A CONSTRUÇÃO DA INTERAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO EM CONTEXTOS DE ENSINO DA ESCRITA

June 9, 2017 | Autor: Milene Bazarim | Categoria: Linguistica aplicada
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REVISTA CIENT€FICA ELETR•NICA DE CI‚NCIAS SOCIAIS APLICADAS DA EDUVALE Publicaƒ„o cient…fica da Faculdade de Ci†ncias Sociais Aplicadas do Vale do S„o Lourenƒo -Jaciara/MT Ano IV, N‡mero 06, novembro de 2011 – Periodicidade Semestral – ISSN 1806-6283

A CONSTRUÇÃO DA INTERAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO EM CONTEXTOS DE ENSINO DA ESCRITA* BAZARIM, Milene1 RESUMO: Este trabalho apresenta os resultados de um estudo sobre o tipo de interaƒ„o que foi se constituindo em mensagens escritas trocadas, no ‡ltimo bimestre de 2004, entre uma professora de L…ngua Portuguesa e seus alunos do s‰timo ano (antiga sexta s‰rie) do Ensino Fundamental de uma escola estadual do munic…pio de Campinas-SP. O corpus ‰ constitu…do por 50 mensagens, as quais, ao longo do per…odo de troca, foram se aproximando do g†nero carta pessoal. Nessas mensagens, embora os pap‰is de professor e aluno n„o tenham sido totalmente apagados, a professora procurou se construir como um interlocutor interessado e os alunos, ao aderirem a tal posicionamento em suas respostas, ratificaram esse novo papel assumido pela professora. Assim, a anŠlise desse corpus aponta para uma interaƒ„o entre professor-aluno que escapa aos padr‹es escolares, sem, contudo, deixar de ter uma funƒ„o didŠtica importante no ensino da escrita. O quadro teŒrico que informou a anŠlise ‰ o da sociolingu…stica interacional. PALAVRAS-CHAVE: interaƒ„o, carta pessoal, ensino-aprendizagem de L…ngua Portuguesa.

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem como objetivo apresentar os resultados de um estudo que investigou o tipo de interaƒ„o estabelecido entre uma professora2 e seus alunos em mensagens escritas. Na delimitaƒ„o desse objeto de estudo, procurou-se preservar a multiplicidade e a complexidade3 dos fatores que o constituem. Ao abordar esse tema, portanto, foi preciso considerar que a interaƒ„o na aula de LM – oral ou escrita – tem caracter…sticas espec…ficas, sobretudo por que o resultado

almejado



a

aprendizagem

e

a

l…ngua

‰,

simultaneamente,

meio/instrumento de trabalho e objeto de ensino. Al‰m disso, a relaƒ„o estabelecida *

Uma vers„o deste trabalho foi apresentada, em 2005, no IV Congresso Internacional da ABRALIN em Bras…lia-DF. A realizaƒ„o desta pesquisa contou com o apoio do programa Bolsa Mestrado do Governo do Estado de S„o Paulo e contribuiu com as investigaƒ‹es referentes •s prŠticas de reflex„o sobre a escrita, desenvolvidas no Žmbito do projeto integrado Práticas de escrita e de reflexão sobre a escrita em contextos de ensino (CNPq n.• 520427/2002 ; Aux…lio - Fapesp n.• 2002/11837-4) 1 Licenciada em Letras pela Universidade Federal do ParanŠ (UFPR). Especialista em Metodologia do Ensino de L…ngua Portuguesa pela Universidade Braz Cubas. Mestre em Lingu…stica Aplicada pelo Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP. Doutoranda em Lingu…stica Aplicada pelo IELUNICAMP. JŠ atuou como professora de L…ngua Portuguesa no Ensino Fundamental e M‰dio. Atualmente, ‰ docente na Faculdade de Ci†ncias Sociais Aplicadas do Vale do S„o Lourenƒo – EDUVALE. E-mail: [email protected]. 2 Apesar de os pap‰is de professora e pesquisadora serem por mim desempenhados, pois os registros foram gerados atrav‰s da pesquisa-aƒ„o, faƒo, neste trabalho, a opƒ„o de me referir a mim mesma, enquanto professora, como “a professora” ou simplesmente M. Sem falsas expectativas sobre a “neutralidade” e “objetividade” da pesquisa, essa ‰ uma opƒ„o muito mais estil…stica do que teŒrico-metodolŒgica. 3 O termo complexo aqui assume o mesmo sentido proposto por Morin, E. (2002, p.16) “ o que estŠ tecido em conjunto ”. Para Morin, E. (2002, p.72), enfrentar a complexidade do real significa perceber as ligaƒ‹es, interaƒ‹es e implicaƒ‹es m‡tuas de fen’menos multidimensionais e de realidades que s„o simultaneamente solidŠrias e conflitantes.

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entre os interlocutores – professor/alunos – ‰ assim‰trica, ambos falam a partir de “lugares” diferentes, possuem conhecimentos diferentes, cabendo ao professor ser o mediador entre a instituiƒ„o/saberes escolares e os alunos. Dada a natureza m‡ltipla e complexa desse objeto de estudo, ele se insere no campo de investigaƒ„o da Lingu…stica Aplicada (LA). Por isso, n„o foi seguido aqui um percurso de investigaƒ„o que obedecesse a um “programa fixo pr‰-montado”, mas sim seguiu-se um “plano” sempre orientado para as “regularidades locais” e para “as relaƒ‹es moventes” (SIGNORINI, 1998, p.102-103) presentes nas mensagens analisadas, para que fosse mantida a “especificidade”, o “novo” e o “complexo” como elementos constituintes desse objeto de estudo selecionado. Para tanto, fez-se necessŠria a utilizaƒ„o de metodologias de pesquisa de base qualitativo-interpretativistas, pois em tais metodologias n„o se advoga a favor da neutralidade e, em vez disso, assume-se a interfer†ncia

do investigador na

construƒ„o do objeto, bem como a possibilidade de reduƒ‹es (SIGNORINI, 1998). Esse deslocamento operado na construƒ„o do objeto de pesquisa na LA possibilita que se considere a interfer†ncia das teorias, crenƒas e valores do investigador na prŒpria maneira como ele olha – e (re)constrŒi – a realidade. Aqui, a interfer†ncia do pesquisador na aƒ„o e do ator na anŠlise n„o ‰ somente prevista, mas sim uma opƒ„o metodolŒgica, pois “investigador” e “ator” s„o pap‰is assumidos pelo mesmo indiv…duo “Ainda n„o sei separar a pesquisadora da professora... ” (DiŠrio de campo, p.2, 05/10/ 2004). Dessa forma, para a geraƒ„o4 de registros, optou-se pela pesquisa-aƒ„o integrada e sist†mica (PAIS) que ‰ uma metodologia de base qualitativointerpretativista, aberta • complexidade do real e • interdisciplinaridade, o que a torna compat…vel com o campo de investigaƒ„o da LA. Na PAIS, a participaƒ„o dos atores ‰ guiada a fim de se provocar mudanƒas na aƒ„o ou na reflex„o. Nas palavras de Andr‰ Morin (2004), a PAIS pode ser definida como 5

uma metodologia de pesquisa que utiliza o pensamento sist†mico para modelar um fen’meno complexo ativo em um ambiente igualmente em 4

Conforme Bazarim (2008, p. 54-55), a diferenƒa entre gerar ou coletar um registro estŠ inteiramente relacionada ao grau de participaƒ„o do pesquisador no processo que dŠ origem ao registro. Fala-se em “coleta” se a ‡nica interfer†ncia do pesquisador residir no fato de que ele seleciona, dentro daquilo que jŠ existe, o que lhe poderŠ ser ‡til – exemplo: livro didŠtico; documentos oficiais etc. Falase em geraƒ„o de registros quando aquilo a ser estudado n„o existiria sem a aƒ„o do pesquisador. 5 Em Morin (2004, p.98-99), s„o citadas as tr†s caracter…stica essenciais do pensamento sist†mico: dialogismo, recursividade e vis„o global ou hologramŠtica. A primeira consiste em associar elementos complementares concorrentes e antag’nicos em uma ‡nica perspectiva; a segunda, em 2

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evoluƒ„o no intuito de permitir a um ator coletivo intervir nele [ fen’meno complexo ativo] para induzir a mudanƒa. (MORIN, 2004, p.91)

Tal opƒ„o metodolŒgica, portanto, exige n„o apenas a participaƒ„o do investigador enquanto observador, mas que ele se implique como um ator, conforme Morin (2004, p.52) “ ele [o investigador] se implica, ele se explica e ele se aplica em uma realizaƒ„o educativa ”[grifo nosso]. No presente trabalho, contou-se com o grau mŠximo de implicaƒ„o, pois a professora, al‰m de elemento constituinte da aƒ„o, integra o objeto de anŠlise e tamb‰m assume o papel de analista. Trata-se, portanto, de uma oportunidade de reflex„o sobre o seu prŒprio fazer docente. Tal fato,

que

poderia “ comprometer ”

a

anŠlise, aqui

tem

uma

contribuiƒ„o

determinante, pois foi poss…vel recuperar as intenƒ‹es da professora durante a troca das mensagens. Para a coleta de registros, portanto, foram utilizadas as t‰cnicas da PAIS, as quais se assemelham •s da microetnografia6: diŠrio de campo, gravaƒ„o em Šudio e documentos escritos – aqui se utiliza sequ†ncia didŠtica (SD), roteiros de aula, questionŠrio e as mensagens escritas pela professora e alunos. Essa diversidade de registros permitiu que fosse feita a triangulaƒ„o7, a qual, segundo Canƒado (1994, p.58) aumenta a confiabilidade dos dados obtidos, sobretudo em situaƒ‹es como esta, em que a voz do ator n„o se separa completamente da voz do analista. ApŒs esta breve introduƒ„o ‰ apresentado o perfil da professora e dos alunos da s‰rie pesquisada, o que ‰ poss…vel graƒas • anŠlise do diŠrio de campo, do questionŠrio respondido pelos alunos, da SD e dos roteiros das aulas. Somente na segunda parte, apŒs traƒado esse panorama, ‰ apresentada a anŠlise propriamente dita. Finalizando este texto, mas n„o a reflex„o, a pergunta inicial ‰ retomada, enfatizando-se os poss…veis impactos do tipo de interaƒ„o estabelecida no processo de ensino-aprendizagem.

organizar elementos conforme um processo de autoproduƒ„o ; a terceira consiste em abandonar a explicaƒ„o linear em prol de uma explicaƒ„o em movimento e circular, a qual vai das partes ao todo e do todo •s partes. 6 Segundo Rockwell, E. (1989, p. 41) denomina-se “ microetnografia ”, o tipo de etnografia que se concentra na anŠlise detalhada do registro – em Šudio ou v…deo – da interaƒ„o que ocorre nos eventos educacionais de qualquer tipo. A microetnografia, etnografia que mais contribuiu para o entendimento dos fen’menos educacionais, tem suas “ ra…zes ” teŒricas na sociolingu…stica de Hymes e Cazden. 7 Triangulaƒ„o “ ‰ o uso de diferentes tipos de corpus, a partir da mesma situaƒ„o alvo de pesquisa, com diferentes m‰todos e uma variedade de instrumentos de pesquisa ” (CAN“ADO, 1994, p.57) 3

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A PROFESSORA E OS ALUNOS: RECONSTRUINDO OS MOMENTOS INICIAIS

Antes de assumir as aulas, a professora M. esteve na escola para conhecer os seus futuros alunos. As aulas de LM eram ministradas pela professora T., a qual exercia a funƒ„o em carŠter extraordinŠrio. A professora T. substitu…a E – professora que iniciou o ano letivo na escola, mas estava em licenƒa maternidade desde julho de 2004. A professora E. tamb‰m n„o era a titular do cargo, com isso foi poss…vel a nomeaƒ„o de M.. Apesar da nomeaƒ„o de M. ter ocorrido em julho de 2004, ela sŒ p’de entrar em exerc…cio em novembro daquele ano. No que diz respeito a sua formaƒ„o, a professora M. ‰ licenciada em LetrasPortugu†s (2002), especialista (lato-sensu) em Metodologia de Ensino de L…ngua Portuguesa (2004) e, quando nomeada, estava cursando o mestrado em LA. Nessa ocasi„o, M. contava com dois anos de experi†ncia no magist‰rio, sendo que em apenas um deles exerceu a funƒ„o de professora eventual8 em escolas estaduais de S„o Paulo. Fica evidente que M., apesar de ter formaƒ„o acad†mica compat…vel ao cargo, n„o contava com uma vasta experi†ncia profissional. A professora T., quando da visita de M. • escola, permitiu a sua entrada e tamb‰m a apresentou aos seus futuros alunos como “a nova professora”. Neste momento, M. teve o primeiro contato com os seus alunos. Pude ent„o, mais que "dar uma espiadinha", conversar com cada aluno, apresentando-me e perguntando n„o sŒ sobre a escola, mas sobre eles: idade, do que gostavam se moravam no bairro, se jŠ tinham estudado em outra escola. (DiŠrio de campo, p. 2, 05/10/2004)

Al‰m desse contato com os alunos, M. conversou com o vice-diretor. (Ele) Fez-me vŠrias observaƒ‹es um tanto quanto negativas sobre o bairro, mas com o intuito de me informar, jŠ que eu disse que n„o era Campinas. Ele me disse que se trata de uma populaƒ„o carente; que muita viol†ncia, principalmente por causa do trŠfico de drogas... E que alunos, •s vezes, s„o violentos tamb‰m... (DiŠrio de campo, p. 05/10/2004)

de hŠ os 3,

A professora M., para planejar a sua primeira SD, teve que considerar essas informaƒ‹es, os relatos da professora T, dos prŒprios alunos, bem como o fato de ser constante a troca de professores. Em conversas com a T., ela revelou a M. que a

8

Na rede estadual de ensino de S„o Paulo, denomina-se professor eventual aquele que ministra a(s) aula(s) quando o professor responsŠvel pela disciplina n„o comparece. 4

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maior dificuldade desses alunos residia na leitura9 e na escrita10, que eles apresentavam dificuldades na ortografia, acentuaƒ„o, pontuaƒ„o, paragrafaƒ„o, conte‡dos esses arrolados como tŒpicos da gramŠtica tradicional.

Na breve

conversa que teve com os alunos, M. confirmou boa parte dos relatos de T, muitas crianƒas/adolescentes afirmaram n„o gostar de ler – nem das aulas de LM – e n„o ter acesso a livros, jornais, revistas etc. Al‰m disso, M. era a terceira a ministrar aulas de LM no ano letivo, o que, de alguma forma, poderia ter

prejudicado

processo de ensino-aprendizagem, pois professores diferentes, geralmente, apresentam maneiras diferenciadas de conduzir a aula e de avaliar. Na metodologia de pesquisa aqui utilizada, a aƒ„o resulta da identificaƒ„o de uma situaƒ„o problema. O percurso de M., conforme o descrito acima, segue o previsto na PAIS11: primeiro realizou-se o contato inicial com o grupo objeto da pesquisa-aƒ„o, isso possibilitou o conhecimento do grupo, o levantamento de informaƒ‹es que permitiram traƒar um perfil provisŒrio do local/sujeitos pesquisados e at‰ a identificaƒ„o, mesmo que parcial, da situaƒ„o-problema; em um segundo momento tais informaƒ‹es foram utilizadas para a elaboraƒ„o de um plano de interven€•o – a SD, no caso espec…fico deste trabalho . Sabe-se que, sobretudo em contextos de ensino-aprendizagem, o fato de ter identificado “o problema ” n„o ‰ garantia de que seja elaborado um plano que realmente atue na sua resoluƒ„o. Roxane Rojo, em um artigo que analisa uma experi†ncia de formaƒ„o de professores, relata que Fazia parte de nossas crenƒas, enquanto formadores, que a atividade de planejar aƒ‹es didŠticas, uma vez detectada a necessidade de ensino e as possibilidades de aprendizagem e conhecido o objeto de ensino, ‰ caracter…stica da profiss„o e n„o precisaria, portanto, ser objeto de formaƒ„o, dado que seria sobejamente conhecida. Da… a nossa surpresa que a dificuldade n„o se encontrasse na descriƒ„o do g†nero ou na avaliaƒ„o das possibilidades de aprendizagem (ZPD) – tarefas essas que julgŠvamos mais dif…ceis e objetos de formaƒ„o, perfeitamente realizadas pelos professores-bolsistas – mas justamente na modeliza€•o didƒtica, ou seja, na seleƒ„o de o qu† e como ensinar. (ROJO, 2001, p. 328)

Concebendo-se a SD como “um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realiza€•o de certos objetivos educacionais, que 9

Ao ouvir os relatos de T., teve-se a impress„o que as dificuldades de leitura apresentadas pelos alunos diziam respeito • decodificaƒ„o. 10 Na escrita, T. tamb‰m mencionou que os alunos n„o conseguiam produzir um “texto coerente”. 11

Salienta-se que dada a natureza do objeto de estudo e graƒas a flexibilidade prevista nesta metodologia, n„o ser„o entradas aqui todas as etapas descritas em Morin, A (2004). 5

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t„m um princ…pio e um fim conhecidos tanto pelos professores como pelos alunos ” (ZABALA, 1998, p.18), percebe-se, conforme o ilustrado abaixo, que o objetivo educacional eleito por M. diz respeito a leitura/escrita do g†nero reportagem. OBJETIVO Utilizando o g†nero reportagem, propor atividades que contemplem leitura, escrita e oralidade. Com este trabalho, al‰m da exposiƒ„o do aluno ao g†nero ( estrat‰gias leitura, forma, funƒ„o e conte‡do temŠtico), pretende-se traƒar um perfil das turmas, identificando as suas principais dificuldades na leitura e escrita, o que nortearŠ outras atividades de intervenƒ„o. LEITURA: trabalhar as estrat‰gias necessŠrias para a leitura do g†nero questionŠrio e reportagem; explorar a multimodalidade; fazer um percurso do “macro” ao “micro”, isto ‰, da apresentaƒ„o do texto, dos infogrŠficos, t…tulos ao texto escrito, no qual ser„o explorados os elementos lingu…sticos e estruturais. ESCRITA: com forma, funƒ„o e conte‡do temŠtico adequados aos g†neros a serem produzidos - esquema, questionŠrio e reportagem; trabalho intenso com produƒ‹es coletivas, em que o professor funciona como um escriba, e reescrita, a qual deverŠ considerar as especificidades do g†nero produzido. GRAM”TICA: os tŒpicos gramaticais a serem trabalhados emergir„o da leitura dos textos e da produƒ„o textual dos alunos, portanto o trabalho com a gramŠtica serŠ vinculado ao de leitura e escrita do g†nero. (...) (Sequ†ncia didŠtica “ O que as crianƒas e adolescentes fazem todos os dias? Introduƒ„o ao g†nero reportagem ”, 04 de novembro de 2004)

Essa escolha, no entanto, n„o parece ter sido gratuita, mas sim resultado da identificaƒ„o, com base nos relatos obtidos, do pouco contato dos alunos com os g†neros midiŠticos. Dessa forma, o g†nero reportagem apresenta-se como o organizador desta SD, a qual se desdobra em vŠrios roteiros de aula. No entanto, ao mencionar nos objetivos da SD que pretende “ traƒar um perfil das turmas, identificando as suas principais dificuldades na leitura e escrita, o que nortearŠ outras atividades de intervenƒ„o ” M. deixa aberta a possibilidade de se trabalhar tamb‰m com outros g†neros. Isso parece explicitar uma postura de “ desconfianƒa ” em relaƒ„o •s informaƒ‹es jŠ obtidas e reforƒar que ‰ indispensŠvel planejar atividades tendo como base as prŒprias necessidades/interesses de ensinoaprendizagem dos alunos. Parece ter sido, ent„o, essa necessidade de traƒar o seu prŒprio perfil de seus alunos o motivo que fez M. iniciar a troca de mensagens, conforme abaixo:  O bilhete Elaborei um bilhete para cada aluno. Trata-se de uma tentativa de me aproximar dos alunos e de estimular a escrita com um fim social, neste caso a correspond†ncia entre professor-aluno e quem sabe depois alunoaluno. Por mais que reconheƒa ser pouco provŠvel que eu n„o avalie as produƒ‹es desses alunos, ressalto que a intenƒ„o n„o ‰ essa. Meu objetivo principal ‰ estabelecer um canal de comunicaƒ„o com esses alunos. (Roteiro 1• e 2• aulas)

6

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A INTERAÇÃO NAS MENSAGENS ESCRITAS

O motivo pelo qual a professora M. diz ter iniciado a troca das mensagens escritas – “uma tentativa de me aproximar dos alunos e de estimular a escrita com um fim social” – parece pertinente se considerado o contexto em que ela inicia o seu trabalho docente naquela escola: final de ano letivo e apŒs vŠrias trocas de professores. A primeira mensagem que partiu da professora estava prevista para ser entregue no final da primeira aula, mas dada a sua experi†ncia anterior em uma outra sala, M. decidiu antecipŠ-la. Isso, segundo a sua avaliaƒ„o, teria dado melhores resultados “Quando leram o bilhete parece que eles [os alunos] ficaram com mais vontade de fazer a atividade (...)” (DiŠrio de Campo, 08 de novembro de 2004, p.7, verso). Cada aluno recebeu uma mensagem manuscrita, conforme exemplo abaixo. Apesar das semelhanƒas, houve, jŠ na primeira mensagem, uma tentativa de “individualizaƒ„o”, que se deve ao fato de todas as mensagens estarem manuscritas e apresentarem pequenas variaƒ‹es no conte‡do, jŠ que elas foram endereƒadas diretamente a cada um dos interlocutores (alunos). Segue um exemplo:

07/11/04 / Querida S ! / Espero que você esteja bem. Eu estou e escrevo justamente para dizer o quanto fico feliz por estar aqui e, principalmente, por ter a oportunidade de conhecê-la. / Gostaria muito que você respondesse esse bilhetinho contando mais coisas sobre você: coisas que você gosta de fazer, matéria que mais gosta, etc. / Sinta-se à vontade para responder ou não. / Beijocas / Profª M. / Notei que você e a S. fazem aniversário no mesmo dia, mas vocês não 7

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seriam irmãs, seriam?

A anŠlise, em um primeiro momento, buscou recuperar as recorr†ncias. Neste sentido, tal exemplo pode ser tomado como o que elucida boa parte das caracter…sticas encontradas nos demais registros. No que diz respeito a estrutura composicional, a mensagem acima estŠ muito prŒxima da estrutura da carta pessoal: abertura, corpo do texto e encerramento s„o partes fŠcil e visualmente identificadas. Al‰m disso, conforme o proposto por Silva (2002, p.137-147), nas etapas de abertura e encerramento ‰ poss…vel que se verifique “sequ†ncias discursivas protot…picas, altamente recorrentes, que expressam, de forma clara (...) a natureza do relacionamento dos interlocutores, a finalidade que cumpre a interaƒ„o em curso e, sobretudo o carŠter dialogal e dialŒgico desse g†nero...” Assim, com base no proposto por Silva (2002, p.138), tem-se a seguinte estrutura: abertura do evento, composta pelo cabeƒalho (07/11/2004), saudaƒ„o (Querida S.) e solicitudes (Espero que você esteja bem. Eu estou e escrevo justamente para dizer o quanto fico feliz por estar aqui e, principalmente, por ter a oportunidade de conhecê-la.); corpo da interação (de Gostaria ... a

etc.) e

encerramento (Beijocas / Profª M.). HŠ ainda o post scriptum (Notei que você e a S. fazem aniversário no mesmo dia, mas vocês não seriam irmãs, seriam?) JŠ sobre o conte‡do, salienta-se que a escolha feita pela professora parece ter sido influenciada n„o sŒ pela sua necessidade “se aproximar”12 dos alunos, mas tamb‰m pelo tipo de caracterizaƒ„o que lhe fizeram na ocasi„o de sua visita a escola. Essa primeira mensagem, portanto, constitui uma esp‰cie de diŠlogo, n„o somente com os alunos, mas tamb‰m com aquilo que se falou sobre eles e sobre a entrada da professora no final do ano letivo. Logo, a afetividade parece ter sido a estrat‰gia utilizada pela professora para atingir seu objetivo: ao contrŠrio do que era previsto numa situaƒ„o como esta, M. constrŒi a sua chegada na escola como algo positivo e atribui isso aos alunos; manifesta interesse pelas suas particularidades; e, ao desobrigŠ-los a responder a mensagem, deixa impl…cito que n„o se trata de uma atividade escolar tradicional13.

12

Em Silva (2002, p103), o g†nero carta pessoal tamb‰m ‰ apontado como um espaƒo para a construƒ„o de novas relaƒ‹es sociais e ‰ isso que M. parece estar tentando fazer. 13 Entende-se aqui por atividade de escrita tradicional aquela que o aluno realiza com o objetivo claro de receber uma nota materializa a avaliaƒ„o feita pelo professor, a qual quase sempre se at‰m apenas a aspectos estruturais e de correƒ„o ortogrŠfica. 8

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A afetividade a que se referiu, pode ser percebida n„o somente atrav‰s do uso de termos tais como “querido xxx”, “muitos beijos”, “um grande abraƒo”, “beijocas”, os quais s„o t…picos do g†nero, mas tamb‰m pelas modalizaƒ‹es “gostaria”, “seriam” e por construƒ‹es como as abaixo, que evidenciam, de formas diversas o dizer da professora “(...) estou feliz por estar aqui e por conhecer voc†!” (Mo 07/11/04) Apesar de sŒ poder comeƒar a dar aula agora, que o ano jŠ estŠ no finalzinho, sinto-me muito feliz por estar aqui e por conhecer voc†. (An 07/11/04) Olha! Estou escrevendo somente para dizer que estou muito feliz por poder dar aula nesta escola e, principalmente, por te conhecer (Gi 07/11/04) Saiba que sinto uma imensa felicidade por poder estar aqui, por dar aula nesta escola e, principalmente, por conhecer voc†. (Se 07/11/04) (...) estou t„o feliz por poder dar aula aqui que voc† nem imagina. (Am 07/11/04)

Al‰m disso, parece que a intenƒ„o da professora ‰ fazer com que o aluno se sinta livre para escrever se e quando quiser o que se torna expl…cito atrav‰s de trechos como “n„o ‰ pra nota tŠ?” Com isso, M. precisou utilizar outra estrat‰gia para estimular o aluno a responder. Conforme exemplos abaixo, ela novamente se apŒia na afetividade “vou ficar ainda mais feliz se receber a sua resposta”, bem como no uso de perguntas que ‰ uma estrat‰gia inerente ao g†nero – neste caso espec…fico, a carta pessoal – para o estabelecimento do diŠlogo. Ao fazer as perguntas sobre as prefer†ncias do aluno, M. acaba criando a “necessidade” de resposta diferente daquela que geralmente ocorre na escola: receber uma nota. Voc† chegou aqui faz pouco tempo, n„o ‰? Voc† veio de outra escola ou de outra sala? E a…, o que voc† estŠ achando da escola? Ou da sala?(Am 07/11/04) Posso te chamar de L†? E a…, como voc† estŠ? Tudo bem? (L† 07/11/04) Como as pessoas geralmente te chamam: Gi? E como voc† gostaria que eu te chamasse? (Gi 07/11/04) Conte-me como voc† estŠ? O que tem feito, o que gosta de fazer? Vou ficar ainda mais feliz se receber a sua resposta!(Se 07/11/04) Gostaria muito que voc† respondesse esse bilhetinho contando coisas sobre voc†: coisas que voc† gosta de fazer, mat‰ria que mais gosta, etc. (As 07/11/04) (...) gostaria que voc† me contasse mais sobre voc†, sobre as coisas que voc† gosta, que n„o gosta, sobre os seus amigos, enfim, aquilo que voc† quiser (e puder) me contar. Ah! Mas n„o se preocupe, n„o ‰ pra nota ta? (risos). Responda sŒ se voc† sentir vontade. Eu ficarei ainda mais feliz se voc† decidir responder! (Mo 07/11/04)

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As perguntas, de acordo com Silva (2002), podem ser consideradas como uma estrat‰gia de envolvimento interpessoal, uma vez que seu conte‡do, conforme mostrado acima, faz preferencialmente refer†ncia a situaƒ‹es que envolvem a vida cotidiana do destinatŠrio. A atitude de quem escreve ao querer saber algo sobre o outro, pode ser entendida como manifestaƒ„o de engajamento afetivo e pessoal, neste caso, para estabelecer um relacionamento interpessoal. Com essa estrat‰gia, a professora se constrŒi como um interlocutor interessado, n„o somente nos conte‡dos escolares apreendidos ou n„o pelos alunos, mas, sobretudo, interessado nele mesmo (no aluno). M. convida o aluno a dizer quem ele ‰, do que gosta, sem desconsiderar completamente o espaƒo escola, sala de aula, aula de LM, pois hŠ questionamentos sobre as atividades que os alunos gostariam de ter nas aulas. Pode-se dizer que os alunos ratificam esse “novo papel” da professora, pois 77% deles responderam a primeira mensagem enviada por M. No que diz respeito conte‡do das mensagens enviadas pelos alunos, verificou-se que 64% deles responderam apenas o que foi perguntado e n„o devolveram a pergunta a M; 30% dos alunos, al‰m de responderem ao que lhes foi perguntado, tamb‰m fizeram perguntas • professora; 6% dos alunos n„o respondem ao que foi perguntado nem fizeram novas perguntas, apenas comentaram alguns dizeres da mensagem recebida. Conforme se observa, os jovens/adolescentes em quest„o n„o manifestaram resist†ncia para responder as perguntas, no entanto, o fato de n„o terem se arriscado a fazer questionamentos • professora pode evidenciar o quanto a assimetria de pap‰is estŠ t„o incutida nestes alunos que eles n„o conseguem dela se libertar nem mesmo em uma situaƒ„o como esta, em que M estŠ tentando se aproximar. Entre os alunos que se arriscaram a responder, alguns deles apenas reproduziram as perguntas feitas pela professora. Observem-se os exemplos abaixo:

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Oi,/ O meu nome ‡ A.. / E comigo estƒ tudo bem./ ˆ claro que voc„ pode me chamar de A. /Eu tamb‡m estou super feliz em te conhecer. Beijos de sua nova aluna/ Com muito carinho.

08/11/2004/ Oi M! /Bom eu tamb‡m estou muito feliz por voc„ / estar dando aula pra gente, e voc„ parece / ser uma pessoa muito boa e que voc„ possa / ser essa pessoa que voc„ ‡ antes / da gente te conhecer. E voc„ o que estƒ / achando de n‰s? O que voc„ achou / da escola ? e de mim o que voc„ / achou? E do nosso comportamento? / Abra€os. Aluno B.

Nessas respostas, percebe-se que mesmo diante da tentativa de se estabelecer uma interaƒ„o diferenciada da que tradicionalmente ocorre no contexto escolar, os pap‰is da professora e aluno n„o foram totalmente apagados, quer pelo conte‡do das mensagens que acaba fazendo alguma refer†ncia • escola (“mat‡ria que mais gosta”, “o que gostaria de ter nas aulas”, “estar dando aula pra gente”, “o que voc„ achou da escola?”, E do nosso comportamento?”), quer pelo fato de que a professora assina como “Prof. M” e os alunos como “sua nova aluna A”, “aluno B”. Observando a estrutura das mensagens enviadas pelos alunos, conforme exemplos acima, ‰ poss…vel que se identifique a abertura, o corpo do texto e o

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encerramento, tal qual na mensagem de M. Em A, no entanto, hŠ algumas diferenƒas, n„o foi colocado o cabeƒalho e nem assinatura, jŠ B. segue exatamente a mesma configuraƒ„o apresentada pela mensagem da professora. Dessa forma, a que mais se aproxima da mensagem de M. ‰ a do aluno B. No primeiro caso, A. parece ter se preocupado apenas em responder o que lhe foi perguntado e nem se atenta para o fato de que n„o precisaria dizer “O meu nome ‰ A”, pois isso a professora jŠ sabia, porque havia lhe endereƒado a mensagem, mas sim que ela (aluna A) precisaria assinar possibilitando a M. reconhecer o seu texto. As prŒximas mensagens enviadas por M. para A e B s„o bem distintas, conforme ‰ poss…vel observar nos textos abaixo.

Campinas, 09 de novembro de 2004. / Querida A. !/ Que legal você ter respondido. / Será que você poderia me falar mais sobre você: / das coisas que você gosta, dos seus amigos, dos seus / sonhos... você também poderia me dizer o que você / gostaria de ter nas aulas de Português. / Ah! Se você quiser, pode fazer perguntas pra/ mim também, tá? / Um/ montão / de / beijos / M. / Adorei os adesivos. E o fichário (folha) também: o/ ursinho Puff é lindo, né? (risos).

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Campinas, 08 de novembro de 2004. / Querido B. / Poxa! Fiquei super contente por voc„ ter escrito / e por ter gostado de mim./ Bem, respondendo as suas perguntas: eu estou ado-/rando voc„s, a escola ‡ ‰tima, do jeitinho que eu / sempre sonhei. Sei que voc„s gostam de conversar / e n•o acho isso ruim, desde que voc„s me respeitem / e fa€am todas as tarefas, n•o haverƒ problemas. Na primeira / aula voc„s foram excelentes. / Eu gostei de voc„. Adorei o fato de voc„ me fazer / perguntas. Agora ‡ minha vez, tƒ? (risos) / O que voc„ gosta de fazer? O que n•o gosta? / O que voc„ gostaria de ter nas aulas de L…ngua Portuguesa? / Se voc„ quiser, pode falar mais coisas sobre voc„, tƒ? / Muitos, / Muitos, / beijos ! / M. / PS: aguardando sua resposta.

Como A. respondeu, mas n„o fez perguntas, M. reforƒa que isto pode ser feito (“Ah! Se voc„ quiser, pode fazer perguntas pra/ mim tamb‡m, tƒ?”). JŠ para B ela responde o que foi perguntado (“Bem, respondendo as suas perguntas: ...”) e faz novas perguntas (“Agora ‡ minha vez, tƒ? (risos)”) a fim de manter o diŠlogo. Nessas mensagens, ‰ poss…vel que se perceba algumas diferenƒas, inclusive estruturais. O cabeƒalho, o qual anteriormente apresentava apenas a data (07/11/2004), passou a trazer a indicaƒ„o do local, assemelhando-se ainda mais a forma encontrada nos g†neros epistolares, inclusive a carta pessoal ( Campinas, 08 de novembro de 2004). A professora faz uso constantemente do post scriptum, no entanto, parece hesitar na sua sinalizaƒ„o, o que aconteceu somente na sua resposta a B (PS...). As diferenƒas de conte‡do, que s„o resultado da individualizaƒ„o das mensagens, n„o impedem que haja um ponto em comum, a professora explicita que 13

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ficou feliz com a resposta (Que legal voc„ ter respondido.), bem como insiste em assuntos relacionados • escola e •s aulas (O que voc„ gostaria de ter nas aulas de L…ngua Portuguesa?). Essa insist†ncia pode justificar a aus†ncia do termo “Prof” na assinatura de M., pois jŠ parece

claro que se trata de uma interaƒ„o entre

professora-alunos, a qual apesar de algumas particularidades, ocorre no espaƒo escolar e a ele remete com bastante frequ†ncia. Outro aspecto que chama atenƒ„o aqui ‰ a inserƒ„o de elementos de outros g†neros tais como o “risos” – cuja presenƒa ‰ comum nos chats. Isso, conforme Silva (2002, p.34), evidencia a dinamicidade inerente ao(s) g†nero(s), o que n„o significa a criaƒ„o de um novo g†nero a cada “modificaƒ„o”, mas sim que o g†nero se modela e se reestrutura em raz„o das injunƒ‹es de novas tecnologias e, neste caso, em raz„o do espaƒo /contexto no qual g†nero circula – sala de aula. Tendo em vista a mensagem acima descrita, houve uma nova resposta

Campinas, 09 de novembro de 2004 / Professora M, / eu gosto de ouvir m‹sica; Os tipos de m‹-/ sica que eu gosto s•o Pop, Funk, /Dance e principalmente Hip Hop. E que ti- / po de música você gosta? / Sabe, eu n•o tenho muitos amigos, pra falar / a verdade eu s‰ tenho tr„s a Val - / quiria que eu conhe€o a 12 anos, a Aline / que eu conhe€o a 5 anos e o meu namora- / do Thiago. Professora quais são os seus amigos?/ Eu s‰ tenho um sonho, me estabelecer / na vida e poder ajudar a minha m•e quando ela estiver mais velha. E você tem / um sonho ou já realizou o seu? / Eu gostaria de continuar lendo os livros / que a professora T. dava pra gente ler / na quinta-feira no finalzinho da aula./ Professora, eu estou gostando muito / de trocar bilhetes com voc„/ Um/ mont•o / de/ beijos / p/ voc„ também/ A. / 14

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Dessa vez eu n•o tenho muitos adesivos.

Iniciando a anŠlise da produƒ„o de A. pela apresentaƒ„o do texto, jŠ ‰ poss…vel perceber o quanto ele se modificou se comparado ao primeiro.

A

distribuiƒ„o da escrita no papel segue a mesma configuraƒ„o da(s) mensagen(s) enviada(s) pela professora – a qual, como fora mencionado permite que se recupere at‰ visualmente a abertura, o corpo do texto e o encerramento, partes constitutivas do g†nero carta pessoal. A mudanƒa feita no cabeƒalho por M. fora incorporada por A;

a prŠtica se colocar o post scriptum tamb‰m; no encerramento A. repete a

mesma forma lingu…stica e a mesma disposiƒ„o empregadas por M, o que ‰ ainda ressaltado pelo uso do tamb‡m. Al‰m de responder os questionamentos na mesma ordem proposta por M (“das coisas que voc„ gosta, dos seus amigos, dos seus / sonhos... voc„ tamb‡m poderia me dizer o que voc„ / gostaria de ter nas aulas de Portugu„s.”) A, ao finalizar cada resposta, devolve a pergunta a M. Isso demonstra que a aluna percebeu e aderiu a esse novo papel de “interlocutor interessado” desempenhado pela professora e, mais que isso, que assimilou e conseguiu reproduzir o g†nero que estava sendo utilizado nesta interaƒ„o, mesmo n„o havendo para isso nenhuma explicitaƒ„o por parte de M. Isso aconteceu com B14 e, de certa forma, com os demais alunos no decorrer das trocas. Alguns, como A., jŠ na segunda resposta reconfiguram seu texto e o aproximam do texto da professora, que por sinal, foi se aproximando do g†nero carta pessoal. Outros como B. somente o far„o na terceira mensagem enviada, mas tamb‰m hŠ casos em que a interaƒ„o se dŠ, mas o aluno n„o consegue reproduzir o g†nero utilizado. Vale ressaltar que, apesar dos desdobramentos ocorridos quando este g†nero passou a circular nas aulas de LM, n„o se acredita que tenha havido tantas modificaƒ‹es a ponto de se descaracterizŠ-lo. – preciso que se esclareƒa que este g†nero n„o foi objeto de instruƒ„o em sala de aula nem era essa a pretens„o da professora, pois o g†nero abordado durante as aulas foi a reportagem. Em “Trata-se de uma tentativa de me aproximar dos alunos e de estimular a escrita com um fim social, neste caso a correspond†ncia entre professor-aluno e quem sabe depois aluno-aluno.”, M. esclarece que estŠ interessada na prŠtica social, a qual, ‰ certo, 14

Optou-se por n„o apresentar os outros exemplos dadas as limitaƒ‹es de espaƒo que um trabalho desta natureza imp‹e. 15

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n„o se dŠ da mesma forma que ocorre fora da escola, afinal os textos foram entregues em m„os antes do in…cio das aulas ou apŒs o seu t‰rmino; os pap‰is de professor e alunos n„o foram totalmente apagados, apesar de o tipo de interaƒ„o estabelecida ter diminu…do a assimetria; a escola e as aulas foram temas recorrentes – apesar de se perceber que a preocupaƒ„o era “ouvir” a opini„o do aluno.

CONSIDERAÇÕES (QUASE) FINAIS

A anŠlise desse corpus apontou para o estabelecimento de interaƒ„o entre professor-aluno que escapa aos padr‹es escolares, sem, contudo, deixar de ter uma funƒ„o didŠtica importante no ensino da escrita. Esse escapar aos padr‹es escolares se deve, sobretudo, ao fato de a professora procurar se estabelecer muito mais como um interlocutor interessado que como um avaliador como parece comum nos contextos escolares. Para tanto, a professora utilizou-se das perguntas como uma estrat‰gia para a construƒ„o dessa interaƒ„o, solicitando aos alunos informaƒ‹es pessoais, que apesar de poderem ser utilizadas no processo de ensinoaprendizagem, geralmente n„o s„o consideradas no contexto escolar. Evidentemente, a figura do avaliador n„o foi totalmente apagada, jŠ que M. assinou como “professora”, e os jovens/adolescentes como “alunos”. No entanto, essa avaliaƒ„o estŠ bastante dilu…da, jŠ que a resposta • escrita do aluno n„o ‰ o seu texto corrigido pela professora, mas sim uma nova carta. A intenƒ„o da professora de n„o intervir nessa escrita ‰ explicitada em seus objetivos “Por mais que reconheƒa ser pouco provŠvel que eu n„o avalie as produƒ‹es desses alunos, ressalto que a intenƒ„o n„o ‰ essa. Meu objetivo principal ‰ estabelecer um canal de comunicaƒ„o com esses alunos”. Como se trata de uma produƒ„o (quase) espontŽnea dos alunos, a professora pode recorrer a esses textos como um meio de informaƒ„o sobre a escrita desses alunos. Uma vez feito o diagnŒstico ‰ poss…vel que sejam planejadas atividades que intervenham somente nos pontos que foram identificados como problemŠticos. Al‰m de tudo o que foi exposto, houve outra consequ†ncia na troca dessas mensagens. A professora acabou criando uma situaƒ„o de ensino-aprendizagem de um g†nero - a carta pessoal - que fugiu completamente aos padr‹es escolares. Tal

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fato, por‰m, n„o foi, em hipŒtese alguma, planejado nem esperado, mas decorrente da prŠtica de escrita que se estabeleceu entre M. e seus alunos.

REFER€NCIAS BAZARIM, M. Metodologias de pesquisa aplicadas ao contexto de ensinoaprendizagem de l…nguas. Cadernos do CNLF, 52 VOL. XII, N• 05, 2008. Dispon…vel em: . —ltimo acesso em novembro de 2011. MORIN, A. Pesquisa-a‚ƒo integral e sist„mica – uma antropopedagogia renovada. Rio de Janeiro, DPA, 2004. MORIN, E. Educa‚ƒo e Complexidade: os sete saberes e outros ensaios. S„o Paulo, Cortez, 2002 RIBEIRO, B.T; GARCEZ, P. M. (orgs.) Sociolingu†stica interacional. 2.ed.S„o Paulo, Ed. Loyola, 2002. ROCKWELL, E. Etnografia e teoria na pesquisa educacional. In : EZPELETA, J. ; ROCKWELL, E. Pesquisa participante. S„o Paulo, Cortez, 1989. ROJO, R. 2001. Modelizaƒ„o didŠtica e planejamento: duas prŠticas esquecidas do professor?. In: KLEIMAN, A.B.(org.) A forma‚ƒo do professora – perspectivas da lingu†stica aplicada. Campinas-SP, Mercado de Letras, 2001. SIGNORINI,I;

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