A construção de um novo instrumento contra escravidão e tráfico de pessoas

July 6, 2017 | Autor: Renato Bignami | Categoria: Trabalho Escravo, Tráfico De De Pessoas
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http://reporterbrasil.org.br/2013/02/a-construcao-de-um-novo-instrumento-internacional-contra-escravidao-eo-trafico-de-pessoas/ 25/02/2013 - 19:43

A construção de um novo instrumento internacional contra escravidão e o tráfico de pessoas Criação de um novo instrumento internacional foi debatida em reunião tripartite de peritos em trabalho forçado na Organização Internacional do Trabalho Por Renato Bignami* | Categoria(s): Artigos

Trabalhador libertado da escravidão contemporânea (Foto: Divulgação / MTE)

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) está promovendo um debate tripartite, que inclui representantes de governo, trabalhadores e empregadores de várias partes do mundo, no sentido de verificar eventuais lacunas nas normas que estabelecem padrões mínimos para a erradicação do trabalho forçado no mundo. As Convenções 29 e 105 são mundialmente reconhecidas e estão entre as mais ratificadas no âmbito da OIT. Não obstante, esses importantes instrumentos de proteção de direitos humanos foram elaborados em contexto diferente do atual, em que a globalização da economia promove um rápido avanço econômico ao mesmo tempo em que propicia o retorno a formas arcaicas de superexploração do trabalho e a concepção de novas. Uma estimativa recente da OIT indica haver cerca de 21 milhões de pessoas sob o regime de trabalho forçado em todo o mundo. Esses trabalhadores podem ser encontrados sofrendo abusos em locais de trabalho tão díspares quanto no ambiente doméstico, na agricultura, nos sweatshops de produção de peças do vestuário, na construção civil, na hotelaria, ou em outros tantos As Convenções 29 e 105 (…) setores da economia que insistem em manter condições precárias de trabalho e foram elaborados em contexto desrespeito aos mais básicos e fundamentais direitos do homem. O debate foi diferente do atual, em que a aprovado pela 101ª Conferência Internacional do Trabalho, ocorrida em 2012 globalização da economia de forma tripartite com a finalidade de melhor compreender as diversas promove um rápido avanço econômico ao mesmo tempo em realidades e necessidades dos Estados-Membros na tarefa de garantir o que propicia o retorno a formas cumprimento dos direitos e princípios fundamentais no trabalho, conforme arcaicas de superexploração estabelecido naDeclaração da OIT Sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho e Seu Seguimento, de 1998. Nesse debate (e, consequentemente, no possível/desejável futuro novo instrumento) estão incluídas discussões a respeito de mecanismos de prevenção, de proteção das vítimas e de compensação pelo dano sofrido, além do adequado estabelecimento da conexão entre trabalho forçado e tráfico de pessoas.

Contexto histórico Importante ressaltar que as Convenções 29 e 105 são instrumentos antigos (1930 e 1957, respectivamente) e, de certa forma, desatualizados. A primeira foi elaborada especificamente dentro de um contexto histórico de descolonização dos países africanos e asiáticos com relação às nações europeias, e traz um conceito de trabalho forçado bastante relacionado com essa conjuntura. Nas antigas colônias era comum encontrar resquícios de várias tipologias de trabalho forçado, servidão e escravidão. A ideia era elaborar um marco de transição para uma economia baseada no trabalho livre assalariado, ao passo em que os países iam se libertando da matriz europeia. Dessa maneira, a Convenção 29 trouxe o conceito mundialmente adotado de trabalho forçado e diversos dispositivos de transição, os quais não estão mais em vigor, segundo conclusões do Comitê de Peritos da OIT. Apenas mantém-se vivo o conceito nuclear de trabalho forçado, que foi sendo ampliado pelo mesmo Comitê com a finalidade de alcançar as novas e modernas formas de submissão do trabalhador a esse tipo de exploração. Incluemse, nesse conceito, todas as formas de escravidão, nos termos dos principais instrumentos internacionais sobre o tema, e o tráfico de pessoas conforme estabelece o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado, mais conhecido pelo nome da cidade italiana em que foi tratado, Palermo.

Trabalhador resgatado em pedreira no Rio de Janeiro. Foto: Divulgação/MTE

Igualmente não existe na Convenção 29 qualquer menção aos meios pelos quais o trabalho forçado deveria ser combatido, nem os caminhos para se chegar à total erradicação. Também não se contempla nela nenhuma medida de proteção das vítimas ou compensação pelos danos sofridos. Foram as práticas e a jurisprudência nacionais que acabaram enriquecendo o enfrentamento do trabalho forçado no decorrer desses anos todos. Da mesma forma, a Convenção 105 não contém recursos sobre como combater o trabalho forçado, completando apenas o conceito já existente para abarcar as práticas de submissão de trabalhadores perpetradas pelo próprio Estado como forma de punição política. Enfrentamento e prevenção Hoje em dia as situações de descolonização e trabalho forçado imposto pelo Estado são muito reduzidas ou quase inexistentes. A imensa maioria do trabalho forçado é encontrada no setor privado, advindo de complexos esquemas de terceirização e muitas vezes inserido em algum momento em grandes cadeias produtivas globais. As práticas no enfrentamento do trabalho forçado variam muito de país a país, e o Brasil é sempre citado como referência, por todo o histórico de luta demonstrado nos últimos 18 anos. Entretanto, apesar de muitos países já disporem de estruturas avançadas de enfrentamento, a imensa maioria ainda não apresenta nenhum tipo de medida de proteção das vítimas, de prevenção para que não ocorram situações de exploração ou qualquer mecanismo de compensação pelos danos sofridos, fazendo da ratificação da Convenção 29 um ato vazio. A esse fato agregue-se o papel de protagonista que o movimento antitráfico de pessoas representa ao redor do mundo no último decênio. Com a entrada em vigor no plano internacional do Protocolo de Palermo (2003), o tema ganhou uma repercussão enorme e os temas exclusivamente relacionados como a exploração da escravidão e do trabalho forçado acabaram por ser eclipsados. Ocorre que o Protocolo de Palermo, apesar de ser bastante moderno e, portanto, já conter mecanismos de proteção, prevenção e compensação das vítimas, é um instrumento prioritariamente voltado para o estabelecimento de políticas criminais, uma vez que é um adicional à Convenção das Nações Unidas sobre o crime organizado. Dessa forma, questões como políticas públicas de emprego e renda, formação e reinserção no mercado de trabalho de trabalhadores submetidos à escravidão, assim como medidas específicas de proteção ao trabalhador, não constam desse instrumento tampouco.

Medidas de repressão de cunho criminal são fundamentais na luta contra o tráfico de pessoas e o trabalho forçado, mas devem ser compreendidas como o último e derradeiro passo dentro de uma política maior de erradicação do trabalho forçado. Mais úteis são as medidas de prevenção, como, por exemplo, uma adequada política ativa de emprego e renda e de inserção no mercado de Medidas de repressão de cunho criminal são fundamentais na trabalho, voltadas para os grupos vulneráveis. Sendo assim, por meio da luta contra o tráfico de pessoas e formação profissional adequada e da entrada correta no mercado formal de o trabalho forçado, mas devem trabalho, garante-se que o trabalhador terá uma qualificação melhor e poderá, ser compreendidas como o dessa forma, evitar as redes clandestinas de aliciamento e, consequentemente, último e derradeiro passo dentro o trabalho escravo. Da mesma maneira, é importante o estabelecimento de de uma política maior de uma política nacional de proteção da relação de trabalho, conforme erradicação do trabalho forçado estabelecido pela Recomendação n. 198, da OIT, com a finalidade de se reforçar os mecanismos protetores no âmbito das chamadas relações triangulares de trabalho, das subcontratações desmesuradas e da pulverização da cadeia produtiva, como forma de prevenção do trabalho forçado. Possibilidades Um novo instrumento poderia tratar do tema de forma mais adequada e voltada diretamente para temas estritamente laborais e não criminais. Seria de extrema utilidade, notadamente para países que têm dificuldades em enfrentar de maneira correta o problema. O Comitê de Peritos exerce um papel fundamental na atualização do conteúdo desses instrumentos todos e os Estados-Membros deveriam fomentar a absorção dessa “quase jurisprudência” internacional do trabalho por novos e mais modernos instrumentos. Igualmente uma nova norma deveria estabelecer de forma clara e correta a nítida correlação entre tráfico de pessoas e trabalho forçado e, mais ainda, adotar inteiramente o exercício de interpretação do Comitê de Peritos, que aproximou ambos os conceitos. Ao integrar esses conceitos, o Comitê diz, efetivamente, que todas as medidas de prevenção, proteção e compensação já existentes para as vítimas de tráfico de pessoas devem igualmente ser garantidas para as vítimas de trabalho forçado, pois os dois fenômenos são intrinsecamente conectados e até mesmo se confundem.

Mulher grávida resgatada em fiscalização no setor têxtil, em São Paulo, em 2013 (Foto: Anali Dupré)

Não haveria grandes dificuldades para o Brasil ratificar uma futura nova convenção (ou mesmo um protocolo adicional às convenções existentes) que preveja todos os itens discutidos, já que avançamos muito e dispomos de um acervo razoável de medidas para proteger e compensar as vítimas. Falta melhorarmos na prevenção, com o estabelecimento de melhores políticas públicas destinadas aos públicos mais vulneráveis. É importante, no entanto, que, qualquer que seja o instrumento a ser adotado, apresente medidas de cunho mandatório direcionadas aos Estados-Membros. Sabemos o real alcance das recomendações, que acabam funcionando mais como sugestões para os Estados-Membros que, assim, não se veem compelidos a atuar de maneira mais eficaz. Caso a Conferência entenda que uma recomendação já seria suficiente, perderemos uma grande oportunidade de redirecionar o debate sobre o trabalho forçado na agenda atual para um patamar prioritariamente de natureza trabalhista e focado mais na prevenção e na proteção das vítimas. *Renato Bignami é auditor-fiscal do trabalho e participou da reunião tripartite de peritos em trabalho forçado organizada pela Organização Internacional do Trabalho entre 11 a 15 de fevereiro de 2013, como perito em trabalho forçado indicado pelo Governo brasileiro

TRANSLATION [Google+XP] 25/02/2013 - 19:43

The construction of a new international instrument against forced labour and human trafficking Creation of a new international instrument was discussed in a tripartite meeting of experts on forced labor in the International Labour Organization By Renato Bignami * | Category (s): Articles The International Labour Organization (ILO) is hosting a tripartite debate, comprising representatives of government, workers, and employers from around the World, in order to verify any gaps in the rules that establish minimum standards for the elimination of forced labor in the World. Conventions 29 and 105 are recognized worldwide and are among the ILO conventions with largest ratification. Nevertheless, these important instruments of human rights protection were developed in a very different perspective: in the current context economic globalization promotes rapid economic progress as well as provides return to archaic forms of labour overexploitation while inventing new ones. A recent ILO’s estimate indicates that there are approximately 21 million people under the regime of forced labour worldwide. These workers can be found suffering abuse in workplaces as diverse as home services, agriculture, sweatshops in the production of garment, construction, hotels, or in many other sectors of the economy that insist on keeping precarious conditions of work, and disregard the most basic and fundamental human rights. The debate was approved by the 101st International Labour Conference, held in 2012 in tripartite way, in order to better understand the diverse realities and needs of Member States in ensuring compliance with the fundamental principles and rights at work, as established in the ILO Declaration about Fundamental Principles and Rights at Work and its Follow-up (1998). In this debate (and hence in the possible / desirable future new instrument) are included discussions on mechanisms of prevention, protection of victims, and compensation for any harm suffered, and also the proper establishment of the connection between forced labor and human trafficking. Historical Context It is important to stress that Conventions 29 and 105 are ancient instruments (1930 and 1957 respectively), and somehow outdated. The first one was developed specifically within a historical context of decolonization of African and Asian countries with respect to European nations, and brings an original concept of forced labor fairly related to this time. In former colonies was common to find traces of various types of forced labor, servitude and slavery. The idea was to develop a framework for transition to an economy based on free waged labor, while these countries were breaking free from European blueprint. Thus, the Convention 29, adopted worldwide, brought the concept of forced labor and various transitional provisions, which are no longer in force, according to findings of the ILO Committee of Experts. Nevertheless, the core concept of forced labor is still in force. The original concept was enlarged by the same Committee in order to encompass the new and modern forms of worker's submission to this kind of exploitation. In this concept are included all forms of slavery, in terms of the main international instruments on the subject, and trafficking in persons as set forth in Additional Protocol to the UN Convention Against Transnational Organized Crime, better known by the Italian name of the town in which the treaty was concluded: Palermo.

Also there is no mention on Convention 29 of the means by which forced labor should be fought, nor the paths to reach the complete eradication. Additionally it does not include any measures to protect victims or compensate

them for damages they suffered. Only through best practices and Jurisprudence in different countries would it be possible to enrich the way of combatting forced labor during all these years. Similarly, the Convention 105 contains no resources on how to combat forced labor, completing only the existing concept in order to embrace the practice of submission of workers perpetrated by the State as a punishment policy. Coping and preventing forced labor Nowadays situations of decolonization and forced labour imposed by the State are very rare or almost nonexistent. The vast majority of forced labour is found in the private sector, arising from complex outsourcing schemes and often inserted at some point in large global supply chains. Practices in addressing forced labour vary widely from country to country, and Brazil is often cited as a reference on the basis of all its history of struggle demonstrated over the past 18 years. However, even though many countries already have set up advanced structures for combatting the problem, the vast majority still does not have any measure of protection of victims or prevention to avoid situations of exploitation, or any mechanism for compensating damages. All of this turns the ratification of Convention 29 into a vacuous act. Another fact has been the starring role of the anti-trafficking movement all around the World in the last decade. With the entry into force at the international level of the Palermo Protocol (2003), this issue gained enormous repercussions and issues solely related to the exploitation of slavery and forced labour eventually eclipsed. The Palermo Protocol, although very modern and therefore already containing protective mechanisms, prevention and compensation of victims, is an instrument primarily aimed at the establishment of criminal policies, since it is an additive to the United Nations Convention on transnational Organized Crime. Thus that instrument neither addresses public policy issues such as employment and income, education and reintegration into the labor market of workers subjected to slavery, nor offers specific provisions to protect workers. Repressive measures of criminal nature are key instruments for combatting human trafficking and forced labour, but must be understood as the last and final step within a larger policy of eradication of forced labor. More useful are the preventive measures, such as a suitable active employment and income policy and adequate insertion in the labor market, aimed at vulnerable groups. Thus, through proper training and proper entry in the formal labour market may ensure a better qualification for workers in order to prevent them from clandestine networks of enticement, and hence slave labour. Likewise, it is important to establish a national policy to protect the employment relationship, as established by Recommendation no. 198, ILO, with the aim of strengthening the protective mechanisms in the context of so-called “triangular relationships”, including subcontracting within the supply chains, as a means to prevent forced labor. Possibilities A new instrument could address the issue more adequately and directly geared strictly to labour issues and not criminal ones. It would be extremely useful, especially for countries that have difficulties in facing properly the problem. The Committee of Experts has an important role in updating the content of these instruments and all Member States should encourage the uptake of this "quasi- jurisprudence" into new and more modern instruments. Also a new rule should establish a clear and correct correlation between human trafficking and forced labour and, even more, should adopt entirely the exercise of interpretation of the Committee of Experts, which brought together both concepts. By integrating these concepts, the committee says, in effect, that all measures of prevention, protection and compensation for existing victims of trafficking should also be ensured for victims of forced labour, since the two phenomena are intrinsically connected and up even overlap. There would be no difficulty for Brazil to ratify a new future convention (or even an additional protocol to the existing conventions) that provides all of the items in discussion, since we already moved a lot and have a collection of reasonable provisions in order to protect and compensate victims. We need to improve our prevention capacity, with the establishment of better public policies aimed at the most vulnerable. Whatever the

instrument to be adopted, it is important, however, to introduce mandatory measures aimed at the Member States. We all know the real scope of a “recommendation”: it ends up functioning more like a suggestion for the Member States since they do not see themselves compelled to act more effectively. Should the Conference considers that a recommendation would be enough, we will miss a great opportunity to redirect the debate on forced labour in the current agenda towards a priority labour level, focusing more strongly on prevention and protection of victims. * Renato Bignami is Labour Inspector and participated in the tripartite meeting of experts on forced labour organized by the International Labor Organization from 11 to 15 February 2013, as an expert in forced labour indicated by the Brazilian Government.

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