A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO: UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER

May 23, 2017 | Autor: Adriana Ferreira | Categoria: Max Weber, Análise do Discurso, Adolf Hitler, Discurso Politico, Discurso, 2ª Guerra Mundial
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UNIVERSIDADE FEEVALE                    ADRIANA DA SILVA FERREIRA                A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO:  UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER                      NOVO HAMBURGO  2015 

 

ADRIANA DA SILVA FERREIRA                A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO:  UMA ANÁLISE DAS ENUNCIAÇÕES DE ADOLF HITLER            Trabalho 

de 

conclusão 

de 

curso 

apresentado  como  requisito  parcial  à  obtenção  de  grau  de  Bacharel  em  Publicidade 



Propaganda 

Universidade Feevale.          Orientadora: Profª. Me. Daniela Santos da Silva        NOVO HAMBURGO  2015     

pela 

 

ADRIANA DA SILVA FERREIRA      Trabalho  de  Conclusão  do  Curso  de  Publicidade  e  Propaganda,  com  o  título  ​ A  construção  da  dominação  legítima  através  do  discurso:  uma  análise  das  enunciações  de  adolf  hitler,  submetido  ao  corpo docente da Universidade Feevale, como requisito necessário  para a obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda.        Aprovado por:      ___________________________________  Prof.ª Me. Daniela Santos da Silva  Professora Orientadora         ___________________________________  Prof. Dr. Henrique Alexander Grazzi Keske  Banca Examinadora        ___________________________________  a​ Prof.​  Me. Tais Vieira Pereira  

Banca Examinadora      Novo Hamburgo, novembro de 2015.   

 

                                                        Este  trabalho  é  dedicado,  com  amor, à Ana (In  Memorian).  Minha  irmã,  que  foi  pra  mim  um  grande  exemplo  de  determinação,  amor  e  alegria. 

 

    AGRADECIMENTOS    Agradeço à minha família ­ pais, irmã, sobrinha e cunhado ­ pelo apoio e incentivo que  sempre me deram.   Em especial, à minha mãe e ao meu pai, que sempre fizeram tudo que podiam por mim, com  amor e dedicação incondicionais.  Ao meu namorado, que esteve o tempo todo ao meu lado, de forma compreensiva me dando  todo o apoio e incentivo.  Ás minhas amigas, que sempre me motivaram e compreenderam minha ausência no período  de construção dessa pesquisa.  E, principalmente à minha orientadora. Que abraçou esse trabalho comigo, com muito  entusiasmo, carinho e dedicação. Foi um período muito prazeroso e de muito aprendizado,  esse que passamos. Infinitamente obrigada!       

 

 

  RESUMO 

  Esta  pesquisa  parte  do  pressuposto  de  que  a  comunicação  é  um  meio  para  que  as  pessoas  atinjam  seus  próprios  objetivos,  afetando  o  contexto  em  que  estão  (BERLO,  1972).  Dessa  forma,  mostra­se  relevante analisar como um indivíduo, a partir do discurso, amplia seu poder  a  ponto  de  obter  a  legitimação  da  dominação  que  pretende  exercer.  Para  tanto,  o  presente  trabalho  tem  como  objetivo  geral  verificar  como  o  discurso  de  Adolf  Hitler  pode  ter  contribuído  para  legitimar  sua  dominação  sobre  os  alemães.  Como  objetivos  específicos,  elenca­se:  investigar  o  contexto  das  enunciações  de  Hitler;   verificar  como  o  contexto  dos  interlocutores  de  Hitler  pode  ter  os  predisposto  a  legitimar  a  dominação;  analisar  as  Formações  Discursivas  que  revelam  o  sentido  das  mensagens  de  Hitler  e  verificar,  com  base  em  Max Weber,  qual tipo de dominação Hitler exerceu. O tema é relevante para a Publicidade  e  Propaganda  na  medida  em  que  essa  atividade  tem  como  propósito  principal  persuadir  o  público­alvo  através  da  mensagem.  A  Análise do Discurso, na perspectiva da escola francesa,  serviu  como  procedimento  metodológico.  O  ​ corpus  de  análise  foi  composto  pelos  pronunciamentos  de  Hitler  durante  o  6ª  Congresso  do  Partido  Nazista,  em  1934,  registrados   no  documentário  O  Triunfo  da  Vontade​ ,  da  cineasta  Leni  Riefenstahl.  Para  contextualizar  as  enunciações  investigadas,  construiu­se  um  resumo da vida e trajetória  política  de Adolf Hitler  e  do  partido  Nazista,  bem  como  da  Alemanha  e  seu  envolvimento  na  1ª  e  na  2ª  Guerras  Mundiais.  A  partir  disso,  as  Sequências  Discursivas   que  compõem as Formações Discursivas  das  enunciações   de  Hitler  foram  examinadas,  revelando  a  construção  de  sentidos  de  suas  mensagens.  Com  base  nos  estudos  realizados,  concluiu­se  que  Adolf  Hitler  exerceu  dominações carismática e racional­legal, simultaneamente. Essas foram legitimadas pelo povo  alemão  a  partir  de  motivações  diversas  no  contexto de derrota na 1ª Guerra, como sentimento  de  humilhação,  instabilidade   política,  desemprego,  crise  econômica  e  identitária,  conjuntura  europeia  de  preconceito  racial  e  supervalorização  da  raça  alemã.  Tudo   isso  aliado   à  impressionante capacidade oratória de Hitler.    Palavras­chave:​  ​ Adolf Hitler. Dominação Legítima. Análise de Discurso.       

 

 

  ABSTRACT 

  This  study  departs  from  the assumption that communication is a means intended for people to  reach  their  own   goals,  affecting  the  setting  in  which they are (BERLO, 1972). Therefore, it is  relevant  to  analyze  how  an  individual,  through  discourse,  enhances  their   power   so  as  to   legitimize  the  domination  that  they  intend  to  enforce.  For  this  purpose,  this  paper  has  the  general  objective  of  investigating  how  Adolf  Hitler's  speech  may  have  contributed  to  legitimize  his  rule  over  the   German  people.  As  specific  goals,  we  list:  to  investigate  the  context  of  Hitler's  utterances;  to  verify  how  the  context  of  Hitler's  interlocutors  may  have  predisposed  domination to being legitimized; to analyze Discursive Formations that reveal the  meaning  of  Hitler’s  messages;  and  to  verify,  based  on  Max  Weber,  what  type  of  domination  Hitler  exerted.  This  is   relevant  theme  for  Advertising  as  it  chiefly aims at persuading a target  audience  through  the  message.The  intent  is  to  reflect  critically   on   the  use  that  (we)  communicators  make  of  persuasive  communication.  This  includes  the  awareness  that  in  Advertising,  or  in  any  other  profession,  what  ones  speaks  and  how  it  is  spoken  may  really  lead  to  changes,  not  always   beneficial.  The  relevance  of  the  subject  matter  in  this  study  is  centered  on  two  aspects.  From  the  perspective  of  an  utterer,  it  is  understood  that  this  study  may  contribute  to  comprehend  the  power  of  communication  and  the  responsibility  of  a   communicator.  From  the  perspective  of  an  interlocutor,  this  study  may  contribute  to  understand  how  an  interlocutor   supports  the  legitimization  of  their  own  domination,  strengthening  the  order  of  a  certain  speech.  For  the  theoretical  basis  of   the  proposed  investigation,  an  in­depth  study  on  communication,  legitimate  domination  and  speech  was  conducted.  Discourse  Analysis,  from  the  perspective  of  the  French  school,  served  as  a   methodological  procedure.  The  corpus  of  the  analysis  comprised Hitler’s speeches during the  th 6​   Congress  of  the  Nazi  Party,  in 1934, recorded in the documentary ​ Triumph of The Will​ , by  film  maker  Leni  Riefenstahl.  To  contextualize  the  investigated  utterances,  a  summary  was  written  about  the  life  and  political  trajectory  of  Adolf  Hitler  and  the  Nazi  Party,  as  well  as  Germany  and  its  participation  in  World  War  I  and  II.  Subsequently,  Discursive  Sequences  comprising  the  Discursive  Formations  in  Hitler’s  utterances  were  examined,  revealing  the  construction  of  meanings  in  his  messages.  Based  on  the  studies  conducted,  it  was  concluded  that Adolf Hitler exerted charismatic and rational­legal authority, simultaneously.   These were  legitimized by the German people due to several reasons in the context of World War I defeat,  such  as  the  feeling  of  humiliation,  political  instability,  unemployment, economic and identity  crisis,  European  situation  of   racial  prejudice  and  overvaluation  of  the   German  race.  All  of  this was associated with Hitler’s impressive rhetoric skills.     Keywords:​  Adolf Hitler. Legitimate domination. discourse analysis       

 

 

  LISTA DE ABREVIATURAS    AD

Análise de Discurso. 

DAP

Partido dos Trabalhadores Alemães. 

DSP

Partido Socialista Alemão. 

E1

Enunciação número 1. 

E2

Enunciação número 2. 

E3

Enunciação número 3. 

E4

Enunciação número 4. 

E5

Enunciação número 5. 

EUA

Estados Unidos da América. 

FD

Formação Discursiva. 

FD’s

Formações Discursivas. 

JH 

Juventude Hitlerista. 

NSDAP

Partido Nacional ­ Socialista dos Trabalhadores Alemães. 

PG

Povo em Geral. 

POSDR

Partido Operário Social Democrata Russo. 

AS

Sturmabteilung ​ (em alemão); Tropa de Choque (em Português). 

SD

Sequencia Discursiva. 

SD’s

Sequencias Discursivas. 

SPD

Partido Social Democrático da Alemanha. 

SS

Schutztaffel ​ (em alemão); Brigada de Defesa (em Português). 

USPD

Partido Social Democrata Independente da Alemanha.     

 

 

 

LISTA DE QUADROS    Quadro 1 – ​ Corpus​  bruto de análise

 

Quadro 2 – ​ Corpus​  primário de análise

 

Quadro 3 – ​ Corpus ​ de análise secundário

 

   

 

 

  SUMÁRIO 

  1 INTRODUÇÃO

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO­METODOLÓGICO

 

2.1 A DOMINAÇÃO SEGUNDO MAX WEBER



2.1.1 Dominação racional­legal

 

2.1.2 Dominação tradicional

 

2.1.3 Dominação carismática

 

2.2 O DISCURSO E A IDEOLOGIA

 

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

 

3.1 ANÁLISE DE DISCURSO

 

3.2 COLETA DOS DADOS E CONSTRUÇÃO DO ​ CORPUS​  DE ANÁLISE

 

4 A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO

 

4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO­HISTÓRICA

 

4.1.1 Hitler e a Alemanha ­­ Como tudo começou

 

4.1.2 A trajetória política de Hitler

 

4.1.3 A consolidação do poder e o declínio de Hitler

 

4.2 A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO DE ADOLF HITLER

 

4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

REFERÊNCIAS

 

ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DOS DISCURSOS DE ADOLF HITLER                



 

                                                               

 

  INTRODUÇÃO    O  homem  não  é  autossuficiente,  ele  comunica­se  com  os  demais  a  fim de atingir  seus  próprios  interesses,  e  dessa  forma,  poder  viver  e  sobreviver  (BERLO,  1972).  Além  disso,  de  acordo  com  o  autor,  a  capacidade  de  comunicação  do  homem  é  que  permite  a  organização  e  vida  em  sociedade.  Dessa  forma,  compreende­se  que  a  comunicação  carrega  sempre  algum  interesse.  Na  área  da  Publicidade  e  Propaganda,  isso fica ainda mais evidente, pois o objetivo  central  é  convencer  o  público,  por  meio  da  mensagem,  a  comprar  o  produto,  conhecer  a  marca,  contratar  o  serviço  etc.  A  fim  de  atingir  esse  objetivo,   a  primeira  etapa  da construção  do  trabalho  é  decidir  que  mensagem  será  utilizada.  Essa  definição  da  mensagem  ocorre  considerando  o  que deve ser dito, como será dito, para quem será dito e em que momento será  dito. A fim de identificar a melhor mensagem, que seja capaz de persuadir o público.  Após  uma  reflexão  sobre  esse  processo,  concluiu­se  que  a  mensagem  é   o   mais  relevante  para  o  atingimento  do  objetivo  de  comunicação.  Essa  reflexão  levou à definição do  tema  de  pesquisa  e  à   escolha  do  discurso  como  a  forma  de  comunicação  a  ser  estudada.  Isso  porque  percebeu­se  nesse  tipo  de  comunicação  a  essência  do  processo  comunicional;  em  um  discurso, o foco está na articulação das palavras, no orador e em seus interlocutores.   O  gosto  da  autora  por  História  e,  principalmente,  o  reconhecimento  de   que  Adolf  Hitler  foi  alguém  que  utilizou  a  palavra  como  principal  ferramenta  para  atingir  seus próprios  objetivos,  levaram  à  escolha  do  discurso  desse  político como objeto de pesquisa. Sabe­se que  Hitler  conseguiu  convencer  milhares  de  pessoas  a  seguirem,  por  vontade  própria,  os  seus  ideais. Ou seja, ele conseguiu dominar com legitimidade.  A  relevância  do  tema  dessa  pesquisa  se  centra  em  dois  aspectos.  Primeiramente,  da  perspectiva  de  um  enunciador,  entende­se  que  essa  pesquisa  poderá  contribuir  para  a  compreensão  sobre  o  poder  da  comunicação.  O  intento  é  levar  a  uma  reflexão crítica sobre o  uso  que  (nós)  os  comunicadores  fazem  dela.  Isso  inclui  a  ciência  de  que,  na  Publicidade  e  Propaganda,  ou  em  qualquer  outra  profissão,  o  que  se  fala  e  como  se  fala  pode  realmente  ocasionar  mudanças,  nem  sempre  positivas.  A  responsabilidade  de  um  comunicador  é,  portanto,  imensa.  O  segundo  aspecto   relevante  é  do  ponto  de  vista  do  interlocutor.  Dessa  perspectiva,  esta  pesquisa  poderá  contribuir  para  a  compreensão  de  como  o  interlocutor  contribui  para a legitimação da sua própria dominação. Isto é, quando um  indivíduo confia em 

 

determinado  discurso,  e  decide  por  vontade  própria  seguir  o que está sendo proposto, ele está  na  realidade  legitimando  as  orientações  do  enunciador.  Com  essa  participação  ativa  do  interlocutor, legitima­se a orientação dada por aquela fala, tornando­a mais forte.  Cabe  ressaltar  que os  casos de dominação através do discurso não ocorrem  somente na  publicidade  ou  na  política  (como  é  o  caso  de  estudo  dessa  pesquisa),  mas  também,  em  diversos  outros  contextos,  como  de  religião,  de  educação,  familiar, enfim. A relevância desse  estudo,  não  se  dá,  portanto,  em  um  contexto  específico.  Mas  sim,  em  qualquer  relação  de  dominação legitima, com o uso de comunicação.  Para  atingir  esse  objetivo  foram  traçados  os  seguintes  objetivos  específicos:  (a)   investigar  o  contexto  das   enunciações  de  Hitler;  (b)  verificar  como  o  contexto  dos  interlocutores  de  Hitler  pode  ter  os  predisposto  a  legitimar  a  dominação;  (c)  analisar  as  Formações  Discursivas  que  revelam  o  sentido  das  mensagens  de  Hitler;  e  (d)  verificar,  com  base em Max Weber, qual tipo de dominação Hitler exerceu.   Quanto  aos  procedimentos  adotados   para  a  realização  do  estudo,  iniciou­se  pela  construção  do  embasamento  teórico­metodológico  sobre  dominação  legítima  e  discurso,  através  de  uma  pesquisa  bibliográfica.  Para  fundamentar  o  processo  de  comunicação,  utilizou­se  Berlo  (1960;  1972),  que  explica  o  vínculo  da  comunicação  e  a  busca  dos  indivíduos  pelo  atingimento  de  seus  interesses.  Foi  com  base  nas  ideias  desse  autor  que  se  estabeleceu  a  relação  entre  dominação  legitima  e  discurso.  Max  Weber  (2000),  principal  estudioso  sobre  as  relações  sociais  de  dominação,  foi  utilizado  para  embasar  esse  tema.  Ele  define  os  tipos  de  dominação  que  um  indivíduo   pode  exercer  sobre  os  demais,  bem  como  as  circunstâncias  em  que  elas  podem  ocorrer.  Isso  permitiu  verificar  qual  tipo  de  dominação  Adolf  Hitler  exerceu  sobre  o  povo  alemão.  As  ideias  de  Milton  José  Pinto  (1999)  e  Eni  Orlandi  (2007)  foram  utilizadas  na  fundamentação  da  variável   discurso,  da  perspectiva  de  AD.  José  Fiorin  (2001)  contribui  com  o  entendimento  sobre  a  presença  da  ideologia  nos  discursos.   Além  disso,  a  pesquisa  bibliográfica  contribuiu  para  a  contextualização  sócio  –  histórica  do  discurso  de  Hitler.  Utilizou­se,  principalmente,  Ian  Kershaw  (2010)  e  Ribeiro  Jr   (2001),  para  embasar  a  situação  em  que  Hitler  escreveu  e  proferiu  o  seu  discurso.  Com  essa  pesquisa,  construiu­se  também  um  breve  resumo  da  história  de  vida  de  Hitler,  a  situação  da  Alemanha desde a 1ª guerra mundial e toda a trajetória política do partido Nazista.  Realizou­se também, uma pesquisa documental, para a busca dos discursos de Hitler. 

 

Inicialmente,  buscou­se  os  discursos  transcritos  em  livros,  na  integra  e  em  português.  Encontrou­se,  porém,  alguns  livros  com  partes  do  discurso.  Mas,  com  base  nos  estudos  previamente  realizados,  entendeu­se  esses  recortes  como  superficiais  e  tendenciosos.  Portanto,  optou­se  por  não  utilizá­los.  Diante  da  dificuldade  de  localizar  os  discursos  transcritos  de  uma  fonte  confiável,  a  orientadora  dessa  pesquisa,  sugeriu   que  fosse  considerado  o  documentário,  ​ O  Triunfo  da  Vontade​ .  O  qual  possui  registros  de  discursos  de  Adolf  Hitler.  O  filme  foi  produzido  a  pedido  de  Hitler pela diretora Lei Rienfesthal e registra  o  6ª  Congresso  do  Partido  Nazista,  em  Nuremberg.  O  objetivo  desse  documentário  era  mostrar  ao  povo  alemão  a  grandiosidade  do  governo  de  Hitler  que,  naquele momento, estava  há  um  pouco  mais  de  um  ano   e  meio  na  gestão  e  como  esse  já  estava  causando  melhorias  consideráveis  no  país.  A  participação  em  massa  dos  alemães  nos  comícios  registrados  na  película,  bem  como,  a  alegria  e  empolgação  do  povo  ao  ver  o  ​ Führer  ​ (​ líder​ ,  em  alemão),  revelaram  também  o  apoio  da  população  a  Hitler  e  ao   seu  regime.  Portanto,  considerando  a  confiabilidade   desse  documentário  bem  como  a  sua  relevância  histórica,  os  enunciados  apresentados nele foram submetidos à análise.  Como  último  procedimento  metodológico,  valeu­se  da  Análise  de  Discurso  (AD),  da  perspectiva  da  escola  francesa.  Optou­se pela análise discurso tradicionalmente francesa, pela  forma  como  ela  considera  o  discurso.  Nessa  linha  de  AD,  o  discurso  é  uma  interação entre o  enunciador  (sujeito  que  produz  e  reproduz  o  discurso)  e  seus  interlocutores,  eles  se  relacionam  através  da  construção  de  sentidos,  sendo  influenciados  e,  ao  mesmo  tempo,  influenciando  o  contexto.  O  embasamento  teórico  de  AD  nessa  linha  se  deu  principalmente  pelos  autores  Milton  José  Pinto  (1999)  e  Eni  Orlandi  (2007).  Dessa  perspectiva,  entendeu­se  que  compreender  o  significado  das  palavras  que  compõem  uma  fala  ou  um   texto  não  são  suficientes  para  que  se compreenda a real mensagem de um discurso. É necessário conhecer o  contexto  e  a  ideologia  da  enunciação,  do  enunciador  e  de  seu   interlocutor,  para  assim,  compreender   o   sentido  da  mensagem.  Isto  é,  a  construção e a compreensão do real sentido da  mensagem  de  um  discurso  depende,  e  é  influenciado,  por  esses  fatores.   Esses  sentidos   presentes  no  discurso  são  revelados  através das Formações Discursivas, que são formadas por  Sequências Discursivas.  Esta  monografia  está  organizada  em  três  etapas.  A  inicial   apresenta  o  embasamento  teórico  metodológico,  com  as  definições  das  variáveis  dominação  legitima,  discurso  e  ideologia.  A  segunda  apresenta  os  procedimentos  metodológicos  adotados  para  a  realização 

 

da  pesquisa,  que  são  a  pesquisa  bibliográfica,  pesquisa  documental  e  análise de discurso. Por   fim,  expõe­se  a  contextualização  sócio  histórica  dos  enunciadores  e  das  enunciações,  realiza­se a análise e apresenta­se as considerações finais da pesquisa.    

 

 

   

 

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO­METODOLÓGICO    Neste  capítulo  é  apresentado  o  embasamento  teórico­metodológico  utilizado  na  compreensão  das  principais  variáveis  presentes  no tema desta pesquisa: dominação legítima e  discurso.  Na  fundamentação sobre dominação legítima, são apresentados os conceitos de Max  Weber,  principal   estudioso  do  tema.  O autor explica as relações de  dominação, o contexto em  que  ocorrem  e   suas  características,  bem  como,  os  três  principais  tipos  de  dominação  encontrados  em  sociedade.  Em  seguida,  traz­se  as  ideias  de  Berlo  (1960;  1972)  sobre  o  processo  de  comunicação,  com  foco  na  necessidade  que  os  indivíduos  possuem  de  se  comunicar  para  atenderem  objetivos  próprios  e,  assim,  poderem  viver  e  sobreviver  em  sociedade.  Por  fim,  são  expostos  os  conceitos   relativos  à  Análise  do  Discurso  por  meio  dos  estudos  de  Orlandi  (2007)  e  Pinto  (1999).  Esses  são  complementados,  através  de  Fiorin  (2001), com a definição de ideologia e o modo como ela se faz presente no discurso.    2.1 A DOMINAÇÃO SEGUNDO MAX WEBER    Max  Weber  (1864­1920)  sistematizou  a  discussão  a  respeito  da  dominação  em  seu  ensaio  sobre  sociologia  compreensiva  chamado  ​ Economia  e  Sociedade:  fundamentos  da  sociologia  compreensiva.  ​ Publicada  postumamente  em  1920,  a  obra  foi construída através de  escritos  deixados  pelo  autor.  Em  resumo,  pode­se  afirmar  que,  nesse  estudo,  Weber  visou  o  entendimento  das  relações  sociais  estabelecidas  em  sua  época.  Para  tanto,  investigou  primeiramente  as  ações  dos  indivíduos  (micro  ambiente)  para,  então,  compreender  a  sociedade  (macro  ambiente).  Para  o  autor,  é  através  das atitudes racionais dos indivíduos que  se  constrói  a  sociedade.  É  dentro  desse  estudo  que,  entre  diversos  tipos  de  relação  possíveis  entre  indivíduos  e  entre  indivíduo  e  sociedade,  Weber  apresenta  a  dominação  legítima,  tema  de fundamental relevância para o desenvolvimento do presente trabalho (OLIVEIRA, 2008).  A  apreensão   das  ideias  do  autor  passa  pela  compreensão  da  diferença  entre  poder,  dominação, obediência e disciplina:  Poder  significa  toda  probabilidade  de  impor a  própria  vontade  numa  relação social,  mesmo   contra  resistências,   seja  qual  for  o  fundamento  dessa  probabilidade.   Dominação  é  a  probabilidade  de  encontrar  obediência  a uma ordem de determinado  conteúdo,  entre  determinadas  pessoas   indicáveis;  disciplina  é  a  probabilidade  de  encontrar  obediência  pronta,  automática  e  esquemática  a   uma   ordem,  entre   uma  

  pluralidade  indicável  de  pessoas,  em  virtude  de  atividades  treinadas.   (WEBER,  2000, p. 33). 

As  diferentes  situações   de dominação podem ser baseadas, segundo Weber (2000),  em  motivos  distintos:  afetivo,  racional  (por  ideais  e  valores) ou interesses materiais. A origem  de  cada  motivo  é  o  que define, de maneira ampla, o tipo de dominação existente em determinada  relação  social.   Porém,  motivos  naturalmente  afetivos  ou  materiais  não  bastam  para  manter  a  dominação, de alguma forma, todos buscam despertar a crença em sua legitimidade.  A  legitimação  da  dominação  é  construída  na  relação   entre  dominador  e  dominado, na  medida  em  que  o  último  decide  se  submeter  ao  primeiro,  entendendo­o  como  uma  fonte  válida  de  poder.  Segundo  Weber  (2000),  o  dominado  pode  submeter­se  a  tal  situação  motivado  por  razões  internas  ­  como  entrega  sentimental,  racional   ou   religiosa  –  e,  também,  (ou  somente)  pelo  interesse   em  determinadas  consequências  externas.  Assim,  segundo  Max  Weber  (2000),  existem  três  tipos  principais  de  dominação  legitima:  de  caráter  racional,  de  caráter tradicional e de caráter carismático. Todas serão apresentadas a seguir.    2.1.1 Dominação racional­legal    A  ​ dominação  legal​ ,  segundo  Weber  (2000),  apresenta  caráter  racional  e  se  baseia  na  obediência  às  normas  de  determinado  contexto,  que  devem  ser  seguidas  por  todos  aqueles  indivíduos  que  dele  fizerem  parte.  Através  dessas  normas  é  organizada  uma  hierarquia:  as  ordens  dos  ocupantes  dos  cargos  superiores  são  obedecidas  por  todos  os  indivíduos  que  ocupam  cargos  inferiores.  É  importante  frisar  que,  nesse  caso,  a  obediência  ao  indivíduo  “superior”  se  dá  devido  à  representatividade  de  sua  posição  na  estrutura  hierárquica,  não  devido às suas características pessoais.  Esse  tipo  de  dominação   é  relatada  por  Pagès  ​ et  al.  ​ (1993,  p.  48)  quando  discutem  a   criação de regras nas organizações:    A direção  mundial  elabora as políticas a serem seguidas, define os objetivos a serem  atingidos  nos  diferentes  estágios  do  processo  econômico  (pesquisa,  produção,  venda)  e  assegura  a  utilização das  funções facilitando sua realização (administração,  publicidade, relações públicas, gestão do pessoal, etc.). 

Para  cada  política,  de  acordo  com  esses  autores,  as  condições  de  realização  dos  objetivos  são  estabelecidas  por  regras  especificadas  em  manuais.  Tais   regras  fixam  as 

 

atribuições  de  cada  indivíduo,  as  formas  de  avaliação  das  suas  ações,  as  formalidades  administrativas concorrentes a cada operação etc.  É nesse sentido que Weber (2000, p. 143) indica que a dominação legal é característica  das  sociedades  ocidentais   modernas  e  é  sustentada  por  algumas  condições  essenciais:  estar  ligada  a  um  exercício  contínuo,  dentro  de  regras  determinadas  e  funções  oficiais,  por  um  período  pré­fixado,   em  um   contexto  limitado  e  com  delimitação  dos atos coercivos  dentro do  que  for  aceitável  e  devidamente  contextualizado.  O  exercício  de  poder  que  se  organiza dessa  forma é chamado de autoridade institucional:  'Autoridade  institucional'  existe,  neste  sentido,  naturalmente  em  grandes  empresas  privadas,  partidos,  exércitos,  do  mesmo  modo  que no  ‘Estado'  e  na  ‘igreja'.  Assim,  também,  no   sentido  dessa  terminologia  o presidente  eleito  do  Estado (ou  o  colégio  dos   ministros  ou  dos  'representantes  do  povo’  eleitos)  é  uma  'autoridade  institucional'. (WEBER, 2000, p. 143). 

Conforme  o  autor,  relacionadas  à  autoridade  institucional  estão  outras  condições  que  também são necessárias para a caracterização da dominação como racional­legal:  ● O  princípio  da  hierarquia  oficial,  ou  seja,  a  “organização   de  instâncias  fixas  de  controle  e  supervisão  para  cada  autoridade  institucional  com  o  direito de apelação  ou reclamação das subordinadas às superiores” (WEBER, 2000, p.143);  ● A  existência  de  regras  (regras  técnicas  ou  normas)  que,  na  sua  aplicação,  exige  qualificação  profissional.  Os   indivíduos  classificados  como  possuidores  das  qualificações  necessárias  são  aceitos  no  contexto  organizacional  como  funcionários, formando assim o seu quadro administrativo;  ● Há  separação  entre  o  quadro  administrativo  e  os  meios  de  administração  e  produção,  ou  seja,  os  funcionários  não  possuem  os  meios  materiais  de  produção e  de  administração,  mas  o  utilizam  para  a  execução  de  seu  trabalho  e  de  suas  responsabilidades;  ● Todos  os  direitos  e  deveres  são   relacionados  ao  cargo  (não  ao  detentor  de  tal  cargo)  e  são  necessários  para  garantir  a  execução  de  determinada  função  no  ambiente de trabalho;  ● O  princípio  da  documentação,  em  que  todos  os  acordos,  normas,  requisitos,  decisões, ordenações e disposições de todas as espécies são documentadas.  Ainda  sobre  a  concepção  das  regras,  Pagés  ​ et  al.  (1993, p. 51) afirmam: “É pelo meio  indireto  da  elaboração  de  regras  dinâmicas  que  a  centralidade  da  organização  é  mantida  e 

 

dessa  forma  o  poder  da  direção  central”.  Ou  seja, é através da criação de normas e  regras que  a autoridade (o líder) é instituída e, através disso, a dominação é efetivada.  No  tipo  puro  da  dominação  em  questão,  segundo Weber (2000), somente a autoridade  da  organização  detém  a  posição  de  senhor,  concedido  por  denominação, sucessão, eleição ou  apropriação.   As  funções  senhoriais  são,  também,  consideradas  competências  legais exercidas  através  do  quadro  administrativo  burocrático,  formado  pelos  funcionários.  Estes  se  caracterizam,  segundo  Weber  (2000),  como  pessoas  livres  que  obedecem  somente  às  obrigações  do  seu  cargo.  Elas  são  nomeadas  dentro  de  uma  hierarquia  de  cargos  e  têm  competências  funcionais  fixas,  determinadas  em  contrato, com base em seleção livre segundo  a  qualificação  profissional  (verificada  por  provas  ou  comprovada  por  diplomas).  Os  funcionários  recebem  um  salário  para  execução  de  suas  funções,  determinado de acordo com  a  posição  hierárquica  do  seu  cargo,  podendo  ser  demitidos  ou  pedir  demissão.  Exercem  seu  cargo  como  profissão  e  têm  a  perspectiva  de  carreira  por  promoção,  eficiência  ou os dois, de  acordo  com  as  regras  do  superior.  Por  fim,  os  funcionários  trabalham  em  separação  absoluta  dos  meios  administrativos  e  sem  apropriação  do  cargo,  ficando  submetidos  a  um  sistema  de  controle e disciplina do serviço.  Weber  (2000)  esclarece  que  a  dominação  calcada  no  quadro  administrativo  burocrático  representa  a  tendência  ao  nivelamento  dos  profissionalmente  mais  qualificados,  visto  que  apenas  os  poucos  indivíduos  bem  dotados  financeiramente  buscam  e  atingem  a  qualificação  exigida.  Trata­se  da  dominação  da  impessoalidade,  em  que  tudo  é  feito  apenas  por dever, sem paixão ou entusiasmo.   A  administração burocrática, presente em praticamente todas  as áreas (igrejas, estados,  empresas  e  associações,  entre  outras  formas  de  organização),  é  o  que  garante  as  condições  necessárias  para  a  existência  do  sistema  capitalista, oferecendo uma “administração contínua,  rigorosa,  intensa e calculada”, tida “como núcleo de toda administração de massas” (WEBER,  2000,  p.  146).  É  o  tipo  de  dominação  mais   racional  existente,  permitindo  também  o  funcionamento  do  Estado   Moderno.  Nesse  contexto,  é  possível  ao  dominado  se  defender  da   burocracia   administradora  dominante  saindo  de  sua  posição  e  criando  a  sua  própria  organização. Esta, porém, igualmente precisará submeter­se a burocracia.  De  acordo  com  Pagés  ​ et  al.  ​ (1993,  p.  61),  “para  determinar  a  extensão  do  poder  do  criador  da  regra,  não  é  necessário  examinar  em  detalhe  suas  características  particulares,  o 

 

poder  não  reside  na  própria  regra,  mas  no  movimento  que  a  institui  e  nas  modalidades   e  sua  utilização”.  Esse  apontamento  já   havia  sido  feito  por  Weber  (2000,  p.  147)  quando  afirmou que a  “administração  burocrática  significa:  dominação e virtude de conhecimento; este é seu caráter  fundamental  especificamente  racional”.  Isso  significa   que  não  basta  a  posição  de  poder  dada  ao  indivíduo  devido  ao seu conhecimento profissional. A burocracia também eleva esse poder  através  do poder prático do seu  exercício, ou seja, os conhecimentos adquiridos pelo exercício  da função ou obtidos por documentações.  Rezende  (1984,  p.  82),  por  sua  vez,  afirma  que  “a  universidade  adota  semelhante  atitude de dominação ao admitir que os títulos  universitários conferem poder: 'saber  é poder’”.  Na  situação  em  que  o  professor  aplica  uma  prova  ao  aluno,  por  exemplo,   o   professor  se  encontra  em  posse  do saber absoluto e o aluno, com o não saber. “Nesse contexto, o professor  aparece  não  como  alguém  que  produz  o  saber,  mas  como  alguém  que  o  controla  através  dos  exames” (REZENDE, 1984, p. 82).  Portanto,  pode­se  compreender  que  a  essência  da  burocracia  racional  está  no  formalismo  e na tendência dos  funcionários de buscarem qualificação para a execução de suas  tarefas,  submetendo­se  às  regras  e  normas  impostas  e,  assim,  mantendo  a  continuidade   da  administração burocrática.    2.1.2 Dominação tradicional    Diferentemente   da  dominação  legal,  a  ​ dominação  tradicional  tem  sua  legitimidade  na  crença,  na  santidade  de  ordens  e  poderes  tradicionais,  que  existem  “desde  sempre”  (WEBER,  2000,  p.  148).  Esse  tipo  de dominação tem o senhor (ou senhores) denominado em  função  de  atributos  embasados  em  regras  tradicionais,  as  quais  são  obedecidas  devido  à  dignidade pessoal da liderança, recebida pela tradição.  De  acordo  com  o  autor,  os  dominados  são  uma  associação  de  devotos  que  compartilham  princípios  comuns  de  educação  e  são  considerados  companheiros  tradicionais  ou  súditos  do  dominador.  Este  é  considerado  um  senhor  pessoal,  e seu quadro administrativo  se  compõe  primariamente  de  servidores  pessoais.  A  fidelidade  pessoal  do  servidor   é  tida,  portanto, como decisiva na relação entre dominado e dominador. 

 

Na  dominação  tradicional  não  há  estatutos  ou  regras  a  serem  obedecidas,  o  que  há  é  um senhor denominado pela tradição. Suas ordens são legitimadas de duas maneiras:  […]  em  parte  em  virtude  da  tradição que  determina  inequivocadamente  o conteúdo  das  ordens,  e   da  crença  no  sentido  e alcance  destas,  cujo  o  abalo  por transgressão  dos   limites  tradicionais  poderia  pôr  em  perigo  a  posição  tradicional  do  próprio  senhor;  em   parte  em  virtude  do   livre  arbítrio  do   senhor,  ao  qual  a  tradição  deixa   espaço correspondente. (WEBER, 2000, p. 148). 

Para  Weber  (2000,  p.  148),  o  livre  arbítrio  senhorial  tem  base  na  ausência  de  limitações,  o  que,  por  princípio,  descreve  a  obediência  em  virtude  do  dever  da  piedade,  ocasionando  um  duplo  domínio:  “da  ação  do  senhor  materialmente  vinculada  à tradição, e da  ação  do  senhor  materialmente  independente  da  tradição”.  No  segundo  caso,  o  senhor  se  1

manifesta  livremente   sobre  a  graça  ou  desgraça  do  dominado  com   julgamentos  puramente  pessoais,  sem nenhuma regra ou norma  formal. Isso reforça a ideia de  que o indivíduo escolhe  submeter­se ao dominador, nesse caso, motivado pela crença que nele possui.  Nesse  tipo  de  relação  social,  quando  ocorre  resistência  por   parte  do  dominado,  essa  normalmente  não   se  dá  com  relação  ao  sistema  tradicional,  mas  sim,  frente  à  pessoa  do  senhor,  que  pode  ter  desrespeitado  os  limites  do  seu  poder.  Assim,  novos  direitos  ou  princípios  só  se  legitimam  com  a  pretensão  de  terem  sido  vigentes  desde  sempre  ou  quando  são reconhecidos como fruto do dom de sabedoria senhorial (WEBER, 2000).  Weber  (2000)  indica  que  a  dominação  tradicional  é  operacionalizada  com  ou  sem  quadro administrativo. Quando há um quadro administrativo, esse é composto por:  Pessoas  tradicionalmente  ligadas  ao  senhor,  por  vínculo  de  piedade  ('recrutamento  patrimonial'):  membros   do  clã;  escravos;  funcionários  domésticos  dependentes,   particularmente  seguidores  de  algum   ministério;  cliente;  colonos;  libertados;  ('recrutamento  extrapatrimonial’):  relações  pessoais  de  confiança  (‘favoritos'  independentes,   de  todas  as  espécies);  ou  pacto  de  fidelidade  com  o  senhor  legitimado; funcionários livres que entram em relação de  piedade para com o  senhor.  (WEBER, 2000, p. 148, 149). 

O  que  diferencia os dois  tipos de dominação tradicional com quadro administrativo é a  forma  de  recrutamento  dos  dominados.  Na  dominação  tradicional  patrimonial  há  um  vínculo  de  piedade  comum,  enquanto  na  dominação  tradicional  extrapatrimonial  o  vínculo  é  de  confiança.  Por  outro  lado,  em  ambos  os  casos  se  encontram  faltantes  (a)  a  competência  fixa  segundo  normas  objetivas;  (b)  a  hierarquia  racional  fixa;  (c)  a  nomeação  regulada  por  1

Kant  (​ apud  WEFFORT,   1998,   p.   53)  define   liberdade  como  a  ausência   de  determinações  externas   do  comportamento,  considerando  que  “nos seres  racionais  a  causa  das  ações  é  o  seu próprio arbítrio (por oposição  ao mero desejo ou inclinação que não são objetos de escolha)”. 

 

contrato;  (d)  a  formação  profissional  como  norma  e  (e)  o  salário   fixo  ou  apenas  salário  pago  em  dinheiro. Porém, todas essas lacunas existentes na forma de dominação tradicional ­ com e  sem quadro administrativo ­ são preenchidas pelas decisões do senhor.  Como  mencionado,  a  dominação  tradicional pode se estabelecer  também sem que haja  um  quadro  administrativo.  Nesse   caso,  a  dominação  tradicional  pode  se  efetivar  através  da  gerontocracia ou do patriarcalismo primário. De acordo com Weber (2000, p. 151):  Denomina­se  gerontocracia   a  situação  em  que,  havendo  alguma  dominação  dentro  da  associação,  esta é  exercida pelos mais velhos (originalmente,  no sentido literal da  palavra:  pela  idade),  sendo  eles   os  melhores  conhecedores  da  tradição  sagrada.  A  gerontocracia   é  encontrada  frequentemente  em  associações  que  não  são  primordialmente  econômicas  ou  familiares. É chamada patriarcalismo a situação em  que,   dentro  de  uma  associação  (doméstica),  muitas  vezes   primordialmente  econômica  e  familiar,  a  dominação   é  exercida   por  um  indivíduo  determinado  (normalmente) segundo regras fixas de sucessão. 

Dessa  maneira,  compreende­se  que,  sem  a  existência   de  um  quadro  administrativo,  a  dominação  tradicional  se  dá  de  duas  maneiras:  quando  se  tem  o  membro  mais  velho  como  o  dominador  (gerontocracia),  ou  quando  o  dominador  é  denominado  através  de  regras  fixas  de  sucessão  (patriarcalismo).  Segundo  Weber  (2000)  é  possível  que  os  dois  tipos  de  dominação  tradicional  sem  quadro  administrativo  coexistam.  Porém,  de  qualquer  forma,  é  determinante,  em  ambos  os  casos,  que  o  poder  seja  orientado  pelo  interesse  do  dominado  em  usufruir  da  sabedoria  do  dominador,  não  sendo  o  dominador  a  se  apropriar  livremente  desse   direito.  Portanto,  é  a  ausência   total  de  quadro  administrativo  e  a  dependência  do  dominador  no  interesse de obedecer do dominado que determinam essa situação.  Os  associados  ainda  são,  portanto,   companheiros',  e  não  'súditos'.  Mas  são  'companheiros'   em  virtude  da  tradição,  e  não   'membros'  em  virtude  de  estatutos.   Devem  obediência  ao  senhor  e  não  a  regras  instituídas.  Mas  ao  senhor  apenas  a  devem   de  acordo  com  a  tradição.  O  senhor,  por  sua   parte,  está  estritamente  vinculado à tradição. (WEBER, 2000, p. 151). 

Há  ainda,  segundo  Weber  (2000,  p.  152),  o  tipo  de  dominação tradicional estamental,  em  que  “determinados  poderes  de  mando  e  as  correspondentes  oportunidades  econômicas  estão  apropriados  pelo  quadro  administrativo”.  Ou seja, a dominação tradicional­estamental é  efetivada  sobre  uma  associação,  um  grupo  de  indivíduos  ou  por  apenas  um  indivíduo,  bastando que estes pertençam ao quadro administrativo possuidor dos poderes de mando.  As  principais  características  da  dominação  tradicional  estamental  são:  a  limitação  da  livre  seleção  do  quadro  administrativo,  que  é  sempre  realizada  pelo  senhor;  a  existência  de 

 

uma  associação  ou  de  uma  camada  social  estamentalmente  qualificada;  ou  a  apropriação  dos  cargos,  meios  e  poderes,  por  parte  quadro  administrativo,  que  podem  repousar  em  arredondamento,  penhora,  venda,  privilégio  pessoal,  associação  ou  camada  estamentalmente  qualificada ou feudos (WEBER, 2000).  Quando,  por  compromisso  com  o  senhor,  indivíduos  privilegiados   por  poderes  estamentais  criam  estatutos  (políticos,  administrativos ou ambos), disposições administrativas  ou  medidas  de  controle  da administração, ocorre o que Weber (2000) denomina como divisão  estamental de poderes.  Ainda  de  acordo  com  Weber  (2000),  compreendem­se  por  feudos,  os  poderes  de  mando  conferidos  originalmente  por  contrato  a  pessoas  individualmente  qualificadas,  portadoras  de  direitos  e  deveres  recíprocos  com  o  dominador  e  orientadas  por  conceitos  de  honra  estamental.  Em  um   quadro  administrativo  originalmente  mantido  por  meio  de feudos,  tem­se um feudalismo de feudo (WEBER, 2000).  A dominação tradicional possui forte ligação com as relações econômicas, isso porque,  de  acordo  com  Weber  (2000,  p.  156),  “costuma  atuar  sobre  as  formas  de  gestão  econômica,  em  primeiro  lugar   e  de  modo  muito   geral,  mediante  certo  fortalecimento  das  ideias  tradicionais”.  Nesse  aspecto,  destacam­se  as  dominações  gerontocrática  e  a  patriarcal,  pois  não  se  apoiam  em  um   quadro  administrativo  particular  do  senhor,  que,  para  manter  sua  legitimidade, depende unicamente da observação da tradição.  Para  atuar  sobre  a  economia,  a  dominação  tradicional  depende  de  um  formato  específico  de  finanças  determinado  pela  parte  dominadora.  Nesse  sentido,  Weber  (2000) traz  alguns desses modos específicos:  ● Quando  os  servidores  do  senhor  têm  suas  necessidades  providas  mediante  prestações em espécie e serviços pessoais: as relações econômicas estão vinculadas  à  tradição,  o  desenvolvimento  do  mercado  é  bastante  dificultado  e  o  uso  de  dinheiro  é  orientado  pelo  consumo,  o  que  possibilitou  o  nascimento  do  capitalismo;  ● Quando  o  provimento  das  necessidades  dos  servidores  e  do  senhor,  privilegiam  determinados  estamentos:  ​ o  desenvolvimento  do  mercado fica limitado pela queda  da  “capacidade  aquisitiva”.  Essa  ocorre  em  virtude  das  exigências  da  associação  dominadora em relação a propriedade e à capacidade das economias individuais; 

 

● Quando  há  uma  relação  monopolista,  com  o  provimento  das  necessidades  do  senhor  e  dos  servidores  determinado  por  taxas  e  por  impostos: o desenvolvimento  do  mercado  é  irracionalmente  limitado,  dependendo  da  natureza  dos  monopólios.  As  maiores  oportunidades  aquisitivas   encontram­se  nas  mãos  do  senhor  ou de seu  quadro  administrativo.  Nessa  condição,  o  capitalismo  está  impedido  (em  caso  de  direção  completa  da  administração)  ou  desviado  para  o  âmbito  do  capitalismo  político  (no  caso  de  existirem  como  medidas  financeiras  o  arredondamento  ou  a  compra  de  cargos,  bem  como  o  recrutamento  capitalista  de  exércitos  ou  funcionários administrativos).  No  patrimonialismo  e  no  sultanismo,  a  economia  fiscal  atua  de  modo  irracional,  mesmo  com  a  presença  da  economia  monetária.  Isso,  segundo  Weber  (2000),  ocorre  em  virtude  da  coexistência  de  um  vínculo  tradicional  com  as  fontes  tributárias  diretas.  Ocorre  também  devido  à  liberdade  completa  quanto  à  extensão  e  natureza  da  fixação  de  taxas,  impostos  e  criação  de  monopólios.  Outros  motivos  são  a  falta  da  possibilidade  de calcular as  cargas  tributárias  e  o  grau  de  liberdade  das  atividades  aquisitivas   privadas,  necessárias  para  racionalizar a economia.  No  caso  da  divisão  estamental  dos  poderes,  a  política  financeira  tem,  segundo  Weber  (2000),  a  particularidade  de  impor  cargas  tributárias  fixadas  por  compromisso   e,  portanto,  calculáveis.  Com  isso,  o  poder   do   senhor  é  limitado,  evitando­se  que  ele  crie  impostos  e  monopólios apenas por sua vontade.  Ainda  segundo  o  autor,  o  patrimonialismo  inibe  a  economia  racional  por conta de sua  política  financeira  e  de  suas características de administração. Isso é perceptível na dificuldade  que  o  tradicionalismo  coloca  à  existência  de  estatutos  formalmente  racionais,  na  ausência  típica  de  um  quadro   administrativo  com  qualificação  profissional  formal,  no  amplo  espaço  que  é  deixado  para  a  vontade  do  senhor  e  de  seu  quadro  administrativo  e  na  tendência  à  regulação  materialmente  orientada  para  a  economia,  com  sua  consequente  quebra  de  racionalidade  formal.  Tal  irracionalidade  econômica  é  decisiva  no  patrimonialismo  hierocraticamente orientado, enquanto no sultanismo é decisiva para a arbitrariedade fiscal.    2

Portanto,  conforme  Weber  (2000),  ainda  que  diversas  formas  de  capitalismo   estejam  enraizadas   em  poderes  patrimoniais,  o  mesmo  não  ocorre  com  o  empreendimento  aquisitivo  2

São  exemplos  o  capitalismo  comercial,  capitalismo  de  arredondamento  de  impostos  e  cargos,  capitalismo  baseado  em  fornecimento  de  bens  ao  Estado  ou  financiamento  de  guerras,  capitalismo  de  plantações  e  o  capitalismo colonial. 

 

orientado  pela  situação  do  mercado  dos  consumidores  privados.  Esse  se  caracteriza  pelo  capital  fixo  e   pela  organização  racional  de  trabalho  livre  —  sendo,  portanto,  sensível  às  irracionalidades  da  justiça,  da  administração  e  da  tributação,  que  atrapalham  a  possibilidade  de  cálculo.  O  autor  ressalta  ainda  que  o  empreendimento  aquisitivo  orientado   pelo  mercado  dos  consumidores  privados  só  não  ocorre  quando  o  senhor  patrimonial,  por  interesses  financeiros  ou  próprios  do  poder,  recorre  à  administração  racional  com  profissionais  qualificados.  Mediante  um  motivo  que   justifique  tal  circunstância,  ocorre  uma  formação  profissional  e  um  processo  peculiar:  a  incorporação  de  associações  comunais  urbanas  (que  governavam  a  si  próprias)  aos  poderes  patrimoniais  concorrentes,  com  o  apoio   de  sua  potência financeira.    2.1.3 Dominação carismática    A ​ dominação carismática ocorre quando o dominador se utiliza de seu carisma com a  pretensão de dominar. Weber (2000, p. 158, 159) define carisma como:  […]  uma  qualidade  pessoal  considerada  extracotidiana  (na  origem,  magicamente  condicionada,  no caso  tanto dos  profetas quanto dos sábios  curandeiros ou jurídicos,  chefes  de  caçadores  e  heróis  de  guerra)  e  em  virtude  da  qual  se  atribuem  a   uma   pessoa   poderes  ou  qualidades  sobrenaturais,  sobre­humanos,  ou,  pelo  menos,  extracotidianos  específicos  ou  então  se  a  torna  como  enviada  por  Deus,  como  exemplar e, portanto, como líder. 

Um  importante  registro  é  o  fato  de  Weber  (2000)  ressaltar  que,  para  caracterizar  a  dominação  como  carismática,  não  se  deve  considerar  o  carisma  do  ponto  de  vista  ético  ou  estético,  por  exemplo.  Um  indivíduo  possuir  carisma  ou  participar  de  situação  carismática  também  não  é,  por  si  só,  determinante  para  a  legitimação  desse  tipo  de  dominação.  O  que  deve  ser  levado   em  conta  é  como  essa  característica  é  entendida  pelos  carismaticamente  dominados,  também  chamados  de  adeptos. De acordo com o autor, o livre reconhecimento do  carisma  pelos  dominados  é  o  que decide a validade do carisma, solidificado através de provas  (inicialmente milagres, entrega de revelações, veneração de heróis ou confiança do líder).  Nas  palavras  de  Weber  (2000, p. 159), “psicologicamente, esse reconhecimento é uma  entrega  crente  e  inteiramente  pessoal  nascida  do  entusiasmo  ou  da  miséria  e  esperança”.  No  caso  de  faltar  ao  dominador  a  “sua  força  mágica  ou  heroica,  se  lhe  falha  o  sucesso  de  modo 

 

permanente  e,  sobretudo,  se  sua  liderança  não  traz  nenhum  bem  estar  aos  dominados”,  a  dominação carismática pode se dissolver, pois perde seu sentido.  O  quadro  administrativo  do  senhor  carismático  é  selecionado  segundo  qualidades  igualmente  carismáticas:  “ao  'profeta'  correspondem   os  'discípulos';  ao  'príncipe  guerreiro',  o  'séquito';  ao  'líder',  em  geral  os  'homens  de  confiança'”  (WEBER, 2000, p. 160). A  nomeação  é  feita  segundo  inspiração  do  líder,  devido  à  qualidade  carismática  invocada.  Por  não  haver  hierarquia,  não  existe  a  possibilidade  de  carreira  ou  ascensão,  somente  a intervenção do líder  quando  necessário,  definindo  encarregados de carisma limitado. Só há limitações espaciais ou  objetivamente  condicionadas  do  carisma  e  da  missão.  Os  liderados  não  recebem  salário  nem  prebenda, assim, vivem com o senhor em comunismo  de amor e camaradagem. Há, também, a  criação de direito através do juízo de Deus e revelações.  Materialmente,  porém,  aplica­se  a toda dominação carismática genuína a frase:  'Está  escrito   –  mas  em  verdade  vos  digo'.  O  profeta  genuíno,  bem  como  o  príncipe   guerreiro  genuíno  e todo  líder  genuíno  em  geral, anuncia, cria, exige, mandamentos  novos  –   no  sentido  originário  do  carisma:  em virtude  de  revelação,  do oráculo,  da   inspiração,  ou  então  de  sua  vontade  criadora  concreta,  reconhecida,  devido  a  sua  origem,  pela  comunidade  religiosa,  guerreira,  de  partido  ou  outra  qualquer.  (WEBER, 2000, p. 160). 

O  reconhecimento  do  líder,  portanto,  é  um  dever.  Quando  entre  dois  indivíduos  há  a   pretensão  de validade carismática, essa é decidida em uma  disputa pela liderança, reconhecida  obrigatoriamente por parte da comunidade ou por meios mágicos.  A  dominação  carismática  rejeita  em  seu  tipo  puro,  segundo  Weber  (2000),  o  aproveitamento   econômico  dos  dons  divinos  como  fonte  de  renda,  pois  reconhece  que  o  carisma  se  estabelece  onde  existe  vocação, missão, tarefa  intima. Porém, isso é mais um ideal  do  que  uma  realidade,  pois  em  cada situação de dominação  há um interesse, como cita Weber  (2000, p. 161):  O herói  de  guerra e  seu séquito procuram espólio, o dominador plebiscitário ou líder  carismático  de  partido  busca  meios  materiais  ara  assegurar  seu  poder;  o  primeiro,  além  disso, procura  o  esplendor material de sua dominação para firmar  seu prestigio  de senhor. 

O  que  ignora­se  nesse  caso  é,  portanto,  a  forma  comum  de  receita  ­  racional  ou  tradicional  ­  através  de  atividade  econômica.  O  suprimento  das  necessidades  carismáticas  ocorre,  segundo  Weber  (2000),  por  patrocínio  (gorjetas,  doações,  corrupção),  esmolas,  herança ou extorsão (violenta ou pacífica). 

 

Na  citação  a  seguir,  o  autor  esclarece  como  se   dá  a  ação  do  carisma  sobre  os  indivíduos  e  a  sociedade.  Weber  (2000,  p.  161)  compara  a  dominação   carismática  ao  tradicionalismo,  uma  vez  que  esse  também  possui  a  capacidade  de  causar  mudanças  na  direção da consciência e nas ações dos indivíduos.  O  carisma  é  a  grande  força   revolucionária   nas  épocas   com  forte  vinculação  à  tradição. Diferente  da força  também revolucionária da ​ ratio​ , que ou atua de fora para  dentro  ­  pela  modificação   das  circunstâncias  e  problemas  da  vida  e  assim,  indiretamente  das  respectivas  atitudes  ­,  ou  então  por  intelectualização,  o  carisma  pode  ser  uma  transformação com  ponto de  partida  íntimo, a  qual, nascida de miséria  ou  entusiasmo,  significa   uma  modificação  da  direção  da  consciência  e  das   ações,  com  orientação  totalmente  nova  de  todas  as  atitudes  diante  de  todas  as  formas  de  vida  e  diante  do  ‘mundo’,  em  geral.  Nas  épocas  pré­racionalistas,  a   tradição  e  o  carisma dividem entre si a quase totalidade das direções de orientação das ações. 

Quando,  por  qualquer  motivo,  não  se  tem  mais  o  portador  do  carisma,  surge  espaço  para  sucessores.  O  modo  como  isso  se resolve “[...] é essencialmente decisivo para a natureza  geral  das  relações  sociais  que  então  se  desenvolvem”  (WEBER,  2000,  p.  162).   Como  possíveis  soluções  para  a  determinação  de  uma nova pessoa para  ocupar o papel de liderança,  mantendo a rotina do carisma, o autor aponta:  1. Alguém  possuidor  de  determinadas  características  e  de  carisma.  Nesse  caso,  a  legitimidade  está  ligada  a  regras  que  são  as  características  que  o  dominador  deve  ter, ou seja, a tradicionalização do perfil do líder;  2. Revelação,  juízo  de  Deus  ou  outras  técnicas  de  seleção.  Nesse caso, a legitimação  ocorre de forma técnica (legal);  3. Definição,  por  parte  do  dominador  anterior,  com  o  amparo  do  reconhecimento  da  comunidade. Assim, a legitimidade é adquirida por designação;  4. Definição  do  quadro   administrativo  carismaticamente  qualificado  com  o  reconhecimento  da  comunidade.  Porém,  não  se  trata  de  um  modelo  de  eleição  ou  de  seleção  livre; trata­se apenas de deveres,  de uma designação justa do verdadeiro  portador  do  carisma.  Nessa situação, a legitimação do poder se baseia na conquista  de um direito, realizada de forma justa e com determinadas formalidades;  5. Crença  de  que   o   carisma  é  hereditário,  ou  seja,  está  no  sangue.  Dessa  forma,  torna­se  o  sucessor  algum  parente  próximo  do  dominador.  Caso  não  haja  um  familiar,  ocorre  uma verificação (por meio dos métodos já apresentados nos itens 1  e  4)  para  a  definição  do  herdeiro  autêntico.  Ou  seja,  nesse caso, a legitimação não 

 

ocorre  em  virtude  da  fé  dos  dominados no carisma do dominador, mas sim a partir  da  […]  aquisição  em  virtude  da  ordem de sucessão (tradicionalização e legalização). O  conceito  de 'senhor pela  graça de Deus' muda completamente seu sentido e significa  agora:  senhor  por  direito  próprio,  e  não  por  um  direito  que  depende  do  reconhecimento  por  parte   dos  dominado.  O  carisma  pessoal  pode  faltar  por  completo. (WEBER, 2000, p. 163). 

6. Entendimento  do  carisma   como  algo mágico, capaz de ser produzido e transmitido  do  seu  portador  para  outras  pessoas.  Nessa  situação,  a  legitimação  se  baseia  nas  qualidades adquiridas.  Além  de  se  dar  através  da sucessão do líder, a rotinização do carisma pode ocorrer por  interesse  do  quadro  administrativo.  Quando  os  dominados  querem  seguir  o  líder  ao  longo do  tempo,  a  rotinização  pode  ocorrer  por  apropriação  de poderes e oportunidades dos seguidores  (reguladas  por  seu  recrutamento), ou ainda, através da tradicionalização ou legalização. Nessa  última  situação,  a  rotinização  ocorre  através  de  (a)   recrutamento  sagrado,  onde os seguidores  determinam  normas   para  o  recrutamento  e  o  carisma  só pode ser despertado ou provado, mas  não  aprendido;  (b)  recrutamento  por  carisma  hereditário,  em   que  os  dominadores  recebem,  legitimamente,  os  cargos   adequados  a  essa  herança;  ou  então  (c)  pela  criação,  pelo  quadro  administrativo,  de cargos e oportunidades aquisitivas individuais para seus membros, havendo  a legalização ou tradicionalização (WEBER, 2000).  Para  a  compreensão  da  rotinização  do  carisma,  cabe  destacar  que,  de  acordo  com  Weber  (2000),  dá­se  a  exclusão  de  atitudes  contrárias  à  economia.  Essa  passa  por  uma  adequação   de  modo  a  atender  as  necessidades  e,  assim,  prover  as condições econômicas para  render impostos e tributos.  Outro  aspecto  relevante  a  ser  considerado  na  dominação  carismática  é  a  frequente  racionalização  das  relações  dentro  das  associações,  fazendo  com  que  o  reconhecimento  do  líder  seja  um  fundamento  e  não  uma  consequência  da sua legitimidade. Assim, modifica­se o  aspecto  autoritário  do  carisma  para  antiautoritário.  Nesse  caso,  o  autor  afirma  que  o  líder  é  eleito  e  levado  formalmente  ao  poder  pelos  dominados  através  de  livre  escolha.  Da  mesma  forma  ocorre  a  destituição do líder. Esse formato aproxima­se do formato  legal. A forma mais 

 

comum  de  definição  do  líder  é  por  plebiscito  (eleições),  sendo  mais  rotineiro  ocorrer  nas  3

lideranças de partidos ​  (WEBER, 2000).  No tipo de carisma antiautoritário, em relação à economia,  O  dominador  plebiscitário  procurará  geralmente   apoiar­se  num  quadro  de  funcionários  que  opere  com  rapidez  e   sem  atritos.  Quanto  aos dominados,  tentará  vinculá­los  a  seu  carisma, como 'ratificado', ou por  meio de honra e glória militar ou  promovendo  seu  bem  estar  material  –  em  certas  circunstâncias  pela combinação  de   ambas  as  coisas.  Seu  primeiro alvo será a destruição dos  poderes e possibilidades de  privilégios  tradicionais  feudais,  patrimoniais  ou  autoritários  de  outro  tipo.  O  segundo  será  a  criação  de  interesses  econômicos  que  estejam  a  ele vinculados  por  solidariedade  de legitimidade.  Servindo­se,  para  isso,  da  formalização e legalização   do  direito,  pode  fomentar  em  alto  grau  a  economia  ‘formalmente'  racional’.  (WEBER, 2000, p. 177). 

Conforme  o  autor,  o  tipo  de  poder  plebiscitário pode enfraquecer o caráter racional da  economia,  pois  a  relação  desse  tipo  de  poder  com  a  crença  e  a entrega dos dominados rompe  com  a  personalidade   formal  da  justiça  e  com  a  administração   por  meio  de  uma  justiça  material.  Isto  é,   o   dominador  torna­se  “um  ditador  social  aquele  que  não   está  preso  a  formas  de socialismo modernas” (WEBER, 2000, p. 178).  Verifica­se  que,  conforme  Weber  (2000),  a  dominação  através  do  carisma,  enquanto  algo  extracotidiano,  opõe­se  à  dominação  legal  e  à  tradicional,  que  se  caracterizam  pelo   hábito.  Por  não  possuir  regras, a dominação carismática apresenta perfil irracional, totalmente  contrária  à  dominação  legal  que  se  denomina  racional  pelo  fato de possuir regras analisáveis.  Por  sua  vez,  a  dominação  tradicional  é  também  orientada  por  regras  e  possui  vínculo  com  precedentes   do   passado,  sendo  isso  o  que  a  afasta  da  dominação  carismática,  que  derruba  o  passado e absorve características revolucionárias.    2.2 O DISCURSO E A IDEOLOGIA    O  presente  subcapítulo  apresenta  os  estudos  feitos  acerca  do  discurso,  em   especial no  que  diz  respeito  à  sua  relação  com  a  ideologia.  Levando­se  em  conta  o  objetivo  geral  desta  pesquisa  —  analisar  como  o  discurso  contribui  para  a  legitimação  da  dominação  —,  entende­se  ser  pertinente  compreender  a  estruturação  e  relevância do discurso no processo de  comunicação.  Da  mesma  forma,  é  importante  apreender  como  a  ideologia  se  faz  presente  no  3

Denomina­se  partidos,  segundo  Weber  (2000),  relações  associativas  com  base  no  livre  recrutamento  com  o  objetivo  de  proporcionar  poder  aos  seus  dirigentes  dentro  de  uma  associação  e,   através  disso,  oferecer  oportunidades de seus membros ativos realizarem seus objetivos (ideais ou materiais). 

 

discurso  e  contribui  ­  juntamente  com  o  contexto  da  enunciação  e  a   compreensão  da  mensagem  pelo  interlocutor  ­  para  a  construção  do  sentido  existente  mensagem.  Esses  entendimentos sustentam os passos da análise apresentada mais a frente.  Iniciando  com  uma   abordagem  ampla,  apresentam­se  as  ideias  de  David  Berlo (1960;  1972)  sobre  a  comunicação  entre  indivíduos  e  a  sua  importância  na  estruturação  e  desenvolvimento  da  sociedade.  Depois,  focando  no  tema  central,  apresenta­se  a  definição  de  discurso  e  sua  relação  com  a ideologia, tendo como principais referências Eni Orlandi (2007),  Milton José Pinto (1999) e José Luiz Fiorin (2001).  Cabe  aqui  ressaltar  que,  no  presente  trabalho,  o  processo  de  comunicação  entre  indivíduos  através  do  discurso  está  sendo  entendido  como  uma  relação  complexa,  que  sofre  interferências  do  contexto  e  da  história  dos  indivíduos.  Não  se  entende  o  processo  de  comunicação,  então,  como  um  sistema  fechado  e  linear,  como  alguns   dos  conceitos  de Berlo  (1960;  1972)  permitem  entender.  Entretanto,  as  ideias  desse  autor  permitiram a  compreensão  de  que,  além  de  não   ser  autossuficiente,  o  ser  humano  usa  da  sua  relação  com  os  demais  indivíduos  a  fim  de  garantir  seus  interesses.  Ou  seja,  ao  se comunicar, o enunciador pretende  atender  a  alguma  necessidade  individual  e  grupal  com  a  ajuda  do  seu  interlocutor.  É  dessa  forma  que,  para  Berlo  (1960;  1972),  organiza­se  e  mantém­se   a  vida em sociedade, ideia que  se mostra relevante frente aos objetivos desta pesquisa.    Berlo  (1960;  1972) sustenta que a comunicação é um processo regulado e fundamental  na  formação,   organização  e  até  na  sobrevivência  dos  seres  humanos  em  sociedade.  O  autor  afirma  que  “os  sistemas  sociais  são  as  consequências  da  necessidade   que  tem  o  homem  de  relacionar  seu  comportamento  com  os  comportamentos  dos  outros,  a  fim  de  realizar  seus  objetivos”.  Portanto,  é  a  interdependência  entre  os  indivíduos  que  forma  o  sistema  social,  cabendo à comunicação viabilizar essa relação.  Outro  autor  que  ratifica  o  entendimento  de  que  a  comunicação  é  um instrumento para  a  formação   social  é  Beltrão  (1982).  Ele  afirma  que  os  seres humanos, enquanto  seres sociais,  necessitam  de  outros  seres  para  trocar  informações  e  para  alcançar  seus  objetivos.  Essa  relação  que  se  dá  através  da  troca  de  informações,  o  autor  denomina  de  comunicação.  Para  Beltrão  (1982),  somente  a  comunicação  permite  o  entendimento  e  a  coordenação  para  agir,  com  troca  de  informações  que  mantém  a  existência  de   grupo  e  a  participação dos integrantes  na realização dos objetivos definidos. 

 

Berlo  (1960) apresenta três modos através dos quais a comunicação se  relaciona com a  organização  do  sistema  social. Primeiramente, ​ os sistemas sociais se produzem por meio da  4

comunicação ​ ,  ou  seja,  é  a  disponibilidade  da  comunicação  que  possibilita  a relação entre as  pessoas  para  que,   assim,  haja  o  desenvolvimento  social.  Junto  a  isso,  ​ uma  vez  criado  um  5

sistema  social,  ele  determina  a  comunicação  de  seus  membros ​ ,  caracterizando  o  grupo  e  seus  integrantes.  Isto  é,  as  normas  e  a  forma  como  se  organiza  esse  grupo  social  irão  definir  como,  por  que,  para   quem  e  por  quem a comunicação deve ocorrer. Com isso, o integrante de  determinado  grupo  será  reconhecido  como  a  ele  pertencente  pelo  modo  como  se  comunica.  6

Por  fim,  ​ a  comunicação  afeta  o  sistema  social  e  o  sistema  social  afeta  a  comunicação  na  medida  em  que  integrantes  de  determinado  sistema  social  incorporam  em  sua  personalidade  as  características  do  sistema,  tornando­se  semelhantes  entre  si.  Da  mesma  forma,  indivíduos  que  convivem  com  tal  sistema  podem  absorver  suas  características   e  se  juntar  ao  grupo.  Através  dessas  ideias  de  Berlo  (1960), é possível compreender a importância da comunicação  como  viabilizadora  da  relação  entre  indivíduos  e  sua  organização  como  uma  sociedade.  E  é  nesse  aspecto  que  essas  ideias  do  autor  se tornam relevantes para esse  estudo. Considerar que  a  comunicação  interfere ativamente nas relações humanas é importante para a análise que será  feita adiante.  Berlo  (1960)  afirma  ainda  que  os  indivíduos,  aos  se  comunicarem  entre  si,  buscam  afetar  o  ambiente  e  a  si  mesmos,  sempre  esperando  uma  resposta  específica  para  essa  comunicação,  seja  ela  o  compartilhamento  da  crença  em  algo  ou  a realização de determinada  ação.  O  autor  afirma  que,  para  a  ocorrência  dessas  interações  intencionais,  o  indivíduo  está  limitado  a  produção  e  transmissão  de  mensagens.  Essas  mensagens  produzidas  “são  os  produtos  de  comportamentos  relacionados  com  os  estados  internos  das  pessoas.  […]  São  os  produtos  do  homem,  os  resultados  do  seu  esforço   por  codificar  ideias”  (BERLO,  1960,  p.  151). Mensagens são, segundo o autor, ideias representadas através de algum código.  Ainda  segundo  a  perspectiva  desse  autor,  toda  comunicação  evoca  sentidos,  sejam  os  transmitidos  pela  mensagem  do emissor ou os recebidos  pelo emissor, através da resposta que  o  público  emite  ao  recebê­la.  Com  o  intuito  de  afetar  o  público,  o  emissor  compõe  a  mensagem com os símbolos que tenham o sentido que ele tem a intenção de causar. 

 Grifo da autora dessa pesquisa.    Grifo da autora dessa pesquisa.   6  Grifo da autora dessa pesquisa.   4 5

 

Havendo um objetivo a comunicar e uma resposta  a obter, o comunicador espera que  a  sua comunicação  seja a mais  fiel  possível.  Por  fidelidade, queremos  dizer que ele  obterá  o  que  quer.  Um  codificador  de  alta fidelidade é o  que expressa perfeitamente  o  que  a  fonte  quer  dizer.  Um  decodificador  de  alta  fidelidade  é  o  que  traduz  a  mensagem para o recebedor com tal exatidão. (BERLO, 1960, p. 43). 

Ou  seja,  para  o  autor,  ao  se  comunicar,  um  indivíduo  está  transmitindo  uma  mensagem,  uma  ideia,  e  possui  uma  intenção  com  isso:  espera  que  essa  ideia  seja  compreendida  para  que  ele  atinja,  assim,  seu  objetivo  inicial.  Para  o  atendimento do objetivo  inicial,  é  preciso  então  a  interpretação  do  que  se  quer  dizer  na  mensagem  transmitida,  bem  como a fidelidade da sua compreensão com relação ao que se queria que fosse compreendido.  Dessa  maneira,  Berlo  (1960)  esclarece  como  a  construção   da  mensagem  —  desde  a  escolha  do  código  para  a  transmissão  da  mensagem,  a  definição  do  objetivo  que  se  tem  ao  comunicar,  até  a  confirmação  de  que  houve  o entendimento da mensagem — contribui para a  realização  do  objetivo  inicial da comunicação. Visto que toda comunicação tem um sentido, o  entendimento  fiel  desse  sentido  é  essencial  para  que  o  emissor  alcance  seu  propósito  com  a  fala.  Beltrão  (1982,  p.  85)  cita,  porém,  que  conhecer  as  linguagens  utilizadas   pelo  homem  não define a finalidade sobre seu uso e significado. Para o autor,  A  comunicação  cultural  é   um   fenômeno  demasiado  complexo  para  ser  aprendido  apenas  com  regras  e  dicionários:  os  modos  de   pensar  e  agir  dos   indivíduos  e  coletividades, suas tradições e as influências  que  recebem  as circunstâncias  em que  vivem  em  determinado  momento   e  seu  estado  psicológico  alteram  usos  e  significações.  Por  isso,  não  é  suficiente  que  o  comunicador  conheça  o  sistema  de  signos  de  cada  linguagem,  mas  que  se  traduzam  no  discurso,  ou  seja,   em  uma  configuração de signos utilizados na emissão de mensagens simbólicas. 

Isto  é,  para  a  construção  de  uma  mensagem  e  o  entendimento  dela  pelo  ouvinte  do  modo  como  o  emissor  deseja,  necessita­se  da  compreensão  não só dos elementos linguísticos  —  como  as  letras  e  as  palavras  —  mas,  também, dos seus significados simbólicos. A cultura,  os  pensamentos,  as  crenças,  a  realidade  de  vida,  enfim,  todo contexto em que foi produzida e  no qual foi recebida, pode influenciar a mensagem e sua compreensão.  A  linha  de  estudos  que  busca  compreender  a  construção de sentidos de mensagens é a  Análise  de  Discurso  (AD).  Orlandi   (2007)  afirma  que,  das  inúmeras  maneiras  de  estudo  da  linguagem  e  sua  significação  —  como,  por  exemplo,  o  entendimento da língua como sistema  de  signos  ou  a  própria  gramática  —  surgiu  o  interesse  de  estudiosos  pelo  discurso.  A  AD  possui  muitas  definições  e,  tradicionalmente,  pode  ser  compreendida  por  duas  grandes 

 

influências:  a  francesa  e  a  inglesa.  A  diferenciação  entre  as  duas  linhas  será  abordada   no   capítulo  de  Análise   de  Discurso.   Nesse  momento,  é  fundamental  compreender  apenas  que  a  AD  Trabalha  com  o  sentido  e  não  com   o  conteúdo  do  texto,  um  sentido  que  não  é  traduzido,  mas  produzido;  pode­se  afirmar   que  o  corpus  da  AD  é constituído  pela  seguinte  formulação:  ideologia  +  história  +  linguagem.  A  ideologia  é  entendida  como o  posicionamento do  sujeito  quando  se  filia  a  um  discurso,  sendo  o  processo  de  constituição  do  imaginário  que  está  no  inconsciente,  ou seja, o  sistema de ideias  que  constitui  a  representação;  a  história  representa  o  contexto  sócio  histórico  e  a  linguagem  é  materialidade  do  texto  gerando  ‘pistas’  do  sentido  que  o   sujeito  pretende dar. (CAREGNATO; MUTTI; 2006 p. 680,681). 

Ou  seja,  o  contexto  histórico   em  que  o  discurso  é  escrito  e/ou  proferido,  a mensagem  (sentido  e  ideologia)   que  ele  expressa  e  pretende  disseminar,  e  o modo como essa mensagem  foi  transmitida  (linguagem)  são  os   elementos  considerados  pela  Análise  de  Discurso.  É  a  partir  desses  elementos que  o  discurso de Adolf Hitler — objeto de pesquisa deste trabalho —  será analisado.  A  AD  torna  possível  visualizar  a  relação  prática  entre  língua  e  discurso,  pois  o  discurso  não  é  tido  como uma  liberdade em ato, sem quaisquer condicionantes linguísticos ou  históricos,  assim  como  a  língua  não  é   tida   como  algo  recolhido  em  si,  sem  falhas  ou  equívocos. A língua torna possível a construção do discurso.  Com  base  nisso,  é  possível  extrair  que  a  AD  considera  o  discurso  como  algo  que  contempla  não  só  o  texto  escrito  ou  falado,  mas  sim,  a  enunciação.  Isto  é,  o  momento  único  em  que  os  enunciados  são  produzidos  e  reproduzidos  dentro  de  um  contexto  histórico.  Considera,  também,  o  contexto   em  que  os  interlocutores  do  enunciador  entram  em  contato  com  o  discurso,  uma  vez  que  tal  contexto  influência  diretamente  no  entendimento  dos  sentidos enunciados.   Conforme  Orlandi  (2007,  p.  15),  “a  palavra  discurso,  etimologicamente,  tem  em  si  a  ideia  de  curso,  de  percurso,  de  correr  por,  de  movimento.  O  discurso  é  assim  palavra  em  movimento,  prática  de   linguagem:  com  o  estudo  do  discurso  observa­se  o  homem  falando”.  Ou  seja,  a  linguagem  serve  para  estruturar  o  discurso  e  esse  não  é  algo   fechado  em  si,  mas,  sim, algo em movimento, passível de interferências e influências.  É  fundamental  esclarecer  que  discurso,  nesse  sentido,  não  equivale necessariamente a  texto.  O  texto,  aqui,  é  compreendido  como  uma  unidade  com  início,  meio  e  fim  ou,  como  afirma  Pinto (1999, p. 7), “como formas empíricas do uso da linguagem verbal, oral ou escrita 

 

e/ou  de  outros  sistemas  semióticos  no  interior  de   práticas  sociais  contextualizadas  histórica  e  socialmente”.   O  texto,  portanto,  “deve  ser  coerente,  não  contraditório  e  seu  autor  deve  ser  visível,  colocando­se  na  origem  do  seu  dizer” (ORLANDI, 2007, p. 36). Trata­se, nesse caso,  de  palavras  organizadas  de  acordo  com  regras  textuais,  permitindo  um   sentido  calculável  e a  identificação  do  autor  (enquanto  sujeito),  com  seus  objetivos  e  intenções,  logo  totalmente  distinto da ideia de discurso.  Pinto  (1999)  considera  o  discurso  uma  prática  social.  Para  o  autor,  a  linguagem  utilizada  para  a  construção  do  discurso  faz  parte  de  um  contexto   com  marcas  sociais  e  históricas.  Por  isso,  é  carregada  de  sentidos,  não  servindo  apenas  como  ferramenta  para  a  construção de tal discurso.  Brandão (2012, p. 10) reforça essa formulação ao indicar que:  A  linguagem  enquanto  discurso  não  constitui  um  universo  de  signos  que  serve  apenas  como  instrumento   de  comunicação  ou  suporte  de  pensamento;  a  linguagem  enquanto  discurso  é  interação,  e  um  modo  de  produção  social;  ela  não  é  neutra,  inocente e nem natural, por isso o lugar privilegiado de manifestação de ideologia. 

Dessa  maneira,  discurso  não  é a mensagem puramente transmitida de um emissor para  um receptor, mas sim, uma relação complexa que conta com sujeitos e sentidos condicionados  à  língua  e  à  história.  Nas  palavras  de  Orlandi  (2007,  p.  21),  “o  discurso  é  efeito  de  sentidos  entre  locutores”.  Por  isso,  a  autora  propõe  que na análise de um discurso se deve considerar a  questão  ideológica,   pois  a  língua  se  materializa  na ideologia e a  ideologia se revela na língua.  Conforme  Pêcheux  (1975  ​ apud  ORLANDI,  2007,  p.  17),  “não  há  discurso  sem  sujeito  e não  há  sujeito  sem  ideologia:  o  indivíduo  é  interpelado  em  sujeito  pela  ideologia  e  é  assim  que a  língua  faz  sentido”.  O  discurso  é, portanto, o espaço em que ideologia e língua se relacionam,  permitindo que a língua faça sentido por e para sujeitos.    Fiorin  (2001,  p.  28) explica que “a esse conjunto de ideias, a essas representações  que  servem  para  justificar  e  explicar  a ordem social, as condições de vida do homem e as relações  que  ele  mantém  com  os  outros  homens  são  o  que  comumente  se  chama  ideologia”.  Para  o  autor,  as  ideologias  se formam através da realidade do indivíduo. Realidade essa que, em uma  formação  social,  possui  dois  níveis:  um  de   essência  (profundo)  e  um  de  aparência  (superficial).  A  partir  do  nível  superficial,  para  o  autor,  que  seriam  construídas  as  ideias  de  uma  formação  social.  Essas  ideias  racionalizadas  buscam  explicar  e  justificar  a  realidade  da  perspectiva daquele grupo. 

 

Devido  a  ideologia  se  formar  no  nível  superficial  da  realidade,  explica  Fiorin  (2001),  ela,  algumas  vezes,   pode  ser  considerada  falsa  consciência.  Ela  é  construída  independentemente  da  consciência  dos  agentes  sociais  como  uma  forma  aparente  das  circunstâncias.  Ou seja, a ideologia representa a forma como determinado grupo vê, justifica e  explica  sua  existência.  É,  portanto,  o  conhecimento  daquela  classe  sobre  seu  contexto.  Por  isso,  Fiorin  (2001,  p.  29)  afirma  que  nenhum  conhecimento  é  neutro,  visto  que  sempre  expressa o ponto de vista de uma classe sobre o seu cenário:  Todo  conhecimento  está comprometido  com  os  interesses  sociais.  Esse fato dá uma  dimensão  mais  ampla ao conceito  de ideologia; ela é uma ‘visão de mundo’, ou seja,  o  ponto  de vista  de  uma  classe  social  a  respeito  da  realidade,  a  maneira  como  uma  classe ordena, justifica e explica a ordem social. 

Assim,  para  cada  classe  social  existirá  uma  ideologia,  que  será  construída  conforme  essa  classe  vê  a  realidade  e,  cada  ideologia,  por sua vez,  terá um discurso correspondente. Há  que  se  considerar,  porém, que a ideologia da classe dominante tende a ser também a ideologia  dominante na sociedade.  Fiorin  (2001)  explica  que  as  ideias  que  constroem  a  ideologia  surgem,  em  última  instância,  no  nível  econômico  da  sociedade.  Fatores  como  questões  jurídicas,  filosóficas,  religiosas,  entre  outras,  exercem  também influências nessa construção. Contudo, para o autor,  a  situação  econômica  seria  decisiva  para  a  determinação  da  ideologia  de  determinada  classe,  visto  que  “o  modo  de  produção  determina  as  ideias  e  o  comportamento  dos  homens  e  não  o  contrário”  (FIORIN,   2001,   p.   31).  O  autor  ressalta  que  isso  não  equivale  a  afirmar  que  a  ideologia  é  simplesmente  o  retrato  da  economia,  pois  ela  tem  sua  própria   forma,  regras  e  funcionamento,  a  economia  influência  a  ideologia  de  uma  maneira  mais  complexa,  mais  ampla.   O  discurso  tem  então,  ainda  segundo   Fiorin  (2001),  o  papel  de  materializar  as  formações  ideológicas.   Cada  indivíduo  constrói  seu  discurso  a  partir  dos  discursos  assimilados  durante  toda  a  vida  na  sociedade  na  qual  cresceu.  A  partir  disso,  para  o  autor,  o  discurso  não  é  a  construção  individual  e  livre  do  sujeito  falante:  o  discurso  é  o  “produto  de  relações  sociais,  assimila  uma  ou  várias  formações discursivas, que existem em sua formação  social,  e  as  reproduz  em  seu  discurso”  (FIORIN,  2001,  p.  43).  Assim  sendo,  o  falante  é  o  suporte  do  discurso  (materialização  da  ideologia), enquanto a sua classe é o agente discursivo  (formador do discurso). 

 

Desta  forma,  considerando  as  ideias  apresentadas  neste  subcapítulo,  entende­se  que  a  comunicação  é,   de  fato,  o  que  permite  a  formação  e  convivência  social.  Porém,  a  comunicação  não   se  reduz  à  simples  transmissão  de  mensagem  do  emissor  para  o  receptor,  mas trata­se de um processo que abrange o saber, a história e o contexto do indivíduo.  Já  o  discurso  é  construído  a  partir  da  relação  do  indivíduo  com  aquilo  que  ele  assimilou  da  sua realidade e,  posteriormente, com seus interlocutores. Desse modo, o discurso   traz  em  si  elementos  do  seu  enunciador,  além  de  um  sentido  próprio  criado  a   partir  do  contexto  em  que  é  manifesto.  Tal  sentido  também  é  produzido  pelos  interlocutores  desse  discurso,  ou  seja,  as  pessoas  que   com  ele  se  relacionam,  as  quais  possuem  suas  próprias  histórias e entendimentos do contexto. Esse discurso sempre transmitirá uma ideologia, não só  de  quem  o  enuncia,  mas  também  de  determinada  classe  ou  grupo social. Esses elementos são  a visão de mundo, a ideologia materializada, de todos os envolvidos na comunicação.     

 

 

   

 

 

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS    O  presente  trabalho,  de  natureza  básica  e  método  cientifico  monográfico  (PRODANOV;  FREITAS,  2013),  foi  realizado  de  forma  exploratória  e  qualitativa.  Foram  adotadas,  para   sua  construção,  as  técnicas  de  pesquisa  bibliográfica  e  documental  (GIL,  1994).   Os  resultados  da  pesquisa  bibliográfica  possibilitaram  a  construção  do  embasamento  teórico  e  metodológico   para  os  temas  comunicação,  dominação  legítima  e  discurso.  Além  disso,  a  pesquisa  bibliográfica  contribuiu  para  a  contextualização  sócio­histórica  do  discurso  de  Hitler,  através  do  conhecimento sobre a sua história de vida, sobre a situação da Alemanha  desde  a  1ª  Guerra  Mundial  e  sobre  a  trajetória  política  do  Partido  Nazista.  Já  a  pesquisa  documental  foi  realizada  na  busca  dos  discursos  de  Hitler  transcritos  na  íntegra  e  em  português.  Como  procedimento  teórico­metodológico,  adotou­se  a  Análise  de  Discurso  (AD)  tradicionalmente   francesa,  devido  à  forma  como  essa  perspectiva considera o discurso. Nessa  linha  de  AD,  o  discurso  é  uma  interação  entre  o  enunciador  (sujeito  que  produz e  reproduz o  discurso)  e  seus  interlocutores;  eles  se  relacionam  através  da  construção  de  sentidos,  sendo  influenciados e, ao mesmo tempo, influenciando o contexto.     3.1 ANÁLISE DE DISCURSO    A  Análise  de  Discurso  (AD),  que  é  bastante  antiga  e  contempla  diversas  áreas  do  conhecimento,  possui  muitas  definições.  Porém,  conforme  introduzido  anteriormente,  tradicionalmente   é  conhecida  por  duas  grandes  influências:   a  da  escola francesa e a da escola  inglesa.  A  AD  francesa  “define  os  discursos  como  práticas  sociais determinadas pelo  contexto  sócio­histórico,  mas  que  também   são  parte  constitutivas  daquele  contexto”  (PINTO,  1999,  p.17).  Essa  concepção  articula  a  Linguística  e  a  História,  além  de  tomar  a  ideologia  como  determinante na produção e reprodução de sentidos pelo indivíduo.  Já  a  tradicional  escola  inglesa,  segundo  Pinto  (1999,  p.  17),  propõe  análises  que  “combinam a descrição da estrutura e do funcionamento interno dos textos, com uma tentativa  de  contextualização  um  pouco  limitada  e  utópica".  De acordo  com o autor, nessa perspectiva, 

 

toda  fala  é  uma  forma  de  ação  originária  do  indivíduo, como se esse fosse imune ao contexto  social  histórico.  Além  disso,  compreende  que  o  processo  de  comunicação  se  dá  entre  indivíduos  que  dominam  total  e  conscientemente  as  regras  da  comunicação,  adotando  estratégias para atingir seus objetivos comunicacionais.  Compreende­se,  portanto,  como  principal  diferença  entre  essas   duas  tradições  que  a  análise  inglesa  torna  o  sujeito  enunciador  do  discurso  como  alguém  que  conhece  todas  as  técnicas  de  linguagem  e  que  apenas  transmite  uma  fala,  de  modo   fechado,  sistêmico  e  praticamente  independente  do  contexto.  Já  a  análise  francesa  reconhece  a  interação  entre  enunciador  e  contexto  sócio­histórico,  além  de  defender  que  o  discurso  contribui  para  a  formação social assim como o contexto social contribui para a construção do discurso.  Portanto,  neste  trabalho,   optou­se  pela  Análise  de Discurso tradicionalmente francesa.  Para  Pinto  (1999,  p.  7),  esse  tipo  de  análise  busca  “descrever,  explicar  e  avaliar  criticamente  os  processos  de  produção,  circulação  e  consumo  dos sentidos vinculados àqueles produtos na  sociedade”.  Os  produtos  aos  quais  o  autor  se  refere  são  os  próprios  discursos,  os  quais  constroem  sentidos.  Ou  seja,  quando  se verifica enunciados, entendidos como práticas sociais  efetivadas  através  da  linguagem  e  inseridas  em  um  contexto  sócio­histórico,  faz­se,  na  verdade, uma análise de discursos.   Orlandi  (2007),  por  sua  vez,  entende  que  a  AD  visa  à  compreensão  de  como  objetos  simbólicos  fazem  sentido,  ou  seja,   a  investigação  se  dá  na  busca  da  compreensão  do  sentido  da  mensagem  que  determinado  discurso  evoca,  o  que  vai  além  do  significado  das  palavras  apresentado  pelo  dicionário,  por  exemplo.  É  pelo  sentido  que  o  discurso  manifesta  a   ideologia,  através  dos  objetos  simbólicos  formados pelo contexto sócio­histórico de produção  e  reprodução.  Isso  é  bastante  pertinente  para  a  análise  do  objeto  de  pesquisa  do  presente  trabalho:  um  discurso  político  —  que,  por  si  só,  é  carregado  de  ideologia  e  intenção  —  enunciado em momentos históricos importantes.  Orlandi  (2007)  afirma,  ainda,  que  na  AD  se  busca  por  respostas  a  questões  que  envolvem  concomitantemente  três  áreas  do  conhecimento:  a  Linguística,  o  Materialismo  Histórico  e  a  Psicanálise.  Segundo  a  autora,  com  essas  três  áreas  trabalhando  juntas,  se  rompem fronteiras, pois, a AD  […]  interroga  a  Linguística  pela  historicidade  que  ela  deixa  de  lado,  questiona  o  Materialismo  perguntando  pelo  simbólico  e  se  demarca  da  Psicanálise  pelo  modo 

  como,  considerando  a  historicidade,  trabalha  a  ideologia   como  materialidade  relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 2007, p. 20). 

Ao  tratar  do  estudo  de  enunciações,  Orlandi  (2007)  frisa  dois  aspectos:  as  condições  de  produção  do  discurso  e  o  interdiscurso.  As  condições de produção tangem à construção do  discurso  e  devem  ser  compreendidas  em  seu  contexto  imediato  (ocasião  em  que  o  discurso é  produzido)  e  em  seu  sentido  amplo  (contexto  sócio­histórico  e ideológico). Já o interdiscurso  é  a  memória  discursiva,  ou  seja,  a  ciência  do  sujeito  sobre  o  que  já  foi  dito  acerca  de  determinado tema. Esse conhecimento prévio é o que torna possível ao sujeito a construção de  seu  próprio  discurso.  É  nesse  sentido  que   a  autora  afirma  que  um  discurso  não  tem  início,  meio  e  fim,  pois  se  refere  às  ideias  em  curso,  nas  quais  se  retoma  algo  já  dito  e,  de  alguma  forma, prevê­se o que será dito a respeito dessas ideias futuramente.  A  autora  explica  que,  durante  o  processo  de  investigação,  é  necessário  considerar  alguns elementos do discurso. São eles:  a) Verificar  o que está sendo dito, como está sendo dito, quem o diz, em que contexto  o diz etc.;  b) Observar  as  funções  imaginárias  do  enunciador,  ou  seja,  a  imagem  que  se  tem  do  sujeito  conforme  sua  posição  hierárquica  (por  exemplo,  um  professor,  médico  etc.);  c) Verificar  as  relações  de  sentido  (relação  entre  o  que  já  foi  dito  e  o  que está sendo  dito)  e  as  relações  de  força  (valor  diferenciado  geralmente  atribuído  às  enunciações  de  pessoas  que ocupam diferentes posições em uma hierarquia, como,  por exemplo, o que é dito por um aluno ou por um professor);   d) Considerar  o  chamado  esquecimento  número  dois  relacionado  à  enunciação,  que  fornece  a  ideia  de  que  o  que  está  sendo  dito  só  pode  ser  dito  daquela  forma.  Segundo  a  autora,  é  necessário  desfazer  tal  ilusão.  Para  tanto,  o  analista  deve  comparar a  forma com que o que está sendo dito no discurso analisado se relaciona  com o que já foi dito em outros discursos.  Ainda  a  partir  de  Orlandi  (2007),  entende­se  que  parte  importante  do  processo  explanado  é  a  observação  das  Formações  Discursivas  (FD's)  do  discurso,  isto  é,  das  suas  diversas unidades de sentido.  A  noção  de  formação  discursiva,  ainda   que  polêmica  é   básica  na  Análise  de  Discurso,  pois  permite  compreender  o  processo   de  produção  de  sentidos,  a  sua 

  relação  com  a  ideologia  e  também  dá  ao  analista  a   possibilidade  de  estabelecer  regularidades no funcionamento do discurso (ORLANDI, 2007, p 43). 

As  FD's  são  compostas  pelas  chamadas  Sequências  Discursivas  (SD's).  Maingueneau  (2000)  afirma  que   as  SD's  são  as  unidades  retiradas  da  continuidade  dos  textos,  sendo  que,  para  Courtine  (​ apud  ​ MAINGUENEAU,  ​ 2000),  o  formato  dessas  unidades  varia  conforme  o  tipo  de  análise  realizada.  Segundo  Courtine  (​ apud  ​ MITTMANN​ ,  2007),  as  SD's  são  os  recortes  —  feitos  pelo  analista  —  de  sequências  linguísticas  presentes  no  discurso.  Tais  recortes,  quando relacionados à memória (o que já foi dito), à própria Formação Discursiva na  qual  estão  inseridos  e  às  Formações  Discursivas  do  interdiscurso  apresentam  as  pistas  dos  efeitos de sentido. 

 

  Orlandi  (2007,  p.  67)  sustenta  que  “as  palavras  refletem  sentidos  de  discursos  já  realizados,  imaginados  ou  possíveis.  É  desse  modo  que  a  história  se  faz  presente  na  língua”.  Assim,  o  interdiscurso  também  deve  ser  considerado  nas  FD's,  pois  contribui  para  o  entendimento  da  construção  de  sentido  do  discurso. Outro elemento a ser considerado é o uso   de  metáforas,  isto  é,  o  uso  de  uma  palavra  em  um  contexto  diferente  do  seu  habitual  pela  semelhança  de  seu  significado  a  fim  de  realizar  uma  analogia.  O  uso  dessas  figuras  de  linguagem  é,  também,  relevante  na  análise  da  construção  do  sentido  porque  leva  a  uma  “transferência”  que  estabelece  “como  as  palavras  significam”  (ORLANDI,  2007,  p.  44). Isso  reforça  a  ideia  já  apresentada  de  que  uma  palavra  possui  significados  diferentes  de  acordo  com o seu contexto. Pêcheux (​ apud ​ Orlandi, 2007, p. 44) explica que:  O  sentido  é  sempre  uma  palavra,  uma  expressão  ou  uma  proposição  por  uma  outra  palavra,   uma  outra  expressão  ou  proposição;  e  é  por   esse  relacionamento,  essa  superposição,  essa  transferência  (​ metaphora​ ),  que  elementos  significantes  passam a  se  confrontar,  de   modo  que  se  revestem  de  um  sentido.  [...]  o  sentido  existe  exclusivamente  nas  relações  de  metáfora  (realizadas  em  efeitos  de  substituição,  paráfrases,  formação  de  sinônimos)  das  quais  uma  formação  discursiva vem a  ser  historicamente o lugar mais ou menos provisório. 

Isto  é,  a  relação  dos  elementos  do  discurso  (linguagem,  contexto  e  ideologia)  é  fundamental  para   que  se  interprete  a  sua  construção  de  sentidos.   Essa  relação  é  complexa,  com  idas  e  vindas  em  que  um  elemento  interfere  no  outro,  possibilitando  a  identificação  do  sentido da mensagem de um sujeito.  É  dessa  forma,  portanto,  que  será  realizada  a  análise  do  objeto  de  pesquisa  deste  trabalho:  o  discurso  de  Adolf  Hitler.  Pretende­se,  com  esse  estudo,  identificar  como  a  enunciação de Hitler contribuiu para legitimar a sua dominação sobre os seus ouvintes. 

 

  3.2 COLETA DOS DADOS E CONSTRUÇÃO DO ​ CORPUS​  DE ANÁLISE     Para  a construção do ​ corpus de  análise desta pesquisa, foram elencadas inicialmente as  enunciações  de  Adolf  Hitler  em  dois  momentos  decisivos  para  a  história  da  humanidade:  a  primeira,  de  1933,  ocorreu  quando Hitler chegou à Chancelaria do ​ Reich​ ; a segunda, de 1939,  quando anunciou a invasão à Polônia, que deu início à 2ª Guerra Mundial.  Conforme  citado,  houve  grande  dificuldade  para  a  localização  da  transcrição  dessas  enunciações  em  livros.  Muito  material  foi  encontrado  em  blogs  e  sites  sobre  história  e  curiosidades.  Porém,  a  falta  de  garantias  quanto  a  real  autoria  e  integralidade  de  tais  enunciados,  bem  como  quanto  à  qualidade  das  traduções  feitas  levaram  à  desconsideração  desse material.  A  transcrição  da  referida  enunciação  de  1939  foi  localizada  em  dois  livros  em  português:  ​ Líderes  e  discursos  que  revolucionaram  o  mundo​ ,  de  2010,  da  editora  Universo  dos  Livros/SP  e  ​ Discursos  que  mudaram  a  história​ ,  de  2012,  da  editora Prumo/SP. Porém, o  conteúdo  não  estava  apresentado  em  sua  totalidade.  Os  autores  dessas  obras  fizeram recortes  das  enunciações   dando  destaque  a  frases  de  efeito  proferidas  por  Hitler,  impossibilitando  a  análise  pretendida.  Outro  ponto  é  que,  apesar  dos  dois  títulos  apresentarem  os  mesmos  pronunciamentos,  em  cada  obra  foram  utilizadas  palavras  diferentes,  o  que  sem  dúvida  influência  na  produção  de  sentidos.  Conforme  Orlandi  (2007),  ao  realizar  recortes  do  objeto  de  análise,  o  analista  já  está  realizando  interpretações  dos  sentidos  expressos  no  discurso.  Portanto, os trechos encontrados nos livros mencionados não foram utilizados na análise.  A  busca  por  livros  em  português  que   trouxessem  as transcrições na íntegra continuou,  contudo  sem  sucesso.  Por  sugestão  da  orientadora  deste  trabalho,  viu­se  como  oportuno  transcrever  e  analisar  os  enunciados  presentes  no  documentário  ​ O  Triunfo  da  Vontade​ .   O  filme,  distribuído  no  Brasil  por  Sonopress  Rimo  Indústria  e  Comércio  Fonográfico  S/A,  foi  produzido a pedido de Hitler pela diretora Lei Rienfesthal e registra o 6ª Congresso do Partido  Nazista, em Nuremberg.  De  acordo  com  Frigeri  (2013),  os  caminhos  de  Leni  e  Hitler  se  cruzaram  em  1933,  quando  Leni  lançou  na  Alemanha  seu  filme  ​ A  Luz  Azul​ ,  sobre  alpinismo.  Para  Sontag  (1986  apud  FRIGERI,  2013),  não  há  indícios  de  que  esse  filme  tenha  sido  produzido  para  fins  políticos,  mas  se  acredita  que  o  roteiro  sobre  uma  moça  impetuosa que tentava  escalar o pico 

 

da  montanha  mais  alta   pode  ter  atraído  Hitler.  Considera­se  que  partir   da  história surgia uma  metáfora irresistível de coragem e luta para se chegar ao auge.  Conforme  Bach  (2008  ​ apud  FRIGERI,  2013),  em  maio  de  1934,  Leni  mudou­se  para  Nuremberg  com  o  arquiteto  nazista  Albert  Speer,  visando  organizar  as   filmagens  do  6ª  Congresso  do  Partido  Nazista, que ocorreria em setembro daquele ano. O NSDAP concedeu à  cineasta,  de  acordo  com  Frigeri  (2013),  os  recursos  financeiros  e  todas  as  condições  necessárias  para  realizar  as filmagens, bem como as melhores câmeras profissionais da época,  uma grande equipe de produção e inúmeros figurantes.  Após  o  documentário  ter  sido  assistido  e   com  base  na  pesquisa  sócio­histórica  7

realizada  ao  longo  do  presente  estudo ​ ,  entendeu­se  que  essa  seria uma fonte confiável para a  realização da análise almejada.   O  documentário foi lançado em 1935 e exibido em diversos locais da Alemanha, como  relata Frigeri (2013, p. 600):  De   acordo  com  dados  coletados  no   Museu  ​ Dokumentationszentrum  Reichspasteitagsgelände  ​ (2012),  localizado  na  cidade  de  Nuremberg,  o  ​ Triunfo  da  Vontade  ​ alcançou  mais  pessoas que o  próprio congresso repetido a exaustão poderia  alcançar,  após  28  de  março  de  1935  foi  apresentado  nos  cinemas  de  70  cidades  da  Alemanha,  sempre   precedido  por  uma  grande  cerimônia. A  distribuidora  de  filmes  do  partido  alemão   nacional  socialista  o  usou  para  a  educação  política  e  também  a  exibiu nas escolas, assistir ao filme era obrigatório a todos os alunos.  

Após  o  sucesso  desse  filme,  segundo  Frigeri  (2013),  Leni foi convidada a gravar mais  filmes  para o partido: ​ Dia da Liberdade​ , de 1935, que marca a saída da Alemanha da Liga das  Nações  e  mostra  o  ressurgimento  da  máquina  militar  do  país,  e  ​ Olympia​ ,  de  1938,  que  registrara os Jogos Olímpicos que ocorreram na Alemanha em 1936.  Para  Lenharo  (1995,  p.  59),  ​ O  Triunfo  da  Vontade  foi  um   marco  para a época: “[...] o  cinema  Nazista  não  só   propôs  uma  nova  modalidade  de  filme  de  propaganda,  mas  também  alcançou  um  nível  invejável  de  realização  estética”. O  autor afirma ainda que Leni foi “muito  8

além ​ ”  na  produção  desse  documentário,  considerando  todas  as  cenas  em  que  Hitler  é  mostrado como um deus grandioso e aclamado por seus partidários e pelo povo.  Portanto,  considerando  a  confiabilidade  do  filme bem como a sua relevância histórica,  os  enunciados  apresentados  foram  submetidos  à  análise.  As  filmagens  retratam  Adolf  Hitler 

 A expressão “muito além” foi utilizada significando algo que superou as expectativas.   Muito além, expressão informal, comumente utilizada para algo que superou as expectativas. 

7 8

 

falando  à  Juventude  Hitlerista  em  dois  momentos:  uma  vez  aos  integrantes  da  SA  e  da  SS  e  uma vez para o público em geral.  A  seguir,  no  Quadro  1,  é  descrito  o  ​ corpus  bruto  de  análise,  ou  seja,  a  caracterização  geral  das  enunciações  de  Adolf  Hitler  mostradas  no  documentário  em  ​ O Triunfo da Vontade​ .  Na  sequência,  no  Quadro  2,  são  apresentadas  as  SD’s  retiradas  de  cada  enunciação.  A  transcrição  de  todos  os  pronunciamentos  é  encontrada,  na  íntegra,  ao  final  deste  trabalho  (ANEXO A).   

 

 

  Quadro 1 – ​ Corpus​  bruto de análise 

ENUNCIAÇÃO 

ABREVIAÇÃO 

DESCRIÇÃO 

1 ​ ­ Enunciação de Hitler para  integrantes da Juventude  Hitlerista  

E1 – JH 

Pronunciamento de Hitler para um grupo de  trabalhadores da JH em um campo aberto. Os  jovens estão organizados em formação militar e  uniformizados. No lugar de armas, empunham  enxadas. Hitler fala de um palco extremamente  alto, todo de pedra.  

2 ­ ​ Enunciação de Hitler para  integrantes da Juventude  Hitlerista  

E2 – JH 

Pronunciamento de Hitler para um grupo da JH  em um campo aberto. Os jovens estão  organizados em formação militar e uniformizados.  Naquele momento, não empunham enxadas.  Hitler fala de um palco extremamente alto, todo  de pedra. 

3 ­ ​ Enunciação de Hitler para  o povo em geral 

E3 – PG 

Pronunciamento de Hitler para o povo em geral.  Uma multidão de apoiadores do partido segura  estandartes e marcha em direção ao palco do qual,  a seguir, Hitler fala. Hitler fala de um palco  extremamente alto, todo de pedra. 

4 ­ ​ Enunciação de Hitler para  integrantes da SS e da AS 

E4 ­ SS/AS 

Pronunciamento de Hitler para a SS e SA. Os  integrantes dos dois grupamentos estão  uniformizados, enfileirados e aguardando para  ouvir o ​ Führer​ . Hitler fala de um palco  extremamente alto, todo de pedra. 

 5 ­ ​ Enunciação de Hitler  frente aos participantes do  Congresso do NSDAP 

E5 – PG 

Pronunciamento de Hitler no encerramento do IV  Congresso do Partido Nazista. Todos estão  sentados aguardando o ​ Führer​ , que logo entra no  salão. Em alguns momentos da fala, a plateia  levanta e aplaude muito. Hitler fala de um púlpito  em cima do palco que, ao fundo, apresenta uma  gigantesca suástica. 

Fonte: Elaborado pela autora. 

  Quadro 2 – ​ Corpus​  primário de análise  ENUNCIADO 

E1 ­ JH 

(Continua) 

SD  E nós sabemos que para milhares da nossa população o trabalho  não está longe de ser um conceito que segrega, mas que une a  todos. 

SD 01 

E eu sei que assim como você serve a Alemanha com humildade  hoje, a Alemanha verá em vocês filhos marchando com alegria. 

SD 02 

Por mim e por todo o povo alemão. 

SD 04 

Vocês representam um grande ideal. 

SD 05 

Meus trabalhadores! Pela primeira vez, vocês ficam antes de mim  na lista de chamada. 

SD 06 

 

E, em particular, ninguém irá morar na Alemanha sem que  trabalhe para nosso país. Não há outro emprego. 

SD 07 

A nação inteira será educada por vocês. 

SD 08 

  (continuação) 

ENUNCIADO 

 

E2 ­ JH 

E3 ­ PG 

SD  Esse tempo virá quando nenhum alemão puder ser admitido na  comunidade da nossa gente sem ter primeiro trabalhado como  alguém dela. 

SD 09 

Minha Juventude alemã. Depois de um ano, eu os saúdo aqui  novamente. Hoje, aqui neste lugar, vocês são uma amostra do que  nos cerca na Alemanha inteira. 

SD 10 

E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da  nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças,  arde a mesma paixão que nos guia. 

SD 11 

Nós queremos ser um povo. E vocês meus jovens, são este povo. 

SD 12 

Não queremos mais ver divisões de classes. Vocês não devem  deixar que isso cresça entre vocês.  

SD 13 

Vocês devem suportar privações sem se desintegrarem. 

SD 14 

Independente do que façamos ou criemos hoje, nós morreremos,  mas a Alemanha continuará vivendo em vocês. E quando não  houver mais nada de nós, então vocês devem segurar em seus  punhos as bandeiras que erguemos do nada.  

SD 15 

E sabemos que vocês moças e rapazes alemães estão sendo  incumbidos de tudo que esperamos da Alemanha. 

SD 16 

Queremos que nosso povo permaneça forte. Será difícil, e vocês  próprios devem reforçar isso para os seus jovens. 

SD 17 

E quando a grande coluna do nosso movimento marchar hoje  triunfante pela Alemanha, eu sei que vocês irão aderir à coluna. 

SD 18 

E eu sei que isso não pode ser diferente. Porque vocês são carne da  nossa carne e sangue do nosso sangue. E em suas jovens cabeças,  arde a mesma paixão que nos guia. 

SD 19 

Unidos a nós, vocês não serão excluídos. 

SD 20 

Mas que também seja valente. E vocês devem ser pacíficos....  [Hitler é interrompido por aplausos]. Então, vocês devem ser  pacíficos e corajosos ao mesmo tempo. 

SD 21 

Queremos um dia ver um Reich. E vocês devem lutar por isso. 

SD 22 

Queremos que nossa população seja obediente. E vocês devem  praticar a obediência. Queremos que nosso povo ame a paz, 

SD 23 

Foi à necessidade de nossa gente que nos moveu e que nos trouxe  unida. 

SD 24 

Isso não é compreensível para aqueles que não tiveram infortúnio  semelhante em sua nação. 

SD 25 

 

Tambores virão diante de tambores, bandeiras virão diante de  bandeiras, grupos virão diante de grupos. E, finalmente, a  poderosa coluna desta nação unida conduzirá a nação que um dia  foi dividida. 

SD 26 

O movimento vive. Está em firmes alicerces. 

SD 27 

 

(continuação) 

ENUNCIADO 

 

E4 ­ SS e SA 

SD  Esta é a nossa promessa esta noite. Toda hora, todo dia, pensar  somente na Alemanha, nas pessoas, no ​ Reich​ , na nação alemã e no  povo alemão. 

SD 28 

E enquanto apenas um de nós puder respirar, ele dará sua energia a  este movimento. E o defenderá, assim como nossos camaradas  fizeram no passado. 

SD 29 

Parece­lhes intrigante o que instiga estas centenas de milhares em  conjunto, o que nos leva a aturar necessidade, sofrimento,  privação. Eles não conseguem entender isso como algo que não  seja uma ordem estatal. Eles estão enganados. 

SD 30 

Não é o Estado que nos comanda, e sim nós que comandamos o  Estado. Não é o estado que nos cria, mas nós que criamos nosso  estado. 

SD 31 

Seria pecado se, em alguma ocasião, admitíssemos deixar de fazer  aquilo pelo qual sempre lutamos com tanto trabalho, tanta  preocupação, tanto sacrifício e tanta necessidade. 

SD 32 

Nós não podemos ser desleais com o que nos deu senso e  determinação. 

SD 33 

Nada virá de coisa nenhuma se não for baseada em uma ordem  maior. Essa ordem não nos foi dada por um superior terrestre. Ela  nos foi dada por Deus que criou nosso povo. 

SD 34 

Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa  Alemanha. E devemos continuar unidos por esta Alemanha. 

SD 35 

Entrego a vocês as bandeiras e estandartes, com consciência de  que estou dando para as mãos mais leais da Alemanha. 

SD 36 

Aqueles que acreditam que surgiu uma fissura em nosso  movimento estão enganados. Ele permanece tão firme quanto essa  pedra aqui. Nada na Alemanha irá quebrá­lo. 

SD 37 

Só um louco ou um mentiroso mal intencionado pode achar que eu  ou alguém mais, podemos ter a intenção de destruir o que nós  mesmos construímos durante anos 

SD 38 

Não, meus camaradas, nós estamos unidos em nome da nossa  Alemanha. 

SD 39 

E devemos continuar unidos por esta Alemanha. 

SD 40 

Em tempos passados, vocês provaram lealdade a mim. E em  tempos à frente de nós, não poderá ser e nem será diferente. 

SD 41 

 

E5 ­ PG 

O povo alemão é feliz por saber que as divisões do passado foram  substituídas por um importante modelo que conduz a nação. 

SD 42 

Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e  companheiros de luta. 

SD 43 

Como um partido, tivemos que continuar com a minoria a fim de  mobilizar aqueles com espírito de luta e senso de sacrifício. E  esses nunca foram a maioria, mas sempre a minoria. 

SD 44 

    ENUNCIADO 

 

(continuação) 

SD  Só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido.  

SD 45 

E talvez, a despeito do esplendor deste evento, alguns de vocês se  lembrarão saudosamente dos dias em que foi difícil ser um  Nacional Socialista.  

SD 46 

Quando nosso partido consistia em apenas sete homens, ele  proclamou dois princípios. Primeiro, queria ser um Partido com  projeção mundial. E segundo, queria, sem compromisso,  exclusividade do poder na Alemanha. 

SD 47 

Um símbolo da eternidade. 

SD 48 

permanecerá inalterável em sua doutrina. Duro como aço em sua  organização. Flexível e adaptável em suas táticas. Na sua essência,  contudo, vai parecer­se com uma ordem religiosa. 

SD 49 

Foi mais que isso para centenas de milhares de combatentes. Isto  foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e  companheiros de luta. 

SD 50 

Apenas quando nós, no Partido, usando todo nosso vigor, tivermos  atingido os mais altos ideias Nacionais Socialistas, somente então,  o Partido será um eterno e indestrutível pilar do povo alemão e do  Reich​ . 

SD 51 

Resolvemos guardar a liderança da nação e jamais renunciá­la. 

SD 52 

O partido sempre será a liderança política da gente alemã. 

SD 53 

Nós carregamos o melhor sangue e sabemos disso. 

SD 54 

E com uma dedicação impressionante, o melhor da raça alemã  assumiu a liderança do ​ Reich​ , do povo. E, por causa disso, o povo  aprovou e legitimou essa liderança. 

SD 55 

Porque a ideia e o movimento são a expressão da nossa gente. 

SD 56 

Uma vez, nossos adversários acharam meios, através de  perseguições e proibições, de extirparem os mais débeis elementos  do nosso movimento. Agora, devemos vigiar a nós mesmos e  rejeitar aquele que for mau e, por isso, não tem a ver conosco. 

SD 57 

É nosso desejo, nosso propósito que este Estado e este ​ Reich  devem continuar a existir nos próximos milênios. 

SD 58 

 

Podemos ficar felizes sabendo que esse futuro será totalmente  nosso. 

SD 59 

Neste momento, dezenas de milhares de membros do partido  deixarão a cidade. Enquanto alguns viverão de suas memórias,  outros estarão se preparando para a próxima lista. E novamente as  pessoas virão e irão. 

SD 60 

E estarão determinadas, animadas e inspiradas novamente. 

SD 61 

Haverá apenas uma pequena seção de combatentes ativos. E será  exigido mais deles do que de seus companheiros. Para eles, não  basta declarar simplesmente: “Eu acredito”, mas, de preferência,  prometer: “Eu lutarei.  

SD 62 

 

(Conclusão) 

ENUNCIADO 

 

SD  O objetivo é que todos os alemães se tornem Nacionais Socialistas.  Mas só os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido.  

SD 64 

O VI Congresso do Partido está chegando ao final. Milhões de  alemães de classes diferentes das nossas podem ver isto só como  uma impressionante mostra de poder político.  

SD 65 

Então, nosso Exército glorioso, o poderoso portador das armas da  nossa gente, será ligado à, igualmente tradicional, liderança  política do nosso Partido. Juntos, esses dois corpos instruirão e  fortalecerão o povo alemão. E eles carregarão, em seus ombros, o  Estado alemão e o ​ Reich​ . 

SD 66 

Fonte: Elaborado pela autora 

  A  seguir,  é  descrita   a  composição  do  ​ corpus  ​ final  ​ de  análise,  ou  seja,  as  Sequências  Discursivas  (SD’s)  que,  organizadas  de  acordo  com  o  sentido  que  revelam,  formam   as  Formações  Discursivas  (FD’s)  das  diferentes  enunciações  analisadas.  As  SD’s  são  os  fragmentos  do  discurso  que,  considerando  os  objetivos  deste  trabalho,  mostram­se  como  os  mais  representativos.  Elas  evidenciam  traços  do  contexto  sócio­histórico,  da  ideologia  e  da  dominação que, juntos, permitem observar a construção do sentido das mensagens de Hitler.    Quadro 3 – ​ Corpus ​ de análise secundário 

Formação Discursiva 

SD’s 

FD 1: ​ A Alemanha aos olhos de Hitler 

SD 01; SD 02; SD 24; SD 25; SD 26; SD 39; SD 42. 

FD 2: ​ Os interlocutores (de Adolf Hitler) por Adolf  Hitler 

SD 01; SD 04; SD 05; SD 10; SD 11; SD 41;   SD 43; SD 44; SD 45. 

FD 3: ​ O ​ Führer​  e o NSDAP pela perspectiva de  Adolf Hitler  

SD 06; SD 27; SD 37; SD 38; SD 39; SD 44; SD 46;  SD 47; SD 48; SD 49; SD 50; SD 51; SD 52; SD 53;  SD 54; SD 55; SD 56; SD 57; SD 65. 

FD 4: ​ As promessas de Adolf Hitler 

SD 07; SD 28; SD 58; SD 59; SD 60; SD 61; SD 66. 

 

FD 5: ​ As exigências de Adolf Hitler aos seus  interlocutores 

SD 08; SD 09; SD 12; SD 13; SD 14; SD 15;   SD 16; SD 17; SD 18; SD 19; SD 20; SD 21;   SD 22; SD 23; SD 29; SD 30; SD 31; SD 32;   SD 33; SD 34; SD 40; SD 41; SD 62; SD 63; SD 64. 

Fonte: Elaborado pela autora 

   

 

 

   

 

 

4 A CONSTRUÇÃO DA DOMINAÇÃO LEGÍTIMA ATRAVÉS DO DISCURSO    Neste  capítulo,  são  apresentados  os  resultados  obtidos  na  pesquisa  realizada  sobre  as  enunciações  de  Adolf  Hitler  durante  o  6ª  Congresso  do  Partido  Nazista, em 1934. Para tanto,  inicialmente  as  enunciações  são  contextualizadas  sócio­historicamente,  o  que,  conforme  a  metodologia  de  análise   adotada  é  fundamental  para  a  compreensão  do  sentido  do  discurso.  Depois, é exposta a análise das SD’s elencadas e agrupadas conforme as FD’s apresentadas no  capítulo anterior.    4.1 CONTEXTUALIZAÇÃO SÓCIO­HISTÓRICA    O  presente  subcapítulo  foi  organizado  em  três  momentos.  Primeiramente,  para   esclarecer  como  a  história  de  Adolf  Hitler  e  da  Alemanha  se  cruzaram,  será  exibida  uma   breve  descrição  da  história  de  ambos  desde  a  1ª  Guerra  Mundial  até  1920,  ano  de  entrada de   Hitler  no  Partido  Nazista.   Depois,  traça­se  a  trajetória  de Hitler até  a conquista do poder total  na  Alemanha,  quando,  em   1933,   acumulou  os  cargos  de  ​ Chanceler  ​ e  Presidente  do  país,  instaurando  seu  governo  totalitário.  Finaliza  com  a  descrição  dos  fatos  ocorridos  entre  1934,  ano  em  que  ocorreu  o  6º  Congresso  do  Partido  Nazista,  e  1945,  quando  chega  ao  final  o  governo de Hitler.  Essa  contextualização  foi  embasada  principalmente  pelos  autores  Ian  Kershaw (2010)  e  João  Ribeiro  Jr.  (1991).  Kershaw   foi  professor de História Contemporânea na Universidade  de  Sheffield,  no  Reino  Unido,  da  qual  se  aposentou  em  2008.  Especialista  na  Alemanha  Nazista  escreveu  importantes  obras  sobre  o  assunto  e  foi  consultor  histórico  de  duas  consagradas  séries  de  televisão  sobre  o  tema no canal BBC (CIA DAS LETRAS, 2015). João  Ribeiro  Jr.  é  um  escritor  gaúcho  formado  em  Direito  pela  USP  e  em  História  e  Estudos  Sociais  pela  PUCCAMP.  É  Mestre  em  Filosofia  Social  e  Doutor  em  Filosofia  da  Educação  pela UNICAMP (RIBEIRO JR., 1991).    4.1.1 Hitler e a Alemanha ­­ Como tudo começou    Para  compreender  o  contexto  histórico  das  enunciações  de  Adolf  Hitler,  é  necessário,  inicialmente,  entender  como  a  história  dele  e  da  Alemanha  se  cruzaram.  Portanto,  neste 

 

capítulo  será  retratado  o  início  da  vida  de  Hitler,  mais  precisamente  de  seu  nascimento,  em  1889,  até  o  ano  de  1920,  quando  entrou  para  a  cena  política  alemã.  Simultaneamente,  é  apresentado  um  breve  histórico  da  Alemanha,  em  especial  o  contexto  do  país  no  início  da  1ª  Guerra Mundial, em 1919, e os principais acontecimentos até 1920.  Conforme  Kershaw  (2010),  Adolf  Hitler  nasceu  em  20  de  abril  de  1889,  na  Áustria.  Filho  de  Alois  e  Klara  foi  o  quarto  filho  do  casal,  porém,  o  primeiro  a  sobreviver  à  primeira  infância  —  naquela  época,  eram  comuns  as  mortes  de  bebês.  A  família  tinha  uma  vida  confortável de classe média.  Porém  a  vida  familiar  deixava  a  desejar  em  harmonia   e  felicidade.  Alois  era  o  arquétipo  do  funcionário  público  provinciano:  pomposo, orgulhoso  de  sua  posição  social,  rígido,   destituído  de  humor,  frugal,  pedantemente  pontual  e  devotado  ao  dever.  Era  visto  com  respeito  pela comunidade  local. Mas tinha um mau humor que  podia explodir  de forma  bastante  imprevisível.  Em  casa,  era um marido despótico e  dominador  e  um  pai  severo,  distante   autoritário  e,  com  frequência,  irritadiço.  (KERSHAW, 2010, p. 38). 

Em  contrapartida,  o  autor  afirma  que  todo  o  amor  e  dedicação  que Hitler não recebeu  do  pai,  foi  compensado  pela  mãe.  Ela  era  extremamente  submissa,  dedicada  aos  filhos  e  ao  lar.  A  perda  de  alguns  filhos  a  fizera  sofrer  e,  por  consequência,  dispensava  um  amor,  até  sufocante,  sobre  os  sobreviventes.  Eram  constantes  as  brigas  em  casa, pois o pai autoritário e  mal  humorado  não  suportava  as   peraltices  das  crianças,  sendo  que  Adolf  —  que  sempre  enfrentava o pai — apanhava quase todos os dias (KERSHAW, 2010).  A  família  se  mudava  com  frequência,  porém,  foi  na  cidade  de   Linz  (Áustria),  na qual  chegou  em  1898,  que  criaram  raízes.  Na  escola,  Hitler  tinha  um  mau  desempenho,  era  visto  como  teimoso  e  de  poucos  amigos.  Teve  diversos  conflitos  com  seu  pai  sobre  o  que seguiria  estudando,  o  que  teria  de  profissão, até que, em 1903, o pai de Adolf morreu. Adolf seguiu na  escola  até  1905,  com  desempenho  ruim,  até  que  largou  os  estudos.  Hitler  seguiu  vivendo em  dependência  da  mãe,  escrevendo  poesias,  indo  a  óperas  e  teatros  e,  acima  de  tudo,  sonhando  com  o  seu  futuro  artístico.   Naquela  época,  conforme  conta  Kershaw  (2010),  Hitler  ainda não  se  considerava  antissemita  e  não  há  nenhum  registro  de  que  ele  tivesse  algum  tipo  de  preconceito nesse sentido.    Relata  Kershaw  (2010)  que,  em 1907, a mãe de Hitler faleceu e  ele seguiu para Viena  (Áustria),  iniciando  uma  sequência  de  tentativas  frustradas  de  entrar  na  Escola  de  Artes.  Foram  cinco  anos  morando  na  cidade  sem  trabalho, vivendo da pensão deixada  pela sua mãe.  Durante  aquele  período,  continuou  frequentando  óperas,  teatros  e  museus  e  tentando  ser 

 

aceito  na  Escola  de  Artes.  Quando  o  dinheiro  acabou,  passou  por  sérias  dificuldades,  chegando  a  morar  na  rua  como  indigente  até  chegar   a  um  abrigo  chamado  Lar  dos  Homens,  onde  conseguiu  recuperar  um  pouco  de  dignidade.  Para  se  sustentar,  passou  a  vender  alguns  quadros  pintados  por  ele.  Entretanto,  a  boa  fase  não  durou  muito,  pois  não  trabalhava  com  muito afinco.  Bastante  significativo  é  que,  conforme  Lenharo  (1995),  naquela  época  Viena  era  composta  pelo  proletariado,  uma  minoria  rica  e  inúmeros  intelectuais  e  artistas,  sendo  a  maioria  desses,  pertencentes  à  comunidade  judaica.  Considerada  um  centro  cultural  e  científico,  a   cidade  já  convivia  com  um  forte  antissemitismo,  tema  presente,   inclusive,  na  ideologia  de  dois  importantes  partidos  políticos   da  época:  o  nacionalista  e o socialista cristão  — este último elegeu um de seus membros como prefeito de Viena.  Na  mesma  linha,  Kershaw  (2010)  entende  que,  naquele  período,  Viena  era  o  maior  território  antissemita  da  Europa.  Segundo  o  autor, atitudes como tentar punir relações sexuais  entre  judeus  e  colocá­los  sob  vigilância  no  período  da  Páscoa  —  com  o  objetivo  era  evitar  o  ritual  (inventado  pelos  radicais)  de matança de crianças — eram comuns e frequentes. Lueger  e  Schönerer,  políticos  da  época,  incitavam  o  ódio  aos  judeus  e,  com  isso,  aumentavam  a   popularidade  de  seus  partidos.  Kershaw  (2010)  presume  que  Hitler  tenha  aprendido   alguma  lição nesse sentido.  A  cidade contava com diversas publicações dedicadas ao antissemitismo. Inicialmente,  Hitler não teria se interessado por elas,  Mas  a  subserviência  da  imprensa  dominante  no tratamento da corte dos Habsburgos  e  a  difamação  do Kaiser alemão o  levaram  gradualmente para a linha  ‘mais decente’  e  ‘mais  apetitosa’  do jornal  antissemita ​ Deutches Volksblatt. A crescente admiração  por  Karl  Lueger  ­  ‘o  maior  prefeito  alemão  de  todos  os  tempos’  ­  ajudou a mudar  sua  atitude  em  relação  aos   judeus  ­  ‘minha   maior  transformação  de  todas’.  (KERSHAW, 2010, p. 71). 

O  jornal  antissemita  que  Hitler  elegeu  como  preferido  vendia  55  mil  cópias  por  dia.  No  conteúdo,  destacavam­se  a  responsabilização  dos  judeus  pela  corrupção  e  a  vinculação  deles a escândalos sexuais, prostituições e perversões em geral.  São  dessa  conjuntura  preconceituosa,  de  acordo  com  Kershaw  (2010),  os  registros  do  grande  interesse   de  Hitler  pelo  antissemitismo  e  de  seu  abraço  à  causa,  concordando  com  o  que  a  imprensa  e  a  maioria  da  população  vienense  alegavam  sobre  os  judeus.  A  partir  daí,  Hitler  teria  passado  a   ver  os  judeus  não  como  um  povo  devoto  a  uma  religião,  “mas  [como] 

 

um  povo  em  si mesmo” (KERSHAW, 2010, p. 72). Desse ponto em diante, todas as situações  que  o  desagradavam,  como  a  imprensa  liberal  e  a  prostituição,   eram  vinculadas  aos  judeus.  Para  Hitler,  os  judeus  eram  o  povo  que  mais  fortalecia  a  social  democracia,  logo,  tudo  que  estivesse  ligado  ao  tema  —  líderes  partidários,  sindicalistas,  imprensa  marxista  etc.  —  era  culpa deles.  Além  disso,  naquela  época,   já  era  possível  perceber a disposição de Hitler por  discutir  política, música ou arquitetura:  A política  era um tema frequente de conversa na sala de leitura do Lar dos Homens e  os  ânimos  esquentavam  com  facilidade.  Hitler  participava  ativamente   das  discussões.  Seus  ataques  violentos  aos  social­democratas   causavam  confusão  com  alguns  dos  residentes.  Ele  era  conhecido  por   sua  admiração  por   Schönerer  e  Karl  Hermann  Wolf  (fundador  e  líder  do  Partido Radical  alemão, que tinha sua principal  base  nos  Sudetos).  Também   elogiava  as  realizações  de   Karl  Lueger,  prefeito  de  Viena  e  reformista  social,  mas  antissemita  raivoso.  Quando  não  estava discorrendo   longamente  sobre  política,  Hitler  dissertava para seus camaradas  ­ dispostos a ouvir  ou  não  ­  sobre  as  maravilhas  da  música  de  Wagner  e o brilhantismo dos projetos de   GottfriedSemper  para  os  prédios  monumentais  de  Viena. (KERSHAW, 2010, p. 66,  67). 

O  autor  segue  o  relato  colocando  que,  em  1913,  quando  completou  24  anos  de  idade,  Adolf  Hitler  pode  sacar  a  herança  deixada  pelo  pai.  Foi  então  que  decidiu  ir  para  Munique  (Alemanha)  na   tentativa  de  ingressar  na  Escola  de  Artes  local.  Conforme  Schilling  (1988),  naquele  momento  a  Alemanha  era  um  ​ Reich  ​ (Estado  Nacional  Alemão)  formado  por  25  estados  unificados,  cada  um   com suas constituições, regras eleitorais e economias distintas. O  governo  era  Imperialista  e  exercido  pelo  rei  da  Prússia  ­  maior  estado  em  população  e  extensão  do  ​ Reich​ .  Com   o   título  de  ​ Kaiser  da  Alemanha,  o  governante  possuía  total  poder  sobre  o  Exército,  a Marinha, assuntos estrangeiros, correios, telégrafos, comércio e alfândega.  “O  Imperador  detinha  o  poder  executivo  e  delegava  seus  poderes a um ​ Chanceler do império  (Reichschanceller),  responsável  somente  perante  ele   e  não  perante o Parlamento (​ Reichstag​ )”   (SCHILLING, 1988, p. 12, grifos do autor).  De  acordo  com  Ribeiro  Jr.  (1991),  durante  o  governo  do  Imperador  Guilherme  II  (1888­1918)  surgiram  na  Alemanha  importantes  trabalhos  científicos  e  artísticos,  além   de  o  país  ter  se  tornado  referência  industrial  na  Europa.  Foi  esse  crescimento  do país, somado aos  ideais  prussianos  de  disciplina  e  obediência,  que  incitaram  o  sentimento  de  supremacia 

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nacional,  que  se  constitui  nas  “teses  pangermanistas   (reunião  em  nome  da  raça  de  todos  os  povos  de  origem  germânica).  [...] Teóricos racistas já então solicitam ao Estado que cuide dos  elementos mais válidos da população e extermine os inferiores” (RIBEIRO JR., 1991, p. 12).  Sem  conseguir  ser  aceito   na  Escola  de  Artes  de  Munique  também,  segundo  Kershaw  (2010),  Hitler  alugou  um  quarto  e  passou   a  se  sustentar  através  da  venda  dos  quadros  e  cartões  postais  que  pintava.  Seguiu com seu jeito reservado, recluso e sem amigos. Lia  muito,  normalmente  os  jornais  disponíveis  nos  cafés  que  frequentava  e  os  livros  retirados  na  Biblioteca  do  Estado  e  Corte  Real.  Conforme  o  autor,  o  único  contato que tinha com pessoas  era  as  discussões  em  cafés  e  cervejarias  sobre  temas  políticos,  expressando  suas  fervorosas  opiniões. Até que, em 1914, um fato mudaria a sua rotina:  No  domingo,  28  de  junho  de  1914,  veio  a  sensacional  notícia  do  assassinato  do  herdeiro  do trono austríaco, o arquiduque Francisco Ferdinando, e de sua esposa, em  Saravejo.  Como   outros  países  da  Europa,  a  Alemanha   foi  tomada   pela  febre  da  guerra.  No  início  de   agosto,  o  continente  já   estava  mergulhado  no  conflito.   (KERSHAW, 2010, p. 85). 

Navarro  (2014)  afirma  que  a  morte  de  Francisco Ferdinando foi, de fato, o estopim da  1ª  Guerra  Mundial,  mas  que  não  foi  o  único  motivo  para  que  ela  acontecesse.  Para  ele,  esse  acontecimento  foi  a  justificativa  que  faltava  para  vários  países  da  Europa  acertarem  antigas  questões,  como  disputas  de  território  e  diferenças  políticas, por exemplo. Instaurada a guerra,  ficaram  de  um  lado  os  Aliados  (Inglaterra,  França,  Itália,  Estados Unidos, Sérvia e Rússia) e,  do  outro,  os  Impérios  Centrais  (Alemanha,  Bulgária  e  os  Impérios  Austro­Húngaro  e  Turco­Otomano).  O  sentimento  de apoio à  guerra, conforme relata Ribeiro Jr. (1991, p. 13), tomou conta  de  toda  a  Alemanha,   pois  a  ideologia  militarista,  que  era forte na época do Segundo ​ Reich do  Kaiser​  Guilherme II,  Apresentava  a   guerra   como  uma  realidade  indiscutível,  um   destino  herdado  que  acorrentava  cada  indivíduo à  nação, quer ele quisesse ou não.  A guerra oferecia uma  interrupção na  monotonia  rotineira,  um  inimigo  a  odiar  e  uma  causa  a  defender, ou  seja,  livre  campo  para  todos  os sentimentos  militaristas  e  heroicos reprimidos  pela   sociedade europeia do século XIX. 

Conforme  Kershaw  (2010),  já  aos  25  anos  de  idade,  Hitler  já  não  tinha  família,  profissão  ou  amigos,  apenas  colecionava  fracassos  nas  tentativas  de  ingressar  em  Escolas  de  Magalhães (1998  ​ apud  ​ MENDES, 2009) afirma  que o  Pangermanismo  é  uma  forma  de  nacionalismo em nível   macro  e  que  um  de  seus  principais  objetivos  era expandir  a  nacionalidade  alemã  aos  alemães  espalhados  pelo  exterior, visando manter nessas colônias a cultura e a língua alemã como língua oficial.  9

 

Artes  e  acalentava  o  sonho  de  se  tornar  um  grande  arquiteto.  A   guerra  teria  dado  a  ele  a  possibilidade  de  defender   uma  causa,  um  compromisso,  um  emprego.  Junto  a  isso,  desde  a  juventude,  Hitler  admirou  a  cultura, a arquitetura, a música, a arte e a literatura alemã. Apesar  de  austríaco,  ao  chegar  a  Berlim,  em  1913,  sentiu  que ali era  o  seu lugar, que estava em casa.  A  chance  de  defender  o  país  que  tanto  admirava  foi  para  ele,  naquele  momento,  uma  oportunidade  para  traçar  uma  missão  na  vida  (KERSHAW,  2010). Assim, em 1914, Hitler se  alistou  no  Exército  alemão.  Atuou na 1ª Guerra Mundial como um mensageiro totalmente fiel  e  compenetrado.  Nos   momentos junto dos demais soldados, seguiu sua rotina de discursar por  horas  sobre  os  temas  que  mais  lhe  causavam  empolgação:  judeus,  pureza  ariana  e  a  força  da  Alemanha (KERSHAW, 2010).  Segundo  Ribeiro  Jr.  (1991,  p.  15), quando os Aliados iniciaram a ofensiva final contra  a  Alemanha,  em  novembro  de 1918, o Alto Comando Alemão decidiu negociar um armistício  na tentativa de impedir uma total destruição. Porém, após a tomada dessa decisão, espalhou­se  a informação de que o principal motivo da rendição alemã era a preservação do Exército e não  do  povo,  o  que  causou  fortes  revoltas  por  todo  o  país.  Kershaw  (2010)  narra  que  foi  criado,  então,  o  chamado  Conselho  Nacional  provisório,  liderado  por  sociais­democratas  do  SPD  (Partido  Social  Democrático  da  Alemanha)  e  radicalistas  do  partido  USPD  (Partido  Social  Democrata  Independente  da  Alemanha).  O  Ministro  Presidente  escolhido  para  liderar  tal  Conselho foi o judeu e socialista radical de esquerda Kurt Eisner.  Segundo  o  autor,  o  assassinato  de  Eisner  por  um  estudante  ex­oficial  aristocrata,  em  1919,  estabeleceu  o  caos no país, que chegou a uma quase anarquia. Isso porque, com a morte  do  Ministro  Presidente,  a  USPD  e  anarquistas  proclamaram  a  ​ Räterepublik  (República  dos  Conselhos)  na  Baviera,  região sudeste do país. Eles alegavam que ou os comunistas tomariam  o  poder  ou  a  “verdadeira”  ​ Räterepublik​ ­  um  governo  estilo  soviético   ­  seria  instaurada  na  Baviera.  Naquele  mesmo  ano,  por  conta  de  um  ataque  de  gás  mostarda  que  o  deixou  provisoriamente  sem  visão,   Hitler  precisou  sair  das  trincheiras  para  ser  atendido  em  hospital  de  Berlim.  Ainda  hospitalizado,  ouviu  pelo  rádio a notícia da derrota alemã no confronto e da  assinatura  do  Tratado  de  Versalhes,  documento  que  formalizava   a  derrota da Alemanha na 1ª  Guerra  Mundial  e  colocava  algumas  regras  que  o  país  deveria  seguir  dali  em  diante.  Recuperado  do  acidente  e  recém­chegado   de  volta  a  Munique,  Hitler  se  viu  sem  vínculos  ou  emprego.  Aos  trinta  anos  de  idade,  aceitou  seguir  trabalhando  para  o  Exército  ­  naquele 

  momento,  ainda  liderado   pela  República  dos  Conselhos  (​ Räterepublik​ )  ­  por  um  pequeno  salário, mas principalmente por moradia e alimentação (KERSHAW, 2010).  Inicialmente,  ainda  conforme  Kershaw  (2010),  Hitler  realizou  alguns  trabalhos  por  curtos  períodos.  Atuou  como  auxiliar  na  vigia  no  ​ Traunstein  (campo  de  prisioneiros  de  guerra)  e  na estação central de trem ​ Hauptbanhof para manter a ordem entre os que chegavam  e  partiam.  Cooperou  com o departamento de propaganda do governo socialista para transmitir  material educacional aos soldados.  Logo após declarada a  ​ Räterepublik​ , os conselhos de soldados realizaram eleições para  eleger  representantes  dos  quartéis,  a  fim  de  garantir que o exército se mantivesse fiel ao novo  regime.  Hitler  foi   eleito  Vice­Presidente  do  seu  quartel.  Isso,  para  o  autor,  prova  que  Hitler  não  só  participou  da  ​ Räterepublik  como  também  foi  um  de  seus  representantes.  Apesar  de  contraditório,  Kershaw   (2010,  p.  105)  conclui  que  esse  apoio  inicial  de  Hitler  aos  sociais­democratas  representou  “um  ajuste  oportuno  que não traía nenhuma de suas simpatias  pangermanistas nacionalistas” frente aos homens que trabalhavam próximos a ele.  Em  maio  de 1919, segundo o autor,  a direita  radical conseguiu vencer  a ​ Räterepublik e  toda  a  violência  utilizada  para retirar­lhe o poder foi justificada como uma resposta legítima à  10

ameaça  e  ao  perigo  do  bolchevismo ​ .  O  período  da  ​ Räterepublik  ​ foi  marcado  por  pouca  liberdade,  falta  de  comida,  imprensa  censurada,  greve  geral  e  caos  generalizados.  “Ela  [a  Räterepublik​ ]  durou  pouco  mais  de  quinze  dias,  mas  acabou em violência, sangue e profunda  recriminação,   impondo  um  legado  funesto  ao  clima  político  bávaro”  (KERSHAW,  2010,  p.  101).  Kershaw  (2010)  sustenta  que  a  vinculação  da  imagem  dos  bolcheviques  e  dos  judeus  às  desgraças   da  população  há  muito  já  se  dava  na  Áustria.  Por  conta  dos  acontecimentos  horríveis  daquele  período,   o   mesmo  passou  a  ocorrer  na  Alemanha  e   no   restante  da  Europa.  Quando  o  socialismo  de  esquerda  foi  derrotado  de  vez,  a  Baviera  era  conservadora  e  encantava  extremistas  de  direita.  Kershaw  (2010,  p.  20)  resume   o   momento  e  o que o sucede 

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A  palavra  bolchevique  significa  “maioria”  no  idioma  russo.  Essa  palavra  passou  a  ser usada,  no começo  do  século  XX, para  designar os  integrantes  mais  radicais do  POSDR (Partido Operário Social  ­ Democrata Russo).  Esse  partido  foi  fundado em 1898 e  se opunha ao regime czarista de Nicolau II na Rússia. Os bolcheviques eram  favoráveis   a  uma  mudança  radical  na  Rússia,  com  a  queda  do  czarismo  e  implantação  da  ditadura  do  proletariado, através  de  uma  revolução  comunista. Para  eles,  o  novo governo  russo,  pós  ­ revolução deveria  ser  composto  por   uma   união  entre  os  operários  e  os  camponeses.  Sua  pesquisa.com.  Disponível  em:   Acessado em: 03 set. 2015. 

 

como  “circunstâncias  de  uma  sociedade  alemã  traumatizada por uma guerra perdida, levantes  revolucionários, instabilidade política, miséria econômica e crise cultural”.  Ribeiro  Jr.  (1991)  conta  que,  após  a  queda  da  ​ Räterepublik,  foi  instaurada  no  país  a  república,  liderada  pela  Coligação de Weimar. Tal  associação era formada pelo Partido  Social   Democrata,  Partido  do  Centro  Católico  e  Partido  Democrata  Alemão.  Foi  durante  o  governo  da Coligação que o Tratado de Versalhes foi assinado, em junho de 1919.  O  Tratado  de  Versalhes,   que  tinha  200  páginas  e  440  artigos,  fez  com  que  a  Alemanha  perdesse cerca  de  13,5%  de  seu  território  e  potencial  econômico e quase  10%  de  sua  população;  estabeleceu que  o  exército  alemão  não  poderia  ter  mais  de  100.000  homens  entre  oficiais  e   soldados,   e  a  marinha  ficaria  com  15.000.  Não  haveria  força   aérea  alemã;  seria  abolido  o  Estado­Maior  e  não  haveria  Escola  de  Guerra, ficando também proibida a conscrição militar. (RIBEIRO JR., 1991, p. 21). 

Dessa  forma,  entende­se  que,  no  momento  em  que  enfrentava   a  sua  derrota  na  1º  Guerra,  a   Alemanha  tomou  o  Tratado  de  Versalhes  como  uma  importante   barreira  à  sua  reconstrução.  Por  isso,  a  assinatura  de  tal  acordo aumentou o descontentamento do povo com  o governo, que não mostrava força para resolver a crítica situação do país.  Conforme  relembra  Bercovici  (2003,  p.  11),  após  o  término  da  1ª  Guerra  Mundial,  surgiram  na  Alemanha  diversas  Constituições  que tinham como objetivo comum “estabelecer  uma  democracia  social,  abrangendo  os  dispositivos  sobre  a  ordem  econômica  e  social,  família,  educação  e  cultura,  bem  como  instituindo  a  função  social  da  propriedade”.  A  mais  importante  dessas  Constituições,  e  a   que  influenciou  todas  as  outras,  foi  Constituição  de  11

Weimar ​ .  Segundo  Ribeiro   Jr.  (1991),  essa  constituição  foi  um  grande  feito  para  o  país,  porém,  os  governos  que  se  formaram  não  tinham  autoridade  o  suficiente  para  evitar  a  resistência  da  população  em  aceitar  a  suspensão  das  tradições  autoritárias  do  Imperialismo  existentes  antes  da  guerra.  Além  disso,  o  povo  responsabilizava  a  República  recém  formada  pela derrota na guerra.  Ainda  naquela  conjuntura,  o  governo  republicano  —  incentivado  por  grandes  industriários  e proprietários de terras que ainda não estavam sentindo muito a crise econômica  do  país  —  concordou  com  a  queda  do  ​ marco (atual moeda do país). A proposta era dispensar  o  Estado  da  dívida  pública  e  boicotar  financeiramente  os  franceses,  que  haviam  ocupado  a  região  industrial  no  ​ Ruhr  ​ (após  a  derrota  na  Guerra).  O  autor  afirma   que,  frente  àquela  11

De   acordo  com  Ribeiro  Jr.  (1991,  p.  121),  essa  Constituição  foi  “[…]  chamada  de  Weimar,   porque   a  Assembleia  Nacional  Constituinte  reuniu­se  na  pequena  cidade  de  Weimar,  longe  do   agitado  proletariado  de  Berlim.  […]   Elaborada   pelo   jurista  judeu  Hugo  Preuss,  é  promulgada,  instaurando­se  na  Alemanha  uma  república democrática, federativa, parlamentar”.  

 

situação,  “nacionalismo  alemão  começa  a  pregar  contra  o  internacionalismo  do  capitalismo  burguês  e contra o internacionalismo comunista, atrás dos quais se vislumbram a presença dos  judeus” (RIBEIRO JR., 1991, p. 21).  O  Exército,  por  sua  vez  ­  agora  liderado  pelos  generais  de  direita  que  derrotaram  a  República  dos  Conselhos  ­,  criou  um  Departamento  da  Informação  com  o  objetivo de educar  os  soldados  da  forma  “correta”,  ou  seja,  baseada  no  nacionalismo  anti­bolchevique.  O  departamento  criou  cursos  de  oratória  visando preparar os membros  importantes de sua  tropa,  “que  permaneceriam  por  tempo  considerável  no  Exército  e  funcionariam  como  agentes  de  propaganda  com  qualidades  de  persuasão  capazes  de  anular  as  ideias  subversivas”  (KERSHAW, 2010, p. 106).  A  organização  das  diversas  palestras  anti­bolcheviques  ficou  sob  responsabilidade  do  capitão  Karl  Mayr.  Mayr  era  não  só  um  importante  capitão  do  Exército,  era  também  um  financiador  de  partidos   políticos,  organizações  e  publicações  de cunho patriótico, além de ser  organizador  de   diversos  cursos  educativos  para  ensinar ideologias e pensamentos políticos.  O  capitão  conheceu  Hitler  dentro do Exército, logo após o fim da revolução e identificou nele as  características  do  bom  orador  que  ele  buscava  para  ministrar  seus  cursos.  Mayr  convidou  Hitler,  então,  para   fazer  parte  do  Departamento  de  Informação.  Hitler  aceitou  e,   por  conta  disso,  pela  primeira  vez  começou  a  receber  uma  educação  política.  Mayr  teria  escolhido  as  palestras  que  Hitler  ouviria,  todas  de  oradores  importantes  de  Munique.  Após  as  palestras,  Hitler  falava  para  um  grupo  de  colegas,  demonstrando  suas  ideias  de  forma  firme  e  apaixonada.  Os  palestrantes  perceberam  como  Hitler  se  sobressaia  perante  os demais colegas  e  contaram  a  Mayr,  que  o  escolheu  para  a  primeira  turma  de  instrutores  do  Departamento de  Informação (KERSAHW, 2010).  Adolf  Hitler  começou  assim,  portanto,  seu  trabalho  de  instrutor,  o  que  lhe  rendeu  prestígio  e  destaque  dentro  do  Exército.  Sua  capacidade  de  convencer  e  mobilizar  seus  ouvintes  sobre  aquilo  que  falava  passou  a  ser  reconhecida  não  só  no  Exército,  mas  também,  pelo  público  em  geral  em  cervejarias  e  pequenos  comícios.  Sua  fama  de  excelente  orador  resultou  em  convites  para  atuar  na  política.  Entre  os  convites  recebidos,   esteve  o  do  Presidente  do  Partido  dos  Trabalhadores  Alemães  (DAP),  Anton  Drexler.  O  DAP  surgiu  do  Comitê dos Trabalhadores para uma Boa Paz, que organizavam reuniões lideradas por Drexler  ­  um  serralheiro,  nacionalista  e racista ­ para tentar causar na classe operária de Munique uma  motivação para os esforços de guerra (KERSHAW, 2010). 

 

  Kershaw  (2010)  afirma que, em setembro de 1919, Hitler aceitou afiliar­se ao partido.  Deu  início,  assim,  à  sua  grandiosa  e  catastrófica  trajetória  política,  sempre  marcada  por  discursos  longos  e  fortes,  capazes  de  mobilizar  e  atrair  apoiadores  para  as  suas  mais  insanas  ideias.  As  citações  que  seguem  mostram  algumas  características   daqueles  discursos,  bem  como da performance de Hitler como orador:    Hitler  falava a  partir  de anotações  simples, em geral  uma série de tópicos rabiscados  com  palavras­chave  sublinhadas. Via de regra, um discurso durava em torno de duas  horas  ou  mais.  No  Festival  da  Hofbräuhaus,  usou  uma  mesa  como  plataforma  em  uma  das longas  laterais  do  salão para ficar  no  meio  da plateia  —  uma técnica nova  que  ajudava  a  criar  o  que  ele  chamava  de  ‘clima  especial’  no  salão  (KERSHAW,  2010, p. 123, 124).  Ele  era,  sobretudo,  um  ator  consumado.  Isso   se  aplicava  certamente  às   ocasiões  encenadas  —  as  entradas  atrasadas  no  salão  lotado,  a construção  cuidadosa de seus  discursos,  a  escolha  de frases pitorescas, os gestos e linguagem corporal. Seu talento  natural  era  controlado  por  habilidades  de  encenação  bem  afiadas.  Uma  pausa  no  começo  para  permitir  que   a  tensão   aumentasse;  um  início  em  tom  menor,  até  hesitante;  ondulações  e variações da dicção, por certo não melodiosas, mas vívidas e  12 13 muito  expressivas;  irrupções  quase  staccato   de frases,  seguidas  por  ​ rallentandos   bem  calculados  por  expor  a  ênfase  num  ponto  essencial;  uso  teatral  das  mãos  à  medida  que  o  discurso   ganhava  um  crescendo;  graça  sarcástica  dirigida  contra  os  adversários:  tudo  isso  eram  recursos  cuidadosamente  cultivados   para  maximizar  o  efeito (KERSHAW, 2010, p. 207). 

  Tendo  Hitler  como  orador,   o   Partido  dos  Trabalhadores  Alemães  começou  a  crescer,  colocando­se,  definitivamente,  no  mapa  político  de  Munique  em  1920.  Poucos  meses  após  entrar  para  o partido, Hitler já era o braço direito de Drexler: ajudou o fundador na construção  dos  25  pontos  do  programa  do  partido  e  na  mudança  do  nome  do  partido  para  NSDAP  14

(Partido  Nacional­Socialista   dos  Trabalhadores  Alemães) ­ nome que representavam melhor  os  ideais  do  grupo.  Enquanto  isso,  Adolf  Hitler  levava  a  vida  entre  a  política  e  palestras  no  serviço  militar,  mas  o  povo  o  reconhecia  como  o  próprio  NSDAP.  Entretanto,  naquele  momento,  o  partido  ainda  se  tratava  de  um  movimento  local,  sem  forças  em  comparação  a  outros partidos socialistas e católicos já consolidados na época (KERSHAW, 2010). 

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  Staccato,  advérbio  relativo  à  música  que  “designa  que   o  trecho  deve ser  executado  destacando  nitidamente  cada  nota”  (MICHAELIS,  2015).  Disponível   em:   .  Acessado em 20 set. 2015.  13   Palavra  italiana  que  significa:  parando  pouco   a  pouco.  InFormal,  Dicionário  Online.  Disponível:  <   http://www.dicionarioinformal.com.br/rallentando/>. Acessado em 03 out. 2015.   14   De   acordo  com  REIS  (2006),  o  nacional  socialismo  que   embasava  o  nazismo  era  o  mesmo  criado  por  Ferdinand  Lassale,  no  século  XIX.  Lassale  inspirava­se  em  Fichte  e  defendia  a  necessidade  do  socialismo,  porém  apenas  dentro  do território  nacional.  Ele  queria  um socialismo moral, no qual o homem seria livre  e tudo  o que fosse produzido no país seria divido com os compatriotas. 

 

Essa  foi,  portanto, a trajetória da vida de Hitler até sua entrada na  política. Hitler trazia  um  discurso  convicto,  bem  articulado  e  cheio  de  vigor,  além  de  promessas  calcadas na união  do povo e na valorização da raça alemã. Considerando tudo isso e a realidade da Alemanha no  momento  em  que  ganhou  destaque  político,  entende­se  que  o  NSDAP  parecia  uma  solução  atrativa à população.  Levando  em  conta  que  Hitler  veio  de  uma  família  liderada  por  um  pai  autoritário,  disciplinador  e  frio  e,  por  outro  lado,  por  uma  mãe  que sufocava os filhos de amor e regalias,  é  possível  supor  que  ele  sofresse  de  algum  tipo  de  desequilíbrio  emocional.  As  frustrações  pelas  quais  passou  durante  a  adolescência  e  juventude,  bem  como  a  morte  dos  pais  quando  ainda  jovem,  podem  ter  contribuindo  para  sua  maneira  solitária  e  extremamente  racional  de  levar  a  vida.  A  vida  vazia,  sem  amigos  ou afeto, pode ter contribuído também para que Hitler  visse  no  alistamento  militar  e,   depois,  na  entrada  para  a  política,  a grande chance de se sentir  valorizado.  Isto  é,  a  partir  dos  estudos  feitos,  depreende­se  que  a  frieza  de  Hitler  foi  construída  com  o  passar  dos  anos  tendo  como  fundamento  esses  aspectos  de  sua  trajetória.   Além  disso,  o  incondicional  interesse   e  admiração  de  Hitler  pelas  artes  plásticas,  música  clássica  e  literatura  revelam  que,  contraditoriamente,  ele  também  apresentava  alguma  sensibilidade.  A descoberta  da sua qualidade como orador lhe deu mais do que a  oportunidade  de  seguir  carreira  política,  deu­lhe  uma  razão  de  vida.  Uma  forma  de  defender  os  ideais  que  acreditava desde a juventude.     4.1.2 A trajetória política de Hitler    Dando  sequência  ao  relato  da  trajetória  de  vida  de  Hitler,  ainda  com  o  objetivo  de  compreender   o   contexto  das suas  enunciações, cabe aqui  apresentar o seu percurso político do  ano  de  1920,  quando  entrou  no  partido   NSDAP  (Partido   Nacional­Socialista  dos  Trabalhadores Alemães), até o ano de 1934, quando alcançou o poder total da Alemanha.  Conforme  Kershaw  (2010),  em  fevereiro  de  1921,  Hitler  fez  seu  primeiro  grande  discurso  no  partido  NSDAP.  Frente  às  duas  mil  pessoas  presentes,  Hitler  falou  em  tom  agressivo  e  com  linguagem  expressiva.  Ele  apresentou  os  25  pontos  do  partido  Nazista  e  anunciou  “sob  uma tempestade  de aplausos, aquele que viria a ser o slogan do partido: ‘Nosso   lema  é  somente  a luta. Seguiremos nosso caminho inabalável para nossa meta’” (KERSHAW,  2010,  p.  121).  O  apoio  do  povo  não  foi  total,  nem  imediato,  pois  ainda  havia  muitos 

 

revolucionários  e  seguidores  da  oposição  comunista  e  democrática,  espalhados  pelo  país.  Porém,  já  era  claro  que  os  comícios  do  partido  reuniam  muitas  pessoas  e  que,  assim  como  queriam  seus  organizadores,  causavam  confusões  e  discussões.  A  finalidade,  naquele  momento, era chamar o máximo a atenção para o partido.  Por  conta  daqueles  eventos  —  de  acordo  com  Kershaw  (2010),  cada  vez  mais  populosos  e  tumultuados  —,  em  agosto  de  1921  foi organizado um esquadrão de proteção do  salão.  O  esquadrão  acabou  se  tornando  a  Tropa  de  Choque  (​ Sturmabteilung​ ),  popularmente  conhecida  como  a   SA.  Ribeiro  Jr.   (1991)  explica  que  a  SA,  uma  organização  paramilitar  liderada  por  Ernest  Röhm,  foi  uma  forte aliada na disseminação da ideologia  Nazista, criando  e mantendo o ambiente de terror e violência ao atacar judeus e comunistas.  Segundo  Kershaw  (2010),  o  partido  contava  com  padrinhos  e  patrocinadores,  mas  como  o investimento em propaganda e  em comícios era muito alto, o valor arrecadado não era  o  suficiente,  fazendo  com  que  as  dívidas  se  acumulassem.  Em  1921,  o  Partido  Socialista  Alemão  (DSP)  —  que  há  muito  já  vinha  observando  Hitler  e  realizando  ofertas  de  união  —  aproveitou  para  intensificar  as  propostas.  Hitler  era  totalmente  contra,  pois  não  concordava  com os ideais daquele partido.  Naquele  mesmo  período,  conforme  o  autor,  ganhou  destaque  em  Munique  o  Dr.  Otto  Dieckel, fundador  de uma organização nacionalista, autor de livros e excelente orador. Devido  às  semelhanças  entre  seus  ideais  e  os  do  NSDAP,  bem  como  do  sucesso  que  estava  fazendo   após  a  publicação  do  seu  livro,  Dieckel  recebeu  um  convite  do  NSDAP  para um comício em  uma  cervejaria  na  qual  Hitler  normalmente  falava.  Dieckel também participou de reuniões do  partido, chegando a sugerir mudanças em seu programa e sua união com o DSP.  Kershaw  (2010)  afirma  que,  ao  saber  de  tudo  isso,  Hitler  se  sentiu  contrariado.  Ao  entender  que  a  sua  função  de principal orador do partido — logo, de principal mobilizador —  estava  ameaçada,  Hitler  iniciou  seus  ataques  de  fúria.  O  autor  relata  que,  quando  não  concordava  com  algo,  Hitler  não  costumava  argumentar:  partia  para  ataques  de  revolta  e  exigia  que  sua  vontade  prevalecesse.  Naquele  caso,  não  foi  diferente:  escreveu  uma  carta   informando sua saída do partido caso a fusão com o DSP ocorresse. Na visão de Hitler, aquele  partido não compartilhava dos mesmos ideais do NSDAP.  O  histrionismo  de  prima­dona  era   parte  da  maquiagem  de   Hitler  e   continuaria  a  sê­lo. Seria sempre a mesma coisa: ele só conhecia argumentos do tipo tudo  ou nada;  não  havia  nada  no   meio,   nenhuma  possibilidade  de  alcançar  um  acordo.  Sempre  numa  posição  maximalista,  sem  outra  saída,  ele  arriscava  tudo.  E,   se  não 

  conseguisse  o  que   queria,  tinha  um  acesso  de  raiva  e  ameaçava  ir  embora.  (KERSHAW, 2010, p. 136). 

De  acordo  com  o  autor,  mais  uma  vez  essa  tática  deu  certo  e  o  partido  não  arriscou  perder  seu  maior   orador,  já  bastante conhecido por mobilizar as multidões. Por isso, Drexler ­  um  serralheiro,  nacionalista  e  racista,  líder  do  Partido  dos  Trabalhadores  Alemães  (DAP)  ­,  procurou  Hitler  e  questionou  quais  seriam  suas  exigências  para  voltar  para  a  organização.  Hitler  afirmou  que  voltaria  desde  que  se  tornasse  Presidente  do  partido,  com  poder  total  de  decisão  e  sem  possibilidade  de  contestações.  Assim,  Hitler  conseguiu a autoridade necessária  para dar o rumo que quisesse ao partido, garantindo o seu papel principal.  No  decorrer  dos  anos,  o  NSDAP,  partido  de  Hitler,  tornou­se  cada  vez  mais  conhecido,  conquistando  ainda  mais  adeptos.  Seus  comícios,  sempre  muito  lotados,  criticavam   fortemente  a  República  de Weimar, os judeus e  o  Tratado de Versalhes.  Em 1922,  15

Mussolini   se  tornou  o  Primeiro  Ministro  da  Itália,  motivando  os  membros  do  NSDAP  a  adotar  o  totalitarismo  também  na  Alemanha,  considerando  Hitler  o  líder  que  salvaria  o  país  (KERSHAW, 2010).    Em   3  de  novembro  de  1922,  menos  de  uma semana depois  do  golpe  de  Estado  na  Itália,  Herman  Esser   proclamou   para  um  Festival  lotado  na   Hofbräuhaus:  ‘O  Mussolini  da  Alemanha  chama­se  Adolf  Hitler’.  Esse  gesto   marcou  o  momento  simbólico em que os seguidores de Hitler inventaram o culto ao Führer  A difusão  das ideias fascistas  e  militaristas na  Europa do pós­guerra significava que  as  imagens   de  ‘liderança  heróica’  estavam  ‘no  ar’  e,   de  forma  alguma,  estavam  confinadas  à  Alemanha.  O  surgimento  do  culto  do  Duce  na  Itália  oferece  um  paralelo óbvio. (KERSHAW, 2010, p.143). 

  Kershaw  (2010)  afirma  que,  motivados  com  os  acontecimentos  da  Itália,  Hitler  e  seu  partido  resolvem  organizar  o  ​ Putsh  ​ (ou  ​ Putsch​ , que significa ​ golpe em português). O alvo  era  Gustav  Von  Kahr,  Ministro  ­  Presidente  do  governo  da  Baviera  que  tinha  como  objetivo  transformar  a  região  em  uma  unidade  de  ordem,  representando  os  verdadeiros  valores  nacionalistas. Para Kahr, Hitler não passava de um propagandista. 

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“​ Benito  Mussolini  foi  um jornalista,  militar, político e estadista italiano. Foi um dos  fundadores do fascismo na  Itália, regime totalitário  que  vigorou  no  país entre 1922 e 1945. Governou  a Itália durante todo este período. Seu  governo foi  caracterizado  pelo  totalitarismo,  perseguição  e execução  de oposicionistas políticos, expansionismo   territorial,  nacionalismo,  antissocialismo  e  militarismo”.  (SUA  PESQUISA).  Disponível  em​ :  . Acessado em: 27 set. 2015 

 

  A  ideia  no  ​ Putsh  era  invadir  um  comício  de Kahr, anunciar a revolução liderada pelos  Nazistas  e  exigir apoio. Porém, a má organização do partido NSDAP fez com que o plano não  desse certo:    […]  por  volta de  20:20, em 8 de novembro de 1923, Hitler e mais de uma dezena de  apoiadores,  incluindo  Hermann  Göring,  Rudolf  Hess  e  Alfred Rosenberg,  forçaram  passagem  para  entrar  no  Bürgerbräukeller,   enquanto  Kahr  discursava  para  um  público  de   milhares.  Fora  da  cervejaria,  unidades  da  SA  aguardavam  as  saídas.  Depois  que  um  tiro   foi  disparado  para  o  teto  da  cervejaria,  Hitler  anunciou  que  a  revolução  tinha  começado.  Ele e seus camaradas então forçaram as figuras­chave do  triunvirato — Kahr, Von Seisser e Von Lossow — a irem para uma sala anexa.  Mas  Hitler  deparou­se   com  um  problema:   nenhum  dos  três  se  animou  a  apoiar   a  causa nazista.  Foi necessária  a  chegada  de Ludendorff  na  cervejaria  para fazer com  que  eles  finalmente  ofertassem  um  consentimento  indiferente.   Hitler,  que  havia  anunciado  de  forma  melodramática  a  Kahr  e  seus  colegas  que  se  suicidaria  se  o  golpe não  fosse  bem­sucedido,  saiu,  em  Munique,  para  tentar  angariar  apoio para o  Putsh em  outros  lugares,  deixando  Ludendorff no controle, no Bürgerbräukeller. No  entanto Ludendorff — sendo um oficial à moda antiga  — acabou  optando  por liberar  Kahr,  Von  Seisser e Von  Lossow,  aceitando  a  palavra  de  honra dos três em  apoio à  revolução.  Foi um erro  catastrófico, como  Hitler  percebeu,  mais  tarde,  ao  regressar   ao   Bürgerbräukeller  naquela  noite  e  descobrir  que  os  três   homens  haviam  desaparecido.  Agora,  todos  eles  haviam  retirado  a promessa  de apoio ao nazismo,  e  trabalhavam ativamente contra o ​ Putsh.​  (REES, 2013, p. 56, 57). 

  Assim,  segundo  o  autor,  anunciava­se o fim da revolução que havia apenas começado.  No  dia  seguinte,  os  Nazistas acreditando na vitória, organizaram uma marcha pelas ruas a fim  de  pressionar  o  governo.  Porém,  foram  interrompidos  pelos oponentes. Houve tiroteio, várias  mortes  e,  de  fato,  o  fim  da  “revolução”.  Dois  dias  depois,  Hitler  foi  preso,  como  o  líder  do  Putsh​ .  No  entanto,  a  tentativa  de  golpe  de  estado  e  a  prisão  serviram  para popularizar Hitler,  dessa  vez,  nacionalmente.  Ele  estava  sendo  visto  por  muitos  como  um  homem  de  coragem  e  bravura.  Sua  pena  foi  branda,  acredita­se,  devido  à  simpatia   do   juiz   pelo  nazismo.  Naquele  período,  Hitler  escreveu  seu  livro  ​ Mein  Kampf  (​ Minha  luta​ ,  em  português)  e  se  afastou  do  partido.  Recebeu  milhares  de  cartas  de  apoiadores  e  incentivadores  parabenizando­o  por  sua  coragem.  Quando  saiu   da  prisão,  em  1924,  cumprindo  menos de um terço da sua pena,  Hitler  foi  proibido  de  organizar   o   partido  novamente  e  de  realizar  comícios.  Entretanto,  aos poucos  conseguiu  reverter  essas  punições,  reorganizando  o  NSDAP  e  entrando  forte  para  a  política  novamente.  Criou  o  símbolo  do  partido  —  a  suástica  branca  sobre  um  fundo  vermelho  —  e  realizou diversos comícios para grandes públicos (KERSHAW, 2010).  No  primeiro  comício  do partido  autorizado legalmente, em meados de 1926, conforme  Kershaw  (2010)  houve  a  primeira  apresentação  em  público  da  Brigada  de  Defesa 

  (​ Schutztaffel​ ),  a  SS.  Organizada  em  abril  de  1925,  a  SS  era  responsável  por  fazer  a  guarda  pessoal de Hitler.  No  mesmo  ano,  de  acordo   com  Bartoletti  (2006),  foi  oficialmente  criada  a  Juventude  Hitlerista  (JH).  Conforme a autora, essa organização surgiu da vontade de Hitler em criar uma  Alemanha  nova,  marcada  pela  força  e  jovialidade.  Por  outro  lado,  para  os  jovens,  a  JH  significava  um  ambiente  de  aventura,  que  oferecia  um   ideal  e  heróis  aos  quais  seguir  e  admirar.  Além  disso,  considerando   o   período  de  revoltas  do  pós­guerra,  alguns  participantes  desse  grupo  consideravam  a  entrada  na  JH  uma oportunidade de se revoltarem contra os pais,  a religião e a escola.   Outro  acontecimento  importante  é  destacado  por  Ress  (2013):  trata­se  da  quebra  da  16

bolsa  de  ​ Wall  Street ​ ,  em  1929.  Apenas  quatro  meses  depois,  mais  de  três  milhões  de  alemães  já  estavam  desempregados.  Em  1930,  os  Democratas  Sociais  e  o  Partido   Liberal  Popular  se  uniram,  mas  fracassaram, pois não chegaram a um acordo sobre o melhor caminho  para  resolver  a  crise. Naquele momento, Hitler já estava no cenário político há 10 anos (desde  1920)  e  costumava  discursar  criticando  e  debochando  da  democracia  multipartidária,  deixando  clara  a  sua  intenção  de  criar  um  estado  totalitário.  Além  disso,  alegava  que  a  situação  difícil  só  poderia  se  resolver  através  da  condução  do  país  por   um  homem  forte,  que  uniria o povo novamente através da solidariedade.  De  acordo  com  Rees  (2013),  em  1931  o  banco  alemão  ​ Danat­Bank  quebrou, o que se   caracterizou  como  um  terceiro  acontecimento  marcante  no  contexto  alemão  da  época.  Além  dos  desempregados  que  já  vinham  sofrendo  muito com a crise, a classe média também passou  a enfrentar problemas,  fazendo com que aumentasse  o  número de  pessoas propensas a crer nas  promessas  de  Hitler.  Até  1932  o  número  de  desempregados  só  cresceu,  chegando  a  seis  milhões.  Segundo  o  autor,  tal  situação  contribuiu  para  que  a  mensagem  de  Hitler,  que  há   muito  já  falava  de  união  e  solidariedade através de um líder forte, parecesse mais pertinente e  uma real esperança de solução.    Kershaw  (2010)  indica  que,  sem  emprego,  os  homens  só  tinham  duas  opções:  ou  se  tornavam  comunistas  ou  filiavam­se  ao  partido  e  entravam  para  a  SA.   Fazendo  parte  dessa 

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  Grandes  instituições  estão   em  Wall  Street,  região  de  Manhattam (EUA)  que  concentra  os  mais  importantes  bancos  e  bolsas  de  valores  norte­americanos.  No  entanto,  aquela  rua  que  hoje  é  um  dos  centros  nervosos  da  economia  capitalista,  nem  sempre  teve  seu   nome  ligado  a  quantias  vultuosas  de  dinheiro  e  a  agitação  das  negociatas  de  agentes  financeiros  (HISTÓRIA  DO  MUNDO,   2015)​ .  ​ Disponível  em:  . Acessado em 27 set. 2015. 

 

organização,  os   indivíduos  recebiam  alimentação  e  uniformes,  ou  seja,  roupas  e  calçados  novos.  Naquela  época,  era  muito  difícil  atender  às  necessidades  básicas  como  essas.  “O  desespero  econômico  conduzia  a  um  confronto  violento  nas  ruas.  A  sociedade  alemã  parecia  estar  se  dividindo  politicamente,  à  medida  que  crescia  o  apoio  aos  Nazistas  e  também  aos  comunistas”  (KERSHAW, 2010, p. 79). Essa divisão política só se acentuou com o passar dos  meses.  O  número  de  apoiadores  ao  partido  de  Hitler  aumentou,  assim  como  aumentou  significativamente  o  número  de  integrantes  das  organizações  que foram  surgindo  como apoio  ao partido, como a SA, SS e JH.  Em  maio  de  1932,  de  acordo  com  Kershaw  (2010), terminaria o mandato de sete anos  do  Presidente  Hindenburg,  da  República  de  Weimar.  Hitler  viu  surgir  aí  a  oportunidade  de  concorrer  à  presidência,  mas  titubeou.  Depois  de  um  mês  pensando  sobre  o  assunto,  comunicou  sua  participação  nas  eleições,  pois  percebeu  que  se  não  encarasse  esse  desafio  poderia  perder  muitos  de   seus  apoiadores  e  sua  mensagem  de  liderança  do  povo  alemão  perderia o sentido. Entretanto, havia uma questão a ser resolvida: ele não era cidadão alemão.  Tomaram­se  então  medidas  rápidas  para  designá­lo  para  o  cargo  de  ​ Regierungsrat  (conselheiro  do  governo)  no  Departamento  Estadual  de  Cultura   e  Mediação  de  Braunschweig  e representante do  Estado em Berlim. Por meio de sua nomeação para  o serviço  público,  ele  adquiriu  a cidadania alemã.  Em 26 de fevereiro de 1932, fez o   juramento  de  lealdade  de  servidor  público  ao  Estado  alemão  que  estava  decidido  a  destruir. (KERSHAW, 2010, p. 258). 

Com  isso,  Hitler  entrou  na  disputa  presidencial,  concorrendo  com  Hindenburg  (democrata)  e  Ernst  Thälmann  (comunista).  Kershaw  (2010)  relata  que,  naquele  período,  a  propaganda  Nazista  foi  bastante  forte,  feita  através  de  reuniões,  desfiles  e  comícios,  todos  muito  pomposos.  Devido  à  sua  demora  em  decidir  participar  das  eleições,  Hitler  dispôs  de  somente  11  dias  de  campanha.  Contudo,  nesse  exíguo  espaço  de  tempo,  passou  por  12  cidades, discursando para milhões de pessoas.  Segundo  Kershaw  (2010),  ao  longo  do  período  eleitoral,  chegou  a  Hindenburg  (então  Presidente do país) a informação de que se Hitler vencesse as eleições no primeiro turno, a SA  tomariam  o  poder  pela  força.  O  partido  comunista,  por  outro  lado,  também  estava  organizando  uma  revolução  e  possuía  suas  próprias  organizações  paramilitares.  Porém,  o  então  Presidente  da Alemanha ordenou a dissolução de todas as organizações paramilitares do  NSDAP.  Os  Nazistas  souberam  disso  antes  de  receberem  a  ordem  oficial  de  dissolução  e  reorganizaram  a  SA,  transformando  os  soldados  em  meros  membros  do  partido.  O  fato  da  

 

ordem  de  dissolução  ter  sido  direcionada  apenas  ao  NSDAP  deu  ao  partido  um  argumento  para as propagandas sobre a injustiça do atual governo, que logo viriam a aparecer.  O  resultado  do  1º  turno,  porém,  não  foi  como  esperado:  o  NSDAP  não  venceu.  O  resultado  das  eleições,   entretanto,  não  deu  a  vitória  absoluta  para  Hindenburg,  o  que  levou  a  um  segundo  turno.  Naquele  segundo  momento,  a  propaganda  ficou  ainda  mais  forte.  Hitler  começou  a  realizar  o  ​ Deutschlandfug  (voo  pela  Alemanha),  com  um  avião  alugado  e  enfeitado  com  o  slogan  o  “​ Führer  sobre  a  Alemanha”.  Em  menos  de  uma  semana,  Hitler fez  20  discursos  para  públicos  enormes,   impactando  quase  um  milhão de pessoas. Mesmo assim,  ao  final  do  segundo  turno,  o  NSDAP  não  venceu:  Hindenburg  ganhou  com  53%  dos  votos,  Hitler ficou com 37% dos votos e Thälmann, apenas 10% (KERSHAW, 2010).  Após  as  eleições  presidenciais,  o  NSDAP  seguiu  trabalhando  forte  para  as  eleições   estaduais,  que  ocorreria  na  Prússia, Baviera, Wüttemberg e Anhalt, além da eleição municipal  de  Hamburgo.  Vencer essas eleições significaria o NSDAP governando cerca de 90% do país.  O  partido  novamente  não  venceu,  mas  obteve  um  aumento  significativo  de  votos, garantindo  com isso muitas cadeiras nos parlamentos estaduais (KERSHAW, 2010).  Kershaw  (2010)  conta  que,  naquele  contexto,  surgiu  à  figura  de  Von  Schleicher,  o  chefe  do  Escritório  Ministerial  e  do  Escritório  Político  do  Exército.  Ele  acreditava  em  uma  gestão  autoritária  e  que  a  popularidade  dos  nacionais­socialistas  ajudaria  a  criar  um  governo  nesse  formato.  Por  isso,  Schleicher  começou a articular internamente a ajuda ao NSDAP. Seu  primeiro  movimento  foi  convencer  Hindenburg  a  liberar  a  SA  e  substituir  o  então ​ Chanceler  Brüning  por Von Papen — homem da confiança de Schleicher. Assim, com a chegada de Von  Papen, o parlamento foi dissolvido e novas eleições foram marcadas para julho de 1932.    Com  a  liberação  da  SA,  a   violência  nas  ruas  aumentou.  SA  e  comunistas  protagonizaram  diversos  embates, resultando em centenas de mortos e feridos.  Isso contribuiu  para  piorar  a  situação  do  governo  em  vigor  que,  apesar  de  ter  vencido  as  eleições,  ainda  não  conseguia  controlar  todos  os  problemas  do  país.  Na 4ª eleição do ano,  os Nazistas novamente  não  venceram,  mas  obtiveram  muitos  votos,  ampliando  ainda  mais  a  sua  participação  no  Reichstag  ao  ocupar  230  assentos,  logo,   a  maioria  do  parlamento  nacional  (KERSHAW,  2010).  Por  conta  disso,  conforme  o  autor,  Hitler  decidiu  contatar  Schleicher  e  exigir  que  intercedesse  junto  ao  Presidente  Hindenburg  a  concessão  do  cargo  de  ​ Chanceler  e  dos  principais  ministérios,  como  o  da  Educação  e  da  Segurança,  para  pessoas  do  NSDAP.  Os 

 

Nazistas  acreditaram  cegamente  que  a  proposta  seria  aceita,  estavam  empolgados  com  a  tão  esperada chegada ao poder.  Mas,  apesar  dos  contatos  de  Schleicher  dentro  do governo e da popularidade de Hitler  e  do  seu  partido,  Kershaw  (2010)  afirma  que  o  Presidente  Hindenburg  não  aceitou,   oferecendo  a  Hitler  a  Vice  ­  Chancelaria   e  nenhum  outro  cargo  ministerial.  Como  esperado,  Hitler  não  concordou  com   a  proposta:  ou  seria  o  cargo  que  queria  ou  não  seria  nada.  As  reuniões  de  negociação  seguiram  por  quase  um  mês,  até  que  Hindenburg  chamou Hitler para  que  falassem  pessoalmente.  Novamente, Hitler não aceitou fazer parte do seu governo. Ou ele  seria  ​ Chanceler​ ,  com  poder  para  governar  conforme  os  ideais  de  seu   partido,  ou  não  queria  nada.  O  presidente  do  Reich  recusou  com  firmeza,  dizendo  que  não  poderia  responder  perante  a  Deus,  sua  consciência  e  a Pátria se  entregasse  o  poder  do governo  a  um  único  partido,  e  um  partido  que  era  tão  intolerante  em  relação  aos  que  tinham  opiniões  diferentes.  Estava  preocupado  também com a  agitação  interna  e o  impacto  externo.  Quando  Hitler  repetiu,  que,  para  ele,  qualquer  outra  solução  estava fora de  questão,  Hindenburg  advertiu­o  então  a  conduzir  sua  oposição  de  forma  cavalheiresca  e  que  todos  os  atos  de  terror  seriam  tratados  com  a  máxima  severidade. (KERSHAW, 2010, p. 266). 

Para  Hitler,  aquela   foi  uma  severa  derrota  pessoal,  o  que  alimentou  as   propagandas  Nazistas  contra  o  governo  dias  seguintes.  Schleicher,  na  visão  do  NSDAP,  havia apunhalado  o  ​ Führer  por  não  conseguir  realizar  as  articulações  que  prometidas.  Os  crimes  da  SA  continuaram  a  acontecer  e  os  Nazistas  seguiram  com suas propagandas  e comícios por todo o  país (KERSHAW, 2010).  Esse  foi  o  início  da  dança  das  cadeiras  na  chancelaria.  Por  meses,  articulações  foram  feitas,  todas  com  o  intuito  de  colocar  Hitler  no  cargo.  Von  Papen,  então  ​ Chanceler,  foi   substituído  por  Schleicher,  agora  um  inimigo  dos  Nazistas.  Buscando  derrubar  Schleicher,  Von  Papen  se aliou ao NSDAP. Graças a seu contato com o filho de Hindenburg e com vários  partidários  do  governo,  Von  Papen   teve  mais  sucesso  que  Schleicher  na  tentativa  de  ajudar  Hitler.  Com  esse  apoio,  a  argumentação  de  Hitler  frente  ao Presidente ganhou força e, enfim,  o  líder  nazista  conseguiu  o  que  queria:  o  cargo  ​ Chanceler  (chefe  de  governo)  (KERSHAW,  2010).  Em  janeiro  de  1933,  segundo  Kershaw  (2010),  Adolf  Hitler  foi  finalmente  nomeado  Chanceler  pelo  Presidente  de  Hindenburg.  Sua  primeira  articulação  no  partido  foi  solicitar  a 

  dissolução  do  ​ Reichstag  e  propor  novas  eleições.  Ele  alegou  que,  com  isso,  confirmaria  o  apoio do povo ao novo governo e teria mais tranquilidade para exercer sua função.  Na  primeira  vez  em  que  se dirigiu aos líderes militares como ​ Chanceler​ , Hitler alegou  que  o  desenvolvimento  das  Forças  Armadas  era  fundamental  para  a  recuperação  do  poder  político  alemão,  assim  como  o  recrutamento  do  Exército.  Atentou,  porém,  que  qualquer  pacifista,  marxista  e  bolchevista  não  poderia  se  alistar. Hitler afirmou que as Forças Armadas  deveriam  ser  a  instituição  mais  forte  do  estado, estando acima da política e  partidos políticos.  Entretanto,  esse  não  era  o  seu  real  desejo:  ele  queria  mesmo  o  apoio  dessa  instituição  ao  NSDAP,  e  conseguiu.  Em  poucos  meses,  o  ​ Chanceler  estava  desviando  dinheiro  para  o  rearmamento  do  Exército — algo proibido pelo Tratado de Versalhes ­ e, em troca, recebia do  Exército o apoio aos seus ideais, conforme precisava (KERSHAW, 2010).  Uma  atitude  muito  bem  vista  nos  seus  primeiros  dias  como  ​ Chanceler  foi,  de  acordo  com  Kershaw  (2010),  o  discurso  realizado  em  apoio  à  indústria  automobilística.  Nele,  Hitler  informou  que  realizaria  o  programa  de  construção  de  estradas  e  de  redução  tributária  para  as  montadoras.  Enquanto  isso,  a  partir  de  fevereiro  de  1933,  Hitler  começou  sua  campanha  eleitoral.  Ele  prometia  nunca  mentir  para  o  povo  e  afirmava  que  queria  a  união  do  país  sem  divisão  de  classes,  bem  como  o  desenvolvimento  do  país  apoiado no camponês e no operário  alemão, que formariam a sociedade futura.  Hitler afirmava  ‘Um  programa  de  renascimento  nacional  em  todas as áreas da vida, intolerante para  com  quem  pecar  contra a nação, irmão e amigo de quem  estiver disposto  a lutar pela  ressurreição  de  seu  povo,  de  nossa  nação’.  E  atingiu  o   clímax  retórico  de  seu  discurso:  ‘Povo  alemão,  dê­nos  quatro  anos,  depois  julgue  e  nos  sentencie.   Povo  alemão  dê­nos  quatro  anos,  e  eu  juro  que,  assim  como  nós  e  eu  entramos  nesse  cargo, eu estarei então pronto para deixá­lo’. (KERSHAW, 2010, p. 304). 

Durante  as  eleições,  a  violência  da  SA  e  da  SS  aumentaram drasticamente mediante a  ordem  de  reprimirem  qualquer movimento de comunistas ou outra pessoa que fosse obstáculo  para  o  novo  governo  que  se  formava.  A  prisão  de  deputados  e  funcionários  comunistas  começou  a  ser   realizadas  sob  a  alegação  de  serem  preventivas.  Foram  milhares  de  torturas,  assassinatos  e  espancamentos  realizados  pela  SA  e  SS,  nomeadas  então  como  polícias  auxiliares (KERSHAW, 2010).  Kershaw  (2010)  explica  que,  parte  dessas  ações,  decorreu  de  um  decreto  de  emergência  baixado  para  a  suposta  proteção  do  povo  e  do  estado.  O  documento,  que  após as  eleições  seria  estendido  a  todo  o  país,  retirava  a  liberdade  dos  cidadãos  (em  especial,  dos 

 

políticos  comunistas)  de  realizarem  manifestação,  associação  e  de  imprensa.  O  decreto  retirava,  também,  a  privacidade  das  comunicações  postais   e  telefônicas  e  informava  que  o  governo do ​ Reich​  poderia, sempre que necessário, intervir para restaurar a ordem.  O  povo  recebeu  muito  bem  o  decreto  de  emergência.  O  autor   cita  alguns  registros  daquela época:  Louise  Solmitz,  tal  como  seus  amigos  e  vizinhos  foi  persuadida  a  votar  em Hitler.  ‘Agora,  é  importante apoiar  de todas  de  todas  as  maneiras o  que  ele  está  fazendo’,  disse­lhe  uma  amiga  que  até então  não  apoiara o NSDAP. ‘Todos os pensamentos e  sentimentos  da  maioria  dos  alemães  estão  dominados  por  Hitler’,  comentou  Frau  Solmitz.  ‘Sua  fama  sobe  as  estrelas, ele  é  o  salvador  de  um  mundo  alemão  triste e  cruel’. (KERSHAW, 2010, p. 309). 

Naquele  contexto,  segundo  Kershaw  (2010),  o  NSDAP  venceu  as eleições, não com  a  maioria  dos  votos,  mas,  sim,  através  da  soma  dos  votos  dos  partidos   conservadores  —  agora  aliados  do  nazismo  devido  ao  acordo  feito  com  Presidente  Hindenburg.  Em  menos  de  um  mês,  integrantes  do  NSDAP,  apoiados  por  SS  e  SA  e  com  a  justificativa  do  decreto  de  emergência,  tomaram  as  prefeituras  e  governos  de  estados  que  eram  comandados  por  comunistas.  Nas  ruas,  judeus,  sindicalistas   e  opositores  do  governo  nazista  sofriam  sérias  represálias,  torturas  e  espancamentos.  Como  defesa,  os  judeus  alemães  e  internacionais,  principalmente  dos  EUA,  tentaram  criar um boicote, no qual todas as mercadorias alemãs não  seriam  mais  aceitas.  Porém,  não  deu  certo,  pois  para  evitar o golpe  os Nazistas agiram logo e  trataram  de  aumentar  a  discriminação:  demitiram  judeus  de  cargos  públicos,  limitaram  a  entrada  de  judeus  nas  escolas  e impediram médicos judeus atenderem pacientes que possuíam  o plano de saúde do governo.  Outra  mudança  causada  por  Hitler  foi  o  domínio  cultural.  Liderada  por  Joseph  Goebbels, Ministro da Propaganda, a reorganização cultural do país envolveu imprensa, rádio,  filmes,  artes,  música,   teatro e literatura, entre outros setores. Tudo era  agora comandado pelos  Nazistas,  que  decidiam  o  conteúdo  cultural  com  o  qual  o  povo  teria  contato.  Um  fato  marcante  daquele  período  foi  à  queima  de  livros  de  autores  não  aceitos  pelo  regime  (KERSAHW, 2010).  Naquele  período  inicial  do  governo  nazista,  construía­se,  conforme  Kershaw  (2010.  p.​ 326​ ),  o  culto  ao  ​ Führer​ ,  no  qual  não  necessariamente  Hitler  precisava  pedir  ou  ordenar  alguma  ação,  mas  seus  partidários,  por  conhecerem  seus  ideais  e  vontades,  agiam  antecipadamente a fim de agradá­lo. Um exemplo disso, 

 

Foi  o  caso  da  ‘lei  de  esterilização’  —  a  Lei  para  a  Prevenção  de  Descendência  Hereditariamente  Doente  —  aprovada  pelo  gabinete  em  14  de  julho de 1933. Hitler  não  teve  nada a  ver,  de  forma  direta,  com  a  redação  da lei (que foi anunciada como  um  benefício  pra  família,  bem  como  para  a  sociedade  em  geral).  Mas  ela  foi  confeccionada  com  base   em  sentimentos   manifestados  pelo  Führer.  E,  quando  foi  apresentada  ao  gabinete,  foi  recebida  com  sua  aprovação  imediata,   contra  as  objeções  do  vice­chanceler,  preocupado  com  os  sentimentos  dos  católicos  em  relação  à  lei.  O  apelo  de  Papen para que  a  esterilização  fosse  feita  somente  com  o  consentimento  voluntário   da  pessoa  afetada  foi  simplesmente  posto  de  lado  por  Hitler. 

Segundo  o  autor,  esse  apoio  às  ideias  de  Hitler  vinha  não só dos seus partidários, mas  também  do  povo,  que  depositava  nele  sua  fé  e  confiança  na  promessa  do  surgimento de uma  nova Alemanha.  Outra  mudança  relevante  liderada  por  Hitler,  conforme  conta  Kershaw  (2010),  foi  o  anúncio  da  saída  da  Alemanha  da  Liga  das  Nações.  A  Liga  das   Nações  —  criada  no final da  1ª  Guerra  com  o  objetivo  de  manter  a  paz  mundial  —  buscava  garantir  que  o  conteúdo  do  Tratado  de  Versalhes fosse cumprido, principalmente, no que se referia ao não rearmamento e  reorganização  militar  da  Alemanha.  Hitler,  justificando  ser  injusto  tal  tratamento  para  com  a  Alemanha,  alegava  que  deseja a paz e que respeitava o bem estar dos países de toda a Europa,  mas  que  queria  igualdade  entre  os  países  europeus.  Afirmava  que   a  Alemanha  poderia  renunciar  a   todo  e  qualquer  armamento,  desde  que  os  outros  países  também  o  fizessem.  Não  havendo  acordo,  ele  retirou  o  país  da  Liga,  dissolveu  o ​ Reichstag novamente e marcou novas  eleições para novembro de 1933.    Com  esse  último  feito  do  ano,  ainda  segundo  o  autor,  Hitler  buscava  a  oportunidade  de  construir  um  governo  totalmente  nacional­socialista.  As  eleições  se  configuravam,  na  verdade,  como  um  plebiscito,  pois   só  o  NSDAP  concorreria,  já  que  todos  os  outros  partidos  foram  dissolvidos.  O  mote  da  campanha  eleitoral,  então,  foi  a lealdade do povo ao ​ Führer​ . O  partido nazista conquistou 95,1% dos votos.  No  final  de  1933,  Hitler precisou  lidar com o primeiro grande problema de  sua gestão:  o  interesse  da  SA  em  ter  forças e armamentos maiores do que o Exército. Ernst Röhm, o líder  da  SA,  exigiu  que  seu  movimento  tivesse  maior  importância  no  país.  Para  tanto,  o  Exército  deveria  conceder  à  SA  a  função  de  defesa  nacional  e  as  Forças  Armadas  deveriam  ser  reduzidas, com o envio de  homens treinados para a SA. Essa proposta não foi aceita por Hitler  que,  para  atingir  seus  objetivos,  não  precisava  mais  da SA e sim do Exército. Röhm ameaçou  com  uma  nova  revolução,  para  a  qual  contava  com  4,5  milhões de  membros na SA. A fim de 

 

evitá­la,  Hitler  informou  a  Röhm  que  sua  proposta  não  era  adequada,  mas  que   pretendia  transformar  a  SA  em  um  Exército  Popular  dentro  de  cinco  anos.  Os  integrantes  da  SA  passariam  por  um  treinamento  do  Exército  e  disporiam  de  armamentos  modernos  para  que  estivessem  prontos  para  ajudar  o  país  em  qualquer  eventualidade.  Naquele  momento,  porém,  as atividades da SA e da SS deveriam se limitar a assuntos políticos. Hitler fez com que Röhm  e Blomberg — líder do Exército — assinassem um acordo (KERSAHW, 2010).  Entretanto,  segundo  Kershaw  (2010),  Röhm  não  concordou  com  o  acordo,  publicamente  apoiava  Hitler,  mas,  nos  bastidores,  alegava  que  ele  estava  traindo  os  ideais  revolucionários  que  o  levaram  ao poder. A SA estava criando uma situação de terror nas ruas,  devido às ameaças de revolução.  No  início  de  1934,  os  partidários  aliados  do  Presidente  Hindenburg  e  o  Vice  ­  Chanceler  Von  Papen  ­  pressionaram  Hitler  para  que  encontrasse  uma  solução,  afinal,  ele  deveria  conter  seus  homens.  Para  piorar  a  situação,  Von  Papen  realizou  um  discurso  criticando  o  governo  de   Hitler  e  alegando  que  a  Alemanha  não  deveria  viver  em  constante  crise  e  com  medo  de   revoluções.  O  povo  aplaudiu­o  fervorosamente.  Goebbles  prontamente  proibiu  a  reprodução  do discurso nos jornais, o que  levou Von Papen a afirmar a Hitler que se  viu  obrigado a renunciar e a avisar Hindenburg — que estava acamado, gravemente doente —  do  que  estava  acontecendo.  Hitler  agiu  espertamente:  afirmou  a  Von  Papen  que  Goebbels  havia  errado   e  que  suspenderia  a  proibição  da  veiculação  do  discurso.  Pediu  ainda  a  Von  Papen  que  aguardasse  para  agendar  uma  reunião  com  Hindenburg  na  qual  ele  pudesse  comparecer,  assim,  os  três  decidiriam  juntos  o  melhor  a  ser  feito.  Von  Papen  ingenuamente  concordou.  Em  seguida,  Hitler  encontrou  sozinho  Presidente  Hindenburg,  dizendo­se  ciente  dos acontecimentos e que já estava tomando providências (KERSAHW, 2010).  Hitler  organizou,  então,  uma  emboscada:  marcou  um  encontro  com  os  líderes  da  SA  no  qual  o  Exército  estaria  presente  para  prendê­los.  Porém,  ao  chegar  à  cidade  de  encontro,  Hitler  ficou  sabendo  que  horas  antes  alguns membros da SA estiveram pelas ruas protestando   contra  ele,  acusando­o  de  traição  e  dizendo  que  Hitler  e  o  Exército  estavam  contra  a  organização.  Para  Adolf  Hitler,  essa  foi  uma  grande  traição.  Hitler  decidiu  decretar  prisão  e   fuzilamento  de   todos  os  líderes  da  SA,  dando  início  a  uma  caçada.  Aproveitando  a  onda  de  mortes,  Hitler  acertou  contas  antigas  com  pessoas  que  nada  tinham  a  ver com a  SA ou com  a  SS.  Os  únicos  não  fuzilados  foram  Von  Papen,  que foi posto  em prisão domiciliar para evitar  um  constrangimento  diplomático,   e  Röhm,  que  muito  ajudou  o  NSDAP  desde  suas  origens. 

 

Hitler  permitia  Röhm  tirasse  a  própria  vida,  como  ele  não  o  fez,  acabou  sendo  também  fuzilado (KERSHAW, 2010).  Tal  noite,  conhecida  depois  como  A  Noite  dos  Punhais,  garantiu  a  Hitler  devoção  e  lealdade  por  parte  do  Exército,  que julgou a atitude do ​ Chanceler forte e corajosa para deter a  revolução  que  poderia  destruir  o  país.  Hitler  declarou  que  havia  descoberto  um  complô  de  Röhm  para  uma  revolução  da  SA  e  que,  por  isso,  teve  que  agir.  Mais  sério  que  isso  foi  à  aceitação   do   projeto  de  Lei  para  Defesa  de  Emergência  do  Estado,  o  qual  tornava  legais  os  atos  cometidos  na  Noite  dos  Punhais.  Ou  seja,   Hitler  tinha  então  o  direito  legal  para  matar,  caso  julgasse  necessário,  e  a  SS  não  precisava  mais  se  reportar  à  SA,  devendo  consultar  tão  somente  o  ​ Führer​ .  Dessa  forma,  Hitler  não  só  resolveu  o  problema  da  SA  como  também  foi  aclamado  pela  forma  como  o  fez,  garantindo  uma  lei regulamentadora para ações como essas  (KERSHAW, 2010).  Dias  depois,  conta  Kershaw  (2010),  Hindenburg  faleceu  devido  ao  seu  estado  de  saúde.  Hitler  fez  com  que  seus  Ministros  assinassem  uma  lei  aprovando  a  combinação  dos  cargos  de  ​ Chanceler   e  de  Presidente.  Isso  feito  decidiu  apresentar  as  mudanças  ao  povo  e  realizar  um  novo  plebiscito  para  validá­las.  Com  89%  dos  votos,  Hitler  conseguiu  a  aprovação que queria. Em agosto de 1934, detinha poder total sobre a Alemanha.  Apesar  de  alguns  contratempos,  Hitler  terminou  o  seu  pouco  mais  de  um  ano  de  governo  com  as  conquistas  que  buscava.  Seu  passo  seguinte  foi  dado  em  setembro  de  1934,  no  famoso  Congresso  do  Partido Nazista. Aquele foi o sexto encontro dos seus partidários em  Neuremberg,  porém,  o  primeiro  com  o  NSDAP  no  poder.  Conforme  Kershaw  (2010),  tal  Congresso  era  um  veículo  para  o  culto  ao  ​ Führer.  ​ Hitler  aparecia  acima  do  seu  partido,  que  estava  reunido  para  homenageá­lo.  Esse  evento  foi  documentado  pela  cineasta  Leni  Riefenstahl  e,  posteriormente,  transmitido  em  toda  a  Alemanha  a  fim  de  disseminar   a  glorificação  do  ​ Führer​ .  O  documentário,  nomeado  como  ​ O  Triunfo  da  Vontade​ ,  e  os  diferentes  momentos  do discurso de Hitler  nele registrados serão o foco da análise da presente  pesquisa.    4.1.3 A consolidação do poder e o declínio de Hitler    Neste  subcapítulo,  é  finalizada  a  contextualização  do  discurso  de  Hitler,  objeto  de  análise  do  presente  trabalho.  São  descritos  aqui  os  acontecimentos  a  partir  de  setembro  de 

 

1934,  pouco mais de um ano e meio depois de Hitler chegar ao poder total da Alemanha, até o  final  de  sua  trajetória  política,  em  1945.  Contudo,  é  dada  ênfase  para  os  acontecimentos  de  1934,  ano  em  que  ocorreu  o  6º  Congresso  do  Partido  Nazista.  Essa  edição  do  evento  do  NSDAP  foi  documentada  no  filme  ​ O  Triunfo  da  Vontade  e  é apontada pela literatura como o  momento de consolidação da crença em Hitler como líder.  O  Congresso  Nazista,  de  acordo com Kershaw (2010), ocorria todos os anos, reunindo  todos  os membros do NSDAP. Inicialmente acontecia na cidade de Weimar (Alemanha), mas,  a  partir  de  1929,  passou  a   ocorrer  em  Nuremberg  (Alemanha).   Dos  dias  05  a 10 de setembro  de  1934,  portanto,  foi  realizada  a  sua  sexta  edição  e  a  primeira  com  Hitler  no  poder  total  do  país  (acumulando  os  cargos  de  ​ Chanceler  e  Presidente).  O  autor  relata  que  o  próprio  Hitler  pediu  a  filmagem  do  evento.  A  cineasta  Leni  Riefenstahl,  conforme  Bach  (2008  ​ apud  FRIGERI,  2013,  p.  599)  foi  para  Nuremberg  em  maio  daquele  ano  para  os  preparativos  do  Congresso.  De  acordo  com  Kershaw  (2010),  a  partir  de  1934,  o  prestígio  e  o  poder  de  Hitler  se  expandiram  até  se   tornarem  absolutos.  Foi iniciado um processo de destruição da estrutura do  governo  até  então  existente  por  meio  da  fragmentação  da  gestão  e  da  criação  de  órgãos  sobrepostos  e  concorrentes,  tudo  conforme  a  vontade  do  ​ Führer​ .  Outra  característica  do  período  foi  à  consolidação  da  ideologia  do  partido,  disseminada  ainda mais claramente como  o principal foco do governo.  O  autor  cita  o  discurso  feito  por   Werner Willikens (secretário de Estado no Ministério  da  Agricultura  prussiano)   para  representantes  dos  Ministérios  da  Agricultura   como  uma  amostra extremamente representativa do funcionamento do governo de Adolf Hitler:    Todos  os  que  têm  oportunidade  para  observar   sabem   que  o   Führer  só  pode,  com  grande  dificuldade,  ordenar  de  cima tudo  o  que pretende realizar mais cedo ou mais  tarde.  Ao  contrário, até  agora  cada  um  trabalhou melhor  na  nova  Alemanha se, por  assim dizer, trabalhou para o Führer.  Com  muita frequência  e em muitos lugares, tem sido o caso de que indivíduos, já em  anos  anteriores,  esperaram  por  comandos  e  ordens.  Infelizmente,  o  mesmo  acontecerá  no  futuro.  Porém,  ao  contrário,  é  o  dever   de  cada   pessoa  tentar,  no  espírito  do  Führer,  trabalhar  para  ele.  Quem  cometer  erros  vai  notar  logo  isso. Mas  aquele  que  trabalha  corretamente  para  o  Führer,  conforme  suas  diretrizes  e  voltado  para  os  seus  objetivos,  terá  no  futuro,  como anteriormente, a melhor recompensa de  um  dia  alcançar  subitamente  a  confirmação  legal   de  seu  trabalho.  (WILLIKENS,  1934 ​ apud​  KERSHAW, 2010, p. 352). 

  Vê­se  que  as  decisões  eram  tomadas  de  cima  para  baixo,   mas  que,  ao  mesmo  tempo,  os  subordinados  voluntariamente   buscavam  agir  de  modo  a  agradar  o  ​ Führer​ .  Para  Kershaw 

 

(2010),  essa  maneira  de  governar  criava  uma  disputa  interna  entre  os  membros  do  governo  para  saber  quem  conquistaria  maior  confiança  do  ditador.  Entendia­se  que  quem  quisesse  ascender  em   sua  função  no  governo  deveria  primeiramente  prever  as  vontades  de  Hitler  e,  sem a necessidade de receber ordens, agir para satisfazer os desejos do líder.  O  autor  ressalta  algo  semelhante  entre  a  população.  Foram  observadas  diversas  atitudes  discriminatórias  que  causavam  a  repressão  e  exclusão  daqueles  que  o  governo  havia  julgado  como  “não  alemães”,  como  moradores  denunciando  vizinhos  judeus  à  SS  (muitas  vezes,  aproveitando  o  caos  instaurado  pelo  governo  para  resolver  rixas  pessoais)  e  empresários  utilizando  a  legislação  antissemita  como  forma  de  eliminar   seus  concorrentes  judeus.  Todos  que  agiam  de  tal  maneira  se  sentiam  trabalhando  para  o  líder,  ou  seja,  procedendo conforme a vontade dele.  Entre  os  apoiadores  da  causa,  estava  a  Juventude  Hitlerista  (JH).  De  acordo  com  Monteiro  (2013),  a  organização  foi  criada  em  1922  e  tinha  como  principais  práticas  a  divulgação  do  partido.   A  rotina  dos  membros  da  JH  incluía  acampamentos  aos  finais  de  semana,  marchas,  prática  de  esportes  e  atividades  físicas  semelhantes  às  de  um  treinamento  militar.  Bartoletti  (2006)  acrescenta  que  os  jovens  também  limpavam  florestas  e  drenavam  pântanos  visando  criar  novas  áreas para plantios e construíam estradas e vias expressas. Além  disso, jovens da cidade eram  enviados por determinado período para o campo, para auxiliarem  nos plantios e colheitas.  Todas  as  atividades  da  JH  eram  tidas  como  prioridade,  inclusive,  perante   os  estudos  regulares  da  escola.  Nas  ruas,  esses  jovens  apoiadores  da  NSDAP  causavam  conflitos  com  organizações   de  jovens  pertencentes  a outros partidos, como o comunista, por exemplo, o que  resultava  em  vários  deles  feridos  ou  mortos.  Por  consequência,  alguns  pais  tentavam  evitar a  entrada  de  seus  filhos  no  movimento.  Até  1930, a JH contava com 18 mil jovens, um número  pequeno  em  comparação  a  quantidade  de  jovens  alemães.  Porém,   em  1934,  quando  Hitler  discursou  para todos os integrantes da JH durante o 6º Congresso do partido, o grupo já estava   tinha  52  mil  membros.  Esse  número  seguiu  aumentando  já que, a partir de 1939, a entrada na  JH passou a ser obrigatória (MONTEIRO, 2013).  Como  visto,  a  juventude  era  um  público  de   grande  interesse  para  o  regime.  Bartoletti  (2006)  afirma  que   o   objetivo  de  Hitler  era  utilizar  os  jovens  como  disseminadores  dos ideais  do  partido  e  aproveitar  a  sua  força  de  trabalho.  Isso  fica  claro  retratado  nas  duas  falas  de 

  Hitler  para  a  JH  que  foram  registradas no documentário ​ O Triunfo da Vontade​ , as quais, mais  a frente neste trabalho, serão postas sob análise.  Monteiro  (2013)  relata  que,  já  a  partir  de  1933,  o  NSDAP  adentrou  nas  escolas  para  doutrinar  e  incentivar  os  jovens  a  entrarem  na  JH.  Os  Nazistas  alteraram  os  currículos  17

escolares,  incluindo  disciplinas   como  as  de  Eugenia   e  Pureza  Racial  e   aumentando  o  foco  nas  disciplinas  de  História  (na  qual  incluíram  conteúdos  antissemitas)  e  de  Língua  Alemã. A  disciplina  de  Biologia  foi  alterada  de  forma  a  abarcar  conteúdos  sobre  racismo  e  a  de  Educação  Física  ganhou   enorme  destaque.  Os  livros  didáticos  também  sofreram  alterações  a  fim  de  incluírem  pontos  da  ideologia  nazista,  como  racismo,  hereditariedade  genética  e  a  necessidade  de   um  maior  território  para  a  Alemanha.  Além  disso,  cartazes  com  gráficos  e  tabelas  eram  distribuídos  nas  escolas,  mostrando  os  gastos  do  governo  com  pessoas  portadoras  de  alguma  doença  ou  deficiência.  O  objetivo  desses  cartazes  era  justificar  a  necessidade  de   esterilização  dessas  pessoas,  evitando  a  transmissão  de  suas  características  para  as  futuras  gerações  e,  consequentemente,  diminuindo  os  gastos  do governo com  pessoas  não produtivas.  Ainda  segundo  o  autor,  os  professores  também  deveriam  seguir  os  ideais  do NSDAP.  As  contratações  de  docentes  não  ocorria  pela  sua  qualificação,  mas  sim  de  acordo  com  sua  aderência  ao  regime.  Eles  eram  supervisionados  e  orientados  sobre  como  deveriam  lecionar.  Foram  inclusive  criados  panfletos  e  guias  que  orientavam como os assuntos relevantes para o  partido  deveriam  ser   abordados  em  aula  para  que  os  alunos  se interessassem por eles. Assim,  por  vontade  própria  ou  sob  pressão,  os  professores  serviam  apenas  como  transmissores  da  mensagem  nazista,  o  que  diminuiu  a  importância  do  seu  papel  na  educação.  Em decorrência,  Monteiro  (2013)  explica  que   foi  natural  a  queda  do  desempenho  dos  alunos  na  escola,  o  que  resultou na alteração do nível intelectual exigido para a entrada em universidades.    Conforme  retratado  no  subcapítulo  anterior,  entre  1933  e  a  metade  de  1934,  houve  diversos  conflitos  entre  Hitler  e  os  dois  principais  grupos  de  apoio  ao seu regime: a Tropa  de  Choque  (SA),  organização  paramilitar  criada  para  manter  a  ordem  durante  os  comícios  de  Hitler,  e a Brigada de Defesa (SS), responsável pela sua guarda pessoal. O interesse da SA em 

 ​ Eugenia  é   um  termo  criado  em  1883  por  Francis  Galton  (​ 1822​ ­​ 1911​ ),  que  o  definiu  como:  O  estudo   dos  agentes  sob  o  controle  social  que  podem melhorar  ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja  física  ou  mentalmente.  (URGS, 2015)  Disponível  em:  .  Acesso  em:  22 out. 2015.  17

 

 

obter  poder  maior  que  o  do  Exército  levou  à  morte  de  líderes  seus  na  Noite  dos  Longos  Punhais,  em  1934.  Por  isso,  em  setembro  1934,  quando  ocorreu   o   6º  Congresso  do  Partido  Nazista  e  Hitler  falou  às  duas  organizações,  de  acordo  com  Kershaw  (2010), a situação delas  era  bastante  distinta.  A  SA  passou  a  ocupar  uma  posição  inferior  à  da  SS  na  organização  do  governo  e  a  ter   seus  movimentos  fortemente  observados  por  Hitler,  que  temia  uma  nova  tentativa de revolução. Isso deu maior força a SS.  Originalmente  formada na maioria por pessoas desempregadas, de acordo com Keegan  (1973),  o  número  de  integrantes  da  SA  diminuiu  devido  à  nova  oferta  de  empregos  no  país,  passando  a  ser  uma  associação  de  velhos  camaradas  do  partido.  Porém,  é  possível  compreender   que  isso   não  trouxe  qualquer  prejuízo  a  Hitler, pois o autor afirma que em 1934  a  SA  não  tinha  muita  utilidade  para  ele.  A  SS,  por  sua  vez,  apresentava  crescimento  e  se  moldava  aos  interesses  do  partido.  Passou  a   ser  organizada  por  subdivisões,  cada  uma  sob  uma  liderança  específica,  mas  sob  o  comando  máximo  de  Henrich  Himmler.  Keegan  (1973)  ressalta  que  a  enorme  e  confusa  divisão  dos  grupos  da  SS  foram  pensadas  por  Himmler para   que  somente  ele  entendesse  a  organização de seu império e mantivesse, assim, sua posição de  poder.  Segundo  Keegan  (1973),   as  diversas  subdivisões  da  SS  foram  responsáveis  por  praticamente  todas  as  atrocidades  realizadas  no  governo  nazista.  Entre  elas,  o  gerenciamento  do  Departamento  de  Raça  e  Recolonização,  do  Escritório  de  Referências  dos  Alemães  Raciais,  do  Departamento  Econômico  e  Administrativo,  do  Departamento  de  Segurança  Nacional,  da  Polícia  Secreta  do  Estado  e da Polícia Criminal. Cada um desses grupos tinha as   suas  tarefas,  atuando  principalmente  em  campos  de  concentração,  nos  ataques  contra  os  alemães “não­puros” (em especial, os judeus) e, posteriormente, na 2ª Guerra Mundial.  Em  1934,  a  crença  do  povo  alemão  e  dos  membros  do  NSDAP  no  papel  de  Hitler  como  reconstrutor  e  unificador  da  Alemanha  estavam  no  auge. O documentário ​ O Triunfo da  Vontade — do qual foram retirados os enunciados analisados neste trabalho — traz as  falas de  Hitler  para  o  povo  e  para  seus  partidários  durante  6º  Congresso  do  Partido  Nazista.  O  filme  também  retrata  o  expressivo  número  de  pessoas  que  apoiavam  o  regime  e   sua  felicidade  por  vivenciar  aquele  momento  próprio  ao  ​ Führer​ ,  bem  como os relatos dos principais integrantes  do partido, que comunicam sua confiança e lealdade àquele que salvaria a Alemanha.  Depois  do  ano  de  1934,  a  ditadura  foi  totalmente  instalada  na  Alemanha.  O  nazismo  gradativamente  deu  início  a  programas  de  governo  totalitários  e  preconceituosos.  A  ideia  de 

 

“pureza  alemã”  —  representada  por  alemães  fortes,  saudáveis  e  produtivos — se fortaleceu e  passou  a  ser  tida  como  um  dos  requisitos para a reconstrução do país. Com isso, o extermínio  de  idosos  no  leito  de  morte,  deficientes,  homossexuais,  negros  e,  principalmente,  judeus,  ganhou  força  total.  Foram  criados  20.000  campos  de  extermínio,  os  chamados  campos  de  concentração.  Seis  milhões  de  pessoas  foram  mortas  até  1945,  simplesmente  porque   Hitler  acreditava  que  elas  não  eram  úteis  ao  país  (KERSHAW,  2010;  UNITED  STATES  HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2015).  Mídia,  eventos  culturais,  empresas,  famílias:  tudo  e  todos  deveriam  seguir  os  princípios  do  partido,  trabalhando  para  a  Alemanha  e  pela  Alemanha.  Só  se  lia,  assistia  e  ouvia  o  que  o  regime  permitia.  Além  disso,  a  propaganda  nazista  sobre  a salvação que Hitler  traria  se  tornou  cada  vez  mais  forte e massiva. As ruas ficaram cheias de bandeiras do partido  e  a  SS,  uniformizada,  estava  por  toda parte. Os judeus, principal alvo do partido, inicialmente  foram  identificados  por  uma  estrela  de  Davi,  que  eram  obrigados  a  fixar  em  suas  roupas.  Depois  que  os  extermínios se intensificaram nos campos de concentração, os judeus passaram  a  se  esconder  ou  fugir  para  outros  países  (KERSHAW,  2010;  UNITED  STATES  HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2015).  Ainda  em  1935,  Hitler  lançou  as  chamadas  Leis  de  Nuremberg,  anunciadas  naquela  cidade  durante  o  7ª  Congresso  do  Partido.  Conforme  Frigeri  (2013,  p.  600)  destacam­se  os  seguintes artigos:  Art.  1º  ­  1)  São  proibidos  os casamentos  entre judeus  e  cidadãos  de sangue alemão  ou  aparentado.  Os  casamentos  celebrados  apesar  dessa  proibição   são  nulos  e  de  nenhum  efeito,  mesmo  que  tenham   sido  contraídos  no  estrangeiro  para  iludir  a   aplicação  dessa  lei. 2) Só o procurador pode propor  a  declaração de nulidade. Art. 2º  ­  As  relações  extra­matrimoniais  entre  Judeus  e  cidadãos  de  sangue  alemão  ou  aparentados são  proibidas.  Art.  3º  ­ Os  Judeus  são  proibidos de terem como criados  em  sua  casa  cidadãos de  sangue  alemão ou  aparentado  com  menos  de 45 anos. Art.  4º  ­  1)  Os  Judeus  ficam  proibidos  de  içar  a   bandeira  nacional  do  Reich  e  de   envergarem  as  cores  do  Reich.  2)  Mas  são  autorizados  a  engalanarem­se  com  as  cores  judaicas.  O  exercício   dessa  autorização  é  protegido  pelo  Estado.  Art.  5º  ­  1)  Quem  infringir  o artigo 1ª será  condenado a trabalhos forçados. 3) Quem infringir os  arts.  3ª  e  4ª  será condenado  a  prisão  que  poderá  ir  até  um ano e multa, ou a uma ou  outra  destas  duas  penas.  Art.  6º  ­  O  Ministro  do  Interior  do   Reich,  com  o   assentimento   do  representante  do  ​ Führer  e  do  Ministro  da  Justiça,  publicarão  as  disposições jurídicas e administrativas necessárias à publicação dessa lei. 

Com  o  antissemitismo  legalizado,  compreende­se  que  a  situação  dos  judeus  no  país  somente  piorou.  Aqueles  que  não  conseguiam  fugir  ou  se  esconder  em  tempo, acabavam nos  campos de concentração. 

 

Hitler  se  deslumbrou  com  o  poder  e  com  tantas  pessoas  exaltando  e  confiando  nele  como o salvador do país:  No  fim  de  1935,  apoiado   pelos  esforços  incansáveis   da  máquina  de   propaganda  nazista,  Hitler  já  havia avançado bastante no sentido de se fixar  como líder  nacional,  transcendendo  os  interesses puramente  partidários.  Ele  representava  os  sucessos,  as   realizações  do  regime.  Sua  popularidade  aumentava  também  entre aqueles que, sob  outros aspectos, criticavam o nacional­socialismo. (KERSHAW, 2010, p. 381). 

Em  sua  explanação,   Kershaw  (2010)  afirma  que  Hitler  costumava  garantir  em  seus  discursos  que,  com  a  grandeza  da  raça  alemã  e  muito  trabalho,  a  Alemanha  voltaria  a  ser  a  potência  que  sempre   foi.  Entretanto,  um  dos  obstáculos  que  costumava  citar  era  a  falta  de  território.  Afirmava  que  uma  população  do  tamanho  da  alemã  precisava  de  mais  espaço  territorial, um espaço que ele chamava de vital.  Àquela  época,   Hitler  também  continuou  fortemente  a  reconstrução  do  armamento  militar  da  Alemanha,   iniciado  clandestinamente  em  1933,  quebrando  um  dos  acordos  do  Tratado  de  Versalhes.  Em  1935,  novamente  ignorando  o  Tratado,  anexou  novamente  a  Renânia  (cidade   da  Áustria)  à  Alemanha.  Sem  recusa,  o  povo  comemorou  e,  dias  depois  da  ocupação  nazista, Hitler foi recebido com festa pelas ruas da região. A forma como esse passo  foi  aclamado  apenas  fortaleceu  a  convicção   de  Hitler  sobre  estar  fazendo  o  certo,  de   estar  seguindo o que a providência exigia que ele fizesse para salvar o país (KERSHAW, 2010).  Em  1939,  Hitler  anunciou o ataque à Polônia alegando que a Alemanha necessitava  do  território  e  que  aquele  país  estaria  planejando atacá­la, como defesa e pela segurança do povo  alemão,  ele  atacaria  primeiro.  Com  isso,  o  ​ Chanceler  alemão deu início à 2ª Guerra Mundial.  Hitler  pensou  que  no  máximo  em  dois anos concluiria a guerra de forma vitoriosa, porém, ela  durou seis anos e acabou com a derrota da Alemanha e do partido Nazista.   Inicialmente,  os  alemães  venceram  batalhas  importantes,  principalmente  contra  os  franceses.   Essas  vitórias  serviram  para  aumentar  a  confiança  do  povo  em  seu  ​ Führer  e, mais  perigoso  que  isso,  aumentar  a  confiança  de  Hitler  em  si  mesmo.  A  cada  batalha  considerada  impossível  ou  improvável  que  o  país  vencia,  Hitler  partia  para  a  próxima  de  modo  tão  audacioso  quanto  à  anterior.  Até  o  ponto  em  que  a  guerra  foi  espalhada  por  todos  os  continentes  de  forma  desenfreada,  estando a Alemanha sem planejamento, sem preparo e sem  prazo para o fim dos conflitos (KERSHAW, 2010).  Conforme  Kershaw  (2010),  todos  os  embates  eram  decididos  por  Hitler,  que  centralizava  em  si  diversos poderes, decidindo tudo sozinho. Quem fosse contra suas decisões 

 

era  demitido  e   o   cargo,  normalmente  assumido  pelo  próprio  líder.  Nas  ruas,  para  ele,  quem  não  apoiasse  os  movimentos  do  partido  não  merecia  viver  e  nem  ser  alemão,  pois  era  considerado  fraco.  Mesmo  diante  de  diversos  avisos  sobre  como  o  país  não  tinha  forças para  lutar na guerra, Hitler insistiu até o seu último instante e exigiu que todos fizessem o mesmo.  Com  o  passar  dos  anos,  a  guerra  foi  ficando  muito  difícil  para  a  Alemanha.  Os  sofrimentos  causados  por  alguns  reveses  e  a  sua  longa  duração  fizeram  com  que  os  recursos  de armamento, produção de aviões e tanques de guerra,  bem como de alimentos e suprimentos  em geral para os soldados, começassem a se esgotar (KERSHAW, 2010).   Kersahw  (2010)  relata  que,  apesar  de  alguns  membros  internos  do  partido,  principalmente  membros   do   Exército,  sinalizarem  as  necessidades  existentes,   Hitler  não  se  interessou.  Afirmava  que jamais iria desistir e que quem pensasse em fazê­lo não era digno de  viver  para  presenciar  a  vitória  da  Alemanha.  Nos  últimos  anos  de  guerra,  Hitler  se  mostrou  muito  debilitado.  Sob  forte  pressão,  alto  nível  de  estresse  e  poucas  horas  de  sono,  apresentou­se  mais  desequilibrado  do  que  nunca.  Utilizava  diversas  medicações  e  seu  estado  irritadiço ficava cada vez pior.  No  último  ano  de  guerra,  1945,  o  desespero  e  descontrole  do  líder  eram  tantos  que  o  povo  —  que  novamente  vivia  uma  situação  difícil  de  desemprego,  falta  de  comida,  saúde  e  segurança  e  que  já  havia  enviado  todos  os  homens  para  a  guerra  —  foi  obrigado  a  realizar  doações  de  cobertores,  comida  e  bebida  para  os  soldados.  Conforme  os  dias  iam  passando,  cada  vez   menos  se  acreditava  que  algum  soldado  voltaria  para  casa.  Apesar  de  o  governo  cortar  o  investimento  de  todas  as  outras  áreas  para  tentar  manter   a  produção  dos  aparatos  de  guerra,  as  indústrias  de   armamento  já  não  tinham  os  recursos  necessários  para  produzir  a  demanda  necessária.  Um  dos  últimos  apelos  de  Hitler  foi  ordenar  que  todos  fossem  à  luta:  mulheres,  idosos,  não  importavam:  todos  deveriam  defender  a  Alemanha  e   lutar  por  ela  (KERSHAW, 2010).  No  entanto,  os  ataques  não  pararam  e  Himmler  já  havia  anunciado,  sem  a  ciência  de  Hitler,  que  a  Alemanha  não  tinha  mais  forças  para  lutar  e  estava  disposta  a  declarar  a  rendição.  Quando  Hitler  soube  disso,  ordenou  que  Himmler  fosse  condenado  à  morte  por   traição  e  que  a  guerra  continuasse.  Entretanto,  não  havia  mais  o  que  ser  feito.  Tendo  consciência  da  derrota,  Hitler  se  suicidou  junto  de  sua  companheira,  Eva  Braun,  em  30  de  abril  de  1945.  Antes  disso,  pediu  seu  corpo  fosse  cremado  para  que  ninguém  o  apresentasse  

  como  um  troféu  para  os  vencedores  da  guerra.  Alguns  membros  ainda  fiéis  ao  ​ Führer  e  ao  regime, também se suicidaram. Outros fugiram enquanto era tempo.   A  guerra  estava,  portanto,  perdida  para  Alemanha  em   1945.   Porém,  o  embate  terminou,  de  fato,  meses  depois,  no  Japão.  A  Alemanha  ficou  destruída,  com  milhões  de  mortos, tanto pela Guerra quanto pelo Holocausto.  Assim,  nos  campos  de  extermínio,  as  SS  e  a  polícia  alemã  assassinaram cerca  de  2.700.000  judeus  utilizando  mecanismos  de  asfixia  por  gás  venenoso  ou  por  fuzilamento,  e  3.300.000 outros  israelitas morreram devido às atrocidades  cometidas   contra  eles  pelos  alemães  e  seus  colaboradores,  por  fome,   maus­tratos,  espancamento,  frio,  doenças,  experiências  ‘médicas’,  e  outras formas de  crueldade  inimagináveis.  No  total,  seis  milhões  de  judeus­­homens,  mulheres   e  crianças­­foram  mortos  pelos   nazistas  durante o  Holocausto,  aproximadamente  2/3  dos   judeus  que   viviam   na  Europa  antes  da  Segunda   Guerra   Mundial.  (UNITED  STATES HOLOCAUST MEMORIAL MUSEUM, 2015). 

Kershaw  (2010,  p.  1004) ressalta  que “nunca na história tamanha ruína ­ física e moral  ­  foi  associada  ao   nome  de  um  único  homem”.  Mas  que  as  raízes  disso  iam  muito  além  das  vontades  desse  homem,  “[...]  as  profundezas  de  desumanidade,  nunca  antes  exploradas como  pelo  regime  nazista,  puderam  contar  com  ampla  cumplicidade  em  todos  os  níveis  da  sociedade”.   Cabe  aqui,  a  citação  de  Lenharo  (1995,  p.  7,8),  que  apesar  de  extensa é esclarecedora  quanto  à  posição  do  povo  alemão  frente  a  tamanhas  atitudes  catastróficas  tidas  pelo  governo  nazista:    E,  no  entanto, sabia­se de tudo  aquilo. [...] Em  Dachau ­ está lá para quem quiser ver  ­  há  documentação  de   artigos,  fotos,  jornais.  Tanto  a  população   alemã,  quanto  a  opinião  pública  internacional  sabia  do  que  se passava, até mesmo com detalhes.  Era  muita  gente  envolvida  nos  campos  de  morte,  para  que  o horror pudesse ser contido.  Por   exemplo,  em  dezembro   de  1941,  sabia­se,  pela  imprensa  norte­americana,  que   mil  judeus   de  Varsóvia  haviam  sido  mortos  por   inalação  forçada  de  gases  venenosos.  Bem  antes  disso, em  1934,  jornais austríacos denunciavam os métodos de Dachau. E  havia  as  terríveis  fotos  que  ficaram  para  sempre,  apear  do  cuidado  que  os  nazistas  tiveram  em  apagar   vestígios.  Fotos  de  fuzilamentos,  trabalhos  forçados,  torturas,  suicídios. Fotos das vitimas das ‘experiências cientificas.  É muito perturbador que o regime nazista contasse com o apoio das massas,  comenta  Hanna  Arendt,  a  propósito  de  pesquisas  de opinião publica  realizadas  pela SS, para  os  anos  de  1939­44, e  trazidas  a  conhecimento público em 1965. Em tais relatórios,   fica  patente  que a população  alemã estava  notavelmente bem informada sobre o  que  se  passava   com  os  judeus  e  a  política  de   guerra,  e  dava  seu  aval  às  iniciativas  do  regime.  O escritor  protestante  Ernest  Wiechart  descreve  com  clareza  a  participação  popular  contra  os  prisioneiros  que  eram  levados para Buchenwald.  O  trem parava  em  todas   as  estações   e  as   pessoas  acossavam  para  insultar  os  deportados  e  cuspir neles  ­  se  estavam sendo  transportados  para  um  campo de concentração, eram merecedores de  tal castigo. 

 

  Considera­se  importante  o  conhecimento  dessas citações, a fim de construir uma visão  ampla  dos  fatos  apresentados  nessa  contextualização  sócio  histórica,  contendo,  também,  registros da posição do povo em relação a eles.  Diante  de  todos  os  acontecimentos  apresentados  neste  capítulo,  foi  possível  perceber  como  os  caminhos  da  Alemanha  e  de  Hitler  se  cruzaram.  Foi  apresentado  de  forma  breve  como  Hitler  o  seu  poder  total  sobre  o  país  e  como  conquistou o apoio de todos que precisava  para  alcançar  seus  objetivos. Nesse contexto, evidencia­se a importância de seus discursos em  todo  o  processo.  A  mensagem  que   ele  transmitia  lhe  garantiu  a  lealdade   e  confiança  das  pessoas.  Assim,  ele  chegou  a  reerguer  a Alemanha da destruição da 1ª Guerra Mundial, como  prometeu,  entretanto,  a  levou  para  uma  2ª  guerra,  que  foi  mais  catastrófica  do que a anterior.  Ao fim, o país estava mais destruído do que antes.  Esta  pesquisa,  portanto,  considera  esse  episódio histórico um fato de relevância para a  compreensão  da   dominação  exercida  através  do  discurso.   Por isso, colocará os enunciados de  Adolf  Hitler  sob  análise,  a  fim  de  verificar  como  eles  podem  ter  contribuído   para legitimar a  sua dominação naquele período.    4.2 A LEGITIMAÇÃO DA DOMINAÇÃO DE ADOLF HITLER    Conforme  exposto  ao  longo  deste  trabalho,  aqui  o  discurso  está  sendo  entendido  através da ótica  da Análise de Discurso francesa. Por isso, o seu exame não se resume ao texto  escrito  ou  falado,  mas  contempla  igualmente  o  momento  único  em  que  são  produzidos  e  reproduzidos  os  sentidos  em  um  momento  histórico.  Dessa  forma,  além  daquilo  que  é  proferido  pelo enunciador, considera­se também o contexto em que seus interlocutores entram  em  contato  com  o  discurso,   uma  vez  que  tal  contexto  influência  diretamente  na  construção  dos sentidos enunciados.  O  que  evidencia  os  sentidos das enunciações analisadas são as Sequências  Discursivas  (SD’s)  que  agrupadas  de  acordo  com  o  sentido  que  carregam,  constroem  as  Formações  Discursivas  (FD’s).  Portanto,  foram  elencadas  SD's  que  mostram  o  contexto das enunciações  de  Hitler  e  de  seus  interlocutores,  bem  como  os  traços  da  ideologia  nazista,  da  dominação  pretendida  por  Hitler  e  da  legitimação,  por  parte  dos  alemães da época, desse tipo de relação.  Nesse  ponto,  cabe frisar que, conforme Weber (2000, p. 33): “dominação é a probabilidade de 

 

encontrar  obediência  a  uma  ordem  de  determinado  conteúdo,  entre  determinadas  pessoas  indicáveis”.  Logo,  com  base  nos estudos realizados, entende­se que a dominação de Hitler foi  legitimada, ou seja, que seus interlocutores decidiram por vontade própria obedecê­lo.  Foram  postas  sob  análise, então, todas as enunciações de Adolf Hitler no 6ª  Congresso  do  Partido  Nazista,  em  1934,  registradas  no  documentário  ​ O  Triunfo  da  Vontade  (1935).  O  objetivo  em  registrar  esse  evento  era  mostrar  ao  povo  alemão  a  grandiosidade  do governo de  Hitler  e  como  esse  já  estava  causando melhorias consideráveis no país. Já que posteriormente  o  documentário  foi  exibido  para  todo  o  país.  A  participação  em  massa  dos  alemães  nos  comícios  registrados  na  película,  bem  como  a  alegria  e empolgação do povo ao ver o ​ Führer,  revelaram  também  o  apoio  da  população  a  Hitler  e  ao   seu  regime.  Os  letreiros que aparecem  no  início  do  documentário  demonstram   a  intenção  de  propagar  isso: “5 setembro de 1934; 20  anos  depois da explosão da I  guerra; 16 anos depois do início do sofrimento alemão; 19 meses  após o início do renascimento alemão” (O Triunfo da Vontade, 1935).  Importante  ressaltar   que  o  sentido  da  mensagem  de  Hitler  foi  direcionada  a  toda  população  alemã.  Pois,   mesmo  que  algumas  enunciações  estivessem naquele momento sendo  feitas  a  grupos  determinados   de  interlocutores,  posteriormente,  como  já  dito,  ele  foi  obrigatoriamente  exibido  para  toda  a  população.  Sendo  inclusive  parte  do  currículo  obrigatório nas escolas.  Como  resultado  do  processo  de  análise,  foram  identificadas  cinco  FD’s.  Essas  são  apresentadas a seguir junto às SD’s que as compõem e o sentido que procuravam produzir.  FD 1 ­ A Alemanha aos olhos de Hitler  Entendeu­se  que  a  forma  como  Hitler  caracterizava  a  situação  da  Alemanha  em  suas  enunciações,  e  como,  frisava  a  necessidade  do  país  em  ser  salvo  são  relevantes  para  a  compreensão  dos  sentidos  de  seu   discurso.  Isto  porque,  todas  as  ações  do  NSDAP  eram  justificadas  como  necessárias  para  a  reconstrução  e  salvação da Alemanha, que, 14 anos após  a derrota na 1ª Guerra Mundial, ainda não havia se recuperado do confronto.   Sabe­se  que  em  janeiro  de  1933  Hitler  se  tornou  ​ Chanceler  ​ da  Alemanha,  tendo  sido  nomeado  pelo  Presidente  Hindenburg.  Em  agosto  de  1934,  com  a  morte  do  Presidente  e  através  de  uma  movimentação  política,  Hitler  acumulou os cargos de ​ Chanceler ​ e Presidente.  Portanto,  em setembro de  1934,  quando ocorreu o 6º Congresso do Partido Nazista, Hitler  era,  legalmente,  a  maior  autoridade  no  país. Naquele contexto, com pouco mais de um ano e meio 

 

de  gestão,  Hitler  já  havia  causado  consideráveis  mudanças  no  país,  tanto  positivas  quanto  negativas. 

 

Identificou­se  que,  nos  enunciados  analisados,  Hitler  relembrava  constantemente  as  dificuldades  que  o  país  passava ou havia passado. Entende­se que, dessa forma, ele revivia no  inconsciente  dos  interlocutores  os  dias  difíceis  e,  assim,  orientava­os  a um comparativo entre  a  situação  anterior  e  a  situação  vivida  naquele  momento.  As  SD’s  a  seguir,  retiradas  dos  pronunciamentos  de  Adolf  Hitler  para  povo  em  geral  durante  6º Congresso  Nazista,  demonstram isso:    SD  24:  Foi  a  necessidade  de  nossa gente  que nos  moveu  e  que nos  trouxe  unidos.  (HITLER, 1934).  SD  25:  Isso   não  é  compreensível  para  aqueles  que   não  tiveram   infortúnio  semelhante em sua nação. (HITLER, 1934).  SD  26.  Tambores  virão  diante  de   tambores,  bandeiras  virão  diante  de  bandeiras,  grupos  virão  diante  de  grupos.  E,  finalmente,  a  poderosa  coluna  desta  nação  unida  conduzirá a nação que um dia foi dividida. (HITLER, 1934).  SD  42:  O  povo  alemão  é  feliz  por  saber  que   as  divisões  do  passado  foram  substituídas por um importante modelo que conduz a nação. (HITLER, 1934). 

  Ao  afirmar  que  foi   a  necessidade  dos  alemães  que  os  uniu  (SD  24),  Hitler  relacionou  algo  penoso  (no  caso,  a  necessidade  de  melhoria  econômica) a algo compensador (a união do  povo).  Essa  relação  era  usada  por ele diversas vezes, sempre com  a intenção de mostrar como  a  realização  de  sacrifícios,  no  final,  valeriam  a  pena.  Na  SD  25,  Hitler  falou  dos  infortúnios  passados  pela  nação,  que,  como  visto,  trata­se  das  consequências  deixadas  pela  derrota  na  1ª  Guerra Mundial e a assinatura do Tratado de Versalhes. Dessa maneira,  entende­se que levava  os  interlocutores  a  realizar  uma  reflexão  sobre  todas  as  situações  difíceis  vividas no passado,  e, assim, reforçar no seu interior a vontade de nunca mais passar por aqueles momentos.  Já  na  SD  26,  Adolf  Hitler  usou  de  analogia  para  descrever  o  percurso  que  o  país  percorreria  até  chegar  à  união  desejada.  “Tambores”  e  “bandeiras”, nessa SD, são referências  aos  elementos  simbólicos  do  NSDAP;  “grupos”,  representam  as  organizações  vinculadas  ao  partido  ­  como  a  SS,  a  SA  e  a  JH,  por  exemplo.  Ou  seja,  gradativamente  os  elementos  que  compunham  o  partido  seriam  postos  em   primeiro  plano.  Ao  final,  o  governo  firmemente  estabelecido como uma “poderosa coluna”, conduziria a nação e, assim, todos estariam unidos  e  fortes.  Hitler  construiu  uma  linha  de  raciocínio  na  qual  se  mostrava como o indivíduo  mais  capacitado  para  liderar  a  reconstrução   do   país.  Entende­se  que,  ao  se  direcionar  à  grande  massa,  Adolf  Hitler  utilizava  figuras  de linguagem mais abrangentes, buscando construir uma 

 

história  na  cabeça  dos  interlocutores  e  conduzi­los  à  conclusão  que  queria  que  eles  chegassem.  A  SD  42  descreve  aspectos  da  situação  anterior  da  Alemanha,  ou  seja,  o  governo  democrata  orientado  pelo  capitalismo que, segundo Hitler, servia apenas para segregar o povo  em  classes.  Deixa  claro,  também,  como  todos  contribuiriam  para  as  melhorias  e,  por  consequência,  despertariam  o  orgulho  daqueles  diretamente  envolvidos  nesse  processo.  Entende­se  que,  dessa  maneira,  Hitler  procurava  fazer  com  que  esses  interlocutores  se  sentissem  importantes  e  necessários,  para  que  as  melhorias  ocorressem.  Após,  com  o  país  reconstruído,  toda  nação  veria  neles  os  responsáveis  por isso. Reforça­se aqui o fato das falas  serem  em  nome  da  nação  e  para  a  nação.  Todos  como  uma  unidade  e  não  como  indivíduos,  reforçando a mensagem de união.  As  SD’s  01  e  02,  apresentadas  na  sequência,  foram  retiradas  da  enunciação  de  Hitler  voltada à JH:    SD  01:  E  nós  sabemos  que  para  milhares  da  nossa  população  o  trabalho  não  está  longe de ser um conceito que segrega, mas que une a todos. (HITLER, 1934).  SD  02:  E  eu  sei   que  assim  como  você  serve  a  Alemanha  com  humildade  hoje,  a  Alemanha verá em vocês filhos marchando com alegria. (HITLER, 1934). 

  Ao  exaltar  a  importância  o  trabalho, na SD 01, Hitler traz a tona  mais uma dificuldade  do  país:  a  falta  de  trabalho.  Na  sua  gestão,  o  desemprego  estava  gradativamente em redução,  entretanto  essa  dificuldade  não  estava  solucionada.  Entende­se  então  que,  novamente,  Hitler  quer  reviver  no  seu  interlocutor uma dificuldade ainda vivida por eles. Bem como, conduzir o  interlocutor  para  a  seguinte  conclusão:  se  Hitler  quer  a  unificação  da  nação  e  para  ele   o   trabalho une as pessoas, na sua gestão não faltará trabalho.  Na  SD  02,  servir  à  Alemanha  está  relacionado  a  trabalhar  para  a  Alemanha,  uma  vez  que  essas  falas  são   direcionadas  ao  grupo  de  trabalhadores  da  JH.  Considerando  que  o  povo  alemão  anos  após  a  derrota  na  Guerra  ainda  não  possuía  uma  base   econômica  e  governamental  sólida,  é  compreensível  que  houvesse  um  clima  de  incapacidade  e  desmotivação.  Nesse  enunciado,  Hitler  mostra  depositar  nesse  povo  desesperançoso  a  sua  confiança  e  garante  que  todos  juntos  não  só  reconstruirão  o  país  através  do  trabalho,  mas  também  serão  reconhecidos  por  isso.  Cria­se,  assim,  um laço de confiança entre enunciador e  enunciatários.  E,  principalmente,  se  desperta  a  confiança  dos  interlocutores  neles  mesmos.  Essa confiança foi fundamental para Hitler atingir seus objetivos nos anos que seguiram. 

 

Por  sua  vez,  a  SD  35,  direcionada  à  SS  e  SA  durante  o  Congresso,  trata  da  união  em  nome da Alemanha:  SD  35:  Não, meus  camaradas,  nós  estamos  unidos  em  nome  da  nossa Alemanha. E  devemos continuar unidos por esta Alemanha. (HITLER, 1934). 

Destaca­se  que  todas  as  enunciações  de  Hitler  à  SS  e  SA,  realizadas   durante  o  Congresso,  tem  marcas  da  chacina  ocorrida  meses  antes  sob liderança de Hitler, na Noite dos  Longos  Punhais.  Portanto,  nessa  SD,  quando  Hitler  afirma  que  “estamos  unidos”  e  que  “devemos  continuar  unidos”,  refere­se  à  situação  anterior  da  SA.  Conforme  visto  na  contextualização  histórica,  a  organização,  segundo  ele,  contava  com  alguns  integrantes  desleais,  em  desacordo  com  os  ideais  do  NSDAP  e  da  Alemanha.  Por  isso  manchavam  a  imagem  do  movimento  desintegrando  o  grupo.   Essa  SD,  portanto,  reforça  que  a  Noite  dos  Longos  Punhais  foi  necessária  para  reconstruir  e  reunificar  essas  organizações,  que  estavam  desvirtuando­se 

do  objetivo  central  do  NSDAP.  Novamente,  a  relação  de 

sacrifício­compensação.  Nota­se,  assim,  que  Hitler  sempre  retomava  em  seus  pronunciamentos  os  momentos  difíceis  do  país  com  a   intenção  de mostrar como a situação em seu governo era melhor. Além  disso,  dirigia­se  à  nação  e  pela  nação,  o  que  contribuía  com  a  sua  representação  de  líder  unificador  e  salvador.  Ao  falar  diretamente  com  as  organizações  vinculadas  ao  seu  partido,  Hitler  além  de   ressaltar  as  dificuldades  destacava  a  importância  desses  interlocutores  na  reconstrução da Alemanha.  Como visto também, Hitler cita várias vezes a importância da união. Comprova­se, por  conta  disso,  que  ele  percebia  aquele  momento  como  um  momento  de  desunião  ­  ou  pelo  menos,  sem  a  união  que  ele  considerava  ideal  ­  e  por  isso  reforçava  tanto  essa  necessidade.  Entende­se  que  essa  união  desejada  por  Hitler,  trata­se  de  todos  seguindo  suas  orientações,  observando os ideais do NSDAP e trabalhando unidos pelo país.  FD 2 ­ Os Interlocutores (de Adolf Hitler) por Adolf Hitler  A  segunda  FD  identificada  como   relevante,  diz  respeito  a  como  Hitler  citava  seus  interlocutores  nas  suas  falas.  Analisar  como  ele  descrevia  seus  interlocutores  mostrou­se  como  um  aspecto  revelador  da  sua  intenção  de  orientá­los  a  realizar  as  ações  que  ele  propunha. E, ao mesmo tempo, firmar sua posição de ​ Führer​ . 

 

As  SD’s  abaixo,  extraídas  da  enunciação  de  Hitler  para  a  JH,  mostram  como  ele  buscava  elevar  a  moral  de  seus  interlocutores,  citando  suas  qualidades,  os  valores  que  eles  seguiam,  os  seus  sentimentos  para  com  a  nação  e colocando­os no papel de protagonistas  das  ações a serem realizadas:    SD  01:  E  nós  sabemos  que  para  milhares  da  nossa  população  o  trabalho  não  está  longe de ser um conceito que segrega, mas que une a todos. (HITLER, 1934).  SD 04: Por mim e por todo o povo alemão. (HITLER, 1934).  SD 05: Vocês representam um grande ideal. (HITLER, 1934).  SD  10:  Minha  Juventude  alemã.  Depois  de  um  ano,  eu   os  saúdo   aqui  novamente  Hoje,  aqui  neste   lugar,  vocês  são  uma  amostra   do  que  nos  cerca  na  Alemanha  inteira. (HITLER, 1934).  SD  11:  E  eu  sei   que  isso  não  pode ser  diferente.  Porque vocês  são  carne da  nossa  carne  e  sangue  do  nosso  sangue.  E  em  suas  jovens  cabeças,  arde a  mesma  paixão  que nos guia. (HITLER, 1934). 

  Destaca­se,  que  na  SD  04  Hitler  ressalta  a  ideia  de  que  não  somente  ele  e  o  NSDAP  viam  a  JH  como  fundamental  para  o  futuro  do  país,  mas  sim  toda  a  população.  Com  isso,  identifica­se  a  vontade  de  Hitler  por  motivar  os  jovens  trabalhadores   do   Partido  à  ação,  entregando­lhes  a  responsabilidade  pela mudança necessária e desejada por todo o país. Isso é  reforçado  na  SD  11,  quando  Adolf  Hitler  fazia  seus  interlocutores  sentir­se  no  dever  de agir,  alegando  que  não  só  eram  membros  de  uma  mesma  nação,  mas  possuíam  laços fortes  que os  uniam  (como  se  fossem  da  mesma  família):  o  mesmo  sangue  e  a  mesma  carne.  Além  disso,  remete ao forte sentimento nacionalista, um dos fundamentos do Partido Nazista.  Nas  SD’s que seguem, Hitler se  dirigia aos integrantes da SS e SA. Elas revelam como  ele  articulava  com  os  membros  dessa  organização  que  como  visto,  acabava  de passar por um  momento conturbado:    SD  36:  Entrego  a  vocês   as  bandeiras  e  estandartes,  com  consciência  de  que  estou  dando para as mãos mais leais da Alemanha. (HITLER, 1934).   SD  42:  Em  tempos  passados,  vocês provaram lealdade a  mim. E em tempos à frente  de nós, não poderá ser e nem será diferente. (HITLER, 1934). 

  Aqui,  Hitler  fazia  questão  de  descrever  seus  interlocutores  como  leais.  Isso  porque,  após  os  acontecimentos  na  Noite  dos  Longos  Punhais,  ainda  parecia  temer  alguma  rebelião  dos  membros  da  SA,  que  naquela  época,  contava  com  milhões  de  membros.  Apesar  de   ter  eliminado  as  lideranças  que,  segundo  Hitler  ameaçavam  a   paz  no  país,  ele  sabia  que  se a SA  tentasse  agir  contra   seu  governo,  causaria  sérias  consequências.   Portanto  ao  citá­los  como  leais,  Hitler estava relembrando­os da lealdade que o deviam. Reforçando que assim, como no 

 

passado,  ­  ou  seja,  no  início  da  organização  quando  serviam  apenas  de  segurança  dos  comícios ­ naquele momento também deveriam ser leais a ele.  Na  sequência  têm­se  SD’s  pertencentes  ao  pronunciamento  de   Hitler  para  o  povo  em  geral durante o Congresso. Elas indicam como ele retrava os apoiadores do partido:    SD 43: Isto foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros  de luta. (HITLER, 1934).  SD  45:  só  os  melhores  Nacionais  Socialistas  são  membros  do  partido.  (HITLER,  1934). 

  “Combatentes”,  “companheiros  de  luta”  e  “os melhores” são vocativos que remetem à  batalha,  que  naquele  contexto  era  segundo  Hitler,  necessária  para  a  reestruturação  do  país.  Portanto,  Hitler  tratava  os  interlocutores  como  colegas  de  luta, que juntos conquistariam seus  objetivos. Isso aproximava enunciador e interlocutor, e encorajava o enfrentamento.  A  SD  44,  também  proferida ao povo em geral, expõe novamente a relação  comumente  feita por Hitler de sacrifício ­ compensação, desta vez para descrever seu interlocutor:  SD  44:  Como um partido,  tivemos  que  continuar  com  a  minoria  a  fim de mobilizar  aqueles  com  espírito  de  luta  e  senso  de  sacrifício.  E esses  nunca  foram a  maioria,  mas sempre a minoria. (HITLER, 1934). 

Dessa  forma,  Adolf  Hitler  citava  a  luta  da  minoria,  composta  por pessoas com “senso  de  luta  e  sacrifício”  para  formar  o  partido  que,  como  mostrado,  possuía  os  ideais  capazes  de  conduzir toda a nação.  Essa  FD  revela  como  Hitler  buscava  convencer  e  motivar  os  interlocutores  a  agirem  conforme  ele  orientava.  Assim tornava­os íntimos, próximos, parceiros, leais ao mesmo ideal,  como irmãos, ou seja, não poderiam seguir caminhos e ideais diferentes.  FD 3 ­ O ​ Führer​  e o NSDAP pela perspectiva de Adolf Hitler  Essa  FD  diz  respeito  a  como  Hitler  se  referia  a  si  e  ao  seu  partido,  que como visto na   contextualização  sócio  histórica,  era  tido  como  uma  extensão  do  ​ Führer​ .  E  mostrou­se  relevante por evidenciar como Adolf Hitler gostaria de ser visto pelos seus interlocutores.  Apresenta­se   a  seguir,  SD’s  da  enunciação  de  Hitler  ao  povo,  nas  quais  ele  retoma  alguns  fatos  do  início  da  história  do partido a fim de construir uma reflexão sobre o momento  vitorioso que viviam:    SD  45:  Como um partido,  tivemos  que  continuar  com  a  minoria  a  fim de mobilizar  aqueles  com  espírito  de  luta  e  senso  de  sacrifício.  E esses  nunca  foram à  maioria,  mas sempre a minoria. (HITLER, 1934). 

  SD  46:  E  talvez,  a  despeito do esplendor deste evento, alguns de vocês se lembrarão  saudosamente  dos  dias  em  que  foi  difícil  ser  um  Nacional   Socialista.  (HITLER,  1934).  SD  47:  Quando  nosso partido  consistia  em  apenas  sete  homens, ele proclamou dois  princípios.  Primeiro,  queria  ser  um  Partido  com  projeção  mundial.  E  segundo,  queria, sem compromisso, exclusividade do poder na Alemanha. (HITLER, 1934). 

  Nas  SD’s  anterior, Hitler relembrava a difícil trajetória do movimento e reforçava para  seus interlocutores a grandiosidade do NSDAP naquele momento e como foi importante a luta  e  a  dedicação  dos  seus  membros  no  passado  para  essa  conquista,  mesmo  diante  de  dificuldades,  mesmo  sendo  a minoria. Adolf Hitler, portanto, apresentava, a si e a seu partido,  como  os  responsáveis  pela  vitória  que  a  Alemanha  vinha  alcançando  e   que  ainda  alcançaria,  representada  pela  grandiosidade  daquele  evento.  Mais  uma  vez,  identifica­se  a  intenção  de  Hitler  em  despertar   nos  interlocutores  a  ideia  de  que  a  luta,  a  dedicação  total  e  o  vigor  eram  necessários  para  que  a  Alemanha  crescesse  e  se  desenvolvesse  e  que,  ao  final,  todos  seriam  recompensados.  Na  SD  57,  apresentada  a  seguir  e  extraída  da  enunciação   ao  povo  em  geral,  Hitler  relembra  períodos  em   que  o  NSDAP  passou  por  complicações  e,  por  conta  disso,  sofreu  perdas  de  alguns  membros  ­   que  naquele momento ele descreveu como débeis, demonstrando  que  não  faziam  falta  ­  do  partido.  Não  fica  claro  sobre  qual  momento  especifico  Hitler  se  referiu.  Sabe­se  que  ele  o  NSDAP  passaram  por  diversos  reveses  na  década  de  20,  como:  O  NSDAP  sido  vetado,  por  conta  do  ​ Pusth  ​ liderado  por  ele  em  1923;  SA  e  a  SS  tiveram  suas  atividades  proibidas,  devido  às  suspeitas  de  revolução;  ele  mesmo  foi  impedido  de  discursar  logo após sair da prisão:  SD  57:  Uma  vez,  nossos  adversários  acharam  meios,  através  de  perseguições   e  proibições,  de  extirparem  os  mais  débeis  elementos  do   nosso  movimento.  Agora,  devemos  vigiar a nós mesmos  e rejeitar aquele que for mau e, por isso, não tem a ver  conosco. (HITLER, 1934). 

O  fato  relevante  é  que  Hitler,  ao  descrever  essas  pessoas  extirpadas  como  débeis,  demonstra  que  essas  perdas  não  foram  um  erro  e  pede  que  daquele  momento  em  diante  os  integrantes  do  movimento  estejam  em  alerta para identificar e rejeitar elementos semelhantes.  Entende­se  que  nessa  SD  ele  retoma  os  princípios  valorizados  pelo  NSDAP  como  honra  e  lealdade,  mostrando  mais  uma  vez  que  o  partido  possui  princípios  sólidos  e  que  sempre  os  segue,  apesar  de  qualquer  circunstância.  O  que  também  não  deixa  de  revelar  aspectos  contraditórios  das  enunciações  de  Hitler.  Pois  conforme  já  visto,  ele  não  costumava   afastar 

 

nenhum  membro  do  seu  partido   ao  praticarem  alguma  atitude  “má”,  mas  sim,  quando  o  indivíduo  ia  contra  suas  vontades  e  interesses.  Logo,  essa  SD  revela  a  intenção  de  Hitler  em  não  aparentar  algum  sentimento  de  perda  com  esses  fatos  e  tentar   ser  superior  a  esses  acontecimentos.  Destaca­se também SD’s da enunciação de Hitler para a SS e SA:    SD  37:  Aqueles  que  acreditam   que  surgiu  uma  fissura  em  nosso  movimento  estão  enganados.  Ele  permanece  tão  firme  quanto  essa pedra  aqui.  Nada na Alemanha irá  quebrá­lo. (HITLER, 1934).  SD  38:  Só  um  louco  ou  um  mentiroso  mal  intencionado  pode  achar  que  eu  ou  alguém  mais,  podemos  ter  a  intenção  de   destruir  o  que  nós  mesmos  construímos   durante anos. (HITLER, 1934).  SD  39:  Não,  meus  camaradas,  nós  estamos  unidos  em   nome  da  nossa  Alemanha.  (HITLER, 1934). 

  Como  mencionado,  a  chacina  da  Noite  dos  Longos  Punhais  causou  insegurança  nos  membros  do  governo,  na  população  e  nas  organizações  envolvidas,  a  SS  e  a  SA.  Nas  SD’s  anterior,  Hitler  remeteu  suas  falas  a  esse  acontecimento.  Seus  dizeres  possuem  teor  de  tranquilidade,  segurança,  força  e  solidez,  ou  seja,  nada  que  remeta  a  séria  crise  que  na  realidade  havia  acontecido  e  não  estava  totalmente  solucionada.  Dessa  maneira,  entende­se  que  diante  de  situações  criticas  como  essa  ­  que,  a  princípio,  poderiam  colocar  em  dúvida  a  solidez  e  longevidade  do  Partido  ­  Hitler  reforça  a  firmeza  e  segurança  que  o  sustentavam.  Assim, vê­se que ele não permitia que a confiança dos interlocutores nele estremecesse.  Na  SD  47,  ele  apresenta  os  principais  objetivos  do  partido,  revelando  o  direcionamento  que seu governo teve: poder total na Alemanha e interesse em projetar­se para  o  mundo todo. Desta forma, portanto, deixava claro sua vontade de expandir mundialmente os  valores do NSDAP, através de um governo totalitário liderado por ele.  Na  sequência,  as  SD’s  retiradas  do  pronunciamento  de  Hitler  para  o  povo  em  geral,  seguem  mostrando  os  ideais  do  partido  nazista,  entretanto  destaca­se  nelas  aspectos  religiosos:   

SD 27: O movimento vive. Está em firmes alicerces. (HITLER, 1934).  SD 48: um símbolo da eternidade. (HITLER, 1934).  SD  49: Ele [o NSDAP] permanecerá inalterável em sua doutrina. Duro  como aço em  sua  organização.  Flexível  e  adaptável  em  suas  táticas. Na sua essência, contudo, vai  parecer­se com uma ordem religiosa. (HITLER, 1934).  SD  50:  Foi  mais  que  isso  para  centenas  de  milhares  de  combatentes.  Isto  foi  um  grande  encontro  espiritual de velhos combatentes e companheiros de luta. (HITLER,  1934). 

  SD  51:  Apenas  quando  nós,  no  Partido,  usando  todo  nosso vigor,  tivermos atingido  os  mais  altos  ideias Nacionais  Socialistas, somente então,  o Partido será um eterno e  indestrutível pilar do povo alemão e do Reich. (HITLER, 1934).  SD  58:  É  nosso   desejo,  nosso  propósito  que  este  Estado  e  este   Reich  devem  continuar a existir nos próximos milênios. (HITLER, 1934).  

  Todos  esses  trechos  revelam  alguns  dos  artifícios  místicos  habitualmente  utilizados  por  Hitler  em  suas  enunciações.  Ele  relacionava  os  princípios  do  NSDAP  como  uma  crença  digna  de  uma  “ordem  religiosa”.  O  partido  era  citado  como  um  organismo  vivo  que  duraria  eternamente.  Isso  revela  que  Hitler  desejava,  não  apenas  partidários,  mas  sim,  pessoas  vinculadas  pela  fé,   crentes  nos  ideais  do  nazismo.  Além  disso,  Hitler  destacava  a  firmeza,  uma  garantia  de  solidez  frente  a  um  povo  que,  anos  antes,  sofrera  devido  à  instabilidade  política. Isso fica evidente também nas SD’s abaixo:    SD  52:  Resolvemos  guardar  a  liderança  da  nação  e  jamais  renunciá­la.  (HITLER,  1934).  SD 53: O partido sempre será a liderança política da gente alemã (HITLER, 1934). 

  Nessas  SD’s,  também  retiradas  de  uma  fala  para  o  povo  em  geral,  Hitler  não  utilizou  de  artifícios  místicos.  Pelo  contrario,   foi  claro  e  direto.  Isso  revela  ­  algo  que   será  visto  também  mais  a  frente  ­  que  ele  usava  diferentes  recursos  para  convencer  seu  interlocutor.  Como  visto  aqui,  ora eram palavras  de conotação religiosa (que despertavam espiritualidade e  vínculos  de  fé),  ora   eram  afirmações firmes e objetivas, sem brechas para contestações. Dessa  maneira,  Adolf  Hitler abria diversas possibilidades de legitimar sua dominação, pois falava de  forma  a  agradar  interlocutores  diversos.  Era  como  se  falasse  a  língua  de  cada  um.  Conforme  sabe­se,  esse  aspecto  é  extremamente  importante  para  que  o  enunciador  atinja  os  seus  objetivos comunicacionais.  Identificaram­se  também  as  SD’s  a  seguir,  de  uma  enunciação   de  Hitler  para  o  povo  em geral, que revelaram como ele elevava sua pessoa e o seu partido perante os demais:    

SD 54: Nós carregamos o melhor sangue e sabemos disso. (HITLER, 1934)  SD  55:  E  com  uma  dedicação  impressionante,  o  melhor  da  raça   alemã  assumiu  a  liderança  do  Reich,   do  povo.  E,  por  causa  disso,  o  povo  aprovou  e  legitimou  essa  liderança. (HITLER, 1934).  SD  56:  Porque  a  ideia  e   o  movimento  são  a  expressão  da  nossa  gente  […].  (HITLER,  1934).SD 65: O VI Congresso do Partido está chegando ao final.  Milhões  de   alemães  de  classes  diferentes  das  nossas  podem  ver  isto  só  como  uma  impressionante mostra de poder político. (HITLER, 1934).  

  Na  SD  65,  constata­se  que  Hitler  queria  que  o  seu  governo  fosse  visto  como  detentor  de  poder  imensurável  e,  portanto,  temível.  Em  seguida,  as  SD’s  54  e  55  exibem  como  ele 

 

justificava  ter   chegado  a  tamanho  poderio:  “Nós  carregamos  o  melhor  sangue”  (SD  54),  “o  melhor  da  raça  alemã  assumiu  a  liderança”  (SD 55). Esses trechos expõem aspectos claros de  nacionalismo  e  pangermanismo  extremos,  ou  seja,  da  elevação  da  raça ariana, de sua cultura,  idioma  e  tradições  perante  as  demais.  Relacionam­se  esses  aspectos  ao  da  antiga  teoria  de  eugenia, que foi a explicação cientifica dada para a classificação das diferentes raças, podendo  exaltar ou empobrecer as características de cada uma.   Na  SD  56,  Hitler  afirma  que  seu  movimento  é  a  expressão  do  povo  alemão.  Sabe­se  que  sim,  o  povo  alemão  e   países  vizinhos  compartilhavam  dos  sentimentos  antissemitas  e de  exaltação  da   raça  ariana.  Foi  nessa  conjuntura  que  Hitler  formou  sua  visão  de  mundo  e  solidificou  seus  sentimentos  preconceituosos.   Além  disso,  sabe­se  que  a  população  sabia  de  todas  as  ações  contra  judeus,  deficientes,  comunistas,  ciganos  e  outros  grupos  sociais.  No  entanto,  pouco  ou  nada  se  fazia  a  respeito;  alguns  alemães  inclusive  colaboravam  para  a  perseguição  a   esses  grupos.  Não  é  possível  afirmar,  porém  que  a  totalidade  dos  alemães  pensavam  da  mesma  forma  e  apoiavam  os  ideais  do  NSDAP,  mas  é  possível  afirmar  que  a   citação de Hitler não era descabida ou exagerada.  A  seguir,  na  SD  06,  retirada  da  enunciação  de  Hitler para a JH, ele afirmava que, pela  primeira  vez,  colocava  alguém  a  sua  frente,  o  que  ratifica  a  ideia de que Hitler se via a frente  de  todos.  Nesse  caso,  ele  tinha  como  objetivo  demonstrar  o  quanto  o  trabalho  da  juventude  que integrava de seu partido era importante e necessária para o país naquele momento.    SD  06:  Meus trabalhadores!  Pela primeira vez, vocês ficam  antes de mim na lista de  chamada. (HITLER, 1934). 

  Além  disso,  percebe­se,  na  próxima  SD,  também  direcionada  ao  povo,  que  ele  busca  novamente  acalmar  os  interlocutores  informando  o  seu  desejo  de  manter  a  existência  da  Alemanha:    SD  59:  podemos  ficar  felizes  sabendo  que  esse   futuro  será   totalmente  nosso  (HITLER, 1934). 

  Ele  ratifica  que  o  “futuro  será  totalmente  nosso”.  Considerando  que  o  princípio   do   Partido  era  a  "projeção  mundial”,  entende­se  quando   Hitler  diz  “nosso”,  que  ele  está  se  referindo  a  ele mesmo, ao NSDAP e ao povo alemão.  O futuro pertencia a eles, não haveria o  que temer nesse sentido. 

 

Nota­se,  através  dessa  FD,  que  Hitler  descrevia  o  partido  e  a  si  mesmo  como pessoas  fortes,  guerreiras,  alemães  puros  e  obstinados,  verdadeiros  heróis  que  sabiam  do  que  o  país  precisava.  Ou  seja,  a  população  poderia  ficar  tranquila  de  ter  pessoas  tão  importantes,  superiores  e  determinadas  na  sua  condução.  Além  disso,  ao  demonstrar  a   firmeza  do partido,  Hitler  demonstrava  o  objetivo   de  permanecer  na  gestão  do país, ao mesmo tempo em que aos  interlocutores  buscava   demonstrar  a  tranquilidade  de  um  governo  inalterável,  estruturado  e  indestrutível.  Os  aspectos  místicos  revelam  como  Hitler  apresentava  o  NSDAP  como  uma  doutrina a ser seguida tal qual uma religião, o que exigia fé e lealdade de seus membros.  Para  um  povo  que,  junto  das  sequelas  pós­1ª  Guerra,  havia  mudado  totalmente   sua  forma  de  governo ­ de Imperialista para Democrático, conforme citado por Ribeiro Jr (1991) ­  e,  em seguida, passado por  instabilidades  políticas, a promessa de um governo firme, estável e  duradouro,  poderia  parecer  muito  atraente.  Mas  não  só  isso  poderia   tranquilizar  os  interlocutores,  fazendo­o  crer  que  o  país  estava  sob  a  liderança  correta.  E  essa  tranquilidade,  fortalecia  a   confiança  do  interlocutor  no  enunciador  e   reduzia  os  questionamentos  dos  acontecimentos realizados pelos Nazistas.   FD 4 ­ As promessas de Adolf Hitler  Nesta  FD  se  evidenciam  as  promessas  e  os  desejos  de  Hitler  para  a  Alemanha,  apresentadas  em  suas  enunciações.  Reconhece­se  que  essas  intenções  podem  ter  atraído  o  interesse  e  atenção  do  interlocutor, além de terem reforçado o carisma do ​ Führer. E por isso é  relevante analisá­las.  Na  SD  07,  Hitler  falava  para a JH e ratifica a importância do trabalho como prioridade  para a reestruturação do país:    SD  07:  E,   em  particular,  ninguém  irá  morar  na  Alemanha  sem   que  trabalhe  para  nosso país. Não há outro emprego. (HITLER, 1934). 

  Além  de  ser  uma  forma  de  motivar  os  jovens  a  permanecer  executando  as  atividades  que lhes eram atribuídas, aqui,  Hitler novamente fez uma menção à eugenia. Uma vez que, em  qualquer  país  existem   pessoas  que,   por  problemas  diversos,  estão  impossibilitadas  de  trabalhar,  ao  afirmar  que  “ninguém  irá  morar na Alemanha sem que trabalhe para nosso país”  Hitler estava claramente excluindo esses indivíduos dos planos que tinha para a Alemanha.  Os  interlocutores  não  pareceram  contrários  a  essa  visão;  pelo  contrário,  o  documentário  registra  que aplaudiram essa intenção de Hitler.  

 

A  SD  28  revela  um  sentido  próximo  ao  descrito  acima,  só  que  voltado  a  outro  interlocutor.  Nesse  caso  Hitler  falava  para  o  povo,  prometendo  dedicação  total à Alemanha e  ratificando a ideia de nacionalismo e pangermanismo em suas falas:    SD  28:  Esta  é  a  nossa  promessa  esta  noite.  Toda  hora,  todo dia,  pensar  somente na  Alemanha,  nas pessoas, no Reich, na nação alemã e no povo alemão. Salve a vitória!  Salve a vitória! Salve a vitória! (HITLER, 1934). 

  Ele  ratifica  nessa  fala  como  o  país  e  o  povo  são  prioridades  para   ele  e  seu  governo.  Cabe  aqui  ressaltar  os  aspectos  de  interdiscursividade  dessa  fala,  que  permitem  afirmar  que  “nação alemã” e “povo alemão” para Hitler são somente os puramente arianos. Povos de outra  cultura, religião e ideologia ­ mesmo que nascidos na Alemanha ­ para ele não eram alemães e  não mereciam a atenção, proteção e benefícios que seu governo traria.  Nas  enunciações a seguir, verifica­se o interesse de Hitler de utilizar o Exército para as  conquistas  que,  segundo  ele,  o  país  precisava.  As  SD’s  que  exibem  isso  foram  retiradas  da  enunciação de Hitler para o povo:    SD  60:  E  neste   momento,  dezenas  de  milhares  de  membros  do  partido  deixarão  a  cidade.  Enquanto  alguns  viverão  de   suas  memórias,  outros  estarão  se   preparando  para a próxima lista. E novamente as pessoas virão e irão. (HITLER, 1934).  SD 61: E estarão determinadas, animadas e inspiradas novamente. (HITLER, 1934).  SD  66:  Então,  nosso  Exército  glorioso,  o  poderoso   portador  das  armas  da  nossa  gente,  será  ligado  à,  igualmente  tradicional,  liderança   política   do  nosso  Partido.  Juntos,  esses  dois  corpos  instruirão e  fortalecerão  o povo alemão. E eles carregarão,  em seus ombros, o Estado alemão e o Reich. (HITLER, 1934). 

  Entende­se  que,  nas  SD’s  anteriores, ao descrever o apoio do Exército e colocá­lo lado  a  lado  com  o  Partido,  Adolf  Hitler  estava  desde  o  início  predisposto  a  lutar  bélica  e  politicamente  para  defender  e  fortalecer  o  povo  alemão.  Isso  retoma  o  que  Kershaw  (2010)  relata  sobre  a  maneira  inspiradora  com  que  Hitler  encarou  a  1ª  Guerra.  Desde o início de seu  governo,  considerou  o  Exército  importante  para  a  construção  de  um  país  forte,  a  ponto  de  assassinar  homens  da  SA  que  desejavam  se  rebelar  contra  aquela  instituição.  Conclui­se,  então, mesmo nas entrelinhas, Hitler mostrou a sua disposição para novos confrontos.  Portanto,  nessa  FD  fica  claro  como  Hitler  declarou  o  que  pretendia  realizar  no  país  e  como  pretendia  realizá­lo.  Compreende­se  que  a  sua  convicção  ao  expor  seus  ideais  teria  despertado  a  confiança  dos  interlocutores,  que,  como  já  visto,  estava  ainda  fragilizado  e  sem  uma  ideologia  firme  na  qual  se  apoiar.  Para os interlocutores, essas propostas pareciam ser as  únicas  soluções  possíveis  para a situação de crise que estava instalada no país há muitos anos. 

 

Principalmente  se  comparado  com  o  governo  existente  no  pós­guerra,  que  desde  o  seu início  carregava o peso  da assinatura do Tratado de Versalhes.  Além disso, aquele governo não tinha  forças  internas  nem  o  apoio  do  povo  para  resolver  os  graves  problemas econômicos e sociais  existentes no país.  FD 5 ­ As exigências de Adolf Hitler aos seus interlocutores  Identificou­se  que  as  enunciações  de  Hitler  frequentemente  continham  pedidos  ou  exigências  para  seus  interlocutores.  Extrai­se  que  essa  era  a  forma  através  da  qual  ele  mensurava  o  apoio  recebido:  quanto  mais  as  pessoas  obedeciam  as  suas  ordens  e  agiam  conforme  sua  orientação,  mais  certeza  Hitler  tinha  de  sua   liderança.  Isso  o  fortalecia  e  dava  mais  segurança  para  suas  ideias  e  atitudes.  Assim,  essa  FD  revelou­se  pertinente  por  identificar formas com os quais Hitler buscou a legitimação da sua dominação.  As  SD's  a  seguir  demonstram  como  o ditador  buscava doutrinar seus interlocutores —  nesse  caso,  a  JH  —  informando  como  eles  deveriam  agir  a  fim  de realizarem os objetivos do  movimento nazista:    SD  12:  Nós  queremos  ser  um  povo,  E  vocês meus  jovens, são este povo. (HITLER,  1934).  SD  13:  Não  queremos  mais  ver  divisões  de   classes.  Vocês  não  devem  deixar  que   isso cresça entre vocês. (HITLER, 1934).   SD14: Vocês devem suportar privações sem se desintegrarem. (HITLER, 1934).  SD  15:  E  independente  do   que  façamos  ou   criemos  hoje,  nós   morreremos,  mas  a  Alemanha  continuará  vivendo  em  vocês.  E  quando  não   houver   mais nada  de  nós,  então  vocês  devem  segurar  em  seus  punhos  as  bandeiras  que  erguemos  do  nada.  (HITLER, 1934).  SD  21:  […]  mas  que  também  seja valente.  E  vocês  devem  ser  pacíficos.... [Hitler é  interrompido  por  aplausos].  Então,  vocês devem ser pacíficos e corajosos ao mesmo  tempo. (HITLER, 1934).  SD  22:  Queremos  um  dia  ver  um  Reich. E  vocês  devem lutar  por  isso.  (HITLER,  1934).  SD  23:  Queremos  que  nossa  população  seja  obediente.  E  vocês  devem  praticar  a  obediência. Queremos que nosso povo ame a paz. (HITLER, 1934). 

  Essas  SD’s  evidenciam  as  orientações  de  Hitler  para  a  juventude  nazista,  considerada  o  futuro  da  Alemanha.  Adolf  Hitler  queria  fazer  uso  da  força  e,  principalmente,  do  fato  de  ainda  não  terem  seus  ideais  formados  a  favor  do  partido.  Por  isso  exigia  que  eles  fossem  fortes,  resistentes  frente  às  dificuldades,  obedientes  e leais aos ideais do movimento. As SD’s  12,  13,  22,  23  e  21  mostram  que  Hitler   falava  na  1ª  pessoa  do  plural,  o  que  leva  a  entender  que  englobava  a  si  mesmo,  o  NSDAP  e  a   população  alemã.  Nas  SD’s  14  e  15,  Hitler  coloca   esse  grupo  como  responsáveis  pela  perpetuação  do  movimento  e  reforça  a  necessidade  de  seguirem firmes nessa missão. 

 

Não  diferente   disso, é  o  sentido das próximas SD’s, extraídas da fala de Hitler ao povo  em geral:    SD  29:  E  enquanto  apenas  um  de  nós  puder  respirar,  ele  dará  sua  energia  a  este  movimento.  E  o  defenderá,  assim  como  nossos  camaradas  fizeram  no  passado.  (HITLER, 1934).  SD  62:  Haverá   apenas  uma  pequena  seção  de  combatentes  ativos.  E  será  exigido  mais deles  do que de seus companheiros. Para eles, não basta declarar simplesmente:  ‘Eu acredito’, mas, de preferência, prometer: ‘Eu lutarei!’ (HITLER, 1934).  SD  63:  Quando  as  gerações  mais  velhas  mal  puderem  andar,  a  juventude  vai   dedicar­se a continuar nosso trabalho. (HITLER, 1934). 

  O mesmo ocorre na SD 40, no pronunciamento à SS e SA:   

SD 40: E devemos continuar unidos por esta Alemanha. (HITLER, 1934). 

  Todas  essas  SD’s  mostram  o  comportamento,  ações,  valores  e  princípios  que  os  interlocutores  de  Hitler  deveriam  seguir.  Ao  falar  repetidamente  o  que  esperava  de  seu  público,  Hitler  instigava  seus  interlocutores  a  realizarem  o  que  ordenado,  ratificando  seu  poder  sobre  eles.  Assim,  o  ditador  sabia  que  os  interlocutores  não  só  compreendiam  suas  exigências, mas também, que as atenderiam, confirmando o que Kershaw (2010) relata quanto  ao  culto  ao  ​ Führer​ .  Logo  no  início  de sua gestão, tanto os membros do partido quanto o povo  agiam  conforme as vontades de Hitler. Havia, segundo o autor, um interesse geral em prever e  realizar as vontades do líder, a fim de agradá­lo.  Entretanto,  percebe­se  que  Hitler  não  só  descrevia  suas  expectativas,  ele  também  colocava  seus  interlocutores  como  corresponsáveis  pelas  ações   que,  segundo  ele,  eram  necessárias  para  o  bem  de  todo  o  país.  Isso  possivelmente  despertava  sentimentos  de  dever  para com a nação e seus conterrâneos. Amostras disso são as SD’s de Hitler para a JH:    SD  16:  E  sabemos  que  vocês moças  e rapazes alemães  estão  sendo  incumbidos  de  tudo que esperamos da Alemanha. (HITLER, 1934).  SD  17:  Queremos  que  nosso  povo  permaneça  forte.  Será  difícil,  e  vocês  próprios  devem reforçar isso para os seus jovens. (HITLER, 1934).  

  Verifica­se  que,  dessa  forma,  Hitler,  após  despertar  a  confiança  dos  interlocutores em  si  mesmo,  colocava­os  em  uma  posição  importante:  a  de  agentes  da  reconstrução.  Tudo  dependia  do  engajamento  desse  agente.  Isso  demonstra  a  habilidade  de  Hitler  em  ajustar  sua  fala  conforme  o  momento  e  o  interlocutor.  Nas SD’s proferidas ao povo, ele sustentava que o  governo agia conforme o desejo da população:   

  SD  30:  Parece­lhes  intrigante  o  que  instiga  estas  centenas  de milhares em  conjunto,   o  que  nos  leva  a   aturar  necessidade,   sofrimento,  privação.  Eles  não  conseguem  entender  isso  como  algo  que  não  seja  uma  ordem  estatal.  Eles  estão  enganados.  (HITLER, 1934).  SD  31:  Não  é  o Estado que nos comanda, e sim nós que comandamos  o Estado. Não  é o estado que nos cria, mas nós que criamos nosso estado. (HITLER, 1934). 

  Sabe­se,  porém,  que  essas  afirmações  não  passavam  de  artifícios  para  convencer  o  interlocutor.  Na  SD  30,  os  traços  de  interdiscursividade  aparecem quando Hitler afirma que a  reunião  de  tantas  pessoas  não  ocorre  a  partir  de  uma  ordem   estatal,  mas  sim,  pela  vontade  própria dessas pessoas, motivadas pelas mesmas convicções e aspirações.  Hitler  também  apresentava  justificativas  para  suas  exigências.  Essas  determinações  eram  manifestas  das  mais  variadas  maneiras,  como  através  de  artifícios  místicos e religiosos,  da  exaltação   da  raça  e  da  retomada  de  valores  tradicionais,  como  o  trabalho e a lealdade. Em  alguns  momentos,  as  exigências  eram  feitas,  inclusive,  de  forma  intimidadora.  As  próximas  SD’s, retiradas da sua enunciação à JH, expõem tais justificativas:   

SD 08: A nação inteira será educada por vocês. (HITLER, 1934).  SD  09:  Esse  tempo  virá  quando  nenhum alemão  puder  ser admitido na comunidade  da nossa gente sem ter primeiro trabalhado como alguém dela. (HITLER, 1934).  SD  18:  E  quando  a  grande coluna do nosso movimento  marchar hoje triunfante pela  Alemanha, eu sei que vocês irão aderir à coluna. (HITLER, 1934).   SD  19:  E  eu  sei   que  isso  não  pode ser  diferente.  Porque vocês  são  carne da  nossa  carne  e  sangue  do  nosso  sangue.  E  em  suas  jovens  cabeças,  arde a  mesma  paixão  que nos guia. (HITLER, 1934).  SD 20: Unidos a nós, vocês não serão excluídos. (HITLER, 1934). 

  Nas  SD’s  08  e  09,  Hitler  afirmava  que  a  JH  deveria  ter  no  trabalho  a  razão  de  sua  existência.  Dessa  forma,  toda  a  nação,  espelhada  neles,  aprenderia  os  ideais  do  movimento.  As  SD’s  18  e  19  apresentam  a  forma  como  Hitler  ordenava  com  uma  fala  afirmativa  da  receptividade  à  ordem:  “Eu sei que vocês irão aderir”. Prosseguiu justificando que sua certeza  da  aceitação  da  ordem  se  dava  pelo  fato  de  que  ele  e  seus  interlocutores  pertencem  à mesma  raça,  compartilham  do  mesmo  sangue  e  ideias.  Por  isso  nada  poderia  ser  diferente ao que ele  pedia.  Na  SD  20,  por  sua  vez,  percebeu­se  o  aspecto  ameaçador.  Ao dizer que “Unidos a nós  vocês  não  serão  excluídos”,  Adolf  Hitler  evidenciava  que  quem  não   se  unir  a  ele  será  desprezado.  O   estudo sobre a conjuntura das suas enunciações expõe como ele tratava aqueles  que não compartilhavam de seus ideais.  Na sequência, apresenta­se SD’s pertencentes ao pronunciamento de Hitler ao povo:   

  SD  32:  Seria  pecado  se,  em  alguma  ocasião,  admitíssemos  deixar  de  fazer  aquilo  pelo  qual  sempre  lutamos   com  tanto  trabalho,  tanta  preocupação,  tanto  sacrifício  e  tanta necessidade. (HITLER, 1934).  SD  33:  Nós   não  podemos  ser  desleais  com   o  que   nos  deu  senso  e  determinação.  (HITLER, 1934).  SD  34:  Nada  virá  de  coisa  nenhuma se  não  for baseada  em uma ordem maior. Essa  ordem  não  nos  foi  dada  por   um   superior  terrestre.  Ela  nos  foi  dada  por  Deus que  criou nosso povo. (HITLER, 1934).  SD  64:  O objetivo  é  que  todos  os  alemães  se  tornem  Nacionais  Socialistas. Mas só  os melhores Nacionais Socialistas são membros do partido. (HITLER, 1934). 

  Através  dessas  SD’s,  entende­se  que  Hitler  demonstrava  que  suas  ordens  não  haviam  sido  inventadas  por  ele,  mas  sim  por  algo  superior  a  ele.  Em  alguns  momentos, tratava­se de  Deus,  que  havia  dado  superioridade  à  raça  ariana.  Assim,  subentende­se  que  Hitler  relacionava  o  não  cumprimento  da  ideologia  nazista  a  um  pecado.  Em  outros  casos,  o  não  cumprimento  das  orientações  significava  deslealdade  ao  partido  e/ou  ausência  de  valor  (somente “os melhores Nacionais Socialistas serão membros no partido”).  Já  nas  SD’s a seguir, direcionadas à SS e SA, Hitler  afirmava estar se dedicando a esse  grupo por crer na sua lealdade para com ele e para com o partido:    SD  36:  Entrego  a  vocês   as  bandeiras  e  estandartes,  com  consciência  de  que  estou  dando para as mãos mais leais da Alemanha. (HITLER, 1934).   SD  41:  Em  tempos  passados,  vocês provaram lealdade a  mim. E em tempos à frente  de nós, não poderá ser e nem será diferente. (HITLER, 1934). 

  Dessa  forma,  a   exigência  era,  também,  tida  como  justificativa.  Isso  porque,  sabe­se  que  Hitler  queria  naquele  momento  ­  pouco  tempo  após  a  Noite  dos  Longos  Punhais  ­ exigir  que  SA  e  SS  permanecessem extremamente leais a ele.  Entende­se  que ao chamar esse grupo  de  as  “mãos  mais  leais  da  Alemanha”  e  afirmar  que está certo de que “não poderá e nem  será  diferente”, Hitler estava usando de uma estratégia para convencer seus interlocutores.  Posto isso, compreende­se que cada interlocutor pode ter tido suas motivações internas  para  atender  às  ordens  de  Adolf  Hitler.  De  acordo  com  suas  vivências,  crenças,  princípios  e  valores,  cada   um  poderia  identificar  uma  razão  para  segui­lo.  O  fato  é  que,  apontando  justificativas  diversas,  Adolf   tinha   mais  possibilidades  de  atingir  o  objetivo  de,  ver  os  interlocutores agindo conforme suas orientações e, dessa maneira, legitimar sua dominação.    4.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE   

 

Um  ano  após  a  derrota  da  Alemanha  na  1ª  Guerra  Mundial, Adolf Hitler  chega com o  NSDAP,  em  1920,  afirmando  querer  a  unificação  do  país  através  do  trabalho,  da valorização  do povo alemão, da redução da divisão e classes, da agricultura e dos  valores do moradores do  campo.  Além  disso,  sempre  afirmou  que  o  Tratado  de  Versalhes  era   uma  humilhação  para  a  nação,  pois  diminua  um  povo  tão  importante  como  o  alemão  e  impedia  a  reconstrução  do  país.  Esse  pensamento  não  era  só  de  Hitler  ou  do  NSDAP,  mas  sim,  de  grande  parte  da  população,  contribuindo   para  que  Hitler  ganhasse  pouco  a  pouco  a  simpatia  de  todos.  Rapidamente  o  NSDAP  foi  crescendo  devido  aos  comícios  lotados  de  Hitler.  Os  temas  mais  recorrentes  eram  o  antissemitismo,  a  exploração do povo pelo governo em vigor, a inflação, a  necessidade  de   um  território  maior  para  a  Alemanha  e  a  vergonha  do  país  mediante  ao  Tratado de Versalhes.  Em  1923,  Hitler  tentou  a  tomada  do  poder  por  meio  de  uma  revolução  ­  o  chamado  Putsh  ­  que  não  deu  certo  e  acabou  com  a  prisão  de  Hitler  e  alguns   outros   partidários.  Esse  fato,  conforme  visto,  fez  com  que  ele  passasse  a  ser  visto  como um líder corajoso, disposto a  tudo  para  salvar  o  país  do  governo  que,  segundo  ele,  era  fraco  e  incapaz  de  tirar  o  país  da  crise.  Logo,  foram  criadas  organizações  vinculadas  ao   partido:  a  SA  (responsável  pela  segurança  dos  locais   dos  comícios),  a  Juventude  Hitlerista  (grupo  de  jovens simpatizantes ao  NSDAP  utilizados  como  divulgadores  do  partido  em  marchas  exibicionistas)  e  a  SS  (grupo  que  fazia  a  guarda  pessoal  de  Hitler).  Os  membros  dessas  organizações  estavam  sempre  uniformizados,  portando  bandeiras  com  enormes  suásticas  ou  águias e circulando pela cidade  por  conta  dos  comícios  ou  das  marchas  organizadas  para  a  divulgação do partido. Isso criava  um  ar  de  disciplina,  uniformidade,  ritual.  Compreende­se  que  essa  simbologia,  arquitetada  principalmente  por  Joseph  Goebbles  como  Ministro  da  Propaganda  do  partido  Nazista,  contribuiu  para  a  confirmação  dos  sentidos  de  união  e  força  que  Hitler  buscava  produzir  em  seus pronunciamentos.  Os  comícios  de  Hitler  eram  sempre  lotados,  ele  atraia  milhares  de  pessoas  devido  às  suas  qualidades  oratórias.  Ele  construía  suas  próprias  falas  e  as  proferia  com  destreza  e  convicção,  tendo  sido  bastante  reconhecido  por  isso.  Tratava­se  da   combinação  perfeita  de  paixão com domínio dos assuntos apresentados.  Em  1933,  após  13  anos  divulgando  as  suas  ideias  e  disputando  diversas  eleições  municipais  e  estaduais,  o  NSDAP  conquistou  um  cargo  de  poder  relevante,  com  Hitler  nomeado  ​ Chanceler  da  Alemanha.  Naquele  momento,  Hitler  já  era conhecido em todo o país 

 

e  possuía  diversos  apoiadores.  Em  pouco  mais  de  um  ano,  o  governo  de  Hitler  realizou  mudanças representativas no país.   A  população,  por  sua  vez,  havia  entrado  na  1ª  Guerra  Mundial  com  um  governo  imperialista,  regido  por  ideais  prussianos  de  disciplina  e  obediência,  o  que  incitou  o  sentimento  de  supremacia  nacional  fundamentado em teses pangermanistas. Naquele período,  teóricos  racistas  já  solicitavam  ao  Estado  que,  conforme  Ribeiro  Jr.  (1991),  “cuidasse  dos  elementos mais válidos da população e exterminasse os inferiores”.   A  Alemanha  saiu  da  guerra  derrotada,  com  fome,  desemprego  e  destruição.  A  assinatura  do  Tratado  de  Versalhes  que  registrava  a  derrota   do   país  e ainda garantia barreiras   para  sua  reconstrução  também  contribuiu  para  a  sensação  de  prejuízo.  Além  disso,  após  algumas  revoluções  que  só  serviram  para  acentuar  o  caos  do  país,  instalou­se  na  Alemanha  um  governo  democrático,  a  República  de  Weimar.  Não  cabe   aqui  avaliar  qual  governo  era  melhor,  mas  o  fato  é  que  essa  mudança  de  ideologia  de  governo  pode  ter  contribuído  para  uma crise de identidade cultural e social do povo alemão no pós­guerra.  O  que  aconteceu  depois  de  1934  na  Alemanha  e  em  todo  o  mundo  é  largamente  conhecido  por  todos.  Hitler  conduziu  a  humanidade  para  uma  2ª   Guerra  Mundial, com sérias  consequências.  Entretanto,  o  fato  a  se  destacar  é  que  ele  não  realizou  tudo isso sozinho. Pelo  contrário,  ele  contou  com  vasto  apoio  de  membros  do  seu  partido,  do  partido  que  estava   governando  naquele  momento  e  que  lhe  colocou no poder, e, de grande maioria da população  alemã.  Apreendeu­se  que  Hitler  trouxe  a  mensagem  certa,  para  o  interlocutor  certo,  no  momento  certo.  Como  visto,  ele  ficou 13 anos  afirmando a mesma coisa, conquistando pouco  a  pouco  a  confiança  e  lealdade  dos  seus  interlocutores.  Justamente  em  um  período  sensível,  pós­derrota  da  1ª  Guerra,  no  qual  o  país  estava  enfraquecido,  econômica  e  culturalmente,  e  precisava superar sérias dificuldades.   Em  contrapartida,  a  mensagem  do  governo  até  então  no  poder  e  dos  partidos  concorrentes,  não  se  mostrava  forte  e  embasada  como  a  de  Hitler. O governo estava em crise  constante,  sem  conseguir  livrar  o  país  das  sérias  dificuldades  socioeconômicas,  da  crise  cultural  e  de  identidade.  Um  país  que  antes  de entrar na guerra era uma referencia econômica  baseada  em  princípios  sólidos,   após  a  1ª  Guerra via­se desestruturado, fraco economicamente  e sem perspectivas de crescimento. 

 

Hitler  não  desistiu  do  que  queria,  não  mudou  sua  mensagem.  Mostrou­se  sempre  à  disposição  do  país  e  obstinado  a  realizar  o  que  fosse  necessário  para que a Alemanha que ele  idealizava  se  tornasse  realidade.  Vê­se  que  diante  de  anos  aguardando  por  uma mudança que  não  vinha,  Hitler  e  sua  proposta   fascinante  ­  reforçada  por  toda  a  simbologia  e  fortemente  divulgada  pela  propaganda  maciça  do  partido  ­  pareceram  ser a última esperança de um povo  em voltar a ser o que era.  Hitler  conquistou  seus  seguidores  gradativamente,  mas  a  cada  um  que  conquistava  exigia  lealdade,  dedicação  e  força  para  encarar  o  que  fosse  necessário   para  que  os  objetivos  fossem  alcançados.   Objetivos  esses  que  ele  justificava  como  fundamentais  para  a  transformação   do   país.  Além disso, afirmava que estava seguindo a chamada “providência”: o  país  só  seria  salvo  por  um  homem  forte  o  suficiente  para  encarar  todas   as  lutas  necessárias e  ele havia sido escolhido para essa missão.  O  interlocutor  acreditou,  vestindo  a  camisa do NSDAP e depositando em Hitler toda a  sua  fé  e  esperança.  Realizou  tudo  o  que  podia  para  agradar  a  seu  ​ Führer:    agia  conforme  acreditava  ser  da  sua  vontade,  afinal  confiava  que  tudo   que  o  ​ Führer  fazia era para o bem do  país.  Até  as  atitudes  mais  questionáveis  do  ​ Führer  eram  vistas  como compreensíveis frente à   necessidade.  Quando  Hitler  anuncia  que,  mesmo  contra  o  Tratado  de  Versalhes,  reconstruiu  o  Exército,  anexou  a   Renânia  ­  um  dos  territórios perdidos na 1ª Guerra ­ à Alemanha e anexou  a  Áustria, estava mostrando claramente a sua disposição para guerrear. Uma nova guerra era o  que  o  povo  mais  temia.  Entretanto,   como  ele  estava  vencendo  facilmente  essas  batalhas  menores,  ao  invés  de  recear  a  sua  forma  de  gestão,  o  povo  o  apoiou,  o  aplaudiu  pela  sua  capacidade  de  conquistar  espaços  tão  importantes  para  a  Alemanha.  Assim,  no  lugar  de  criticas  ele  recebeu  elogios,  que  aumentaram  a  sua  autoestima  e  a  segurança  que  precisava  sentir  para  seguir  o  seu   governo  nesse  formato.  Além  disso,  o  êxito a partir de guerras estava  na  memória  do  povo.  Como  visto,  o  país  foi  organizado  a  partir  de  conflitos  vencidos,  que  faziam  o  povo  se  orgulhar  de  seu  passado  de luta e conquistas. Esse sentimento modificou­se  após  o  resultado  da 1ª  Guerra, mas naquele momento ­ com os pequenos primeiros triunfos  de  Hitler ­ estavam ressurgindo no povo.  Em  1939,  quando  Hitler  declarou  guerra  à  Polônia,  iniciando  a  2ª  Guerra  Mundial,  a  grande  parte   da  população  comemora.  Esse  fato  é  extremamente  revelador  quanto  à  legitimação  da  dominação  de  Hitler.  A  confiança  de que o ​ Führer jamais daria um passo sem 

 

ter  a  certeza  da  vitória,  colocando  o  povo  em  situação  difícil,  era  tamanha  que  o  interlocutor  apenas  o  apoiou.  Os  soldados  foram  em  festa  para a guerra, as famílias confiavam seus filhos  e  maridos  para  a  luta  com  a  certeza de que o êxito viria. Durante os primeiros anos de guerra,  devido  algumas  conquistas  da   Alemanha,  essa  confiança  apenas  aumentou  e  se  solidificou.  Com isso, o medo da guerra e da destruição sumiu.  Antes  do  início  da  guerra,  Hitler  já  havia  colocado  em  prática  diversas  leis  discriminatórias  contra  judeus,  deficientes  e  membros  de  outros  partidos.  A  partir  do  2ª  ano  do  seu  governo  começou   a  criar  os  campos  de  concentração,   que  serviam  para  o  extermínio  daqueles  que  eram  julgados  como  inúteis  para  o  país  ­  em  sua  maioria  judeus  ­,  e os demais,  tinham sua força de trabalho fortemente explorada em condições precárias de sobrevivência.   Entretanto,  não  cabe  como  justificativa  que  o  interlocutor  de  Hitler confiava nele sem  saber  das  atrocidades  que  ele  fazia.  Conforme  relatado  por  Kershaw  (2010),  todos  agiam  de  forma  a  agradar  o  líder  que  haviam  escolhido.  Ratifica­se  assim,  que  Hitler  conseguiu  a  legitimação da sua dominação.  Cabe  aqui  então,  retomar  a  teoria  de  Max Weber, a  fim de esclarecer quais os tipos de  dominação  legítima  foram  exercidas  por  Hitler  naquela  época.  De  acordo  com  Weber  (2000,  p.  158159),  a  dominação  carismática  ocorre  quando  o  dominador  utiliza­se  de  seu  carisma  com a pretensão de dominar. O autor define carisma como  [...]  uma  qualidade  pessoal  considerada   extracotidiana  (na  origem,  magicamente  condicionada,  no caso  tanto dos  profetas quanto dos sábios  curandeiros ou jurídicos,  chefes  de  caçadores  e  heróis  de  guerra)  e  em  virtude  da  qual  se  atribuem  a   uma   pessoa   poderes  ou  qualidades  sobrenaturais,  sobre   humanos,  ou,  pelo  menos,  extracotidianos  específicos  ou  então  se  a  torna  como  enviada  por  Deus,  como  exemplar e, portanto, como líder. 

Conforme  visto,  Hitler  descrevia  a  si  mesmo  como  alguém  diferenciado,  obstinado  e  escolhido  pela  providência  divina  para  salvar  a  Alemanha.  É  importante  relembrar  que  segundo  Weber  (2000)  deve  ser  levando  em  conta  como  essa  característica é entendida pelos  dominados,  também  chamados  de  adeptos.  O  livre  reconhecimento  do  carisma   pelos  dominados  é  o  que  decide  a  sua  validade,  solidificada  através  de  provas   (inicialmente  milagres,  entrega  de  revelações,  veneração  de  heróis  ou  confiança  do  líder).  Nas  palavras  de  Weber  (2000,  p.  159),  “psicologicamente,  esse  reconhecimento  é  uma  entrega  crente  e  inteiramente  pessoal  nascida  do  entusiasmo  ou  da  miséria  e  esperança”.  Foi  largamente 

 

explanado  até  aqui  como  os  interlocutores  reconheciam  em  Hitler  a  característica  de  líder  salvador e depositaram nele toda a confiança.  Quanto  às  entregas  de  milagres  ou  revelações  que  Hitler  poderia  ter  feito  aos  seus  interlocutores  a  fim  de  reafirmar  a  sua  posição,  tem­se  desde  as  melhorias  econômicas  com  gerações  de  emprego,  aumento  e  valorização  da  produção  rural,  redução  de  impostos  para  industriarias,  até,  a  anexação  da  Renânia,  Áustria  e  surpreendentemente  vitória  rápida  e  sem  grandes  perdas   sobre  a  França  ­ algo considerado praticamente impossível e que Hitler após a  vitória, afirmou estar seguindo a providência quando decidiu realizar a invasão. 

 

Outra  característica  da  dominação  carismática  que  é  visível  na  gestão  de  Hitler,  diz  respeito  ao  quadro  administrativo.  Conforme  visto,  Weber  (2000)  explica  que  o  quadro  administrativo  do  senhor  carismático  é  definido  apenas por nomeação, segundo inspiração do  líder,  não  existindo  carreira,  nem  ascensão.  Não  há  hierarquia  nem  autoridade,  apenas  encarregados  de  carisma  limitados  pela  missão  senhorial.  Há  criações  de  direito  através  do  juízo  de  Deus  e  revelações.  Era exatamente assim que Hitler  estruturava seu governo: quando  ele  acreditava  que  determinado  partidário  estava disposto a agir conforme ele acreditava ser o  correto,  ele  o  mantinha  no  cargo.  A  partir  do  momento  que  Hitler  sentia  que   algum   membro  do  seu  governo  não  era  leal  o  suficiente  para  com  os  ideais  nazistas,  ele  simplesmente  o  substituía,  quando  não  absorvia  para  si  aquela  função.  Isso  era  feito  sem  considerar  a  capacidade  do  indivíduo  em  executar  aquela  função,  era  considerado  apenas  como  Hitler  via  determinada pessoa.  Esse  tipo  de  dominação,   segundo  o  autor,  rejeita  o  aproveitamento  econômico  dos  dons  divinos  como  fonte  de  renda,  pois  reconhece  que  o  carisma  se  estabelece  onde  existe  vocação.  Porém,  isso  acaba  sendo mais um ideal do que uma realidade, pois  em cada situação  de  dominação  há  sempre  um  interesse  material  a  ser  cumprido.   No  caso   do   líder  carismático  partidário,  como  explica  Weber,  ele  busca meios materiais  de garantir o seu poder.  O que, de  fato,  desconsidera­se  nesse  tipo  de  dominação é a forma comum de  receita, regular através de  atividade  econômica.  O  suprimento  das  necessidades  carismáticas   ocorre  por  patrocínio  (gorjetas,  doações,   corrupção),  esmolas,  herança  ou  extorsão  (violenta  ou  pacífica).  Como  visto,  o  NSDAP  foi  financiado  por  patrocínio,  doações  de  grandes  empresários  que  simpatizavam  com a  ideologia do partido. Depois, quando já estava no governo, foi através de  corrupção  e  extorsão,  que  Hitler  conseguiu  reiniciar  a  produção  de  armamentos,  carros  e 

 

aviões  e  guerra.  Isso  porque,  devido  o  Tratado  de  Versalhes,  a  Alemanha  estava  proibida  de  fazer isso.  Weber  esclarece  como  a  ação  do  carisma  acontece  sobre  os  dominados.  Ele  cita  a   vinculação  do  carisma  à  tradição,  que  age  de  fora  para  dentro.  Isto  é,  modifica  o  ambiente  externo  do  dominado  ­  como  o  ambiente  em  que  vive,  por  exemplo  ­  e  por  consequência,  causa  mudanças   internas  no  dominado  ­  como  uma  alteração  de  valores,  por  exemplo.  Essas  mudanças  podem  surgir  em  contextos  de  “miséria ou entusiasmo” e significam uma mudança  da  “direção  da  consciência  e  das  ações,  com   orientação  totalmente  nova  de  todas  as  atitudes  diante de todas as formas de vida e diante do “mundo”, em  geral. ” (WEBER, 2000, p. 161).   Esse  aspecto  também  é  encontrado  na  dominação  de  Hitler.  Visto que  ele exaltava os  valores  mais  tradicionais  e  disciplinadores  da  cultura  alemã,  causando  nesse  sentido  uma  mudança  externa,  ou  seja,  no  contexto  dos  dominados.  Essa  mudança  foi  facilmente  absorvida,  já  que  se  aproxima  do  tipo  de  governo  Imperialista  existente  no  país  antes  da  1ª  Guerra.  Por  consequência,  esse  novo  ambiente  ocasionou  mudanças  internas  no  dominado,  quanto  sua  percepção  de  princípios  e  valores.  É  possível  afirmar,  portanto,  que  esse  estilo  conservador  de  governo  pode  ter  contribuído  para  conquistar  seus  interlocutores  e  causar  neles as mudanças necessárias para que tivessem maior aderência ao governo de Hitler.  Porém,  o  aspecto  mais  evidente  de  que  Hitler  exerceu  a  dominação  carismática  sobre  seus  interlocutores  naquela  época  é  o  que  Weber  (2000)  define  como  racionalização  das  relações  dentro  das  associações.  Esse  processo  faz  com que o reconhecimento do  líder  fosse  um  fundamento  e  não  uma  consequência  da  sua  legitimidade.  Assim,  o  aspecto  autoritário  do  carisma  é  transformado  em  antiautoritário.  Nesse  caso,  o  autor  afirma  que  o  líder  é  eleito  e  levado  formalmente  ao  poder  pelos  dominados  através de livre escolha, sendo  a  forma  mais  comum   de  definição  do  líder  é por plebiscito (eleições). E foi justamente nesse  formato  que  Hitler  validou  sua  função  de  ​ Chanceler  e  posteriormente  de  Presidente.  Logo  após  realizar  as  articulações  políticas  para  assumir  esses  cargos,  realizou  plebiscitos  a fim de  validá­las  junto  ao  povo.  Como  se  ele  não  estivesse  impondo  a  sua  função  de  ​ Chanceler  e  logo depois, ​ Chanceler​  e Presidente. Mas sim, verificando a opinião da grande massa.  No  tipo  de  carisma  antiautoritário,  o  dominador  se  apoia  em  funcionários  que  atuem  de  forma  ágil  e  sem  criar  conflitos.  E  procura  associar  seu  carisma,  frente  aos  dominados,  a  “honra  e  glória  militar  ou  promovendo  seu  bem  estar  material”  (WEBER,  2000,  p.  177).  O  fato  de  Hitler  ter  lutado  na  1ª  Guerra  era  comumente  usado  nas  propagandas  nazistas  e  em 

 

seus  discursos,  como  forma  de  ratificar  sua  imagem  de  homem  corajoso  que  lutava  pela  Alemanha.  Esse  formato  aproxima­se  do  formato  de  dominação  legal,  que  é  o  outro  tipo  de  dominação  que  percebe­se  com  a  análise  feita,  que  Hitler  também  exerceu.  A  dominação  legal  apresenta   caráter  racional  e,  segundo  o  autor,  baseia­se  na  obediência  dada  por  normas  de  determinado  contexto  e  que  todos aqueles que fizerem parte desse contexto devem  seguir.  Hitler  exerceu  esse  tipo  de  dominação,  pois  à  medida  que  conquistava  posições  de  poder  no  governo  ­  ou  seja,  aumentava  sua  posição  hierárquica   ­  ele  determinava  leis  que  representassem  os  seus   ideias,  crenças,  e,  essas  leis  deveriam  ser  seguidas  por  todos  naquele  contexto.  Exemplos  disso  não  faltam:  a   lei  de  esterilização;  o  decreto  de  emergência  que  retirou  a  liberdade  de  manifestação  do  povo  e  tomou o controle total da imprensa; a mudança  nas  regras  de   contratação  de  judeus  para  serviços  públicos;  a  alteração  no  currículo escolar a  fim  de  incluir  conteúdos  semelhantes  aos  ideais  nazistas;  a  lei  de Nuremberg, que oficializou  a exclusão dos judeus no país, entre tantas outras.   Pagés  ​ et  al.  (1993)  afirmam  que  é  através  da  criação  de  normas e regras que esse tipo  de  dominação  é  efetivada.  Trata­se  da  dominação  da  impessoalidade,  em  que  tudo  é  feito  apenas  por  dever,  sem  paixão  ou  entusiasmo.  Cabe  aqui,  uma  ressalva  de  que,   após  a  2ª  Guerra,  durante  os  julgamentos  dos  criminosos  nazistas,  alguns  alegaram  justamente  esse  aspecto  como  defesa:  de  que  não  estavam  seguindo  os  ideais  nazistas  por  concordarem  com  eles,  mas  sim,  por  estarem  seguindo  regras,  leis  impostas  pelo  regime.  Como  um  dos  objetivos  dessa  pesquisa  é  apontar   os  tipos  de  dominação  exercidos  por  Hitler,  baseados  na  relação  dos  tipos  dominação  definidos  por  Max  Weber  e  as  características  identificadas  nos  discursos  de  Hitler,  esse  aspecto  é  colocado  apenas  como  uma  observação.  Além  do  mais,  como  visto,  Hitler  exerceu  também  a  dominação  carismática,  que   é  totalmente  irracional  motivada pela emoção.  É  importante  frisar  que,  no  caso  da  dominação  racional­legal,  a  obediência  ao  indivíduo  superior  se  dá  devido  à  representatividade  de  sua  posição  na  estrutura   hierárquica,  ou  seja,  é  uma  autoridade  institucional.  De  fato  Hitler  ocupou  função  hierárquica  superior,  dentro  de  um  quadro  administrativo  burocrático:  o  governo  com  todas  as  leis,  regulamentações,   quadro  de  funcionários  etc.  Entretanto,  ao conquistar o poder, ele foi pouco  a  pouco  mudando  as  regras  da  estrutura  hierárquica  e  principalmente,  do  período  de  tempo  que  se  poderia  governar.  Tudo  isso,  porque  desejava  a  autoridade  máxima  com 

 

regulamentações   conforme  o  seu  interesse.  Liga­se  essa  característica  de  alteração  da  burocracia às características do líder carismático.  Conclui­se  que,  conforme  Weber  (2000),  a  dominação  carismática,  calcada  em  aspectos  extracotidianos  da  liderança,  distanciar­se­ia  da   dominação  legal  e  da  tradicional,  que  se  caracterizam  pelo  cotidiano.  Por  não  possuir  regras,  a  dominação  carismática  apresenta  perfil  irracional.  Entretanto,  como  Hitler  alcançou  uma  posição  hierárquica  superior  aos  demais  e  dessa  posição  podia  definir  leis  e  exigir  que  as  mesmas  fossem  cumpridas,  não  se  pode  negar  que  ele  exerceu  uma  dominação que combinava características  legal­racionais pelo fato de possuir regras discursivamente analisáveis.  Não  se  identificou  uma  linearidade  nos  tipos  de  dominação  exercidas  por  Hitler:  primeiro  a  legal  e  depois  carismática,  por exemplo. Na verdade, de acordo com a necessidade  da  situação,  Hitler  apelava  para  os  recursos  que  melhor  lhe  conviam,  sempre com o interesse  de atingir seu objetivo.  Conhecendo  a  forma  como  a  gestão  de  Hitler  terminou  e  as  consequências  que  a  guerra  iniciada   por  ele  deixou,  percebe­se  que   Hitler  não  conseguiu  o que queria. Entende­se  que,  desde  o  inicio  até  o  fim  de  sua  trajetória  política  ele  defendeu  a  mesma  mensagem  de  lutar  até  o  fim,  de  enfrentar  tudo  que  fosse  preciso  rumo  ao  seu  objetivo.  Esse  aspecto  lhe  garantiu  a  conquista  da  confiança  dos  interlocutores.  Por  Hitler  não  admitir  flexibilidade,  mesmo  quando  necessário,  acabou  levando  um  país  para  um  grande  guerra,  a  qual  muitos  alertaram  ter  poucas  chances  de vitória. Mesmo com algumas pessoas do seu próprio governo  alegando  que  a  Alemanha  devia  recuar,  evitar  confrontos,  Hitler  seguiu firme na sua decisão.  Assim,  acabou  derrotado,   suicidando­se  no  seu  esconderijo  ao  lado  de  poucos  fiéis.  Muito  diferente do líder aclamado por milhões de pessoas, no seu período de glória.   

 

 

   

 

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS    O objetivo desta pesquisa era  analisar como o discurso pode contribuir para legitimar a  dominação  de  um  indivíduo  sobre  outro.   Como  objeto  de  análise,  foi  escolhido o discurso de  Adolf  Hitler,  e  analisou­se  como  o  discurso  dele  pode  ter  contribuído  para  a  legitimação  de  sua dominação sobre os alemães.   Para compreender o papel da comunicação nessa relação de interesse, utilizou­se Berlo  (1960;  1972),  que  explica  a   importância da comunicação entre indivíduos, para  o  atingimento  de  objetivos  próprios.  Foram  as  ideias   desse  autor  que  permitiram  o  estabelecimento  de  relação entre dominação legitima e discurso.   Max  Weber  (2000),  principal  estudioso  da  dominação,  foi utilizado para  embasar esse  tema.  O  autor  define   os  tipos  de  relação  de  dominação  entre  indivíduos,  bem   como  as  circunstâncias  em  que  elas  podem  ocorrer.  Para  esse  autor,  existem  três  formas  possíveis  de  dominação legítima: a tradicional, a carismática e a racional­legal.   A  ótica  de  análise da comunicação, através da ideia de discurso foi escolhida, devido à  autora  reconhecê­lo  como  a  forma  que  mais  evidencia  o  bom   uso  das  palavras,  ficando  evidente  o  poder  da  enunciação.  Milton  José  Pinto  (1999)  e  Eni  Orlandi  (2007)  fundamentaram a  variável discurso, na perspectiva de AD  francesa. Conforme Orlandi (2007),  a  linguagem  serve  para  estruturar  o  discurso  e  esse  não  é  algo  fechado  em  si,  mas,  sim,  algo  em  movimento,  passível  de  interferências  e  influências.  Pinto(1999)  considera  o  discurso   uma  prática  social.  Para  o  autor,  a  linguagem  utilizada  para  a  construção  do  discurso  faz  parte  de  um  contexto  com  marcas  sociais  e históricas.  Por isso, é  carregada  de sentidos,  não  servindo  apenas  como ferramenta de comunicação.  Brandão (2012, p. 10) reforçou essa  formulação  ao  indicar  que  “a  linguagem  enquanto  discurso  é  interação,  e  um  modo  de  produção  social;  ela  não  é  neutra,  inocente  e  nem  natural,  por  isso  o  lugar  privilegiado de  manifestação de ideologia”.  Dessa  maneira,  entendeu­se  que  discurso  não  é a mensagem puramente transmitida de  um  emissor  para  um  receptor,  mas  sim,  uma  relação  mais  complexa  que  conta  com  sujeitos  e  sentidos condicionados à língua e à história. Por isso,  Orlandi (2007)  propõe  que,  na  análise  de  um  discurso,  deve  considerar  a  questão  ideológica,  pois  a  língua  se  materializa  na  ideologia  e  a  ideologia  se  revela  na  língua.  O   discurso  é,  portanto,  o 

 

espaço  em  que  ideologia  e  língua  se  relacionam,  permitindo  que  a  língua  faça  sentido  por  e  para sujeitos.  Para  compreender  a  presença  da  ideologia  nos  discursos,  utilizou­se  José   Fiorin  (2001).  Esse  autor  explica  que  “a  esse  conjunto  de  ideias,  a  essas  representações  que servem  para  justificar  e   explicar  a  ordem social, as condições de vida do homem e as relações que ele  mantém  com  os  outros  homens  são  o  que   comumente se  chama ideologia”. Para o autor,  as ideologias se formam através da realidade do indivíduo.  A  partir  dessa  sustentação  teórica,  as  enunciações  de  Hitler  foram  analisadas  em todo  o  seu  contexto,  de  forma  ampla.  Para  compreender  o  sentido  das  mensagens,  foi necessária a  observação  das  Formações  Discursivas  (FD's)  do  discurso,  isto  é,  das  suas  diversas  unidades  de  sentido.  A  noção  de  formação  discursiva,  permitiu  compreender  o  processo  de  produção  de  sentidos,  a  sua   relação  com  a  ideologia.  As  FD's,  enquanto  unidades  de  sentido  são  compostas  pelas  chamadas  Sequências  Discursivas  (SD’s).  Tais  recortes,  quando  relacionados  à  memória  (o  que  já  foi  dito),  à  própria  Formação  Discursiva  na  qual  está  inserido  e  às  outras   Formações  Discursivas  do  interdiscurso  apresentam  as  pistas  dos efeitos de sentido.   Adolf  Hitler  foi  escolhido  como  objeto  de  análise,  devido  à  maneira  grandiosa  e  catastrófica  como  usou   seu  discurso para atingir seus objetivos. Isto é, convencer  as pessoas a  fazerem   coisas boas, ou a receberem benefícios, ou ainda, beneficiarem alguém, pode ser fácil  ou,  pelo,  menos  comum.  Agora,  convencer  milhares  de  pessoas  a  terem  atitudes  repulsivas,  e/ou,  conviverem  com  essas   atitudes  como  se  fossem  moralmente  e humanamente normais, é  um fato impressionante que tornou esse contexto precioso para análise.  Para  contextualizar  os  discursos  de  Adolf  Hitler  utilizou­se  a  pesquisa  bibliográfica,  tendo  como  principais  referências  os  autores  Ian  Kershaw  (2010)  e  Ribeiro  Jr.  (1991).  Com  essa  pesquisa,  foi  construído  um  breve  resumo  da  história  de  vida  de  Hitler,  a  situação  da  Alemanha desde a 1ª Guerra Mundial e toda a trajetória política do partido Nazista.  A  partir  dos  estudos  realizados,  concluiu­se  que  Adolf  Hitler  legitimou  a  sua  dominação,  favorecido  pelos  sentidos  construídos  em  seu  discurso  e  pelo  contexto  da  Alemanha  na  época  em  que  entrou  para  a  cena  política.  Hitler  exerceu  um  misto  de  dominação racional­legal e a carismática.  Para  compreender  como  isto  pode  ter acontecido, é necessário compreender a situação  da  Alemanha,  quando  Hitler  emergiu.  Antes  da  1ª  Guerra  Mundial,  a  Alemanha  era  um 

 

Reich    (Estado  Nacional  Alemão)  formado  por  25  estados  unificados,  cada  um  com  suas  constituições,  regras  eleitorais  e  economias  distintas.  O  governo  era  Imperialista  e  exercido  pelo  rei da Prússia, que possuía total poder sobre o Exército, a Marinha, assuntos estrangeiros,  correios, telégrafos, comércio e alfândega.   Durante  a  1ª  Guerra,  o  governo  do  país  era  feito   pelo  Imperador  Guilherme  II  (que  governou  de  1888  até  1918)   surgiram  na  Alemanha  importantes  trabalhos  científicos  e  artísticos,  além  de  o  país  ter  se  tornado  referência  industrial  na  Europa.  Foi esse  crescimento  do  país,  somado  aos  ideais  prussianos  de  disciplina  e  obediência,  que  incitaram o sentimento  de  supremacia  nacional,  que  se  constitui  nas  “teses  pangermanistas1  (reunião  em  nome  da  raça  de  todos  os  povos  de  origem  germânica).  Naquela  época,  "[...]  teóricos  racistas  já  então  solicitam  ao  Estado  que  cuide  dos  elementos  mais  válidos  da  população  e  extermine   os  inferiores”  (RIBEIRO  Jr.,  1991,  p.  12).  Ou  seja, o país todo era regido por valores prussianos  de  disciplina  e  obediência.  Assim  como  já  se  cultivava  a  ideia  de  superioridade  da  raça  alemã, a partir da supervalorização da boa fase econômica e cultural vivida pelo país.   Em  1914,  a  Alemanha  entra  em  guerra.  De  um  lado,  os  Aliados  (Inglaterra,  França,  Itália, Estados Unidos, Sérvia e Rússia) e, do outro, os Impérios Centrais (Alemanha, Bulgária  e  os  Impérios  Austro  Húngaro  e  Turco­  Otomano).  O  estopim  para  o  confronto  foi  o  assassinato  do herdeiro do trono  austríaco, o  Francisco Ferdinando,  e de sua  esposa.   O  sentimento  de  apoio  à   guerra,  conforme  relata  Ribeiro Jr.  (1991,  p.  13),  tomou  conta  de  toda  a  Alemanha,  pois  a  ideologia  militarista,  que  era  forte  na  época  do  Segundo  Reich  do  ​ Kaiser  Guilherme   II.  Além  disso,  de  acordo  com  Elias  (1997  ​ apud  MENDES,  2009):  a  unificação   dos  estados  que  proporcionou  a  formação  da  Alemanha  foi  fruto  de  três  importantes  guerras  (contra  Dinamarca,  Áustria  e  França).  Por  conta  disso,  era  forte  o  pensamento  de  que  a  violência  era  um  bom  instrumento  político,  que  mostrava  a supremacia  alemã e sua invencibilidade.  Portanto,  o  entusiasmo  e  tranquilidade  do  povo  com  a  guerra,  bem  como  o  apoio  que  davam  aos  governantes  que  optavam  pela  luta  militar  para  conquistar  os  ideais   políticos,  ocorriam  devido  o  passado  triunfante  da  Alemanha  em  algumas  batalhas  anteriores  e  a  confiança ­ já fortemente existente naquela época ­ na supremacia da raça alemã.  A  partir  disso,  compreende­se  com  facilidade  como  a  derrota   do   país  na 1ª Guerra e a  assinatura  do  Tratado  de  Versalhes,  significaram  bem  mais  do  que  uma  perda  militar,  ou  de  consequências  políticas  e  econômicas.  A  derrota  da  Alemanha  na  Guerra  significou  uma 

 

vergonha,  a  ruptura  da  imagem  de  grandiosidade  e  imortalidade  que  o  país  acreditava  ter.  E  mais,  a  tão  admirada  forma  de  conquistas  pela  guerra, passou a ser temida. As consequências  dessa  derrota  foram  profundas,  pois  rompeu  com  profundas  certezas  que  toda  uma  nação  possuía.   Não obstante, o Governo Imperialista, de valores tradicionais rompeu­se e instaurou­se  no  país  o  governo  democrático  da  República  de  Weimar.  Isto  é,  um  governo  com  diretrizes  opostas  ao  anterior,  de  valores  mais  maleáveis  e  com  o  interesse  em   receber  a  participação  ativa  do  povo  nas  decisões  do  governo.  Entretanto,  o  povo,  que  antes  não  era  tratado  dessa  forma,  culpava  o  governo  em  vigor  ­  que  assinou  o  documento  ­  pela  vergonha  que  representava o Tratado de Versalhes.   Com  tantas  rupturas  de  ideologia   e crenças, acompanhadas do desemprego, fome, luto  pela  perda  de  entes  queridos  na  guerra  e  destruição,  o  povo  via­se  desestruturado  e  carente.  Carecia  de  algo   ou   alguém  forte  e  motivador  no  qual  se  apoiar,   um  ideal  para  seguir.  Um  governo  que  fosse  determinado  a  mudar  o  país,  para  fazer  a  Alemanha  voltar  a  ser  o  que era  antes da 1ª Guerra.  Como  visto,  as  enunciações de Hitler continham os apelos certos para o povo certo,  no   momento  certo.  Ele  argumentava  que  o  país  precisava  de:  um  homem  firme  e  capaz  de  conduzir  a  nação;  de  um  governo  que  salvaria  a  Alemanha;  uma   coluna  forte  e indestrutível;  um  movimento  vivo  e  eterno;  um  governo  que  colocava  o  trabalho  e a dedicação ao país, em  primeiro  lugar;  reconhecimento  e  valorização  da   grandeza  e  a  pureza  da  raça  alemã  ­  que  há  muito já havia sido humilhada; crescimento e desenvolvimento; entre outras coisas.    Esses apelos foram feitos durante 13 anos  pelo partido NSDAP na voz de Adolf Hitler,  seus  partidários,  suas  organizações  vinculadas  ao  partido  (como  JH,  SS  e  SA),  a  massiva  propaganda  nazista,  liderada  por  Goebbels.  Naquele  período,   a  mensagem  de  Hitler  gradativamente  tornou­se  mais  forte,  mais  convincente,  mais  pertinente.  A  cada  ano  que  o  governo  da  República  de   Weimar  não  conseguia  realizar  grandes  mudanças,  Hitler  e  o  NSDAP, apareciam mais e ganhavam mais apoiadores.   Sabe­se,  através  de  conhecimento  histórico,  que  as  atitudes  do  governo  nazista  causaram  consequências  trágicas.  Entretanto,  elas  reviveram  o  que  o povo acreditava e sentia  antes da 1ª Guerra: superioridade da raça, disposição para lutar ­ custasse o que custasse ­ para  conquistar  o que fosse necessário à Alemanha, o desejo de vingar a vergonha e humilhação do  Tratado de Versalhes.  

 

Hitler,  como  visto,  sempre  foi  firme  na  sua  mensagem.  Possuía  uma  incrível oratória,  falava  com  emoção,  com  convicção.  Transmitia  todo  o  seu sentimento de amor e dedicação à  Alemanha  em  suas  enunciações.  Sua  performance dramática e exagerada, davam ênfase a  sua  encenação.  Além  disso,  usava  sempre  apresentar  justificativas  para  sua trajetória política e as  promessas  de  seu  partido.  Como  por  exemplo,  dizia  ser  o  salvador  da  Alemanha,  que  estava  cumprindo uma missão imposta a ele por um plano superior, entre outras.    A  partir  desses  aspectos  é  compreensível  como  Hitler  conseguiu  conquistar  tantas  pessoas.  Especialmente  através  do  seu  discurso,  ele  despertou  sentimentos  íntimos  dos  indivíduos  que  estavam  há  anos   ideologicamente  desorientados.  Isto  é,  Hitler  não  inventou  todos  os  esses  valores  e  crenças,  não  incitou  as  pessoas  a gostarem ou desejarem um formato  de governo ­ autoritário,  disciplinado e rigoroso. Ele apenas reviveu e reforçou o que há muito  havia sido apagado.  Outro  aspeto  relevante  nesse  contexto  histórico  são  os  judeus.  É  bastante  comum  a  dúvida:  Por  que  Hitler  não  gostava  dos  judeus?  Primeiramente,  o  antissemitismo  já  existia  fortemente,  especialmente  na  Áustria  ­  local  onde  Hitler  nasceu  e  cresceu  ­,  naquela  época.  Somado  a  isso,  a  Alemanha  cultivava  a  valorização  da  sua  raça.  Apesar  de  Hitler  não  ser  alemão,  sempre  admirou  a  cultura,  tradição  e  valores  desse país  e na primeira vez que visitou  a  Alemanha,  jamais  saiu  de  lá.  O  antissemitismo  era  divulgado  através  de  publicações  especificas  para  o  tema.  Haviam  teóricos  e  partidos  que  defendiam  esse  pensamento  e  tratavam de disseminá­los.      Após  os  reveses  sofridos  pela  Alemanha,  ter  alguém  para depositar toda a frustração,  e  culpa  pareceu  atraente.  E  sim,  entende­se  que   os  judeus   foram  escolhidos  como  o  bode  expiatório  daquele  contexto.  Obviamente  essa  escolha  foi  favorecida  pela  onda  de  descriminação  existente  na  época.A  partir  de  todo  estudo  realizado,  entende­se  que,  a  partir  do  momento  que  elencou­se  esse  alvo  como  o  causador  de  todas  as  desgraças  do  país,  facilmente   todos  aderiram  a  essa  justificativa.  Isso  porque,  havia  uma  necessidade  de  extravasar  a  decepção  e  vergonha  dos  acontecimentos  passados.  Já  que  o  "salvador"  do  país,  dizia  fortemente  ter  certeza  que  os  judeus  eram  os  responsáveis  por  tudo  de  ruim  que  a  Alemanha  passou  e  passava,  logo,  os  que  acreditavam  nele  passaram  a  acreditar  também nas  justificativas que ele inventava.  Desta  forma  então,  conclui­se  que  o  conceito  que  Adolf Hitler criou sobre os judeus e  disseminou  por  toda  Alemanha,   não  é  somente  fruto  de  seu  ódio.  É  igualmente  fruto  do 

 

contexto  preconceituoso,  discriminatório  e  pangermanista  em  que  viveu  e  desenvolveu  sua  visão de mundo.     Quanto  os  tipos  de  dominação  exercida  por  Hitler,  é  importante  frisar primeiramente  o  momento  em  que  a  legitimação  ocorreu.  Os  enunciados postos em análise foram  proferidos  em  1934,  no  6ª  Congresso   do   Partido  Nazista, o primeiro com Hitler exercendo as funções  de  Chanceler  e  Presidente  do  país.  Através  da  contextualização  sócio  histórica  construída,  é  possível  afirmar  que  a  legitimação  de  Adolf  Hitler  foi  construída  entre  1932  e 1934. Ou seja,  quando  Hitler  realizou  as  enunciações  analisadas,  a  legitimação  já  havia  ocorrido.  O  evento  em  questão  estava  servindo   como  um  endosso  da  relação  de  dominação,  já  legítima  entre  Hitler  e  o  povo  alemão.  De  forma  nenhuma,  porém,  esse  fato  prejudicou  esta  pesquisa.  Pois   como  visto,  a  AD  considera  a  todo  o  contexto  da  enunciação  ­  levando em conta a história, a  memória,  o  interdiscurso,   do   enunciador e do interlocutor ­ bem como a ideologia presente na  fala,  como  fatores  formadores  do  sentido  da  mensagem.  E  todos  esses  aspectos  foram  embasados  e  na  contextualização  das  enunciações.  Junto  a  isso,  as  enunciações  de  Hitler  naquele  Congresso,  estavam  sendo  registradas  em  documentário  para  disseminar  posteriormente  em   todo  o  país  à  ideologia  e  intenções  do  NSDAP.  Portanto,  elas  representavam  a  essências  do  nazismo,  as  intenções  de  Hitler  e   de  seu  governo.  Isto  é,  os  mesmos  fatores  apresentados  por  ele,  durante  os  anos  anteriores,  que  contribuíram  para  legitimar a sua dominação.  Hitler,  portanto,  inicialmente  exerceu  dominação  carismática.  Vendendo­se  como  o  salvador,  o  líder,  o  herói  do  país.  Como  visto,  Weber  (2000)  afirma  que  não  basta  o  dominador  carismático  exibir­se  como  tal,  mas  sim  que  o  interlocutor  o  reconheça  de  tal  forma.  Os  interlocutores  de  Hitler,  por  sua  vez,  gradativamente passaram a  vê­lo dessa forma  e por consequência a legitimação da sua dominação carismática foi sendo construída.    Em  1933,  quando  ele  foi  nomeado  ​ Chanceler  passou  a  exercer  também  a  dominação  legitima  racional­legal,  que  ocorre  em  um  contexto  burocrático,  com  cargos  hierárquicos,  normas  e  leis  pré­estabelecidas.  Isso  porque,  suas  ordens  enquanto  ​ Chanceler​ ,  não  eram  apenas  cumpridas,  elas  eram  antecipadamente  previstas e  executadas, pela vontade própria de  seus  partidários  e  pelo  próprio  povo.  Para  exemplificar  ­  e  como  já  visto na contextualização  sócio  histórica  ­  os  partidários  criaram  a  lei  de  esterilização,  por  iniciativa  própria,  pensando  ser  algo  que  o  ​ Führer  adoraria  tomar  conhecimento.  Assim  como,  a  partir  do  momento  em 

  que  Hitler  como  ​ Chanceler  passou  a  legalizar  a  descriminação aos judeus, o povo começou a  persegui­los, denuncia­los e exclui­los, por vontade própria.  Dessa  forma,  conclui­se  que  o  objetivo  dessa  pesquisa  foi  atingido,  pois  permitiu  a  compreensão  da   forma  como  o  discurso  pode  contribuir  para  a  legitimação  da  dominação.  Esclareceu  o  papel  do  enunciador,  do  interlocutor,  da  ideologia  e  do  contexto,  bem  como  a  relação desses elementos possibilitam a construção do sentido da mensagem.  Considera­se  que  esse  trabalho  de  pesquisa  pode  contribuir  com  a  comunidade  acadêmica   e  demais  interessados  no  tema,  oferecendo  bom  embasamento  sobre  as  variáveis  do  tema  (dominação  legítima  e  discurso),  bem  como,  sobre  os  acontecimentos  históricos   envolvendo  Adolf  Hitler,  a  Alemanha  e  as  duas  Guerras  Mundiais.  Além  disso,  pode  contribuir  para  a  compreensão  da  responsabilidade  que  um  comunicador  tem  ao  transmitir  uma  mensagem.  Assim  como  pode   contribuir  para  o  interlocutor,  que  ao  compreender  como  age ativamente para a legitimação da sua própria dominação, possa refletir sobre isso.  Propõe­se  como  novas  perspectivas  de  abordagens  desse  tema  a  investigação,  dentro  da  área  de  Comunicação,  da  construção  da dominação  legítima através da propaganda nazista  estruturada por Joseph Goebbels.   Além  disso,  considera­se  que   outras  teorias  também  poderiam  reger  análises  sobre  a  dominação  e  o  nazismo  na  Alemanha  por  perspectivas  diferentes  da  adotada  nesta  pesquisa.  Uma  delas  é  a  teoria  de  consciência  coletiva  de  Émile  Durkheim,  segundo  a  qual  “o  modo  como  o  homem  age  está  sempre  condicionado  pela  sociedade, logo a sociedade é que explica  o  indivíduo”  (MENDES,  [s/n]).  As  ações   dos  indivíduos,  nessa  ótica,  são  motivadas  por  fatores  exteriores  (provém  da  sociedade  na  qual  estão   inseridas),  fatores  coercitivos  (são  impostas  pela  sociedade)  ou  por  fatores 

objetivos  (existindo  independentemente  do 

indivíduo).  Outra  teoria   sugerida  é  da  Banalidade  do  Mal,  de Hanna Arendt. Segundo Aguiar  (2004),  Arendt  entendia  que  o  homem  pode  possibilitar  ou realizar os maiores males quando,  destituído  da  capacidade  de  julgar,  age  apenas  condicionado  pela  engrenagem  social  e  institucional.            

 

                                         

 

 

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ANEXO A – TRANSCRIÇÃO DOS DISCURSOS DE ADOLF HITLER    1 ­ Enunciação de Hitler para integrantes da Juventude Hitlerista (E1­JH):  Meus  trabalhadores!  Pela primeira vez, vocês ficam antes de mim na lista de chamada.  Por  mim  e  por  todo  o  povo  alemão.  Vocês  representam  um  grande  ideal.  E  nós sabemos que  para  milhares  da  nossa  população  o  trabalho  não  está  longe  de  ser  um  conceito  que  segrega,  mas  que  une  a  todos. E, em particular, ninguém irá morar na Alemanha sem que trabalhe para  nosso  país.  Não  há  outro  emprego.  A  nação  inteira  será  educada  por  vocês.  Esse  tempo  virá  quando  nenhum  alemão  puder  ser  admitido  na  comunidade  da  nossa  gente  sem  ter  primeiro  trabalhado  como  alguém  dela.  E  neste  momento  não  somos  meramente  nós  aqui  em  Nuremberg.  Toda  a  Alemanha  vê  vocês  pela  primeira  vez. Eu sei que assim como você serve  a Alemanha com humildade hoje, a Alemanha verá em vocês filhos marchando com alegria.    2 ­ Enunciação de Hitler para integrantes da Juventude Hitlerista (E2­JH):  Minha  Juventude  alemã.  Depois  de  um  ano,  eu  os  saúdo  aqui  novamente.  Hoje,  aqui  neste  lugar,  vocês  são   uma  amostra  do  que  nos  cerca  na  Alemanha  inteira.  E  sabemos  que  vocês  moças  e  rapazes  alemães estão sendo incumbidos de tudo que esperamos da Alemanha.  Nós  queremos  ser  um  povo,  E  vocês  meus  jovens,  são  este  povo.  Não  queremos  mais  ver  divisões  de  classes.  Vocês  não  devem  deixar  que  isso  cresça  entre  vocês.  Queremos  um  dia  ver  um  ​ Reich​ .  E vocês  devem lutar por isso. Queremos que nossa população seja obediente. E  vocês  devem  praticar  a  obediência.  Queremos  que  nosso  povo  ame  a  paz,  mas  que  também  seja  valente.  E  vocês  devem  ser  pacíficos....  (interrompido  por  aplausos) Então, vocês devem  ser pacíficos e corajosos ao mesmo tempo.  Queremos  que  nosso  povo  permaneça  forte.  Será  difícil,  e  vocês  próprios  devem  reforçar  isso   para  os  seus  jovens.  Vocês  devem  suportar  privações  sem  se  desintegrarem.  E  independente  do  que  façamos  ou  criemos  hoje,  nós  morreremos,  mas  a  Alemanha continuará  vivendo  em  vocês.  E  quando  não   houver  mais  nada  de  nós,  então  vocês  devem  segurar  em  seus  punhos  as  bandeiras  que   erguemos  do  nada.  E  eu  sei  que  isso  não  pode  ser  diferente.  Porque  vocês  são  carne  da  nossa  carne  e  sangue  do  nosso  sangue.  E em suas jovens cabeças,  arde  a  mesma  paixão  que  nos  guia.  Unidos  a  nós,  vocês  não  serão  excluídos.  E  quando   a  grande  coluna  do  nosso  movimento   marchar  hoje  triunfante  pela  Alemanha,  eu sei que vocês 

 

irão  aderir  à  coluna.  E  nós  sabemos,  que,  diante  de  nós,  a  Alemanha  repousa;  que,  dentro  de  nós, a Alemanha queima; e que, ao nosso lado, a Alemanha segue.    3 ­ Enunciação de Hitler Para o povo em geral (E3 ­PG):  Um  ano atrás nós servimos, pela primeira vez, neste campo. O primeiro chamado geral  de  líderes  políticos  do  Partido  Nacional  Socialista.  200.000  homens  trazidos  em  união.  Eles  foram  trazidos  aqui  por  nada  menos  que  um  chamado  de  seus  corações.  Eles  foram  trazidos  aqui  por  nada  menos  que  a  sua  lealdade.  Foi  a  necessidade  de  nossa  gente  que  nos  moveu  e  que  nos  trouxe  unidos.  Nós  lutamos  e  nos  esforçamos   juntos.  Isso  não   é  compreensível  para  aqueles  que  não  tiveram  infortúnio  semelhante  em  sua  nação.  Parece­lhes  intrigante  o  que  instiga  estas  centenas  de  milhares  em  conjunto,  o  que  nos  leva  a  aturar  necessidade,  sofrimento,  privação.  Eles  não  conseguem  entender  isso  como  algo  que  não  seja  uma  ordem  estatal.  Eles  estão  enganados. Não é o Estado que nos comanda, e sim nós que comandamos o  Estado. Não é o estado que nos cria, mas nós que criamos nosso estado.  Não. O movimento vive. Está em firmes alicerces. E enquanto apenas  um de nós puder  respirar,  ele   dará  sua  energia  a este movimento. E o defenderá, assim como nossos camaradas  fizeram  no  passado.   Tambores  virão  diante  de  tambores,  bandeiras   virão diante de bandeiras.  Grupos  virão  diante  de  grupos.  E,   finalmente,  a  poderosa coluna desta nação unida conduzirá  a  nação  que   um  dia   foi  dividida. Seria pecado se, em alguma ocasião, admitíssemos deixar de  fazer  aquilo  pelo   qual  sempre  lutamos  com  tanto  trabalho,  tanta preocupação, tanto sacrifício  e  tanta  necessidade.  Nós  não  podemos  ser  desleais  com  o  que  nos  deu  senso e determinação.  Nada  virá  de  coisa nenhuma se não for baseada em uma ordem maior. Essa ordem não nos foi  dada por um superior terrestre. Ela nos foi dada por Deus que criou nosso povo. Esta é a nossa  promessa  esta  noite.  Toda  hora,  todo  dia,  pensar  somente  na  Alemanha,  nas  pessoas,  no  Reich​ , na nação alemã e no povo alemão. Salve a Vitória! Salve a Vitória! Salve a Vitória!    4 ­ Enunciação de Hitler para integrantes da SS e da SA ­ (E4­SS ­ SA)  SA  e  homens  da SS, poucos meses atrás, uma figura obscura assombrou o movimento.  A  SA  tinha  tão  pouco  a  fazer  com  essa  figura  quanto  qualquer  outra   instituição  do  Partido.  Aqueles  que  acreditam  que  surgiu  uma  fissura  em  nosso  movimento  estão  enganados.  Ele   permanece  tão  firme  quanto  essa  pedra  aqui.  Nada   na  Alemanha  irá  quebrá­lo.  E  se  alguém  age  contra  o  espírito  da  SA,  não  afeta  a  SA, mas somente aqueles que ousam voltar­se contra 

 

ela.  Só  um  louco  ou  um  mentiroso  mal  intencionado  pode  achar  que  eu  ou  alguém  mais,  podemos  ter  a  intenção  de  destruir  o  que  nós  mesmos  construímos  durante  anos.  Não,  meus  camaradas,   nós  estamos  unidos  em   nome  da  nossa  Alemanha.  E  devemos  continuar  unidos  por  esta  Alemanha.  Entrego  a  vocês  as  bandeiras e estandartes, com  consciência de que estou  dando  para  as  mãos mais leais da Alemanha. Em tempos passados, vocês provaram lealdade a  mim.  E  em  tempos  à  frente  de  nós,  não  poderá  ser  e  nem  será  diferente.  Então,  eu  saúdo  vocês, meus velhos e leais homens da SS e da SA. Salve a vitória!    5  ­  Enunciação  de  Hitler  frente  aos  participantes  do  Congresso  do  NSDAP  (E5­PG):  (fica  uns  segundos  em  silencio)  O  VI  Congresso  do  Partido  está  chegando  ao  final.  Milhões  de  alemães  de  classes  diferentes  das  nossas  podem  ver  isto  só  como  uma  impressionante  mostra  de   poder  político.  Foi  mais  que  isso  para  centenas  de  milhares  de  combatentes.  Isto  foi um grande encontro espiritual de velhos combatentes e companheiros de  luta.  E  talvez,  a  despeito  do  esplendor  deste  evento,  alguns  de  vocês  se  lembrarão  saudosamente  dos  dias  em  que  foi  difícil  ser  um  Nacional  Socialista.  Quando  nosso  partido  consistia  em  apenas  sete  homens,  ele  proclamou  dois  princípios.  Primeiro,  queria  ser  um  Partido  com  projeção  mundial.  E  segundo,  queria,  sem compromisso, exclusividade do poder  na  Alemanha.  Como  um  partido,  tivemos  que   continuar  com  a  minoria  a  fim  de  mobilizar  aqueles  com  espírito   de  luta  e senso de sacrifício. E esses nunca foram a maioria, mas sempre  a  minoria.  E  com  uma  dedicação  impressionante, o melhor da raça alemã assumiu a liderança  do  ​ Reich​ ,  do  povo.  E,  por  causa  disso,  o  povo  aprovou  e  legitimou  essa  liderança.  O  povo  alemão  é  feliz  por  saber  que  as  divisões  do  passado  foram  substituídas  por  um  importante  modelo  que  conduz  a  nação.  Nós  carregamos  o  melhor  sangue  e  sabemos  disso. Resolvemos  guardar  a  liderança  da  nação  e  jamais  renunciá­la.  Haverá  apenas  uma  pequena  seção  de  combatentes  ativos.  E  será  exigido  mais  deles  do  que  de  seus  companheiros.  Para  eles,  não  basta  declarar  simplesmente:  “Eu  acredito”,  mas,  de  preferência,  prometer:  “Eu  lutarei!”  O  partido  sempre  será  a  liderança  política  da  gente  alemã.  Ele  permanecerá  inalterável  em  sua  doutrina.  Duro  como  aço  em   sua  organização.  Flexível  e  adaptável  em  suas  táticas.  Na  sua  essência, contudo, vai parecer­se com uma ordem religiosa. O objetivo é que todos os alemães  se  tornem  Nacionais  Socialistas.  Mas  só  os  melhores  Nacionais  Socialistas  são  membros  do  partido.  Uma  vez, nossos adversários acharam meios, através de perseguições e proibições, de 

 

extirparem  os  mais  débeis  elementos  do  nosso  movimento.  Agora,  devemos  vigiar  a  nós  mesmos  e  rejeitar  aquele  que  for  mau  e,  por  isso,  não  tem  a  ver  conosco.  É  nosso   desejo,  nosso  propósito  que  este  Estado  e  este  ​ Reich  devem  continuar  a  existir  nos  próximos  milênios.  Podemos  ficar  felizes  sabendo  que  esse  futuro  será  totalmente  nosso.  Quando  as  gerações  mais  velhas  mal  puderem  andar,  a  juventude  vai  dedicar­se  a  continuar  nosso  trabalho.  Apenas  quando   nós,  no  Partido,  usando  todo nosso vigor, tivermos atingido os mais  altos  ideias  Nacionais   Socialistas,  somente  então,  o  Partido  será  um  eterno  e  indestrutível  pilar  do  povo  alemão   e  do  ​ Reich​ .  Então,  nosso  exercito  glorioso,  o  poderoso  portador  das  armas da nossa gente, será ligado à, igualmente tradicional, liderança política do nosso  Partido.  Junto,  esses  dois  corpos  instruirão  e  fortalecerão  o  povo  alemão.  E  eles  carregarão,  em  seus  ombros,  o  Estado  alemão  e  o  ​ Reich​ .  E  neste   momento,  dezenas  de  milhares  de  membros  do  partido  deixarão  a  cidade.  Enquanto  alguns  viverão  de  suas  memórias,  outros  estarão  se  preparando  para  a  próxima  lista.  E  novamente as pessoas  virão e  irão.  E estarão determinadas, animadas e inspiradas novamente. Porque a ideia e o movimento  são  a  expressão   da  nossa  gente  e  um  símbolo  da  eternidade.  Vida  longa  ao  movimento  do  Nacional Socialismo! Vida longa à Alemanha!                               

 

                 

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