A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO Neste capítulo, são apresentados os resultados obtidos na pesquisa realizada sobre as enunciações de Adolf Hitler durante o 6ª Congresso do Partido Nazista, em 1934. Para tanto, inicialmente as enunciações são contextualizadas sóciohistoricamente, o que, conforme a metodologia de análise adotada é fundamental para a compreensão do sentido do discurso. Depois, é exposta a análise das SD’s elencadas e agrupadas conforme as FD’s apresentadas no capítulo anterior. 4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIOHISTÓRICA O presente subcapítulo foi organizado em três momentos. Primeiramente, para esclarecer como a história de Adolf Hitler e da Alemanha se cruzaram, será exibida uma breve descrição da história de ambos desde a 1ª Guerra Mundial até 1920, ano de entrada de Hitler no Partido Nazista. Depois, traçase a trajetória de Hitler até a conquista do poder total na Alemanha, quando, em 1933, acumulou os cargos de Chanceler e Presidente do país, instaurando seu governo totalitário. Finaliza com a descrição dos fatos ocorridos entre 1934, ano em que ocorreu o 6º Congresso do Partido Nazista, e 1945, quando chega ao final o governo de Hitler. Essa contextualização foi embasada principalmente pelos autores Ian Kershaw (2010) e João Ribeiro Jr. (1991). Kershaw foi professor de História Contemporânea na Universidade de Sheffield, no Reino Unido, da qual se aposentou em 2008. Especialista na Alemanha Nazista escreveu importantes obras sobre o assunto e foi consultor histórico de duas consagradas séries de televisão sobre o tema no canal BBC (CIA DAS LETRAS, 2015). João Ribeiro Jr. é um escritor gaúcho formado em Direito pela USP e em História e Estudos Sociais pela PUCCAMP. É Mestre em Filosofia Social e Doutor em Filosofia da Educação pela UNICAMP (RIBEIRO JR., 1991). 4.1.1 Hitler e a Alemanha Como tudo começou Para compreender o contexto histórico das enunciações de Adolf Hitler, é necessário, inicialmente, entender como a história dele e da Alemanha se cruzaram. Portanto, neste
capítulo será retratado o início da vida de Hitler, mais precisamente de seu nascimento, em 1889, até o ano de 1920, quando entrou para a cena política alemã. Simultaneamente, é apresentado um breve histórico da Alemanha, em especial o contexto do país no início da 1ª Guerra Mundial, em 1919, e os principais acontecimentos até 1920. Conforme Kershaw (2010), Adolf Hitler nasceu em 20 de abril de 1889, na Áustria. Filho de Alois e Klara foi o quarto filho do casal, porém, o primeiro a sobreviver à primeira infância — naquela época, eram comuns as mortes de bebês. A família tinha uma vida confortável de classe média. Porém a vida familiar deixava a desejar em harmonia e felicidade. Alois era o arquétipo do funcionário público provinciano: pomposo, orgulhoso de sua posição social, rígido, destituído de humor, frugal, pedantemente pontual e devotado ao dever. Era visto com respeito pela comunidade local. Mas tinha um mau humor que podia explodir de forma bastante imprevisível. Em casa, era um marido despótico e dominador e um pai severo, distante autoritário e, com frequência, irritadiço. (KERSHAW, 2010, p. 38).
Em contrapartida, o autor afirma que todo o amor e dedicação que Hitler não recebeu do pai, foi compensado pela mãe. Ela era extremamente submissa, dedicada aos filhos e ao lar. A perda de alguns filhos a fizera sofrer e, por consequência, dispensava um amor, até sufocante, sobre os sobreviventes. Eram constantes as brigas em casa, pois o pai autoritário e mal humorado não suportava as peraltices das crianças, sendo que Adolf — que sempre enfrentava o pai — apanhava quase todos os dias (KERSHAW, 2010). A família se mudava com frequência, porém, foi na cidade de Linz (Áustria), na qual chegou em 1898, que criaram raízes. Na escola, Hitler tinha um mau desempenho, era visto como teimoso e de poucos amigos. Teve diversos conflitos com seu pai sobre o que seguiria estudando, o que teria de profissão, até que, em 1903, o pai de Adolf morreu. Adolf seguiu na escola até 1905, com desempenho ruim, até que largou os estudos. Hitler seguiu vivendo em dependência da mãe, escrevendo poesias, indo a óperas e teatros e, acima de tudo, sonhando com o seu futuro artístico. Naquela época, conforme conta Kershaw (2010), Hitler ainda não se considerava antissemita e não há nenhum registro de que ele tivesse algum tipo de preconceito nesse sentido. Relata Kershaw (2010) que, em 1907, a mãe de Hitler faleceu e ele seguiu para Viena (Áustria), iniciando uma sequência de tentativas frustradas de entrar na Escola de Artes. Foram cinco anos morando na cidade sem trabalho, vivendo da pensão deixada pela sua mãe. Durante aquele período, continuou frequentando óperas, teatros e museus e tentando ser
aceito na Escola de Artes. Quando o dinheiro acabou, passou por sérias dificuldades, chegando a morar na rua como indigente até chegar a um abrigo chamado Lar dos Homens, onde conseguiu recuperar um pouco de dignidade. Para se sustentar, passou a vender alguns quadros pintados por ele. Entretanto, a boa fase não durou muito, pois não trabalhava com muito afinco. Bastante significativo é que, conforme Lenharo (1995), naquela época Viena era composta pelo proletariado, uma minoria rica e inúmeros intelectuais e artistas, sendo a maioria desses, pertencentes à comunidade judaica. Considerada um centro cultural e científico, a cidade já convivia com um forte antissemitismo, tema presente, inclusive, na ideologia de dois importantes partidos políticos da época: o nacionalista e o socialista cristão — este último elegeu um de seus membros como prefeito de Viena. Na mesma linha, Kershaw (2010) entende que, naquele período, Viena era o maior território antissemita da Europa. Segundo o autor, atitudes como tentar punir relações sexuais entre judeus e colocálos sob vigilância no período da Páscoa — com o objetivo era evitar o ritual (inventado pelos radicais) de matança de crianças — eram comuns e frequentes. Lueger e Schönerer, políticos da época, incitavam o ódio aos judeus e, com isso, aumentavam a popularidade de seus partidos. Kershaw (2010) presume que Hitler tenha aprendido alguma lição nesse sentido. A cidade contava com diversas publicações dedicadas ao antissemitismo. Inicialmente, Hitler não teria se interessado por elas, Mas a subserviência da imprensa dominante no tratamento da corte dos Habsburgos e a difamação do Kaiser alemão o levaram gradualmente para a linha ‘mais decente’ e ‘mais apetitosa’ do jornal antissemita Deutches Volksblatt. A crescente admiração por Karl Lueger ‘o maior prefeito alemão de todos os tempos’ ajudou a mudar sua atitude em relação aos judeus ‘minha maior transformação de todas’. (KERSHAW, 2010, p. 71).
O jornal antissemita que Hitler elegeu como preferido vendia 55 mil cópias por dia. No conteúdo, destacavamse a responsabilização dos judeus pela corrupção e a vinculação deles a escândalos sexuais, prostituições e perversões em geral. São dessa conjuntura preconceituosa, de acordo com Kershaw (2010), os registros do grande interesse de Hitler pelo antissemitismo e de seu abraço à causa, concordando com o que a imprensa e a maioria da população vienense alegavam sobre os judeus. A partir daí, Hitler teria passado a ver os judeus não como um povo devoto a uma religião, “mas [como]
um povo em si mesmo” (KERSHAW, 2010, p. 72). Desse ponto em diante, todas as situações que o desagradavam, como a imprensa liberal e a prostituição, eram vinculadas aos judeus. Para Hitler, os judeus eram o povo que mais fortalecia a social democracia, logo, tudo que estivesse ligado ao tema — líderes partidários, sindicalistas, imprensa marxista etc. — era culpa deles. Além disso, naquela época, já era possível perceber a disposição de Hitler por discutir política, música ou arquitetura: A política era um tema frequente de conversa na sala de leitura do Lar dos Homens e os ânimos esquentavam com facilidade. Hitler participava ativamente das discussões. Seus ataques violentos aos socialdemocratas causavam confusão com alguns dos residentes. Ele era conhecido por sua admiração por Schönerer e Karl Hermann Wolf (fundador e líder do Partido Radical alemão, que tinha sua principal base nos Sudetos). Também elogiava as realizações de Karl Lueger, prefeito de Viena e reformista social, mas antissemita raivoso. Quando não estava discorrendo longamente sobre política, Hitler dissertava para seus camaradas dispostos a ouvir ou não sobre as maravilhas da música de Wagner e o brilhantismo dos projetos de GottfriedSemper para os prédios monumentais de Viena. (KERSHAW, 2010, p. 66, 67).
O autor segue o relato colocando que, em 1913, quando completou 24 anos de idade, Adolf Hitler pode sacar a herança deixada pelo pai. Foi então que decidiu ir para Munique (Alemanha) na tentativa de ingressar na Escola de Artes local. Conforme Schilling (1988), naquele momento a Alemanha era um Reich (Estado Nacional Alemão) formado por 25 estados unificados, cada um com suas constituições, regras eleitorais e economias distintas. O governo era Imperialista e exercido pelo rei da Prússia maior estado em população e extensão do Reich . Com o título de Kaiser da Alemanha, o governante possuía total poder sobre o Exército, a Marinha, assuntos estrangeiros, correios, telégrafos, comércio e alfândega. “O Imperador detinha o poder executivo e delegava seus poderes a um Chanceler do império (Reichschanceller), responsável somente perante ele e não perante o Parlamento ( Reichstag )” (SCHILLING, 1988, p. 12, grifos do autor). De acordo com Ribeiro Jr. (1991), durante o governo do Imperador Guilherme II (18881918) surgiram na Alemanha importantes trabalhos científicos e artísticos, além de o país ter se tornado referência industrial na Europa. Foi esse crescimento do país, somado aos ideais prussianos de disciplina e obediência, que incitaram o sentimento de supremacia
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nacional, que se constitui nas “teses pangermanistas (reunião em nome da raça de todos os povos de origem germânica). [...] Teóricos racistas já então solicitam ao Estado que cuide dos elementos mais válidos da população e extermine os inferiores” (RIBEIRO JR., 1991, p. 12). Sem conseguir ser aceito na Escola de Artes de Munique também, segundo Kershaw (2010), Hitler alugou um quarto e passou a se sustentar através da venda dos quadros e cartões postais que pintava. Seguiu com seu jeito reservado, recluso e sem amigos. Lia muito, normalmente os jornais disponíveis nos cafés que frequentava e os livros retirados na Biblioteca do Estado e Corte Real. Conforme o autor, o único contato que tinha com pessoas era as discussões em cafés e cervejarias sobre temas políticos, expressando suas fervorosas opiniões. Até que, em 1914, um fato mudaria a sua rotina: No domingo, 28 de junho de 1914, veio a sensacional notícia do assassinato do herdeiro do trono austríaco, o arquiduque Francisco Ferdinando, e de sua esposa, em Saravejo. Como outros países da Europa, a Alemanha foi tomada pela febre da guerra. No início de agosto, o continente já estava mergulhado no conflito. (KERSHAW, 2010, p. 85).
Navarro (2014) afirma que a morte de Francisco Ferdinando foi, de fato, o estopim da 1ª Guerra Mundial, mas que não foi o único motivo para que ela acontecesse. Para ele, esse acontecimento foi a justificativa que faltava para vários países da Europa acertarem antigas questões, como disputas de território e diferenças políticas, por exemplo. Instaurada a guerra, ficaram de um lado os Aliados (Inglaterra, França, Itália, Estados Unidos, Sérvia e Rússia) e, do outro, os Impérios Centrais (Alemanha, Bulgária e os Impérios AustroHúngaro e TurcoOtomano). O sentimento de apoio à guerra, conforme relata Ribeiro Jr. (1991, p. 13), tomou conta de toda a Alemanha, pois a ideologia militarista, que era forte na época do Segundo Reich do Kaiser Guilherme II, Apresentava a guerra como uma realidade indiscutível, um destino herdado que acorrentava cada indivíduo à nação, quer ele quisesse ou não. A guerra oferecia uma interrupção na monotonia rotineira, um inimigo a odiar e uma causa a defender, ou seja, livre campo para todos os sentimentos militaristas e heroicos reprimidos pela sociedade europeia do século XIX.
Conforme Kershaw (2010), já aos 25 anos de idade, Hitler já não tinha família, profissão ou amigos, apenas colecionava fracassos nas tentativas de ingressar em Escolas de Magalhães (1998 apud MENDES, 2009) afirma que o Pangermanismo é uma forma de nacionalismo em nível macro e que um de seus principais objetivos era expandir a nacionalidade alemã aos alemães espalhados pelo exterior, visando manter nessas colônias a cultura e a língua alemã como língua oficial. 9
Artes e acalentava o sonho de se tornar um grande arquiteto. A guerra teria dado a ele a possibilidade de defender uma causa, um compromisso, um emprego. Junto a isso, desde a juventude, Hitler admirou a cultura, a arquitetura, a música, a arte e a literatura alemã. Apesar de austríaco, ao chegar a Berlim, em 1913, sentiu que ali era o seu lugar, que estava em casa. A chance de defender o país que tanto admirava foi para ele, naquele momento, uma oportunidade para traçar uma missão na vida (KERSHAW, 2010). Assim, em 1914, Hitler se alistou no Exército alemão. Atuou na 1ª Guerra Mundial como um mensageiro totalmente fiel e compenetrado. Nos momentos junto dos demais soldados, seguiu sua rotina de discursar por horas sobre os temas que mais lhe causavam empolgação: judeus, pureza ariana e a força da Alemanha (KERSHAW, 2010). Segundo Ribeiro Jr. (1991, p. 15), quando os Aliados iniciaram a ofensiva final contra a Alemanha, em novembro de 1918, o Alto Comando Alemão decidiu negociar um armistício na tentativa de impedir uma total destruição. Porém, após a tomada dessa decisão, espalhouse a informação de que o principal motivo da rendição alemã era a preservação do Exército e não do povo, o que causou fortes revoltas por todo o país. Kershaw (2010) narra que foi criado, então, o chamado Conselho Nacional provisório, liderado por sociaisdemocratas do SPD (Partido Social Democrático da Alemanha) e radicalistas do partido USPD (Partido Social Democrata Independente da Alemanha). O Ministro Presidente escolhido para liderar tal Conselho foi o judeu e socialista radical de esquerda Kurt Eisner. Segundo o autor, o assassinato de Eisner por um estudante exoficial aristocrata, em 1919, estabeleceu o caos no país, que chegou a uma quase anarquia. Isso porque, com a morte do Ministro Presidente, a USPD e anarquistas proclamaram a Räterepublik (República dos Conselhos) na Baviera, região sudeste do país. Eles alegavam que ou os comunistas tomariam o poder ou a “verdadeira” Räterepublik um governo estilo soviético seria instaurada na Baviera. Naquele mesmo ano, por conta de um ataque de gás mostarda que o deixou provisoriamente sem visão, Hitler precisou sair das trincheiras para ser atendido em hospital de Berlim. Ainda hospitalizado, ouviu pelo rádio a notícia da derrota alemã no confronto e da assinatura do Tratado de Versalhes, documento que formalizava a derrota da Alemanha na 1ª Guerra Mundial e colocava algumas regras que o país deveria seguir dali em diante. Recuperado do acidente e recémchegado de volta a Munique, Hitler se viu sem vínculos ou emprego. Aos trinta anos de idade, aceitou seguir trabalhando para o Exército naquele
momento, ainda liderado pela República dos Conselhos ( Räterepublik ) por um pequeno salário, mas principalmente por moradia e alimentação (KERSHAW, 2010). Inicialmente, ainda conforme Kershaw (2010), Hitler realizou alguns trabalhos por curtos períodos. Atuou como auxiliar na vigia no Traunstein (campo de prisioneiros de guerra) e na estação central de trem Hauptbanhof para manter a ordem entre os que chegavam e partiam. Cooperou com o departamento de propaganda do governo socialista para transmitir material educacional aos soldados. Logo após declarada a Räterepublik , os conselhos de soldados realizaram eleições para eleger representantes dos quartéis, a fim de garantir que o exército se mantivesse fiel ao novo regime. Hitler foi eleito VicePresidente do seu quartel. Isso, para o autor, prova que Hitler não só participou da Räterepublik como também foi um de seus representantes. Apesar de contraditório, Kershaw (2010, p. 105) conclui que esse apoio inicial de Hitler aos sociaisdemocratas representou “um ajuste oportuno que não traía nenhuma de suas simpatias pangermanistas nacionalistas” frente aos homens que trabalhavam próximos a ele. Em maio de 1919, segundo o autor, a direita radical conseguiu vencer a Räterepublik e toda a violência utilizada para retirarlhe o poder foi justificada como uma resposta legítima à 10
ameaça e ao perigo do bolchevismo . O período da Räterepublik foi marcado por pouca liberdade, falta de comida, imprensa censurada, greve geral e caos generalizados. “Ela [a Räterepublik ] durou pouco mais de quinze dias, mas acabou em violência, sangue e profunda recriminação, impondo um legado funesto ao clima político bávaro” (KERSHAW, 2010, p. 101). Kershaw (2010) sustenta que a vinculação da imagem dos bolcheviques e dos judeus às desgraças da população há muito já se dava na Áustria. Por conta dos acontecimentos horríveis daquele período, o mesmo passou a ocorrer na Alemanha e no restante da Europa. Quando o socialismo de esquerda foi derrotado de vez, a Baviera era conservadora e encantava extremistas de direita. Kershaw (2010, p. 20) resume o momento e o que o sucede
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A palavra bolchevique significa “maioria” no idioma russo. Essa palavra passou a ser usada, no começo do século XX, para designar os integrantes mais radicais do POSDR (Partido Operário Social Democrata Russo). Esse partido foi fundado em 1898 e se opunha ao regime czarista de Nicolau II na Rússia. Os bolcheviques eram favoráveis a uma mudança radical na Rússia, com a queda do czarismo e implantação da ditadura do proletariado, através de uma revolução comunista. Para eles, o novo governo russo, pós revolução deveria ser composto por uma união entre os operários e os camponeses. Sua pesquisa.com. Disponível em: Acessado em: 03 set. 2015.
como “circunstâncias de uma sociedade alemã traumatizada por uma guerra perdida, levantes revolucionários, instabilidade política, miséria econômica e crise cultural”. Ribeiro Jr. (1991) conta que, após a queda da Räterepublik, foi instaurada no país a república, liderada pela Coligação de Weimar. Tal associação era formada pelo Partido Social Democrata, Partido do Centro Católico e Partido Democrata Alemão. Foi durante o governo da Coligação que o Tratado de Versalhes foi assinado, em junho de 1919. O Tratado de Versalhes, que tinha 200 páginas e 440 artigos, fez com que a Alemanha perdesse cerca de 13,5% de seu território e potencial econômico e quase 10% de sua população; estabeleceu que o exército alemão não poderia ter mais de 100.000 homens entre oficiais e soldados, e a marinha ficaria com 15.000. Não haveria força aérea alemã; seria abolido o EstadoMaior e não haveria Escola de Guerra, ficando também proibida a conscrição militar. (RIBEIRO JR., 1991, p. 21).
Dessa forma, entendese que, no momento em que enfrentava a sua derrota na 1º Guerra, a Alemanha tomou o Tratado de Versalhes como uma importante barreira à sua reconstrução. Por isso, a assinatura de tal acordo aumentou o descontentamento do povo com o governo, que não mostrava força para resolver a crítica situação do país. Conforme relembra Bercovici (2003, p. 11), após o término da 1ª Guerra Mundial, surgiram na Alemanha diversas Constituições que tinham como objetivo comum “estabelecer uma democracia social, abrangendo os dispositivos sobre a ordem econômica e social, família, educação e cultura, bem como instituindo a função social da propriedade”. A mais importante dessas Constituições, e a que influenciou todas as outras, foi Constituição de 11
Weimar . Segundo Ribeiro Jr. (1991), essa constituição foi um grande feito para o país, porém, os governos que se formaram não tinham autoridade o suficiente para evitar a resistência da população em aceitar a suspensão das tradições autoritárias do Imperialismo existentes antes da guerra. Além disso, o povo responsabilizava a República recém formada pela derrota na guerra. Ainda naquela conjuntura, o governo republicano — incentivado por grandes industriários e proprietários de terras que ainda não estavam sentindo muito a crise econômica do país — concordou com a queda do marco (atual moeda do país). A proposta era dispensar o Estado da dívida pública e boicotar financeiramente os franceses, que haviam ocupado a região industrial no Ruhr (após a derrota na Guerra). O autor afirma que, frente àquela 11
De acordo com Ribeiro Jr. (1991, p. 121), essa Constituição foi “[…] chamada de Weimar, porque a Assembleia Nacional Constituinte reuniuse na pequena cidade de Weimar, longe do agitado proletariado de Berlim. […] Elaborada pelo jurista judeu Hugo Preuss, é promulgada, instaurandose na Alemanha uma república democrática, federativa, parlamentar”.
situação, “nacionalismo alemão começa a pregar contra o internacionalismo do capitalismo burguês e contra o internacionalismo comunista, atrás dos quais se vislumbram a presença dos judeus” (RIBEIRO JR., 1991, p. 21). O Exército, por sua vez agora liderado pelos generais de direita que derrotaram a República dos Conselhos , criou um Departamento da Informação com o objetivo de educar os soldados da forma “correta”, ou seja, baseada no nacionalismo antibolchevique. O departamento criou cursos de oratória visando preparar os membros importantes de sua tropa, “que permaneceriam por tempo considerável no Exército e funcionariam como agentes de propaganda com qualidades de persuasão capazes de anular as ideias subversivas” (KERSHAW, 2010, p. 106). A organização das diversas palestras antibolcheviques ficou sob responsabilidade do capitão Karl Mayr. Mayr era não só um importante capitão do Exército, era também um financiador de partidos políticos, organizações e publicações de cunho patriótico, além de ser organizador de diversos cursos educativos para ensinar ideologias e pensamentos políticos. O capitão conheceu Hitler dentro do Exército, logo após o fim da revolução e identificou nele as características do bom orador que ele buscava para ministrar seus cursos. Mayr convidou Hitler, então, para fazer parte do Departamento de Informação. Hitler aceitou e, por conta disso, pela primeira vez começou a receber uma educação política. Mayr teria escolhido as palestras que Hitler ouviria, todas de oradores importantes de Munique. Após as palestras, Hitler falava para um grupo de colegas, demonstrando suas ideias de forma firme e apaixonada. Os palestrantes perceberam como Hitler se sobressaia perante os demais colegas e contaram a Mayr, que o escolheu para a primeira turma de instrutores do Departamento de Informação (KERSAHW, 2010). Adolf Hitler começou assim, portanto, seu trabalho de instrutor, o que lhe rendeu prestígio e destaque dentro do Exército. Sua capacidade de convencer e mobilizar seus ouvintes sobre aquilo que falava passou a ser reconhecida não só no Exército, mas também, pelo público em geral em cervejarias e pequenos comícios. Sua fama de excelente orador resultou em convites para atuar na política. Entre os convites recebidos, esteve o do Presidente do Partido dos Trabalhadores Alemães (DAP), Anton Drexler. O DAP surgiu do Comitê dos Trabalhadores para uma Boa Paz, que organizavam reuniões lideradas por Drexler um serralheiro, nacionalista e racista para tentar causar na classe operária de Munique uma motivação para os esforços de guerra (KERSHAW, 2010).
Kershaw (2010) afirma que, em setembro de 1919, Hitler aceitou afiliarse ao partido. Deu início, assim, à sua grandiosa e catastrófica trajetória política, sempre marcada por discursos longos e fortes, capazes de mobilizar e atrair apoiadores para as suas mais insanas ideias. As citações que seguem mostram algumas características daqueles discursos, bem como da performance de Hitler como orador: Hitler falava a partir de anotações simples, em geral uma série de tópicos rabiscados com palavraschave sublinhadas. Via de regra, um discurso durava em torno de duas horas ou mais. No Festival da Hofbräuhaus, usou uma mesa como plataforma em uma das longas laterais do salão para ficar no meio da plateia — uma técnica nova que ajudava a criar o que ele chamava de ‘clima especial’ no salão (KERSHAW, 2010, p. 123, 124). Ele era, sobretudo, um ator consumado. Isso se aplicava certamente às ocasiões encenadas — as entradas atrasadas no salão lotado, a construção cuidadosa de seus discursos, a escolha de frases pitorescas, os gestos e linguagem corporal. Seu talento natural era controlado por habilidades de encenação bem afiadas. Uma pausa no começo para permitir que a tensão aumentasse; um início em tom menor, até hesitante; ondulações e variações da dicção, por certo não melodiosas, mas vívidas e 12 13 muito expressivas; irrupções quase staccato de frases, seguidas por rallentandos bem calculados por expor a ênfase num ponto essencial; uso teatral das mãos à medida que o discurso ganhava um crescendo; graça sarcástica dirigida contra os adversários: tudo isso eram recursos cuidadosamente cultivados para maximizar o efeito (KERSHAW, 2010, p. 207).
Tendo Hitler como orador, o Partido dos Trabalhadores Alemães começou a crescer, colocandose, definitivamente, no mapa político de Munique em 1920. Poucos meses após entrar para o partido, Hitler já era o braço direito de Drexler: ajudou o fundador na construção dos 25 pontos do programa do partido e na mudança do nome do partido para NSDAP 14
(Partido NacionalSocialista dos Trabalhadores Alemães) nome que representavam melhor os ideais do grupo. Enquanto isso, Adolf Hitler levava a vida entre a política e palestras no serviço militar, mas o povo o reconhecia como o próprio NSDAP. Entretanto, naquele momento, o partido ainda se tratava de um movimento local, sem forças em comparação a outros partidos socialistas e católicos já consolidados na época (KERSHAW, 2010).
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Staccato, advérbio relativo à música que “designa que o trecho deve ser executado destacando nitidamente cada nota” (MICHAELIS, 2015). Disponível em: . Acessado em 20 set. 2015. 13 Palavra italiana que significa: parando pouco a pouco. InFormal, Dicionário Online. Disponível: < http://www.dicionarioinformal.com.br/rallentando/>. Acessado em 03 out. 2015. 14 De acordo com REIS (2006), o nacional socialismo que embasava o nazismo era o mesmo criado por Ferdinand Lassale, no século XIX. Lassale inspiravase em Fichte e defendia a necessidade do socialismo, porém apenas dentro do território nacional. Ele queria um socialismo moral, no qual o homem seria livre e tudo o que fosse produzido no país seria divido com os compatriotas.
Essa foi, portanto, a trajetória da vida de Hitler até sua entrada na política. Hitler trazia um discurso convicto, bem articulado e cheio de vigor, além de promessas calcadas na união do povo e na valorização da raça alemã. Considerando tudo isso e a realidade da Alemanha no momento em que ganhou destaque político, entendese que o NSDAP parecia uma solução atrativa à população. Levando em conta que Hitler veio de uma família liderada por um pai autoritário, disciplinador e frio e, por outro lado, por uma mãe que sufocava os filhos de amor e regalias, é possível supor que ele sofresse de algum tipo de desequilíbrio emocional. As frustrações pelas quais passou durante a adolescência e juventude, bem como a morte dos pais quando ainda jovem, podem ter contribuindo para sua maneira solitária e extremamente racional de levar a vida. A vida vazia, sem amigos ou afeto, pode ter contribuído também para que Hitler visse no alistamento militar e, depois, na entrada para a política, a grande chance de se sentir valorizado. Isto é, a partir dos estudos feitos, depreendese que a frieza de Hitler foi construída com o passar dos anos tendo como fundamento esses aspectos de sua trajetória. Além disso, o incondicional interesse e admiração de Hitler pelas artes plásticas, música clássica e literatura revelam que, contraditoriamente, ele também apresentava alguma sensibilidade. A descoberta da sua qualidade como orador lhe deu mais do que a oportunidade de seguir carreira política, deulhe uma razão de vida. Uma forma de defender os ideais que acreditava desde a juventude. 4.1.2 A trajetória política de Hitler Dando sequência ao relato da trajetória de vida de Hitler, ainda com o objetivo de compreender o contexto das suas enunciações, cabe aqui apresentar o seu percurso político do ano de 1920, quando entrou no partido NSDAP (Partido NacionalSocialista dos Trabalhadores Alemães), até o ano de 1934, quando alcançou o poder total da Alemanha. Conforme Kershaw (2010), em fevereiro de 1921, Hitler fez seu primeiro grande discurso no partido NSDAP. Frente às duas mil pessoas presentes, Hitler falou em tom agressivo e com linguagem expressiva. Ele apresentou os 25 pontos do partido Nazista e anunciou “sob uma tempestade de aplausos, aquele que viria a ser o slogan do partido: ‘Nosso lema é somente a luta. Seguiremos nosso caminho inabalável para nossa meta’” (KERSHAW, 2010, p. 121). O apoio do povo não foi total, nem imediato, pois ainda havia muitos
revolucionários e seguidores da oposição comunista e democrática, espalhados pelo país. Porém, já era claro que os comícios do partido reuniam muitas pessoas e que, assim como queriam seus organizadores, causavam confusões e discussões. A finalidade, naquele momento, era chamar o máximo a atenção para o partido. Por conta daqueles eventos — de acordo com Kershaw (2010), cada vez mais populosos e tumultuados —, em agosto de 1921 foi organizado um esquadrão de proteção do salão. O esquadrão acabou se tornando a Tropa de Choque ( Sturmabteilung ), popularmente conhecida como a SA. Ribeiro Jr. (1991) explica que a SA, uma organização paramilitar liderada por Ernest Röhm, foi uma forte aliada na disseminação da ideologia Nazista, criando e mantendo o ambiente de terror e violência ao atacar judeus e comunistas. Segundo Kershaw (2010), o partido contava com padrinhos e patrocinadores, mas como o investimento em propaganda e em comícios era muito alto, o valor arrecadado não era o suficiente, fazendo com que as dívidas se acumulassem. Em 1921, o Partido Socialista Alemão (DSP) — que há muito já vinha observando Hitler e realizando ofertas de união — aproveitou para intensificar as propostas. Hitler era totalmente contra, pois não concordava com os ideais daquele partido. Naquele mesmo período, conforme o autor, ganhou destaque em Munique o Dr. Otto Dieckel, fundador de uma organização nacionalista, autor de livros e excelente orador. Devido às semelhanças entre seus ideais e os do NSDAP, bem como do sucesso que estava fazendo após a publicação do seu livro, Dieckel recebeu um convite do NSDAP para um comício em uma cervejaria na qual Hitler normalmente falava. Dieckel também participou de reuniões do partido, chegando a sugerir mudanças em seu programa e sua união com o DSP. Kershaw (2010) afirma que, ao saber de tudo isso, Hitler se sentiu contrariado. Ao entender que a sua função de principal orador do partido — logo, de principal mobilizador — estava ameaçada, Hitler iniciou seus ataques de fúria. O autor relata que, quando não concordava com algo, Hitler não costumava argumentar: partia para ataques de revolta e exigia que sua vontade prevalecesse. Naquele caso, não foi diferente: escreveu uma carta informando sua saída do partido caso a fusão com o DSP ocorresse. Na visão de Hitler, aquele partido não compartilhava dos mesmos ideais do NSDAP. O histrionismo de primadona era parte da maquiagem de Hitler e continuaria a sêlo. Seria sempre a mesma coisa: ele só conhecia argumentos do tipo tudo ou nada; não havia nada no meio, nenhuma possibilidade de alcançar um acordo. Sempre numa posição maximalista, sem outra saída, ele arriscava tudo. E, se não
conseguisse o que queria, tinha um acesso de raiva e ameaçava ir embora. (KERSHAW, 2010, p. 136).
De acordo com o autor, mais uma vez essa tática deu certo e o partido não arriscou perder seu maior orador, já bastante conhecido por mobilizar as multidões. Por isso, Drexler um serralheiro, nacionalista e racista, líder do Partido dos Trabalhadores Alemães (DAP) , procurou Hitler e questionou quais seriam suas exigências para voltar para a organização. Hitler afirmou que voltaria desde que se tornasse Presidente do partido, com poder total de decisão e sem possibilidade de contestações. Assim, Hitler conseguiu a autoridade necessária para dar o rumo que quisesse ao partido, garantindo o seu papel principal. No decorrer dos anos, o NSDAP, partido de Hitler, tornouse cada vez mais conhecido, conquistando ainda mais adeptos. Seus comícios, sempre muito lotados, criticavam fortemente a República de Weimar, os judeus e o Tratado de Versalhes. Em 1922, 15
Mussolini se tornou o Primeiro Ministro da Itália, motivando os membros do NSDAP a adotar o totalitarismo também na Alemanha, considerando Hitler o líder que salvaria o país (KERSHAW, 2010). Em 3 de novembro de 1922, menos de uma semana depois do golpe de Estado na Itália, Herman Esser proclamou para um Festival lotado na Hofbräuhaus: ‘O Mussolini da Alemanha chamase Adolf Hitler’. Esse gesto marcou o momento simbólico em que os seguidores de Hitler inventaram o culto ao Führer A difusão das ideias fascistas e militaristas na Europa do pósguerra significava que as imagens de ‘liderança heróica’ estavam ‘no ar’ e, de forma alguma, estavam confinadas à Alemanha. O surgimento do culto do Duce na Itália oferece um paralelo óbvio. (KERSHAW, 2010, p.143).
Kershaw (2010) afirma que, motivados com os acontecimentos da Itália, Hitler e seu partido resolvem organizar o Putsh (ou Putsch , que significa golpe em português). O alvo era Gustav Von Kahr, Ministro Presidente do governo da Baviera que tinha como objetivo transformar a região em uma unidade de ordem, representando os verdadeiros valores nacionalistas. Para Kahr, Hitler não passava de um propagandista.
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“ Benito Mussolini foi um jornalista, militar, político e estadista italiano. Foi um dos fundadores do fascismo na Itália, regime totalitário que vigorou no país entre 1922 e 1945. Governou a Itália durante todo este período. Seu governo foi caracterizado pelo totalitarismo, perseguição e execução de oposicionistas políticos, expansionismo territorial, nacionalismo, antissocialismo e militarismo”. (SUA PESQUISA). Disponível em : . Acessado em: 27 set. 2015
A ideia no Putsh era invadir um comício de Kahr, anunciar a revolução liderada pelos Nazistas e exigir apoio. Porém, a má organização do partido NSDAP fez com que o plano não desse certo: […] por volta de 20:20, em 8 de novembro de 1923, Hitler e mais de uma dezena de apoiadores, incluindo Hermann Göring, Rudolf Hess e Alfred Rosenberg, forçaram passagem para entrar no Bürgerbräukeller, enquanto Kahr discursava para um público de milhares. Fora da cervejaria, unidades da SA aguardavam as saídas. Depois que um tiro foi disparado para o teto da cervejaria, Hitler anunciou que a revolução tinha começado. Ele e seus camaradas então forçaram as figuraschave do triunvirato — Kahr, Von Seisser e Von Lossow — a irem para uma sala anexa. Mas Hitler deparouse com um problema: nenhum dos três se animou a apoiar a causa nazista. Foi necessária a chegada de Ludendorff na cervejaria para fazer com que eles finalmente ofertassem um consentimento indiferente. Hitler, que havia anunciado de forma melodramática a Kahr e seus colegas que se suicidaria se o golpe não fosse bemsucedido, saiu, em Munique, para tentar angariar apoio para o Putsh em outros lugares, deixando Ludendorff no controle, no Bürgerbräukeller. No entanto Ludendorff — sendo um oficial à moda antiga — acabou optando por liberar Kahr, Von Seisser e Von Lossow, aceitando a palavra de honra dos três em apoio à revolução. Foi um erro catastrófico, como Hitler percebeu, mais tarde, ao regressar ao Bürgerbräukeller naquela noite e descobrir que os três homens haviam desaparecido. Agora, todos eles haviam retirado a promessa de apoio ao nazismo, e trabalhavam ativamente contra o Putsh. (REES, 2013, p. 56, 57).
Assim, segundo o autor, anunciavase o fim da revolução que havia apenas começado. No dia seguinte, os Nazistas acreditando na vitória, organizaram uma marcha pelas ruas a fim de pressionar o governo. Porém, foram interrompidos pelos oponentes. Houve tiroteio, várias mortes e, de fato, o fim da “revolução”. Dois dias depois, Hitler foi preso, como o líder do Putsh . No entanto, a tentativa de golpe de estado e a prisão serviram para popularizar Hitler, dessa vez, nacionalmente. Ele estava sendo visto por muitos como um homem de coragem e bravura. Sua pena foi branda, acreditase, devido à simpatia do juiz pelo nazismo. Naquele período, Hitler escreveu seu livro Mein Kampf ( Minha luta , em português) e se afastou do partido. Recebeu milhares de cartas de apoiadores e incentivadores parabenizandoo por sua coragem. Quando saiu da prisão, em 1924, cumprindo menos de um terço da sua pena, Hitler foi proibido de organizar o partido novamente e de realizar comícios. Entretanto, aos poucos conseguiu reverter essas punições, reorganizando o NSDAP e entrando forte para a política novamente. Criou o símbolo do partido — a suástica branca sobre um fundo vermelho — e realizou diversos comícios para grandes públicos (KERSHAW, 2010). No primeiro comício do partido autorizado legalmente, em meados de 1926, conforme Kershaw (2010) houve a primeira apresentação em público da Brigada de Defesa
( Schutztaffel ), a SS. Organizada em abril de 1925, a SS era responsável por fazer a guarda pessoal de Hitler. No mesmo ano, de acordo com Bartoletti (2006), foi oficialmente criada a Juventude Hitlerista (JH). Conforme a autora, essa organização surgiu da vontade de Hitler em criar uma Alemanha nova, marcada pela força e jovialidade. Por outro lado, para os jovens, a JH significava um ambiente de aventura, que oferecia um ideal e heróis aos quais seguir e admirar. Além disso, considerando o período de revoltas do pósguerra, alguns participantes desse grupo consideravam a entrada na JH uma oportunidade de se revoltarem contra os pais, a religião e a escola. Outro acontecimento importante é destacado por Ress (2013): tratase da quebra da 16
bolsa de Wall Street , em 1929. Apenas quatro meses depois, mais de três milhões de alemães já estavam desempregados. Em 1930, os Democratas Sociais e o Partido Liberal Popular se uniram, mas fracassaram, pois não chegaram a um acordo sobre o melhor caminho para resolver a crise. Naquele momento, Hitler já estava no cenário político há 10 anos (desde 1920) e costumava discursar criticando e debochando da democracia multipartidária, deixando clara a sua intenção de criar um estado totalitário. Além disso, alegava que a situação difícil só poderia se resolver através da condução do país por um homem forte, que uniria o povo novamente através da solidariedade. De acordo com Rees (2013), em 1931 o banco alemão DanatBank quebrou, o que se caracterizou como um terceiro acontecimento marcante no contexto alemão da época. Além dos desempregados que já vinham sofrendo muito com a crise, a classe média também passou a enfrentar problemas, fazendo com que aumentasse o número de pessoas propensas a crer nas promessas de Hitler. Até 1932 o número de desempregados só cresceu, chegando a seis milhões. Segundo o autor, tal situação contribuiu para que a mensagem de Hitler, que há muito já falava de união e solidariedade através de um líder forte, parecesse mais pertinente e uma real esperança de solução. Kershaw (2010) indica que, sem emprego, os homens só tinham duas opções: ou se tornavam comunistas ou filiavamse ao partido e entravam para a SA. Fazendo parte dessa
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Grandes instituições estão em Wall Street, região de Manhattam (EUA) que concentra os mais importantes bancos e bolsas de valores norteamericanos. No entanto, aquela rua que hoje é um dos centros nervosos da economia capitalista, nem sempre teve seu nome ligado a quantias vultuosas de dinheiro e a agitação das negociatas de agentes financeiros (HISTÓRIA DO MUNDO, 2015) . Disponível em: . Acessado em 27 set. 2015.
organização, os indivíduos recebiam alimentação e uniformes, ou seja, roupas e calçados novos. Naquela época, era muito difícil atender às necessidades básicas como essas. “O desespero econômico conduzia a um confronto violento nas ruas. A sociedade alemã parecia estar se dividindo politicamente, à medida que crescia o apoio aos Nazistas e também aos comunistas” (KERSHAW, 2010, p. 79). Essa divisão política só se acentuou com o passar dos meses. O número de apoiadores ao partido de Hitler aumentou, assim como aumentou significativamente o número de integrantes das organizações que foram surgindo como apoio ao partido, como a SA, SS e JH. Em maio de 1932, de acordo com Kershaw (2010), terminaria o mandato de sete anos do Presidente Hindenburg, da República de Weimar. Hitler viu surgir aí a oportunidade de concorrer à presidência, mas titubeou. Depois de um mês pensando sobre o assunto, comunicou sua participação nas eleições, pois percebeu que se não encarasse esse desafio poderia perder muitos de seus apoiadores e sua mensagem de liderança do povo alemão perderia o sentido. Entretanto, havia uma questão a ser resolvida: ele não era cidadão alemão. Tomaramse então medidas rápidas para designálo para o cargo de Regierungsrat (conselheiro do governo) no Departamento Estadual de Cultura e Mediação de Braunschweig e representante do Estado em Berlim. Por meio de sua nomeação para o serviço público, ele adquiriu a cidadania alemã. Em 26 de fevereiro de 1932, fez o juramento de lealdade de servidor público ao Estado alemão que estava decidido a destruir. (KERSHAW, 2010, p. 258).
Com isso, Hitler entrou na disputa presidencial, concorrendo com Hindenburg (democrata) e Ernst Thälmann (comunista). Kershaw (2010) relata que, naquele período, a propaganda Nazista foi bastante forte, feita através de reuniões, desfiles e comícios, todos muito pomposos. Devido à sua demora em decidir participar das eleições, Hitler dispôs de somente 11 dias de campanha. Contudo, nesse exíguo espaço de tempo, passou por 12 cidades, discursando para milhões de pessoas. Segundo Kershaw (2010), ao longo do período eleitoral, chegou a Hindenburg (então Presidente do país) a informação de que se Hitler vencesse as eleições no primeiro turno, a SA tomariam o poder pela força. O partido comunista, por outro lado, também estava organizando uma revolução e possuía suas próprias organizações paramilitares. Porém, o então Presidente da Alemanha ordenou a dissolução de todas as organizações paramilitares do NSDAP. Os Nazistas souberam disso antes de receberem a ordem oficial de dissolução e reorganizaram a SA, transformando os soldados em meros membros do partido. O fato da
ordem de dissolução ter sido direcionada apenas ao NSDAP deu ao partido um argumento para as propagandas sobre a injustiça do atual governo, que logo viriam a aparecer. O resultado do 1º turno, porém, não foi como esperado: o NSDAP não venceu. O resultado das eleições, entretanto, não deu a vitória absoluta para Hindenburg, o que levou a um segundo turno. Naquele segundo momento, a propaganda ficou ainda mais forte. Hitler começou a realizar o Deutschlandfug (voo pela Alemanha), com um avião alugado e enfeitado com o slogan o “ Führer sobre a Alemanha”. Em menos de uma semana, Hitler fez 20 discursos para públicos enormes, impactando quase um milhão de pessoas. Mesmo assim, ao final do segundo turno, o NSDAP não venceu: Hindenburg ganhou com 53% dos votos, Hitler ficou com 37% dos votos e Thälmann, apenas 10% (KERSHAW, 2010). Após as eleições presidenciais, o NSDAP seguiu trabalhando forte para as eleições estaduais, que ocorreria na Prússia, Baviera, Wüttemberg e Anhalt, além da eleição municipal de Hamburgo. Vencer essas eleições significaria o NSDAP governando cerca de 90% do país. O partido novamente não venceu, mas obteve um aumento significativo de votos, garantindo com isso muitas cadeiras nos parlamentos estaduais (KERSHAW, 2010). Kershaw (2010) conta que, naquele contexto, surgiu à figura de Von Schleicher, o chefe do Escritório Ministerial e do Escritório Político do Exército. Ele acreditava em uma gestão autoritária e que a popularidade dos nacionaissocialistas ajudaria a criar um governo nesse formato. Por isso, Schleicher começou a articular internamente a ajuda ao NSDAP. Seu primeiro movimento foi convencer Hindenburg a liberar a SA e substituir o então Chanceler Brüning por Von Papen — homem da confiança de Schleicher. Assim, com a chegada de Von Papen, o parlamento foi dissolvido e novas eleições foram marcadas para julho de 1932. Com a liberação da SA, a violência nas ruas aumentou. SA e comunistas protagonizaram diversos embates, resultando em centenas de mortos e feridos. Isso contribuiu para piorar a situação do governo em vigor que, apesar de ter vencido as eleições, ainda não conseguia controlar todos os problemas do país. Na 4ª eleição do ano, os Nazistas novamente não venceram, mas obtiveram muitos votos, ampliando ainda mais a sua participação no Reichstag ao ocupar 230 assentos, logo, a maioria do parlamento nacional (KERSHAW, 2010). Por conta disso, conforme o autor, Hitler decidiu contatar Schleicher e exigir que intercedesse junto ao Presidente Hindenburg a concessão do cargo de Chanceler e dos principais ministérios, como o da Educação e da Segurança, para pessoas do NSDAP. Os
Nazistas acreditaram cegamente que a proposta seria aceita, estavam empolgados com a tão esperada chegada ao poder. Mas, apesar dos contatos de Schleicher dentro do governo e da popularidade de Hitler e do seu partido, Kershaw (2010) afirma que o Presidente Hindenburg não aceitou, oferecendo a Hitler a Vice Chancelaria e nenhum outro cargo ministerial. Como esperado, Hitler não concordou com a proposta: ou seria o cargo que queria ou não seria nada. As reuniões de negociação seguiram por quase um mês, até que Hindenburg chamou Hitler para que falassem pessoalmente. Novamente, Hitler não aceitou fazer parte do seu governo. Ou ele seria Chanceler , com poder para governar conforme os ideais de seu partido, ou não queria nada. O presidente do Reich recusou com firmeza, dizendo que não poderia responder perante a Deus, sua consciência e a Pátria se entregasse o poder do governo a um único partido, e um partido que era tão intolerante em relação aos que tinham opiniões diferentes. Estava preocupado também com a agitação interna e o impacto externo. Quando Hitler repetiu, que, para ele, qualquer outra solução estava fora de questão, Hindenburg advertiuo então a conduzir sua oposição de forma cavalheiresca e que todos os atos de terror seriam tratados com a máxima severidade. (KERSHAW, 2010, p. 266).
Para Hitler, aquela foi uma severa derrota pessoal, o que alimentou as propagandas Nazistas contra o governo dias seguintes. Schleicher, na visão do NSDAP, havia apunhalado o Führer por não conseguir realizar as articulações que prometidas. Os crimes da SA continuaram a acontecer e os Nazistas seguiram com suas propagandas e comícios por todo o país (KERSHAW, 2010). Esse foi o início da dança das cadeiras na chancelaria. Por meses, articulações foram feitas, todas com o intuito de colocar Hitler no cargo. Von Papen, então Chanceler, foi substituído por Schleicher, agora um inimigo dos Nazistas. Buscando derrubar Schleicher, Von Papen se aliou ao NSDAP. Graças a seu contato com o filho de Hindenburg e com vários partidários do governo, Von Papen teve mais sucesso que Schleicher na tentativa de ajudar Hitler. Com esse apoio, a argumentação de Hitler frente ao Presidente ganhou força e, enfim, o líder nazista conseguiu o que queria: o cargo Chanceler (chefe de governo) (KERSHAW, 2010). Em janeiro de 1933, segundo Kershaw (2010), Adolf Hitler foi finalmente nomeado Chanceler pelo Presidente de Hindenburg. Sua primeira articulação no partido foi solicitar a
dissolução do Reichstag e propor novas eleições. Ele alegou que, com isso, confirmaria o apoio do povo ao novo governo e teria mais tranquilidade para exercer sua função. Na primeira vez em que se dirigiu aos líderes militares como Chanceler , Hitler alegou que o desenvolvimento das Forças Armadas era fundamental para a recuperação do poder político alemão, assim como o recrutamento do Exército. Atentou, porém, que qualquer pacifista, marxista e bolchevista não poderia se alistar. Hitler afirmou que as Forças Armadas deveriam ser a instituição mais forte do estado, estando acima da política e partidos políticos. Entretanto, esse não era o seu real desejo: ele queria mesmo o apoio dessa instituição ao NSDAP, e conseguiu. Em poucos meses, o Chanceler estava desviando dinheiro para o rearmamento do Exército — algo proibido pelo Tratado de Versalhes e, em troca, recebia do Exército o apoio aos seus ideais, conforme precisava (KERSHAW, 2010). Uma atitude muito bem vista nos seus primeiros dias como Chanceler foi, de acordo com Kershaw (2010), o discurso realizado em apoio à indústria automobilística. Nele, Hitler informou que realizaria o programa de construção de estradas e de redução tributária para as montadoras. Enquanto isso, a partir de fevereiro de 1933, Hitler começou sua campanha eleitoral. Ele prometia nunca mentir para o povo e afirmava que queria a união do país sem divisão de classes, bem como o desenvolvimento do país apoiado no camponês e no operário alemão, que formariam a sociedade futura. Hitler afirmava ‘Um programa de renascimento nacional em todas as áreas da vida, intolerante para com quem pecar contra a nação, irmão e amigo de quem estiver disposto a lutar pela ressurreição de seu povo, de nossa nação’. E atingiu o clímax retórico de seu discurso: ‘Povo alemão, dênos quatro anos, depois julgue e nos sentencie. Povo alemão dênos quatro anos, e eu juro que, assim como nós e eu entramos nesse cargo, eu estarei então pronto para deixálo’. (KERSHAW, 2010, p. 304).
Durante as eleições, a violência da SA e da SS aumentaram drasticamente mediante a ordem de reprimirem qualquer movimento de comunistas ou outra pessoa que fosse obstáculo para o novo governo que se formava. A prisão de deputados e funcionários comunistas começou a ser realizadas sob a alegação de serem preventivas. Foram milhares de torturas, assassinatos e espancamentos realizados pela SA e SS, nomeadas então como polícias auxiliares (KERSHAW, 2010). Kershaw (2010) explica que, parte dessas ações, decorreu de um decreto de emergência baixado para a suposta proteção do povo e do estado. O documento, que após as eleições seria estendido a todo o país, retirava a liberdade dos cidadãos (em especial, dos
políticos comunistas) de realizarem manifestação, associação e de imprensa. O decreto retirava, também, a privacidade das comunicações postais e telefônicas e informava que o governo do Reich poderia, sempre que necessário, intervir para restaurar a ordem. O povo recebeu muito bem o decreto de emergência. O autor cita alguns registros daquela época: Louise Solmitz, tal como seus amigos e vizinhos foi persuadida a votar em Hitler. ‘Agora, é importante apoiar de todas de todas as maneiras o que ele está fazendo’, disselhe uma amiga que até então não apoiara o NSDAP. ‘Todos os pensamentos e sentimentos da maioria dos alemães estão dominados por Hitler’, comentou Frau Solmitz. ‘Sua fama sobe as estrelas, ele é o salvador de um mundo alemão triste e cruel’. (KERSHAW, 2010, p. 309).
Naquele contexto, segundo Kershaw (2010), o NSDAP venceu as eleições, não com a maioria dos votos, mas, sim, através da soma dos votos dos partidos conservadores — agora aliados do nazismo devido ao acordo feito com Presidente Hindenburg. Em menos de um mês, integrantes do NSDAP, apoiados por SS e SA e com a justificativa do decreto de emergência, tomaram as prefeituras e governos de estados que eram comandados por comunistas. Nas ruas, judeus, sindicalistas e opositores do governo nazista sofriam sérias represálias, torturas e espancamentos. Como defesa, os judeus alemães e internacionais, principalmente dos EUA, tentaram criar um boicote, no qual todas as mercadorias alemãs não seriam mais aceitas. Porém, não deu certo, pois para evitar o golpe os Nazistas agiram logo e trataram de aumentar a discriminação: demitiram judeus de cargos públicos, limitaram a entrada de judeus nas escolas e impediram médicos judeus atenderem pacientes que possuíam o plano de saúde do governo. Outra mudança causada por Hitler foi o domínio cultural. Liderada por Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda, a reorganização cultural do país envolveu imprensa, rádio, filmes, artes, música, teatro e literatura, entre outros setores. Tudo era agora comandado pelos Nazistas, que decidiam o conteúdo cultural com o qual o povo teria contato. Um fato marcante daquele período foi à queima de livros de autores não aceitos pelo regime (KERSAHW, 2010). Naquele período inicial do governo nazista, construíase, conforme Kershaw (2010. p. 326 ), o culto ao Führer , no qual não necessariamente Hitler precisava pedir ou ordenar alguma ação, mas seus partidários, por conhecerem seus ideais e vontades, agiam antecipadamente a fim de agradálo. Um exemplo disso,
Foi o caso da ‘lei de esterilização’ — a Lei para a Prevenção de Descendência Hereditariamente Doente — aprovada pelo gabinete em 14 de julho de 1933. Hitler não teve nada a ver, de forma direta, com a redação da lei (que foi anunciada como um benefício pra família, bem como para a sociedade em geral). Mas ela foi confeccionada com base em sentimentos manifestados pelo Führer. E, quando foi apresentada ao gabinete, foi recebida com sua aprovação imediata, contra as objeções do vicechanceler, preocupado com os sentimentos dos católicos em relação à lei. O apelo de Papen para que a esterilização fosse feita somente com o consentimento voluntário da pessoa afetada foi simplesmente posto de lado por Hitler.
Segundo o autor, esse apoio às ideias de Hitler vinha não só dos seus partidários, mas também do povo, que depositava nele sua fé e confiança na promessa do surgimento de uma nova Alemanha. Outra mudança relevante liderada por Hitler, conforme conta Kershaw (2010), foi o anúncio da saída da Alemanha da Liga das Nações. A Liga das Nações — criada no final da 1ª Guerra com o objetivo de manter a paz mundial — buscava garantir que o conteúdo do Tratado de Versalhes fosse cumprido, principalmente, no que se referia ao não rearmamento e reorganização militar da Alemanha. Hitler, justificando ser injusto tal tratamento para com a Alemanha, alegava que deseja a paz e que respeitava o bem estar dos países de toda a Europa, mas que queria igualdade entre os países europeus. Afirmava que a Alemanha poderia renunciar a todo e qualquer armamento, desde que os outros países também o fizessem. Não havendo acordo, ele retirou o país da Liga, dissolveu o Reichstag novamente e marcou novas eleições para novembro de 1933. Com esse último feito do ano, ainda segundo o autor, Hitler buscava a oportunidade de construir um governo totalmente nacionalsocialista. As eleições se configuravam, na verdade, como um plebiscito, pois só o NSDAP concorreria, já que todos os outros partidos foram dissolvidos. O mote da campanha eleitoral, então, foi a lealdade do povo ao Führer . O partido nazista conquistou 95,1% dos votos. No final de 1933, Hitler precisou lidar com o primeiro grande problema de sua gestão: o interesse da SA em ter forças e armamentos maiores do que o Exército. Ernst Röhm, o líder da SA, exigiu que seu movimento tivesse maior importância no país. Para tanto, o Exército deveria conceder à SA a função de defesa nacional e as Forças Armadas deveriam ser reduzidas, com o envio de homens treinados para a SA. Essa proposta não foi aceita por Hitler que, para atingir seus objetivos, não precisava mais da SA e sim do Exército. Röhm ameaçou com uma nova revolução, para a qual contava com 4,5 milhões de membros na SA. A fim de
evitála, Hitler informou a Röhm que sua proposta não era adequada, mas que pretendia transformar a SA em um Exército Popular dentro de cinco anos. Os integrantes da SA passariam por um treinamento do Exército e disporiam de armamentos modernos para que estivessem prontos para ajudar o país em qualquer eventualidade. Naquele momento, porém, as atividades da SA e da SS deveriam se limitar a assuntos políticos. Hitler fez com que Röhm e Blomberg — líder do Exército — assinassem um acordo (KERSAHW, 2010). Entretanto, segundo Kershaw (2010), Röhm não concordou com o acordo, publicamente apoiava Hitler, mas, nos bastidores, alegava que ele estava traindo os ideais revolucionários que o levaram ao poder. A SA estava criando uma situação de terror nas ruas, devido às ameaças de revolução. No início de 1934, os partidários aliados do Presidente Hindenburg e o Vice Chanceler Von Papen pressionaram Hitler para que encontrasse uma solução, afinal, ele deveria conter seus homens. Para piorar a situação, Von Papen realizou um discurso criticando o governo de Hitler e alegando que a Alemanha não deveria viver em constante crise e com medo de revoluções. O povo aplaudiuo fervorosamente. Goebbles prontamente proibiu a reprodução do discurso nos jornais, o que levou Von Papen a afirmar a Hitler que se viu obrigado a renunciar e a avisar Hindenburg — que estava acamado, gravemente doente — do que estava acontecendo. Hitler agiu espertamente: afirmou a Von Papen que Goebbels havia errado e que suspenderia a proibição da veiculação do discurso. Pediu ainda a Von Papen que aguardasse para agendar uma reunião com Hindenburg na qual ele pudesse comparecer, assim, os três decidiriam juntos o melhor a ser feito. Von Papen ingenuamente concordou. Em seguida, Hitler encontrou sozinho Presidente Hindenburg, dizendose ciente dos acontecimentos e que já estava tomando providências (KERSAHW, 2010). Hitler organizou, então, uma emboscada: marcou um encontro com os líderes da SA no qual o Exército estaria presente para prendêlos. Porém, ao chegar à cidade de encontro, Hitler ficou sabendo que horas antes alguns membros da SA estiveram pelas ruas protestando contra ele, acusandoo de traição e dizendo que Hitler e o Exército estavam contra a organização. Para Adolf Hitler, essa foi uma grande traição. Hitler decidiu decretar prisão e fuzilamento de todos os líderes da SA, dando início a uma caçada. Aproveitando a onda de mortes, Hitler acertou contas antigas com pessoas que nada tinham a ver com a SA ou com a SS. Os únicos não fuzilados foram Von Papen, que foi posto em prisão domiciliar para evitar um constrangimento diplomático, e Röhm, que muito ajudou o NSDAP desde suas origens.
Hitler permitia Röhm tirasse a própria vida, como ele não o fez, acabou sendo também fuzilado (KERSHAW, 2010). Tal noite, conhecida depois como A Noite dos Punhais, garantiu a Hitler devoção e lealdade por parte do Exército, que julgou a atitude do Chanceler forte e corajosa para deter a revolução que poderia destruir o país. Hitler declarou que havia descoberto um complô de Röhm para uma revolução da SA e que, por isso, teve que agir. Mais sério que isso foi à aceitação do projeto de Lei para Defesa de Emergência do Estado, o qual tornava legais os atos cometidos na Noite dos Punhais. Ou seja, Hitler tinha então o direito legal para matar, caso julgasse necessário, e a SS não precisava mais se reportar à SA, devendo consultar tão somente o Führer . Dessa forma, Hitler não só resolveu o problema da SA como também foi aclamado pela forma como o fez, garantindo uma lei regulamentadora para ações como essas (KERSHAW, 2010). Dias depois, conta Kershaw (2010), Hindenburg faleceu devido ao seu estado de saúde. Hitler fez com que seus Ministros assinassem uma lei aprovando a combinação dos cargos de Chanceler e de Presidente. Isso feito decidiu apresentar as mudanças ao povo e realizar um novo plebiscito para validálas. Com 89% dos votos, Hitler conseguiu a aprovação que queria. Em agosto de 1934, detinha poder total sobre a Alemanha. Apesar de alguns contratempos, Hitler terminou o seu pouco mais de um ano de governo com as conquistas que buscava. Seu passo seguinte foi dado em setembro de 1934, no famoso Congresso do Partido Nazista. Aquele foi o sexto encontro dos seus partidários em Neuremberg, porém, o primeiro com o NSDAP no poder. Conforme Kershaw (2010), tal Congresso era um veículo para o culto ao Führer. Hitler aparecia acima do seu partido, que estava reunido para homenageálo. Esse evento foi documentado pela cineasta Leni Riefenstahl e, posteriormente, transmitido em toda a Alemanha a fim de disseminar a glorificação do Führer . O documentário, nomeado como O Triunfo da Vontade , e os diferentes momentos do discurso de Hitler nele registrados serão o foco da análise da presente pesquisa. 4.1.3 A consolidação do poder e o declínio de Hitler Neste subcapítulo, é finalizada a contextualização do discurso de Hitler, objeto de análise do presente trabalho. São descritos aqui os acontecimentos a partir de setembro de
1934, pouco mais de um ano e meio depois de Hitler chegar ao poder total da Alemanha, até o final de sua trajetória política, em 1945. Contudo, é dada ênfase para os acontecimentos de 1934, ano em que ocorreu o 6º Congresso do Partido Nazista. Essa edição do evento do NSDAP foi documentada no filme O Triunfo da Vontade e é apontada pela literatura como o momento de consolidação da crença em Hitler como líder. O Congresso Nazista, de acordo com Kershaw (2010), ocorria todos os anos, reunindo todos os membros do NSDAP. Inicialmente acontecia na cidade de Weimar (Alemanha), mas, a partir de 1929, passou a ocorrer em Nuremberg (Alemanha). Dos dias 05 a 10 de setembro de 1934, portanto, foi realizada a sua sexta edição e a primeira com Hitler no poder total do país (acumulando os cargos de Chanceler e Presidente). O autor relata que o próprio Hitler pediu a filmagem do evento. A cineasta Leni Riefenstahl, conforme Bach (2008 apud FRIGERI, 2013, p. 599) foi para Nuremberg em maio daquele ano para os preparativos do Congresso. De acordo com Kershaw (2010), a partir de 1934, o prestígio e o poder de Hitler se expandiram até se tornarem absolutos. Foi iniciado um processo de destruição da estrutura do governo até então existente por meio da fragmentação da gestão e da criação de órgãos sobrepostos e concorrentes, tudo conforme a vontade do Führer . Outra característica do período foi à consolidação da ideologia do partido, disseminada ainda mais claramente como o principal foco do governo. O autor cita o discurso feito por Werner Willikens (secretário de Estado no Ministério da Agricultura prussiano) para representantes dos Ministérios da Agricultura como uma amostra extremamente representativa do funcionamento do governo de Adolf Hitler: Todos os que têm oportunidade para observar sabem que o Führer só pode, com grande dificuldade, ordenar de cima tudo o que pretende realizar mais cedo ou mais tarde. Ao contrário, até agora cada um trabalhou melhor na nova Alemanha se, por assim dizer, trabalhou para o Führer. Com muita frequência e em muitos lugares, tem sido o caso de que indivíduos, já em anos anteriores, esperaram por comandos e ordens. Infelizmente, o mesmo acontecerá no futuro. Porém, ao contrário, é o dever de cada pessoa tentar, no espírito do Führer, trabalhar para ele. Quem cometer erros vai notar logo isso. Mas aquele que trabalha corretamente para o Führer, conforme suas diretrizes e voltado para os seus objetivos, terá no futuro, como anteriormente, a melhor recompensa de um dia alcançar subitamente a confirmação legal de seu trabalho. (WILLIKENS, 1934 apud KERSHAW, 2010, p. 352).
Vêse que as decisões eram tomadas de cima para baixo, mas que, ao mesmo tempo, os subordinados voluntariamente buscavam agir de modo a agradar o Führer . Para Kershaw
(2010), essa maneira de governar criava uma disputa interna entre os membros do governo para saber quem conquistaria maior confiança do ditador. Entendiase que quem quisesse ascender em sua função no governo deveria primeiramente prever as vontades de Hitler e, sem a necessidade de receber ordens, agir para satisfazer os desejos do líder. O autor ressalta algo semelhante entre a população. Foram observadas diversas atitudes discriminatórias que causavam a repressão e exclusão daqueles que o governo havia julgado como “não alemães”, como moradores denunciando vizinhos judeus à SS (muitas vezes, aproveitando o caos instaurado pelo governo para resolver rixas pessoais) e empresários utilizando a legislação antissemita como forma de eliminar seus concorrentes judeus. Todos que agiam de tal maneira se sentiam trabalhando para o líder, ou seja, procedendo conforme a vontade dele. Entre os apoiadores da causa, estava a Juventude Hitlerista (JH). De acordo com Monteiro (2013), a organização foi criada em 1922 e tinha como principais práticas a divulgação do partido. A rotina dos membros da JH incluía acampamentos aos finais de semana, marchas, prática de esportes e atividades físicas semelhantes às de um treinamento militar. Bartoletti (2006) acrescenta que os jovens também limpavam florestas e drenavam pântanos visando criar novas áreas para plantios e construíam estradas e vias expressas. Além disso, jovens da cidade eram enviados por determinado período para o campo, para auxiliarem nos plantios e colheitas. Todas as atividades da JH eram tidas como prioridade, inclusive, perante os estudos regulares da escola. Nas ruas, esses jovens apoiadores da NSDAP causavam conflitos com organizações de jovens pertencentes a outros partidos, como o comunista, por exemplo, o que resultava em vários deles feridos ou mortos. Por consequência, alguns pais tentavam evitar a entrada de seus filhos no movimento. Até 1930, a JH contava com 18 mil jovens, um número pequeno em comparação a quantidade de jovens alemães. Porém, em 1934, quando Hitler discursou para todos os integrantes da JH durante o 6º Congresso do partido, o grupo já estava tinha 52 mil membros. Esse número seguiu aumentando já que, a partir de 1939, a entrada na JH passou a ser obrigatória (MONTEIRO, 2013). Como visto, a juventude era um público de grande interesse para o regime. Bartoletti (2006) afirma que o objetivo de Hitler era utilizar os jovens como disseminadores dos ideais do partido e aproveitar a sua força de trabalho. Isso fica claro retratado nas duas falas de
Hitler para a JH que foram registradas no documentário O Triunfo da Vontade , as quais, mais a frente neste trabalho, serão postas sob análise. Monteiro (2013) relata que, já a partir de 1933, o NSDAP adentrou nas escolas para doutrinar e incentivar os jovens a entrarem na JH. Os Nazistas alteraram os currículos 17
escolares, incluindo disciplinas como as de Eugenia e Pureza Racial e aumentando o foco nas disciplinas de História (na qual incluíram conteúdos antissemitas) e de Língua Alemã. A disciplina de Biologia foi alterada de forma a abarcar conteúdos sobre racismo e a de Educação Física ganhou enorme destaque. Os livros didáticos também sofreram alterações a fim de incluírem pontos da ideologia nazista, como racismo, hereditariedade genética e a necessidade de um maior território para a Alemanha. Além disso, cartazes com gráficos e tabelas eram distribuídos nas escolas, mostrando os gastos do governo com pessoas portadoras de alguma doença ou deficiência. O objetivo desses cartazes era justificar a necessidade de esterilização dessas pessoas, evitando a transmissão de suas características para as futuras gerações e, consequentemente, diminuindo os gastos do governo com pessoas não produtivas. Ainda segundo o autor, os professores também deveriam seguir os ideais do NSDAP. As contratações de docentes não ocorria pela sua qualificação, mas sim de acordo com sua aderência ao regime. Eles eram supervisionados e orientados sobre como deveriam lecionar. Foram inclusive criados panfletos e guias que orientavam como os assuntos relevantes para o partido deveriam ser abordados em aula para que os alunos se interessassem por eles. Assim, por vontade própria ou sob pressão, os professores serviam apenas como transmissores da mensagem nazista, o que diminuiu a importância do seu papel na educação. Em decorrência, Monteiro (2013) explica que foi natural a queda do desempenho dos alunos na escola, o que resultou na alteração do nível intelectual exigido para a entrada em universidades. Conforme retratado no subcapítulo anterior, entre 1933 e a metade de 1934, houve diversos conflitos entre Hitler e os dois principais grupos de apoio ao seu regime: a Tropa de Choque (SA), organização paramilitar criada para manter a ordem durante os comícios de Hitler, e a Brigada de Defesa (SS), responsável pela sua guarda pessoal. O interesse da SA em
Eugenia é um termo criado em 1883 por Francis Galton ( 1822 1911 ), que o definiu como: O estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente. (URGS, 2015) Disponível em: . Acesso em: 22 out. 2015. 17
obter poder maior que o do Exército levou à morte de líderes seus na Noite dos Longos Punhais, em 1934. Por isso, em setembro 1934, quando ocorreu o 6º Congresso do Partido Nazista e Hitler falou às duas organizações, de acordo com Kershaw (2010), a situação delas era bastante distinta. A SA passou a ocupar uma posição inferior à da SS na organização do governo e a ter seus movimentos fortemente observados por Hitler, que temia uma nova tentativa de revolução. Isso deu maior força a SS. Originalmente formada na maioria por pessoas desempregadas, de acordo com Keegan (1973), o número de integrantes da SA diminuiu devido à nova oferta de empregos no país, passando a ser uma associação de velhos camaradas do partido. Porém, é possível compreender que isso não trouxe qualquer prejuízo a Hitler, pois o autor afirma que em 1934 a SA não tinha muita utilidade para ele. A SS, por sua vez, apresentava crescimento e se moldava aos interesses do partido. Passou a ser organizada por subdivisões, cada uma sob uma liderança específica, mas sob o comando máximo de Henrich Himmler. Keegan (1973) ressalta que a enorme e confusa divisão dos grupos da SS foram pensadas por Himmler para que somente ele entendesse a organização de seu império e mantivesse, assim, sua posição de poder. Segundo Keegan (1973), as diversas subdivisões da SS foram responsáveis por praticamente todas as atrocidades realizadas no governo nazista. Entre elas, o gerenciamento do Departamento de Raça e Recolonização, do Escritório de Referências dos Alemães Raciais, do Departamento Econômico e Administrativo, do Departamento de Segurança Nacional, da Polícia Secreta do Estado e da Polícia Criminal. Cada um desses grupos tinha as suas tarefas, atuando principalmente em campos de concentração, nos ataques contra os alemães “nãopuros” (em especial, os judeus) e, posteriormente, na 2ª Guerra Mundial. Em 1934, a crença do povo alemão e dos membros do NSDAP no papel de Hitler como reconstrutor e unificador da Alemanha estavam no auge. O documentário O Triunfo da Vontade — do qual foram retirados os enunciados analisados neste trabalho — traz as falas de Hitler para o povo e para seus partidários durante 6º Congresso do Partido Nazista. O filme também retrata o expressivo número de pessoas que apoiavam o regime e sua felicidade por vivenciar aquele momento próprio ao Führer , bem como os relatos dos principais integrantes do partido, que comunicam sua confiança e lealdade àquele que salvaria a Alemanha. Depois do ano de 1934, a ditadura foi totalmente instalada na Alemanha. O nazismo gradativamente deu início a programas de governo totalitários e preconceituosos. A ideia de
“pureza alemã” — representada por alemães fortes, saudáveis e produtivos — se fortaleceu e passou a ser tida como um dos requisitos para a reconstrução do país. Com isso, o extermínio de idosos no leito de morte, deficientes, homossexuais, negros e, principalmente, judeus, ganhou força total. Foram criados 20.000 campos de extermínio, os chamados campos de concentração. Seis milhões de pessoas foram mortas até 1945, simplesmente porque Hitler acreditava que elas não eram úteis ao país (KERSHAW, 2010; UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2015). Mídia, eventos culturais, empresas, famílias: tudo e todos deveriam seguir os princípios do partido, trabalhando para a Alemanha e pela Alemanha. Só se lia, assistia e ouvia o que o regime permitia. Além disso, a propaganda nazista sobre a salvação que Hitler traria se tornou cada vez mais forte e massiva. As ruas ficaram cheias de bandeiras do partido e a SS, uniformizada, estava por toda parte. Os judeus, principal alvo do partido, inicialmente foram identificados por uma estrela de Davi, que eram obrigados a fixar em suas roupas. Depois que os extermínios se intensificaram nos campos de concentração, os judeus passaram a se esconder ou fugir para outros países (KERSHAW, 2010; UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2015). Ainda em 1935, Hitler lançou as chamadas Leis de Nuremberg, anunciadas naquela cidade durante o 7ª Congresso do Partido. Conforme Frigeri (2013, p. 600) destacamse os seguintes artigos: Art. 1º 1) São proibidos os casamentos entre judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentado. Os casamentos celebrados apesar dessa proibição são nulos e de nenhum efeito, mesmo que tenham sido contraídos no estrangeiro para iludir a aplicação dessa lei. 2) Só o procurador pode propor a declaração de nulidade. Art. 2º As relações extramatrimoniais entre Judeus e cidadãos de sangue alemão ou aparentados são proibidas. Art. 3º Os Judeus são proibidos de terem como criados em sua casa cidadãos de sangue alemão ou aparentado com menos de 45 anos. Art. 4º 1) Os Judeus ficam proibidos de içar a bandeira nacional do Reich e de envergarem as cores do Reich. 2) Mas são autorizados a engalanaremse com as cores judaicas. O exercício dessa autorização é protegido pelo Estado. Art. 5º 1) Quem infringir o artigo 1ª será condenado a trabalhos forçados. 3) Quem infringir os arts. 3ª e 4ª será condenado a prisão que poderá ir até um ano e multa, ou a uma ou outra destas duas penas. Art. 6º O Ministro do Interior do Reich, com o assentimento do representante do Führer e do Ministro da Justiça, publicarão as disposições jurídicas e administrativas necessárias à publicação dessa lei.
Com o antissemitismo legalizado, compreendese que a situação dos judeus no país somente piorou. Aqueles que não conseguiam fugir ou se esconder em tempo, acabavam nos campos de concentração.
Hitler se deslumbrou com o poder e com tantas pessoas exaltando e confiando nele como o salvador do país: No fim de 1935, apoiado pelos esforços incansáveis da máquina de propaganda nazista, Hitler já havia avançado bastante no sentido de se fixar como líder nacional, transcendendo os interesses puramente partidários. Ele representava os sucessos, as realizações do regime. Sua popularidade aumentava também entre aqueles que, sob outros aspectos, criticavam o nacionalsocialismo. (KERSHAW, 2010, p. 381).
Em sua explanação, Kershaw (2010) afirma que Hitler costumava garantir em seus discursos que, com a grandeza da raça alemã e muito trabalho, a Alemanha voltaria a ser a potência que sempre foi. Entretanto, um dos obstáculos que costumava citar era a falta de território. Afirmava que uma população do tamanho da alemã precisava de mais espaço territorial, um espaço que ele chamava de vital. Àquela época, Hitler também continuou fortemente a reconstrução do armamento militar da Alemanha, iniciado clandestinamente em 1933, quebrando um dos acordos do Tratado de Versalhes. Em 1935, novamente ignorando o Tratado, anexou novamente a Renânia (cidade da Áustria) à Alemanha. Sem recusa, o povo comemorou e, dias depois da ocupação nazista, Hitler foi recebido com festa pelas ruas da região. A forma como esse passo foi aclamado apenas fortaleceu a convicção de Hitler sobre estar fazendo o certo, de estar seguindo o que a providência exigia que ele fizesse para salvar o país (KERSHAW, 2010). Em 1939, Hitler anunciou o ataque à Polônia alegando que a Alemanha necessitava do território e que aquele país estaria planejando atacála, como defesa e pela segurança do povo alemão, ele atacaria primeiro. Com isso, o Chanceler alemão deu início à 2ª Guerra Mundial. Hitler pensou que no máximo em dois anos concluiria a guerra de forma vitoriosa, porém, ela durou seis anos e acabou com a derrota da Alemanha e do partido Nazista. Inicialmente, os alemães venceram batalhas importantes, principalmente contra os franceses. Essas vitórias serviram para aumentar a confiança do povo em seu Führer e, mais perigoso que isso, aumentar a confiança de Hitler em si mesmo. A cada batalha considerada impossível ou improvável que o país vencia, Hitler partia para a próxima de modo tão audacioso quanto à anterior. Até o ponto em que a guerra foi espalhada por todos os continentes de forma desenfreada, estando a Alemanha sem planejamento, sem preparo e sem prazo para o fim dos conflitos (KERSHAW, 2010). Conforme Kershaw (2010), todos os embates eram decididos por Hitler, que centralizava em si diversos poderes, decidindo tudo sozinho. Quem fosse contra suas decisões
era demitido e o cargo, normalmente assumido pelo próprio líder. Nas ruas, para ele, quem não apoiasse os movimentos do partido não merecia viver e nem ser alemão, pois era considerado fraco. Mesmo diante de diversos avisos sobre como o país não tinha forças para lutar na guerra, Hitler insistiu até o seu último instante e exigiu que todos fizessem o mesmo. Com o passar dos anos, a guerra foi ficando muito difícil para a Alemanha. Os sofrimentos causados por alguns reveses e a sua longa duração fizeram com que os recursos de armamento, produção de aviões e tanques de guerra, bem como de alimentos e suprimentos em geral para os soldados, começassem a se esgotar (KERSHAW, 2010). Kersahw (2010) relata que, apesar de alguns membros internos do partido, principalmente membros do Exército, sinalizarem as necessidades existentes, Hitler não se interessou. Afirmava que jamais iria desistir e que quem pensasse em fazêlo não era digno de viver para presenciar a vitória da Alemanha. Nos últimos anos de guerra, Hitler se mostrou muito debilitado. Sob forte pressão, alto nível de estresse e poucas horas de sono, apresentouse mais desequilibrado do que nunca. Utilizava diversas medicações e seu estado irritadiço ficava cada vez pior. No último ano de guerra, 1945, o desespero e descontrole do líder eram tantos que o povo — que novamente vivia uma situação difícil de desemprego, falta de comida, saúde e segurança e que já havia enviado todos os homens para a guerra — foi obrigado a realizar doações de cobertores, comida e bebida para os soldados. Conforme os dias iam passando, cada vez menos se acreditava que algum soldado voltaria para casa. Apesar de o governo cortar o investimento de todas as outras áreas para tentar manter a produção dos aparatos de guerra, as indústrias de armamento já não tinham os recursos necessários para produzir a demanda necessária. Um dos últimos apelos de Hitler foi ordenar que todos fossem à luta: mulheres, idosos, não importavam: todos deveriam defender a Alemanha e lutar por ela (KERSHAW, 2010). No entanto, os ataques não pararam e Himmler já havia anunciado, sem a ciência de Hitler, que a Alemanha não tinha mais forças para lutar e estava disposta a declarar a rendição. Quando Hitler soube disso, ordenou que Himmler fosse condenado à morte por traição e que a guerra continuasse. Entretanto, não havia mais o que ser feito. Tendo consciência da derrota, Hitler se suicidou junto de sua companheira, Eva Braun, em 30 de abril de 1945. Antes disso, pediu seu corpo fosse cremado para que ninguém o apresentasse
como um troféu para os vencedores da guerra. Alguns membros ainda fiéis ao Führer e ao regime, também se suicidaram. Outros fugiram enquanto era tempo. A guerra estava, portanto, perdida para Alemanha em 1945. Porém, o embate terminou, de fato, meses depois, no Japão. A Alemanha ficou destruída, com milhões de mortos, tanto pela Guerra quanto pelo Holocausto. Assim, nos campos de extermínio, as SS e a polícia alemã assassinaram cerca de 2.700.000 judeus utilizando mecanismos de asfixia por gás venenoso ou por fuzilamento, e 3.300.000 outros israelitas morreram devido às atrocidades cometidas contra eles pelos alemães e seus colaboradores, por fome, maustratos, espancamento, frio, doenças, experiências ‘médicas’, e outras formas de crueldade inimagináveis. No total, seis milhões de judeushomens, mulheres e criançasforam mortos pelos nazistas durante o Holocausto, aproximadamente 2/3 dos judeus que viviam na Europa antes da Segunda Guerra Mundial. (UNITED STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2015).
Kershaw (2010, p. 1004) ressalta que “nunca na história tamanha ruína física e moral foi associada ao nome de um único homem”. Mas que as raízes disso iam muito além das vontades desse homem, “[...] as profundezas de desumanidade, nunca antes exploradas como pelo regime nazista, puderam contar com ampla cumplicidade em todos os níveis da sociedade”. Cabe aqui, a citação de Lenharo (1995, p. 7,8), que apesar de extensa é esclarecedora quanto à posição do povo alemão frente a tamanhas atitudes catastróficas tidas pelo governo nazista: E, no entanto, sabiase de tudo aquilo. [...] Em Dachau está lá para quem quiser ver há documentação de artigos, fotos, jornais. Tanto a população alemã, quanto a opinião pública internacional sabia do que se passava, até mesmo com detalhes. Era muita gente envolvida nos campos de morte, para que o horror pudesse ser contido. Por exemplo, em dezembro de 1941, sabiase, pela imprensa norteamericana, que mil judeus de Varsóvia haviam sido mortos por inalação forçada de gases venenosos. Bem antes disso, em 1934, jornais austríacos denunciavam os métodos de Dachau. E havia as terríveis fotos que ficaram para sempre, apear do cuidado que os nazistas tiveram em apagar vestígios. Fotos de fuzilamentos, trabalhos forçados, torturas, suicídios. Fotos das vitimas das ‘experiências cientificas. É muito perturbador que o regime nazista contasse com o apoio das massas, comenta Hanna Arendt, a propósito de pesquisas de opinião publica realizadas pela SS, para os anos de 193944, e trazidas a conhecimento público em 1965. Em tais relatórios, fica patente que a população alemã estava notavelmente bem informada sobre o que se passava com os judeus e a política de guerra, e dava seu aval às iniciativas do regime. O escritor protestante Ernest Wiechart descreve com clareza a participação popular contra os prisioneiros que eram levados para Buchenwald. O trem parava em todas as estações e as pessoas acossavam para insultar os deportados e cuspir neles se estavam sendo transportados para um campo de concentração, eram merecedores de tal castigo.
Considerase importante o conhecimento dessas citações, a fim de construir uma visão ampla dos fatos apresentados nessa contextualização sócio histórica, contendo, também, registros da posição do povo em relação a eles. Diante de todos os acontecimentos apresentados neste capítulo, foi possível perceber como os caminhos da Alemanha e de Hitler se cruzaram. Foi apresentado de forma breve como Hitler o seu poder total sobre o país e como conquistou o apoio de todos que precisava para alcançar seus objetivos. Nesse contexto, evidenciase a importância de seus discursos em todo o processo. A mensagem que ele transmitia lhe garantiu a lealdade e confiança das pessoas. Assim, ele chegou a reerguer a Alemanha da destruição da 1ª Guerra Mundial, como prometeu, entretanto, a levou para uma 2ª guerra, que foi mais catastrófica do que a anterior. Ao fim, o país estava mais destruído do que antes. Esta pesquisa, portanto, considera esse episódio histórico um fato de relevância para a compreensão da dominação exercida através do discurso. Por isso, colocará os enunciados de Adolf Hitler sob análise, a fim de verificar como eles podem ter contribuído para legitimar a sua dominação naquele período. 4.2 A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO DE ADOLF HITLER Conforme exposto ao longo deste trabalho, aqui o discurso está sendo entendido através da ótica da Análise de Discurso francesa. Por isso, o seu exame não se resume ao texto escrito ou falado, mas contempla igualmente o momento único em que são produzidos e reproduzidos os sentidos em um momento histórico. Dessa forma, além daquilo que é proferido pelo enunciador, considerase também o contexto em que seus interlocutores entram em contato com o discurso, uma vez que tal contexto influência diretamente na construção dos sentidos enunciados. O que evidencia os sentidos das enunciações analisadas são as Sequências Discursivas (SD’s) que agrupadas de acordo com o sentido que carregam, constroem as Formações Discursivas (FD’s). Portanto, foram elencadas SD's que mostram o contexto das enunciações de Hitler e de seus interlocutores, bem como os traços da ideologia nazista, da dominação pretendida por Hitler e da legitimação, por parte dos alemães da época, desse tipo de relação. Nesse ponto, cabe frisar que, conforme Weber (2000, p. 33): “dominação é a probabilidade de
encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis”. Logo, com base nos estudos realizados, entendese que a dominação de Hitler foi legitimada, ou seja, que seus interlocutores decidiram por vontade própria obedecêlo. Foram postas sob análise, então, todas as enunciações de Adolf Hitler no 6ª Congresso do Partido Nazista, em 1934, registradas no documentário O Triunfo da Vontade (1935). O objetivo em registrar esse evento era mostrar ao povo alemão a grandiosidade do governo de Hitler e como esse já estava causando melhorias consideráveis no país. Já que posteriormente o documentário foi exibido para todo o país. A participação em massa dos alemães nos comícios registrados na película, bem como a alegria e empolgação do povo ao ver o Führer, revelaram também o apoio da população a Hitler e ao seu regime. Os letreiros que aparecem no início do documentário demonstram a intenção de propagar isso: “5 setembro de 1934; 20 anos depois da explosão da I guerra; 16 anos depois do início do sofrimento alemão; 19 meses após o início do renascimento alemão” (O Triunfo da Vontade, 1935). Importante ressaltar que o sentido da mensagem de Hitler foi direcionada a toda população alemã. Pois, mesmo que algumas enunciações estivessem naquele momento sendo feitas a grupos determinados de interlocutores, posteriormente, como já dito, ele foi obrigatoriamente exibido para toda a população. Sendo inclusive parte do currículo obrigatório nas escolas. Como resultado do processo de análise, foram identificadas cinco FD’s. Essas são apresentadas a seguir junto às SD’s que as compõem e o sentido que procuravam produzir. FD 1 A Alemanha aos olhos de Hitler Entendeuse que a forma como Hitler caracterizava a situação da Alemanha em suas enunciações, e como, frisava a necessidade do país em ser salvo são relevantes para a compreensão dos sentidos de seu discurso. Isto porque, todas as ações do NSDAP eram justificadas como necessárias para a reconstrução e salvação da Alemanha, que, 14 anos após a derrota na 1ª Guerra Mundial, ainda não havia se recuperado do confronto. Sabese que em janeiro de 1933 Hitler se tornou Chanceler da Alemanha, tendo sido nomeado pelo Presidente Hindenburg. Em agosto de 1934, com a morte do Presidente e através de uma movimentação política, Hitler acumulou os cargos de Chanceler e Presidente. Portanto, em setembro de 1934, quando ocorreu o 6º Congresso do Partido Nazista, Hitler era, legalmente, a maior autoridade no país. Naquele contexto, com pouco mais de um ano e meio
de gestão, Hitler já havia causado consideráveis mudanças no país, tanto positivas quanto negativas.
Identificouse que, nos enunciados analisados, Hitler relembrava constantemente as dificuldades que o país passava ou havia passado. Entendese que, dessa forma, ele revivia no inconsciente dos interlocutores os dias difíceis e, assim, orientavaos a um comparativo entre a situação anterior e a situação vivida naquele momento. As SD’s a seguir, retiradas dos pronunciamentos de Adolf Hitler para povo em geral durante 6º Congresso Nazista, demonstram isso: SD 24: Foi a necessidade de nossa gente que nos moveu e que nos trouxe unidos. (HITLER, 1934). SD 25: Isso não é compreensível para aqueles que não tiveram infortúnio semelhante em sua nação. (HITLER, 1934). SD 26. Tambores virão diante de tambores, bandeiras virão diante de bandeiras, grupos virão diante de grupos. E, finalmente, a poderosa coluna desta nação unida conduzirá a nação que um dia foi dividida. (HITLER, 1934). SD 42: O povo alemão é feliz por saber que as divisões do passado foram substituídas por um importante modelo que conduz a nação. (HITLER, 1934).
Ao afirmar que foi a necessidade dos alemães que os uniu (SD 24), Hitler relacionou algo penoso (no caso, a necessidade de melhoria econômica) a algo compensador (a união do povo). Essa relação era usada por ele diversas vezes, sempre com a intenção de mostrar como a realização de sacrifícios, no final, valeriam a pena. Na SD 25, Hitler falou dos infortúnios passados pela nação, que, como visto, tratase das consequências deixadas pela derrota na 1ª Guerra Mundial e a assinatura do Tratado de Versalhes. Dessa maneira, entendese que levava os interlocutores a realizar uma reflexão sobre todas as situações difíceis vividas no passado, e, assim, reforçar no seu interior a vontade de nunca mais passar por aqueles momentos. Já na SD 26, Adolf Hitler usou de analogia para descrever o percurso que o país percorreria até chegar à união desejada. “Tambores” e “bandeiras”, nessa SD, são referências aos elementos simbólicos do NSDAP; “grupos”, representam as organizações vinculadas ao partido como a SS, a SA e a JH, por exemplo. Ou seja, gradativamente os elementos que compunham o partido seriam postos em primeiro plano. Ao final, o governo firmemente estabelecido como uma “poderosa coluna”, conduziria a nação e, assim, todos estariam unidos e fortes. Hitler construiu uma linha de raciocínio na qual se mostrava como o indivíduo mais capacitado para liderar a reconstrução do país. Entendese que, ao se direcionar à grande massa, Adolf Hitler utilizava figuras de linguagem mais abrangentes, buscando construir uma
história na cabeça dos interlocutores e conduzilos à conclusão que queria que eles chegassem. A SD 42 descreve aspectos da situação anterior da Alemanha, ou seja, o governo democrata orientado pelo capitalismo que, segundo Hitler, servia apenas para segregar o povo em classes. Deixa claro, também, como todos contribuiriam para as melhorias e, por consequência, despertariam o orgulho daqueles diretamente envolvidos nesse processo. Entendese que, dessa maneira, Hitler procurava fazer com que esses interlocutores se sentissem importantes e necessários, para que as melhorias ocorressem. Após, com o país reconstruído, toda nação veria neles os responsáveis por isso. Reforçase aqui o fato das falas serem em nome da nação e para a nação. Todos como uma unidade e não como indivíduos, reforçando a mensagem de união. As SD’s 01 e 02, apresentadas na sequência, foram retiradas da enunciação de Hitler voltada à JH: SD 01: E nós sabemos que para milhares da nossa população o trabalho não está longe de ser um conceito que segrega, mas que une a todos. (HITLER, 1934). SD 02: E eu sei que assim como você serve a Alemanha com humildade hoje, a Alemanha verá em vocês filhos marchando com alegria. (HITLER, 1934).
Ao exaltar a importância o trabalho, na SD 01, Hitler traz a tona mais uma dificuldade do país: a falta de trabalho. Na sua gestão, o desemprego estava gradativamente em redução, entretanto essa dificuldade não estava solucionada. Entendese então que, novamente, Hitler quer reviver no seu interlocutor uma dificuldade ainda vivida por eles. Bem como, conduzir o interlocutor para a seguinte conclusão: se Hitler quer a unificação da nação e para ele o trabalho une as pessoas, na sua gestão não faltará trabalho. Na SD 02, servir à Alemanha está relacionado a trabalhar para a Alemanha, uma vez que essas falas são direcionadas ao grupo de trabalhadores da JH. Considerando que o povo alemão anos após a derrota na Guerra ainda não possuía uma base econômica e governamental sólida, é compreensível que houvesse um clima de incapacidade e desmotivação. Nesse enunciado, Hitler mostra depositar nesse povo desesperançoso a sua confiança e garante que todos juntos não só reconstruirão o país através do trabalho, mas também serão reconhecidos por isso. Criase, assim, um laço de confiança entre enunciador e enunciatários. E, principalmente, se desperta a confiança dos interlocutores neles mesmos. Essa confiança foi fundamental para Hitler atingir seus objetivos nos anos que seguiram.
Por sua vez, a SD 35, direcionada à SS e SA durante o Congresso, trata da união em nome da Alemanha: SD 35: Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa Alemanha. E devemos continuar unidos por esta Alemanha. (HITLER, 1934).
Destacase que todas as enunciações de Hitler à SS e SA, realizadas durante o Congresso, tem marcas da chacina ocorrida meses antes sob liderança de Hitler, na Noite dos Longos Punhais. Portanto, nessa SD, quando Hitler afirma que “estamos unidos” e que “devemos continuar unidos”, referese à situação anterior da SA. Conforme visto na contextualização histórica, a organização, segundo ele, contava com alguns integrantes desleais, em desacordo com os ideais do NSDAP e da Alemanha. Por isso manchavam a imagem do movimento desintegrando o grupo. Essa SD, portanto, reforça que a Noite dos Longos Punhais foi necessária para reconstruir e reunificar essas organizações, que estavam desvirtuandose
do objetivo central do NSDAP. Novamente, a relação de
sacrifíciocompensação. Notase, assim, que Hitler sempre retomava em seus pronunciamentos os momentos difíceis do país com a intenção de mostrar como a situação em seu governo era melhor. Além disso, dirigiase à nação e pela nação, o que contribuía com a sua representação de líder unificador e salvador. Ao falar diretamente com as organizações vinculadas ao seu partido, Hitler além de ressaltar as dificuldades destacava a importância desses interlocutores na reconstrução da Alemanha. Como visto também, Hitler cita várias vezes a importância da união. Comprovase, por conta disso, que ele percebia aquele momento como um momento de desunião ou pelo menos, sem a união que ele considerava ideal e por isso reforçava tanto essa necessidade. Entendese que essa união desejada por Hitler, tratase de todos seguindo suas orientações, observando os ideais do NSDAP e trabalhando unidos pelo país. FD 2 Os Interlocutores (de Adolf Hitler) por Adolf Hitler A segunda FD identificada como relevante, diz respeito a como Hitler citava seus interlocutores nas suas falas. Analisar como ele descrevia seus interlocutores mostrouse como um aspecto revelador da sua intenção de orientálos a realizar as ações que ele propunha. E, ao mesmo tempo, firmar sua posição de Führer .
As SD’s abaixo, extraídas da enunciação de Hitler para a JH, mostram como ele buscava elevar a moral de seus interlocutores, citando suas qualidades, os valores que eles seguiam, os seus sentimentos para com a nação e colocandoos no papel de protagonistas das ações a serem realizadas: SD 01: E nós sabemos que para milhares da nossa população o trabalho não está longe de ser um conceito que segrega, mas que une a todos. (HITLER, 1934). SD 04: Por mim e por todo o povo alemão. (HITLER, 1934). SD 05: Vocês representam um grande ideal. (HITLER, 1934). SD 10: Minha Juventude alemã. Depois de um ano, eu os saúdo aqui novamente Hoje, aqui neste lugar, vocês são uma amostra do que nos cerca na Alemanha inteira. (HITLER, 1934). SD 11: E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças, arde a mesma paixão que nos guia. (HITLER, 1934).
Destacase, que na SD 04 Hitler ressalta a ideia de que não somente ele e o NSDAP viam a JH como fundamental para o futuro do país, mas sim toda a população. Com isso, identificase a vontade de Hitler por motivar os jovens trabalhadores do Partido à ação, entregandolhes a responsabilidade pela mudança necessária e desejada por todo o país. Isso é reforçado na SD 11, quando Adolf Hitler fazia seus interlocutores sentirse no dever de agir, alegando que não só eram membros de uma mesma nação, mas possuíam laços fortes que os uniam (como se fossem da mesma família): o mesmo sangue e a mesma carne. Além disso, remete ao forte sentimento nacionalista, um dos fundamentos do Partido Nazista. Nas SD’s que seguem, Hitler se dirigia aos integrantes da SS e SA. Elas revelam como ele articulava com os membros dessa organização que como visto, acabava de passar por um momento conturbado: SD 36: Entrego a vocês as bandeiras e estandartes, com consciência de que estou dando para as mãos mais leais da Alemanha. (HITLER, 1934). SD 42: Em tempos passados, vocês provaram lealdade a mim. E em tempos à frente de nós, não poderá ser e nem será diferente. (HITLER, 1934).
Aqui, Hitler fazia questão de descrever seus interlocutores como leais. Isso porque, após os acontecimentos na Noite dos Longos Punhais, ainda parecia temer alguma rebelião dos membros da SA, que naquela época, contava com milhões de membros. Apesar de ter eliminado as lideranças que, segundo Hitler ameaçavam a paz no país, ele sabia que se a SA tentasse agir contra seu governo, causaria sérias consequências. Portanto ao citálos como leais, Hitler estava relembrandoos da lealdade que o deviam. Reforçando que assim, como no
passado, ou seja, no início da organização quando serviam apenas de segurança dos comícios naquele momento também deveriam ser leais a ele. Na sequência têmse SD’s pertencentes ao pronunciamento de Hitler para o povo em geral durante o Congresso. Elas indicam como ele retrava os apoiadores do partido: SD 43: Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros de luta. (HITLER, 1934). SD 45: só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido. (HITLER, 1934).
“Combatentes”, “companheiros de luta” e “os melhores” são vocativos que remetem à batalha, que naquele contexto era segundo Hitler, necessária para a reestruturação do país. Portanto, Hitler tratava os interlocutores como colegas de luta, que juntos conquistariam seus objetivos. Isso aproximava enunciador e interlocutor, e encorajava o enfrentamento. A SD 44, também proferida ao povo em geral, expõe novamente a relação comumente feita por Hitler de sacrifício compensação, desta vez para descrever seu interlocutor: SD 44: Como um partido, tivemos que continuar com a minoria a fim de mobilizar aqueles com espírito de luta e senso de sacrifício. E esses nunca foram a maioria, mas sempre a minoria. (HITLER, 1934).
Dessa forma, Adolf Hitler citava a luta da minoria, composta por pessoas com “senso de luta e sacrifício” para formar o partido que, como mostrado, possuía os ideais capazes de conduzir toda a nação. Essa FD revela como Hitler buscava convencer e motivar os interlocutores a agirem conforme ele orientava. Assim tornavaos íntimos, próximos, parceiros, leais ao mesmo ideal, como irmãos, ou seja, não poderiam seguir caminhos e ideais diferentes. FD 3 O Führer e o NSDAP pela perspectiva de Adolf Hitler Essa FD diz respeito a como Hitler se referia a si e ao seu partido, que como visto na contextualização sócio histórica, era tido como uma extensão do Führer . E mostrouse relevante por evidenciar como Adolf Hitler gostaria de ser visto pelos seus interlocutores. Apresentase a seguir, SD’s da enunciação de Hitler ao povo, nas quais ele retoma alguns fatos do início da história do partido a fim de construir uma reflexão sobre o momento vitorioso que viviam: SD 45: Como um partido, tivemos que continuar com a minoria a fim de mobilizar aqueles com espírito de luta e senso de sacrifício. E esses nunca foram à maioria, mas sempre a minoria. (HITLER, 1934).
SD 46: E talvez, a despeito do esplendor deste evento, alguns de vocês se lembrarão saudosamente dos dias em que foi difícil ser um Nacional Socialista. (HITLER, 1934). SD 47: Quando nosso partido consistia em apenas sete homens, ele proclamou dois princípios. Primeiro, queria ser um Partido com projeção mundial. E segundo, queria, sem compromisso, exclusividade do poder na Alemanha. (HITLER, 1934).
Nas SD’s anterior, Hitler relembrava a difícil trajetória do movimento e reforçava para seus interlocutores a grandiosidade do NSDAP naquele momento e como foi importante a luta e a dedicação dos seus membros no passado para essa conquista, mesmo diante de dificuldades, mesmo sendo a minoria. Adolf Hitler, portanto, apresentava, a si e a seu partido, como os responsáveis pela vitória que a Alemanha vinha alcançando e que ainda alcançaria, representada pela grandiosidade daquele evento. Mais uma vez, identificase a intenção de Hitler em despertar nos interlocutores a ideia de que a luta, a dedicação total e o vigor eram necessários para que a Alemanha crescesse e se desenvolvesse e que, ao final, todos seriam recompensados. Na SD 57, apresentada a seguir e extraída da enunciação ao povo em geral, Hitler relembra períodos em que o NSDAP passou por complicações e, por conta disso, sofreu perdas de alguns membros que naquele momento ele descreveu como débeis, demonstrando que não faziam falta do partido. Não fica claro sobre qual momento especifico Hitler se referiu. Sabese que ele o NSDAP passaram por diversos reveses na década de 20, como: O NSDAP sido vetado, por conta do Pusth liderado por ele em 1923; SA e a SS tiveram suas atividades proibidas, devido às suspeitas de revolução; ele mesmo foi impedido de discursar logo após sair da prisão: SD 57: Uma vez, nossos adversários acharam meios, através de perseguições e proibições, de extirparem os mais débeis elementos do nosso movimento. Agora, devemos vigiar a nós mesmos e rejeitar aquele que for mau e, por isso, não tem a ver conosco. (HITLER, 1934).
O fato relevante é que Hitler, ao descrever essas pessoas extirpadas como débeis, demonstra que essas perdas não foram um erro e pede que daquele momento em diante os integrantes do movimento estejam em alerta para identificar e rejeitar elementos semelhantes. Entendese que nessa SD ele retoma os princípios valorizados pelo NSDAP como honra e lealdade, mostrando mais uma vez que o partido possui princípios sólidos e que sempre os segue, apesar de qualquer circunstância. O que também não deixa de revelar aspectos contraditórios das enunciações de Hitler. Pois conforme já visto, ele não costumava afastar
nenhum membro do seu partido ao praticarem alguma atitude “má”, mas sim, quando o indivíduo ia contra suas vontades e interesses. Logo, essa SD revela a intenção de Hitler em não aparentar algum sentimento de perda com esses fatos e tentar ser superior a esses acontecimentos. Destacase também SD’s da enunciação de Hitler para a SS e SA: SD 37: Aqueles que acreditam que surgiu uma fissura em nosso movimento estão enganados. Ele permanece tão firme quanto essa pedra aqui. Nada na Alemanha irá quebrálo. (HITLER, 1934). SD 38: Só um louco ou um mentiroso mal intencionado pode achar que eu ou alguém mais, podemos ter a intenção de destruir o que nós mesmos construímos durante anos. (HITLER, 1934). SD 39: Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa Alemanha. (HITLER, 1934).
Como mencionado, a chacina da Noite dos Longos Punhais causou insegurança nos membros do governo, na população e nas organizações envolvidas, a SS e a SA. Nas SD’s anterior, Hitler remeteu suas falas a esse acontecimento. Seus dizeres possuem teor de tranquilidade, segurança, força e solidez, ou seja, nada que remeta a séria crise que na realidade havia acontecido e não estava totalmente solucionada. Dessa maneira, entendese que diante de situações criticas como essa que, a princípio, poderiam colocar em dúvida a solidez e longevidade do Partido Hitler reforça a firmeza e segurança que o sustentavam. Assim, vêse que ele não permitia que a confiança dos interlocutores nele estremecesse. Na SD 47, ele apresenta os principais objetivos do partido, revelando o direcionamento que seu governo teve: poder total na Alemanha e interesse em projetarse para o mundo todo. Desta forma, portanto, deixava claro sua vontade de expandir mundialmente os valores do NSDAP, através de um governo totalitário liderado por ele. Na sequência, as SD’s retiradas do pronunciamento de Hitler para o povo em geral, seguem mostrando os ideais do partido nazista, entretanto destacase nelas aspectos religiosos:
SD 27: O movimento vive. Está em firmes alicerces. (HITLER, 1934). SD 48: um símbolo da eternidade. (HITLER, 1934). SD 49: Ele [o NSDAP] permanecerá inalterável em sua doutrina. Duro como aço em sua organização. Flexível e adaptável em suas táticas. Na sua essência, contudo, vai parecerse com uma ordem religiosa. (HITLER, 1934). SD 50: Foi mais que isso para centenas de milhares de combatentes. Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros de luta. (HITLER, 1934).
SD 51: Apenas quando nós, no Partido, usando todo nosso vigor, tivermos atingido os mais altos ideias Nacionais Socialistas, somente então, o Partido será um eterno e indestrutível pilar do povo alemão e do Reich. (HITLER, 1934). SD 58: É nosso desejo, nosso propósito que este Estado e este Reich devem continuar a existir nos próximos milênios. (HITLER, 1934).
Todos esses trechos revelam alguns dos artifícios místicos habitualmente utilizados por Hitler em suas enunciações. Ele relacionava os princípios do NSDAP como uma crença digna de uma “ordem religiosa”. O partido era citado como um organismo vivo que duraria eternamente. Isso revela que Hitler desejava, não apenas partidários, mas sim, pessoas vinculadas pela fé, crentes nos ideais do nazismo. Além disso, Hitler destacava a firmeza, uma garantia de solidez frente a um povo que, anos antes, sofrera devido à instabilidade política. Isso fica evidente também nas SD’s abaixo: SD 52: Resolvemos guardar a liderança da nação e jamais renunciála. (HITLER, 1934). SD 53: O partido sempre será a liderança política da gente alemã (HITLER, 1934).
Nessas SD’s, também retiradas de uma fala para o povo em geral, Hitler não utilizou de artifícios místicos. Pelo contrario, foi claro e direto. Isso revela algo que será visto também mais a frente que ele usava diferentes recursos para convencer seu interlocutor. Como visto aqui, ora eram palavras de conotação religiosa (que despertavam espiritualidade e vínculos de fé), ora eram afirmações firmes e objetivas, sem brechas para contestações. Dessa maneira, Adolf Hitler abria diversas possibilidades de legitimar sua dominação, pois falava de forma a agradar interlocutores diversos. Era como se falasse a língua de cada um. Conforme sabese, esse aspecto é extremamente importante para que o enunciador atinja os seus objetivos comunicacionais. Identificaramse também as SD’s a seguir, de uma enunciação de Hitler para o povo em geral, que revelaram como ele elevava sua pessoa e o seu partido perante os demais:
SD 54: Nós carregamos o melhor sangue e sabemos disso. (HITLER, 1934) SD 55: E com uma dedicação impressionante, o melhor da raça alemã assumiu a liderança do Reich, do povo. E, por causa disso, o povo aprovou e legitimou essa liderança. (HITLER, 1934). SD 56: Porque a ideia e o movimento são a expressão da nossa gente […]. (HITLER, 1934).SD 65: O VI Congresso do Partido está chegando ao final. Milhões de alemães de classes diferentes das nossas podem ver isto só como uma impressionante mostra de poder político. (HITLER, 1934).
Na SD 65, constatase que Hitler queria que o seu governo fosse visto como detentor de poder imensurável e, portanto, temível. Em seguida, as SD’s 54 e 55 exibem como ele
justificava ter chegado a tamanho poderio: “Nós carregamos o melhor sangue” (SD 54), “o melhor da raça alemã assumiu a liderança” (SD 55). Esses trechos expõem aspectos claros de nacionalismo e pangermanismo extremos, ou seja, da elevação da raça ariana, de sua cultura, idioma e tradições perante as demais. Relacionamse esses aspectos ao da antiga teoria de eugenia, que foi a explicação cientifica dada para a classificação das diferentes raças, podendo exaltar ou empobrecer as características de cada uma. Na SD 56, Hitler afirma que seu movimento é a expressão do povo alemão. Sabese que sim, o povo alemão e países vizinhos compartilhavam dos sentimentos antissemitas e de exaltação da raça ariana. Foi nessa conjuntura que Hitler formou sua visão de mundo e solidificou seus sentimentos preconceituosos. Além disso, sabese que a população sabia de todas as ações contra judeus, deficientes, comunistas, ciganos e outros grupos sociais. No entanto, pouco ou nada se fazia a respeito; alguns alemães inclusive colaboravam para a perseguição a esses grupos. Não é possível afirmar, porém que a totalidade dos alemães pensavam da mesma forma e apoiavam os ideais do NSDAP, mas é possível afirmar que a citação de Hitler não era descabida ou exagerada. A seguir, na SD 06, retirada da enunciação de Hitler para a JH, ele afirmava que, pela primeira vez, colocava alguém a sua frente, o que ratifica a ideia de que Hitler se via a frente de todos. Nesse caso, ele tinha como objetivo demonstrar o quanto o trabalho da juventude que integrava de seu partido era importante e necessária para o país naquele momento. SD 06: Meus trabalhadores! Pela primeira vez, vocês ficam antes de mim na lista de chamada. (HITLER, 1934).
Além disso, percebese, na próxima SD, também direcionada ao povo, que ele busca novamente acalmar os interlocutores informando o seu desejo de manter a existência da Alemanha: SD 59: podemos ficar felizes sabendo que esse futuro será totalmente nosso (HITLER, 1934).
Ele ratifica que o “futuro será totalmente nosso”. Considerando que o princípio do Partido era a "projeção mundial”, entendese quando Hitler diz “nosso”, que ele está se referindo a ele mesmo, ao NSDAP e ao povo alemão. O futuro pertencia a eles, não haveria o que temer nesse sentido.
Notase, através dessa FD, que Hitler descrevia o partido e a si mesmo como pessoas fortes, guerreiras, alemães puros e obstinados, verdadeiros heróis que sabiam do que o país precisava. Ou seja, a população poderia ficar tranquila de ter pessoas tão importantes, superiores e determinadas na sua condução. Além disso, ao demonstrar a firmeza do partido, Hitler demonstrava o objetivo de permanecer na gestão do país, ao mesmo tempo em que aos interlocutores buscava demonstrar a tranquilidade de um governo inalterável, estruturado e indestrutível. Os aspectos místicos revelam como Hitler apresentava o NSDAP como uma doutrina a ser seguida tal qual uma religião, o que exigia fé e lealdade de seus membros. Para um povo que, junto das sequelas pós1ª Guerra, havia mudado totalmente sua forma de governo de Imperialista para Democrático, conforme citado por Ribeiro Jr (1991) e, em seguida, passado por instabilidades políticas, a promessa de um governo firme, estável e duradouro, poderia parecer muito atraente. Mas não só isso poderia tranquilizar os interlocutores, fazendoo crer que o país estava sob a liderança correta. E essa tranquilidade, fortalecia a confiança do interlocutor no enunciador e reduzia os questionamentos dos acontecimentos realizados pelos Nazistas. FD 4 As promessas de Adolf Hitler Nesta FD se evidenciam as promessas e os desejos de Hitler para a Alemanha, apresentadas em suas enunciações. Reconhecese que essas intenções podem ter atraído o interesse e atenção do interlocutor, além de terem reforçado o carisma do Führer. E por isso é relevante analisálas. Na SD 07, Hitler falava para a JH e ratifica a importância do trabalho como prioridade para a reestruturação do país: SD 07: E, em particular, ninguém irá morar na Alemanha sem que trabalhe para nosso país. Não há outro emprego. (HITLER, 1934).
Além de ser uma forma de motivar os jovens a permanecer executando as atividades que lhes eram atribuídas, aqui, Hitler novamente fez uma menção à eugenia. Uma vez que, em qualquer país existem pessoas que, por problemas diversos, estão impossibilitadas de trabalhar, ao afirmar que “ninguém irá morar na Alemanha sem que trabalhe para nosso país” Hitler estava claramente excluindo esses indivíduos dos planos que tinha para a Alemanha. Os interlocutores não pareceram contrários a essa visão; pelo contrário, o documentário registra que aplaudiram essa intenção de Hitler.
A SD 28 revela um sentido próximo ao descrito acima, só que voltado a outro interlocutor. Nesse caso Hitler falava para o povo, prometendo dedicação total à Alemanha e ratificando a ideia de nacionalismo e pangermanismo em suas falas: SD 28: Esta é a nossa promessa esta noite. Toda hora, todo dia, pensar somente na Alemanha, nas pessoas, no Reich, na nação alemã e no povo alemão. Salve a vitória! Salve a vitória! Salve a vitória! (HITLER, 1934).
Ele ratifica nessa fala como o país e o povo são prioridades para ele e seu governo. Cabe aqui ressaltar os aspectos de interdiscursividade dessa fala, que permitem afirmar que “nação alemã” e “povo alemão” para Hitler são somente os puramente arianos. Povos de outra cultura, religião e ideologia mesmo que nascidos na Alemanha para ele não eram alemães e não mereciam a atenção, proteção e benefícios que seu governo traria. Nas enunciações a seguir, verificase o interesse de Hitler de utilizar o Exército para as conquistas que, segundo ele, o país precisava. As SD’s que exibem isso foram retiradas da enunciação de Hitler para o povo: SD 60: E neste momento, dezenas de milhares de membros do partido deixarão a cidade. Enquanto alguns viverão de suas memórias, outros estarão se preparando para a próxima lista. E novamente as pessoas virão e irão. (HITLER, 1934). SD 61: E estarão determinadas, animadas e inspiradas novamente. (HITLER, 1934). SD 66: Então, nosso Exército glorioso, o poderoso portador das armas da nossa gente, será ligado à, igualmente tradicional, liderança política do nosso Partido. Juntos, esses dois corpos instruirão e fortalecerão o povo alemão. E eles carregarão, em seus ombros, o Estado alemão e o Reich. (HITLER, 1934).
Entendese que, nas SD’s anteriores, ao descrever o apoio do Exército e colocálo lado a lado com o Partido, Adolf Hitler estava desde o início predisposto a lutar bélica e politicamente para defender e fortalecer o povo alemão. Isso retoma o que Kershaw (2010) relata sobre a maneira inspiradora com que Hitler encarou a 1ª Guerra. Desde o início de seu governo, considerou o Exército importante para a construção de um país forte, a ponto de assassinar homens da SA que desejavam se rebelar contra aquela instituição. Concluise, então, mesmo nas entrelinhas, Hitler mostrou a sua disposição para novos confrontos. Portanto, nessa FD fica claro como Hitler declarou o que pretendia realizar no país e como pretendia realizálo. Compreendese que a sua convicção ao expor seus ideais teria despertado a confiança dos interlocutores, que, como já visto, estava ainda fragilizado e sem uma ideologia firme na qual se apoiar. Para os interlocutores, essas propostas pareciam ser as únicas soluções possíveis para a situação de crise que estava instalada no país há muitos anos.
Principalmente se comparado com o governo existente no pósguerra, que desde o seu início carregava o peso da assinatura do Tratado de Versalhes. Além disso, aquele governo não tinha forças internas nem o apoio do povo para resolver os graves problemas econômicos e sociais existentes no país. FD 5 As exigências de Adolf Hitler aos seus interlocutores Identificouse que as enunciações de Hitler frequentemente continham pedidos ou exigências para seus interlocutores. Extraise que essa era a forma através da qual ele mensurava o apoio recebido: quanto mais as pessoas obedeciam as suas ordens e agiam conforme sua orientação, mais certeza Hitler tinha de sua liderança. Isso o fortalecia e dava mais segurança para suas ideias e atitudes. Assim, essa FD revelouse pertinente por identificar formas com os quais Hitler buscou a legitimação da sua dominação. As SD's a seguir demonstram como o ditador buscava doutrinar seus interlocutores — nesse caso, a JH — informando como eles deveriam agir a fim de realizarem os objetivos do movimento nazista: SD 12: Nós queremos ser um povo, E vocês meus jovens, são este povo. (HITLER, 1934). SD 13: Não queremos mais ver divisões de classes. Vocês não devem deixar que isso cresça entre vocês. (HITLER, 1934). SD14: Vocês devem suportar privações sem se desintegrarem. (HITLER, 1934). SD 15: E independente do que façamos ou criemos hoje, nós morreremos, mas a Alemanha continuará vivendo em vocês. E quando não houver mais nada de nós, então vocês devem segurar em seus punhos as bandeiras que erguemos do nada. (HITLER, 1934). SD 21: […] mas que também seja valente. E vocês devem ser pacíficos.... [Hitler é interrompido por aplausos]. Então, vocês devem ser pacíficos e corajosos ao mesmo tempo. (HITLER, 1934). SD 22: Queremos um dia ver um Reich. E vocês devem lutar por isso. (HITLER, 1934). SD 23: Queremos que nossa população seja obediente. E vocês devem praticar a obediência. Queremos que nosso povo ame a paz. (HITLER, 1934).
Essas SD’s evidenciam as orientações de Hitler para a juventude nazista, considerada o futuro da Alemanha. Adolf Hitler queria fazer uso da força e, principalmente, do fato de ainda não terem seus ideais formados a favor do partido. Por isso exigia que eles fossem fortes, resistentes frente às dificuldades, obedientes e leais aos ideais do movimento. As SD’s 12, 13, 22, 23 e 21 mostram que Hitler falava na 1ª pessoa do plural, o que leva a entender que englobava a si mesmo, o NSDAP e a população alemã. Nas SD’s 14 e 15, Hitler coloca esse grupo como responsáveis pela perpetuação do movimento e reforça a necessidade de seguirem firmes nessa missão.
Não diferente disso, é o sentido das próximas SD’s, extraídas da fala de Hitler ao povo em geral: SD 29: E enquanto apenas um de nós puder respirar, ele dará sua energia a este movimento. E o defenderá, assim como nossos camaradas fizeram no passado. (HITLER, 1934). SD 62: Haverá apenas uma pequena seção de combatentes ativos. E será exigido mais deles do que de seus companheiros. Para eles, não basta declarar simplesmente: ‘Eu acredito’, mas, de preferência, prometer: ‘Eu lutarei!’ (HITLER, 1934). SD 63: Quando as gerações mais velhas mal puderem andar, a juventude vai dedicarse a continuar nosso trabalho. (HITLER, 1934).
O mesmo ocorre na SD 40, no pronunciamento à SS e SA:
SD 40: E devemos continuar unidos por esta Alemanha. (HITLER, 1934).
Todas essas SD’s mostram o comportamento, ações, valores e princípios que os interlocutores de Hitler deveriam seguir. Ao falar repetidamente o que esperava de seu público, Hitler instigava seus interlocutores a realizarem o que ordenado, ratificando seu poder sobre eles. Assim, o ditador sabia que os interlocutores não só compreendiam suas exigências, mas também, que as atenderiam, confirmando o que Kershaw (2010) relata quanto ao culto ao Führer . Logo no início de sua gestão, tanto os membros do partido quanto o povo agiam conforme as vontades de Hitler. Havia, segundo o autor, um interesse geral em prever e realizar as vontades do líder, a fim de agradálo. Entretanto, percebese que Hitler não só descrevia suas expectativas, ele também colocava seus interlocutores como corresponsáveis pelas ações que, segundo ele, eram necessárias para o bem de todo o país. Isso possivelmente despertava sentimentos de dever para com a nação e seus conterrâneos. Amostras disso são as SD’s de Hitler para a JH: SD 16: E sabemos que vocês moças e rapazes alemães estão sendo incumbidos de tudo que esperamos da Alemanha. (HITLER, 1934). SD 17: Queremos que nosso povo permaneça forte. Será difícil, e vocês próprios devem reforçar isso para os seus jovens. (HITLER, 1934).
Verificase que, dessa forma, Hitler, após despertar a confiança dos interlocutores em si mesmo, colocavaos em uma posição importante: a de agentes da reconstrução. Tudo dependia do engajamento desse agente. Isso demonstra a habilidade de Hitler em ajustar sua fala conforme o momento e o interlocutor. Nas SD’s proferidas ao povo, ele sustentava que o governo agia conforme o desejo da população:
SD 30: Parecelhes intrigante o que instiga estas centenas de milhares em conjunto, o que nos leva a aturar necessidade, sofrimento, privação. Eles não conseguem entender isso como algo que não seja uma ordem estatal. Eles estão enganados. (HITLER, 1934). SD 31: Não é o Estado que nos comanda, e sim nós que comandamos o Estado. Não é o estado que nos cria, mas nós que criamos nosso estado. (HITLER, 1934).
Sabese, porém, que essas afirmações não passavam de artifícios para convencer o interlocutor. Na SD 30, os traços de interdiscursividade aparecem quando Hitler afirma que a reunião de tantas pessoas não ocorre a partir de uma ordem estatal, mas sim, pela vontade própria dessas pessoas, motivadas pelas mesmas convicções e aspirações. Hitler também apresentava justificativas para suas exigências. Essas determinações eram manifestas das mais variadas maneiras, como através de artifícios místicos e religiosos, da exaltação da raça e da retomada de valores tradicionais, como o trabalho e a lealdade. Em alguns momentos, as exigências eram feitas, inclusive, de forma intimidadora. As próximas SD’s, retiradas da sua enunciação à JH, expõem tais justificativas:
SD 08: A nação inteira será educada por vocês. (HITLER, 1934). SD 09: Esse tempo virá quando nenhum alemão puder ser admitido na comunidade da nossa gente sem ter primeiro trabalhado como alguém dela. (HITLER, 1934). SD 18: E quando a grande coluna do nosso movimento marchar hoje triunfante pela Alemanha, eu sei que vocês irão aderir à coluna. (HITLER, 1934). SD 19: E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças, arde a mesma paixão que nos guia. (HITLER, 1934). SD 20: Unidos a nós, vocês não serão excluídos. (HITLER, 1934).
Nas SD’s 08 e 09, Hitler afirmava que a JH deveria ter no trabalho a razão de sua existência. Dessa forma, toda a nação, espelhada neles, aprenderia os ideais do movimento. As SD’s 18 e 19 apresentam a forma como Hitler ordenava com uma fala afirmativa da receptividade à ordem: “Eu sei que vocês irão aderir”. Prosseguiu justificando que sua certeza da aceitação da ordem se dava pelo fato de que ele e seus interlocutores pertencem à mesma raça, compartilham do mesmo sangue e ideias. Por isso nada poderia ser diferente ao que ele pedia. Na SD 20, por sua vez, percebeuse o aspecto ameaçador. Ao dizer que “Unidos a nós vocês não serão excluídos”, Adolf Hitler evidenciava que quem não se unir a ele será desprezado. O estudo sobre a conjuntura das suas enunciações expõe como ele tratava aqueles que não compartilhavam de seus ideais. Na sequência, apresentase SD’s pertencentes ao pronunciamento de Hitler ao povo:
SD 32: Seria pecado se, em alguma ocasião, admitíssemos deixar de fazer aquilo pelo qual sempre lutamos com tanto trabalho, tanta preocupação, tanto sacrifício e tanta necessidade. (HITLER, 1934). SD 33: Nós não podemos ser desleais com o que nos deu senso e determinação. (HITLER, 1934). SD 34: Nada virá de coisa nenhuma se não for baseada em uma ordem maior. Essa ordem não nos foi dada por um superior terrestre. Ela nos foi dada por Deus que criou nosso povo. (HITLER, 1934). SD 64: O objetivo é que todos os alemães se tornem Nacionais Socialistas. Mas só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido. (HITLER, 1934).
Através dessas SD’s, entendese que Hitler demonstrava que suas ordens não haviam sido inventadas por ele, mas sim por algo superior a ele. Em alguns momentos, tratavase de Deus, que havia dado superioridade à raça ariana. Assim, subentendese que Hitler relacionava o não cumprimento da ideologia nazista a um pecado. Em outros casos, o não cumprimento das orientações significava deslealdade ao partido e/ou ausência de valor (somente “os melhores Nacionais Socialistas serão membros no partido”). Já nas SD’s a seguir, direcionadas à SS e SA, Hitler afirmava estar se dedicando a esse grupo por crer na sua lealdade para com ele e para com o partido: SD 36: Entrego a vocês as bandeiras e estandartes, com consciência de que estou dando para as mãos mais leais da Alemanha. (HITLER, 1934). SD 41: Em tempos passados, vocês provaram lealdade a mim. E em tempos à frente de nós, não poderá ser e nem será diferente. (HITLER, 1934).
Dessa forma, a exigência era, também, tida como justificativa. Isso porque, sabese que Hitler queria naquele momento pouco tempo após a Noite dos Longos Punhais exigir que SA e SS permanecessem extremamente leais a ele. Entendese que ao chamar esse grupo de as “mãos mais leais da Alemanha” e afirmar que está certo de que “não poderá e nem será diferente”, Hitler estava usando de uma estratégia para convencer seus interlocutores. Posto isso, compreendese que cada interlocutor pode ter tido suas motivações internas para atender às ordens de Adolf Hitler. De acordo com suas vivências, crenças, princípios e valores, cada um poderia identificar uma razão para seguilo. O fato é que, apontando justificativas diversas, Adolf tinha mais possibilidades de atingir o objetivo de, ver os interlocutores agindo conforme suas orientações e, dessa maneira, legitimar sua dominação. 4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE
Um ano após a derrota da Alemanha na 1ª Guerra Mundial, Adolf Hitler chega com o NSDAP, em 1920, afirmando querer a unificação do país através do trabalho, da valorização do povo alemão, da redução da divisão e classes, da agricultura e dos valores do moradores do campo. Além disso, sempre afirmou que o Tratado de Versalhes era uma humilhação para a nação, pois diminua um povo tão importante como o alemão e impedia a reconstrução do país. Esse pensamento não era só de Hitler ou do NSDAP, mas sim, de grande parte da população, contribuindo para que Hitler ganhasse pouco a pouco a simpatia de todos. Rapidamente o NSDAP foi crescendo devido aos comícios lotados de Hitler. Os temas mais recorrentes eram o antissemitismo, a exploração do povo pelo governo em vigor, a inflação, a necessidade de um território maior para a Alemanha e a vergonha do país mediante ao Tratado de Versalhes. Em 1923, Hitler tentou a tomada do poder por meio de uma revolução o chamado Putsh que não deu certo e acabou com a prisão de Hitler e alguns outros partidários. Esse fato, conforme visto, fez com que ele passasse a ser visto como um líder corajoso, disposto a tudo para salvar o país do governo que, segundo ele, era fraco e incapaz de tirar o país da crise. Logo, foram criadas organizações vinculadas ao partido: a SA (responsável pela segurança dos locais dos comícios), a Juventude Hitlerista (grupo de jovens simpatizantes ao NSDAP utilizados como divulgadores do partido em marchas exibicionistas) e a SS (grupo que fazia a guarda pessoal de Hitler). Os membros dessas organizações estavam sempre uniformizados, portando bandeiras com enormes suásticas ou águias e circulando pela cidade por conta dos comícios ou das marchas organizadas para a divulgação do partido. Isso criava um ar de disciplina, uniformidade, ritual. Compreendese que essa simbologia, arquitetada principalmente por Joseph Goebbles como Ministro da Propaganda do partido Nazista, contribuiu para a confirmação dos sentidos de união e força que Hitler buscava produzir em seus pronunciamentos. Os comícios de Hitler eram sempre lotados, ele atraia milhares de pessoas devido às suas qualidades oratórias. Ele construía suas próprias falas e as proferia com destreza e convicção, tendo sido bastante reconhecido por isso. Tratavase da combinação perfeita de paixão com domínio dos assuntos apresentados. Em 1933, após 13 anos divulgando as suas ideias e disputando diversas eleições municipais e estaduais, o NSDAP conquistou um cargo de poder relevante, com Hitler nomeado Chanceler da Alemanha. Naquele momento, Hitler já era conhecido em todo o país
e possuía diversos apoiadores. Em pouco mais de um ano, o governo de Hitler realizou mudanças representativas no país. A população, por sua vez, havia entrado na 1ª Guerra Mundial com um governo imperialista, regido por ideais prussianos de disciplina e obediência, o que incitou o sentimento de supremacia nacional fundamentado em teses pangermanistas. Naquele período, teóricos racistas já solicitavam ao Estado que, conforme Ribeiro Jr. (1991), “cuidasse dos elementos mais válidos da população e exterminasse os inferiores”. A Alemanha saiu da guerra derrotada, com fome, desemprego e destruição. A assinatura do Tratado de Versalhes que registrava a derrota do país e ainda garantia barreiras para sua reconstrução também contribuiu para a sensação de prejuízo. Além disso, após algumas revoluções que só serviram para acentuar o caos do país, instalouse na Alemanha um governo democrático, a República de Weimar. Não cabe aqui avaliar qual governo era melhor, mas o fato é que essa mudança de ideologia de governo pode ter contribuído para uma crise de identidade cultural e social do povo alemão no pósguerra. O que aconteceu depois de 1934 na Alemanha e em todo o mundo é largamente conhecido por todos. Hitler conduziu a humanidade para uma 2ª Guerra Mundial, com sérias consequências. Entretanto, o fato a se destacar é que ele não realizou tudo isso sozinho. Pelo contrário, ele contou com vasto apoio de membros do seu partido, do partido que estava governando naquele momento e que lhe colocou no poder, e, de grande maioria da população alemã. Apreendeuse que Hitler trouxe a mensagem certa, para o interlocutor certo, no momento certo. Como visto, ele ficou 13 anos afirmando a mesma coisa, conquistando pouco a pouco a confiança e lealdade dos seus interlocutores. Justamente em um período sensível, pósderrota da 1ª Guerra, no qual o país estava enfraquecido, econômica e culturalmente, e precisava superar sérias dificuldades. Em contrapartida, a mensagem do governo até então no poder e dos partidos concorrentes, não se mostrava forte e embasada como a de Hitler. O governo estava em crise constante, sem conseguir livrar o país das sérias dificuldades socioeconômicas, da crise cultural e de identidade. Um país que antes de entrar na guerra era uma referencia econômica baseada em princípios sólidos, após a 1ª Guerra viase desestruturado, fraco economicamente e sem perspectivas de crescimento.
Hitler não desistiu do que queria, não mudou sua mensagem. Mostrouse sempre à disposição do país e obstinado a realizar o que fosse necessário para que a Alemanha que ele idealizava se tornasse realidade. Vêse que diante de anos aguardando por uma mudança que não vinha, Hitler e sua proposta fascinante reforçada por toda a simbologia e fortemente divulgada pela propaganda maciça do partido pareceram ser a última esperança de um povo em voltar a ser o que era. Hitler conquistou seus seguidores gradativamente, mas a cada um que conquistava exigia lealdade, dedicação e força para encarar o que fosse necessário para que os objetivos fossem alcançados. Objetivos esses que ele justificava como fundamentais para a transformação do país. Além disso, afirmava que estava seguindo a chamada “providência”: o país só seria salvo por um homem forte o suficiente para encarar todas as lutas necessárias e ele havia sido escolhido para essa missão. O interlocutor acreditou, vestindo a camisa do NSDAP e depositando em Hitler toda a sua fé e esperança. Realizou tudo o que podia para agradar a seu Führer: agia conforme acreditava ser da sua vontade, afinal confiava que tudo que o Führer fazia era para o bem do país. Até as atitudes mais questionáveis do Führer eram vistas como compreensíveis frente à necessidade. Quando Hitler anuncia que, mesmo contra o Tratado de Versalhes, reconstruiu o Exército, anexou a Renânia um dos territórios perdidos na 1ª Guerra à Alemanha e anexou a Áustria, estava mostrando claramente a sua disposição para guerrear. Uma nova guerra era o que o povo mais temia. Entretanto, como ele estava vencendo facilmente essas batalhas menores, ao invés de recear a sua forma de gestão, o povo o apoiou, o aplaudiu pela sua capacidade de conquistar espaços tão importantes para a Alemanha. Assim, no lugar de criticas ele recebeu elogios, que aumentaram a sua autoestima e a segurança que precisava sentir para seguir o seu governo nesse formato. Além disso, o êxito a partir de guerras estava na memória do povo. Como visto, o país foi organizado a partir de conflitos vencidos, que faziam o povo se orgulhar de seu passado de luta e conquistas. Esse sentimento modificouse após o resultado da 1ª Guerra, mas naquele momento com os pequenos primeiros triunfos de Hitler estavam ressurgindo no povo. Em 1939, quando Hitler declarou guerra à Polônia, iniciando a 2ª Guerra Mundial, a grande parte da população comemora. Esse fato é extremamente revelador quanto à legitimação da dominação de Hitler. A confiança de que o Führer jamais daria um passo sem
ter a certeza da vitória, colocando o povo em situação difícil, era tamanha que o interlocutor apenas o apoiou. Os soldados foram em festa para a guerra, as famílias confiavam seus filhos e maridos para a luta com a certeza de que o êxito viria. Durante os primeiros anos de guerra, devido algumas conquistas da Alemanha, essa confiança apenas aumentou e se solidificou. Com isso, o medo da guerra e da destruição sumiu. Antes do início da guerra, Hitler já havia colocado em prática diversas leis discriminatórias contra judeus, deficientes e membros de outros partidos. A partir do 2ª ano do seu governo começou a criar os campos de concentração, que serviam para o extermínio daqueles que eram julgados como inúteis para o país em sua maioria judeus , e os demais, tinham sua força de trabalho fortemente explorada em condições precárias de sobrevivência. Entretanto, não cabe como justificativa que o interlocutor de Hitler confiava nele sem saber das atrocidades que ele fazia. Conforme relatado por Kershaw (2010), todos agiam de forma a agradar o líder que haviam escolhido. Ratificase assim, que Hitler conseguiu a legitimação da sua dominação. Cabe aqui então, retomar a teoria de Max Weber, a fim de esclarecer quais os tipos de dominação legítima foram exercidas por Hitler naquela época. De acordo com Weber (2000, p. 158159), a dominação carismática ocorre quando o dominador utilizase de seu carisma com a pretensão de dominar. O autor define carisma como [...] uma qualidade pessoal considerada extracotidiana (na origem, magicamente condicionada, no caso tanto dos profetas quanto dos sábios curandeiros ou jurídicos, chefes de caçadores e heróis de guerra) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre humanos, ou, pelo menos, extracotidianos específicos ou então se a torna como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder.
Conforme visto, Hitler descrevia a si mesmo como alguém diferenciado, obstinado e escolhido pela providência divina para salvar a Alemanha. É importante relembrar que segundo Weber (2000) deve ser levando em conta como essa característica é entendida pelos dominados, também chamados de adeptos. O livre reconhecimento do carisma pelos dominados é o que decide a sua validade, solidificada através de provas (inicialmente milagres, entrega de revelações, veneração de heróis ou confiança do líder). Nas palavras de Weber (2000, p. 159), “psicologicamente, esse reconhecimento é uma entrega crente e inteiramente pessoal nascida do entusiasmo ou da miséria e esperança”. Foi largamente
explanado até aqui como os interlocutores reconheciam em Hitler a característica de líder salvador e depositaram nele toda a confiança. Quanto às entregas de milagres ou revelações que Hitler poderia ter feito aos seus interlocutores a fim de reafirmar a sua posição, temse desde as melhorias econômicas com gerações de emprego, aumento e valorização da produção rural, redução de impostos para industriarias, até, a anexação da Renânia, Áustria e surpreendentemente vitória rápida e sem grandes perdas sobre a França algo considerado praticamente impossível e que Hitler após a vitória, afirmou estar seguindo a providência quando decidiu realizar a invasão.
Outra característica da dominação carismática que é visível na gestão de Hitler, diz respeito ao quadro administrativo. Conforme visto, Weber (2000) explica que o quadro administrativo do senhor carismático é definido apenas por nomeação, segundo inspiração do líder, não existindo carreira, nem ascensão. Não há hierarquia nem autoridade, apenas encarregados de carisma limitados pela missão senhorial. Há criações de direito através do juízo de Deus e revelações. Era exatamente assim que Hitler estruturava seu governo: quando ele acreditava que determinado partidário estava disposto a agir conforme ele acreditava ser o correto, ele o mantinha no cargo. A partir do momento que Hitler sentia que algum membro do seu governo não era leal o suficiente para com os ideais nazistas, ele simplesmente o substituía, quando não absorvia para si aquela função. Isso era feito sem considerar a capacidade do indivíduo em executar aquela função, era considerado apenas como Hitler via determinada pessoa. Esse tipo de dominação, segundo o autor, rejeita o aproveitamento econômico dos dons divinos como fonte de renda, pois reconhece que o carisma se estabelece onde existe vocação. Porém, isso acaba sendo mais um ideal do que uma realidade, pois em cada situação de dominação há sempre um interesse material a ser cumprido. No caso do líder carismático partidário, como explica Weber, ele busca meios materiais de garantir o seu poder. O que, de fato, desconsiderase nesse tipo de dominação é a forma comum de receita, regular através de atividade econômica. O suprimento das necessidades carismáticas ocorre por patrocínio (gorjetas, doações, corrupção), esmolas, herança ou extorsão (violenta ou pacífica). Como visto, o NSDAP foi financiado por patrocínio, doações de grandes empresários que simpatizavam com a ideologia do partido. Depois, quando já estava no governo, foi através de corrupção e extorsão, que Hitler conseguiu reiniciar a produção de armamentos, carros e
aviões e guerra. Isso porque, devido o Tratado de Versalhes, a Alemanha estava proibida de fazer isso. Weber esclarece como a ação do carisma acontece sobre os dominados. Ele cita a vinculação do carisma à tradição, que age de fora para dentro. Isto é, modifica o ambiente externo do dominado como o ambiente em que vive, por exemplo e por consequência, causa mudanças internas no dominado como uma alteração de valores, por exemplo. Essas mudanças podem surgir em contextos de “miséria ou entusiasmo” e significam uma mudança da “direção da consciência e das ações, com orientação totalmente nova de todas as atitudes diante de todas as formas de vida e diante do “mundo”, em geral. ” (WEBER, 2000, p. 161). Esse aspecto também é encontrado na dominação de Hitler. Visto que ele exaltava os valores mais tradicionais e disciplinadores da cultura alemã, causando nesse sentido uma mudança externa, ou seja, no contexto dos dominados. Essa mudança foi facilmente absorvida, já que se aproxima do tipo de governo Imperialista existente no país antes da 1ª Guerra. Por consequência, esse novo ambiente ocasionou mudanças internas no dominado, quanto sua percepção de princípios e valores. É possível afirmar, portanto, que esse estilo conservador de governo pode ter contribuído para conquistar seus interlocutores e causar neles as mudanças necessárias para que tivessem maior aderência ao governo de Hitler. Porém, o aspecto mais evidente de que Hitler exerceu a dominação carismática sobre seus interlocutores naquela época é o que Weber (2000) define como racionalização das relações dentro das associações. Esse processo faz com que o reconhecimento do líder fosse um fundamento e não uma consequência da sua legitimidade. Assim, o aspecto autoritário do carisma é transformado em antiautoritário. Nesse caso, o autor afirma que o líder é eleito e levado formalmente ao poder pelos dominados através de livre escolha, sendo a forma mais comum de definição do líder é por plebiscito (eleições). E foi justamente nesse formato que Hitler validou sua função de Chanceler e posteriormente de Presidente. Logo após realizar as articulações políticas para assumir esses cargos, realizou plebiscitos a fim de validálas junto ao povo. Como se ele não estivesse impondo a sua função de Chanceler e logo depois, Chanceler e Presidente. Mas sim, verificando a opinião da grande massa. No tipo de carisma antiautoritário, o dominador se apoia em funcionários que atuem de forma ágil e sem criar conflitos. E procura associar seu carisma, frente aos dominados, a “honra e glória militar ou promovendo seu bem estar material” (WEBER, 2000, p. 177). O fato de Hitler ter lutado na 1ª Guerra era comumente usado nas propagandas nazistas e em
seus discursos, como forma de ratificar sua imagem de homem corajoso que lutava pela Alemanha. Esse formato aproximase do formato de dominação legal, que é o outro tipo de dominação que percebese com a análise feita, que Hitler também exerceu. A dominação legal apresenta caráter racional e, segundo o autor, baseiase na obediência dada por normas de determinado contexto e que todos aqueles que fizerem parte desse contexto devem seguir. Hitler exerceu esse tipo de dominação, pois à medida que conquistava posições de poder no governo ou seja, aumentava sua posição hierárquica ele determinava leis que representassem os seus ideias, crenças, e, essas leis deveriam ser seguidas por todos naquele contexto. Exemplos disso não faltam: a lei de esterilização; o decreto de emergência que retirou a liberdade de manifestação do povo e tomou o controle total da imprensa; a mudança nas regras de contratação de judeus para serviços públicos; a alteração no currículo escolar a fim de incluir conteúdos semelhantes aos ideais nazistas; a lei de Nuremberg, que oficializou a exclusão dos judeus no país, entre tantas outras. Pagés et al. (1993) afirmam que é através da criação de normas e regras que esse tipo de dominação é efetivada. Tratase da dominação da impessoalidade, em que tudo é feito apenas por dever, sem paixão ou entusiasmo. Cabe aqui, uma ressalva de que, após a 2ª Guerra, durante os julgamentos dos criminosos nazistas, alguns alegaram justamente esse aspecto como defesa: de que não estavam seguindo os ideais nazistas por concordarem com eles, mas sim, por estarem seguindo regras, leis impostas pelo regime. Como um dos objetivos dessa pesquisa é apontar os tipos de dominação exercidos por Hitler, baseados na relação dos tipos dominação definidos por Max Weber e as características identificadas nos discursos de Hitler, esse aspecto é colocado apenas como uma observação. Além do mais, como visto, Hitler exerceu também a dominação carismática, que é totalmente irracional motivada pela emoção. É importante frisar que, no caso da dominação racionallegal, a obediência ao indivíduo superior se dá devido à representatividade de sua posição na estrutura hierárquica, ou seja, é uma autoridade institucional. De fato Hitler ocupou função hierárquica superior, dentro de um quadro administrativo burocrático: o governo com todas as leis, regulamentações, quadro de funcionários etc. Entretanto, ao conquistar o poder, ele foi pouco a pouco mudando as regras da estrutura hierárquica e principalmente, do período de tempo que se poderia governar. Tudo isso, porque desejava a autoridade máxima com
regulamentações conforme o seu interesse. Ligase essa característica de alteração da burocracia às características do líder carismático. Concluise que, conforme Weber (2000), a dominação carismática, calcada em aspectos extracotidianos da liderança, distanciarseia da dominação legal e da tradicional, que se caracterizam pelo cotidiano. Por não possuir regras, a dominação carismática apresenta perfil irracional. Entretanto, como Hitler alcançou uma posição hierárquica superior aos demais e dessa posição podia definir leis e exigir que as mesmas fossem cumpridas, não se pode negar que ele exerceu uma dominação que combinava características legalracionais pelo fato de possuir regras discursivamente analisáveis. Não se identificou uma linearidade nos tipos de dominação exercidas por Hitler: primeiro a legal e depois carismática, por exemplo. Na verdade, de acordo com a necessidade da situação, Hitler apelava para os recursos que melhor lhe conviam, sempre com o interesse de atingir seu objetivo. Conhecendo a forma como a gestão de Hitler terminou e as consequências que a guerra iniciada por ele deixou, percebese que Hitler não conseguiu o que queria. Entendese que, desde o inicio até o fim de sua trajetória política ele defendeu a mesma mensagem de lutar até o fim, de enfrentar tudo que fosse preciso rumo ao seu objetivo. Esse aspecto lhe garantiu a conquista da confiança dos interlocutores. Por Hitler não admitir flexibilidade, mesmo quando necessário, acabou levando um país para um grande guerra, a qual muitos alertaram ter poucas chances de vitória. Mesmo com algumas pessoas do seu próprio governo alegando que a Alemanha devia recuar, evitar confrontos, Hitler seguiu firme na sua decisão. Assim, acabou derrotado, suicidandose no seu esconderijo ao lado de poucos fiéis. Muito diferente do líder aclamado por milhões de pessoas, no seu período de glória.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desta pesquisa era analisar como o discurso pode contribuir para legitimar a dominação de um indivíduo sobre outro. Como objeto de análise, foi escolhido o discurso de Adolf Hitler, e analisouse como o discurso dele pode ter contribuído para a legitimação de sua dominação sobre os alemães. Para compreender o papel da comunicação nessa relação de interesse, utilizouse Berlo (1960; 1972), que explica a importância da comunicação entre indivíduos, para o atingimento de objetivos próprios. Foram as ideias desse autor que permitiram o estabelecimento de relação entre dominação legitima e discurso. Max Weber (2000), principal estudioso da dominação, foi utilizado para embasar esse tema. O autor define os tipos de relação de dominação entre indivíduos, bem como as circunstâncias em que elas podem ocorrer. Para esse autor, existem três formas possíveis de dominação legítima: a tradicional, a carismática e a racionallegal. A ótica de análise da comunicação, através da ideia de discurso foi escolhida, devido à autora reconhecêlo como a forma que mais evidencia o bom uso das palavras, ficando evidente o poder da enunciação. Milton José Pinto (1999) e Eni Orlandi (2007) fundamentaram a variável discurso, na perspectiva de AD francesa. Conforme Orlandi (2007), a linguagem serve para estruturar o discurso e esse não é algo fechado em si, mas, sim, algo em movimento, passível de interferências e influências. Pinto(1999) considera o discurso uma prática social. Para o autor, a linguagem utilizada para a construção do discurso faz parte de um contexto com marcas sociais e históricas. Por isso, é carregada de sentidos, não servindo apenas como ferramenta de comunicação. Brandão (2012, p. 10) reforçou essa formulação ao indicar que “a linguagem enquanto discurso é interação, e um modo de produção social; ela não é neutra, inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação de ideologia”. Dessa maneira, entendeuse que discurso não é a mensagem puramente transmitida de um emissor para um receptor, mas sim, uma relação mais complexa que conta com sujeitos e sentidos condicionados à língua e à história. Por isso, Orlandi (2007) propõe que, na análise de um discurso, deve considerar a questão ideológica, pois a língua se materializa na ideologia e a ideologia se revela na língua. O discurso é, portanto, o
espaço em que ideologia e língua se relacionam, permitindo que a língua faça sentido por e para sujeitos. Para compreender a presença da ideologia nos discursos, utilizouse José Fiorin (2001). Esse autor explica que “a esse conjunto de ideias, a essas representações que servem para justificar e explicar a ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele mantém com os outros homens são o que comumente se chama ideologia”. Para o autor, as ideologias se formam através da realidade do indivíduo. A partir dessa sustentação teórica, as enunciações de Hitler foram analisadas em todo o seu contexto, de forma ampla. Para compreender o sentido das mensagens, foi necessária a observação das Formações Discursivas (FD's) do discurso, isto é, das suas diversas unidades de sentido. A noção de formação discursiva, permitiu compreender o processo de produção de sentidos, a sua relação com a ideologia. As FD's, enquanto unidades de sentido são compostas pelas chamadas Sequências Discursivas (SD’s). Tais recortes, quando relacionados à memória (o que já foi dito), à própria Formação Discursiva na qual está inserido e às outras Formações Discursivas do interdiscurso apresentam as pistas dos efeitos de sentido. Adolf Hitler foi escolhido como objeto de análise, devido à maneira grandiosa e catastrófica como usou seu discurso para atingir seus objetivos. Isto é, convencer as pessoas a fazerem coisas boas, ou a receberem benefícios, ou ainda, beneficiarem alguém, pode ser fácil ou, pelo, menos comum. Agora, convencer milhares de pessoas a terem atitudes repulsivas, e/ou, conviverem com essas atitudes como se fossem moralmente e humanamente normais, é um fato impressionante que tornou esse contexto precioso para análise. Para contextualizar os discursos de Adolf Hitler utilizouse a pesquisa bibliográfica, tendo como principais referências os autores Ian Kershaw (2010) e Ribeiro Jr. (1991). Com essa pesquisa, foi construído um breve resumo da história de vida de Hitler, a situação da Alemanha desde a 1ª Guerra Mundial e toda a trajetória política do partido Nazista. A partir dos estudos realizados, concluiuse que Adolf Hitler legitimou a sua dominação, favorecido pelos sentidos construídos em seu discurso e pelo contexto da Alemanha na época em que entrou para a cena política. Hitler exerceu um misto de dominação racionallegal e a carismática. Para compreender como isto pode ter acontecido, é necessário compreender a situação da Alemanha, quando Hitler emergiu. Antes da 1ª Guerra Mundial, a Alemanha era um
Reich (Estado Nacional Alemão) formado por 25 estados unificados, cada um com suas constituições, regras eleitorais e economias distintas. O governo era Imperialista e exercido pelo rei da Prússia, que possuía total poder sobre o Exército, a Marinha, assuntos estrangeiros, correios, telégrafos, comércio e alfândega. Durante a 1ª Guerra, o governo do país era feito pelo Imperador Guilherme II (que governou de 1888 até 1918) surgiram na Alemanha importantes trabalhos científicos e artísticos, além de o país ter se tornado referência industrial na Europa. Foi esse crescimento do país, somado aos ideais prussianos de disciplina e obediência, que incitaram o sentimento de supremacia nacional, que se constitui nas “teses pangermanistas1 (reunião em nome da raça de todos os povos de origem germânica). Naquela época, "[...] teóricos racistas já então solicitam ao Estado que cuide dos elementos mais válidos da população e extermine os inferiores” (RIBEIRO Jr., 1991, p. 12). Ou seja, o país todo era regido por valores prussianos de disciplina e obediência. Assim como já se cultivava a ideia de superioridade da raça alemã, a partir da supervalorização da boa fase econômica e cultural vivida pelo país. Em 1914, a Alemanha entra em guerra. De um lado, os Aliados (Inglaterra, França, Itália, Estados Unidos, Sérvia e Rússia) e, do outro, os Impérios Centrais (Alemanha, Bulgária e os Impérios Austro Húngaro e Turco Otomano). O estopim para o confronto foi o assassinato do herdeiro do trono austríaco, o Francisco Ferdinando, e de sua esposa. O sentimento de apoio à guerra, conforme relata Ribeiro Jr. (1991, p. 13), tomou conta de toda a Alemanha, pois a ideologia militarista, que era forte na época do Segundo Reich do Kaiser Guilherme II. Além disso, de acordo com Elias (1997 apud MENDES, 2009): a unificação dos estados que proporcionou a formação da Alemanha foi fruto de três importantes guerras (contra Dinamarca, Áustria e França). Por conta disso, era forte o pensamento de que a violência era um bom instrumento político, que mostrava a supremacia alemã e sua invencibilidade. Portanto, o entusiasmo e tranquilidade do povo com a guerra, bem como o apoio que davam aos governantes que optavam pela luta militar para conquistar os ideais políticos, ocorriam devido o passado triunfante da Alemanha em algumas batalhas anteriores e a confiança já fortemente existente naquela época na supremacia da raça alemã. A partir disso, compreendese com facilidade como a derrota do país na 1ª Guerra e a assinatura do Tratado de Versalhes, significaram bem mais do que uma perda militar, ou de consequências políticas e econômicas. A derrota da Alemanha na Guerra significou uma
vergonha, a ruptura da imagem de grandiosidade e imortalidade que o país acreditava ter. E mais, a tão admirada forma de conquistas pela guerra, passou a ser temida. As consequências dessa derrota foram profundas, pois rompeu com profundas certezas que toda uma nação possuía. Não obstante, o Governo Imperialista, de valores tradicionais rompeuse e instaurouse no país o governo democrático da República de Weimar. Isto é, um governo com diretrizes opostas ao anterior, de valores mais maleáveis e com o interesse em receber a participação ativa do povo nas decisões do governo. Entretanto, o povo, que antes não era tratado dessa forma, culpava o governo em vigor que assinou o documento pela vergonha que representava o Tratado de Versalhes. Com tantas rupturas de ideologia e crenças, acompanhadas do desemprego, fome, luto pela perda de entes queridos na guerra e destruição, o povo viase desestruturado e carente. Carecia de algo ou alguém forte e motivador no qual se apoiar, um ideal para seguir. Um governo que fosse determinado a mudar o país, para fazer a Alemanha voltar a ser o que era antes da 1ª Guerra. Como visto, as enunciações de Hitler continham os apelos certos para o povo certo, no momento certo. Ele argumentava que o país precisava de: um homem firme e capaz de conduzir a nação; de um governo que salvaria a Alemanha; uma coluna forte e indestrutível; um movimento vivo e eterno; um governo que colocava o trabalho e a dedicação ao país, em primeiro lugar; reconhecimento e valorização da grandeza e a pureza da raça alemã que há muito já havia sido humilhada; crescimento e desenvolvimento; entre outras coisas. Esses apelos foram feitos durante 13 anos pelo partido NSDAP na voz de Adolf Hitler, seus partidários, suas organizações vinculadas ao partido (como JH, SS e SA), a massiva propaganda nazista, liderada por Goebbels. Naquele período, a mensagem de Hitler gradativamente tornouse mais forte, mais convincente, mais pertinente. A cada ano que o governo da República de Weimar não conseguia realizar grandes mudanças, Hitler e o NSDAP, apareciam mais e ganhavam mais apoiadores. Sabese, através de conhecimento histórico, que as atitudes do governo nazista causaram consequências trágicas. Entretanto, elas reviveram o que o povo acreditava e sentia antes da 1ª Guerra: superioridade da raça, disposição para lutar custasse o que custasse para conquistar o que fosse necessário à Alemanha, o desejo de vingar a vergonha e humilhação do Tratado de Versalhes.
Hitler, como visto, sempre foi firme na sua mensagem. Possuía uma incrível oratória, falava com emoção, com convicção. Transmitia todo o seu sentimento de amor e dedicação à Alemanha em suas enunciações. Sua performance dramática e exagerada, davam ênfase a sua encenação. Além disso, usava sempre apresentar justificativas para sua trajetória política e as promessas de seu partido. Como por exemplo, dizia ser o salvador da Alemanha, que estava cumprindo uma missão imposta a ele por um plano superior, entre outras. A partir desses aspectos é compreensível como Hitler conseguiu conquistar tantas pessoas. Especialmente através do seu discurso, ele despertou sentimentos íntimos dos indivíduos que estavam há anos ideologicamente desorientados. Isto é, Hitler não inventou todos os esses valores e crenças, não incitou as pessoas a gostarem ou desejarem um formato de governo autoritário, disciplinado e rigoroso. Ele apenas reviveu e reforçou o que há muito havia sido apagado. Outro aspeto relevante nesse contexto histórico são os judeus. É bastante comum a dúvida: Por que Hitler não gostava dos judeus? Primeiramente, o antissemitismo já existia fortemente, especialmente na Áustria local onde Hitler nasceu e cresceu , naquela época. Somado a isso, a Alemanha cultivava a valorização da sua raça. Apesar de Hitler não ser alemão, sempre admirou a cultura, tradição e valores desse país e na primeira vez que visitou a Alemanha, jamais saiu de lá. O antissemitismo era divulgado através de publicações especificas para o tema. Haviam teóricos e partidos que defendiam esse pensamento e tratavam de disseminálos. Após os reveses sofridos pela Alemanha, ter alguém para depositar toda a frustração, e culpa pareceu atraente. E sim, entendese que os judeus foram escolhidos como o bode expiatório daquele contexto. Obviamente essa escolha foi favorecida pela onda de descriminação existente na época.A partir de todo estudo realizado, entendese que, a partir do momento que elencouse esse alvo como o causador de todas as desgraças do país, facilmente todos aderiram a essa justificativa. Isso porque, havia uma necessidade de extravasar a decepção e vergonha dos acontecimentos passados. Já que o "salvador" do país, dizia fortemente ter certeza que os judeus eram os responsáveis por tudo de ruim que a Alemanha passou e passava, logo, os que acreditavam nele passaram a acreditar também nas justificativas que ele inventava. Desta forma então, concluise que o conceito que Adolf Hitler criou sobre os judeus e disseminou por toda Alemanha, não é somente fruto de seu ódio. É igualmente fruto do
contexto preconceituoso, discriminatório e pangermanista em que viveu e desenvolveu sua visão de mundo. Quanto os tipos de dominação exercida por Hitler, é importante frisar primeiramente o momento em que a legitimação ocorreu. Os enunciados postos em análise foram proferidos em 1934, no 6ª Congresso do Partido Nazista, o primeiro com Hitler exercendo as funções de Chanceler e Presidente do país. Através da contextualização sócio histórica construída, é possível afirmar que a legitimação de Adolf Hitler foi construída entre 1932 e 1934. Ou seja, quando Hitler realizou as enunciações analisadas, a legitimação já havia ocorrido. O evento em questão estava servindo como um endosso da relação de dominação, já legítima entre Hitler e o povo alemão. De forma nenhuma, porém, esse fato prejudicou esta pesquisa. Pois como visto, a AD considera a todo o contexto da enunciação levando em conta a história, a memória, o interdiscurso, do enunciador e do interlocutor bem como a ideologia presente na fala, como fatores formadores do sentido da mensagem. E todos esses aspectos foram embasados e na contextualização das enunciações. Junto a isso, as enunciações de Hitler naquele Congresso, estavam sendo registradas em documentário para disseminar posteriormente em todo o país à ideologia e intenções do NSDAP. Portanto, elas representavam a essências do nazismo, as intenções de Hitler e de seu governo. Isto é, os mesmos fatores apresentados por ele, durante os anos anteriores, que contribuíram para legitimar a sua dominação. Hitler, portanto, inicialmente exerceu dominação carismática. Vendendose como o salvador, o líder, o herói do país. Como visto, Weber (2000) afirma que não basta o dominador carismático exibirse como tal, mas sim que o interlocutor o reconheça de tal forma. Os interlocutores de Hitler, por sua vez, gradativamente passaram a vêlo dessa forma e por consequência a legitimação da sua dominação carismática foi sendo construída. Em 1933, quando ele foi nomeado Chanceler passou a exercer também a dominação legitima racionallegal, que ocorre em um contexto burocrático, com cargos hierárquicos, normas e leis préestabelecidas. Isso porque, suas ordens enquanto Chanceler , não eram apenas cumpridas, elas eram antecipadamente previstas e executadas, pela vontade própria de seus partidários e pelo próprio povo. Para exemplificar e como já visto na contextualização sócio histórica os partidários criaram a lei de esterilização, por iniciativa própria, pensando ser algo que o Führer adoraria tomar conhecimento. Assim como, a partir do momento em
que Hitler como Chanceler passou a legalizar a descriminação aos judeus, o povo começou a perseguilos, denuncialos e excluilos, por vontade própria. Dessa forma, concluise que o objetivo dessa pesquisa foi atingido, pois permitiu a compreensão da forma como o discurso pode contribuir para a legitimação da dominação. Esclareceu o papel do enunciador, do interlocutor, da ideologia e do contexto, bem como a relação desses elementos possibilitam a construção do sentido da mensagem. Considerase que esse trabalho de pesquisa pode contribuir com a comunidade acadêmica e demais interessados no tema, oferecendo bom embasamento sobre as variáveis do tema (dominação legítima e discurso), bem como, sobre os acontecimentos históricos envolvendo Adolf Hitler, a Alemanha e as duas Guerras Mundiais. Além disso, pode contribuir para a compreensão da responsabilidade que um comunicador tem ao transmitir uma mensagem. Assim como pode contribuir para o interlocutor, que ao compreender como age ativamente para a legitimação da sua própria dominação, possa refletir sobre isso. Propõese como novas perspectivas de abordagens desse tema a investigação, dentro da área de Comunicação, da construção da dominação legítima através da propaganda nazista estruturada por Joseph Goebbels. Além disso, considerase que outras teorias também poderiam reger análises sobre a dominação e o nazismo na Alemanha por perspectivas diferentes da adotada nesta pesquisa. Uma delas é a teoria de consciência coletiva de Émile Durkheim, segundo a qual “o modo como o homem age está sempre condicionado pela sociedade, logo a sociedade é que explica o indivíduo” (MENDES, [s/n]). As ações dos indivíduos, nessa ótica, são motivadas por fatores exteriores (provém da sociedade na qual estão inseridas), fatores coercitivos (são impostas pela sociedade) ou por fatores
objetivos (existindo independentemente do
indivíduo). Outra teoria sugerida é da Banalidade do Mal, de Hanna Arendt. Segundo Aguiar (2004), Arendt entendia que o homem pode possibilitar ou realizar os maiores males quando, destituído da capacidade de julgar, age apenas condicionado pela engrenagem social e institucional.
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ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DOS DISCURSOS DE ADOLF HITLER 1 Enunciação de Hitler para integrantes da Juventude Hitlerista (E1JH): Meus trabalhadores! Pela primeira vez, vocês ficam antes de mim na lista de chamada. Por mim e por todo o povo alemão. Vocês representam um grande ideal. E nós sabemos que para milhares da nossa população o trabalho não está longe de ser um conceito que segrega, mas que une a todos. E, em particular, ninguém irá morar na Alemanha sem que trabalhe para nosso país. Não há outro emprego. A nação inteira será educada por vocês. Esse tempo virá quando nenhum alemão puder ser admitido na comunidade da nossa gente sem ter primeiro trabalhado como alguém dela. E neste momento não somos meramente nós aqui em Nuremberg. Toda a Alemanha vê vocês pela primeira vez. Eu sei que assim como você serve a Alemanha com humildade hoje, a Alemanha verá em vocês filhos marchando com alegria. 2 Enunciação de Hitler para integrantes da Juventude Hitlerista (E2JH): Minha Juventude alemã. Depois de um ano, eu os saúdo aqui novamente. Hoje, aqui neste lugar, vocês são uma amostra do que nos cerca na Alemanha inteira. E sabemos que vocês moças e rapazes alemães estão sendo incumbidos de tudo que esperamos da Alemanha. Nós queremos ser um povo, E vocês meus jovens, são este povo. Não queremos mais ver divisões de classes. Vocês não devem deixar que isso cresça entre vocês. Queremos um dia ver um Reich . E vocês devem lutar por isso. Queremos que nossa população seja obediente. E vocês devem praticar a obediência. Queremos que nosso povo ame a paz, mas que também seja valente. E vocês devem ser pacíficos.... (interrompido por aplausos) Então, vocês devem ser pacíficos e corajosos ao mesmo tempo. Queremos que nosso povo permaneça forte. Será difícil, e vocês próprios devem reforçar isso para os seus jovens. Vocês devem suportar privações sem se desintegrarem. E independente do que façamos ou criemos hoje, nós morreremos, mas a Alemanha continuará vivendo em vocês. E quando não houver mais nada de nós, então vocês devem segurar em seus punhos as bandeiras que erguemos do nada. E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças, arde a mesma paixão que nos guia. Unidos a nós, vocês não serão excluídos. E quando a grande coluna do nosso movimento marchar hoje triunfante pela Alemanha, eu sei que vocês
irão aderir à coluna. E nós sabemos, que, diante de nós, a Alemanha repousa; que, dentro de nós, a Alemanha queima; e que, ao nosso lado, a Alemanha segue. 3 Enunciação de Hitler Para o povo em geral (E3 PG): Um ano atrás nós servimos, pela primeira vez, neste campo. O primeiro chamado geral de líderes políticos do Partido Nacional Socialista. 200.000 homens trazidos em união. Eles foram trazidos aqui por nada menos que um chamado de seus corações. Eles foram trazidos aqui por nada menos que a sua lealdade. Foi a necessidade de nossa gente que nos moveu e que nos trouxe unidos. Nós lutamos e nos esforçamos juntos. Isso não é compreensível para aqueles que não tiveram infortúnio semelhante em sua nação. Parecelhes intrigante o que instiga estas centenas de milhares em conjunto, o que nos leva a aturar necessidade, sofrimento, privação. Eles não conseguem entender isso como algo que não seja uma ordem estatal. Eles estão enganados. Não é o Estado que nos comanda, e sim nós que comandamos o Estado. Não é o estado que nos cria, mas nós que criamos nosso estado. Não. O movimento vive. Está em firmes alicerces. E enquanto apenas um de nós puder respirar, ele dará sua energia a este movimento. E o defenderá, assim como nossos camaradas fizeram no passado. Tambores virão diante de tambores, bandeiras virão diante de bandeiras. Grupos virão diante de grupos. E, finalmente, a poderosa coluna desta nação unida conduzirá a nação que um dia foi dividida. Seria pecado se, em alguma ocasião, admitíssemos deixar de fazer aquilo pelo qual sempre lutamos com tanto trabalho, tanta preocupação, tanto sacrifício e tanta necessidade. Nós não podemos ser desleais com o que nos deu senso e determinação. Nada virá de coisa nenhuma se não for baseada em uma ordem maior. Essa ordem não nos foi dada por um superior terrestre. Ela nos foi dada por Deus que criou nosso povo. Esta é a nossa promessa esta noite. Toda hora, todo dia, pensar somente na Alemanha, nas pessoas, no Reich , na nação alemã e no povo alemão. Salve a Vitória! Salve a Vitória! Salve a Vitória! 4 Enunciação de Hitler para integrantes da SS e da SA (E4SS SA) SA e homens da SS, poucos meses atrás, uma figura obscura assombrou o movimento. A SA tinha tão pouco a fazer com essa figura quanto qualquer outra instituição do Partido. Aqueles que acreditam que surgiu uma fissura em nosso movimento estão enganados. Ele permanece tão firme quanto essa pedra aqui. Nada na Alemanha irá quebrálo. E se alguém age contra o espírito da SA, não afeta a SA, mas somente aqueles que ousam voltarse contra
ela. Só um louco ou um mentiroso mal intencionado pode achar que eu ou alguém mais, podemos ter a intenção de destruir o que nós mesmos construímos durante anos. Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa Alemanha. E devemos continuar unidos por esta Alemanha. Entrego a vocês as bandeiras e estandartes, com consciência de que estou dando para as mãos mais leais da Alemanha. Em tempos passados, vocês provaram lealdade a mim. E em tempos à frente de nós, não poderá ser e nem será diferente. Então, eu saúdo vocês, meus velhos e leais homens da SS e da SA. Salve a vitória! 5 Enunciação de Hitler frente aos participantes do Congresso do NSDAP (E5PG): (fica uns segundos em silencio) O VI Congresso do Partido está chegando ao final. Milhões de alemães de classes diferentes das nossas podem ver isto só como uma impressionante mostra de poder político. Foi mais que isso para centenas de milhares de combatentes. Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros de luta. E talvez, a despeito do esplendor deste evento, alguns de vocês se lembrarão saudosamente dos dias em que foi difícil ser um Nacional Socialista. Quando nosso partido consistia em apenas sete homens, ele proclamou dois princípios. Primeiro, queria ser um Partido com projeção mundial. E segundo, queria, sem compromisso, exclusividade do poder na Alemanha. Como um partido, tivemos que continuar com a minoria a fim de mobilizar aqueles com espírito de luta e senso de sacrifício. E esses nunca foram a maioria, mas sempre a minoria. E com uma dedicação impressionante, o melhor da raça alemã assumiu a liderança do Reich , do povo. E, por causa disso, o povo aprovou e legitimou essa liderança. O povo alemão é feliz por saber que as divisões do passado foram substituídas por um importante modelo que conduz a nação. Nós carregamos o melhor sangue e sabemos disso. Resolvemos guardar a liderança da nação e jamais renunciála. Haverá apenas uma pequena seção de combatentes ativos. E será exigido mais deles do que de seus companheiros. Para eles, não basta declarar simplesmente: “Eu acredito”, mas, de preferência, prometer: “Eu lutarei!” O partido sempre será a liderança política da gente alemã. Ele permanecerá inalterável em sua doutrina. Duro como aço em sua organização. Flexível e adaptável em suas táticas. Na sua essência, contudo, vai parecerse com uma ordem religiosa. O objetivo é que todos os alemães se tornem Nacionais Socialistas. Mas só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido. Uma vez, nossos adversários acharam meios, através de perseguições e proibições, de
extirparem os mais débeis elementos do nosso movimento. Agora, devemos vigiar a nós mesmos e rejeitar aquele que for mau e, por isso, não tem a ver conosco. É nosso desejo, nosso propósito que este Estado e este Reich devem continuar a existir nos próximos milênios. Podemos ficar felizes sabendo que esse futuro será totalmente nosso. Quando as gerações mais velhas mal puderem andar, a juventude vai dedicarse a continuar nosso trabalho. Apenas quando nós, no Partido, usando todo nosso vigor, tivermos atingido os mais altos ideias Nacionais Socialistas, somente então, o Partido será um eterno e indestrutível pilar do povo alemão e do Reich . Então, nosso exercito glorioso, o poderoso portador das armas da nossa gente, será ligado à, igualmente tradicional, liderança política do nosso Partido. Junto, esses dois corpos instruirão e fortalecerão o povo alemão. E eles carregarão, em seus ombros, o Estado alemão e o Reich . E neste momento, dezenas de milhares de membros do partido deixarão a cidade. Enquanto alguns viverão de suas memórias, outros estarão se preparando para a próxima lista. E novamente as pessoas virão e irão. E estarão determinadas, animadas e inspiradas novamente. Porque a ideia e o movimento são a expressão da nossa gente e um símbolo da eternidade. Vida longa ao movimento do Nacional Socialismo! Vida longa à Alemanha!
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