A construção da paisagem hidráulica no antigo couto cisterciense de Alcobaça

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A construção da paisagem hidráulica no antigo couto cisterciense de Alcobaça António Valério Maduro* José Manuel de Mascarenhas** Virgolino Ferreira Jorge***

Nota histórico-artística acerca do Mosteiro A abadia cisterciense de Alcobaça, soberbo conjunto cuja edificação se desenvolveu entre os séculos XII e XVIII, foi fundada pelo rei D. Afonso Henriques, em Abril de 1153. Para o efeito, o monarca doou-lhe um vasto domínio adjacente, que se estendia até à costa atlântica. Dada a situação da zona às incursões muçulmanas, as obras de construção só começaram em 1178. O funesto ataque, ocorrido entre 1191 e 1195, provavelmente, forçou os monges a modificarem os seus planos e a adiarem a transferência para a nova abadia até Agosto de 1223. A igreja, mercê das suas largas dimensões, foi sagrada só no ano de 1252. A análise da sua planta medieval mostra que se trata de uma cópia quase fiel, em posição invertida, da igreja de Claraval II (1154-1174). Esta variação deveu-se às características oridrográficas do sítio alcobacense. O actual prospecto exterior da abadia, profundamente modificado na sua ordem inicial, é o resultado dos trabalhos de ampliação e de benfeitorias executados entre os séculos XVI e XVIII. Refira-se o início da expansão do mosteiro para nascente (século XVI), a reforma integral do alçado poente, com a transformação da ala dos conversos (séculos XVI e XVII) e do frontispício da igreja * Investigador do CEDTUR - ISMAI e do CETRAD - UTAD. E-mail: [email protected] ** Investigador no CIDEHUS - UE e na Cátedra UNESCO em Património Imaterial e Saber-Fazer Tradicional, Universidade de Évora. E-mail: [email protected] *** Professor aposentado da Universidade de Évora. E-mail: [email protected] Os autores não seguem as regras do novo Acordo Ortográfico.

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DESTAQUE

Cadernos de Estudos Leirienses – 4 * Maio 2015

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Fig. 1 – Alcobaça. Vista de sudoeste da abadia cisterciense. Autor: V. F. Jorge.

(concluído em 1725), e a construção dos apartamentos dos abades gerais da Congregação de Alcobaça, a sudoeste (segunda metade do século XVIII), Fig. 1. Os inumeráveis privilégios reais, aumentados com as doações piedosas e as acções de colonização e de arroteamento empreendidas pelos monges, contribuíram para a prosperidade e o prestígio de Alcobaça, tornada cabeça da Ordem em Portugal, no ano de 1567, e incentivaram a rápida expansão cisterciense pelo país, que alcançou trinta e quatro mosteiros e duas ordens militares. Mas, gradualmente, as abominações dos homens e as calamidades do tempo contribuíram para obscurecer este apogeu dourado, provocando a sua decadência moral e económica. Entre as vicissitudes principais dessas páginas dramáticas, invocam-se a instituição da Comenda, durante a segunda metade do século XV e meados do século XVII, com a exploração abusiva dos bens da Ordem, a ruína causada pelo terramoto de 1755 e pelas grandes inundações de 1772 e, finalmente, a devastação cometida pelos invasores franceses, em 1811, que mergulharam a abadia numa crise financeira terrível e irreversível. Após a interdição das ordens religiosas em Portugal, ocorrida em 1834, o mosteiro foi secularizado e transformado em prisão, depois em caserna e noutros serviços administrativos (COCHERIL, 1989). 30

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O admirável estado de preservação da igreja deve-se ao facto de ela ter sido convertida em matriz do aglomerado urbano circundante. Os trabalhos de consolidação e restauro, realizados durante o segundo quartel do século passado, fizeram “regressar” a abadia à sua unidade e simplicidade medievais (MARTINHO, 2014). Este magnificente complexo monástico constitui, na sua densidade histórica e no quadro da arquitectura religiosa medieval portuguesa, uma experiência técnica e estética inigualável e de excepção, mercê do significado formal e da articulação orgânica do seu espaço interno, despojado e pleno de geometria e de racionalidade. É por isso que consideramos a emblemática Abadia de Alcobaça um dos mais distintos e majestosos triunfos da arquitectura dos Cistercienses, em toda a Europa cristã. A sua inclusão na Lista do Património Cultural da Humanidade, pela UNESCO, data de 14 de Dezembro de 1989.

Contexto geofísico do antigo couto monástico A escolha de uma zona florestada e solitária, para a instalação da abadia, na confluência dos rios Alcoa e Baça, correspondeu às três exigências fundamentais da topografia cisterciense medieva, que harmonizam o rural com o espiritual: isolamento, água e pedra (Fig. 2). Em termos de geografia física antiga, o domínio monástico alcobacense pode caracterizarFig. 2 – Alcobaça. Análise topográfica e microclimática se do seguinte modo: cosdo sítio da abadia cisterciense. Autor: V. F. Jorge. ta rochosa, com arribas; faixa dunar litoral estreita; grande mobilidade de areias apenas moderada pelas matas que ocupavam os solos mais pobres e arenosos; e linha de costa recortada por dois grandes golfos, totalmente assoreados na actualidade, 31

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Fig. 3 – Alcobaça. Limites do antigo couto cisterciense. Tracejado: limites em 1153; Traço-ponto: limites em 1358; Ponteado: limites de 1368 a 1374; Manchas ponteadas: áreas correspondentes às antigas lagoas de Pederneira (a norte) e de Alfeizerão (a sul). Autor: J. M. de Mascarenhas.

quer pela dinâmica natural quer pela acção humana. Eram as designadas lagoas da Pederneira, mais a norte, e de Alfeizerão, da qual ainda resta a concha de São Martinho (Fig. 3). Uma área paralela à costa é constituída por colinas, geralmente de relevo suave, delimitadas por vales apertados, por onde correm linhas de água, muitas de regime sazonal. Uma terceira zona, constituída por um vale tifónico e pedregoso, termina no sopé do maciço 32

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calcário da serra dos Candeeiros. Trata-se de uma orla fértil onde a cultura da oliveira veio substituir a mata de outrora. Na segunda metade do século XII, a região era um bosque dominado por carvalhos (Quercus faginea), sobreiros (Quercus suber) e/ou azinheiras (Quercus rotundifolia), no interior do qual se tinham aberto clareiras trabalhadas por colonos ou exploradas por granjas. O castanheiro estaria também presente em zonas de colina, bem como o carrasco (Quercus coccifera) que deveria predominar nas manchas de charneca. Nas terras pantanosas, resultantes do recuo do mar, predominava o bunho (Scirpus lacustris, spp. lacustris), a tabuga (Typha latifolia e Typha angustifolia) e o caniço (Phragmites australis). Estes terrenos encontravam-se permanentemente encharcados, consequência de uma drenagem difícil e de uma rede densa de linhas de água de regime torrencial, que necessitavam de regulação hídrica constante. Ao longo do período setecentista, ainda existiam muitos pauis e lagos residuais na zona anteriormente ocupada pelas lagoas de Pederneira e de Alfeizerão.

O abastecimento de água à abadia medieval No estado actual das nossas pesquisas, os conhecimentos que dispomos acerca do antigo sistema hidráulico do mosteiro alcobacense, desde a captação de água potável até à descarga final dos efluentes domésticos e pluviais, são os abaixo consignados. Captação de águas A abadia era abastecida com água subterrânea corrente, explorada num aquífero localizado na Chiqueda de Cima, a 3,500 km a sudeste de Alcobaça, em vale amplo e muito fértil. Conhecemos o sítio exacto da nascente, que se mantém ainda em farta actividade, perto da Capela de Nossa Senhora do Carmo. Uma pequena construção pétrea, semi-enterrada e em precário estado, protege o “berço” de impurezas e de um eventual aluimento de terras. A sua planta obedece a um desenho rectangular (3,20 x 2,60 m). As paredes têm a espessura de 0,60 m e apresentam um pé-direito baixo (1,20 m). O acesso ao interior faz-se através de uma abertura (1,20 x 0,90 m) rasgada no frontispício da obra. O telhado, de duas vertentes, é composto por grandes lajes de calcário aparelhadas. A água doce, que outrora corria para o mostei33

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ro, brota um pouco abaixo da cota actual do terreno. Desde o ano de 1935, esta nascente, incrementada com outros mananciais aquíferos próximos, é utilizada para o fornecimento público de água à cidade de Alcobaça (Fig. 4). Não sabemos se, de início, houve outra fonte de aprovisionaFig. 4 – Alcobaça. Captação de água potável mento hídrico ao mosteiro. Nem na Chiqueda de Cima. Autor: V. F. Jorge. a tradição nem as pessoas mais idosas da zona confirmam notícias ou referências a este propósito. Julgamos que a primitiva disponibilização de água límpida a esta comunidade religiosa de vida estável tenha sido através de um poço ou nascente localizados na cerca abacial, os quais foram utilizados até que a realização de obras hidráulicas mais complexas se tornaram indispensáveis, em data que não certificamos pela sua morfologia generativa. Para as outras actividades e necessidades comunitárias de água de menor qualidade, mas que exigiam um potencial hídrico maior – irrigação, accionamento de forjas e de moinhos, saneamento das latrinas, etc. – abriu-

Fig. 5 – Alcobaça. Obras de ordenamento hidráulico da abadia cisterciense. Autor: V. F. Jorge.

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-se uma vala derivada do rio Alcoa, cuja "água levada" corre ao ar livre, ao longo da sua margem esquerda, e bordeja o casario monástico a oriente. Em razão do desnível topográfico verificado, a tomada de água faz-se a 1,500 km a montante da abadia. A fim de represar a água fluvial e criar condições para Fig. 6 – Alcobaça. Açude para captação de água comum, no rio Alcoa, para a abadia cisterciense. que esta possa ser desviada, Autor: V. F. Jorge. mediante uma comporta para regulação ou interrupção do caudal, geralmente baixo no Verão e abundante no Inverno, os monges construíram um açude naquele rio, que funciona ainda em óptimas condições hidráulicas (Figs. 5-6). Adução de água potável O sistema adutor de água potável ao mosteiro tem um comprimento total de 3,280 km. A água era conduzida numa caleira de perfil uniforme, por acção gravitacional. O percurso do aqueduto segue as linhas de nível favoráveis à escorrência, excepto nos pontos onde o declive do terreno obrigou a ângulos ou a curvas. O exame da canalização, ainda intacta em várias partes do trajecto, mas desprezada e muito vulnerável à sua perda iminente, permite tecer conclusões preliminares. Os sectores melhor conservados localizamse entre os pontos 1 e 4 do traçado (Fig. 7). A reconstituição dos troços destruídos por construções, deslizamentos ou arroteamentos de terras não apresenta grandes dificuldades, porquanto subsistem alguns vestígios evidentes ou reconhecíveis. Assim, e no sentido do escoamento, a topografia do aqueduto apresenta as características principais seguintes: –desde a nascente até ao ponto 1, a condução da água era subterrânea. A caleira repousa directamente no solo, estando a sua estabilidade garantida pelo peso dos próprios blocos rochosos. O trecho em falta foi destruído durante a construção da Central Fruteira de Alcobaça, na década de 1970; – entre os pontos 1 e 2, o transporte da água corria à superfície. A 35

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Fig. 7 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Traçado adutor de água potável. Autor: V. F. Jorge.

caleira assenta sobre um muro de alvenaria, com altura variável. A arcada, que se localizava próxima do ponto 1, foi demolida em meados da primeira década de 2000, pelas obras de construção do actual hipermercado Pingo Doce de Alcobaça, permitia a passagem de pessoas e de canais de irrigação abastecidos pela levada (Fig. 8). A construção de uma fábrica, no período de 1970-1980, e o alargamento da Rua da Levadinha, no Bairro do Lameirão (Alcobaça), arruinaram o vizinho troço da conduta adutora elevada sobre um muro, da qual sobram ainda indícios abundantes. A caleira é formada por blocos rectangulares de calcário, com medidas padronizadas (c x l x h = 1,12 x 0,36 x 0,24 m) e uma cavidade longitudinal em forma de U, com 0,16 m de largura. A união das suas extremidades é asseguFig. 8 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Troço aéreo rada por um encaixe macho adutor de água potável (destruído em meados e fêmea. A cobertura faz-se da 1ª década de 2000). Autor: V. F. Jorge. 36

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por lajes aparelhadas com o mesmo tipo de material. A fim de evitar perdas de água ou a entrada de impurezas, as juntas da caleira estão impermeabilizadas com argamassa; –no trajecto final, entre o ponto 2 e a parede sul da igreja, a caleira está instalada na base de uma galeria. Com os trabalhos de desobstrução e desaterro da zona meridional do templo, contra a humidade capilar, mutilou-se a última parte do aqueduto. No ponto 2, a galeria mede 1,32 m de altura e 0,72 m de largura, as suas paredes são de alFig. 9 – Alcobaça. Abadia cisterciense. venaria e a cobertura é constituída por lajes planas de calcário. Entre os pon- Troço subterrâneo adutor de água potável. Autor: V. F. Jorge. tos 3 e 4, o corredor aberto na rocha tem uma altura média de 1,80 m e uma largura média de 0,84 m. Como a sobrecarga do terreno e o perigo de ruptura por flexão são mais significativos aqui do que no segmento a montante, a trincheira está coberta com uma abóbada de berço formada por tijolos dispostos ao cutelo (Fig. 9). O acesso directo à galeria, cujas dimensões permitem o trânsito de pessoas para vistorias e limpezas periódicas de manutenção ou reparações no canal adutor, faz-se por três poços de visita (também de arejamento e iluminação naturais), com uma localização equidistante. Fig. 10 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Caixa de decantação da rede adutora de água potável. Autor: V. F. Jorge.

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Fig. 11 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Tanque de compensação inserido na parede sul da nave da igreja. Autor: V. F. Jorge.

Fig. 12 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Lápide na parede norte da nave da igreja. Autor: V. F. Jorge.

Ao longo da rede de transporte da água potável, a uma distância mais ou menos invariável, há caixas de decantação, de planta quadrada, medindo 0,54 m de lado e 0,27 m de profundidade. Algumas destas caixas têm um descarregador de fundo. O orifício destinava-se quer a facilitar a saída de sedimentos quer à eventual instalação de uma torneira (Fig. 10). A adução por gravidade terminava quando a conduta alcançava a igreja. A água caía no reservatório ou tanque de compensação, embebido na parede sul do corpo longitudinal, de onde ela partia em regime forçado, através de uma tubagem que atravessa inferiormente as naves do templo. Na sua parede norte, há a epígrafe hidráulica latina AQUE DUCTVS que assinala esta passagem subterrânea para o lavabo do claustro (Figs. 11-12). Daqui, a água era repartida pelos pontos de consumo na zona residencial. A diferença de nível do sistema adutor, de montante para jusante, é de 5,30 m, numa trajectória de 3,280 km, pelo que a sua declividade média é de 1,6‰ ( h = 1,6 m/km). Em boas condições hídricas, o débito estimado seria de 10 litros/minuto, o que significava um consumo diário máximo de cerca de 14,00 m³ ou 14 000 litros (fórmula de ManningFig. 13 – Alcobaça. Abadia cisterciense. As-Strickler). pecto da casa do lavatório. Autor: V. F. Jorge.

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Fig. 14 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Rede hidráulica medieval (reconstituição esquemática). Autor: V. F. Jorge.

Distribuição de água potável No interior do mosteiro medieval, os circuitos da água límpida não estão suficientemente esclarecidos, por falta de estudos arqueológicos mais siste39

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máticos e aprofundados, mormente nos espaços de dúvida, os quais, de novo, aqui solicitamos. O claustro foi muito revolvido com a adaptação oitocentista do complexo monástico a quartel e, posteriormente, pelas obras de restauro do século XX. Por conseguinte, a nossa proposta de reconstituição dos itinerários da água potável na área habitacional baseia-se nos poucos testemunhos que subsistem in loco e na experiência e nos conhecimentos que dispomos acerca de outras redes de gestão hídrica, segundo o programa habitual dos mosteiros cistercienses da Idade Média. Assim, a partir do lavabo do claustro, a água potável era conduzida de modo racional para as áreas mais necessitadas da abadia, em particular, a cozinha, a zona dos conversos e a enfermaria (Figs. 13-14). Como dissemos já, a distribuição de água límpida corrente no espaço doméstico fazia-se em regime forçado, a partir do reservatório inserido na parede meridional da igreja. O escoamento sob pressão assegurava as condições hidrotécnicas entre este tanque, o referido lavabo e os vários ramais. Actualmente, a casa do lavatório é alimentada pela rede pública de abastecimento de água à cidade de Alcobaça. Evacuação das águas usadas e pluviais As dificuldades de análise e interpretação do sistema excretor decorrem das informações lacunares acerca da rede interna de circulação da água potável na abadia. Sem provas irrefragáveis, julgamos que o esgoto dos resíduos domiciliários e pluviais afluía para um colector externo que contornava o edifício monástico a norte e atravessava inferiormente as latrinas, aumentando o seu volume e fluxo de descarga. Este canal, desviado da levada e provavelmente regulado por uma comporta, desaguava no rio Baça. As suas medidas, que nós ignoramos, deveriam garantir a passagem livre e sem obstruções dos efluentes. A existência desta conduta de escoamento é indiscutível, dada a localização tradicional das sentinas dos monges e dos conversos na extremidade dos seus dormitórios, localizados, respectivamente, nas alas a nascente e a poente do espaço claustral. Ela confirma-se pelo recorte da entrada nas antigas latrinas, perceptível na face interna da parede norte do dormitório medieval dos monges, e pelo reforço exterior desse paredão na sua zona inferior, o que o protegia do desgaste gerado pelo caudal das águas mortas, e ainda pelo declive natural do terreno, de este para oeste (Fig. 15). A hipótese, segundo a qual as latrinas destinadas a uma comunidade superior 40

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a uma centena de monges não estarem munidas com um “autoclismo”, é insustentável... Este trabalho preliminar, acerca do antigo abastecimento de água à abadia alcobacense, não tem a pretensão de oferecer conclusões definitivas, embora tenha sido elaborado com o máximo rigor. Com efeito, ele foi muito dificultado e condicionado pela inexistência de fontes documentais e de dados arqueológicos, sobretudo, quanto às primitivas estruturas hidráulicas internas do mosteiro. O saber hidrotécnico adquirido, misturado com a Fig. 15 – Alcobaça. Abadia cisterciense. Aspecto da nossa experiência de campo, face interna da parede norte do dormitório medieval permitiu tecer breves considerados monges. Notar o recorte da antiga entrada nas latrinas. Autor: V. F. Jorge. ções e sustentar alguns juízos e hipóteses, abertos para aplicação ou questionamento futuros que os validem ou corrijam, por demonstração factual segura e tangível. Tal circunstância reclama o prosseguimento mais aturado das nossas pesquisas acerca da verdade hidráulica, objectivando a merecida visibilidade, reconhecimento e salvaguarda exemplar deste bem comum (JORGE, 1996).

Os antigos moinhos hidráulicos do Mosteiro de Alcobaça O Alcoa, rebaptizado de Abadia, quando as suas águas casam com as do Baça, é o rio de maior préstimo, onde se localiza o grosso dos engenhos de moagem do mosteiro donatário. As suas águas servem o conjunto da Quinta de Chiqueda, com o seu moinho de 4 pedras e lagar de azeite de 6 varas, o moinho de 3 pedras da Quinta das freiras de Cós (Chiqueda), os moinhos do Mosteiro e da Praça que mobilizam 11 pedras, o conjunto da Fervença, com dois moinhos e uma azenha (9 pedras). Basta referir que estas unidades moageiras se encar41

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regam da moenda de mais de 50% do cereal arrecadado nas tulhas dos celeiros da Ordem. Para além dos moinhos de rodízio e azenhas, neste curso de água têm assento os lagares de azeite de maior grandeza (basta referir que o lagar de azeite da Fervença dispunha de dois engenhos hidráulicos que assistiam dez prensas de vara), o engenho de serração alojado na cerca do mosteiro (o único com motor hidráulico no território dos coutos), forjas e pisões, entre outras fábricas afectas ao complexo monástico cisterciense. Para dar razão à moagem do grão contava-se, para além da energia das águas, com a força dos ventos. Mas este último motor era imprevisível, difícil de domar, já para não falar das calmarias que faziam perder ânimo ao velame. A laboração dos engenhos tocados a vento estava ainda comprometida pelo sopro do suão, que constrangia a actividade durante o período matinal. Na prática, a sua actividade restringia-se aos meses de Julho a Outubro. Todos estes embaraços relegavam os moinhos de vento para uma função subsidiária dos moinhos hidráulicos, amparando as artes da moagem quando a força do estio, associada à rega das novidades e ao trabalho de outras indústrias, inibia o labor de algumas pedras. As unidades de moagem hidráulica do mosteiro, exploradas directamente ou aforadas a terceiros, diferenciam-se pelo local de assentamento, pela dimensão da estrutura edificada e pelo número de “engenhos correntes e moentes”, revolucionando, em média, entre três a quatro casais de mós alveiras ou trigueiras e segundeiras (para os cereais menos nobres, como o centeio e o milho e até, por vezes, a cevada). Estas casas de moinhos estão instaladas nos cursos de maior merecimento, aproveitando as quedas de água para elevar o débito energético. Por vezes, as levadas e valas dos moinhos funcionam solidariamente, conduzindo as águas a outros engenhos e, graças a oportunas derivações capilares, assistem à revolução do milho (séculos XVII-XVIII) e dos arrozais (século XIX) nas terras de campo da Cela, Valado e Alfeizerão. A difusão do maiz e a sua alta taxa de produtividade (por cada alqueire lançado à terra obtinham-se trinta e dois) altera os hábitos alimentares da população camponesa, que passa a prescindir dos trigos com fraco grau de peneiração para o fabrico do pão (as classes de estatuto social elevado consumiam exclusivamente pão de trigo alvo e bebiam vinhos brancos e vermelhos que correspondiam aos actuais palhetes; em contramão, as classes populares comiam pão escuro e bebiam vinhos de feitoria de cor carregada, ou seja, produtos menos agradáveis ao paladar, mas mais calóricos e, por isso, ajustados ao quotidia42

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Quadro 1 – Moinhos de Rodízio/Azenhas do Mosteiro1 Denominação/Localização Moinho do Mosteiro (Rua 16 de Outubro, antiga Rua da Levada › Alcobaça) Moinho da Praça (Rua Alexandre Herculano, antigas Ruas da Praça e de Santo António) Moinho de Chiqueda de Cima › Prazeres de Aljubarrota ŸȤɀȺȿȹɀȵȲɄȝɃȶȺɃȲɄ ȵȶȚʪɄ (Chiqueda de Baixo › Prazeres de Aljubarrota) Moinho de Baixo (Fervença › Maiorga) Moinho do Meio (Fervença › Maiorga) Moinho de Cima (Fervença › Maiorga) Moinho de Águas › Belas de Baixo (Valado dos Frades) Moinho de Águas › Belas de Cima Moinho do Engenho (Águas › Belas) Moinho/Azenha na Cela Velha Moinho da Carreira (Póvoa de Cós) Moinho da Mata (Casal da Areia) Moinho da Castanheira Moinho da Mata da Torre

Nº de pedras

Pedras alveiras

Pedras segundeiras

3

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4 8 (ampliação)

2

2

4

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3

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3 3 4 (ampliação)

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2

2

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1

1

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3 3

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4

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no de trabalho). Esta transformação faz-se notar ainda em alterações na estrutura de foros e rendas e num acréscimo das mós segundeiras nos engenhos de moagem. O leito do rio é beneficiado por presas e açudes, quer com a função de aprovisionar as águas, salvando oportunamente os engenhos da agrura estival, quer como forma de prevenção e guarda contra cheias, depósitos que servem habitualmente de viveiros de peixes e de criação de aves que aproveitam o alimpalho do moinho resultante dos trabalhos de peneiração (estes restos tam1

Nas últimas décadas da administração monástica, os moinhos conheceram algumas reformas com o aumento do número de engenhos.

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bém eram utilizados em culturas para verde como penso para o gado). Os moinhos do mosteiro são construções sólidas de pedra crua, eventualmente rebocada, e com cobertura de telha, que ocupam estrategicamente os espaços privilegiados nos cursos de água. Em situação diametralmente oposta temos as precárias instalações de propriedade popular, edificadas com madeira nas margens do leito das ribeiras, cujo fluxo condiciona a laboração a um período que não excede três a quatro meses por ano (GIL, 1965, 167), engenhos que o mosteiro sujeitava ao doloso pagamento do foro das águas. Para ficar pronto a laborar, o moinho tinha de estar munido com um corpo de alfaias próprias. As escrituras notariais relativas aos moinhos de água referem apenas picões (em número de três ou quatro) e uma alavanca de ferro para levantar e assentar as mós, mas omitem as gadanhas, enxadas e pás de valar com que se cuida das levadas. A documentação é mais profusa quando se pronuncia sobre os moinhos de vento em que, para além dos picões e alavancas, refere serras de mão, enxós, martelos, escopros e goivas (MADURO, 2011, 260). Para além deste instrumental, as escrituras falam das medidas, de um sem número de alfaias para limpar o grão, como joeiras, bandejas, cirandas e peneiras, dos foles de pele de cabra de meio-alqueire ou de alqueire para carreto do grão e farinha, das tulhas e arcas de arrecadação do cereal. O cereal dado a moer, após a picadura das pedras, pertencia à casa, porquanto as pedras mal ajustadas podiam queimar a farinha. Idêntica obrigação conhecia a moenda da azeitona, em virtude das seiras ressequidas embeberem muito azeite e transmitirem-lhe um acentuado sabor a ranço. Foros e rendas dos engenhos de moagem estão intimamente relacionados com o estado das instalações, o número de pedras, a natureza do curso de água e a bondade da localização, e a inclusão de logradouros, o que implica lavoura e pagamento do dízimo das novidades, como testemunha o contrato de um moinho do mosteiro na vila da Cela, entre outros factores. O pagamento dos foros compreende, para além da entrega de cereais (pão meado, terçado ou quartado, conforme a representação de cereais de primeira e segunda), leguminosas secas, vivos (galinhas, galos capões, carneiros e porcos) e alguns géneros, como cera e azeite. O cereal que deve ser transportado para os celeiros da Ordem deve vir limpo e ser da terra e não de tulha, ou seja, deve ser cereal da presente colheita. A prestação podia ser única, coincidindo com o período das colheitas e debulhas em datas definidas pelo costume e calendário santoral, mas também era comum partir o foro 44

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(à semana, ao mês, de dois em dois meses e em quartéis) controlando, assim, mais eficazmente, eventuais incumprimentos (MADURO, 2011, 268-271). A reparação, limpeza e abertura das valas, levadas e agueiros de “foice e machado”, o desassoreamento e retirada da vegetação das presas e açudes, o “tirar a pedra” do leito dos rios e ribeiras e recuperar as margens constituíam obrigações dos rendeiros consignadas na letra dos contratos. Já as obras maiores no edificado ou os danos causados por acidentes naturais, como rombos nos açudes e destruição do aparelho motriz, tinham capital do senhorio e trabalho do rendeiro. Mas os rendeiros também eram convocados para outros afazeres nas casas de moinhos e currais onde se abrigava o gado, como o reboco e caiação de paredes, reparação de vigamentos e telhados, colocação de pedras nos engenhos, substituição e reparo dos rodízios, colocação de cubos de tronco e seteiras (MADURO, 2011, 273-275). Chegava-se até a incumbir o rendeiro de guardar pinhais, a fim de evitar furtos de lenha, e a vigiar os lagares de azeite. Os períodos destinados às valagens podiam implicar a redução do foro. O mesmo sucedia quando as regas do milho e das hortas, que ocorriam de Maio a Setembro, paralisavam algumas pedras dos moinhos. Outra condição prevista para a diminuição da prestação sucedia durante o período da lagaragem do azeite, com especial destaque para os meses de Novembro e Dezembro. Por esta última causa, o mosteiro abdica de 80 alqueires de trigo no foro do moinho de Chiqueda e da azenha de Fervença. Os monges excluíam outros casos que pudessem ser reclamados para abater os foros, como o efeito das secas ou das inundações no vingar das searas. Consideravam, todavia, o incumprimento do foro, caso se verificasse o arrombamento das levadas e açudes, situação extensível à inundação dos moinhos e pejamento ou travamento da roda pela acção da corrente. A fim de evitar qualquer aproveitamento indevido, pedia-se a imediata participação do acontecimento e a entrega da segurelha como prova da imobilização das pedras. No termo dos acordos, como se observa nas condições contratuais do moinho das freiras de Cós, o rendeiro era obrigado a entregar o moinho com os engenhos “correntes e moentes”, deixando as pedras capazes de moer o grão por um período de seis meses (caso a durabilidade das pedras fosse maior, o rendeiro era ressarcido) e os utensílios de ferro (picadeiras, picões e alavancas) como os receberam. No moinho de baixo da Fervença exige-se ao moleiro que dê conta das três relas e aguilhões de bronze, materiais que substituíram o seixo aparelhado (MADURO, 2011, 275-279). 45

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Com o decreto de extinção das ordens religiosas, em 30 de Maio de 1834, os bens destes institutos foram a hasta pública, a fim de financiarem o sistema jurídico-político do Liberalismo nascente. Os novos actores concen46

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tram estrategicamente os meios de transformação dos frutos da terra, caso do brasileiro Bernardo Pereira de Sousa, que adquire os moinhos e lagares de azeite de Chiqueda e da Fervença, ou de Francisco Pereira da Trindade, que detém o domínio útil dos moinhos do Mosteiro e da Praça (MADURO, 2011, 252-253). Esta geração de proprietários tem agora de trabalhar com a liberdade das águas e a profusão de engenhos de moagem. De acordo com o relatório agrícola de 1839, sabe-se que a comarca possuía 40 moinhos de água e 17 de vento, os quais se encarregavam de moer 3000 moios de cereal. Mas, a estatística de 1862 confirma a democratização da actividade de moagem, registando 159 moinhos de água e 85 de vento. Esta concorrência popular força a algumas reformas nas casas de moinhos do extinto mosteiro de Alcobaça, com obras nos açudes e a multiplicação dos engenhos de rodízio ou, quando a localização se afigura propícia, à substituição integral do moinho de água por uma azenha. Estas são as últimas reformas no âmbito da tecnologia tradicional de moagem, dado que, a partir do último quartel do século XIX, assentamentos como o moinho das Freiras e o conjunto de Fervença foram demolidos para aí se instalar, em 1875, a Companhia de Fiação e Tecidos de Alcobaça. Outras casas de moinhos foram também transformadas em moagens industriais.

Sistemas de retenção da água no antigo território abacial A água escoa-se frequentemente por cavidades na rocha – os algares –, cuja origem poderá ser atribuída ao desabamento de abóbadas de cavernas subterrâneas. A obstrução de alguns destes algares permitiu a formação de pequenas lagoas, de grande utilidade para a população local (NATIVIDADE, 1922). A título de exemplo, referem-se a Lagoa Ereira e o Barreirão da Quinta da Granja, próximos de Turquel, a Lagoa Ruiva, em Ataíja de Cima, a Lagoa da Cova, em Ataíja de Baixo, e o Barreirão de Moleanos, actualmente convertidas em áreas agrícolas, na maioria dos casos. Todavia, é nas “pias” ou cisternas desta área que o agricultor conserva a água durante o Verão. Duas importantes pias podem ver-se ainda hoje em terras da Quinta de Vale de Ventos, antiga granja monástica de Alcobaça: as chamadas Pia da Serra e Pia do Olival (ou das Obras). A primeira situa-se na encosta oeste da serra dos Candeeiros, tem planta rectangular, com cerca de 15,00 x 9,00 m e uma altura máxima aproximada de 3,00 m. Está construída com blocos calcários e coberta por uma abóbada de berço. Um dos aspectos 47

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Fig. 16 – Alcobaça. Quinta de Vale de Ventos. Pia da Serra. Autor: J. M. de Mascarenhas.

mais curiosos desta cobertura refere-se ao sistema de recolha de água. Nas paredes menores do edifício abre-se uma janela pela qual se podia extrair água da cisterna, por um balde. No exterior, próximo da janela oeste, existe uma pia escavada num bloco calcário, para dar de beber ao gado. Adossado àquela face do edifício, existe um muro que envolve os restantes três lados deste, definindo um pátio. Na superfície rochosa que constitui o chão deste pátio, há regos escavados que permitem a condução da água pluvial para o interior da cisterna (Fig. 16)2. Esta cisterna destinou-se, sobretudo, ao abeberamento do gado serrano, não sendo de excluir também a irrigação dos pomares de limas e de laranjeiras doces que existiram na encosta da serra. A Pia do Olival localiza-se no sopé da serra, a cerca de 800 m a oeste da Pia da Serra. Trata-se de um grandioso tanque, em alvenaria, com planta rectangular, dividido em dois compartimentos comunicantes, medindo exteriormente 56,00 x 29,00 m e com a altura máxima da água de 3,50 m. O muro voltado a oeste apoia-se em cinco contrafortes, tendo os das extremidades uma espessura maior do que os restantes (3,70 m e 0,80 m, respectivamente) – Figs. 17-18. 2

À semelhança de muitos aiguiers da Provença (França) e de outras estruturas congéneres da orla mediterrânica.

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Fig. 17 – Alcobaça. Quinta de Vale de Ventos. Vista do interior da Pia do Olival. Autor: J. M. de Mascarenhas.

Fig. 18 – Alcobaça. Quinta de Vale de Ventos. Aspecto dos contrafortes da Pia do Olival. Autor: J. M. de Mascarenhas.

Todos eles apresentam uma altura e uma profundidade aproximadamente idênticas de 2,50 m e 1,60 m, respectivamente. Pouco se nota do sistema de adução de água, além do troço extremo do canal, visível a meio do muro voltado a norte. Quanto ao sistema de evacuação, identificou-se um orifício de descarga de fundo no paramento oeste, donde parte um canal, visível apenas num trajecto aproximado de 20,00 m. Embora não disponhamos de dados seguros quanto à utilidade da Pia do Olival, o próprio topónimo revela uma função hidro-agrícola, provavelmente para irrigação do extenso olival que cobria o sopé da serra, além de outras culturas, como hortas e pomares (SOUZA, 1929)3. Estas pias terão sido obra dos monges alcobacenses (SOUZA, 1929), sabendo-se mesmo que a Pia do Olival foi mandada construir, no terceiro quartel do seculo XVIII, pelo geral Luiz Pereira (RIBEIRO, 1908, 154). 3

A plantação de grandes olivais, iniciada já no século XVII, ocorreu no abaciado de Fr. Manuel de Mendonça (NATIVIDADE, 1944, 49).

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Sistemas de saneamento e valorização agrícola dos pauis O conhecimento dos principais trabalhos de saneamento hidráulico, executados nos coutos da Abadia de Alcobaça entre as datas de fundação (1153) e de secularização (1834), apoiou-se, sobretudo, na análise documental, aerofotográfica e cartográfica e em averiguações no terreno, no decurso de um estudo realizado há mais de vinte anos (MASCARENHAS et al., 1994)4. São escassas as referências monásticas a trabalhos de regulação hídrica, durante a época medieval. A maioria das obras efectuadas não foi registada e apenas dispomos de notícias documentais avulsas ou insertas em contratos de finais da Idade Média, entre os enfiteutas e o mosteiro. Todavia, com o estabelecimento da Ordem de Cister em Alcobaça, que levou ao incremento de actividades agrícolas e à exploração de madeiras e de outros recursos naturais, provocando um aumento da erosão dos solos, deu-se uma “significativa mudança do ambiente sedimentar”, a partir do século XII (HENRIQUES, 2013, 436). Se considerarmos a planície aluvial do antigo “mar” da Pederneira constituída por três alvéolos que comunicam entre si por estrangulamentos rochosos5, é provável que, em finais do século XIII, a maioria dos terrenos do alvéolo Valado dos Frades – Maiorga já se encontrasse saneada, em resultado das obras de drenagem, dessalinização e enxugo das áreas pantanosas (HENRIQUES, 2013). O primeiro documento conhecido, relativo a trabalhos hidráulicos, data de 1187, quando o abade D. Martinho I comprou a Mem Peres uma propriedade junto ao rio de Salir, a fim de desviar “o rio que corre na fronteira dos nossos coutos”. Para os séculos XIV e XV, há referências a vários documentos acerca das “abertas” feitas por operários especializados – os “aberteiros” –, a cargo da Abadia de Alcobaça, por serem dispendiosas, sobretudo, quando eram condutas principais dirigidas directamente para os rios (GONÇALVES, 1989). As testadas, ou canais secundários, eram da responsabilidade dos foreiros que as deviam construir ou manter em bom estado. Por vezes, cabia também aos colonos a tarefa da construção de açudes, alguns deles obras duráveis de “pedra e cal”, para regulação do caudal dos 4

Excluem-se desta análise as intervenções feitas noutras terras sob a administração abacial, situadas fora da região de Alcobaça, bem como as obras de abastecimento de água ao complexo monástico medievo, já descritas acima. 5 São o alvéolo litoral, o alvéolo intermédio Ponte das Barcas – Valado dos Frades e o alvéolo oriental Valado dos Frades – Maiorga. Cf. HENRIQUES, 2013.

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ribeiros e irrigação de terrenos. Estes trabalhos, assim como a limpeza dos rios, resultaram em contratos com vários povoadores, como os de Maiorga, Torre das Colmeias (junto a Fervença) e na Granja do Jardim. Conhecem-se ainda obras hidráulicas de saneamento, com fins de valorização agrícola, realizados durante o século XIV, nas zonas de São Martinho, Aljubarrota, Maiorga e Alfeizerão, e, ao longo do século XV, nas regiões de Cós e de Alfeizerão (GONÇALVES, 1989). Relativamente aos séculos XVI e XVII, não dispomos de notícias sobre grandes empreendimentos hídricos, mas apenas relativos à manutenção de abertas e testadas, o que se explica pelo facto de o mosteiro ter perdido muito da exploração directa do seu domínio, e, ainda, pela instituição da Comenda. A partir do século XVIII, já aparecem várias notícias acerca de obras hidrotécnicas. Com efeito, “em 1700, assina-se o contrato entre o mosteiro e o povo de Maiorga para a abertura do Rio Novo. Ficavam assim reunidas diversas águas numa corrente única, o que permitia valar com vantagem uma maior área de brejos” (M. NATIVIDADE,1960, 107). Segundo este autor, deve-se à acção do marquês de Pombal, “o estudo do saneamento dos campos de Alfeizerão e Valado, com a derivação urgente dos rios, construção das portas de maré, a forma, enfim, de transformar os grandes pauis e campos de cultura” (M. NATIVIDADE, 1960, 54)6. Durante o reinado de D. José, e a pedido do Mosteiro de Alcobaça, foi mandado executar ao engenheiro Bento de Moura Portugal um mapa da região em análise. Este técnico recomendou a abertura de uma vala no paul da Cela, que confluiria no Alcoa, bem como a construção de portas de maré, junto à Ponte da Barca (NATIVIDADE, 1960), projecto que não se concretizou devido à morte do rei e à queda do marquês de Pombal. Mas a urgência de obras hidráulicas nos campos de Valado/Maiorga, de São Martinho/Alfeizerão e da Mata era tal que a autoridade régia nomeou uma comissão técnica, dirigida pelos engenheiros Isidoro Paulo Pereira e Joaquim de Oliveira, para o levantamento topográfico destes campos, onde se descriminassem as obras efectuadas e a executar. Estes técnicos elaboraram um relatório, datado de Junho de 1759, que propõe, entre outras medidas, a construção da Vala Nova, com uma porta de maré, e de uma ponte na Barquinha. Propõe-se, ademais, que a Vala Nova desague no rio Alcoa, abaixo do ponto de confluência da Vala Velha (NATIVIDADE, 1960). Certamente, a referida Vala Velha corresponde ao actual rio da Areia (Fig. 19), 6

Os trabalhos de canalização do rio Alcoa, nos campos de Maiorga e de Valado, aparecem já mencionados nas Memórias Paroquiais de 1758.

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Fig. 19 – Alcobaça. Rio da Areia ou Vala Velha. Autor: J. M. de Mascarenhas.

pelo que se tratou de uma obra de grande envergadura7. Como resultado de um reconhecimento aerofotográfico e cartográfico, efectuado em meados da década de 19908, na área costeira dos antigos coutos de Alcobaça, foram identificadas importantes obras de ordenamento hidráulico, em particular nos campos de Valado dos Frades, Alfeizerão, Tornada e Salir de Matos, assim resumidamente caracterizados: Campo de Valado dos Frades/Maiorga (Fig. 20) A jusante de Fervença, o rio Alcoa apresenta-se canalizado, tendo sido provavelmente implantado no limite sul da área aluviar. O rio da Areia aparenta ter sido completamente desviado do seu curso inicial (a partir de Casal da Areia), constituindo um canal que, perto do Valado dos Frades, segue a meia encosta (Fig. 19)9. O objectivo desta obra seria criar uma vala receptora 7

Este rio já consta nas referidas Memórias Paroquiais. O termo “valado”, do topónimo Valado dos Frades, está já indicado nos documentos supracitados e refere-se, certamente, àquele canal. 8 Reconhecimento através da observação estereoscópica de fotografias aéreas verticais pancromáticas (escala aprox. 1:15 000) do voo FAP51, de Maio de 1989. De igual modo, se lançou mão, para certas áreas mais restritas (Valado, Alfeizerão e Salir de Matos), de fotografias aéreas verticais infravermelhas “falsa cor” (escala aprox. 1:15 000) de voo ACEL 1990. Este trabalho foi acompanhado pelas análises da Carta Militar de Portugal (escala 1:25 000), da Carta Geológica de Portugal (escala 1:50 000) e por visitas ao terreno para apoio à interpretação. 9 Inicialmente, teria seguido o mesmo percurso do rio do Meio.

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Fig. 20 – Alcobaça. Principais trabalhos de saneamento e canalização de cursos de água nos campos de Valado dos Frades, Maiorga e Cela. Traço-dois pontos: provável percurso inicial dos cursos de água; Ponteado: obras de canalização provavelmente anteriores a 1834; Traço-ponto: obras de canalização realizadas entre 1935 e 1939; / Porta de maré. Autor: J. M. de Mascarenhas.

de parte da bacia do rio do Meio, que confluísse neste apenas próximo do mar, a cerca de 1,700 km. Deste modo, controlava-se melhor os caudais e, por conseguinte, o encharcamento dos campos nesta área. O rio do Meio, cujo percurso neste “campo” segue entre os dos rios da Areia e Alcoa, apresenta-se também canalizado. Segundo cremos, inicialmente, este rio desaguava no Alcoa, próximo de Fervença, e não próximo do mar, como hoje acontece (Fig. 20). O rio das Águas Belas (ou Levadinha) e a Vala Nova apresentam-se também canalizados, com vista ao enxugo dos terrenos (Fig. 21).

Fig. 21 – Alcobaça. Campos da Pederneira (alvéolo intermédio), notando-se a Vala Nova, a Levadinha e uma porta de maré. Autor: J. M. de Mascarenhas.

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Fig. 22 – Alcobaça. Vista dos campos de Alfeizerão. Autor: J. M. de Mascarenhas.

Campo da Cela Um grande canal de cintura recolhe as águas da bacia envolvente, antes de as lançar no rio Alcoa, próximo da foz. No seu interior podem observarse canais com uma disposição aproximadamente radial (Fig. 20). O rio de Famalicão, que conflui no referido canal de cintura, apresenta o seu troço superior regularizado. Campo de Alfeizerão Na extensa área aluvionar, aproximadamente definida pelo triângulo S. Martinho – Alfeizerão – Tornada (Fig. 22), reconhecem-se obras hidráulicas de grande vulto (Fig. 23). Os rios de Alfeizerão e da Tornada apresentam um percurso artificial e canalizado, a jusante das suas povoações. O rio da Palhagueira, cujo percurso inicial se devia confundir com o do rio da Tornada, aparenta ter sido desviado deste, a fim de seccionar a sua bacia hidrográfica. O troço inferior deste rio, denominado Vala do Paul, vai desembocar na Vala Real. Instalaram-se complexos de valas, a oeste da Tornada (subsidiárias do rio da Palhagueira) e a norte de Chão da Parada (subsidiárias da Vala Real). Um canal, afluente do rio de Alfeizerão10, atravessa actualmente parte da povoação de S. Martinho do Porto. Outro canal, subsidiário do rio da Tornada, foi instalado na baixa aluvionar, entre Salir de Matos e Barrantes. O percurso inicial de certos rios, em particular o dos rios de Alfeizerão e da Tornada, pode deduzir-se a partir da foto-interpretação e da compreensão topográfica da zona (Fig. 23)11. 10

Na Carta Geológica de Portugal tem o topónimo de Vala Real dos Medros e terá sido instalado aquando da construção das linhas do caminho-de-ferro do Oeste. 11 Veja-se o levantamento, à escala 1:2 000, executado no âmbito de um estudo de Geomorfologia. Cf. HENRIQUES, 1996.

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Além dos supracitados canais, observam-se muitos outros, de importância menor, relacionados com a drenagem dos campos ou para fins hidro-agrícolas (Fig. 22). Identificação de obras de ordenamento hidráulico posteriores a 1834 Partiu-se da hipótese de que vários dos trabalhos observados na fotografia aérea e nas cartas topográficas foram efectuados em épocas relativamente recentes, pelo que se realizou uma pesquisa documental com vista à sua identificação. Assim, encontraram-se referências especialmente a obras na foz do Alcoa, em 1814 e nos períodos de 1822-26 e de 1833-38, para regularização da sua barra, condição imprescindível para a recuperação dos campos interiores encharcados (LOUREIRO, 1904)12. Tais trabalhos não produziram resultados significativos, porquanto, num ante-projecto de 1863, relativo ao melhoramento dos campos de Valado, Maiorga, Famalicão e Campinho, há a notícia de que os rios e abertas daquela zona se encontravam entulhados. Mais se indica que “as antigas portas de água haviam desaparecido, e entravam livremente nas terras as águas das marés” (LOUREIRO, 1904, 267). É provável que estas antigas Fig. 23 – Alcobaça. Principais trabalhos de portas de maré sejam as saneamento e canalização de cursos de água nos construídas no século XVIII, campos de S. Martinho, Alfeizerão e Tornada. dado não se ter conhecimenTraço-dois pontos: provável percurso inicial dos to de outras. A construção de cursos de água; Ponteado: obras de canalização, novas portas foi considerada talvez anteriores a 1834. num projecto de 1865, o qual, Autor: J. M. de Mascarenhas. 12

A barra fechava-se permanentemente, pelo que, em geral, era necessário abri-la três vezes por ano.

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todavia, não teve prossecução. Em 1896, alguns proprietários dos campos de Alcobaça dirigiram um requerimento ao Governo, a fim de solicitarem a desobstrução e fixação do rio Alcoa, junto à foz (LOUREIRO, 1904). Num mapa de Licínio Valença, elaborado em 1927 (VALENÇA 1928 e 1929), identificam-se duas portas de maré, próximo da Ponte da Barca (Fig. 24). Será que a sua construção resulta da citada petição de 1896? Na opinião de Adolfo Loureiro, os referidos campos ficaram ao abandono, “muito principalmente, depois da extinção das ordens religiosas”, deixando de se observar os antigos regimentos para a conservação dos canais de drenagem (LOUREIRO, 1904, 265). No primeiro quartel do século XX, vários técnicos debruçaram-se acerca destes problemas de hidráulica agrícola. Entre outros, citam-se Raul Mendonça, Ferreira da Silva (CASIMIRO, 1940) e Licínio Valença, apresentando este um estudo sobre os campos de Valado, Cela, Pederneira e Famalicão (VALENÇA, 1928 e 1929), onde tratou dos problemas do seu enxugo, dessalgamento e irrigação13. Na carta elaborada por este técnico observa-se que a área ocupada pelos pauis atingia uma superfície superior a 400 ha (cerca de um terço da área), no alvéolo intermédio Ponte das Barcas – Valado dos Frades (Fig. 24). Segundo o referido autor (VALENÇA, 1928 e 1929), nos pauis de Valado, predominava uma flora lenhosa subarbustiva e arbustiva, essencialmente constituída por amieiros, enquanto na Cela predominava uma flora herbácea, com dominância de bunho, tabuga e caniço. No referente às práticas culturais, no campo de Valado dominavam as culturas de regadio14 e no campo da Cela, as culturas de sequeiro15. Apoiado em informação local, ele cita o uso de técnicas populares de regadio, como o “cubo”, tubo constituído por duas peças justapostas, obtidas a partir de um troço de pinheiro escavado no interior. Tais “cubos” atravessavam as motas dos canais, de modo a possibilitar o escoamento da água para as levadas de rega. Seria este o “sistema lombardo de irrigação” referido por William Beckford, em 1793 (BECKFORD, 1989, 137)? Das diversas propostas avançadas por Valença, é de notar a instalação de um canal de cintura para o paul da Cela, a fim de recolher as águas da sua bacia hidrográfica. Em 1932, 13

No âmbito deste trabalho, a Divisão de Agrimensura do Ministério da Agricultura utilizou, pela primeira vez em Portugal (1927), o método da fotogrametria aérea para o levantamento topográfico dos referidos campos. 14 Culturas hortenses, a norte da Levadinha, e culturas arvenses e pratenses, também associadas a hortenses, entre a Levadinha e o Alcoa. 15 Trigo e vinha, em condições muito precárias, a norte do rio de Famalicão, e milho, a sul daquele rio.

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Fig. 24 – Alcobaça. Sector da Carta dos terrenos alagados das freguesias de Cela, Valado, Pederneira e Famalicão. Autor: L. Valença.

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realizou-se um novo estudo para este paul16, cujas obras decorreram entre 1935 e 1939, com aproveitamento útil para a agricultura de mais de metade da área inicialmente inundada (NEVES, 1974, 762). Procedeu-se, entre outras acções, à regularização dos rios Alcoa (alteamento das suas motas) e de Famalicão, com a supressão de parte deste, e instalação de dois colectores de encosta, um a norte e outro a sul, posteriormente ligados, passando a constituir um canal de cintura (Fig. 20). De destacar ainda a implantação de um colector geral de enxugo, com início na parte central do campo de Cela, num local denominado “Roseta”, aonde passaram a confluir quatro valas (COSTA, 1960). Nas terras marginais do rio do Meio foram também abertas valas de enxugo (CASIMIRO, 1940). Esta obra de valorização teve uma segunda fase, planeada em 1960 (COSTA, 1960), cujo objectivo era a melhoria das condições de enxugo e a construção das redes de rega primária e secundária, sendo este o seu estado actual genérico.

Considerações finais Neste breve estudo colectivo e interdisciplinar, pretendemos sublinhar a importância do património hidráulico de iniciativa cisterciense, no seu antigo couto de Alcobaça. Analisámos os múltiplos usos e necessidades da água, mormente, para fins domésticos (dessedentar, cozinhar, higiene pessoal, lavagens, etc.), industriais e técnicos (moinhos, engenhos, manufacturas, etc.) e agrícolas (saneamento, irrigação, etc.). O ordenamento hidráulico deste território agrário abacial obrigou à construção de estruturas de apoio à presença, exploração e gestão hídricas, as quais exigiram conhecimentos e competências especializados imprescindíveis. Dentre os principais trabalhos empreendidos por aqueles monges e conversos, nomeiem-se aqui, sobretudo: a escavação de poços freáticos; a abertura de valas e canais; a açudagem; a construção de aquedutos, diques, portas de maré, pontes, máquinas, engenhos e moinhos; a transferência e a regularização de cursos fluviais; o desassoreamento de lagoas; e o enxugo de terrenos.

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Segundo CASIMIRO, 1940, o estudo foi elaborado por Sir M. Macdonald & Partners, de Londres, a pedido da Junta Autónoma das Obras de Hidráulica Agrícola.

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A construção da paisagem hidráulica couto cisterciense Alcobaça Cadernosnodeantigo Estudos Leirienses – 4 *deMaio 2015

Estas históricas obras utilitárias de desenho e transformação do meio ambiente silvestre constituíram o impulso da modernidade hidrotécnica dos Cistercienses, com reflexos na morfologia e nos valores culturais paisagistas, ainda hoje manifestos na agricultura contemporânea e na vitalidade económica daquela região estremenha. Como construtores e artífices de paisagens e de estruturas hidráulicas, os diligentes monges alcobacenses testemunham-nos o préstimo material e o significado religioso que eles concederam ao labora do mandato beneditino. Nesta palavra-chave da Regra assentou a sua lógica vivencial em economia autárcica desejada e completa. Saibamos garantir a salvaguarda e a valorização, atempadas e perduráveis, destas memórias hidráulicas ancestrais ainda remanescentes, todavia, desfiguradas e em decadência silenciosa. Pelo seu interesse e riqueza de pluralidade dimensional, este ameaçado acervo de iniciativa e herança cisterciense impõe cuidados, apreço e respeito histórico que o resgatem do esquecimento. Referências bibliográficas – BECKFORD, William – Souvenirs d’Alcobaça et Batalha. Paris: Ed. José Corti, 1989. – CASIMIRO, Augusto – Conquista da Terra (Hidráulica Agrícola Nacional) 1140-1940. Lisboa: Ed. Inquérito, 1940. – COCHERIL, Dom Maur – Alcobaça: Abadia Cisterciense de Portugal. Lisboa: Imprensa NacionalCasa da Moeda, 1989. – COSTA, Pedro Félix da – Estudo e Projecto da Segunda Fase da Obra da Cela. Relatório Final do Curso de Engenheiro Agrónomo, Lisboa: Instituto Superior de Agronomia, 1960 (policopiado). – DIAS, Jorge – Sistemas Primitivos de Moagem em Portugal. Moinhos, Azenhas e Atafonas. IMoinhos de Água e Azenhas. Porto: IAC/CEEP, 1959. – GIL, Maria Olímpia – “Engenhos de moagem no século XVI (Técnicas e Estruturas) “. Do Tempo e da História, nº 1, 1965. – GONÇALVES, Iria – O Património do Mosteiro de Alcobaça nos Séculos XIV e XV. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 1989. – HENRIQUES, Maria Virgínia Faria João – A faixa litoral entre Nazaré e Peniche. Unidades geomorfológicas e dinâmica actual dos sistemas litorais. Tese de doutoramento. Évora: Universidade de Évora, 1996 (policopiada). – HENRIQUES, Maria Virgínia Faria João – “O Litoral dos Coutos de Alcobaça. Evolução sedimentar e histórica da Lagoa da Pederneira”, em José Albuquerque CARREIRAS (dir.), Mosteiros Cistercienses. História, Arte, Espiritualidade e Património, tomo III. Alcobaça: Jorlis-Edições e Publicações, Lda., 2013.

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Cadernos de Estudos Leirienses – 4 * Maio 2015

– JORGE, Virgolino Ferreira – “Captage, Adduction, Distribution et Évacuation de l’Eau dans l’Abbaye Cistercienne d’Alcobaça (Estremadure, Portugal)”, em Leon PRESSOUYRE e Paul BENOIT (eds.), L’hydraulique monastique. Milieux, réseaux, usages. Grane: Créaphis, 1996. – LOUREIRO, Adolpho – Os Portos Marítimos de Portugal e Ilhas Adjacentes, vol. III. Lisboa: Imprensa Nacional, 1904. – MADURO, António Valério – “O Inquérito Agrícola da Academia Real das Ciências de 1787. O caso da comarca de Alcobaça”, em José Albuquerque CARREIRAS (dir.), Mosteiros Cistercienses. História, Arte, Espiritualidade e Património, tomo III. Alcobaça: Jorlis-Edições e Publicações, Lda, 2013. – MADURO, António Valério – Cister em Alcobaça. Território, Economia e Sociedade (séculos XVIIIXX). Porto: ISMAI, 2011. – MARTINHO, Ana Margarida – Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça. Contributos para a história do restauro da Igreja e da Sacristia Nova (1850-1960). Várzea da Rainha: Sinapis Editores, 2014. – MASCARENHAS, José Manuel; BARBOSA, Pedro Gomes e JORGE, Virgolino Ferreira – “Les Cisterciens et l’aménagement de l’espace. Le cas d’Alcobaça”, em Léon PRESSOUYRE (dir.), L’Espace Cistercien. Paris: Comité des Travaux Historiques et Scientifiques, 1994. – NATIVIDADE, Joaquim Vieira – As Granjas do Mosteiro de Alcobaça. Separata do Boletim da Junta da Província da Estremadura, nº 5, Lisboa, 1944. – NATIVIDADE, Manuel Vieira – Mosteiro e Coutos de Alcobaça. Alcobaça: Tipografia Alcobacense, 1960. – NEVES, Carlos Baeta – “Do Porto da Pederneira e da sua Lagoa”. Gazeta das Aldeias, nº 2769, 1974. – OLIVEIRA, Ernesto Veiga de; GALHANO, Fernando; PEREIRA, Benjamim – Tecnologia Tradicional Portuguesa. Sistemas de Moagem. Lisboa: INIC, 1983. – RIBEIRO, José Diogo – Memórias de Turquel. Porto: Typ. Universal, 1908. – SILVA, Carlos Mendonça (coord.) – Roteiro Cultural da Região de Alcobaça. A Oeste da Serra dos Candeeiros. Alcobaça: ADEPA, 2001. – SILVA, Carlos; ALARCÃO, Alberto; CARDOSO, António Poppe Lopes – A Região a Oeste da Serra dos Candeeiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1961. – SOUZA, José Pedro Saldanha Oliveira e – Coutos de Alcobaça: as cartas de povoação. Subsídios para a História da Agricultura em Portugal. Lisboa: Tip. Inglesa, 1929. – VALENÇA, Licínio – “Um problema de Hidráulica Agrícola”. Agros, IV, 2, nº 7-8, 1928. – VALENÇA, Licínio – Subsídios para o Estudo dos Problemas de Hidráulica dos Terrenos Alagados das Freguesias de Cela, Valado, Pederneira e Famalicão. Relatório Final do Curso de Engenheiro Agrónomo. Lisboa: Instituto Superior de Agronomia, 1929 (policopiado). – VITERBO, Fr. Joaquim de Santa Rosa de – Elucidário das Palavras, Termos e Frases que em Portugal antigamente se usaram […], vol. I. Porto-Lisboa: Livraria Civilização [1962], (1ª edição: 1798).

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