A construção da política brasileira de não proliferação nuclear e de desarmamento: entre o discurso e a prátic

June 7, 2017 | Autor: Leonardo Bandarra | Categoria: Nuclear Non-Proliferation Policy, Brazilian Foreign policy
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5o Encontro Nacional da Associação Brasileira de Relações Internacionais: Redefinindo a diplomacia num mundo em transformação Belo Horizonte, 29 a 31 de julho de 2015

A construção da política brasileira de não proliferação nuclear e de desarmamento: entre o discurso e a prática.

Leonardo Carvalho L. A. Bandarra Universidade de Brasília

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Política Externa.

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O presente artigo estudará as premissas sobre as quais se estruturou o discurso brasileiro de autonomia no campo da não proliferação nuclear e do desarmamento, além de considerar quão harmônicas foram as relações entre o discurso e a prática desenvolvida dentro do país. Buscar-se-á definir os eixos estruturantes do discurso oficial brasileiro contrário à proliferação de armas nucleares e ao acesso irresponsável a armamentos de destruição massiva, relacionado à percepção de mundo de país pacifista; promotor da igualdade de condições de desenvolvimento tecnológico entre as nações; instigador da democratização das instâncias multilaterais; contrário a medidas que promovam manutenção da disparidade de poder entre as nações. Essa linha de atuação da política externa, observada desde o segundo governo de Getúlio Vargas, foi essencial para a implementação de cooperação tecnológica com os Estados Unidos, a França e a Alemanha, cooperação esta necessária ao desenvolvimento de programa nuclear nacional. Além da análise política, opor-se-á o discurso oficial brasileiro, mantido durante o regime civil-militar, à visão de mundo daqueles responsáveis pelo desenvolvimento, a partir do governo de Ernesto Geisel, de programa nuclear paralelo. Nesse sentido, a pesquisa delineará as possíveis ameaças à segurança nacional vislumbradas pelos militares responsáveis pelo programa nuclear paralelo, identificadas tanto na América Latina quanto em outras regiões do globo, como exemplificado pela percepção de ameaça comunista. Por fim, analisar-se-á a o processo de adaptação do programa nuclear nacional aos limites impostos pela democracia, dentre os quais se incluíram a extinção das iniciativas de desenvolvimento de armas nucleares, ainda que para "explosões pacíficas". Esse último período é marcado pela adesão do Brasil aos principais mecanismos multilaterais de controle de armamentos e pela adoção de iniciativas regionais e nacionais que garantam a utilização de energia nuclear, tão somente, para fins pacíficos Palavras-chave: desarmamento; não proliferação; autonomia

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1. Introdução Historicamente, a política nuclear brasileira é objeto de considerável discussão e de peculiar desenvolvimento, marcado pelo caráter sigiloso e estratégico que o controle tecnológico do ciclo do átomo ensejou nos diversos grupos políticos brasileiros.

Não

obstante as mudanças de postura interna relativas à necessidade de controlar tecnologia nuclear, consolidou-se, no Brasil, política externa coesa no que se refere à defesa do princípio de não proliferação e de desarmamento nuclear . Essa política decorre da tradição diplomática brasileira, a qual, tendo suas origens na transmutação da corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808, permitiu ao Estado nacional mover-se internacionalmente segundo princípios bem definidos, como o pacifismo, o juridicismo, o universalismo1. Dentre esses princípios, ganha destaque a autonomia, cuja relevância é exemplificada pela classificação ss

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r e que a atribui coerência.2

Dessa forma, o presente artigo analisa a evolução da postura externa brasileira relativa ao regime internacional3 de não proliferação e de desarmamento nuclear , com ênfase inicial nos princípios que regeram a movimentação do país. Buscar-se-á conformar quadro capaz de demonstrar que, apesar da mudança de enfoque, os diversos governos os quais assumiram a presidência do país mantiveram consistência política no plano oficial, de modo a inserir o tema da não proliferação e do desarmamento no grande substrato 4

normativo da política externa brasileira.

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CERVO, A. 2008.

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SARAIVA, 2014.

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Por regime internacional, entende-se “princípios implícitos ou explícitos, de normas, regras, decisão

e procedimento sobre as expectativas de convergência dos atores num certo ramo das relações internacionais” (K ASNE , 1982, p. 187, tr 4

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Por substrato normativo, entende-se as normas e regras que garantem a continuidade da política

externa brasileira (VARGAS, 2008). Esse conceito é adaptado do livro The World of our Making, de Nicholas Onuf.

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Com vistas a melhor realizar os desígnios expostos, o presente artigo divide-se em três partes, além desta introdução. A primeira parte debruçar-se-á sobre as linhas gerais estruturantes da postura oficial brasileira, com ênfase nos elementos os quais permitiram a continuidade do discurso diplomático ligado ao tema da não proliferação e do desarmamento. A segunda parte enfocará os desdobramentos específicos da política nuclear brasileira, por meio de breve análise histórica da movimentação de atores internos no ambiente internacional, em especial diplomatas e militares, com objetivo de desenvolver tecnologia nuclear. A terceira parte consta de breve conclusão.

2. A movimentação diplomática brasileira: as linhas estruturantes da posição oficial A questão da continuidade da política das diretrizes principais da política externa brasileira ao longo do tempo é assunto largamente tratado por autores como Amado Cervo5, segundo o qual a política externa se baseia em princípios historicamente formados que garantem continuidade das linhas gerais da política externa ao longo do tempo, apesar de momentos de ruptura temporária, como quando do governo de Humberto Castello Branco. Outros estudiosos, como Henrique Altemani Oliveira (2005) e Maria Regina Lima (1994), destacam a relevância das coerência institucional, em especial do Ministério das Relações Exteriores (MRE) brasileiro, no que se refere à garantia de continuidade das ideias definidoras da política externa brasileira. De uma forma ou de outra, pode-se dizer que se desenvolveu, no Brasil, em política externa, quadro conceitual o qual possibilitou a manutenção de coerência da atuação internacional brasileira e o qual serviu de contorno para a posição brasileira sobre temas como a armas de destruição massiva. No concerne a esse quadro conceitual, princípio definidor da movimentação internacional brasileira foi o conceito de autonomia. Largamente estudado, o entendimento de autonomia desenvolvido no Brasil foi singular, na medida em que se pautou pela ênfase 5

CERVO, A. 2008.

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no aspecto social da negociação, ou seja, previa necessário diálogo com os nossos vizinhos e com os demais atores do sistema internacional, de modo a conformar atuação própria brasileira livre de constrangimentos externos6. É a essa noção que se pode caracterizar de autonomia decisória7. A noção brasileira de autonomia baseou-se, portanto, na busca da capacidade de conceber, de maneira livre, a política externa, de modo a adequá-la a noção mais ampla de interesse nacional8. Carlos Resende (2009) lembra que essa conceituação única de autonomia foi, grandemente, influenciada por pensadores como Araújo Castro, que consagrou a postura brasileira de independência perante contexto internacional bipolar. O conceito de autonomia constitui-se também daquilo que Collier e Levitsky (1997), r

utilizando-se de técnicas de definição conceitual de Sartori,



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(root concept), ou seja, um conceito matriz bem definido por meio do qual se poderia criar categorias menores de diferenciação. Essas categorias de diferenciação foram largamente utilizadas por diversos autores para explicitar as idiossincrasias de determinados períodos históricos, a exemplo de Gerson Moura (1980), com o conceito “ ut referente ao período iniciado na Segunda Guerra Mundial; (2003),

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de Luiz Inácio Lula da Silva. Nota-se, assim, que o

conceito de autonomia permanece como constante nas diferentes formas de inserção internacional do Brasil. Ainda no final da década de 1940, quando foi comprovada a viabilidade de armas de destruição massiva e do potencial energético oriundo da fissão nuclear, a diplomacia brasileira buscou aplicar o noção de autonomia como justificativa para o acesso a essa

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SARAIVA, 2014

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CERVO, A. 2008, p. 31

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RESENDE, 2009

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tecnologia. Tratou-se de destacar o direito de acesso justo e equitativo aos benefícios da energia nuclear como mecanismo de desenvolvimento tecnológico para nações em desenvolvimento. Nesse sentido, destaca-se a atuação do Almirante Álvaro Alberto, o qual buscou adquirir para o Brasil junto a países como Alemanha Ocidental, França, Noruega e Estados Unidos, por meio de transferência de tecnologia, capacidade de domínio completo do ciclo do urânio, em uma época quando ainda não se tinha estabelecido regime internacional de não proliferação nuclear.9 Embora, como lembra Carlo Patti (2014), Álvaro Alberto não se coadunasse com a postura oficial do MRE, e mesmo tivesse tido consideráveis desavenças com esse, Eiiti Sato (2013) lembra que ele muito contribuiu para a definição de pensamento diplomático posterior relativo à ênfase no ativismo diplomático como mecanismo para a obtenção de tecnologias indispensáveis ao desenvolvimento. Além da ênfase na necessidade de aquisição de meios para desenvolver autonomamente tecnologia nuclear, pensamento advindo da política de Álvaro Alberto, outras diretrizes fundamentais da política brasileira de não proliferação e de desarmamento advieram do pensamento do embaixador Araújo Castro, sendo posteriormente renovadas a partir do governo de Arthur Costa e Silva. Castro adaptou pensamento que já se gestava entre os condutores da política externa brasileira, como Hélio Jaguaribe, relativo à necessidade de aquisição de meios internacionais para o desenvolvimento nacional. Nesse sentido, ele destacou que o país enfrentava contexto internacional pouco propício ao s

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superpotências, as quais teriam criado mecanismos de evitar o acesso por parte de países 10

como o Brasil a novas tecnologias essenciais para a inserção internacional plena . Dessa forma, justificando também por meio das credenciais do Brasil como país pacífico e instigador da democratização das instituições internacionais, Castro associou, de modo inexorável, os conceitos de não proliferação e de desarmamento e os co-relacionou à necessidade de cooperação tecnológica para o desenvolvimento. Segundo essa perspectiva, um mundo realmente seguro e a eficiente não proliferação nuclear somente seriam possíveis caso o controle de armamentos nucleares fosse, efetivamente, realizado sob todas suas formas, ou seja, a não proliferação horizontal - aquela pela qual países

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desnuclearizados são impedidos de obter armas nucleares – e a não proliferação vertical, ou desarmamento – pela qual países detentores de armas nucleares reduzem estoques11. Dessa forma, desenvolveu-se no Brasil política relativa ao regime de não proliferação nuclear a qual persiste até a atualidade, como demonstrado pelo recente discurso do representante brasileiro junto à conferência de revisão do Tratado de Não Proliferação12. Essa política baseou-se, principalmente, mas não exclusivamente, na perene busca brasileira de autonomia decisória com vistas ao desenvolvimento tecnológico nacional. Acreditam os policy makers brasileiros de que o acesso a tecnologias de ponta é essencial para o desenvolvimento do país, entendido como a finalidade última da política externa, e que esse acesso não é incoerente com a manutenção da segurança internacional. Pelo contrário, a política brasileira também buscaria manter sistema internacional pacífico e seguro, o que somente seria possível por meio da eficiente aplicação do princípio da não proliferação em suas duas vertentes (não proliferação vertical e horizontal).

3. A política nuclear brasileira as percepções de grupos políticos domésticos Embora possa ser criticada como utópica, a política brasileira para não proliferação e desarmamento nuclear foi operacionalizada por diferentes atores nacionais. Seja por meio de criticas à ineficácia do regime internacional vigente, principalmente por esse não tratar desarmamento com a mesma ênfase com a qual trata a não proliferação horizontal, seja por meio de ensaios de cooperação para o desenvolvimento tecnológico autônomo por meio de cooperação internacional, a política nuclear brasileira e a política externa possuem íntima conexão. Tendo essa relação em vista, buscar-se-á expor, nesta parte do artigo, breve desenvolvimento histórico da política nuclear brasileira. A política nuclear brasileira começou, de forma preliminar, nos anos 1940, quando do fornecimento pelo governo de Getúlio Vargas de urânio aos Estados Unidos para o 11

ZHENQIANG, 2004

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desenvolvimento do Projeto Manhattan13. Esse programa de cooperação inseria-se no contexto mais amplo da parceria especial com os Estados Unidos ao final da Segunda Guerra Mundial. Conforme lembra Gerson Moura (1980), ao final da guerra, os Estados Unidos haviam-se tornado o principal parceiro comercial do Brasil e tornavam-se principal parceiro político e militar. Isso pode ser ilustrado pelo acordo de cooperação por ambos os países firmados previamente ao ingresso do Brasil no conflito, pelo qual Vargas, entre outros pontos tratados, cedia ao esforço aliado minerais estratégicos. Após o término do Estado Novo, a política nuclear brasileira sofreu revezes, exemplificados pela atuação protagônica do almirante Álvaro Aberto na busca de autossuficiência nuclear. O entendimento das décadas de 1950 e de 1960 era de demasiada euforia para com as promessas de suprimento eficiente e contínuo de energia por meio da fissão nuclear. Nesse sentido, buscou-se renovar, durante o governo de Eurico Dutra, de forma pouco efetiva, a aliança com os Estados Unidos, país que assumira a liderança do bloco capitalista e que não mais via a América Latina como região de interesse especial. Durante o segundo governo Vargas, as negociações para o acordo de transferência de tecnologia nuclear com os Estados Unidos continuaram a apresentar-se como pouco promissoras, de modo que alternativas foram ensaiadas. Começou-se a buscar junto parcerias mais abertas ao compartilhamento de tecnologia junto a países como Alemanha e França, que passavam por processo de recuperação econômica. Nesse governo, ganha destaque o acordo secreto firmado com a Alemanha Ocidental, em 1953, o qual previa a exportação, para o Brasil, de três centrífugas de enriquecimento de urânio em troca de exportação de urânio físsil, além de transferência de tecnologia de uso dual – capaz de ser utilizada para fins bélicos.14

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As alternativas europeias foram reavaliadas, contudo, no governo de Juscelino Kubistchek, o qual era, consideravelmente, aberto à tecnologia nuclear, como exemplificado pela criação da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) durante seu mandato.15 Apesar de Kubistchek ter desenvolvido política de aproximação econômica e de cooperação com os países europeus16 para possibilitar a diversificação dos investimentos externos e, assim, cumprir seu Plano de Metas, a ascensão de Dwight Eisenhower nos Estados Unidos mudaria os rumos da política de cooperação nuclear brasileira. Isso ocorreu devido ao pr gr

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qual Washington mudava sua política de cooperação e

passava a aceitar transferência de tecnologia nuclear para fins pacíficos a países como o Brasil e Argentina. Esse programa, abriria espaço para o acordo de 1971, firmado com a empresa Westinghouse para a construção da usina de Angra I. Apesar de a cooperação com os Estados Unidos ter-se fortalecido, no campo nuclear, durante os governos de Jânio Quadros e de João Goulart, vale recordar a já explicitada maturação da postura internacional contrária à não proliferação e ao desarmamento durante os anos da Política Externa Independente, em especial devido à atuação de Araújo Castro na chancelaria. Ganha destaque, também, a maior inserção da diplomacia no campo da não proliferação e do desarmamento nucleares, por meio, por exemplo, do início das negociações no âmbito das Nações Unidas após a Crise dos Mísseis de Cuba, que levariam ao projeto da formação de zona livre de armas nucleares na América Latina por meio do Tratado de Tlatelolco, de 1967. Com o estabelecimento do regime militar, em 1964, a política nuclear brasileira passa a tornar-se mais central, dado o caráter estratégico com que essa era percebida pelas forças armadas. Isso deveu-se tanto ao grande potencial energético ensejado pela energia nuclear quanto por seu possível potencial bélico, o que coadunava com a percepção de 15

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ameaças geopolíticas vislumbradas pelos militares, como a ameaça comunista, a fragilidade dos Estados que margeavam o Atlântico Sul e a rivalidade argentino-brasileira17. Grupos conformados por órgãos como a CNEN e o MRE, durante o governo Castello Branco, retomam negociações com os Estados Unidos e, após longo processo marcado pelo pouco interesse de diversas empresas norte-americanas em investir na construção de uma usina nuclear no Brasil, em 1971, durante o governo de Emílio Médici, é iniciada a construção da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto, ou Angra I, em Angra dos Reis. Embora esse acordo, com a empresa Westinghouse, tenha possibilitado a instalação de reatores nucleares no Brasil, ele não previa a transferência de tecnologia de enriquecimento de urânio. Esse viés tornou-se critico em 1974, quando o congresso americano, em resposta à explosão atômica indiana, vetou a continuidade da exportação de urânio enriquecido a países considerados propensos a desenvolver armas nucleares, como o seria o Brasil, pois esse se recusava a assinar o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) por considerá-lo instrumento de manutenção da desigualdade tecnológica e do congelamento de poder. Devido às dificuldades com os Estados Unidos, o governo volta-se, novamente, à Alemanha Ocidental com vistas a buscar nova cooperação tecnológica. Conforme lembra Antônio Lessa (1995), a Europa Ocidental havia-s t r red

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Unidos. Nesse sentido, é assinado, em 1975, acordo nuclear com a Alemanha, o qual previa a instalação de oito usinas nucleares no Brasil pela empresa Kraftwerk Union, uma subsidiária do Grupo Siemens. Esse acordo insere-se tanto na política de afirmação nacional de Geisel e de busca de renovação da matriz enérgica brasileira em contexto de aumento dos preços internacionais do petróleo quanto na política agressiva de busca de

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GONÇALVES; MIYAMOTO, 1993

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inserção competitiva no mercado internacional de reatores nucleares pela Alemanha do Partido Social-Democrata18. No marco da cooperação, ao final do governo de Ernesto Geisel, o conjunto das três forças armadas inicia programa nuclear paralelo com o objetivo de dominar o ciclo completo de enriquecimento de urânio para propósitos múltiplos, inclusive bélicos19. Segundo Gall (1976), a CNEN chega, inclusive a realizar estudo detalhado pelo qual o Brasil, caso tivesse necessidade, demoraria, aproximadamente, 15 anos para obter bomba atômica. De qualquer modo, o programa é acelerado quando do segundo choque do petróleo, em 1979, quando a necessidade de diversificação da matriz enérgica brasileira torna-se patente, ainda mais em meio à crise das hidrelétricas com a Argentina, resolvida, em 1979, com o Acordo Tripartite Itaipu-Corpus. Durante o governo Figueiredo, a questão torna-se ainda mais evidente, em especial devido à aproximação com a Argentina e a assinatura de acordo, não implementado, para a cooperação nuclear, em 1980. A questão da posse de armas atômicas torna-se elemento explícito da política brasileira, em especial devido a declarações do chanceler Saraiva Gu rr r s br fins p

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de pesquisa de Aramar, em Iperó, destinado ao desenvolvimento de submarino nuclear nacional, cuja posse se havia tornado elemento prioritário àquela força armada, porquanto se passou a atribuir a derrota argentina na Guerra das Malvinas à presença de submarinos nucleares britânicos no Atlântico Sul21. Com a redemocratização, a política nuclear brasileira sofre novas mudanças. Embora haja indícios de firmamento de acordo entre as novas lideranças civis, encabeçadas 18

KRAUSE, 2005

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VARGAS, 1997

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KASSENOVA, 2014, p. 32.

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por Tancredo Neves, e as Forças Armadas para a manutenção de autonomia no campo nuclear22, o governo de José Sarney torna pública a existência do programa paralelo e anuncia que o Brasil havia avançado no desenvolvimento de tecnologia nuclear autóctone.23 Nova ênfase é dada às relações com a Argentina, como demonstrado pela Declaração de Ezeiza, de 1988, pela qual ambos os países se comprometiam em desenvolver reatores conjuntos, e pelas visitas de Sarney à usina argentina de Pilcaniyeu e de Alfonsín ao Centro Experimental de Aramar. Esses desenvolvimentos bilaterais também foram animados pela recusa de as lideranças políticas civis anuírem a obtenção de tecnologia nuclear para fins não pacíficos, conforme explicitado pelo artigo 21, XXIII, a, da Constituição Federal de 1988. Com o governo de Fernando Collor, o Brasil assume postura mais intensa no que concerne ao campo nuclear. Esse governo foi marcado, como destaca Wendy Hunter (1997), pela consolidação dos civis no poder também no que concerne ao desenvolvimento de tecnologias sensíveis. Collor busca renovar as credenciais brasileiras junto à comunidade internacional e aproximar-se, em especial, dos países do então denominado Primeiro Mundo. Com o intuito de transmitir a imagem do Brasil como país confiável, Collor consolida a abdicação definitiva da ambição brasileira de dominar tecnologia nuclear de uso dual, por meio do desmantelamento do programa paralelo, representado pelo ato de jogar pá de cal em local designado para futuros testes nucleares na Serra do Cachimbo. Como forma de consolidar essa nova política nuclear perante a comunidade internacional, Collor e o presidente argentino Carlos Menem criam, por meio do Tratado de Guadalajara, a Agência Brasileira de Contabilidade e Controle, para fins de fiscalização mútua das usinas nucleares em ambos os países e de aplicação de salvaguardas nos moldes daqueles implementados pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Além disso, em 1991, Brasil, Argentina, ABACC e AIEA assinam o Tratado Quadripartite, 22

HUNTER, 1997, p. 39.

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VARGAS, 1997

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pelo qual a comunidade internacional, por meio da AIEA, teria amplo acesso aos programas nucleares brasileiro e argentino, o que tornaria ambos os países responsivos ante o regime internacional de não proliferação e desarmamento nuclear. Isso não impossibilitou, contudo, que o Brasil desenvolvesse tecnologia nuclear própria e inovadora, as ultra-centrífugas por levitação magnética, as quais são, até hoje, consideradas segredo industrial. Em 1998, já durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, o Brasil adere ao TNP, em ato justificado pela necessidade de obter-se maior acesso a tecnologias nucleares. Além disso, o Brasil passa a desempenhar postura mais ativa junto ao Grupo dos Fornecedores Nucleares (Nuclear Suppliers Group) e, em 2001, Brasil e Argentina criam a Agência Argentino-Brasileira de Aplicações da Energia Nuclear (ABAEN). O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, cujo chanceler, Celso Amorim, foi um dos articuladores da Coalizão para a Nova Agenda, em 1998, mantém postura ativa no que concerne à postura brasileira tradicional de não proliferação nuclear e desarmamento, enquanto opta por renovar o programa da marinha para o desenvolvimento de submarino nuclear, o qual havia recebido pouco apoio dos governos civis anteriores. Assim como o governo Lula, o governo de Dilma Rousseff também mantém política nuclear atuante, como representado pelo anúncio, em 2011, de desenvolvimento de mini-reatores de investigação em parceria com a Argentina24.

4. Conclusão A relação entre política externa e política nuclear brasileira é ampla e de considerável relevância histórica. Cultivou-se, no Brasil, política externa altiva de crítica ao caráter segregacionista do regime internacional de não proliferação e de desarmamento nuclear, baseado tanto na ênfase na democratização do acesso de todos os países a tecnologia nuclear para fins pacíficos e na quanto no destaque para a indissociável relação entre não proliferação vertical (desarmamento) e não proliferação horizontal. Além disso, 24

DOVAL; VARELA, 2014, p. 190.

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vale destacar que a posse de igualdade de condições para a aquisição de tecnologias sensíveis é elemento que coaduna com a ênfase da diplomacia brasileira na autonomia. Paralelamente, desenvolveu-se, por meio de grupos internos, em especial militares, políticos e diplomatas, política nuclear capaz de ter viabilizado, no país, tecnologia autóctone de enriquecimento de urânio. A criação dos meios pelos quais essa tecnologia foi possibilitada foi objeto de atenção por, praticamente, todos os governos que se alternaram na presidência da república desde Getúlio Vargas até Dilma Rousseff, o que demonstra o caráter estratégico dessa tecnologia. Dessa forma, o presente artigo buscou explicitar a intrínseca relação entre política externa e política nuclear brasileiras, duas políticas que contribuíram tanto para o aprimoramento tecnológico do país quanto para a sofisticação conceitual do substrato normativo que conduz a diplomacia nacional.

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